Vous êtes sur la page 1sur 68

julho-agosto de 2018 – ano 59 – número 322

Os jovens, a fé 3 Ajuventude
fase da
Cleusa Sakamoto

e o discernimento 9 Sínodo da
vocacional Juventude:
oportunidade de
ver, ouvir e sair
Vilsom Basso

19 Asquerem
juventudes
vida
Tânia da Silva Mayer

29 Oespiritual
acompanhamento
à luz do
encontro de Jesus
com a samaritana
Márcia Helena Rodrigues
Paroli

37 Dom Helder
Camara e as
juventudes
Ivanir Antonio Rampon

41 Roteiros
homiléticos
Johan Konings
COLEÇÃO
YOUCAT
CATECISMO JOVEM DA IGREJA CATÓLICA

DOCAT YOUCAT Bíblia Jovem


O DOCAT é a tradução popular O YOUCAT (abreviação de Youth A Bíblia não é um livro qualquer.
da Doutrina Social da Igreja feita Catechism) é o livro ideal para Com a Palavra de Deus, a luz
especialmente para os jovens! quem acredita que a fé na Palavra veio ao mundo e nunca mais se
Este volume é um presente e um de Deus é, sim, coisa de gente apagou! Na Bíblia Jovem, você vai
apelo do Papa Francisco a todos jovem! Em formato de perguntas encontrar textos selecionados da
os que estão dispostos a aliar e respostas, a obra é a primeira Sagrada Escritura, comentários
o entusiasmo da juventude à fé a falar sobre a mensagem e a a alguns desses textos, frases
inabalável em Cristo. doutrina da Igreja numa língua de santos, fotos, perguntas dos
que é a cara da nossa juventude: jovens e muito mais!
moderna, direta e divertida.

YOUCAT
Preparação para a Crisma
Agora em versão adaptada para a realidade dos
Versão jovens brasileiros, o YOUCAT: Preparação para a
brasileira Crisma foi elaborado para guiar, em dois volumes,
catequista e catequizando até o grande dia da
Confirmação. Confira a novidade!

11 3789-4000 | 0800-164011 A nossa palavra é comunicação!


vendas@paulus.com.br @editorapaulus
Afinal, quem é e o que pensa
Bento XVI sobre o mundo de hoje?

Bento XVI, A Igreja Católica


e o “Espírito da Modernidade”
Uma Análise da Visão do Papa Teólogo Sobre o “Mundo de Hoje”
Rudy Albino de Assunção
Qual é a relação entre a Igreja e a modernidade? O que mudou depois do Concílio Vaticano II?
Bento XVI foi um papa antimoderno ou moderno, afinal de contas? As respostas para essas
perguntas você encontra no novo lançamento da PAULUS, Bento XVI, a Igreja Católica e o
“espírito da modernidade”. Um estudo abrangente sobre o papa emérito, que nos revela seu
pensamento, suas ações sobre a Igreja e sua visão do mundo de hoje.

11 3789-4000 | 0800-164011 A nossa palavra é comunicação!


vendas@paulus.com.br @editorapaulus paulus.com.br
Dois estudos fundamentais para
compreender os ataques à dignidade
humana no nosso tempo.

Patologias do poder Origem do sofrimento


Saúde, direitos humanos e a do pobre
nova guerra contra os pobres Teologia e antiteologia
Paul Farmer no livro de Jó
Este livro é o esforço de um médico antropólogo
Luiz Alexandre Solano Rossi
para revelar caminhos nos quais o direito mais
A humanidade, atualmente, vive uma de suas
básico – o de sobreviver – é atropelado em
maiores crises: o aumento da polarização
uma era de grande riqueza, provando que esse
entre ricos e pobres. Nesta obra, Luiz Alexandre
assunto deve ser considerado o mais urgente
Solano Rossi se debruça sobre o problema,
dos nossos tempos. O drama e a tragédia dos
interligando o livro de Jó e a análise do sistema
doentes desamparados preocupam não apenas
econômico vigente, que produz injustiça, miséria
os médicos e estudiosos que trabalham entre
e desigualdade social.
os pobres, mas todos os que professam algum
interesse pelos direitos humanos.

11 3789-4000 | 0800-164011 A nossa palavra é comunicação!


vendas@paulus.com.br @editorapaulus paulus.com.br
vidapastoral.com.br

Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz!


O papa Francisco, perguntado no livro Deus cita em vocês é, para alguns, motivo de aborreci-
é jovem sobre o que seria a juventude, assim re- mento e irritação, porque um jovem alegre é difícil
ponde: “A juventude não existe. Quando falamos de manipular”. O papa chama a atenção dos jo-
de juventude, muitas vezes nos referimos incons- vens para não se deixarem enganar, tampouco
cientemente ao mito da juventude. Porém, gosto permitirem que se emudeçam seus sonhos. “Calar
de pensar que a juventude não existe e quem os jovens é uma tentação que sempre existiu [...].
existe em seu lugar são os jovens”. O papa retira Há muitas maneiras de tornar os jovens silencio-
de cena aquilo que é discurso genérico e, como é sos e invisíveis. Há muitas maneiras de os aneste-
próprio dele, toca a vida na sua dimensão mais siar e adormecer para que não façam ‘barulho’,
concreta – nesse caso, a vida dos jovens. para que não se interroguem nem ponham em
É certo que os jovens, em todo tempo e lugar, discussão. Há muitas maneiras de os fazer estar
geralmente são as principais vítimas, quando não tranquilos, para que não se envolvam, e os seus
os maiores culpados por tudo o que é desordem. sonhos percam a altura, tornando-se fantasias ras-
Não é raro ouvir dos adultos a frase: “Estes jovens teiras, mesquinha, triste”. O papa tem consciência
de hoje...”, como se eles também não tivessem de que a comunidade cristã é chamada a ser jovem
sido jovens um dia e se comportado exatamente e de que o presente e o futuro da missão evangeli-
segundo o espírito próprio dessa fase, caracteriza- zadora estão nas mãos e na voz dos jovens.
da por ousadia, sonhos, alegria. Em um mundo marcado pela idolatria do
A alegria, aliás, tem sido o mote do pontifi- consumo, os jovens são sempre os mais visados.
cado de Francisco. Em sua primeira exortação, Paradoxalmente, são também deixados à margem,
fez da alegria o ponto de partida do seu ministé- uma vez que lhes incute a ideia de felicidade fácil,
rio: “A alegria do evangelho enche o coração e a lhes tira a oportunidade de inserção no mundo do
vida inteira daqueles que se encontram com Je- trabalho. No Brasil, por exemplo, sabe-se que é
sus. Quantos se deixam salvar por ele são liber- grande o número de jovens que nem trabalham
tados do pecado, da tristeza, do vazio interior, nem estudam. Contudo, os que governam pouco
do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem incentivam políticas públicas de fomento e pro-
cessar a alegria” (EG 1). Além disso, no início da moção da juventude.
exortação pós-sinodal sobre o amor na família, Nesta edição de Vida Pastoral, queremos fa-
retoma o termo: “A alegria do amor que se vive zer ressoar nas comunidades o desejo sempre re-
nas famílias é também o júbilo da Igreja” (AL 1). novado da Igreja: viver e anunciar a alegria do
A expressão do papa sinaliza para a alegria como evangelho. Em sintonia com o Sínodo dos Bispos
o combustível que nos impulsiona no caminho dedicado à juventude, cada comunidade esteja
da vida. A alegria, portanto, é o estado de estar atenta e aberta a ouvir e acolher os anseios dos
vivo, de estar repleto do Espírito, de olhar para jovens. O papa tem insistido na atitude e na capa-
a vida com esperança. cidade que os cristãos devem cultivar, que é ou-
Na homilia do domingo de Ramos deste ano, vir. Os frutos do sínodo serão férteis se nascidos
dirigindo-se aos jovens por ocasião da preparação dos desejos expressos e reais dos jovens.
do Sínodo dos Bispos a ser realizado em outubro Boa leitura e feliz missão!
próximo, com o tema: “Os jovens, a fé e o discer-
nimento vocacional”, de novo Francisco fala da Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
alegria: “Queridos jovens, a alegria que Jesus sus- Editor
Revista bimestral para
sacerdotes e agentes de pastoral
Ano 59 — número 322
JULHO-AGOSTO de 2018

Editora PIA SOCIEDADE DE SÃO PAULO Assinaturas assinaturas@paulus.com.br


Jornalista (11) 3789-4000 • FAX: 3789-4011
Responsável Valdir José de Castro, ssp Rua Francisco Cruz, 229
Editor Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp Depto. Financeiro • CEP 04117-091 • São Paulo/SP
Conselho editorial Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp Redação © PAULUS – São Paulo (Brasil) • ISSN 0507-7184
Claudiano Avelino dos Santos, ssp vidapastoral@paulus.com.br
Darci Luiz Marin, ssp paulus.com.br / paulinos.org.br
Paulo Sérgio Bazaglia, ssp vidapastoral.com.br
Ilustrações Elinaldo Meira
Editoração Fernando Tangi
Revisão Alexandre Soares Santana Periódico de divulgação científica. Área: Humanidades e artes.
e Cícera Gabriela Sousa Martins Curso: Teologia.

Vida Pastoral – Assinaturas


A revista Vida Pastoral é distribuída gratuitamente pela Paulus. Para contato:
A editora aceita contribuições espontâneas para as despesas E-mail: assinaturas@paulus.com.br
Tel.: (11) 3789-4000
postais e de produção da revista.
Fax: (11) 3789-4011
Para as pessoas que moram em cidades onde não há livraria
Para a efetuação de assinaturas, enviar dados e cópia de compro-
Paulus e desejam receber a revista, as assinaturas podem ser vante de depósito da contribuição para despesas postais para:
efetuadas mediante envio dos dados para cadastro de assinante Revista Vida Pastoral – assinaturas
Rua Francisco Cruz, 229 – Depto. Financeiro
(nome completo, endereço, telefone, CPF ou CNPJ) e de contri-
04117-091 – São Paulo – SP
buição espontânea para a manutenção da revista. Para os que
Contas para depósito de contribuição para despesas postais:
já são assinantes e desejam renovar a assinatura, pede-se acres- Banco do Brasil: agência 0646-7, conta 5555-7
centar aos dados também o código de assinante. Bradesco: agência 3450-9, conta 1139-8

Livrarias Paulus
APARECIDA – SP CAXIAS DO SUL – RS JUIZ DE FORA – MG SANTO ANDRÉ – SP
Centro de Apoio aos Romeiros Av. Júlio de Castilho, 2029 Av. Barão do Rio Branco, 2590 Rua Campos Sales, 255
Lojas 44,45,78,79 (54) 3221-7797 (32) 3215-2160 (11) 4992-0623
(12) 3104-1145 caxias@paulus.com.br juizdefora@paulus.com.br stoandre@paulus.com.br
aparecida@paulus.com.br
CUIABÁ – MT MANAUS – AM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SP
ARACAJU – SE Rua Antônio Maria Coelho, 180 Rua Itamaracá, 21, Centro Rua XV de Novembro, 2826
Rua Laranjeiras, 319 (65) 3623-0207 (92) 3622-7110 (17) 3233-5188
(79) 3211-2927 cuiaba@paulus.com.br manaus@paulus.com.br riopreto@paulus.com.br
aracaju@paulus.com.br NATAL – RN
CURITIBA – PR SÃO LUÍS – MA
BELÉM – PA Pça. Rui Barbosa, 599 Rua Cel. Cascudo, 333 Rua do Passeio, 229 – Centro
Rua 28 de setembro, 61 – (41) 3223-6652 Cidade Alta – (84) 3211-7514 (98) 3231-2665
Campina – (91) 3212-1195 curitiba@paulus.com.br natal@paulus.com.br saoluis@paulus.com.br
belem@paulus.com.br PORTO ALEGRE – RS
FLORIANÓPOLIS – SC SÃO PAULO – PRAÇA DA SÉ
BELO HORIZONTE – MG Rua Jerônimo Coelho, 119 Rua Dr. José Montaury, 155 Praça da Sé, 180
Rua da Bahia, 1136 (48) 3223-6567 Centro – (51) 3227-7313 (11) 3105-0030
Ed. Arcângelo Maleta florianopolis@paulus.com.br portoalegre@paulus.com.br pracase@paulus.com.br
(31) 3274-3299 RECIFE – PE
FORTALEZA – CE SÃO PAULO – RAPOSO TAVARES
bh@paulus.com.br Av. Dantas Barreto, 1000 B
Rua Floriano Peixoto, 523 Via Raposo Tavares, Km 18,5
BRASÍLIA – DF (85) 3252-4201 (81) 3224-9637 (11) 3789-4005
SCS – Q.1 – Bloco I – Edifício fortaleza@paulus.com.br recife@paulus.com.br raposotavares@paulus.com.br
Central – Loja 15 – Asa Sul RIBEIRÃO PRETO – SP
GOIÂNIA – GO SÃO PAULO – VILA MARIANA
(61) 3225-9847 Rua São Sebastião, 621
Rua Seis, 201 – Centro Rua Dr. Pinto Ferraz, 207
brasilia@paulus.com.br (16) 3610-9203
(62) 3223-6860 Metrô Vila Mariana
CAMPINAS – SP goiania@paulus.com.br ribeiraopreto@paulus.com.br (11) 5549-1582
Rua Barão de Jaguara, 1163 RIO DE JANEIRO – RJ vilamariana@paulus.com.br
JOÃO PESSOA – PB
(19) 3231-5866 Rua México, 111–B
Rua Peregrino de SOROCABA – SP
campinas@paulus.com.br (21) 2240-1303
Carvalho,134 – Centro Rua Cesário Mota, 72 – Centro
riodejaneiro@paulus.com.br
CAMPO GRANDE – MS (83) 3221-5108 (15) 3442-4300 3442-3008
Av. Calógeras, 2405 – Centro joaopessoa@paulus.com.br SALVADOR – BA sorocaba@paulus.com.br
(67) 3382-3251 Rua Direita da Piedade, 75
VITÓRIA – ES
campogrande@paulus.com.br Barris (71) 3321-4446
Rua Duque de Caxias, 121
salvador@paulus.com.br
(27) 3323-0116
vitoria@paulus.com.br
A fase da juventude
Cleusa Sakamoto*

O artigo apresenta algumas definições dadas ao período da juventude,


que a caracterizam como fase singular do ciclo vital humano, em que
o indivíduo pode contemplar o futuro com a capacidade de refletir
sobre suas escolhas, e pode perceber que é um importante agente de
transformação social.
*Cleusa Sakamoto é psicóloga Ideias preliminares

A
formada pela Universidade de São
juventude é uma fase do ciclo vital hu-
Paulo, com mestrado e doutorado pela
USP. Professora universitária, leciona mano caracterizada por elevada vitalida-
atualmente na Faculdade Paulus de de, associada a muitos planos pessoais e de-
Tecnologia e Comunicação – Fapcom
– e é autora de inúmeros artigos e sejos. É, portanto, permeada de experimen-
capítulos de livros. E-mail: cleusa. tações múltiplas e busca de definições, moti-
sakamoto@geniocriador.com.br
vadas por uma vontade urgente de encontrar
respostas a perguntas que emergem da expe-
riência de viver e ser jovem.
Jovens de nossa realidade social globali-
nº- 322

zada e tecnológica são indivíduos situados na


extensa faixa etária entre 12 e 32 anos, a qual

começa na puberdade, marco biológico que


ano 59

deixa a infância no passado, e se estende até


o primeiro período da fase adulta, quando se

Vida Pastoral

consolidam os valores pessoais e os princí-

3
pios éticos e muitas escolhas existenciais são bre o plano das relações sociais é de outra or-
definidas, como profissão, ocupação profis- dem, porque a postura de agente crítico e mo-
sional e laços afetivos. bilizador de amplas mudanças cedeu lugar ao
Graças às mudanças na expectativa de papel de reprodutor de comportamentos coti-
vida dos seres humanos e em seus hábitos e dianos e de protagonista nas decisões de con-
costumes, a juventude atual tem um perío- sumo da família. Sendo assim, ainda influi na
do de duração maior em comparação com o dinâmica comportamental da sociedade, mas
século passado, quando se restringia a uma seu papel está, cada vez mais, relacionado aos
fase de dez anos. No Brasil, com a expectati- hábitos individualizados, produzidos em mas-
va média de 70 anos de vida, a sa, e, cada vez menos, relaciona-
juventude passou a representar “Jovens de nossa do a novas formas de pensar, à
cerca de uma terça parte da realidade social condição de porta-voz de deman-
existência dos brasileiros. Es- globalizada das existenciais, na busca de me-
ses parâmetros numéricos so- e tecnológica lhorias da coletividade.
bre a expectativa de vida e a
duração da fase de juventude
são indivíduos 1. Os jovens e a
representam grande contraste situados na adolescência
no cenário da história humana, extensa faixa No século passado, a juven-
visto que nosso ancestral, o etária entre 12 tude estava circunscrita à etapa
homem de Neandertal, extinto conhecida como “adolescência”,
e 32 anos.”
há cerca de 40 mil anos, vivia que se caracterizava como um
em sua maioria pouco mais de 30 anos, ou período etário de menor duração que o atual
seja, quase que o equivalente à duração da e representava uma fase preparatória para o
fase da infância e juventude juntas hoje. início de um tempo de maior autonomia pes-
Em seu Relatório mundial de envelheci- soal e responsabilidade social, marcado pela
mento e saúde (2015), a Organização Mun- entrada na vida adulta.
dial da Saúde (OMS) afirma que uma pessoa “Adolescência” é um vocábulo de origem
nascida no Brasil atualmente poderá viver latina que pode ser dissociado em ad, que
20 anos mais do que outra nascida há 50 quer dizer “para”, e olescere, que significa
anos. Isso quer dizer que hoje vivemos mais “crescer”. Isto é, ela pode ser definida como a
que no passado e viveremos mais ainda da- fase do “crescer para” ser adulto, um estágio
qui para a frente. O progressivo maior tem- intermediário entre a puberdade e a vida
po de vida resultará então, num futuro pró- adulta. Assim sendo, a adolescência é, con-
ximo, na diminuição da extensão da fase da ceitualmente, um período prévio à fase adul-
juventude em relação ao conjunto da exis- ta e conhecida como etapa de “moratória”, ou
tência, o que provavelmente influenciará a seja, de espera e preparação para o ingresso
construção de novas funções sociais atribuí- na vida adulta, entendida como estágio em
das ao jovem no ciclo vital humano. No sé- que há participação produtiva do indivíduo
culo passado, quando juventude era o mes- no contexto social.
nº- 322

mo que adolescência, o jovem era aquele O estado transitório da adolescência tam-


que exercia um papel de renovação da or- bém significa um estado crítico ou de mudan-

ano 59

dem social em virtude de sua postura ques- ças do ponto de vista emocional que apresenta
tionadora no campo das ideias. experiências de luto por perdas vividas na in-

Em nossos dias, o jovem ainda exerce im- fância (perda da dependência infantil, perda
Vida Pastoral

portante função social, mas sua influência so- do corpo de criança, perda da ampla proteção

4
dos pais etc.) e suscita questionamentos ideo-
lógicos no campo das trocas sociais (ABERAS- A presença de Deus:
TURY, KNOBEL, 1981; OSORIO, 1992).
uma história da mística
A adolescência é um fenômeno psicossocial
que não é universal, já que nem todas as cultu- cristã ocidental
Tomo III – O florescimento da mística:
ras humanas estabelecem a existência desse pe-
homens e mulheres da nova mística
ríodo vital. Apresenta-se em cenários culturais (1200 – 1350)
que identificam e valorizam o período transitó-
rio entre ser criança e ser adulto. Quando ela é Bernard McGinn
presente, há a expectativa de que em seu cerne
se instale a consolidação de busca de uma iden-
tidade, na medida em que o adolescente depara
com decisões que deve tomar sobre o futuro de
sua vida (ERIKSON, 1987).
Segundo os psicanalistas argentinos Ar-
minda Aberastury e Maurício Knobel, na
obra Adolescência normal, publicada no Brasil
em 1981, nesse período de desenvolvimento
psicológico tem lugar a “síndrome da adoles-
cência normal”, um estado psíquico alterado,
diverso do habitual, constituído por um con-
junto de sintomas que expressam uma condi-
ção de transtorno emocional, o qual, porém,
é esperado e, portanto, adequado à experiên-
523 págs.

cia de adolescer. Os autores descrevem dez


sintomas típicos dessa síndrome, são eles: 1)
busca da identidade; 2) tendência grupal; 3) O livro documenta o diálogo
necessidade de intelectualizar e fantasiar; 4) entre homens e mulheres que
crises religiosas (do ateísmo ao misticismo possibilitou a riqueza da mística
fervoroso); 5) deslocamento temporal e ênfa- nos séculos XIII e XIV. Nunca
antes tinha sido explorado com
se no pensamento não lógico; 6) evolução
tanta profundidade o significado
sexual; 7) atitude social marcadamente parti-
teológico e espiritual dessa era
cipativa ou omissa; 8) contradições presentes sem precedentes. Neste volume,
nas ações pessoais; 9) progressivo afastamen- são apresentados autores místicos
to dos pais; 10) instabilidade no humor e es- da grandeza de Francisco, Clara
Imagens meramente ilustrativas.

tados de ânimo. de Assis, as místicas beguinas,


Do ponto de vista do desenvolvimento as místicas cistercienses e as
da inteligência, a adolescência é também um dominicanas, entre outros.
período que introduz mudanças evolutivas
nº- 322

diferenciadas, com a ampliação de capacida- Vendas: (11) 3789-4000


des. Os adolescentes apresentam maior auto- 0800-164011

ano 59

nomia ante o cenário da existência, uma vez SAC: (11) 5087-3625


que, segundo Piaget (citado por PAPALIA; V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
OLDS, 2000), após a puberdade se iniciam

paulus.com.br
Vida Pastoral

os processos cognitivos responsáveis pelo en-

5
tendimento de conceitos puramente abstra- denota o reflexo de uma sociedade modifi-
tos e de raciocínio dedutivo. cada pela cibercultura. São, portanto, pes-
A capacidade intelectual de pensar abs- soas que demonstram uma atitude inquieta
tratamente – uma aquisição característica e insaciável, sempre em busca de mais e
desse período do desenvolvimento humano mais novidades, e muitas vezes dispensam
– confere ao indivíduo uma expansão impor- um olhar introspectivo que examine os
tantíssima do pensamento, porque lhe possi- próprios propósitos existenciais e a consci-
bilita conhecer o mundo por meio de teorias ência da individualidade (que não é o mes-
e conceitos, dispensando a ex- mo que individualismo).
periência concreta como condi- “O estado A natural vitalidade e a an-
ção para o entendimento da ló- transitório da siedade para encontrar respos-
gica das ações e interações. adolescência tas, somadas à velocidade de tro-
A capacidade de reflexão, também significa cas no âmbito das relações so-
de utilizar o pensamento abs- ciais, esculpem na juventude de
trato para operar o entendi-
um estado crítico nossos dias uma tendência à
mento de fatos por meio de hi- ou de mudanças aceitação ou rejeição imediata de
póteses, faculta ao jovem uma do ponto de vista ideias no cotidiano, reverberan-
ampliação de seus poderes inte- emocional.” do o modelo de vida consumis-
lectuais, o que dá lugar à com- ta. De modo fugaz, uma ideia
preensão de conceitos como justiça, demo- que hoje ganha repercussão social amanhã já
cracia, equidade, solidariedade, morte, futu- é esquecida, e o processo de existir vai se es-
ro, esperança etc. Essas ideias abstratas tra- vaziando de sentido, fato que pode explicar a
duzem uma dimensão da realidade que exige ocorrência frequente de muitos jovens com
entendimento complexo e dá suporte à com- problemas afetivos e adoecidos psiquicamen-
preensão de preceitos da convivência social e te, acometidos de depressão, síndrome de
da edificação de valores humanos. ansiedade, síndrome do pânico e outras psi-
copatologias contemporâneas.
2. Os jovens e o século XXI Ao buscar fora de si mesmo aquilo que
Nos dias atuais, costumamos utilizar re- dá sentido ao próprio viver, o jovem se tor-
cortes na definição de jovem, baseados no nou refém de uma condição de alienação que
cotidiano tecnológico característico do mun- o afasta das respostas genuínas sobre o que
do humano presente. Identificados como ge- significa, para si, existir e viver. Ludibriados
ração Y e geração Z, respectivamente, os jo- pela sociedade de consumo, que os procura
vens de idade entre 21 e 35 anos e entre 12 e persuadir de que adquirir bens de consumo
20 anos, os quais apresentam modos de ser e lhes garante um lugar na sociedade e lhes
fazer da era cibernética, isto é, comporta- confere maior importância sobre os demais,
mentos ágeis e instáveis, sentimentos de insa- muitas vezes os jovens não reconhecem a
tisfação e humor irritável com tendência ao existência de uma pergunta fundamental,
individualismo. cuja resposta não se encontra em prateleiras
nº- 322

Os jovens das gerações Y e Z, denomi- para ser comprada: o que almejam conquis-
nados nativos digitais, são indivíduos nas- tar para si que possui valor existencial na tra-

ano 59

cidos na sociedade tecnológica da realida- jetória de sua vida?


de globalizada, que utiliza uma comunica- Responder a essa pergunta não depen-
de de uma intelectualidade diferenciada

ção em rede conectada em tempo real; isto


Vida Pastoral

é, constituem um grupo geracional que nem de irrestrita bagagem de informações;

6
antes, exige que se reconheça o que impor- Reflexões finais
ta de fato para cada um, diante do “mila- A pirâmide da estratificação etária da po-
gre” que é a vida. pulação mundial está se invertendo. No sé-
A impulsividade do jovem – também é culo XX, as crianças eram o maior contingen-
interessante mencionar – pode potencializar te populacional do planeta e os idosos, o me-
o seu desamparo diante do desafio de fazer nor. Atualmente há uma acentuada diminui-
reflexões e escolhas, pois pensar a própria ção de nascimentos, o que, ao lado da cres-
existência requer intimidade, e intimidade cente longevidade, introduziu o fenômeno
verdadeira é incompatível com processos ins- de mudança na idade geral da população em
tantâneos, superficiais. Há que se alongar na todo o mundo.
busca de respostas a questões que envolvem Em 35 anos, haverá uma inversão na es-
o ser e o viver, do ponto de vista das próprias truturação etária vigente no Brasil, que se
bases existenciais; muitas vezes, é necessário tornará uma nação idosa (PENA, 2016), à se-
esperar que as ideias sejam formuladas e re- melhança do que já ocorre há tempos em
formuladas no âmago da interioridade, para muitos países europeus. Nesse eixo evolutivo
dar forma ao que é necessário entender e ao de mudanças, os jovens também serão um
que se deseja escolher. grupo minoritário que deverá herdar uma
Decisões sobre para que e como viver, que preocupação fundamental com o cuidado
se encontram atreladas ao desejo de ser feliz, com o planeta e a sobrevivência da espécie
envolvem sondar as mais profundas aspira- humana.
ções humanas e não se limitam à análise da Ao lado dos adultos mais velhos, que se-
vida cotidiana. Para ser feliz, é necessário sa- rão em maior número, os jovens, nessa proje-
ber de si! ção de futuro, provavelmente enfrentarão
O jovem do século XXI que almeja ser fe- desafios sobre as melhores decisões coletivas
liz – o que não equivale a ter posse de prodi- a serem tomadas. O planeta, se preservado,
giosas invenções de consumo que o fascinam com suas amplas dimensões territoriais, abri-
– deve fazer uma pausa para perceber a sua gará um menor número de pessoas, que
realidade e tentar distinguir a real utilidade de compartilharão uma sociedade global marca-
tudo que possui à sua disposição. Deve se per- da por uma constelação social, cultural, polí-
guntar se está no comando de sua vida ou se tica e econômica efetivamente internacionali-
está sendo conduzido por modismos e falsas zada e por novas bases estruturais, ainda di-
filosofias acerca do que consistem o existir hu- fíceis de imaginar.
mano e o bem viver. Então, poderá resgatar o Jovens serão sempre a renovação da espé-
fio da meada de seus objetivos pessoais diante cie humana, com suas ideias, ações e seus
da maior aventura humana: a existência. ideais em vista da descoberta das possibilida-
A juventude é um período dadivoso para des criativas que lhes são próprias!
todo aquele que deseja algo para si perante Hoje, no futuro ou em qualquer tempo, a
seu existir. Nesse período, cabem todos os juventude é a aurora das capacidades de en-
sonhos e milhares de experimentações, in- tendimento e de intervenção sobre o mundo,
nº- 322

cluindo enganos tolos, e são perdoados erros pessoal e social. Por esse motivo, a juventude
dolorosos, às vezes cometidos por uma ingê- é um período de experiências individuais pe-

ano 59

nua vivência juvenil. A juventude deve ter a culiares e de consequências pessoais e gru-
esperança como uma espécie de anjo guar- pais significativas. As nações deveriam ter
dião, na medida em que ela representa a fé no

programas de proteção e apoio ao desenvol-


Vida Pastoral

futuro, o qual não tem limites concretos. vimento humano no período da juventude,

7
tendo em vista a vulnerabilidade – ao lado da bém perceber limites – por exemplo, não ter
genialidade – que encerra esse período da respostas satisfatórias de imediato para boa
vida. De certa forma, a juventude é a reserva parte de indagações importantes. Os mais ve-
de valores humanos investidos no organismo lhos podem mostrar ao jovem esta realidade
social, a qual renderá dividendos futuros em que poder e restrições são cúmplices e
para toda a sociedade. viver é uma experiência incomparável.
Trabalhar com jovens é grande responsabi- Jovens gostam de adultos, ao contrário
lidade e um privilégio, pois todos os dias há a do que costumam dizer alguns pais. Do que
oportunidade de haurir a energia não gostam é de pessoas inflexí-
de esperança característica do seu “Conviver com veis demais, porque estas não
olhar voltado para o futuro, já a juventude podem dançar, pensar e conver-
que este, por definição e teorica- é contemplar sar com eles!
mente, sempre é próspero. o potencial O dia em que cada jovem
A responsabilidade para puder reconhecer seus limites e
com o jovem é oferecer-lhe um
humano de talentos e os adultos que com
modelo coerente de ser e viver. realização, mas ele convivem fizerem o mesmo,
É respeitar sua criatividade, também perceber haverá um encontro magnífico
embora seja prudente conscien- limites.” entre a espontaneidade e a ca-
tizá-lo de sua demasiada impe- pacidade compartilhada de
tuosidade, quando presente. Cuidar de jo- aprimoramento.
vens é retribuir-lhes o intenso afeto que ex- A juventude significa uma estação de
ternam e demonstrar-lhes a preocupação so- passagem de experiência individual durante
bre as consequências negativas oriundas de a existência humana que cria raízes fortes
experiências relevantes destituídas de com- para o viver de cada um. Pode transformar-se
promisso pessoal. em frondosa árvore, cujos frutos alimentam
Conviver com a juventude é contemplar também outras vidas e, no futuro, podem re-
o potencial humano de realização, mas tam- tratar laços genuínos e fraternos.

Bibliografia

ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Tradução de Suzana


Maria Garagoray Ballve. Porto Alegre: Artmed, 1981.
ERIKSON, E. H. Identidade, juventude e crise. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Guanabara,
1987.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde – Resumo, 2015.
Disponível em: <http://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2015/10/OMS-ENVELHECIMENTO-
2015-port.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016.
nº- 322

OSORIO, L. C. Adolescência hoje. Porto Alegre: Artmed, 1992.


PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W. Desenvolvimento humano. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Art-

ano 59

med, 2000.
PENA, R. F. A. Pirâmide etária da população brasileira. Mundo Educação, Aparecida de Goiânia. Dis-

ponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/piramide-etaria-populacao-brasilei-


Vida Pastoral

ra.htm>. Acesso em: 14 set. 2016.

8
Sínodo da Juventude:
oportunidade de ver, ouvir e sair
Vilsom Basso*

O sínodo é bela oportunidade para Introdução


ver e conhecer a realidade juvenil,
ouvir seus clamores, dúvidas,
E m outubro de 2018, acontecerá, em Roma,
o XV Sínodo Ordinário dos Bispos, convo-
cado pelo papa Francisco, com o tema: “Os
sugestões e esperanças e, em jovens, a fé e o discernimento vocacional”.
O sínodo é oportunidade para ver e co-
conversão pastoral, oportunizar à nhecer a realidade juvenil, ouvir seus cla-
juventude o “sair”, o “em saída”, mores, sugestões e esperanças e, em con-
versão pastoral, oportunizar à juventude o
para que seja sal e luz. “sair”, o “em saída”, para que seja sal e luz.
nº- 322

1. Ver

ano 59

Diz o papa Francisco: “Também a Igreja


*Dom Vilsom Basso, scj, bispo da Diocese de deseja colocar-se na escuta da vossa voz, da
Imperatriz – Maranhão. Presidente da
vossa sensibilidade, da vossa fé; até mesmo

Vida Pastoral

Comissão Episcopal Pastoral para a


Juventude da CNBB. das vossas dúvidas e das vossas críticas [...].

9
Fazei ouvir o vosso grito, deixai-o ressoar nas 2012 e 2013. Já a taxa de participação no
comunidades e fazei-o chegar aos pastores”.1 mercado de trabalho caiu de 79,6%, em
É imprescindível conhecer a realidade 1986, para 74,2%, em 1999, e 72,9%, em
juvenil para podermos encontrar respostas 2013. A taxa de desemprego da população de
adequadas no serviço à juventude. Numa 18 a 24 anos que está entrando no mercado
primeira aproximação, constatamos, de de trabalho foi de 24,1%, no primeiro tri-
acordo com o Censo (IBGE, 2010), que o mestre de 2016. Dados do Instituto Brasileiro
número de jovens (16-29 anos) no Brasil é de Geografia e Estatística (IBGE), baseados
de 51,3 milhões, conforme segue: na Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-
cílios (PNAD) de 2012, mostram que o nú-
Grupos de idade Masculino Feminino mero de jovens de 15 a 29 anos que não es-
25 a 29 anos 8.460.995 8.643.419 tudam nem trabalham chegou a 9,6 milhões
20 a 24 anos 8.630.229 8.614.963 naquele ano.
15 a 19 anos 8.558.868 8.432.004 É importante nos perguntarmos: qual é a
realidade juvenil no regional, na diocese, na
A população brasileira atual paróquia, na comunidade onde vivemos?
é de 206,1 milhões de pessoas Como acompanhar esses jo-
(PNAD 2016 – IBGE). Segundo
“Também a Igreja vens em seu dia a dia, em seu
as estimativas, no ano de 2025, deseja colocar-se discernimento vocacional, em
deverá atingir 228 milhões. Atu- na escuta da seu projeto de vida?
almente, ela se distribui pelas vossa voz, Para isso, é preciso ouvir os
regiões da seguinte forma: Su- jovens, conhecer os desafios do
da vossa
deste – 86,3 milhões; Nordeste mundo juvenil e quais as opor-
– 56,9 milhões; Sul – 29,4 mi- sensibilidade, tunidades que tais desafios pos-
lhões; Norte – 17,7 milhões; da vossa fé; sibilitam.
Centro-Oeste – 15,6 milhões. até mesmo das
Os jovens representam vossas dúvidas 2. Ouvir
hoje, portanto, um quarto da “O Senhor disse: ‘Eu vi, eu vi
e das vossas a aflição do meu povo que está
população do país. Do total de
51,3 milhões, 84,8% habitam críticas.” no Egito, e ouvi os seus clamores
nas cidades e 15,2% no campo. por causa de seus opressores. Sim, eu conhe-
Um levantamento feito pela Fundação ço os seus sofrimentos. E desci para livrá-lo
Sistema Estadual de Análise de Dados (Fun- da mão dos egípcios e fazê-lo subir do Egito
dação Seade) mostra que os jovens estão para uma terra fértil e espaçosa, uma terra
adiando a entrada no mercado de trabalho. A que mane leite e mel” (Ex 3,7-8).
proporção de jovens com idade entre 16 e 24 Ao falarmos de desafios e possibilidades,
anos que só estudam pulou de 6,8%, no biê- transcrevemos alguns dados da síntese que a
nio 1986-1987, para 15,4%, no período de CNBB fez das respostas dos questionários en-
viados por dioceses do Brasil, em preparação
nº- 322

ao Sínodo dos Bispos.


1
Carta do papa Francisco aos jovens por ocasião da apre-
sentação do documento preparatório da XV Assembleia

ano 59

Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. 13 jan. 2017. Dispo- 2.1. Desafios
nível em:
<https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2017/
Jovens de nosso país destacaram: ausên-
cia de referência, de modelos e líderes; crise

documents/papa-francesco_20170113_lettera-giovani-
Vida Pastoral

-doc-sinodo.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2018. de orientação; grande diversidade de propos-

10
tas, vozes, estímulos, solicitações e pouco
discernimento; imediatismo, consumismo e O amante, o amado
hedonismo; violência, agressividade, aliena- e o amor
ção; crescimento do fenômeno do agnosticis- Breves reflexões sobre o
mo e ateísmo entre os jovens; vazio e niilis- Deus de Jesus
mo, o sentimento de descrença nas institui-
ções e o vazio existencial, falta de uma razão José Lisboa Moreira de Oliveira
para viver.
Há uma educação tecnicista, sem visão de
desenvolvimento integral, com séria lacuna
humana, moral e ética; no mundo das relações
virtuais, a perda ou o esvaziamento do sentido
das relações humanas; ruptura entre educa-
ção, formação profissional e emprego; pouca
oportunidade para o trabalho; ditadura dos
padrões preestabelecidos pela sociedade.
Falta de sentido para a vida, projeto e
prioridades; má orientação para o uso dos
meios de comunicação; consumo de drogas
ilícitas; falta de perspectiva de sonhos e futuro;
dificuldade em ouvir, em ter oportunidade de
falar; inversão de valores e manipulação pelas
136 págs.

ideologias; fragmentação, descontinuidade;


mentalidade do “caminho mais fácil”, “jeiti-
nho”, atalho, influxo da cultura da corrupção,
“Será um Deus cristão o Deus
dispersão psicológica, fuga das relações; de-
dos cristãos?” Partindo dessa
mandas com intensidades diferentes: escola, questão, o autor aborda
saúde, cultura, esportes, lazer, emprego; di- a identidade do Deus dos
versos contextos; viver em uma cultura anti- cristãos, investiga como se
cristã; pressões e tentações sexuais/pureza; deu a formulação da doutrina
crise de identidade e baixa autoestima; falta de trinitária ao longo da história
esperança e de perspectiva de vida. do cristianismo e nos ajuda
Há graves desigualdades sociais; crise a entender o monoteísmo
trinitário. Por fim, analisa a
econômica; dificuldade de inserção no mer-
mística trinitária, uma vez que
cado de trabalho; cultura de pouca valoriza-
Imagens meramente ilustrativas.

é impossível falar do Deus dos


ção do capital humano; pobreza e falta de cristãos se não se vive uma
dignidade de vida básica para grande parte intensa intimidade com ele.
da juventude brasileira; pouca qualificação
para o mercado de trabalho; falta maior in-
nº- 322

vestimento no desenvolvimento humano do Vendas: (11) 3789-4000


jovem, não somente técnico; a violência e o 0800-164011

ano 59

extermínio de jovens, especialmente dos SAC: (11) 5087-3625


mais pobres; ausência de seriedade no pro- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
cesso de efetivação das políticas públicas em

paulus.com.br
Vida Pastoral

relação aos adolescentes e jovens.

11
A desestruturação familiar atinge em cheio sociais e voluntariado, associações e movi-
a juventude; o divórcio e as questões familia- mentos eclesiais, retiros, peregrinações, se-
res; decisões em relação ao Estado (negócios); minários e congressos.
figura de pai ausente; falta de disciplina; pou- Afirmam os jovens que a internet tem
ca ou quase nenhuma participação da juven- sido uma oportunidade de novas formas de
tude em processos decisórios; pais ausentes e/ aprendizado e apoio nos estudos; cursos
ou superprotetores que tornam os filhos mais gratuitos e mais acessíveis aos jovens de bai-
frágeis e tendem a subestimar os riscos ou a xa renda; grandes oportunidades de esco-
ser obcecados pelo medo de cometer erros; a lhas e direcionamento de vida; tecnologia
separação dos pais e as novas básica mais acessível.
configurações de família; falta de
“A juventude No campo religioso, há
harmonia e diálogo na família; vive um clima mais oportunidades de inser-
medo de frustrar os pais. de incerteza, de ção; experiência do protagonis-
A juventude vive um clima falta de clareza mo juvenil; discernimento e ela-
de incerteza, de falta de clare-
sobre por onde boração de projeto de vida;
za sobre por onde caminhar; a oportunidade de formação; di-
combinação entre a elevada caminhar.” versidade de possibilidades de
complexidade do contexto social e sua rá- formação; seminários, grupos de orações,
pida mudança gera uma situação de fluidez vida religiosa; conectividade; trabalho em
e incertezas; a presença de diversas tradi- rede, expansão das possibilidades de evange-
ções religiosas que não dialogam entre si; lização; possibilidade de formação, viagem e
adultos que tendem a subestimar as poten- comunicação sem fronteiras; intercâmbio
cialidades dos jovens, evidenciando suas de ideias, bens, valores...
fragilidades e criando dificuldade de com- As oportunidades são muitas, como os
preender as suas exigências. muitos movimentos favoráveis a uma vida dig-
na, os grupos de Igreja, as boas companhias;
2.2. Oportunidades educação gratuita cada vez mais acessível;
Nas respostas ao questionário do sínodo, oportunidades para qualificação profissional.
os jovens dizem que desejam aproveitar seu O padre João Batista Libânio, no livro
tempo livre em diferentes atividades: prática Para onde vai a juventude, 2ª edição, Paulus,
de esportes, passeios aos parques e aos shop- 2011, afirmou na Introdução: “A idade juve-
pings, festas com danças e músicas, baladas. nil fascina pelo tremendo paradoxo da vulne-
No entanto, aqueles que já tiveram ocasião de rabilidade e da potencialidade. Na fragilidade
participar em algum trabalho de voluntariado da idade que deixa para trás a serenidade e a
– por exemplo, com seus colegas da escola – segurança da infância, mas ainda não atingiu
testemunham sentirem uma alegria mais pro- a solidez da idade adulta, existe estupenda
funda e duradoura, muito melhor do que a potencialidade. Precisamente porque ainda
alegria natural das diversões habituais. não aterrissou na maturidade, dispõe do infi-
Dizem os jovens que as ações comunitá- nito do céu para voar”.
nº- 322

rias são lugares de encontro e de formação Assim, ao olharmos para todos esses de-
cultural, de educação e de evangelização, de safios e possibilidades do mundo juvenil,

ano 59

celebração e de serviço; experiências especí- queremos estender a mão ao jovem machu-


ficas para os jovens nos diversos ambientes, cado, doente, desesperançado e dizer como
Jesus: “Jovem eu te ordeno, levanta-te” (Lc

como: centros juvenis, oratórios, universida-


Vida Pastoral

des e escolas públicas e católicas; atividades 7,14). Aos jovens e suas muitas possibilida-

12
des, cabe o desafio de Jesus: “Queres ser per-
feito? Vai...” (Mt 19,21). Psicopedagogia
Um jeito de acompanhar a juventude em catequética
seu discernimento vocacional e em sua vida e Reflexões e vivências para a
missão é: caminhar na frente para indicar ca- catequese conforme as idades
minhos; caminhar no meio para que descu-
Eduardo Calandro e Jordélio Siles Ledo
bram caminhos; caminhar atrás para que
ninguém se perca no caminho.
Isso exige de nós conversão.

2.3. Conversão pessoal, conversão


pastoral
Para caminhar com os jovens, queremos
estar abertos à conversão, à mudança de vida.
Assim falam os bispos da América Latina
e Caribe na Conferência de Aparecida:

A conversão pessoal desperta a capacida-


de de submeter tudo a serviço da instau-
ração do reino da vida. Os bispos, presbí-
teros, diáconos permanentes, consagra-
dos e consagradas, leigos e leigas, são
168 págs.

chamados a assumir uma atitude de per-


manente conversão pastoral, que envolve
escutar com atenção e discernir “o que o A catequese conforme as idades
Espírito está dizendo às Igrejas” (Ap é imprescindível para a ação
evangelizadora da Igreja. A partir
2,29) através dos sinais dos tempos nos
de experiências em encontros de
quais Deus se manifesta (DAp 366). catequese e das necessidades
dos catequistas, nasceu a ideia
Sim, sair da mesmice, viver a conversão de criar este subsídio para
pastoral, reconhecer o protagonismo juvenil; auxiliá-los em sua formação.
os jovens como sal e luz: Caracterizar a situação existencial
e compreender o desenvolvimento
dos adolescentes e jovens são os
A conversão pastoral de nossas comuni- objetivos desta obra.
Imagens meramente ilustrativas.

dades exige que se vá além de uma pasto-


ral de mera conservação para uma pasto-
ral decididamente missionária. Assim,
será possível que “o único programa do
evangelho siga introduzindo-se na histó-
nº- 322

ria de cada comunidade eclesial” com Vendas: (11) 3789-4000


novo ardor missionário, fazendo com 0800-164011

ano 59

que a Igreja se manifeste como uma mãe SAC: (11) 5087-3625


que nos sai ao encontro, uma casa aco- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
lhedora, uma escola permanente de co- paulus.com.br

Vida Pastoral

munhão missionária (DAp 370).

13
O sínodo é oportunidade de conversão para nio, ou pela gratuidade, no seguimento na
todos nós, para toda a Igreja. Como fazer essa vida religiosa ou sacerdotal.
reflexão? Como provocar esse debate? Quais as O que fica evidente é que o papa acredita
possibilidades e oportunidades que temos para na juventude, pois afirma: “Um mundo me-
escutar a juventude e dar-lhe espaços, voz e vez?
lhor se constrói também graças a vós, à vossa
Como favorecer o “em saída” para os jovens? vontade de mudança e à vossa generosidade”
(carta aos jovens por ocasião da apresentação
3. Sair do documento preparatório, 13 jan. 2017).
O sínodo nos pede que ouçamos os jovens, Um milhão... uma geração... O papa tam-
seus gritos e esperanças, e os aju- “A conversão bém diz: “Mas o meu sonho é
demos a escutar a voz de Deus e maior: eu espero que um milhão
da Igreja, que os chama a sair,
pastoral de jovens, mais ainda, que uma
como a Abraão: “Sai da tua terra” de nossas geração inteira seja, para os seus
(Gn 12,1). comunidades contemporâneos, uma Doutrina
Como disse o papa Fran- exige que se vá Social em movimento” (prefácio
cisco: “Confiantes no Senhor, do DOCAT, Paulus, 2016).
além de uma
cuja presença é fonte de vida Sair do sofá... É possível
em abundância, e sob o manto pastoral de mera mudar... Sim. Papa Francisco
de Maria, vocês podem redes- conservação para insiste: “Em Cracóvia, na aber-
cobrir a criatividade e a força uma pastoral tura da última Jornada Mundial
para serem protagonistas de decididamente da Juventude, pedi-vos muitas
uma cultura de aliança e assim vezes: ‘As coisas podem mudar?’
missionária.”
gerar novos paradigmas que E vós gritastes juntos um baru-
venham a pautar a vida do Brasil” (carta aos lhento ‘sim’. Aquele grito nasce de vosso co-
jovens do Brasil, por ocasião do encerra- ração jovem que não suporta injustiça e não
mento do Projeto Rota 300, 3 jul. 2017). pode inclinar-se à cultura do descarte nem
ceder à globalização da indiferença” (carta
3.1. “Não fostes vós que me aos jovens por ocasião da apresentação do
escolhestes…” documento preparatório, 13 jan. 2017).
Como foi dito, o tema do Sínodo dos Como apresentar essas propostas e de-
Bispos é: “Os jovens, a fé e o discernimento safios que o papa Francisco faz? Que cami-
vocacional”. No documento preparatório nhos devemos trilhar e que portas pode-
para o XV Sínodo, o papa Francisco toma o mos abrir para que os jovens exerçam esse
texto de Jo 15,16-17 para falar de vocação: protagonismo?
“Não fostes vós que me escolhestes; fui eu
que vos escolhi e vos designei para dardes 3.2. Experiências de Missão Jovem
frutos e para que o vosso fruto permaneça”. O papa Francisco, na exortação apostólica
E diz mais: “Por meio do percurso desse sí- Evangelii Gaudium, diz: “Constituamo-nos em
nodo, a Igreja quer reiterar o próprio desejo ‘estado permanente de missão’ em todas as regi-
nº- 322

de encontrar, acompanhar e cuidar de cada ões da terra” (n. 25). Francisco dá uma atenção
jovem, sem exceção”. especial à juventude: “A Pastoral Juvenil, tal

ano 59

O sínodo apresenta aos jovens estas alter- como estávamos acostumados a desenvolvê-la,
nativas: ao escutar a voz do Mestre, ficar com sofreu o impacto das mudanças sociais [...]. A
ele (“Vinde e vede”, Jo 1,38-39), discernir e nós, adultos, custa-nos ouvi-los com paciência,

Vida Pastoral

responder pela alegria do amor, no matrimô- compreender as suas preocupações ou as suas

14
reinvindicações, e aprender a falar-lhes a lin-
guagem que eles entendem” (n. 105). “Como é Juventude e sagrado
bom que os jovens sejam ‘caminheiros da fé’, Evangelizar num contexto plural
felizes por levarem Jesus Cristo a cada esquina,
a cada praça, a cada canto da terra” (n. 106). Pe. João Mendonça, sdb
As experiências missionárias são um cami-
nho antigo e novo de falar ao coração, à gene-
rosidade e ao desejo de solidariedade dos jo-
vens. Constituem espaço real para exercerem o
protagonismo, a liderança, abrirem os olhos às
realidades mais sofridas, de dor e exclusão, se
decidirem a sair do sofá e serem sal e luz, fer-
mento na massa.
No Brasil, vamos encontrar diferentes ex-
periências missionárias que favorecem o cresci-
mento humano e cristão dos jovens; que des-
pertam vocações para o matrimônio, para a
vida sacerdotal, para a vida religiosa e consagra-
da; que geram homens e mulheres mais cons-
cientes e comprometidos com uma Igreja em
saída e uma sociedade mais justa.
80 págs.

A CNBB, por meio da Comissão Episcopal


Pastoral para a Juventude, organiza a Missão
Com este texto, o autor nos
Jovem na Amazônia: a primeira aconteceu no proporciona um mergulho no
Amazonas, a segunda em Palmas e a terceira mistério, na religiosidade e nas
em Caxias, no Maranhão, das quais participa- expressões do sagrado, para
ram jovens de diferentes regiões do país, numa compreender melhor a altura, a
bela experiência de comunhão, partilha, apren- profundidade e a largueza do
dizado e crescimento pessoal e comunitário. amor de Deus que se revela no
cotidiano, sobretudo na vida
As experiências missionárias são cami- dos jovens. Há na juventude um
nho de formação integral, de conversão pes- desejo profundo de Deus. O texto
soal e pastoral. Sim. É hora de reler a vocação renova a crença no potencial
de Isaías com nossa juventude e acender o religioso dos jovens e fortalece
fogo missionário em seus corações: “‘Quem as iniciativas de tantos homens e
enviarei eu? E quem irá por nós?’ ‘Eis-me mulheres que acreditam que um
Imagens meramente ilustrativas.

mundo melhor é possível.


aqui’, disse eu, ‘enviai-me’. ‘Vai, pois, dizer a
esse povo’, disse ele” (Is 6,8-9).
Como podemos estimular esse espírito
missionário nos jovens de nossas realidades?
nº- 322

Vendas: (11) 3789-4000


3.3. Ecologia: quanto menos, 0800-164011

ano 59

tanto mais... SAC: (11) 5087-3625


Outro lugar para “sair”, ao qual a juven- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
tude é sensível, é a ecologia, o cuidado da

paulus.com.br
Vida Pastoral

Casa Comum (ou a falta dele).

15
Na encíclica Laudato Si’, sobre o cuida- materiais mais comuns no processo de re-
do com a casa comum, o papa Francisco, ciclagem são o vidro, o papel, o papelão, o
falando de educar para a aliança entre a plástico e os metais.
humanidade e o ambiente, Reparar: é um processo que
afirma: “Os jovens têm uma “A Pastoral consiste na recuperação de cer-
nova sensibilidade ecológica e Juvenil, tal tos materiais ainda em condi-
espírito generoso, e alguns de- como estávamos ções de ser posteriormente utili-
les lutam admiravelmente pela zados, como móveis, brinque-
acostumados a
defesa do meio ambiente” (n. dos e eletrônicos.
209). “Trata-se da convicção desenvolvê-la, São caminhos simples, con-
de que ‘quanto menos, tanto sofreu o impacto cretos e possíveis de serem tri-
mais’ [...]. A espiritualidade das mudanças lhados pelos jovens nos dife-
cristã propõe um crescimento sociais.” rentes grupos juvenis, de dife-
na sobriedade e uma capaci- rentes realidades socioculturais
dade de se alegrar com pouco” (n. 222). “A e regiões geográficas. Ações concretas e
sobriedade, vivida livre e conscientemente, atividades que ajudem a conscientizar os
é libertadora” (n. 223). outros, a formar novas gerações cuidadoras
As novas gerações podem e devem ser to- da mãe Terra.
cadas por esse desafio do “quanto menos,
tanto mais”, fazendo frente ao mundanismo, 3.4. O Sínodo Extraordinário para a
ao consumismo e à consequente destruição Pan-amazônia
da natureza, da casa comum. Esse sínodo é outro estímulo e ocasião
Nas mãos da juventude está também o para pensar, junto com as juventudes,
desafio de cuidar do presente e do futuro do quais as preocupações e oportunidades de
planeta. E uma das maneiras são os chama- cuidado com a Casa Comum.
dos “quatro erres” (Rs). Este é um dos cami- Disse o papa Francisco: “Atendendo o
nhos que a juventude pode trilhar e ser mol- desejo de algumas Conferências Episcopais
dada a viver e divulgar. Com efeito, a redu- da América Latina, assim como ouvindo a
ção do consumo de energia, de matérias- voz de muitos pastores e fiéis de várias par-
-primas e recursos naturais é significativa tes do mundo, decidi convocar uma Assem-
com a aplicação da política dos quatro Rs: bleia Especial do Sínodo dos Bispos para a
reduzir, reutilizar, reciclar e reparar. região pan-amazônica” (Rádio Vaticano, 15
Reduzir: o primeiro passo é reduzir os out. 2017).
resíduos produzidos, ou seja, controlar o O referido sínodo, que se realizará em
peso e o volume dos resíduos, evitar consu- Roma em outubro de 2019, tem como ob-
mos supérfluos e desperdícios, como o uso jetivo principal identificar novos caminhos
excessivo de água, luz e gás. para a evangelização daquela porção do
Reutilizar: a reutilização consiste em uti- povo de Deus, e sua relevância se explica,
lizar o produto mais de uma vez para o mes- também, por causa da  crise da floresta
nº- 322

mo fim, evitando assim o seu lançamento ao amazônica, de capital  importância para


balde de lixo. Esse processo permite minimi- nosso planeta.

ano 59

zar a poluição. No Brasil, como poderemos envolver


Reciclar: a reciclagem é um processo os jovens na preparação desse sínodo,
especialmente os que vivem na Amazô-

que permite transformar materiais já utili-


Vida Pastoral

zados em outros, para nova utilização. Os nia Legal?

16
3.5. “Não tenham medo de arriscar-se
e comprometer-se” Evangelização
Outro lugar para jovens “em saída” é o es-
da juventude
paço das políticas públicas. O papa Francisco Desafios e perspectivas
diz: “Assim integrados nas suas comunidades, pastorais – nº. 93
não tenham medo de arriscar-se e comprome-
ter-se na construção de uma nova sociedade, CNBB
permeando com a força do evangelho os am-
bientes sociais, políticos, econômicos e uni-
versitários! Não tenham medo de lutar contra
a corrupção e não se deixem seduzir por ela!”
(carta aos jovens do Brasil, por ocasião do en-
cerramento do Projeto Rota 300, 3 jul. 2017).
As juventudes são chamadas a mostrar e
viver um caminho de comunhão, respeito e
diálogo, atendendo ao “ide” de Jesus: “Ide e
pregai o evangelho a toda criatura” (Mc
16,15) e do papa, que disse na Jornada Mun-
dial da Juventude do Rio de Janeiro: “Ide,
sem medo, para servir”.
Francisco convida os jovens a realizar
essa missionariedade em rede:
104 págs.

Por isso, convido a que vocês também dei-


O futuro da Igreja e os rumos que
xem que seus corações sejam transforma-
a sociedade vai tomar dependem
dos pelo encontro com Nossa Mãe Apare- dos jovens, por isso interessa
cida. Que ela transforme as “redes” da vida muito à Igreja e aos seus pastores
de vocês – redes de amigos, redes sociais, a evangelização da juventude.
redes materiais e virtuais –, realidades que Tanto que este foi o tema central
tantas vezes se encontram divididas, em da 44ª Assembleia Geral da
CNBB, realizada em Itaici (SP),
algo mais significativo: que se convertam
de 9 a 17 de maio de 2006.
numa comunidade! Comunidades missio- O texto, dividido em três partes,
nárias “em saída”! Comunidades que são constitui um instrumento para
luz e fermento de uma sociedade mais jus- auxiliar nesta evangelização.
ta e fraterna (carta aos jovens do Brasil,
Imagens meramente ilustrativas.

por ocasião do encerramento do Projeto


Rota 300, 3 jul. 2017).

Como viver o “ide” em comunhão, for-


nº- 322

mando redes de amigos, de comprometi- Vendas: (11) 3789-4000


mento e solidariedade, nas quais as diferen- 0800-164011

ano 59

ças são fonte de enriquecimento mútuo, de SAC: (11) 5087-3625


aprendizado e crescimento, com todos uni- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

dos pela vida, especialmente dos jovens e paulus.com.br


Vida Pastoral

dos empobrecidos?

17
3.6. O mundo digital e suas tar a consciência cristã, a consciência crítica,
possibilidades no mundo juvenil e criar laços, redes de amizade, de solidarie-
O papa Francisco assim se expressa sobre dade e comprometimento.
o mundo digital, no documento preparatório
para o Sínodo dos Bispos: “As jovens gera- Conclusão
ções são hoje caracterizadas pela relação com Disse o papa Francisco: “Possa o Senhor,
as modernas tecnologias da comunicação e pela intercessão da Virgem Aparecida, renovar
com aquele que vem normalmente chamado em cada um de vocês a esperança e o espírito
de ‘mundo virtual’, mas que também tem missionário” (carta aos jovens do Brasil, por
efeitos muito reais”. ocasião do encerramento do Pro-
Muitas frases se ouvem “Devemos jeto Rota 300, 3 jul. 2017).
quando se reflete sobre o mundo animar os jovens Com o Sínodo dos Bispos “Os
digital, frases como estas: “Sabe- sobre o uso jovens, a fé e o discernimento vo-
mos que as novas tecnologias cacional”, a Igreja quer escutar os
inteligente e jovens. Quer que eles se encon-
podem ser usadas para o bem ou
para o mal...”; “devemos animar prudente trem com Jesus Cristo, fiquem com
os jovens sobre o uso inteligente da internet.” ele (Jo 1,38-39) e, ouvindo o cha-
e prudente da internet...”; “a in- mado e discernindo na fé, digam:
ternet poderia ser utilizada mais amplamente “Eis-me aqui, Senhor. Envia-me” (Is 6,6-8).
para...”; “importante para o desenvolvimento O papa disse ainda: “Vocês são a esperan-
do trabalho com os jovens...”; “uma inovação ça do Brasil e do mundo. E a novidade da
que possui dois polos...”; “em parte é bom o qual vocês são portadores já começa a cons-
desenvolvimento digital...”; “pode ser consi- truir-se hoje” (carta aos jovens do Brasil, por
derada uma revolução e não apenas mudan- ocasião do encerramento do Projeto Rota
ça...”; “hoje é um grande desafio prescindir da 300, 3 jul. 2017).
virtualidade em favor da realidade...”. Para a Igreja no Brasil, neste Ano do Lai-
Diante dos desafios e possibilidades que cato, a preparação para o sínodo é bela opor-
o sínodo nos traz, como fazer do mundo di- tunidade para que os jovens, cristãos leigos e
gital e virtual uma ferramenta para que os leigas na Igreja e na sociedade, sejam sal da
jovens falem, se manifestem e sejam ouvi- terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-14).
dos em suas dúvidas, expectativas, críticas e O Sínodo dos Bispos é um kairós, um
sugestões, como deseja o papa Francisco? tempo de graça, para a juventude e para toda
Como utilizar desses meios para a forma- a Igreja Católica.
ção integral dos jovens, para estimular experi- A juventude é janela do futuro, enxerga
ências missionárias, de discernimento vocacio- mais longe, antecipa mudanças. Esse sínodo é
nal, de cuidado pela Casa Comum, e no empe- uma oportunidade para escutar, aprender e
nho por políticas públicas para a juventude? crescer com a juventude, pois, como diz São
Eis um campo fértil, desafiador e cheio Bento: “Muitas vezes é exatamente aos mais jo-
de possibilidades para cuidar da juventude vens que o Senhor revela a melhor solução”
nº- 322

como bons pastores e um lugar para desper- (Regra de São Bento, 3,3).

ano 59

Folheto O Domingo – um periódico que tem a missão de colaborar na animação


das comunidades cristãs na celebração eucarística e formação catequética e litúrgica.

Assine: assinaturas@paulus.com.br
Vida Pastoral

18
As juventudes querem vida
Tânia da Silva Mayer*

As juventudes correspondem a um público de risco social elevado. A


atenção e o zelo pastoral por elas são cuidados evangélicos para a
promoção da vida plena e abundante. Uma Igreja comprometida com a
transmissão da fé e com a transformação da sociedade, à luz da Boa
Notícia do Reino e na esteira do seguimento de Jesus, escuta, discerne,
acolhe, propõe e se engaja nas lutas relativas às juventudes em vista da
sua dignidade e de mais vida. Em comunhão com os trabalhos sinodais,
propomos uma reflexão sobre alguns aspectos da vida das juventudes
brasileiras a serem considerados em nossa práxis pastoral.

*
Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em 1. Juventudes e as interpelações
nº- 322

Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e


Teologia (Faje). Graduanda em Letras pela
do termo
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
F alar sobre jovens e juventudes não é tare-

ano 59

É articulista do Portal Dom Total, no qual fa simples. Antes, é adentrar um universo


escreve às terças-feiras.
E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com bastante complexo, com chances de incorrer
em erros gravíssimos, tanto mais se se propõe

Vida Pastoral

alcançar universais para especificar vivências

19
plurais e singulares. O mundo contemporâ- retardam a saída da casa dos pais, tornam-se
neo exige, cada vez mais, que os sujeitos das os provedores primários desses núcleos, que
vivências falem por si mesmos, que possuam podem contemplar, ou não, a presença de
a linguagem que lhes pertence, a fim de que cônjuges e filhos. Não conseguir precisar a
possam narrar as suas existências. Nesse sen- vida adulta com base nas configurações so-
tido, toda produção deveria trazer as vozes ciais promove consequente mudança de pa-
daqueles que são tema e objeto de interpela- radigma a respeito do que é a juventude e de
ção e interrogação. Aqui, compartilhamos a quem são os/as jovens.
nossa percepção das juventudes na perspec- Desse modo, o termo juventude acaba sen-
tiva de nossa juventude com- do relacionado a um modo de es-
partilhada com outros e outras
“O mundo tar na vida e compreendê-la. Não
jovens brasileiras. contemporâneo são raras as pessoas de 50 e 60
O que é juventude? Quem exige que os anos que se consideram jovens,
são os jovens? As respostas a se- sujeitos das entendendo a palavra como sinô-
rem dadas a essas perguntas são
vivências falem nimo de vitalidade. Um fator pre-
muitas e podem variar de cultu- ponderante para tal percepção
ra para cultura. O termo juventu- por si mesmos, diz respeito aos novos índices de
de pode sugerir a ideia de um a fim de que expectativa de vida no Brasil. Em
período específico da vida de possam narrar as média, ela está estimada nos 75
uma pessoa, compreendendo suas existências.” anos. Com o aumento desse índi-
determinada faixa etária, ou, ce, uma pessoa que, em épocas
ainda, pode significar um estado do desenvol- passadas, fosse considerada “velha” aos 40
vimento humano. No geral, a palavra juventu- anos já não se compreenderá assim. Aliás,
de é utilizada para significar a fase da vida nem ela nem o restante da sociedade a com-
compreendida entre a infância e a vida adulta. preenderão dessa maneira. Em boa parte das
Nesse sentido, a infância está relacionada vezes, ela se sentirá e se denominará um “adul-
à ideia de dependência, e a vida adulta à con- to jovem”. Isso é fomentado, também, pelo
cepção de autonomia. Isso posto, a juventu- sentimento de prolongamento da vida, muito
de é o período de transição da dependência valorizado em nossas sociedades. A concepção
para a autonomia: ao mesmo tempo, não se é de que a vida pode ser prorrogada para além
tão dependente nem se é plenamente autô- do segundo tempo da existência favorece a
nomo. Em diversas culturas e grupos, os/as ideia de uma juventude que se estende para
jovens são conduzidos aos rituais de passa- além da fixação da vida adulta.
gem, que marcam o início dessa transição. A utilização da palavra juventude para
Na contemporaneidade, tal período transitó- significar vitalidade existencial é coerente e
rio tem sido impactado pela mudança de pa- interessante. Pressupõe-se que os/as jovens
radigma da nossa sociedade. possuam aquela carga vital que movimenta
Para os modernos, a vida adulta significa- utopias, sonhos e esperanças diante das reali-
va a saída da casa paterna, o alcance de um dades, muitas vezes duras. Essa postura de
nº- 322

emprego que garantisse o sustento e um ca- valorização do sujeito diante das realidades é
samento com consequente maternidade ou positiva. Por outro lado, devemos nos per-

ano 59

paternidade. Na contemporaneidade, o cená- guntar se essa ideia de juventude, quando


rio exigido pelos modernos parece não cor- assumida massivamente pelas sociedades nas

responder às experiências cada vez mais co- quais se verifica crescente prolongamento da
Vida Pastoral

muns nos grupos familiares. Muitos filhos vida, não impede o reconhecimento, a análi-

20
se e a proposição de ações e políticas para
aqueles e aquelas que se encontram numa Recriando experiências
faixa etária de menor prestígio social. Com Técnicas e dinâmicas para grupos
isso, não corremos o risco de esquecer e ex-
cluir demandas específicas de determinado Instituto da Pastoral da Juventude
grupo social? – Leste II
O livro Brasil: uma visão geográfica e am-
biental do início do século XXI (Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística – IBGE –
2016) apresenta dados interessantes a respei-
to da sociedade brasileira. Uma das pesquisas
realizadas contrapõe a ideia de expectativa de
vida à de taxa de fecundidade. Enquanto a
expectativa de vida aumentou no país, como
dissemos acima, a taxa de fecundidade dimi-
nuiu de 6,16 filhos por mulher para apenas
1,57 filho, num período de 70 anos. Esses
dados corroboram a tese de que o Brasil do
futuro será um país idoso, com a maior parte
da população localizada nessa faixa da pirâ-
112 págs.

mide etária brasileira. Nesse sentido, a popu-


lação jovem será minoria, se comparada com
Esta obra é uma contribuição
o número de pessoas na terceira idade. Além
para aqueles que desenvolvem
de se ver condicionada a longo período de atividades de formação com a
trabalho – o que indica o projeto do atual go- juventude. A prática das dinâmicas
verno brasileiro –, essa parcela da sociedade aqui apresentadas possibilita
brasileira poderá ter sepultadas suas deman- vivências que devem ser objeto de
das específicas, tais como acesso à educação reflexão e partilha, desenvolvendo
o autoconhecimento, a percepção,
e inserção profissional.
o senso crítico e outras qualidades.
É importante destacar que, no Brasil con-
temporâneo, “são consideradas jovens as pes-
soas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e
nove) anos de idade”, segundo o Estatuto da
Juventude (EJ, 2013, art. 1º, §1º), sancionado
pela presidenta Dilma Rousseff em agosto de
Imagens meramente ilustrativas.

2013. No entanto, esse mesmo estatuto desta-


ca que “aos adolescentes com idade entre 15
(quinze) e 18 (dezoito) anos” se aplica o ECA,
o Estatuto da Criança e do Adolescente, e o EJ,
nº- 322

excepcionalmente, “quando não conflitar com Vendas: (11) 3789-4000


as normas de proteção integral do adolescen- 0800-164011

ano 59

te”. O EJ visa especificar os direitos e as políti- SAC: (11) 5087-3625


cas públicas destinadas aos jovens, as quais, V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
embora já sejam previstas pela Constituição,

paulus.com.br
Vida Pastoral

devem ser aprofundadas.

21
O Estatuto da Juventude é um marco im- vens com a sociedade – e com a Igreja – que
portante na afirmação da proteção do Estado integram e formam.
aos/às jovens. Ele demarca bem os aspectos
constitucionais que devem ser considerados 2. Juventudes e um ano ímpar
pelas instituições na promoção das juventu- O Estatuto da Juventude, sancionado em
des. Nesse sentido, o que se está dizendo é agosto de 2013, é grande conquista das ju-
que o estatuto protege o que não era óbvio ventudes brasileiras. Demarcar e garantir di-
na sociedade brasileira até poucos anos atrás. reitos são os primeiros passos para a realiza-
Uma vez que a ideia de jovem era associada ção da justiça social. Está claro que os jovens
imediatamente aos estudantes, precisam ser considerados como
“Sob a
os/as jovens empobrecidos, os sujeitos sociais e políticos com
negros, os de baixa renda, as ideologia de capacidade para exercer a cida-
mulheres, os LGBTs, entre ou- que ‘o gigante dania, elegendo e acompanhan-
tros, não eram alvo de ações acordou’, do seus representantes e mani-
afirmativas por parte dos go- ouvimos uma festando-se quando as posturas
vernos e demais instituições, o destes não lhes representam.
polifonia
que revelava que uma parcela O mês de junho de 2013 é
do público jovem permanecia de vozes, singular nesse aspecto. Passa-
excluída de seus direitos. endereçadas a dos quase cinco anos, é impos-
Abre-se aqui uma percep- diversas pessoas, sível nos esquecermos da ava-
ção interessantíssima. Quando instituições e lanche de pessoas que foram às
se fala em jovens, percebe-se ruas mostrar sua indignação
que estes, malgrado a compre-
estruturas.”
pela ausência de representativi-
ensão de que cada um deles é “sujeito de dade sociopolítica. Sob a ideologia de que
direitos universais, geracionais e singulares” “o gigante acordou”, ouvimos uma polifonia
(EJ, 2013, seção I, art. 2º, IV), estão propen- de vozes, endereçadas a diversas pessoas,
sos a formar grupos segmentares baseados instituições e estruturas. Elas reclamavam
em questões relativas às suas vivências. Por direitos, ao mesmo tempo em que diziam
isso, compreensões mais universais dizem que nada nem ninguém lhes representavam.
pouco do mundo dos jovens. O plural é Essas manifestações reuniram a defesa de
mais acolhedor e corre menos riscos de des- centenas de causas diferentes, sem que um
considerar os sujeitos das vivências. Desse movimento ou outro lhes subtraíssem deter-
modo, ao tratar do tema da violência e do minadas bandeiras. No entanto, a ausência
desejo de viver dos/das jovens na contem- de sistematização e de unidade das vozes
poraneidade, o termo mais adequado é o mostrou um gigante acordado, porém frágil,
plural “juventudes”. por não conseguir propor projetos popula-
Com isso, está-se indicando que os jo- res à nação. Dentre as milhares de pessoas
vens brasileiros protegidos pela Lei, con- que exigiam educação e saúde “padrão Fifa”,
forme a faixa etária indicada, são sujeitos destacaram-se sumariamente os/as jovens.
nº- 322

de vivências plurais que exigem ações e tra- No âmbito eclesial, mundial e brasileiro,
tamentos específicos e diferenciados. Essa muita coisa acontecia naquele ano. O papa

ano 59

percepção pós-moderna leva em conta o ca- Bento XVI havia apresentado sua declaração
ráter das subjetividades agrupadas em expe- de renúncia na manhã do dia 11 de feverei-
riências comuns, considerando demandas

ro. Ele afirmava: “Cheguei à certeza de que


Vida Pastoral

cada vez mais pontuais na relação dos jo- as minhas forças, devido à idade avançada,

22
já não são idôneas para exercer adequada-
mente o ministério petrino”, e também: Pastoral Juvenil no Brasil
“Para governar a barca de São Pedro e anun- Identidade e horizontes – nº. 103
ciar o evangelho, é necessário também o vi-
gor quer do corpo, quer do espírito”. Indi- CNBB
cou-se que o papa Bento se sentia debilita-
do, por sua idade avançada, para dar segui-
mento a um ministério que lhe exigia um
vigor que é também do corpo. Aventava-se
uma contraposição entre o velho e o novo e
a necessidade de um papa mais jovial para
conduzir a Igreja, a partir do diálogo com
nossa complexa realidade.
Em 13 de março de 2013, o papa eleito
em conclave foi Jorge Mario Bergoglio, um
jesuíta argentino, então cardeal arcebispo de
Buenos Aires. Um papa “do fim do mundo”
assumiu a liderança da Igreja com o nome
de Francisco, com claras referências ao “jo-
112 págs.

vem de Assis”. Não apenas a imagem do


novo papa inspirava jovialidade, pelas ves-
tes leves e brancas, pelo sorriso no rosto e
pela espontaneidade na fala e nos gestos, O grande impulso que a Igreja
tem dado à evangelização da
mas o próprio nome escolhido indicava jo- juventude nos últimos tempos
vialidade, vigor e revolução pela via da fra- exige pessoas cada vez
ternidade, tal como conservado na memória mais esclarecidas, convictas,
que se tem de São Francisco de Assis. O apaixonadas e capacitadas,
papa Francisco, ao longo do seu pontifica- além de estruturas adequadas
do, tem confirmado uma eclesiologia jovial, para a missão. Nossas estruturas
juvenis, constantemente imbuídas
em diálogo com a contemporaneidade, na do dinamismo do Evangelho,
perspectiva da fraternidade com as criaturas são convocadas a testemunhar a
e do vigor no anúncio do evangelho. Seus força da unidade eclesial em vista
gestos de gentileza, num mundo carente de do serviço qualificado, gratuito
bondade, são revolucionários e vão ao en- e alegre a favor da construção
contro do coração das juventudes, que o do Reino, principalmente entre os
Imagens meramente ilustrativas.

jovens mais vulneráveis.


perceberam como um amigo-irmão de ca-
minhada. Um papa jovial, para os jovens.
No Brasil, a Campanha da Fraternidade
(CF) de 2013 tratou do tema “Fraternidade e
nº- 322

juventude”, com o lema: “Eis-me aqui, envia- Vendas: (11) 3789-4000


-me”. Os setores mais progressistas do catoli- 0800-164011

ano 59

cismo brasileiro ressaltaram que a CF-2013 SAC: (11) 5087-3625


deixava a desejar, por não abordar com rigor V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
as questões e os problemas que circundavam o

paulus.com.br
Vida Pastoral

universo juvenil na época. Na apresentação do

23
texto-base, o secretário-geral da CNBB, Leo- nacionais. Nesse sentido, outras expressões
nardo Ulrich Steiner, afirmava que “é jovem religiosas, que não a pentecostal católica, fo-
não aquele que tem idade nova, mas aquele ram eclipsadas pelo que está convencional-
que tem o vigor de Deus”, deixando incerto, mente ligado à Renovação Carismática Cató-
portanto, a respeito de quem estavam falando lica (RCC): o apelo ao gospel.
objetivamente. Ainda na apresentação, a CF Como se pode ver, o ano de 2013 é ímpar
era tratada como anúncio da Jornada Mundial no tratamento do tema da juventude, tanto
da Juventude (JMJ), que aconteceria na cidade na sociedade como na Igreja. No entanto,
do Rio de Janeiro entre os dias 23 e 28 de ju- não podemos afirmar que, daquele ano até o
lho do mesmo ano. À parte as presente momento, a sociedade
“Ao falar da
discussões sobre as realidades e a Igreja tenham dado passos
conflitantes dos/as jovens brasi- evangelização significativos no que tange a ati-
leiros, a CF pareceu constituir das juventudes, va e efetiva opção preferencial
mais um marketing para a JMJ, exige-se longo pelos jovens ou pelas juventu-
para o sucesso do evento mun- processo des. É urgente nos perguntarmos
dial, do que propriamente mani- pelos frutos que todos esses
festar um interesse profundo e
profético de acontecimentos eclesiais promo-
sensível pelas vivências das ju- escuta dos/as veram entre as juventudes brasi-
ventudes. Assim, como interpe- jovens e de suas leiras, para o enfrentamento dos
lação ao lema da CF-2013, deve- experiências de seus problemas sociais, cultu-
ríamos nos perguntar ainda rais, políticos e eclesiais. Os/as
mundo.”
hoje: que jovem, para onde, de jovens contemporâneos vivem
que jeito, em quais circunstâncias será envia- constantemente ameaçados em sua vida, seu
do? Essas perguntas foram respondidas pelas corpo e seus direitos. A violência é uma das
comunidades, paróquias, dioceses ou pelos máquinas que mais eliminam os sonhos, as
próprios jovens? utopias, os direitos e as vidas.
A JMJ foi um evento de massas, momento
bastante importante para o despertar da sen- 3. Juventudes e violências
sibilidade de pertença à Igreja Católica, mas A Conferência de Puebla consagrou a op-
não o despertar para determinada diocese, ção preferencial pelos pobres e pelos jovens
paróquia ou comunidade de base ou, além em seu documento final. Revelou-se a preo-
disso, para o seguimento radical de Jesus cupação pela situação juvenil na América La-
Cristo. Obviamente, não se podem negar as tina, em vista do seu histórico de ditaduras e
experiências profundas e enriquecedoras que violências. Compreendia-se que a fé, e tudo o
muitos/as jovens vivenciaram ao longo da- que diz respeito à evangelização, não pode
queles dias, num efervescente encontro de estar desvinculada da vida concreta das pes-
culturas, linguagens, vidas e religiosidades, soas, dos seus dramas e desafios. Por isso, ao
tudo com espírito de gratuidade. Esse encon- falar da evangelização da juventude, ou me-
tro mundial dos/as jovens, como afirmou lhor, das juventudes, exige-se longo processo
nº- 322

Brenda Carranza em entrevista à IHU, consa- profético de escuta dos/as jovens e de suas
grou a “cultura gospel católica”, de raiz pen- experiências de mundo.

ano 59

tecostal protestante, ao dar a tônica gospel do Analisando o perfil da juventude brasilei-


encontro, que contou com diversos shows ra e a sua inserção e participação na socieda-

conduzidos por padres, cantores católicos e de, Novaes e Vital destacam três marcas da
Vida Pastoral

famosos, bandas católicas, internacionais ou juventude da época, a saber: o “medo de so-

24
brar, por causa do desemprego, o medo de 1980, para 42.291, em 2014: crescimen-
morrer precocemente, por causa da violên- to de 592,8%. Mas, na faixa jovem, este
cia, e a vida em um mundo conectado, por crescimento foi bem maior: pula de
causa da internet” (NOVAES; VITAL, 2006, 3.159 HAF, em 1980, para 25.255, em
p. 112-113). Passados dez anos da publica- 2014: crescimento de 699,5% (WAISEL-
ção desse estudo, após um período áureo de FISZ, 2016, p. 49).
emprego, de acesso às tecnologias da inter-
net, o Brasil pós-agosto de 2016 vê-se amea- Os dados são assustadores. Há verdadei-
çado em suas conquistas. O número de de- ro extermínio de jovens no Brasil. Os homi-
sempregados está em crescimento, e o merca- cídios por armas de fogo são as principais
do de trabalho privilegia a mão de obra jo- causas da mortalidade juvenil em nossa so-
vem diplomada no exterior em detrimento ciedade, respondendo por 58% dos casos. A
das formadas no Brasil. Os/as jovens brasilei- participação de jovens nesses homicídios
ros voltam a sentir o medo amargo de sobrar também é bastante alta. Esses crimes têm
de maneira ainda mais forte, pois se perce- um pico elevado no período dos 20 anos de
bem sem trabalho, fora da cadeia de consu- idade, correspondendo a 67,4 mortes por
midores de bens materiais. 100 mil jovens.
No que tange ao acesso à internet, as ju- Mas não é só isso que deveria nos preo-
ventudes de hoje encontram nas redes um cupar. Os homicídios no Brasil não têm ape-
meio para se formar, informar e articular nas faixa etária, têm cor também. Os dados
ações de seu interesse. Podemos dizer que há do Mapa da Violência de 2016 apontam uma
um medo – antropológico? – a atormentar queda de 26,1% nos homicídios relativos à
os/as jovens: estar desconectados. Há uma população branca. Já o número de vítimas
espécie de “habitação” interessante das redes. negras sofreu um aumento de 46,9%. Essa
Por um lado, aproveitam-se as potencialida- diferença mostra que grande parcela dos as-
des delas para a formação de coletividades; sassinatos cometidos são contra jovens ne-
por outro, as maldades e violências do mun- gros, o que também se relaciona à baixa ren-
do real atuam no mundo virtual, fazendo da da. Isso é um retrato claro do racismo e do
internet também um mecanismo de mortes. preconceito arraigados na sociedade brasilei-
E por falar em mortes, o Mapa da Violên- ra, que mata jovens negros e pobres, justa-
cia de 2016 constata o que está sendo percebi- mente aqueles que mais carecem dos direitos
do há anos: os homicídios por armas de fogo que deveriam ser garantidos pelo Estado.
(HAF) no Brasil têm como alvos principais Entre as mulheres, o número de homicí-
pessoas jovens. A respeito dessa realidade, o dios é menor que entre os homens. No en-
sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz afirma: tanto, as mulheres brasileiras vivem num
sistema sociocultural e religioso machista,
Como vimos constatando desde o pri- que as violenta física, simbólica, psicológica
meiro Mapa da Violência, divulgado em e moralmente. As mulheres negras, se com-
1998, a principal vítima da violência ho- paradas às brancas, correspondem ao maior
nº- 322

micida no Brasil é a juventude. Na faixa número das vítimas de homicídio. Nesse


de 15 a 29 anos de idade, o crescimento quesito, o Brasil ocupa o quinto lugar no

ano 59

da letalidade violenta foi bem mais inten- ranking global de homicídios de mulheres,
so do que no resto da população. Vemos segundo a ONU. Mais que entre as mulhe-
[...] que, no conjunto da população, o

res brancas, a violência contra as mulheres


Vida Pastoral

número de HAF passou de 6.104, em negras mistura desigualdade de gênero, mi-

25
soginia e racismo, uma vez que a imagem da gem da violência contra os jovens que com-
negra escrava sexual dos senhores permane- põem esses grupos de riscos sociais. Coisas
ce conservada no imaginário popular e é im- bonitas já estão acontecendo, mas é preciso
pulsionada midiaticamente. avançar na perspectiva da efetiva proposição
Outro público de jovens que merece aten- pastoral, fundamentada no evangelho e aten-
ção são as pessoas que integram a chamada di- ta aos sinais dos tempos. Por isso, apresenta-
versidade sexual. As pessoas LGBTIs são víti- mos a seguir algumas proposições.
mas de violências cotidianas, muitas vezes mo-
tivadas por preconceitos de cunho religioso. Os 4. Para pensar e motivar ações
assassinatos de LGBTIs, por crimes de ódio, As juventudes pós-modernas se compre-
carecem de uma legislação que os caracterize endem sem futuro. Elas não são como as mo-
como tais. Mas não é só isso, os jovens LGBTIs dernas, que renunciavam ao presente em vista
convivem com violências diárias, sobretudo as de um futuro melhor. Os/as jovens modernos
psicológicas e morais, que os im- guardavam esperanças quanto ao
pedem de acessar direitos e viver
“Os homicídios que poderia vir a ser a vida, de
uma vida plena. no Brasil não modo que abrir mão do presente
O fator ódio, considerado têm apenas faixa era necessário para obter o futu-
na violência contra as juventu- etária, têm cor ro. Nós, jovens de hoje, não te-
des LGBTIs, é acrescido de ou- mos um futuro, e isso é o que
também.”
tros fatores, a depender de afirma a filósofa Viviane Mosé.
quais sejam os sujeitos violentados. Uma jo- Segundo Mosé1, os/as jovens dos nossos
vem lésbica negra pobre, moradora da perife- dias não têm futuro. Ameaças como o aqueci-
ria, está mais propensa a ser violentada que mento global, a fome, a carência de alimentos,
outra lésbica em situação oposta. Pesa nesse a clonagem de órgãos, a escassez de água, as
caso o machismo, a misoginia, o racismo e a guerras, as migrações globais e o trancamento
desproteção social por ser de classe menos de fronteiras, o ódio às minorias, o desempre-
favorecida financeiramente. Com isso esta- go, entre outras, fazem que a ideia de futuro se
mos dizendo que a violência contra LGBTIs torne inconcebível, simplesmente não exista.
tende a variar, dependendo dos espaços em Para ela, os/as jovens do século XXI não estão
que tais sujeitos estejam inseridos. Com fre- dispostos a abrir mão do presente para assu-
quência, esse público não encontra espaço mir algo que não existe. Por isso, a ideia de
nas comunidades, paróquias e dioceses, o futuro está sempre acompanhada da de cons-
que os leva muitas vezes à exclusão ou à falta trução. É preciso construir o futuro.
de sentido de pertença, uma vez que suas Nessa perspectiva, não é de estranhar o
narrativas existenciais são ali rejeitadas e des- fato de que jovens de grupos de minorias
consideradas. (são minorias, numericamente falando?) es-
Esses públicos merecem não só atenção, tejam dispostos a lutar por seus direitos. O
mas também zelo pastoral. O enfrentamento movimento de jovens feministas, de jovens
da pobreza, bem como do racismo e da dis- negros e negras, de jovens LGBTIs, de jovens
nº- 322

criminação baseada em sexo e gênero, inte- sem moradia, o movimento de jovens pela
ressa aos seguidores e seguidoras de Jesus, educação (que bravamente ocupam espaços

ano 59

cuja mensagem do Reino é a vida plena e e protestam contra o roubo de um ensino pú-
abundante para todos. Por isso, é urgente
1
Palestra no Café de Ideias, do dia 28 de março de 2014.

uma postura profética e destemida das co-


Vida Pastoral

Acessível < https://www.youtube.com/


munidades, paróquias e dioceses na aborda- watch?v=zOjynTC8g0Y>. Acesso em: 28 mar. 2018.

26
blico de qualidade), entre outros, militam
para que suas demandas sejam acolhidas e Os jovens, a fé e o
respeitadas. O que fundamenta todas as ban-
discernimento vocacional
deiras é a luta pelo direito ao futuro, pela sua
construção. É importante ressaltar que essas Papa Francisco e Sínodo dos Bispos
lutas são legítimas em uma sociedade que
trata com indiferença e diferença os que não
têm dinheiro nem seguem os padrões estabe-
lecidos pelos grupos de poder.
Os cenários eclesiais brasileiros são mui-
tos, mas, a partir dos anos 1990, os movi-
mentos, grupos e pastorais, bem como as co-
munidades de base, foram eclipsados pela
RCC e sua forte capacidade de presença no
rádio e na televisão. Estar eclipsado não sig-
nifica ter deixado de existir. Antes, significa
ter sido invisibilizado pelas conveniências
eclesiais, nem sempre evangélicas. Por isso, a
72 págs.

Pastoral da Juventude,2 sempre interessada,


preocupada e propositiva no enfrentamento
dos problemas que acometem os/as jovens,
encontra bastante resistência na maioria dos
Entusiasmo e alegria
Pensamentos do Papa Francisco
cenários eclesiais em que está ou procura in-
serir-se. Com isso, pautas relevantes, como a Papa Francisco
erradicação da violência contra jovens, são
pouco abordadas por grupos de jovens, co-
munidades, paróquias e dioceses.
É urgente uma postura profética da Igre-
ja, dos cristãos e das cristãs, que vá ao encon-
tro do que a Conferência de Puebla sinalizava
entre suas muitas demandas: uma opção pre-
ferencial pelos jovens e pelas jovens. Para
isso, é necessário que se cumpra o que pre-
tendia a CNBB, com referência à participa-
ção eclesial dos/as jovens: “trata-se de valo-
Imagens meramente ilustrativas.

rizar a participação dos jovens nos conse-


lhos, reuniões de grupo, assembleias, equi-
pes, processo de avaliação e planejamento”
46 págs.

(CNBB, Doc. 85, n. 76). Mas não é só isso.


nº- 322

As comunidades, paróquias e dioceses preci- Vendas: (11) 3789-4000


sam ouvir os jovens, acolher suas vivências, 0800-164011

ano 59

SAC: (11) 5087-3625


2
A Pastoral da Juventude do Brasil (PJB) surgiu em 1995,
abarcando a Pastoral da Juventude (PJ), a Pastoral da Ju- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

ventude do Meio Popular (PJMP), a Pastoral da Juventude paulus.com.br


Vida Pastoral

Estudantil (PJE) e a Pastoral da Juventude Rural (PJR).

27
percebendo-os como sujeitos que, apesar de Da parte da Igreja, são necessários tam-
estarem em formação, têm capacidade de co- bém um empenho maior e a provocação de
laborar com a Igreja e a sociedade. debates eclesiais, com a presença da socieda-
A carta do papa Francisco aos jovens, de civil e de entidades, centros e institutos de
por ocasião da apresentação do documento juventudes, que proponham campanhas,
preparatório da XV Assembleia Geral Ordi- ações afirmativas e projetos populares para a
nária do Sínodo dos Bispos, anima as juven- garantia da vida das juventudes brasileiras. A
tudes a acolher o convite do nota contrária à redução da
Senhor para ir e promover uma “Defender maioridade penal é um posicio-
“terra nova”, “uma sociedade os/as jovens, namento profético da Igreja no
mais justa e fraterna”. Nesse para além Brasil que acredita nos/as jovens
sentido, é pertinente o espírito de uma ideia e adolescentes, bem como na sua
que parece motivar a Igreja a recuperação humana e social.
escutar o grito das juventudes:
romanceada e Os cristãos e as cristãs po-
“Aquele grito nasce do vosso da sua reunião dem contribuir ainda mais para
coração jovem, que não supor- em eventos de as causas juvenis na proposição
ta a injustiça e não pode incli- massa, é um de fóruns, conferências, rodas
nar-se à cultura do descarte, de conversa, mesas de debates,
dever urgente
nem ceder à globalização da com ampla divulgação nos
indiferença”. O sínodo é uma de quem está meios de comunicação católica.
oportunidade para ouvi-las – conectado ao Defender os/as jovens, para
não um ouvir paternalista, coração de além de uma ideia romanceada
como é praxe no meio eclesial, Jesus.” e da sua reunião em eventos de
mas como quem está disposto a massa, é um dever urgente de
dialogar sobre a fé e a vida daqueles que são quem está conectado ao coração de Jesus,
ou podem vir a ser seguidores e seguidoras pois “todas as vezes que fizestes a um destes
de Jesus, empenhados em comunicar ao menores, que são meus irmãos, foi a mim
mundo a alegria do evangelho. que o fizestes” (Mt 25,40).

Bibliografia

BEOZZO, J. O. (Org.). Curso de verão – Ano XXI: juventude: caminhos para outro mundo possível. São
Paulo: Paulus, 2007.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Evangelização da juventude: desafios e pers­
pectivas pastorais. São Paulo: Paulinas, 2007 (Documentos da CNBB, 85).
LIBÂNIO, J. B. Para onde vai a juventude? – Reflexões pastorais. São Paulo: Paulus, 2011.
nº- 322

NOVAES, R.; VITAL, C. A juventude de hoje: (re)invenção da participação social. In: THOMPSON,
Andrés A. (Org.). Associando-se à juventude para construir o futuro. São Paulo: Peirópolis, 2006.

ano 59

PAPA FRANCISCO; SÍNODO DOS BISPOS. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional: documento


preparatório da XV Assembleia do Sínodo dos Bispos. São Paulo: Paulus, 2017.

WAISELFISZ, J. J. Mapa da violência 2016: homicídios por armas de fogo no Brasil. Rio de Janeiro:
Vida Pastoral

Flacso Brasil, 2016.

28
O acompanhamento espiritual
à luz do encontro de Jesus
com a samaritana
Márcia Helena Rodrigues Paroli*

O acompanhamento espiritual constitui um instrumento eficaz para


a formação. Como fio condutor deste trabalho, para a sua
elaboração, procurou-se analisar o texto evangélico da samaritana,
extraindo desse profícuo diálogo um modelo de orientação espiritual,
orientação conduzida pelo próprio Senhor, ele, fonte de água viva!
São apresentados os elementos que constituem a relação da prática
pastoral da orientação espiritual.

*Márcia Helena Rodrigues Paroli é mestra em Teologia


pela PUC-PR e especialista em Pastoral da Educação e
Introdução
Protagonismo pela PUC-PR, em Formação Humana pelo
Instituto de Aconselhamento e Terapia do Sentido do Ser
(Iates), em Psicologia e Acompanhamento Espiritual pela
Unyleya. Doutoranda do Programa de Ciências da Religião
N este ano em que se refletirá acerca dos
jovens, da fé e do discernimento voca-
cional no Sínodo dos Bispos sobre a juventu-
da PUC-Goiás. E-mail: marciahelena@hotmail.com de e que foi consagrado ao laicato pela Igreja
nº- 322

no Brasil, propõe-se aqui uma leitura feita na


ótica do acompanhamento espiritual.

ano 59

Guiando-se pelo texto de Jo 4,1-42, pro-


curar-se-á identificar os passos do acompa-

nhamento espiritual segundo a prática de Je-


Vida Pastoral

sus, bem como apontá-la como um serviço

29
eclesial válido no acompanhamento e na for- e ocasião de pecado. É, além disso, frívo-
mação das pessoas que buscam algo mais in- la, sensual, preguiçosa, fofoqueira e de-
tenso e profundo para sua vida espiritual. sordenada [...] (PAGOLA, 2010, p. 257).
Isso permite a superação de devocionismos e
de práticas rituais feitas sem que haja real Para evitar problemas, era conveniente
adesão ao projeto de Deus. que as mulheres ficassem em casa, para “não
dar o que falar” e, assim, não macular a honra
1. O papel da mulher do seu senhor e de sua família.
no tempo de Jesus Em casa, as mulheres se ocupavam dos
Antes de entrar no texto da samaritana, afazeres domésticos: moer o trigo, costurar,
convém fazer breve contextualização da posi- fazer comida, tecer e fiar e servir os seus ho-
ção da mulher no tempo de Je- mens. Há que acrescentar que,
sus, bem como da relação de Je-
“A situação da publicamente, não deviam nem
sus com elas. Infelizmente as mulher no tempo podiam se pronunciar, e os véus
fontes existentes acerca dessa de Jesus era de que cobriam seu rosto expri-
relação, em grande parte, são es- exclusão social e, miam o fechamento imposto à
critas por homens; daí a dificul-
muitas vezes, de própria expressão feminina. Po-
dade de uma percepção da visão de-se imaginar que, entre as mu-
feminina. É, no entanto, possível indigência.” lheres, havia uma esperança de
observar Jesus sempre rodeado de mulheres: libertação com a vinda do Messias.
admiradoras, seguidoras, mantenedoras, en- No grupo de Jesus havia todo tipo de
fermas e discípulas. mulheres e, pela vida itinerante que levavam,
A situação da mulher no tempo de Jesus provavelmente deram muito que falar. Jesus
era de exclusão social e, muitas vezes, de in- é indiferente ao código de pureza e de discri-
digência. Nesse sentido, a narrativa da cria- minação infligido às mulheres. Pagola fala
ção conhecida pelos judeus já punha a mu- sobre essa aproximação:
lher em condição servil e ainda lhe atribuía
a culpa de o mal ter entrado no mundo, pois Para as mulheres só podia ser atraente
se entendia que, sem a desobediência de aproximar-se dele, para mais de uma
Eva, o homem não teria pecado. Conse- significava libertar-se, ao menos mo-
quentemente, na cultura judaica, a mulher mentaneamente, da vida de marginaliza-
era, sim, vista como um perigo. Ela fazia ção e trabalho que levavam em suas ca-
parte das posses de um homem e sua pri- sas. Algumas aventuravam-se inclusive a
mordial função era procriar – de preferên- segui-lo pelo caminho da Galileia [...].
cia, filhos homens. Sem dúvida, as mulheres veem em Jesus
Na esfera religiosa, sua participação era li- uma atitude diferente. Nunca ouvem de
mitada, já que, por menstruar, era considerada seus lábios expressões depreciativas tão
impura. Não podia, portanto, entrar no templo frequentes mais tarde nos rabinos. Nun-
nem ser sacerdotisa. Pagola assim sintetiza: ca ouvem dele nenhuma exortação a vi-
nº- 322

verem submissas aos seus esposos nem


Essa visão negativa da mulher não per- ao sistema patriarcal. Não há em Jesus

ano 59

deu força ao longo dos séculos. No tem- animosidade nem precaução alguma
po de Jesus, pelo que podemos saber, era diante delas. Somente respeito, compai-
talvez mais negativa e severa. A mulher

xão e uma simpatia desconhecida (PA-


Vida Pastoral

não só era considerada fonte de tentação GOLA, 2010, p. 262).

30
Após esse breve situar da condição da À beira daquele poço, Jacó havia encontra-
mulher no tempo de Jesus, pode-se então do a mulher de sua vida; a samaritana encon-
adentrar com maior consciência no texto do tra-se com o Senhor, aquele que tem a água viva
encontro de Jesus com a samaritana. Para que jorra para a eternidade. Ela, no entanto,
tanto, é válido analisar, também, a relação por desconhecer Jesus, não entende o seu ensi-
dos judeus com os samaritanos, visto que, namento, pensa que Jesus fala apenas de água
além de sua condição de mulher, a samarita- que abastece o poço. Daí, quando pede que ele
na pertence a um povo também marginaliza- lhe dê dessa água, tem apenas interesse em tor-
do e excluído. nar a vida mais fácil. Como observa Konings
(2005, p. 126): “Mas a samaritana ainda não
2. A relação dos judeus entende. Quer receber a água que Jesus lhe ofe-
com os samaritanos rece, porém por razão bem materialista, para
O povo samaritano separou-se da comu- não precisar mais tirar água do poço”.
nidade judaica no século IV a.C., levando Essa é uma espiritualidade que não exige
consigo, no entanto, o Pentateuco. A popula- mudança, mas ratifica as escolhas e as opções
ção da Samaria era composta de descenden- egoístas e descomprometidas.
tes de israelitas e dos colonos importados
pelos assírios. Com essa mescla de nações, A vida, representada pela água, nos é
podem-se pressupor os diversos cultos exis- dada pelo encontro com o Senhor [...]. A
tentes na região. Água viva significa, precisamente, nestes
Os samaritanos, tentando aproximar-se textos, o dom do Espírito Santo, realiza-
dos judeus quando da volta do exílio da Ba- do por Jesus. Beber em seu próprio poço
bilônia, sentiram-se rejeitados. Como revan- constitui uma experiência espiritual, no
che, tentaram impedir a reconstrução do sentido mais forte da expressão. É viver o
templo e dos muros de Jerusalém. Além dis- tempo do Espírito, em conformidade
so, construíram um templo próprio em Gara- com ele (GUTIERREZ, 1984, p. 51).
zim, minando, de certa forma, a centralidade
do templo de Jerusalém e a exclusividade da A samaritana é uma pessoa excluída: pri-
cobrança de impostos que ali se realizava. meiramente, por viver em uma sociedade
Essas tensões cresceram com o passar do onde a mulher não tinha voz nem vez; de-
tempo, tornando os samaritanos numa etnia pois, porque pertence a um povo considera-
cada vez mais excluída. Ser chamado de sa- do pelos judeus como heterodoxo.
maritano era uma ofensa. A samaritana não Num primeiro momento ela contesta,
tem nome, pois simboliza todo o seu povo. quase debochando: “Como, sendo tu ju-
Konings (2005, p. 126) afirma que a ex- deu, tu me pedes de beber, a mim que sou
pressão “era preciso” (Jo 4,4) designa a neces- samaritana?” (Jo 4,9). Isso seria cultural-
sidade do encontro com a samaritana, já que mente um escândalo, pois o homem não
Jesus poderia ter ido por outro caminho, ou devia falar em público com nenhuma mu-
seja, não necessariamente deveria passar por lher. A samaritana não conhecia Jesus, e a
nº- 322

ali. Nota-se, portanto, a intencionalidade de fama dele não tinha chegado àquelas ter-
Jesus e a vontade do Pai em resgatar aquele ras. Assim, ela o vê com o preconceito que

ano 59

povo. Na sequência da perícope, vê-se Jesus fora construído historicamente. Sua visão
afirmando: “Meu alimento é fazer a vontade é, portanto, limitada; está sob o véu do
daquele que me enviou e consumar a sua

“pré-juízo”, que a faz ter uma compreensão


Vida Pastoral

obra” (Jo 4,34). distorcida da realidade.

31
Jesus se apresenta como um presente: “Se Poder-se-ia aqui imaginar as ansieda-
conhecesses o dom de Deus e quem te pede de des, as frustrações, os afetos e os desafetos
beber...” (Jo 4,10). Os verbos crer, conhecer e que a samaritana trazia em seu interior. É
amar são como que sinônimos nos escritos de tão grande a sede expressa na inquietude
João. Conhecer, na cultura hebraica, não é dessas palavras, nos olhos, no corpo intei-
exercício intelectual, mas aplica-se à relação ro, que leva Jesus a se revelar: “Sou eu, que
íntima entre dois seres, de tal modo que o falo contigo” (Jo 4,25). Ousar-se-ia inter-
crente pode afirmar que Deus pretar: “Beba-me”. Jesus faz que
está nele e, reciprocamente, ele
“A samaritana ela depare com sua verdadeira
está em Deus. Mateos comenta: não tem nome, sede, sede do Deus verdadeiro.
“Jesus responde de maneira in- pois simboliza Então, ela corre a partilhar
direta, excitando a curiosidade todo o seu povo.” com todos a sua experiência, es-
da mulher. Fala-lhe de dom de quecendo-se da sua condição de
Deus, de água viva que ele é capaz de dar. Pe- excluída. “‘Vinde ver um homem que me disse
dira-lhe um favor, mas está disposto a corres- tudo o que eu fiz. Não seria ele o Cristo?’ Eles
ponder com outro maior de sua parte do que saíram da cidade e foram ao seu encontro” (Jo
o dela” (MATEOS, 1989, p. 211). 4,29-30). O anúncio que ela faz não é imposi-
A um mero judeu (cf. Jo 4,9) ela chama tivo; põe a questão para que eles possam fazer
de Senhor (cf. Jo 4,11). A relação passa para o caminho que ela acabara de percorrer.
um nível superior: as palavras, a tonalidade Nesse momento, há uma interrupção
de voz, o olhar, a reverência de Jesus fazem no encontro. Os discípulos chegam e, por
que, de desconhecido, passe a ser Senhor. não terem ainda escutado a revelação e feito
Esse encontro ainda não chegara, contudo, o processo, julgam temerariamente, sem
ao seu ápice. Os conceitos antigos e a tradi- nada entender.
ção do seu povo a impediam de avançar. Os samaritanos vieram e creram. Chega-
Jesus responde, falando de uma água ram a dizer que creram não por causa da
superior àquela que ela veio buscar. Alude mulher samaritana. Eles encontraram Jesus,
ao Espírito, fonte permanente de vida e de porém a experiência dela foi única e ines-
vida eterna. quecível, pois, mais que crer, ela se deixou
“Senhor, dá-me dessa água” (Jo 4,15): olhar e, no mais profundo desse contato,
os papéis se invertem. Até então, Jesus es- deixou-se salvar.
tava com sede, mas ouvi-lo suscita na sa-
maritana uma sede mais profunda. Afinal, 3. Os passos do acompanhamento
também os samaritanos esperavam um espiritual na trilha de Jo 4,1-42
Messias, pois eram conhecedores das pro- Passa-se, agora, a uma leitura atenta do
messas dos profetas. texto da samaritana (Jo 4,3-42), tomando o
A mulher conhece as tradições, porém texto como um modelo de acompanhamento
não é muito praticante. Passa a lembrar as espiritual e salientando, desde já, que nessa
promessas antigas e põe em dúvida o lugar leitura não há regras fixas. O que se pode
nº- 322

onde se deve cultuar. apontar são apenas algumas pistas, pois cada
O discurso passa do pedido de um mero pessoa é um mundo, e o Espírito Santo, que

ano 59

saciar-se natural para a sede mais profunda, a é movimento inovador, suscita caminhos di-
sede existencial. Idolatria ou vários amores, o ferentes e pessoais.
que importa nesse encontro é que Jesus a co- “Era preciso passar pela Samaria” (Jo 4,4).

Vida Pastoral

nhece e sabe da causa de sua sede interior. O acompanhante espiritual precisa passar

32
pelo território do acompanhado, conhecer a estar com o povo é extensão da relação íntima
realidade de onde a pessoa provém, quais são que tem com o Pai.
as suas crenças, os seus valores, as suas lutas. “Perto da região que Jacó tinha dado a seu
Há uma falsa ideia de espiritualidade, e filho José” (Jo 4,5). Há uma tradição, costu-
esta gera um estereótipo. Com base nele, pas- mes, modos de fazer e de pensar que são pro-
sa-se a julgar quem tem ou não espiritualida- venientes de tudo o que o acompanhado vi-
de. Primeiramente se crê que é preciso um veu. Até mesmo o seu modo de relacionar-se
ambiente afastado, solitário, para poder en- com Deus foi construído socialmente.
trar em sintonia com Deus. Depois, julga-se Miranda (2009, p. 239) afirma serem basi-
que, para ter uma vida espiritual, é necessá- camente três os elementos que impossibilitam
rio ter uma rotina sem grandes compromis- o acompanhante de alcançar a liberdade inte-
sos com o mundo. Poder-se-ia acrescentar a rior. São impedimentos de ordem psicológica,
essas qualidades errôneas o perfil da pessoa ideológica e situacional.
espiritual: circunspecto, silencioso, pesco- No âmbito psicológico, sabe-se que o pri-
ço curvado, solitário, sempre equilibrado e meiro passo do acompanhamento é levar o
paciencioso. acompanhado a autoconhecer-se.
Certamente que o silêncio e o ambiente são Salientam-se aqui as convicções e as cren-
de grande auxílio, porém é possível uma espiri- ças pessoais muitas vezes derivadas de condi-
tualidade urbana, criando a própria gruta em cionamentos, de repetições impensadas que
uma fila de banco ou esperando um ônibus. forjaram um jeito de posicionar-se na vida.
Pensar que se pode cultivar a espiritualidade Mudando o modo de ver e sentir, passa-se ao
em condições ideais torna-se grande obstáculo terceiro impedimento, ou seja, à superação de
para o cultivo da vida interior. Deve, portanto, situações que até então pareciam barreiras in-
cair por terra a imagem do acompanhante fe- transponíveis. Nesse momento, o acompanha-
chado, alienado, escondido do mundo. do poderá, enfim, fazer opções novas e, ven-
“Uma cidade da Samaria, chamada Sicar” cendo-se, vencer as barreiras externas.
(Jo 4,5). A realidade é específica e tem um “Ali se achava a fonte de Jacó” (Jo 4,6). Fonte
nome. Não basta ao acompanhante espiritual é um lugar repleto de significados. É onde se
um conhecimento geral sobre a realidade. É encontra a vida, onde se “bebe” a história passa-
preciso conhecer o mundo no qual o acom- da, a herança da bênção dada ao povo. Tal qual
panhado está imerso e a percepção que ele a samaritana, que possuía vínculos históricos e
tem do próprio contexto. Diz Leonardo Boff marcantes com aquele lugar, o acompanhante
(1995, p. 65): “Toda experiência religiosa se necessita conhecer em profundidade as experi-
exprime mediante um código cultural. Ela é ências marcantes da vida do acompanhado. São
parte da cultura, vem influenciada pela cul- aspectos a serem relevados, são bênçãos e mal-
tura ambiente e influencia a cultura”. dições a serem integradas, relidas e curadas
O acompanhante, conhecedor do contex- pela prática da orientação espiritual.
to do acompanhado, poderá entender com “Fatigado da caminhada, Jesus sentou-se
maior clareza suas afirmações, suas atitudes e junto à fonte” (Jo 4,6). O acompanhante ne-
nº- 322

as crenças que ele traz. cessita desse tempo. Precisa sentar-se, parar
Jesus é o modelo da espiritualidade que para ouvir, estar com toda a atenção no que o

ano 59

assume toda a humanidade. A sua vida itine- acompanhado lhe comunica. Sentar-se ao
rante o põe à mercê de muitos assaltos que lado da fonte é atitude de respeito e de reve-
poderiam, sem dúvida, tolhê-lo da intimidade

rência pela “água”, a vida do acompanhado


Vida Pastoral

com o Pai. No entanto, o seu jeito de ser e de que vai sendo partilhada.

33
O acompanhante espiritual precisa ex- acompanhamento espiritual: conhecer o dom
por a sua necessidade. Deve preparar-se, de Deus, seus desígnios, sua vontade, seu pro-
estar disposto, estar bem de saúde para ou- jeto de amor para conosco.
vir melhor. Precisa de tempo para o seu au- Buscar o acompanhamento espiritual é
tocultivo: oração, descanso, estudo e lazer. reconhecer em Jesus a fonte de água verda-
O colóquio, no acompanhamento espiritual, deira que sacia, que impulsiona para uma
pode propiciar real encontro do acompanhado vida coerente, justa e transformadora da so-
com Deus. Isso, no entanto, só ciedade.
ocorrerá se houver reta inten- “Quem começa Ao acompanhante cabe apon-
ção de abrir-se ao projeto divi- um caminho de tar esta fonte de água que jorra
no. O encontro precisa ser pre- profundidade para a eternidade, o Filho de Deus
parado pelas duas partes envol- espiritual logo se encarnado.
vidas: da parte do acompa- Quem começa um caminho de
nhante, com uma vida devota,
apaixona.” profundidade espiritual logo se apai-
voltada para Deus, e com o anseio permanente de xona. Começa a experimentar o que os santos
ser todo de Deus; da parte do acompanhado, o já experimentaram. O que era doce se torna
encontro é preparado com a vivência dos propósi- amargo e o que era amargo se torna doce.
tos e com seriedade, perseverança e a coragem de “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não
buscar. tenha mais sede nem tenha de vir mais aqui para
Na realidade, o acompanhante atento es- tirá-la!” (Jo 4,15). Quem suscita o interesse
cutará a linguagem oral e também a não ver- pelo crescimento espiritual é o próprio Deus,
bal e chegará, pelo exercício da observação, a mas ele nos quis membros de uma comunida-
captar os sentimentos do acompanhado. de, onde podemos contar com a mediação hu-
“Uma mulher da Samaria chegou para tirar mana no discernimento dos seus desígnios.
água” (Jo 4,7). Jesus, que está sentado ao lado, “Jesus disse: ‘Vai, chama teu marido’” (Jo
percebe a presença dessa pessoa. O acompa- 4,16). Em um primeiro momento, pode-se
nhante precisa estar atento à linguagem verbal pensar que Jesus quisesse gerar nela uma es-
e também à não verbal, pois esta última pode pécie de arrependimento acerca de sua con-
revelar muito mais que as palavras. duta moral. A intenção de Jesus é, no entan-
O muito cuidar do outro não deve levar to, que ela encontre a profundidade na ver-
ao descuido de si, pois, se isso ocorrer, aos dade que lhe está sendo revelada.
poucos o acompanhante irá se embrutecendo O acompanhamento espiritual deverá le-
e perdendo o encanto por Deus e pela missão var o acompanhado a ler com novos olhos
que lhe foi confiada. seu passado, reconhecendo também os falsos
“Seus discípulos tinham ido à cidade com- deuses que, ao longo da sua existência, tem
prar alimento” (Jo 4,8). Jesus está sozinho. cultuado.
Pode-se pensar no sigilo da relação entre “Não tenho marido” (Jo 4,17). A samari-
acompanhante e acompanhado. A pessoa tana é sincera. Poderia ter mentido ou ter
que procura o acompanhamento precisa con- mudado de assunto. No acompanhamento
nº- 322

fiar no acompanhante, saber que os tesouros espiritual, a sinceridade é fundamental. O


da intimidade partilhada não serão “vendidos acompanhante não pode auxiliar se existem

ano 59

em praça pública”. máscaras ou mecanismos de defesa. Somen-


“Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te te na queda dessas barreiras o acompanhado
diz: Dá-me de beber, tu é que lhe pedirias e ele te poderá adorar o verdadeiro Deus, em espíri-

Vida Pastoral

daria água viva” (Jo 4,10). Eis o objetivo do to e verdade.

34
“Vejo que és um profeta” (Jo 4,19). Na convi- “Meu alimento é fazer a vontade daquele
vência com o acompanhante, o acompanhado que me enviou” (Jo 4,34). Os discípulos re-
perceberá que o Espírito Santo dá àquele dicas tornam e, sem ter ainda percorrido o cami-
certas e se surpreenderá quando perceber que, nho que a samaritana acabara de percorrer,
pela escuta atenta e pela seriedade do serviço falam da terra, de alimento material. Jesus,
prestado, o acompanhante o conhece mais que ainda “atônito” pela ânsia de Deus daquela
ele próprio. mulher, responde a uma pergunta terrena
“Crê, mulher [...]. Vós adorais o que não com categorias do céu. O acompanhado aos
conheceis; nós adoramos o que conhecemos” (Jo poucos irá discernindo o que vale realmente
4,21-22). O acompanhante é um mediador a pena e, já num estágio maduro do acom-
que sabe o caminho, que conhece o Senhor panhamento espiritual, chegará a afirmar
e sabe que ele não desampara os que o bus- que o alimento dele é fazer a vontade do Pai.
cam, por ter sempre encontrado nele auxílio Tal atitude, como se verá mais adiante, não
e conforto. comporta sair do mundo, mas fazer do
“Mas vem a hora, e é agora, em que os ver- mundo um lugar onde Deus possa caminhar
dadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito com a sua criatura.
e verdade, pois são esses adoradores que o Pai “Muitos samaritanos daquela cidade cre-
procura” (Jo 4,23). Jesus faz a samaritana dar ram nele, por causa da palavra da mulher
o salto de qualidade no que tange às próprias que testemunhava: ‘Ele me disse tudo que eu
crenças. O acompanhado descobrirá que não fiz!’ [...] Bem mais numerosos foram os que
pode prescindir de Deus, pois este, no seu creram por causa da palavra dele e diziam à
infinito amor, o envolve, tal como o feto é mulher: ‘Já não é por causa do que tu falaste
envolvido no útero materno. que cremos. Nós próprios o ouvimos, e sabe-
“‘Sei que vem um Messias (que se chama mos que esse é verdadeiramente o salvador do
Cristo). Quando ele vier, nos anunciará tudo’. mundo’” (Jo 4,39-42). Depois de crerem no
Disse-lhe Jesus: ‘Sou eu, que falo contigo’” (Jo que a samaritana disse, seus coetâneos cre-
4,25-26). O acompanhado, ao longo do ram com base na experiência pessoal que
processo do acompanhamento, precisará fizeram de Cristo. Chegará um momento
encontrar-se com o Cristo, o Messias. O em que o acompanhado não precisará mais
acompanhante propiciará as condições para ir até o acompanhante. Este já saberá o ca-
que esse encontro aconteça. A samaritana minho e se desligará, sem, no entanto, pa-
havia ouvido falar dele, mas não possuía rar de caminhar.
elementos para reconhecê-lo.
“A mulher então deixou o seu cântaro e correu Considerações finais
à cidade, dizendo a todos: ‘Vinde ver um homem Se as pessoas realmente experimentassem
que me disse tudo o que eu fiz’. [...] Eles saíram da a “doçura” do caminho feito com o Senhor,
cidade e foram ao seu encontro” (Jo 4,28-30). incendiariam-se de amor e transformariam os
“Correu”: uma vez que o acompanhado tiver se ambientes em que estão inseridas. E assim
encontrado com o Cristo, nada mais lhe será manifestariam Cristo aos outros, especial-
nº- 322

impedimento ou bloqueio. Cruzes surgirão, mente pelo testemunho de sua vida resplan-
mas o modo de carregá-las será realmente dife- decente de fé, esperança e caridade.

ano 59

rente. É a experiência de todos aqueles que se Aprender a amar a Deus e a buscar em


deixam conduzir pelo Espírito: o modo novo tudo cumprir a sua vontade é o segredo de
de ver e de ser torna o peso da vida mais leve. uma vida cristã autêntica, atitude que há de

Vida Pastoral

O encontro renova, dá forças, vigor. ser desenvolvida num bom acompanhamen-

35
to espiritual, sem, contudo, tornar os acom- firmeza de testemunhar, tornar-se verdadei-
panhados proprietários do Espírito. ramente um discípulo missionário como a
O acompanhamento espiritual realizado samaritana, que retorna à cidade como uma
nos moldes desse encontro que se acabou mulher nova, cuja liberdade a leva a anun-
de degustar propiciará ao acompanhado a ciar destemidamente.

Bibliografia

BARRY, A. W.; WILLIAN, J. C. A prática da direção espiritual. 2 ed. São Paulo: Loyola, 1987.
______. Mística e espiritualidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1995.
BOFF, L. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995.
CANTONI, O. (Org.). Direzione spirituale, maturità umana e vocazione. Milano: Ancora, 1997.
CORTI, R. Que devo fazer, Senhor? – Iniciação à direção espiritual para os jovens e seus educadores.
Aparecida: Santuário, 1997.
______. A direção espiritual hoje: discernimento cristão e comunicação interpessoal. São Paulo: Paulus,
2002.
GOFFI, T. Problemas e perspectivas de espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1992.
GUTIÉRREZ, G. Beber no próprio poço: itinerário espiritual de um povo. Petrópolis: Vozes, 1984.
KONINGS, J. Encontro com o Quarto Evangelho. Petrópolis: Vozes, 1975.
______. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. São Paulo: Loyola, 2005.
MARTINI, C. M. L’accompagnamento spirituale. Milano: Ancora, 2007.
MATEOS, J. O Evangelho de João: análise linguística e comentário exegético. São Paulo: Paulinas, 1989.
MIRANDA, T. R. A direção espiritual: pastoral do acompanhamento espiritual. São Paulo: Paulus, 2009.
NOUWEN, H. J. M. Direção espiritual: sabedoria para o caminho da fé. Petrópolis: Vozes, 2007.
______. O perfil do líder cristão no século XXI. Worship: Americana, 1993.
PAGOLA, J. A. Jesus: aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2010.
RICCI, M. C. Carta testamento. Cascavel: [s.n.], 2007.
ZEVINI, G. Evangelho segundo João. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1987.

O futuro da fé
Harvey Cox
nº- 322

Que configuração a fé cristã deverá assumir no século XXI? Em meio ao ritmo acelerado
das mudanças globais e diante de um aparente ressurgimento do fundamentalismo, o

cristianismo ainda poderá sobreviver como uma fé viva e fecunda? Com seu estilo rico e
ano 59

acuidade acadêmica, Cox explora essas e outras questões num livro que é, ao mesmo tempo,
296 páginas

autobiografia, comentário teológico e história da Igreja.


paulus.com.br 11 3789-4000 | 0800-164011 vendas@paulus.com.br


Vida Pastoral

36
Dom Helder Camara
e as juventudes
Ivanir Antonio Rampon*

Dedico este pequeno texto especialmente às juventudes atuais, que


nasceram quando o servo de Deus e o servo dos pobres, dom Helder
Camara, partia deste mundo para os “braços do Pai”.

*Pe. Ivanir Antonio Rampon é presbítero da Arquidiocese


de Passo Fundo (RS) e professor da Itepa Faculdades. Introdução

D
Mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e om Helder Pessoa Camara (1909-
Teologia (Belo Horizonte) e doutor em Teologia Espiritual
pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma). E-mail: 1999), juntamente com Gandhi e Mar-
iarampon@yahoo.com.br. tin Luther King, é tido como símbolo mun-
dial para as juventudes que buscam, de
modo pacífico, a paz e a justiça no mundo.
Descreverei brevemente como dom Helder
fomentou o apostolado juvenil, tendo a “ju-
ventude” como nota essencial da sua perso-
nº- 322

nalidade, espiritualidade, mística, profecia e


missão pastoral (RAMPON, 2013).

ano 59

1. Dom Helder e o apostolado juvenil


Desde jovem seminarista, Helder fomen-


Vida Pastoral

tou o apostolado juvenil, sendo fundador da

37
Juventude Operária Católica do Ceará. Como 2. Juventude, nota essencial da
padre, foi o configurador da Ação Católica do personalidade helderiana
Brasil, ao estilo da Juventude Operária Cató- A par de sua atuação junto às juventudes,
lica belga. Como arcebispo, missionário de podemos dizer que a “juventude” era nota es-
Jesus e animado pelo espírito do Vaticano II, sencial da personalidade helderiana. Ele não
viajou o mundo inteiro conclamando as ju- conseguia nem queria ser diferente. Sentia
ventudes para se unirem na luta a fim de su- necessidade de estar com os jovens para es-
perar as divisões entre primei- cutá-los, animá-los, defendê-los
“Para dom
ro, segundo, terceiro e quarto e dirigir-lhes mensagens de com-
mundos e criar “um mundo de Helder, a promisso evangélico.
irmãos”. No Brasil, sempre tra- juventude não Mesmo depois dos 60 anos, o
balhou cercado de jovens e com era somente rosto de dom Helder, seus gestos,
as juventudes; criou a Confe- a falta de rugas palavras e humor transmitiam ju-
rência Nacional dos Bispos do ventude. Seus olhos recônditos e
e de idade
Brasil, o Conselho Episcopal profundos possuíam a luminosi-
Latino-Americano, a Cruzada avançada. O dade de um místico e de um pro-
de São Sebastião, o Banco da que importava feta. Conservava o dinamismo
Providência, o Movimento de mesmo era a otimista dos anos floridos. Como
Educação de Base, a Operação idade do coração homem de Igreja, não tinha ida-
Esperança, o Encontro de Ir- de: vivia a novidade do Espírito,
mãos, a Ação Justiça e Paz...
e do espírito.” o novo Pentecostes da Igreja sem-
Durante o período ditatorial, vários jo- pre nova, que está com a juventude nova.
vens diretamente ligados a dom Helder fo- Por isso, ele atraía as juventudes, com-
ram presos e torturados, e o jovem padre preendia suas ideias, reivindicações e fraque-
Henrique Pereira Neto (hoje sepultado ao zas. Fazia questão de visitar os jovens na pró-
lado do arcebispo), que animava a Juventude pria casa, conversava com eles informalmen-
Universitária, foi trucidado. Dom Helder te, e estes lhe revelavam coisas íntimas sobre
acompanhava os jovens presos e torturados, temas religiosos e morais, sociais e políticos.
bem como as suas famílias, que padeciam Os jovens frequentavam o “palácio episco-
profundamente. pal” e a casinha do bispo, na sacristia da Igre-
A ditadura perseguiu dom Helder, calu- ja das Fronteiras. Muitos jovens do mundo
niou-o e impôs-lhe uma das piores censu- inteiro apoiavam as suas mensagens e, quan-
ras, a chamada “lei do gelo”, porque ele do ele convocava para atividades, respon-
evangelizava e conscientizava as juventudes diam positivamente.
de seus direitos e deveres. O arcebispo foi, Para dom Helder, a juventude não era so-
com as juventudes, um dos mais importan- mente a falta de rugas e a velhice não era uni-
tes fomentadores da luta em prol da abertu- camente a idade avançada. O que importava
ra democrática. mesmo era a idade do coração e do espírito.
Enfim, dom Helder entendia que o futuro Ele gostava de dizer:
nº- 322

da Igreja na América Latina estava ligado ao


“mundo” – especialmente às “periferias”, O segredo de ser jovem – mesmo quan-

ano 59

como tem repetido o papa Francisco – e, por do os anos passam, deixando marcas no
isso, ele fomentou a articulação da pastoral corpo –, o segredo da perene juventude
da juventude com as pastorais da terra, da

de alma é ter uma causa a dedicar a vida.


Vida Pastoral

saúde, da educação, operária, indígena, afro... E temos mil razões para viver... Com 20

38
anos, sem sombra de ruga ou cabelo
branco, é possível ser um vencido da Evangelhos sinóticos
vida, um pessimista, um velho! [...] Comentário à luz das
Abraçar uma grande causa, ser-lhe fiel, ciências sociais
sacrificar-se por ela, é importante como
Bruce J. Malina e Richard L. Rohrbaugh
acertar a escolha da vocação (CAMARA,
1976, p. 38).

Sabia que o evangelho nos lança para


grandes causas, como a “causa do século”,
ou seja, completar o 13 de maio – a liberta-
ção de todas as escravidões –, e o 7 de se-
tembro – a verdadeira independência dos
países. Por isso, ele podia dizer que “é tam-
bém possível ter várias vezes dezoito anos,
ser velho por fora e conservar intacta a ju-
ventude do espírito, do pensamento e do
coração: o jovem mais jovem com quem en-
contrei no meu caminho tinha mais de oi-
tenta anos e se chamava João XXIII” (CA-
MARA, 1976, p. 39).
504 págs.

Paulo VI gostava de recordar que, depois


de anos, o sorriso e o olhar de dom Helder
não envelheciam... A criança e o jovem con-
tinuavam vivos dentro dele (RAMPON,
2013, p. 45). Como afirma a canção “Dom”, “Com este livro pioneiro, [os
dedicada a dom Helder: “Continuas um me- autores] dão início a um novo
gênero de comentário bíblico.
nino, querido ancião do povo. [...] Meu me-
Eles oferecem informações
nino-ancião [...] o teu velho coração, sempre recentes, tiradas das ciências
jovem, sempre bom, é o que me leva a cha- sociais, a respeito do contexto
mar-te Simples, Simplesmente Dom”.1 cultural agrário, pré-industrial,
A vocês, jovens do tempo presente, o que mediterrâneo-oriental em que
diria hoje dom Helder? Continuaria deixan- os Evangelhos Sinóticos se
originaram. Todo leitor aprenderá
do suas mensagens de paz, de esperança, de
algo novo com este livro.” (Critical
fé. Penso que pronunciaria o que está dizen-
Imagens meramente ilustrativas.

Review: Biblical Studies)


do o papa Francisco:

Sim, jovens; ouvistes bem: ir contra a cor-


rente. Isto fortalece o coração, já que ir con-
nº- 322

tra a corrente requer coragem e Ele dá-nos Vendas: (11) 3789-4000


esta coragem. [...] Com Ele, podemos fazer 0800-164011

ano 59

SAC: (11) 5087-3625

1
Faixa 4 do CD comemorativo dos cem anos de nascimen- V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL

to de dom Helder Camara: Dom Helder – pastor da paz. paulus.com.br


Vida Pastoral

CNBB, NE 1.

39
coisas grandes; Ele nos fará sentir a alegria escolhidos pelo Senhor para coisinhas pe-
de sermos seus discípulos, suas testemu- quenas, ide sempre mais além, rumo às coi-
nhas. Apostai sobre os grandes ideais, sobre sas grandes. Jovens, jogai a vida por gran-
as coisas grandes. Nós, cristãos, não fomos des ideais! (FRANCISCO, 2013).

Bibliografia

CAMARA, H. O deserto é fértil: roteiro para as minorias abraâmicas. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1976.
PAPA FRANCISCO. Santa missa e crisma: homilia do santo padre Francisco. Disponível em: <http://
w2.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2013/documents/papa-francesco_20130428_omelia-
cresime.html>. Acesso em: 28 fev. 2018.
RAMPON, I. A. Francisco e Helder, sintonia espiritual. São Paulo: Paulinas, 2016.
______. O caminho espiritual de dom Helder Camara. São Paulo: Paulinas, 2013.

A criação do homem – A alma e a


ressurreição – A grande catequese
Patrística – Vol. 29
Gregório de Nissa

Quem de fato foi S. Gregório de Nissa? Um bispo?


Um teólogo? Um pensador? Um místico? Um exege-
ta? As numerosas obras, importantes e originais, de
caráter polêmico, expositivo, doutrinal e exegético,
confirmam a figura poliédrica de S. Gregório de
Nissa. Neste volume da coleção Patrística, o leitor
tem acesso, pela primeira vez em tradução brasi-
leira, a três das mais significativas obras do grande
400 pags.

capadócio: “A criação do homem”, “A alma e a


ressurreição” e “A grande catequese”.
nº- 322

ano 59

paulus.com.br 11 3789-4000 | 0800-164011 vendas@paulus.com.br



Vida Pastoral

40
homiléticos
Roteiros

Johan Konings*

Também na internet:
vidapastoral.com.br

*Pe. Johan Konings, sj, nascido na São Pedro e São Paulo, Apóstolos
Bélgica, reside há muitos anos no 1º de julho
Brasil, onde leciona desde 1972.
É doutor em Teologia e mestre em
Filosofia e em Filologia Bíblica pela
Universidade Católica de Lovaina
(Bélgica). Atualmente é professor
de Exegese Bíblica na Faculdade
Missão a todos, na unidade
Jesuíta de Filosofia e Teologia
(Faje), em Belo Horizonte. Dedica-
I. Introdução geral
-se principalmente aos seguintes A festa que hoje celebramos é popularmente reconhecida
assuntos: Bíblia – Antigo e Novo como o dia do papa, sucessor de Pedro. Mas não podemos es-
Testamento (tradução), evangelhos
(especialmente o de João) e
quecer que, ao lado de Pedro, é celebrado também Paulo, o
hermenêutica bíblica. Entre outras apóstolo, o missionário por excelência. A figura de Pedro é
obras, publicou: Descobrir a Bíblia destacada principalmente na primeira leitura e no evangelho;
nº- 321

a partir da liturgia; A Palavra se fez


a de Paulo, na segunda leitura. Mas a primeira leitura cria um
nº- •322

livro; Liturgia dominical: mistério


de Cristo e formação dos fiéis – espaço para falar dos dois: mostra que Deus está com seus
59 •59

anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho


enviados. Baseando-se na compreensão popular dos dois san-
• ano

segundo João: amor e fidelidade;


A Bíblia nas suas origens e hoje; tos, pode-se combinar, nesta celebração, a ideia da pessoa de
• ano

Sinopse dos Evangelhos de referência para a unidade da Igreja, como foi Pedro, e a do
Pastoral

Mateus, Marcos e Lucas e da


incansável missionário, que foi Paulo. O lema que se pode
Pastoral

“Fonte Q”. E-mail: konings@


faculdadejesuita.edu.br. repetir na pregação é: “Missão a todos, na unidade”.
VidaVida

41
Roteiros homiléticos

II. Comentário dos textos Enfim, Jesus confia a Pedro o serviço de gover-
bíblicos nar a comunidade (as “chaves” e o poder de
1. I leitura: At 12,1-11 ligar e desligar, ou seja, obrigar e deixar livre,
A primeira leitura, tomada dos Atos dos poder de decisão), com ratificação divina
Apóstolos, narra o episódio da prisão e liber- (“será ligado/desligado no céu”, Mt 16,19).
tação de Pedro. Por volta de 43 d.C., o rei Jesus dá a Simão o nome de Pedro, “Pe-
judeu Herodes Agripa I, vassalo dos roma- dra”, que sugere solidez: Simão deve ser a “pe-
nos, mandou executar o apóstolo Tiago, filho dra” (rocha) que dará solidez à comunidade
de Zebedeu. Depois mandou aprisionar Pe- de Jesus (cf. Lc 22,32). Isso não é um reconhe-
dro. Mas o “anjo do Senhor” o libertou, como cimento de suas qualidades naturais, embora
libertou os israelitas do Egito. A comunidade possamos supor que Simão deva ter sido um
recorreu à arma da oração: é Deus quem age, bom empresário de pesca! Pelo contrário, não
ele é o libertador. Assim, Pedro é libertado da se refere ao que Pedro foi, mas ao que será.
prisão pelo anjo do Senhor. Esse feito confir- Trata-se de vocação que o transforma. Muitas
ma sua missão especial na Igreja, ressaltada vezes, na Bíblia, a imposição de um novo
no evangelho. O significado desse episódio nome significa que a pessoa recebe nova voca-
pode ser estendido à vida de Paulo, que, con- ção e deverá transformar-se para correspon-
forme At 16,16-40, viveu uma experiência der. Na Bíblia, ser “rocha” é, antes de tudo, um
semelhante, além de muitas outras situações atributo de Deus mesmo, o “Rochedo de Isra-
de perigo e aperto (cf. 2Cor 11,16-33). el” (cf. Dt 32,4 etc.). Jesus, com certeza, não
quer colocar Pedro no lugar do “Rochedo de
2. Evangelho: Mt 16,13-19 Israel”, mas o incumbe, por assim dizer, de
O evangelho apresenta Pedro como a pe- uma missão que tenha qualidade análoga. A
dra ou rocha da Igreja. A situação é a seguinte: firmeza e a proteção evocadas pela imagem da
Jesus havia enviado os Doze em missão, e eles rocha não são algo que Simão Pedro tem em si
tomaram conhecimento das reações do povo mesmo (ele negará conhecer Jesus na hora em
diante de Jesus, além do acontecido com João que deveria testemunhar), mas são a firmeza e
Batista, decapitado por Herodes Agripa. Quan- a proteção de Deus das quais ele é constituído
do os discípulos voltam da missão, Jesus lhes “ministro”, e essa “nomeação” vai acompanha-
pergunta quem o povo e quem eles mesmos da de uma promessa: as “portas” (cidade forti-
dizem que ele é. Pedro responde pelos Doze e ficada, reino) do inferno não poderão nada
chama Jesus de Messias (em grego, Cristo: cf. contra a Igreja. Esse ministério está a serviço
Mc 8,29) e Filho de Deus (como diz Mt 16,16; do Reino dos céus (maneira de Mateus dizer o
cf. 14,33). Enquanto o relato de Marcos (Mc Reino de Deus). Assim como as chaves das
8,27-30) é mais simples, o de Mateus mostra portas da cidade são entregues a seu prefeito
que Jesus reage à profissão de fé feita por Pe- (cf. Is 22,22), assim Pedro recebe o governo
dro em nome dos Doze com três observações. da comunidade que instaura o Reino de Deus
Primeiro, reconhece nela uma inspiração divi- no mundo. Em Mt 18,18, autoridade seme-
na: “não foi um ser humano (literalmente, lhante é exercida pela comunidade, mas Pedro
nº- 322

‘carne e sangue’) que te revelou isso” (Mt tem uma responsabilidade específica, unifica-
16,17). Além disso, muda o nome de Simão, dora, que dá solidez à Igreja.

ano 59

chamando-o, com um jogo de palavras, de Pe-


dro, porque “sobre esta pedra edificarei a mi- 3. II leitura: 2Tm 4,6-8.17-18
A segunda leitura evoca Paulo. Ele, que

nha Igreja, e o poder (literalmente, ‘as portas’)


Vida Pastoral

do inferno nunca poderá vencê-la” (Mt 16,18). sempre trabalhou com as próprias mãos, está

42
agrilhoado; na defesa, ninguém o assistiu. sobre ele a comunidade dos que aderem a Je-
Contudo, fala cheio de gratidão e esperança. sus na fé. Pedro deverá dar firmeza aos seus
“Guardou a fidelidade”: a sua e a dos fiéis. irmãos (cf. Lc 22,32). Essa “nomeação” vai
Aguarda com confiança o encontro com o Se- acompanhada de uma promessa: o reino do
nhor. Ofereceu sua vida no amor, e o amor inferno não poderá nada contra a Igreja, que
não tem fim (cf. 1Cor 13,8). Seu último ato é uma realização do Reino do céu. A liberta-
religioso é a oblação da própria vida (cf. Rm ção da prisão, lembrada na primeira leitura,
1,9; 12,1). Sua vida está nas mãos de Deus, ilustra essa promessa. Jesus confia a Pedro “o
que o arrebata da boca das feras. poder das chaves”, o serviço de administra-
Sua vocação se deu por ocasião da apari- dor de sua “cidade”, de sua comunidade. Na-
ção de Cristo no caminho de Damasco: de medida em que a Igreja é realização (provisó-
perseguidor, Paulo se transformou em apósto- ria, parcial) do Reino de Deus, Pedro e seus
lo e realizou, mais do que os outros apóstolos, sucessores, os papas, são “administradores”
a missão de ser testemunha de Cristo até os dessa parcela do Reino. Eles têm a última res-
confins da terra (cf. At 1,8). Apóstolo dos pa- ponsabilidade do serviço pastoral. Pedro,
gãos, tornou realidade a universalidade da sendo aquele que “responde” pelos Doze, ad-
Igreja, da qual Pedro é o guardião. A segunda ministra ou governa as responsabilidades da
leitura que hoje ouvimos é o resumo de sua evangelização (não a administração mate-
vida de plena dedicação à evangelização entre rial). Quem exerce esse serviço hoje é o papa,
os pagãos, nas circunstâncias mais difíceis: a sucessor de Pedro e bispo de Roma, cidade
Palavra tinha de ser ouvida por todas as na- que, pelas circunstâncias históricas, se tor-
ções (cf. 2Tm 4,17). A ninguém podia ficar nou o centro a partir do qual melhor se exer-
escondida a luz de Cristo! O mundo em que cia essa missão. Pedro recebe também o po-
Paulo se movimentava estava dividido entre a der de “ligar e desligar” – o poder da decisão,
religiosidade rígida dos judeus farisaicos e o de obrigar ou deixar livre –, exatamente
mundo pagão, entre a dissolução moral e o como último responsável da comunidade (a
fanatismo religioso. Nesse contexto, o apósto- qual também participa nesse poder, como
lo anunciou o Cristo crucificado como a salva- mostra Mt 18,18). Não se trata de um poder
ção: loucura para os gregos, escândalo para os ilimitado, mas de responsabilidade pastoral,
judeus, mas alegria verdadeira para quem nele que concerne à orientação dos fiéis para a
crê. Missão difícil. No fim de sua vida, Paulo vida em Deus, no caminho de Cristo.
pode dizer que “combateu o bom combate e Se Pedro aparece como fundamento insti-
conservou a fé”. Essa afirmação deve ser en- tucional da Igreja, Paulo aparece mais na quali-
tendida como fidelidade na prática, tanto de dade de fundador carismático. Transformado
Paulo como dos fiéis que ele ganhou. Como por Cristo em mensageiro seu (“apóstolo”), ele
Cristo, o bom pastor, não deixa as ovelhas se realiza, por excelência, a missão dos apóstolos
perderem, assim também o apóstolo, enviado de serem testemunhas de Cristo “até os extre-
de Cristo, as conserva nesse laço de adesão mos da terra” (cf. At 1,8). As cartas a Timóteo,
fiel, marca de sua própria vida. escritas na prisão em Roma, são a prova disso,
nº- 322

pois Roma é a capital do mundo, o trampolim


III. Pistas para reflexão para o evangelho se espalhar por todo o mundo

ano 59

Conforme o evangelho, Simão responde civilizado daquele tempo. Paulo é o “apóstolo


pela fé dos seus irmãos. Por isso, Jesus lhe dá das nações”. No fim da sua vida, pode entregá-
o nome de Pedro, que significa sua vocação

-la como “oferenda adequada” a Deus, assim


Vida Pastoral

de ser “pedra”, rocha, para que seja edificada como ensinou (Rm 12,1). Como Pedro, ele ex-

43
Roteiros homiléticos

perimenta Deus como o Deus que liberta da 14º Domingo do Tempo Comum
tribulação (cf. a primeira leitura). 8 de julho
Hoje, celebra-se especialmente o “dia do
papa”. Isso enseja uma reflexão sobre o serviço
da responsabilidade última. Importa nos liber- O profeta no meio
tarmos de um complexo antiautoritário de ado-
lescentes. Pedro e Paulo representam duas vo- dos seus e para
cações na Igreja, duas dimensões do apostola-
do – diferentes, mas complementares. As duas
foram necessárias para que pudéssemos come-
todos
morar, hoje, os cofundadores da Igreja univer-
sal. A complementaridade dos dois “carismas” I. Introdução geral
continua atual: a responsabilidade institucional “Santo de casa não faz milagre”: essa é,
e a criatividade missionária. Essa complemen- aparentemente, a lição do evangelho do 14º
taridade pode provocar tensões (cf. Gl 2); por Domingo do Tempo Comum – Ano B. Porém,
exemplo, as preocupações de uma “teologia ro- não devemos ver isso como uma mensagem
mana” podem não ser as mesmas que as de negativa, centrada no aparente fracasso de Je-
uma “teologia latino-americana”. Mas tal tensão sus no meio dos seus. Pelo contrário, esse tre-
pode ser extremamente fecunda e vital para a cho do evangelho prepara o que vamos ouvir
Igreja toda. Hoje, sabemos que o pastoreio dos nos próximos domingos: o “santo” não fica em
fiéis – a pastoral – não é exercido somente pelos sua casa, mas dirige-se a todos aqueles que es-
“pastores constituídos” como tais, pela hierar- peram a sua mensagem; e os de casa saberão
quia. Todos os fiéis são um pouco pastores uns que houve um profeta no meio deles, como
dos outros. Devemos conservar a fidelidade a diz a primeira leitura. A aparente impotência
Cristo – a nossa e a dos nossos irmãos – na so- do “santo” é uma denúncia contra seus conter-
lidariedade do “bom combate”. râneos que não são tão santos assim. A presen-
E qual será, hoje, o bom combate? Como ça do profeta no meio deles deve conscientizá-
no tempo de Pedro e Paulo, a luta pela justiça -los a respeito da vontade de Deus.
e pela verdade em meio a abusos, contradi-
ções e deformações. Por um lado, a explora- II. Comentário dos textos
ção desavergonhada, que até se serve dos sím- bíblicos
bolos da nossa religião para fins lucrativos; 1. Evangelho: Mc 6,1-6
por outro, a tentação de largar tudo e dizer O evangelho de hoje conta o episódio da
que a religião é um obstáculo à emancipação pregação de Jesus em sua própria terra. Para
humana. Nossa luta é, precisamente, assumir ver o significado desse episódio no conjunto
a libertação em nome de Jesus, sendo-lhe fiéis, da atividade de Jesus, devemos voltar até o
pois, na sua morte, ele realizou a solidarieda- início do Evangelho de Marcos. Depois de
de mais radical que podemos imaginar. ser batizado por João, Jesus passa a anunciar
nº- 322

Dom Helder Câmara paulus.com.br


Um modelo de esperança
ano 59

11 3789-4000
Martinho Condini 0800-164011
344 pags.

A obra caminha pela memória de Dom Helder, vendas@paulus.com.br


que ajudará a manter acesa nossa esperança.


Vida Pastoral

44
a Boa-nova do reinado de Deus na Galileia namento admirável e as curas impressionan-
em geral e, especialmente, na região de Ca- tes, contados nos capítulos anteriores, não
farnaum, à beira do mar da Galileia, onde ele eram coisa de carpinteiro! Para um bom en-
chama os primeiros discípulos. Desde o iní- tendedor, deviam significar que Deus estava
cio, a atividade de Jesus é marcada pela ex- com aquele homem como estava com os
pansão, pelo rompimento de fronteiras e profetas Elias e Eliseu, que faziam milagres e
pela abertura a todos os que necessitam de sinais. Porém, os habitantes de sua cidadezi-
libertação. Já no início de seu ministério, Je- nha não percebem a realidade por esse viés.
sus repete, aos que querem segurá-lo para si, Alegam que conhecem os “irmãos” e “ir-
que ele deve pregar também nas outras cida- mãs”, ou seja, os membros da família ou clã
des, e o faz de fato (cf. Mc 1,37-39). Nin- de Jesus, gente que não tem nada de espe-
guém é dono daquele que traz a Boa-nova do cial. Alguns desses “irmãos” se tornaram im-
reinado de Deus. portantes na primeira Igreja, principalmente
É sobre esse pano de fundo que devemos Tiago e Judas, a quem são atribuídos duas
ver o texto do evangelho de hoje. Depois de epístolas no Novo Testamento; mas, no mo-
ter percorrido a Galileia, Jesus chega à sua mento da pregação de Jesus em Nazaré, eles
cidade paterna, onde vivem seus parentes não tinham nada de especial.
(ou “irmãos”, como a Bíblia chama os mem- Então Jesus clama sua vocação profética,
bros do mesmo clã). Segundo Lc 4,16, essa usando como argumento a afirmação de que o
cidade é Nazaré (Lucas coloca esse episódio profeta só não é reconhecido em sua própria
no início do ministério de Jesus, mencionan- terra. Os sinais do profeta são os milagres, mas,
do que Jesus já operou curas nas outras cida- onde não há desejo desses sinais nem abertura
des – cf. Lc 4,23). para eles, não adianta fazê-los. Por isso Jesus
A chegada de Jesus à sua cidade se dá de- não pôde fazer ali muitos milagres. Deus não
pois que ele pregou o reinado de Deus, em queria. O poder maravilhoso que Deus lhe ha-
forma de parábolas, ao povo de toda a Gali- via dado não servia para esse público.
leia (cf. Mc 4,1-34). Nessa oportunidade Je- Na sequência do Evangelho de Marcos,
sus havia dado a entender que seus verdadei- Jesus aparecerá sempre mais como o profeta
ros irmãos não são necessariamente os paren- rejeitado que, contudo, é o salvador do povo
tes, os do seu clã, mas aqueles que escutam e de todos os seres humanos. Assumindo-se
sua palavra e cumprem a vontade do Pai, o como o servo de Deus, dará sua vida pela
reinado de Deus (cf. Mc 3,34-35). Depois fez multidão (cf. 10,45).
gestos admiráveis, milagres vistosos, que
atestavam a sua missão profética, em ambos 2. I leitura: Ez 2,2-5
os lados do mar da Galileia (cf. Mc 5). Até A figura do profeta rejeitado é compreen-
chegar à sua cidade paterna (cf. Mc 6,1). dida com maior clareza se olhamos a primei-
A reação de seus parentes é reticente, ra leitura.
por espanto ou por inveja. Jesus é chamado O Espírito de Deus vem sobre Ezequiel,
de “carpinteiro”, alguém que faz telhados ou que é chamado “filho do homem”, ou seja,
nº- 322

casas (Mt 13,55 diz “filho do carpinteiro”). simples filho da raça humana. Aqui, esse trata-
Como um carpinteiro pode fazer coisas des- mento não tem o sentido particular que rece-

ano 59

se tipo? Mesmo sendo mais do que um es- berá a partir de Dn 7,13-14: o ser humano
cravo ou operário braçal, o carpinteiro, não poderoso enviado de junto de Deus e, final-
tendo propriedade, era um sem-terra, um mente, identificado com o glorioso Juiz esca-

Vida Pastoral

andarilho, que ia de lugar em lugar. O ensi- tológico (cf. Mt 25,31; 26,64 etc.). Em Eze-

45
Roteiros homiléticos

quiel, o termo “filho do homem” significa o


homem como criatura humilde, em contraste III. Pistas para reflexão
com a grandeza de Deus. Ezequiel é um servo, Os antigos israelitas não gostaram quan-
encarregado por Deus da ingrata missão de do o profeta Ezequiel denunciou a infidelida-
explicar ao “resto de Israel” a sua situação. de à Lei e à Aliança, infidelidade que provo-
Esse “resto de Israel” é o povo desarticulado cou a catástrofe do exílio babilônico (1ª leitu-
depois da parcial deportação em 597 a.C. Eze- ra). Mas, gostando ou não, Ezequiel entregou
quiel sabe que, mesmo em sua situação de o recado: “Saberão que há um profeta no
desterro, esse povo não vai gostar de seu reca- meio deles”. Algo semelhante aconteceu a Je-
do, pois, desde o tempo de Moisés, costuma sus quando foi pregar na sua própria terra,
rejeitar os enviados de Deus (cf. Ex 2,14; Nazaré, depois de ter percorrido Cafarnaum
15,24; 16,2 etc.). Mas, pelo menos, eles sabe- e as outras cidades da Galileia (evangelho).
rão que no meio deles está um profeta, ou Os seus conterrâneos não aceitavam que esse
seja, que Deus não fica calado (cf. Ez 2,5). homem, que conheceram morando no meio
Algo semelhante acontecerá a Jesus: mes- deles como operário braçal, lhes pregasse a
mo se os seus concidadãos não acolherem sua conversão para participarem do Reino de
mensagem, ficarão sabendo que ele passou no Deus. Como poderia alguém socialmente in-
meio deles como profeta. E o fato de mais tar- ferior – não proprietário rural – ensiná-los
de alguns deles se terem tornado seus segui- com autoridade! Vale recordar a reação de
dores mostra o efeito dessa conscientização. muitas pessoas quando um operário se can-
Por outro lado, tudo isso nos ensina a ter pa- didata a prefeito, governador ou presidente
ciência, pois o efeito da profecia e do testemu- da República!
nho não é imediato. Não devemos, porém, fi- O evangelho nos diz ainda que, depois
car sentados para esperar o efeito: Jesus se le- da rejeição ciumenta, Jesus não pôde fazer lá
vantou e continuou sua missão (cf. Mc 6,6b). muitos milagres. Só uns milagrezinhos, umas
curas de doentes. “Santo de casa...” A limita-
3. II leitura: 2Cor 12,7-10 ção dos milagres era um aviso de Deus para
A figura de Paulo, na segunda leitura, re- evidenciar a incredulidade dos destinatários,
força nossa disposição de assumir, apesar de mas a pregação de Jesus não deixava de ser
nossa fragilidade, a missão que Deus nos um sinal profético.
confia, pois, com a missão, ele dá a força. A O que ocorreu a Jesus em Nazaré prefi-
Jesus, em sua terra paterna, Deus não deu o gura a rejeição que ele experimentará, pou-
poder de milagres, que para nada serviria, cos meses depois, em Jerusalém. Ali, não
mas a Paulo, apesar de sua miséria humana, apenas recusarão sua palavra, mas o prega-
ele dá sua graça, para que tenha força sufi- rão na cruz.
ciente. Não sabemos quais foram os proble- Como seria uma visita de Jesus a nós, ca-
mas de Paulo nem o “espinho na carne” – tólicos do tempo presente? Encontraria ouvi-
coisa do demônio – que o incomodava. Isso dos? Até hoje, muitos seguidores de Jesus
não tem importância. O que importa é a con- conheceram a mesma sorte. Pessoas simples,
nº- 322

clusão. Paulo se gloria, felicita-se com sua profetas que surgem, levantando a voz no
própria fragilidade, pois ela faz aparecer a nosso meio. São mortos por denunciarem as

ano 59

graça e a força que Deus lhe concede. Quan- desigualdades, as injustiças sociais, a violên-
do, por sua própria condição humana, o cia no campo e na cidade. São mortos, às ve-
apóstolo é fraco, então ele é forte pela graça zes, por “bons católicos”. São considerados

Vida Pastoral

de Deus (cf. 12,10). pouco importantes, porque não têm poder.

46
Mas sua palavra tem. Sua voz não se cala,
mesmo que estejam mortos. Porque a voz da II. Comentário dos textos
justiça e da fraternidade é a voz de Deus. bíblicos
Ao profeta não importam posição social 1. Evangelho: Mc 6,7-13
ou eloquência (cf. Jr 1,6). Paulo gloria-se em No fim do evangelho de domingo passa-
sua fraqueza, pois nela é Deus quem age. Ele do, Jesus saiu da sua cidade, onde foi acolhi-
só quer anunciar o evangelho do Cristo cru- do de modo cético. Deixou à sua terra o tes-
cificado e pede que suportemos essa sua lou- temunho profético, voz de Deus que conti-
cura. Poder e eloquência não importam. Im- nuou ecoando, como sinal de contradição,
porta que o profeta seja enviado por Deus. enquanto Jesus deu seguimento à sua missão,
Talvez ele seja um simples andarilho, pouco dirigindo-se às outras cidades da Galileia e
refinado e muito chato, que sempre insiste na mesmo além da fronteira.
mesma coisa. Talvez não faça milagres visto- Neste domingo vemos que Jesus, ao am-
sos, talvez só levante o ânimo de umas pou- pliar seu raio de ação, convoca os doze discí-
cas pessoas simples. Talvez seja crucificado, pulos, cuja vocação tinha sido mencionada
figurativamente, pelos que gostam de se anteriormente (cf. Mc 3,13-19). Faz parte do
mostrar muito religiosos. Mas o que ele fala é discipulado preparar o anúncio da Boa-nova
Palavra de Deus. pela pregação da conversão, como havia feito
João Batista (cf. Mc 6,12; 1,4). Assim, os dis-
15º Domingo do Tempo Comum cípulos se tornam precursores da pregação
15 de julho do reinado de Deus por Jesus. Jesus é quem

Jesus envia seus proclama o Reino, os discípulos pregam a


conversão. O Evangelho de Lucas aponta

mensageiros para isso quando fala da missão dos setenta e


dois discípulos: “Enviou-os de dois em dois,
para que o precedessem em cada cidade e lu-
gar aonde ele estava para ir” (Lc 10,1).
I. Introdução geral Depois da preparação por João Batista,
No domingo anterior, foi-nos mostrado Jesus anuncia a Boa-nova (cf. Mc 1,14-15).
o exemplo de Jesus, profeta rejeitado em sua Seu estilo é simples e direto. Assim deve ser o
cidade paterna. Hoje, o evangelista mostra empenho dos seus discípulos. Nada os deve
Jesus levando sua mensagem a outras cida- impedir: nem parentesco, nem posses mate-
des; e, para preparar seu anúncio do reina- riais, nem mesmo roupas de reserva. Só de-
do de Deus, ele manda seus discípulos pre- vem levar aquilo que lhes pode servir no ca-
garem ali a conversão. Essa participação minho: boas sandálias e um cajado (cf. Mc
ativa dos primeiros discípulos de Jesus, com 6,8-9). Segundo Mateus e Lucas, reproduzin-
muita simplicidade e total empenho, é um do uma tradição mais rigorista, Jesus teria
exemplo para nós. Também aos discípulos proibido até isso (cf. Mt 10,10; Lc 9,3), mas
de Jesus de nossos dias cabe participar ati- Marcos é realista e sabe o que é indispensável
nº- 322

vamente de sua missão, seja onde for e a para percorrer as estradas da Galileia.
qualquer momento, do mesmo modo sim- Podem e até devem aceitar a hospitali-

ano 59

ples e direto dos primeiros discípulos-mis- dade de uma casa, de uma família que os
sionários. Mas, num primeiro momento, acolha. Devem permanecer ali até a partida.
devemos pensar na preparação da Boa-nova Aceitando a hospitalidade de modo estável,

Vida Pastoral

de Jesus, por meio da conversão. eles mostram ser confiáveis, à diferença de

47
Roteiros homiléticos

pregadores oportunistas que correm de casa via também falsos profetas. Amós não era um
em casa. E essa estabilidade parece anteci- desses profetas organizados. Não profetizava
par a criação de comunidades caseiras, para ganhar o pão, como os profetas ligados
como as que encontramos nos primeiros à corte do rei ou aos templos de Betel, no
dias da Igreja, por exemplo, na casa de João Norte, e de Jerusalém, no Sul. Era pastor de
Marcos em Jerusalém (cf. At 12,12). Se, po- ovelhas e cultivador de sicômoros, figueiras.
rém, não são bem-vindos, não devem per- Contudo, sem ser especialista em questões de
der tempo, mas sair da cidade, deixando culto e apesar de ser de Judá (reino do Sul),
somente o pó das sandálias como testemu- ele recebeu de Deus uma inspiração para pre-
nho contra aquele lugar – assim como Jesus gar contra o formalismo do culto oficial na
fizera em sua cidade paterna (cf. Mc 6,6: Samaria (reino do Norte). O que ele criticava,
domingo passado). “Saberão que houve um em sua missão, não era o culto a falsos deu-
profeta no meio deles” (Ez 2,5). ses, mas, sim, o fato de o culto ser ministrado
É notável que Jesus os ensina a iniciar por pessoas falsas, cúmplices da injustiça do-
pela expulsão dos demônios (cf. Mc 6,7.13), minante. Por isso, o sacerdote Amasias que-
como ele mesmo fez na sua primeira prega- ria mandá-lo de volta para a sua terra de ori-
ção em Cafarnaum (cf. Mc 1,21-27). Expul- gem, mas Amós alegava ser enviado por Deus
sar os demônios, essas forças misteriosas do mesmo, e era isso que importava.
mal, é o sinal por excelência do poder de Essa sólida simplicidade, que está acima
Deus, que age pela ação de Jesus. Os seus da pertença a uma organização ou região, ca-
discípulos devem ser os instrumentos desse racterizava também os discípulos de Jesus,
mesmo poder. O Reino de Deus deve afastar pescadores ou agricultores da Galileia (o an-
as forças opostas ao Reino, o antirreino. O tigo reino do Norte). Não tinham outra coisa
modo simples e direto de Marcos citar as ex- para se legitimarem senão a palavra de Jesus.
pulsões dos demônios – forças negativas, es-
pírito impuros – contradiz toda a histeria 3. II leitura: Ef 1,3-14 ou 1,3-10
que, no decorrer dos séculos, se criou em A segunda leitura de hoje é tomada da
torno das assim chamadas possessões demo- carta de Paulo aos Efésios, carta de pensa-
níacas. Não que essas doenças não sejam gra- mento elevado, místico até, que descreve o
ves, mas não devem ser vistas como algo que mistério da salvação universal realizada por
possa impedir o poder de Deus. É exatamen- Jesus Cristo, acima de todas as categorias hu-
te para que façam a experiência do poder de manas e celestiais. Salvação pelo amor de
Deus que os discípulos recebem o poder de Deus, amor que se manifesta no sangue de
expulsar demônios. Jesus, ou seja, no fato de o Filho de Deus, em
união total com o amor do Pai, mostrar esse
2. I leitura: Am 7,12-15 amor na doação da própria vida. Em seu
A simplicidade e autenticidade da missão amor até o fim, Jesus deu a conhecer o amor
que Deus confia aos profetas têm um modelo do Pai. É esse o “mistério” que deve ser reve-
na vocação do profeta Amós, na primeira lei- lado, especialmente aos que se tornam ou-
nº- 322

tura. Ele não era “profeta nem filho de profe- vintes e discípulos de Jesus. Nesse mistério
ta”, ou seja, membro de uma confraria de são unidos todos os povos, judeus e gentios,

ano 59

profetas. Não fazia parte daquelas pessoas e é superado o pecado que nos separa de
que, quase profissionalmente, diziam receber Cristo e de nossos irmãos e irmãs. Por isso,
inspirações de Deus – o que decerto devia ser Jesus Cristo é a cabeça que mantém unido

Vida Pastoral

verificado numa perspectiva crítica, pois ha- todo o universo.

48
de pregar a conversão e fazer os sinais que
III. Pistas para reflexão apontam para o Reino. Quem, de fato, pro-
Amós e os discípulos-missionários de Je- clama e inaugura o Reino é Jesus. Isso tam-
sus nos fazem refletir sobre nossa missão e bém hoje tem significado para os cooperado-
comprometimento hoje. res de Cristo em sua missão. O Reino é de
Amós não era profeta nem “filho de pro- Cristo, e Cristo de Deus (cf. 1Cor 3,23).
feta”: profetizar não era seu ganha-pão. Vivia No presente, nós estamos um passo além
do trabalho de suas mãos como pastor de re- dos primeiros discípulos. O Reino já mostrou
banhos e cultivador de figueiras. Não era ci- seu rosto em Jesus. Já sabemos qual é a prática
dadão da Samaria, onde proferiu sua crítica do Reino, e essa prática é o anúncio mais efi-
profética; era de Judá, região que vivia em caz do Reino. Vendo a prática do Reino, as
conflito com os samaritanos. Mesmo assim, pessoas vão perguntar pelo porquê: as “razões
Deus o escolheu para dar sério aviso ao sacer- de nossa esperança” (1Pd 3,15). Se nos com-
dote de Betel, santuário da Samaria. portarmos com simplicidade, entregues àqui-
Tampouco eram missionários profissio- lo em que acreditamos, ajudando onde puder-
nais os doze que Jesus enviou a preparar sua mos, sem apoiarmos causas erradas e estrutu-
chegada. Estavam entregues à sua missão e à ras injustas, o mundo perguntará que esperan-
hospitalidade que encontrassem. Recebiam, ça está por trás disso, que fé nos move, que
sim, de Deus o poder de fazer sinais, curas e, amor nos envolve. Então responderemos: o
sobretudo, exorcismos, que significavam a amor que aprendemos de Jesus, que deu sua
vitória do reinado de Deus sobre o antirreino. vida por nós. A palavra do pregador será fide-
Nada deviam ter de si mesmos: nem dinhei- digna, se acompanhada de uma prática que
ro, nem roupa de reserva; só sandálias e um mostre concretamente o Reino.
bom cajado para caminhar. Deviam avançar Se acreditamos que a prática de Jesus ga-
com pressa, pois o tempo havia se cumprido! rante a salvação do mundo e mostra o cami-
O discípulo-missionário não precisa ser nho a todas as gerações, não podemos guar-
um orador capaz de discutir nas ruas e nas dar isso para nós. O mundo tem de ouvi-lo.
praças nem deve enganar pessoas ingênuas “Como poderão crer, se não ouvirem?” (Rm
ou tirar um “dízimo” ou “aposta” dos que 10,14). Quem crê verdadeiramente tem de
nem têm dinheiro para criar os filhos... Je- evangelizar. O papa atual, Francisco, é um
sus deu aos doze galileus poder de curar e mestre em proclamar pela palavra e mostrar
de expulsar demônios para pregarem a con- pelo gesto como é o reinado de Deus.
versão em vista do reinado de Deus. Deu- E qual conversão é preciso pregar para que
-lhes poder para fazer o bem ao povo, en- o anúncio do Reino caia em terra boa e fértil?
quanto anunciavam a proximidade do Rei- Como preparar o terreno para que o Reino,
no que ele vinha inaugurar. Os gestos dos inaugurado por Jesus e animado por seu Espíri-
discípulos eram um aperitivo do Reino. O to, possa brotar e crescer? Os discípulos recebe-
bem que muitas pessoas fazem, em sua ge- ram o poder de expulsar demônios antes que
nerosa simplicidade, é um aperitivo do Rei- Jesus chegasse com sua proclamação. Não seria
nº- 322

no de Deus. Já tem o gosto daquilo que cha- essa fase importante também hoje? Preparar o
mamos de Reino, que é a realização da von- chão do mundo para a semente do evangelho, a

ano 59

tade do Pai, como rezamos no Pai-nosso. preparatio evangelii. Fazer o mundo melhor, in-
O texto de Marcos apresenta os enviados centivando a mudança de vida, a ética, a justiça
não como os que proclamam o Reino pesso- e a fraternidade, em vista do que Cristo realiza.

Vida Pastoral

almente, mas como os que recebem o poder Por isso os cristãos devem colaborar com tudo o

49
Roteiros homiléticos

que é valioso aos olhos de Deus neste mundo, mentaram. Certamente conheceram momen-
também fora do âmbito da Igreja confessional. tos bonitos, mas também outros preocupan-
O empenho do papa Francisco pela justiça e tes, como a notícia que colheram a respeito da
pela fraternidade em regiões onde a presença morte de João Batista, decapitado por Herodes
cristã formal é mínima é um exemplo nesse sen- Antipas (cf. Mc 6,14-29). Jesus lhes propõe
tido. Ora, essa “presença cristã mínima” se cons- então um momento de descanso, na solidão.
tata cada dia mais também nos assim chamados Decerto lhes quis ensinar o valor da solidão e
países cristãos ou até católicos. Por exemplo, da interiorização, assim como ele mesmo pro-
que porcentagem dos estudantes universitários curava encontrar-se com o Pai na solidão (cf.
no Brasil pratica a fé de modo confessional? En- Mc 1,35). Entrando no barco, procuram um
tretanto, muito maior é a porcentagem que lugar deserto (cf. 6,31-32). Mas a vontade do
pode ser alcançada pela ação por mais justiça e Pai é imprevisível: quando chegam ao lugar
fraternidade. Assim há muitos terrenos em que desejado, encontram a multidão, que, por ter-
podemos exercer a preparatio evangelii com sim- ra, tomara a dianteira. Aí, Jesus, obediente à
plicidade e humildade, sabendo que Cristo e sua missão, deixa-se mover pela “compaixão”,
seu Espírito darão o crescimento. característica primeira de Deus (cf. Ex 34,6
etc.), pois reconhece na multidão as ovelhas
16º Domingo do Tempo Comum que precisam do pastor. Realiza-se, velada-
22 de julho mente, mais uma vez, uma figura do reinado

Ovelhas sem de Deus (como o “esposo” em Mc 2,19): a reu-


nião do rebanho escatológico, vindo “de todas

pastor as cidades” (Mc 6,33). De fato, a reunião de


todo o rebanho de Israel e Judá é uma feição
do sonho da salvação definitiva do povo (cf. Jr
I. Introdução geral 23,3; Ez 34,13). Mas o leitor sabe que a visão
A liturgia de hoje é marcada pela condes- universal de Jesus e do evangelista vai além
cendência quase pedagógica de Jesus – e de das tribos de Israel; para nós, esse rebanho
Deus nele – com o povo que, esperançoso, de que converge em torno de Jesus significa to-
todos os lados, acorre até ele. A preparação dos os povos, todos os membros da humani-
de sua chegada pelos discípulos – assunto de dade, os excluídos: as “ovelhas que não têm
domingo passado – teve efeito. O povo pro- pastor” (Mc 6,34).
cura Jesus. Esse povo é como ovelhas que O sentido bíblico desse tema se esclarece
não têm pastor, e Jesus lhes ensina muitas com a primeira leitura.
coisas. Dá-lhes o ensinamento do reinado de
Deus. Que significa isso para o nosso tempo 2. I leitura: Jr 23,1-6
tão desorientado? O tema das ovelhas que não têm pastor
lembra imediatamente a insuficiência dos lí-
II. Comentário dos textos deres de Israel. Em suas origens, Israel era um
bíblicos povo principalmente de pastores, que migra-
nº- 322

1. Evangelho: Mc 6,30-34 vam com seus rebanhos pelas terras do Próxi-


No domingo passado, ouvimos como Je- mo e Médio Oriente. Espontaneamente cha-

ano 59

sus enviou os Doze a preparar sua chegada mavam de “pastor” a quem exercia a liderança,
para anunciar o Reino de Deus. Hoje encon- também no plano militar. Josué é indicado
tramos os discípulos voltando de sua missão- para ser o sucessor de Moisés para que o povo

Vida Pastoral

-estágio, impressionados com o que experi- não seja como um rebanho sem pastor (cf.

50
Nm 22,17). Quando o profeta Miqueias de Reconciliados com Deus pela adesão a Je-
Jim­la prediz a derrota do rei Acab, tem uma sus Cristo, que por amor deu sua vida por
visão do povo como ovelhas sem pastor (cf. nós, somos unidos a Deus, a Jesus e também
2Rs 22,17). Moisés mesmo é chamado pastor aos nossos irmãos e irmãs, venham de onde
de Israel (cf. Is 63,11) e também o rei Davi, vierem.
criado no ambiente pastoril (cf. Ez 34,23;
37,24). Mas o verdadeiro pastor de Israel é III. Pistas para reflexão
Deus mesmo (cf. Gn 49,24; Is 40,11; Jr 31,10; O tema das ovelhas que não têm pastor (e
Ez 34,12-13 etc.; e Sl 23, salmo de resposta na o encontram em Cristo) merece toda a nossa
liturgia de hoje). Ele é completamente fidedig- atenção nos tempos atuais. A propósito, mui-
no, como também Jesus, o “pastor excelente”, tos que formalmente são considerados cris-
que não abandona as ovelhas (cf. Jo 10,11.14). tãos, porque batizados, na realidade não se
O profeta Jeremias, nesta primeira leitu- sentem atendidos pela “religião” cristã em sua
ra, faz uma proclamação sobre os maus pas- forma tradicional ou mesmo modernizada.
tores e o verdadeiro pastor de Israel. Os reis Tampouco no campo social e político encon-
de Judá foram maus pastores para o rebanho; tram direção firme. A sociedade exibe um as-
por isso, serão castigados (cf. Jr 23,1-2). Mas pecto caótico, e não vemos, de imediato, um
Deus reunirá novamente seu rebanho, de to- ponto de referência que una as pessoas e as
dos os lugares, e lhe dará um bom pastor (cf. faça conviver em harmonia. Diante disso, o
Jr 23,3-4), descendente de Davi, que poderá evangelho deste domingo nos mostra Jesus
chamar-se “Javé nossa justiça”. Este título tendo compaixão dessa multidão, que é como
(Iahweh Sidqênu) inverte o nome do rei-fanto- ovelhas sem pastor. E o que é que ele faz?
che, contemporâneo de Jeremias, chamado “Pôs-se a ensinar muitas coisas” (Mc 6,34).
Sedecias (Sedeqiáhu, “Justiça de Javé”). O rei No Antigo Testamento, pastor é aquele
messiânico (assinalado pela figura de Davi) que orienta e conduz. Vai à frente das ovelhas
realizará, por assim dizer, o pastoreio de para conduzi-las a pastar. Assim, chamavam-
Deus mesmo. É nesse sentido que o evange- -se pastores os chefes do povo de Israel: os
lista Marcos apresenta Jesus reunindo em reis, Moisés, o Messias e, sobretudo, Deus
torno de si o povo, que é como “ovelhas que mesmo (cf. Jr 23,1-6: primeira leitura). Deus
não têm pastor” (Mc 6,34). se apresenta em contraposição aos maus pas-
tores. Estes dispersam o rebanho, o bom pas-
3. II leitura: Ef 2,13-18 tor reconduz os dispersos.
A segunda leitura, embora escolhida para O projeto de reconduzir o povo recebe
continuar a leitura da carta aos Efésios, inicia- sua plena realização em Jesus de Nazaré.
da no domingo passado, não deixa de enri- Vendo a multidão carente de pastor, tem
quecer o pensamento principal da liturgia de compaixão dela e começa a ensinar-lhe as
hoje. Fala da unidade de gentios e judeus em coisas do Reino. Temos aí a origem da “pasto-
Jesus Cristo. Do ponto de vista do judaísmo, ral”. A pastoral consiste em pôr em prática a
os gentios estavam longe de Deus. Cristo, po- “compaixão” pelo povo. Não a compaixão de
nº- 322

rém, trouxe-os para perto. Mediante aqueles chamar alguém de coitado, sem fazer nada,
que Paulo chama de gentios, Deus chamou a mas a “paixão” que nos faz sentir (e até so-

ano 59

todos. Já não há discriminação. De judeus e frer) “com” o povo.


gentios, daqueles que estão perto e dos que Acolhê-lo, ensinar-lhe as coisas do Reino,
estão longe, Deus fez, em Jesus Cristo, nova tudo o que Jesus faz ao povo com vista ao

Vida Pastoral

realidade humana: o “homem novo” (Ef 2,15). Reino é “pastoral” em proveito de Deus, é

51
Roteiros homiléticos

cuidar de seu rebanho. Por isso, Jesus dará clui também exemplos práticos. É o que nos
até a vida (cf. Jo 18,11-18). O que faz algo ser mostra a liturgia de hoje: Jesus sacia a multi-
pastoral não é uma ou outra atividade deter- dão, mas não cede ao imediatismo entusiasta
minada, mas o intuito com que é assumida: demonstrado posteriormente pelo povo. E
transformar um povo sem rumo em povo nos próximos domingos será apresentado o
conduzido por Deus. sentido profundo da “multiplicação do pão”
Por isso, na atualidade, o importante não que a liturgia deste dia nos recorda.
é multiplicar atividades, chamando-as de Apesar de estarmos no Ano B, o evange-
pastoral, mas providenciar para que os que as lho de hoje não é tomado de Marcos, mas
realizam tenham alma de pastor, atitude de de João, e isso se repete nos próximos do-
pastor: acolhida, liderança e amor até a doa- mingos. O Evangelho de Marcos (Tempo
ção da própria vida. Comum do Ano B) é mais breve que o de
Pastoral é conduzir o povo pelo cami- Mateus (Ano A) e o de Lucas (Ano C); por
nho de Deus. É inspirada não pelo desejo de isso, alguns trechos da primeira parte de
poder, mas pelo espírito de serviço. Jesus João (os “sinais” de Jesus) foram escolhidos
não procurou arrebanhar o povo para si. para completar o ciclo de Marcos. (A segun-
Tanto que, ao constatar, depois de oferecer o da parte de João, relacionada com o misté-
pão multiplicado, o entusiasmo equivoca- rio pascal, é lida na Quaresma e no Tempo
do, ele se retirou (cf. Jo 6,14-15: evangelho Pascal dos três anos litúrgicos.) Assim, o
do próximo domingo). Jesus procura levar o capítulo 6 de João aparece no ano “marca-
rebanho ao Pai, só isso, mas isso é tudo. Ser no” (B) como uma meditação sobre as mul-
pastor não é autoafirmação, mas o dom de tiplicações dos pães, narradas em Mc 6,35-
orientar carinhosamente o povo eclesial 44 (substituída, hoje, por Jo 6,1-15) e Mc
para Deus. 8,1-9 (omitida).
Daí a importância de enriquecer nossa
pastoral, não multiplicando a organização, II. Comentário dos textos
mas incrementando o carinho da “com-pai- bíblicos
xão”, que é também o carinho do ensinamen- 1. Evangelho: Jo 6,1-15
to, não tanto doutrinal, mas pedagógico, pa- A versão joanina da multiplicação do pão
ciente, como o da mãe que se curva para é semelhante à de Marcos, mas coloca os
orientar o seu filhinho. acentos de modo diferente e, sobretudo, re-
vela uma tensão muito significativa entre o
17º Domingo do Tempo Comum gesto messiânico da multiplicação do pão (cf.
29 de julho Jo 6,1-13) e a retirada de Jesus, logo depois

Pão para (cf. 6,14-15).


Vale a pena verificar algumas diferenças

a multidão entre as versões de João e Marcos. Em pri-


meiro lugar, João situa o fato na proximidade
da Páscoa, festa em que os judeus lembram o
nº- 322

êxodo e o sustento que receberam de Deus


I. Introdução geral no deserto. Ele diz “a Páscoa dos judeus”,

ano 59

No domingo passado, a liturgia apresen- dando a entender que o sentido cristão pode
tou Jesus, movido por compaixão, ensinando ser outro. Quanto ao milagre mesmo, em
muitas coisas ao povo desorientado. Ora, um Marcos ele é enquadrado no contexto da

Vida Pastoral

bom ensino não apenas oferece teoria, mas in- “aprendizagem” dos discípulos (a partir de

52
Mc 6,7), que têm no episódio participação Em Marcos não temos a reação equivoca-
bastante ativa, o que não é o caso em João. da do povo depois da refeição. Em Jo 6,14-
Em Mc 6,37 os discípulos avisam Jesus de 15, o povo vê Jesus como “o profeta que deve
que seu ensino se estende e o povo deve pro- vir ao mundo”, isto é, Moisés, o protoprofeta
curar comida. Em João, nem se fala em ensi- (cf. Dt 18,25) que saciou o povo. Mas Jesus
no, mas tem-se a impressão de que Jesus se retira. Isso tem significado muito especial
pensou somente em oferecer pão à multidão para João. O povo quer ver em Jesus o mes-
(cf. Jo 6,5-6). João coloca a iniciativa total- sias-profeta escatológico, que deve vir ao
mente nas mãos de Jesus. Assim, desapare- mundo, mas não percebe que sua missão di-
cem em João os traços comunitários do relato vina supera a expectativa deles. O povo quer
marcano, que pode ser lido como uma parti- arrebatar Jesus para proclamá-lo rei segundo
lha, da parte dos discípulos, a serviço da co- as categorias messiânicas tradicionais. Jesus,
munidade (cf. Mc 6,37-38). Em João não são porém, não é rei nesse sentido (veja-se sua
os discípulos que, de sua provisão, distri- resposta a Pilatos: Jo 18,33-37). Não pode
buem ao povo. Jesus mesmo distribui. Além aceitar o messianismo do povo. Retira-se na
disso, João acrescenta alguns detalhes que solidão (cf. 6,14-15 e a recusa do messianis-
evocam a atuação do profeta Eliseu em 2Rs mo judeu em Mc 8,27-33).
4,42-44: os pães “de cevada” (2Rs 4,42) e o
“moço” (cf. Giézi em 2Rs 4,39.43) – o que 2. I leitura: 2Rs 4,42-44
justifica a escolha dessa perícope como pri- Contemple-se inicialmente a primeira
meira leitura de hoje. leitura, que mostra alguns traços discreta-
João dá ao relato de Marcos um aprofun- mente entretecidos no texto do evangelho.
damento cristológico. Em Marcos, o misté- Narra um episódio da história de Eliseu, que,
rio do Cristo é velado aos olhos dos discípu- assim como Elias, renova os “grandes feitos”
los. Em João, os discípulos são testemunhas de Deus do tempo do êxodo – no caso, ali-
do mistério que transparece no “sinal” de mentar o povo.
Jesus. Esse mistério se faz pressentir pela Eliseu sacia cem pessoas com vinte pãezi-
pergunta inicial: “De onde compraremos nhos de cevada, destinados à oferta de primí-
pão?”, em Jo 6,5. A expressão “de onde” já cias. Quando o seu ajudante, o moço Giézi,
sugere ao leitor iniciado no mistério de Je- questiona a possibilidade de alimentar o
sus a resposta: “de Deus” – e Jesus esclarece- povo com tão pouca coisa, o profeta aponta
rá isso a seguir, no “discurso do Pão da Vida” para o poder e a generosidade do Senhor:
(cf. Jo 6,24-71). O Jesus de Marcos deixa “Comerão e sobrará”, frase que lembra a far-
velada a natureza de sua missão, porque as tura do maná no deserto. O Evangelho de
categorias messiânicas do povo são inade- João traz um eco desse episódio, porque a
quadas para compreendê-la; o Jesus de João plena abundância do tempo messiânico se
revela ao cristão instruído a glória de Deus. realiza em Jesus Cristo.
Mas o resultado é o mesmo: nas duas ver-
sões, quem se apega às categorias messiâni- 3. II leitura: Ef 4,1-6
nº- 322

cas antigas fica por fora. Na segunda leitura, continua a carta aos
No fim do episódio, João descreve com Efésios, como nos domingos anteriores. Da es-

ano 59

insistência maior a quantia de restos que so- sência da Igreja faz parte sua unidade, baseada
braram, sublinhando, mais uma vez, a reve- em Deus e na sua obra em Cristo. Enquanto Ef
lação da obra de Deus em Jesus Cristo: nada 4,4-6 enumera as realidades divinas e indivi-

Vida Pastoral

(e ninguém) pode perder-se (cf. 6,12; 6,38). sas que fundamentam a Igreja, Ef 4,1-3 ensina

53
Roteiros homiléticos

os meios para realizar essa unidade: a humil- Sua atenção bem autêntica para resolver o
dade, o mútuo suportar-se na caridade, a uni- problema material tem valor de “sinal”, mas
dade do Espírito mediante o vínculo da paz. não é exclusividade dele. É dever de todos.
Portanto, não se trata de uma unidade de con- Para resolver os problemas materiais do
veniência ou de rótulo, mas construída pela povo, há meios à disposição, desde que na
caridade: um Corpo, um Espírito, um Senhor, sociedade haja responsabilidade e justiça.
uma fé, um batismo, um Deus e Pai. Mas exatamente para isso é preciso algo mais
fundamental: que as pessoas levem em consi-
III. Pistas para reflexão deração o Deus de amor e justiça que se reve-
Em certos ambientes, é comum surgi- la em Jesus. O sermão do Pão da vida, que
rem críticas à ação social da Igreja e, muito ouviremos nos próximos domingos, esclare-
mais, às suas declarações sobre a política e a cerá isso ao “leitor joanino”.
economia. Julga-se que a Igreja não deve to- A preocupação social da Igreja deve
car em assuntos “temporais”, mas ocupar-se pautar-se por essa linha. Para resolver os
com o “espiritual”. Mas, por acaso, a violên- problemas econômicos e sociais, os meios
cia, a impunidade, a falta de saúde e de bom estão aí. O Brasil é rico; mas é preciso que
ensino, a fome de grande parte da popula- haja pessoas justas, sensíveis às necessida-
ção não dizem respeito ao Reino de Deus, des do povo, para bem gerenciar essa rique-
que Jesus veio anunciar e inaugurar e a Igre- za. A missão específica da Igreja é, em pri-
ja pretende atualizar? meiro lugar, colocar os responsáveis diante
No domingo passado, o Evangelho de da vontade de Deus, como Jesus fez. E criar
Marcos descreveu a chegada de Jesus peran- uma comunidade na qual o que Jesus ensi-
te a multidão: compadeceu-se dela, porque nou seja posto em prática.
era como ovelhas sem pastor. E começou a Para isso, não basta pregar ingenuamen-
ensiná-la, com a consequência de que, no te a “boa vontade”, se as pessoas não forem
fim do dia, teria de alimentá-la. Esse gesto conduzidas a uma prática eficaz. A boa von-
de alimentar materialmente o povo, a litur- tade de usar bem os meios econômicos se-
gia o descreve hoje nas palavras de João, gundo a justiça social precisa de leis que
preparando o aprofundamento no “sermão funcionem, de mecanismos econômicos e
do Pão da Vida” (ausente de Marcos), lido de “estruturas” que os reproduzam, para
nos próximos domingos. amarrar a boa vontade a realizações concre-
Segundo João, Jesus não agiu surpreendido tas. Não é o papel da Igreja – senão subsi-
pelas circunstâncias, mas porque quis, expres- diariamente – inventar e implantar tais me-
samente, apresentar pão ao povo (cf. Jo 6,5-6), canismos, assim como Jesus não quis ser rei,
para depois mostrar qual é o verdadeiro “Pão”. mas a Igreja tem de mostrar o rosto de Deus,
Se, em Marcos, Jesus manda os discípulos dis- que é Pai de todos e deseja que nos tratemos
tribuir o pão – um exemplo para a Igreja –, João mutuamente como irmãos. E para isso ela
diz que Jesus mesmo o distribui, para acentuar não pode deixar de apontar as responsabili-
que o pão é o dom de Jesus. E, no fim, João dades concretas.
nº- 322

menciona que o povo quer proclamar Jesus rei Ao fornecer pão à multidão, Jesus reali-
(messias), mas este se retira, sozinho, para a re- za um sinal que o autoriza como profeta de

ano 59

gião montanhosa (cf. Jo 6,14-15). Deus, mas esse sinal não é uma façanha
Este último traço é muito significativo. O qualquer. O sinal é o dom que Deus faz em

específico de Jesus não era distribuir cestas Jesus, o dom que Jesus é, o dom que dá vida
Vida Pastoral

básicas, como se pretendesse ser prefeito. ao mundo.

54
18º Domingo do Tempo Comum mas obtusos quanto à realidade de Deus. Per-
5 de agosto guntam o que devem fazer. Jesus lhes diz que

“Eu sou a obra do Pai é que acreditem no Filho (cf. Jo


6,28)! Então, pedem um sinal como o de

o pão da vida” Moisés, que, segundo eles, deu o maná do


céu. Jesus, relativizando o sistema mosaico
do qual são árduos defensores, responde não
ter sido Moisés quem deu, no passado, pão
I. Introdução geral do céu, mas Deus é quem dá, agora, o verda-
Na semana passada, ouvimos o relato de deiro pão que desce do céu, a plenitude de
João acerca do sinal da multiplicação dos seu dom: seu enviado, Jesus, que, por sua pa-
pães, o qual não aponta para Jesus como o lavra e pelo dom de sua vida, faz o ser huma-
rei que vai resolver os problemas materiais no viver verdadeiramente.
do povo, mas, sim, como o profeta de Deus Esse dom é bebida e alimento, como diz
que dá a conhecer sua vontade. Hoje Jesus Is 55,1-3 a respeito do ensinamento de Deus.
nos revela que ele mesmo é esse dom do pão Dá plena satisfação, tudo o que é preciso para
verdadeiro, que dá ao mundo a vida que nos viver, em todo momento e para sempre:
une com Deus, a vida verdadeira, que ultra- “Quem vem a mim jamais terá fome; e o que
passa os nossos dias na terra. crê em mim jamais terá sede” (Jo 6,35). Na
doação, sem restrição, de sua vida, Jesus co-
II. Comentário dos textos munica a vida verdadeira, que não perece: a
bíblicos vida dada como ele a deu.
1. Evangelho: Jo 6,24-35
Sobre o pano de fundo da lembrança do 2. I leitura: Ex 16,2-4.12-15
maná (primeira leitura), compreendemos as A liturgia da Palavra deste domingo evo-
palavras reveladoras dirigidas por Jesus ao ca inicialmente uma lembrança fundamental
povo que, depois da multiplicação dos pães, de Israel no deserto: o fato de Deus ter sus-
o encontra em Cafarnaum (cf. Jo 6,24.59). tentado o seu povo com o pão que descia do
Vale lembrar que João situa esse relato no céu, o maná. Essa lembrança era tão funda-
tempo da Páscoa (cf. Jo 6,4), o que reforça a mental, que no Israel antigo se guardava, na
recordação do êxodo. O maná do deserto é arca da Aliança, ao lado das tábuas da Lei,
a prefiguração do dom de Deus, que em Je- uma vasilha com o maná (cf. Ex 16,33-34;
sus aparece em plenitude. Hb 9,4). No deserto do êxodo, Deus deu ao
Depois da multiplicação dos pães, vendo povo não apenas a Lei, que orienta a vida,
que o povo se equivocava (cf. 6,14-15), Jesus mas também o alimento que sustenta o povo.
se retirou para a montanha sozinho, enquanto Por isso o relato do maná é fundamental para
os discípulos atravessavam o lago. O povo vol- nossa memória bíblica.
tou a Cafarnaum e aí encontrou Jesus, que ti- No caminho pelo deserto, o povo de Isra-
nha atravessado o lago andando sobre as ondas el mostrou-se ambíguo, duro de cerviz e de
nº- 322

(cf. 6,16-24). Admiravam sua presença, mas, coração. Quando faltou alimento, murmura-
superficiais, viram no sinal do pão apenas a sa- ram contra o Senhor e disseram ter saudade

ano 59

tisfação da fome, e não um sinal de Deus que das carnes aceboladas do Egito. No entanto,
legitimava seu enviado, Jesus (cf. 6,26). Deus se mostrou generoso e atendeu à recla-
mação do povo com “o pão que desce do

Inicia-se então um diálogo, no qual os ju-


Vida Pastoral

deus se mostram preocupados com a Lei, céu”, como diz poeticamente o Sl 78[77]

55
Roteiros homiléticos

(salmo responsorial de hoje). Na realidade, o que Deus se veja obrigado a dar-lhes a salva-
maná era um produto natural (resina de ta- ção! Mas Jesus diz que o esforço que Deus
mareira), mas, no contexto do Êxodo, era um espera deles é que acreditem naquele que
sinal da incansável providência de Deus. ele enviou (cf. 6,29). Percebendo que Jesus
está falando de si mesmo, querem ver suas
3. II leitura: Ef 4,17.20-24 credenciais. Moisés tinha credenciais, pois
A segunda leitura continua com a carta aos está escrito: “Deu-lhes pão do céu a comer”
Efésios, como nos domingos anteriores. Como (6,31; cf. Sl 78[77],24). Responde Jesus que
o evangelho, esta leitura fala da oposição entre não foi Moisés quem deu o pão do céu, no
o antigo e o novo. Nesse caso, porém, o antigo passado, mas agora o Pai é que está dando o
não é apenas o sistema da Lei judaica, mas o verdadeiro pão do céu: aquele que desce do
paganismo, do qual provém boa parte dos cris- céu e dá vida ao mundo. Continuando no
tãos de Éfeso. Se os judeus procuravam “obras trilho do pão material e pensando no pro-
de Deus” no seu legalismo ultrapassado, os blema do sustento, os judeus replicam: “Dá-
gentios eram dirigidos por seus desejos e im- -nos sempre esse pão”. Então Jesus diz aber-
pulsos, simbolicamente representados pelas di- tamente o que significa a sua palavra enig-
vindades do politeísmo. Seja como for, tanto o mática e o sinal que ele realizou no dia ante-
judeu apegado ao sistema mosaico quanto o rior: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a
pagão envolvido com ídolos falsos (o qual está mim não terá mais fome e quem crê em mim
também no meio de nós e em nós) devem abrir não terá mais sede” (6,35).
o ouvido para Cristo. Jesus encarna, em sua Esta frase ecoa um texto da Escritura, Is
pessoa e mensagem e no dom de sua vida por 55,1-3: em meio à idolatria da Babilônia, o
amor, a palavra da verdade que vem de Deus. profeta orienta os exilados para o único Se-
nhor. O que se consegue com os deuses babi-
III. Pistas para reflexão lônios não vale nada, é mero engodo comer-
O evangelho de hoje é o início do “ser- cial, pão que não alimenta! Mas quem escuta
mão do Pão da Vida”, com o qual o evange- a voz do Senhor recebe, de graça, a sabedoria
lista João dá continuidade ao “sinal” da da vida, a aliança duradoura com Deus, o
multiplicação dos pães, narrado domingo cumprimento de suas promessas. Assim,
passado. Nos próximos domingos, o tema quem se alimenta com a palavra de Jesus re-
continuará. cebe o “pão da vida”, e quem se dirige a ele
Depois da multiplicação dos pães, Jesus não sofrerá nem fome nem sede.
volta a Cafarnaum (cf. Jo 6,24). Os conterrâ- Não interpretemos isso com aquele mate-
neos querem saber como ele está de volta de rialismo às avessas que diz que as coisas ma-
repente, se não embarcou com os discípulos teriais passam e as espirituais permanecem.
na noite anterior. Jesus lhes faz sentir que, Depende do que se entende por esses termos!
apesar de terem presenciado o milagre do Se “espiritual” significa apenas erudição e
pão, não enxergaram nisso um sinal daquilo brilho intelectual ou divagação etérea em
que ele significa: o ensinamento de Deus ofe- doutrinas sublimes, então isso é o que passa!
nº- 322

recido ao mundo. Apenas se saciaram de E se “material” significa dedicar-se ao pão dos


pão. Não entenderam que a refeição era um pobres, isto é o que permanece, coisa do Es-

ano 59

sinal. Eram como um motorista que pensa pírito de Deus! Pois é a vontade do Pai. A
que sinal vermelho é apenas enfeite... tensão entre o material e o espiritual não se
Os judeus perguntam que “obra” Deus

resolve por um “ou-ou”, mas é superada no


Vida Pastoral

espera deles – pois querem esforçar-se para “e-e”. O que é feito segundo Cristo é espiritu-

56
al e material ao mesmo tempo, um no outro. céticos: “resmungam” (como fizeram no de-
As coisas do Espírito se encarnam em nossa serto) a respeito da origem por demais co-
atuação material, como Cristo se encarnou. nhecida de Jesus (embora em 9,29 se recu-
Assim é o pão que desce do céu. sem a crer porque não sabem de onde é...).
Se, no deserto, Deus respondeu ao resmungo
19º Domingo do Tempo Comum dos hebreus proporcionando-lhes um dom
12 de agosto perecível, o maná, agora ele responde com o

Todos serão dom escatológico: “Todos serão ensinados


por Deus”. Esta frase se refere ao cumpri-

ensinados mento dos textos proféticos. Que Deus e sua


vontade sejam conhecidos diretamente, sem

por Deus o intermédio de mestres (cf. Is 54,13), é algo


que faz parte da “nova aliança”, plenitude da
antiga (cf. Jr 31,33-34). É isso que se cumpre
em Jesus Cristo. O cristão o sabe: ninguém
I. Introdução geral jamais viu Deus (cf. 6,46; 1,18), mas quem
No domingo passado, ouvimos o início vê Jesus vê o Pai (cf. 1,18; 12,45; 14,9).
do sermão do Pão da Vida, onde Jesus dá a Quem procura o ensinamento escatológico
chave de interpretação do sinal da multipli- de Deus, na plenitude da aliança, só precisa
cação dos pães. O pão que desce do céu e dá ir a Jesus (cf. 6,45b).
vida ao mundo é Jesus. Importa saber, po- Esse ensinamento, porém, contém um
rém, que ele dá a vida não mecanicamente, paradoxo: ao mesmo tempo que o ser huma-
mas porque diz por palavras – e mostra por no é responsável por ir a Jesus, ele deve ser
gestos – quem Deus é. Em Cristo, Deus mes- atraído pelo Pai. Temos exemplos de tal rela-
mo nos ensina, e ele se dá a conhecer a todos ção dialogal em nosso dia a dia: para real-
os que se deixam atrair a seu Filho. mente participar de uma aprendizagem, o
aluno deve ser admitido pelo mestre, mas
II. Comentário dos textos também querer aprender; para gozar plena-
bíblicos mente a alegria de uma festa, a gente deve ser
1. Evangelho: Jo 6,41-51 convidado, mas também ir com gosto. A fé
O verdadeiro sentido da história de Elias não é algo unilateral. É um diálogo entre
no deserto, segundo a sugestão da liturgia Deus, que nos atrai a Jesus Cristo, e nós, que
de hoje (cf. primeira leitura), não se deve nos dispomos a escutar sua palavra.
procurar naquilo que aconteceu antes da Quando se realiza esse diálogo, temos (já:
fuga do profeta (as experiências do deserto), no tempo presente; cf. Jo 6,47b; 5,24) a vida
mas naquilo que veio depois, cumprindo o eterna. Já está ao nosso alcance nos saciarmos
plano de Deus. A comida de Elias prefigura com a comida que proporciona vigor inesgo-
a comida que tira todo o cansaço. Se o pro- tável. A “vida eterna” não é um prolongamen-
feta, mortalmente cansado, recebeu do pão to infindável de nossa vida biológica. É a di-
nº- 322

de Deus força para caminhar quarenta dias, mensão inesgotável e decisiva de nossa exis-
o homem afadigado pelos impasses da vida tência, que é mais do que uma passagem para

ano 59

recebe, do “pão descido do céu”, vigor para o além. A vida eterna, para João, não se inicia
a vida eterna. apenas no além, mas aqui e agora. Evitando o
Mas, então, como pode Jesus dizer que

termo “Reino de Deus”, facilmente mal com-


Vida Pastoral

ele “desceu do céu”? Os judeus se mostram preendido, João fala da “vida eterna” para in-

57
Roteiros homiléticos

dicar a realidade da vontade divina quando nimo, a ponto de desejar a morte (como os
assumida e encarnada na existência humana. hebreus que resmungavam contra Deus),
Quem encarna a vontade de Deus na existên- mas também a experiência da alimentação
cia humana é, por excelência, Jesus Cristo, seu oferecida por Deus (como o maná no Êxo-
Filho unigênito. Sua doação até a morte, sua do), para que possa alcançar “a montanha
“carne” (= existência humana) dada até a mor- de Deus”, o Horeb, onde ele aparecera a
te ensina e mostra, mas também realiza, para Moisés e tinha dado seu “ensinamento” (a
quem a ele aderir, esta “vida” para o mundo. Torá) ao povo. Elias volta às fontes, reviven-
Portanto, sermos ensinados por Deus do as origens da fé de seu povo.
significa que, mediante a adesão à existên-
cia que Jesus viveu até a morte, abrimos es- 3. II leitura: Ef 4,30-5,2
paço para a dimensão divina e definitiva de Continua a leitura da carta aos Efésios,
nossa vida, dimensão que lhe confere um como nos domingos anteriores. O texto de
sentido inesgotável e irrevogável, o sentido hoje nos ensina que somos filhas e filhos de
de Deus mesmo. Deus, animados por seu Espírito. O selo de
Há, nessa perícope, uma frase muitas ve- garantia de nossa salvação é o Espírito Santo,
zes mal entendida: “Todo aquele que da parte o Espírito de amor, que provém do íntimo de
do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a Deus. Nós podemos asfixiá-lo por mesqui-
mim” (Jo 6,45). Há quem entenda isso num nharias de todo tipo (cf. 4,31), como tam-
sentido estreito, como se Jesus excluísse da bém por estruturas que não lhe deixam espa-
salvação quem não tem a fé cristã (eventual- ço. Cabe a nós realizar o contrário: liberalida-
mente restringida a uma das confissões cris- de, bondade, perdão, segundo o modelo de
tãs). Tal interpretação contradiz uma frase Cristo, em cuja doação se manifesta o amor
central do Quarto Evangelho. Falando de sua de Deus. Devemos abrir em nossa vida e so-
morte na cruz, Jesus declara: “Eu, quando for ciedade um espaço onde possa soprar o Espí-
levantado (ou enaltecido) da terra, atrairei rito de amor de Deus.
todos a mim” (12,32). Deus instrui a muitos,
em todas as religiões, como ele instruiu o III. Pistas para reflexão
povo de Deus no Antigo Testamento. E Continuamos nossa meditação sobre o
quem, em qualquer religião, ou mesmo num capítulo 6 de João, que, durante alguns do-
ambiente em que o termo “religião” não sig- mingos, constitui o fio das leituras da litur-
nifica nada, acata o que Deus lhe ensina, no gia. No domingo passado, Jesus se apre-
fundo do coração, numa consciência pura e sentou como o pão descido do céu, com
generosa, sintonizado, talvez sem saber, com palavras que lembravam as declarações de
o que Cristo fala e faz, esse está sendo, de Isaías sobre a palavra e o ensinamento de
fato, atraído a Cristo por Deus. Deus. Hoje aprofundamos o sentido disso.
Jesus é alimento da parte de Deus por ser a
2. I leitura: 1Rs 19,4-8 Palavra de Deus (cf. Jo 1,1), a qual nos faz
A primeira leitura pode servir de aperiti- viver a vida que está nas mãos de Deus – a
nº- 322

vo para o evangelho de hoje: Deus sustenta vida que chamamos de “eterna”. Essa não é
Elias com alimento e bebida para instruí-lo prolongamento indefinido de nossa vida

ano 59

a continuar seu caminho. Elias está fugindo terrestre (não valeria a pena!), mas é “de
para o deserto a fim de escapar da persegui- outra categoria”: da categoria de Deus mes-
ção de Acaz e Jezabel. Nessa travessia, revi-

mo. Nesse sentido, vida eterna e vida divi-


Vida Pastoral

ve a história de seu povo: fome, sede, desâ- na são sinônimos.

58
Jesus alimenta em nós essa vida divina sou o pão vivo que desceu do céu [...]. O pão
com tudo aquilo que ele diz, faz e é. Sua que eu darei é minha carne dada para a vida
vida é o grande ensinamento que nos enca- do mundo” (Jo 6,51).
minha na direção do Pai. Na antiga aliança,
Moisés e seus sucessores ensinavam o povo, Assunção de Nossa Senhora
mas, segundo o sentir do evangelista, de 19 de agosto
maneira imperfeita. Agora se realiza a nova
aliança, em que todos se tornam discípulos A mãe gloriosa
de Deus (cf. Jo 6,45; Jr 31,33; Is 54,13).
Quem escuta Jesus, que é a Palavra de Deus e a grandeza dos
em pessoa, já não precisa de intermediários
(cf. Jo 1,17). Ninguém jamais viu Deus, a
não ser aquele que desceu de junto dele, o
humildes
Filho que no-lo dá a conhecer (cf. 6,46; I. Introdução geral
1,18). Jesus conhece Deus por dentro. Escu- Em 1950, o papa Pio XII proclamou o
tando Jesus, aprendemos a conhecer Deus, dogma da Assunção de Nossa Senhora ao
sem intermediários. céu. Um dogma é um marco referencial de
Escutar Jesus alimenta-nos a vida que é nossa fé, do qual ela não pode retroceder e
comunhão com Deus, válida para sempre. sem o qual ela não é completa. Proclamamos
João diz que quem crê já tem a vida eterna que Maria, no fim de sua vida, foi acolhida
(5,24). Como é, pois, essa vida eterna, divi- por Deus no céu “com corpo e alma”, ou seja,
na? Será talvez a realização profunda e in- coroada, plena e definitivamente, com a gló-
comparável que sentimos quando nos dedi- ria que Deus preparou para os seus santos.
camos aos nossos irmãos até não poder mais? Assim como ela foi a primeira a servir Cristo
Quando arriscamos a vida na luta pela justiça na fé, é a primeira a participar na plenitude
e pelo amor fraterno? Quando doamos o me- de sua glória, a “perfeitissimamente redimi-
lhor de nós, material e espiritualmente? É a da”. Maria foi acolhida, completamente, de
felicidade de quem dá sua vida totalmente. corpo e alma, no céu porque acolheu o céu
Com efeito, é isso que Jesus nos ensina da nela – inseparavelmente.
parte de Deus. E, porque fez isso, ele é o en- A presente festa é uma grande felicitação
sinamento de Deus em pessoa. de Maria por parte dos fiéis, que nela veem,
Para Israel, o ensinamento de Deus está a um só tempo, a glória da Igreja e a prefigu-
na Escritura e na tradição dos mestres: é a ração da própria glorificação. A festa tem
Torá, termo que significa instrução, ensino, uma dimensão de solidariedade dos fiéis com
orientação (a tradução “Lei”, que vem da Bí- aquela que é a primeira a crer em Cristo e
blia grega, é inadequada). Para nós, a “Torá por isso, também, é a mãe de todos os fiéis.
viva” é Jesus. Daí a facilidade com que se aplica a Maria o
O tipo de vida que Jesus nos mostra e texto do Apocalipse, na primeira leitura,
ensina é plenamente confirmado por Deus. originariamente uma descrição do povo de
nº- 322

Prova disso é que Deus ressuscitou seu Filho Deus, que deu à luz o Salvador e depois se
dentre os mortos, acolhendo-o em sua glória. refugiou no deserto. A segunda leitura nos

ano 59

É a vida que Deus deseja e nos ensina em Je- leva a considerar a assunção de Maria ao céu
sus. O pão que alimenta essa vida é Jesus. Ele como antecipação da ressurreição dos fiéis,
a alimenta pela palavra que falou, pela vida

que serão ressuscitados em Cristo. Observe-


Vida Pastoral

que viveu, pela morte de que morreu: “Eu -se, portanto, que a glória de Maria não a

59
Roteiros homiléticos

separa de nós, mas a torna unida a nós mais 3. Evangelho: Lc 1,39-56


intimamente. O evangelho de hoje é o Magnificat. O
Merece consideração, sobretudo, o texto quadro narrativo é significativo: Maria vai
do evangelho, o Magnificat, que hoje ganha ajudar sua parenta Isabel, grávida, no sexto
nova atualidade, por traduzir a pedagogia di- mês. Ao dar as boas-vindas à prima, Isabel
vina:  Deus recorre aos humildes para realizar interpreta a admiração dos fiéis por aquilo
suas grandes obras. Esse pensamento pode ser que Deus operou em Maria. Esta responde,
o fio condutor da celebração. Na homilia, revelando sua percepção do mistério do
convém que se repita e se faça entrar no ou- agir divino: um agir de pura graça, que não
vido e no coração esse pensamento ou uma se baseia em poder humano; pelo contrá-
frase do Magnificat que o exprima. rio, envergonha esse poder, ao elevar e en-
grandecer o pequeno e humilhado que, po-
II. Comentário dos textos rém, se dedica ao serviço de sua vontade
bíblicos amorosa. O amor de Deus se realiza não
1. I leitura: Ap 11,19a; por meio da força, mas da humilde dedica-
12,1.3-6a.10ab ção e doação. E nisso manifesta sua grande-
O sinal da Mulher, no Apocalipse, apli- za e glória.
ca-se em primeiro lugar ao povo de Deus do O Magnificat, hoje, ganha nova atualida-
qual nasce o Messias: à Igreja do Novo Tes- de, por traduzir a pedagogia divina: Deus re-
tamento, nascida dos que seguem o Messias. corre aos humildes para realizar suas grandes
Aparece no céu a Mulher que gera o Mes- obras. Ele escolhe o lado de quem, aos olhos
sias; as doze estrelas indicam quem ela é: o do mundo, é insignificante. Podemos ler no
povo das doze tribos, Israel – não só o Israel Magnificat a expressão da consciência de pes-
antigo, do qual nasce Jesus, mas também o soas “humildes” no sentido bíblico: rebaixa-
novo Israel, a Igreja, que, no século I d.C., das, humilhadas, oprimidas. A “humildade”
quando o livro foi escrito, precisa esconder- não é vista como virtude aplaudida, mas
-se da perseguição, até que, no fim glorioso, como baixo estado social mesmo, como a
o Cristo se possa revelar em plenitude. Ao “humilhação” de Maria, que nem tinha o sta-
ouvir esse texto, a liturgia pensa em Maria. tus de casada, e de toda a comunidade de hu-
Maria assunta ao céu sintetiza em si, por as- mildes, o “pequeno rebanho” tão característi-
sim dizer, todas as qualidades desse povo co do Evangelho de Lucas (cf. 12,32, texto
prenhe de Deus, aguardando a revelação de peculiar de Lc). Na maravilha acontecida a
sua glória. Maria, a comunidade dos humildes vê clara-
mente que Deus não obra por meio dos po-
2. II leitura: 1Cor 15,20-27a derosos. É a antecipação da realidade escato-
No quadro da glória celestial, a segunda lógica, na qual será grande quem confiou em
leitura evoca a visão da vitória de Cristo sobre Deus e se tornou seu servo (sua serva), e não
a morte (presente também na liturgia da sole- quem quis ser grande pelas próprias forças,
nidade de Cristo Rei no Ano A). O sinal da pisando os outros. Assim, realiza-se tudo o
nº- 322

vitória definitiva de Cristo é a ressurreição, seu que Deus deixou entrever desde o tempo dos
triunfo sobre a morte. Essa vitória se realizou patriarcas (as promessas).

ano 59

na sua própria morte e se realizará também na A glorificação de Maria no céu é a realiza-


morte dos que o seguem. Maria já está associa- ção dessa perspectiva final e definitiva. Em
da a Jesus nessa vitória definitiva; nela, a hu-

Maria são coroadas a fé e a disponibilidade de


Vida Pastoral

manidade redimida reconhece sua meta. quem se torna servo da justiça e da bondade

60
de Deus; impotente aos olhos do mundo, mas Deus. Sabe doar-se, entregar-se àquilo que é
grande na obra que Deus realiza. É a Igreja dos maior que sua própria pessoa. A grandeza do
pobres de Deus que hoje é coroada. pobre é que ele se dispõe para ser servo de
A celebração litúrgica deverá, portanto, Deus, superando todas as servidões huma-
suscitar nos fiéis dois sentimentos dificil- nas. Ora, para que seu serviço seja grande-
mente conjugáveis: o triunfo e a humildade. za, o fiel tem de saber decidir a quem serve:
O único meio para unir esses dois momentos a Deus ou aos que se arrogam injustamente
é pôr tudo nas mãos de Deus, ou seja, esva- o poder sobre seus semelhantes. Consciente
ziar-se de toda glória pessoal, na fé em que de sua opção, quem é pobre segundo o Es-
Deus já começou a realizar a plenitude das pírito de Deus realizará coisas que os ricos e
promessas. os poderosos, presos na sua autossuficiên-
Em Maria vislumbramos a combinação cia, não realizam: a radical doação aos ou-
ideal da glória e da humildade: ela deixou tros, a simplicidade, a generosidade sem
Deus ser grande na sua vida. cálculo, a solidariedade, a criação de um ho-
mem novo para um mundo novo, um mun-
III. Pistas para reflexão do de Deus.
A Mãe gloriosa e a grandeza dos pobres: A vida de Maria, a “serva”, assemelha-se à
o Magnificat de Maria é o resumo da obra de do “servo”, Jesus, “exaltado” por Deus por
Deus com ela e em torno dela. Humilde ser- causa de sua fidelidade até a morte (cf. Fl
va – faltava-lhe o status de mulher casada –, 2,6-11). De fato, o amor torna as pessoas se-
foi “exaltada” por Deus para ser mãe do Sal- melhantes entre si. Também na glória. Em
vador e participar de sua glória, pois o amor Maria realiza-se, desde o fim de sua vida na
verdadeiro une para sempre. Sua grandeza terra, o que Paulo descreve na segunda leitu-
não vem do valor que a sociedade lhe con- ra: a entrada dos que pertencem a Cristo na
fere, mas da maravilha que Deus nela ope- vida gloriosa concedida pelo Pai, uma vez
ra. Aconteceu um diálogo de amor entre Deus que o Filho venceu a morte.
e a moça de Nazaré: ao convite de Deus, res- Congratulando Maria, congratulamos a
ponde o “sim” de Maria; e à doação dela na nós mesmos, a Igreja. Pois, mãe de Cristo e
maternidade e no seguimento de Jesus, res- mãe da fé, Maria é também mãe da Igreja. Na
ponde o grande “sim” de Deus, com a glori- “mulher vestida de sol” (primeira leitura)
ficação de sua serva. Em Maria, Deus tem confundem-se os traços de Maria com os da
espaço para operar maravilhas. Em com- Igreja. Sua glorificação são as primícias da
pensação, os que estão cheios de si mesmos glória de seus filhos na fé.
não o deixam agir e, por isso, são despedi- No momento histórico em que vivemos,
dos de mãos vazias, pelo menos no que diz a contemplação da “serva gloriosa” pode tra-
respeito às coisas de Deus. O filho de Maria zer uma luz preciosa. Quem seria a “humilde
coloca na sombra os poderosos deste mun- serva” no século XXI, século da publicidade e
do, pois, enquanto estes oprimem, ele salva do sensacionalismo? Sua história é serviço
de verdade. humilde e glória escondida em Deus. Não se
nº- 322

Essa maravilha só é possível porque Ma- assemelha a isso a Igreja dos pobres? A exal-
ria não está cheia de si mesma, como os que tação de Maria é sinal de esperança para os

ano 59

confiam no seu dinheiro e status, mas “cheia pobres. Sua história também joga luz sobre o
de graça”. Ela é serva, está a serviço – tam- papel da mulher, especialmente da mulher
bém de sua prima, grávida como ela – e, por pobre, “duplamente oprimida”. Maria é “a

Vida Pastoral

isso, sabe colaborar com as maravilhas de mãe da libertação”.

61
Roteiros homiléticos

21º Domingo do Tempo Comum em Cafarnaum (cf. 6,26-27). No fim do diá-


26 de agosto logo, ele repete os mesmos termos. É nesse

Opção por Jesus ponto que se inicia a leitura evangélica de


hoje: “Depois de ouvi-lo, muitos dos seus
discípulos disseram: ‘Este discurso é duro;
quem aguenta escutá-lo?’” (6,60). Quais fo-
I. Introdução geral ram, então, essas palavras duras?
Desde o 17º domingo, estamos ouvindo “Se não comerdes a carne do Filho do
o capítulo 6 do Evangelho de João, que traz o homem e não beberdes o seu sangue, não
relato da multiplicação dos pães e o sermão tereis vida em vós mesmos” (6,53). Comer
do Pão da Vida. É a “inserção joanina” na se- carne humana e beber sangue são abomina-
quência dos evangelhos de Marcos (Ano B). ções terríveis para os judeus (e para nós).
Neste domingo, essa sequência chega ao Entenderam tratar-se de antropofagia (cf.
ponto final e decisivo. 6,52). Precisamos entender as palavras de
A primeira leitura narra a escolha que Jesus do modo certo. Jesus insiste: “Quem
Josué apresentou às tribos de Israel quando come este pão viverá eternamente” (6,58).
ocuparam a terra de Canaã. Que divindade Trata-se de uma opção vital. Para os con-
cultuariam, as divindades de Canaã ou o temporâneos de Jesus, optar por ele era
Senhor (Yhwh), que os tirou do Egito e lhes duro, pois implicava perder o amparo da co-
deu a terra? A escuta do evangelho nos co- munidade judaica. Aceitá-lo como “Pão da
loca diante da pergunta final que Jesus faz Vida” implicava ser marginalizado pelo
aos seus discípulos: “Vós também quereis ir “mundo”. Mas Jesus não retira suas pala-
embora?”. Será que unimos nossa resposta à vras. Pelo contrário, acrescenta que será
de Pedro: “Tu tens palavras de vida eterna!” mais difícil ainda aceitar seu “enaltecimen-
(Jo 6,67-68)? to” na cruz e na glória. Os raciocínios huma-
Diz-se que o povo hoje sente muita difi- nos (a “carne”) não ajudam a compreender
culdade para tomar uma decisão clara e com- isso; só quem é animado pelo Espírito tem
prometer-se definitivamente. A liturgia deste acesso à vida em Cristo. Mas, para tanto, é
domingo nos convida a refletir sobre essa di- preciso optar, na fé, pelas “palavras de vida
ficuldade, como também tomar nossa deci- eterna” (isto é, que dão a vida eterna, 6,68).
são e fazer nossas opções. É preciso confiar na manifestação do misté-
rio de Deus que Jesus nos proporciona.
II. Comentário dos textos As palavras de Jesus são “duras” não só
bíblicos por sua significação teológica, mas também
1. Evangelho: Jo 6,60-69 por suas consequências. Implicam aceitar Je-
Também o evangelho de hoje nos apre- sus sacrificado como alimento de nossa vida.
senta o tema da opção e da fidelidade. O Isso era duro para os que puseram a esperança
contexto é o final da seção do pão no Quar- num messias político-nacionalista. Exatamen-
to Evangelho. O pão material que Jesus dis- te porque pensavam em categorias “carnais”,
nº- 322

tribuiu ao povo não deve ser visto somente não podiam aceitar um Messias que viesse
como solução para seus problemas tempo- numa “carne” humilde e aniquilada, um Mes-

ano 59

rais (cf. 6,14-15), mas como sinal de um sias alheio aos sonhos teocráticos. Menos ain-
dom de Deus superior, representado pela da poderiam aceitar que essa “carne” pudesse

expressão “vida eterna”. Foi isso que Jesus “subir” à glória (cf. 6,62), porque não enten-
Vida Pastoral

falou no início, dialogando com a multidão deram que “a Palavra se tornou carne e nós

62
contemplamos sua glória” (1,14). A glória de 2. I leitura: Js 24,1-2a.15-17.18b
Jesus Cristo é a cruz: “enaltecido” na cruz, ele A primeira leitura de hoje nos insere
atrai a si todos os que se deixam atrair pelo Pai num clima de opção. É o discurso conclusi-
(cf. 12,32; 6,44). vo do livro de Josué. O assunto desse livro é
Também para nós, as palavras do Cristo a conquista e tomada de posse da terra de
são difíceis de aceitar. Sua “carne” é bastante Canaã pelas tribos de Israel. Depois que os
incompatível com nossos conceitos, configu- israelitas tomaram posse da terra prometida,
rados em torno da riqueza e do sucesso. E sua Josué organiza a renovação da aliança e pro-
“glória”, nós a confundimos com a visibilida- nuncia um discurso que começa recordando
de efêmera do espetáculo religioso. Somos os grandes feitos do Senhor (Yhwh) a favor
incapazes de imaginar a “subida” de Jesus das tribos de Israel. O Senhor chamou
para junto do Pai depois que ele viveu a con- Abraão e, tempos depois, tirou Israel do Egi-
dição de nossa carne até seus mais profundos to (cf. 24,1-13). A memória desses grandes
abismos. Será que já imaginamos alguma vez feitos exige uma opção. Será que Israel prefe-
como nosso “senhor” um desses homens so- re esquecer seu passado e seu Salvador, como
fridos, quebrados, anti-higiênicos, porém ra- fazem tantos outros? Preferirá os “deuses da
dicalmente autênticos e bons que vivem ao terra”, que se estima serem capazes de dar
nosso redor? Talvez consigamos ter pena de bem-estar e progresso – os ídolos de sempre?
tais pessoas, mas admirá-las e tomá-las como A opção de Josué é outra: “Eu e a minha casa
guia de nossa vida é quase impensável. A gló- serviremos ao Senhor” (24,15). Josué opta
ria de Jesus e sua subida a ela, por meio da pela fidelidade ao Deus da aliança. E o povo
morte de cruz, são ainda mais escandalosas se une a ele, respondendo: “Longe de nós
do que a carne, a encarnação. abandonarmos o Senhor para servirmos a
Com categorias “carnais” não chegamos outros deuses; nós também serviremos ao
a essa outra visão sobre a “carne” em que Senhor, pois ele é o nosso Deus” (24,17-18).
veio a nós a Palavra. Precisamos de um im-
pulso superior. O “Espírito”, a força operan- 3. II leitura: Ef 5,21-32
te de Deus, levar-nos-á a acolher o mistério A segunda leitura não se situa no mesmo
do escravo glorificado. Jesus mesmo nos contexto que a primeira e a terceira. Continua
transmite esse Espírito (cf. Jo 3,34), e sua com a carta aos Efésios, como nos domingos
“exaltação” é a fonte desse dom (cf. 7,39). anteriores. Falando das relações na família,
Suas palavras são “espírito e vida” – Espírito evoca o mistério do amor esponsal de Cristo
que dá vida (cf. 6,68; 6,63). Só nos entre- pela Igreja. Toda existência genuinamente
gando à sua palavra e a aplicando em nossa cristã revela algo do mistério de Deus. A famí-
vida poderemos experimentar que ele é fi- lia, quando vive em mútua dedicação e co-
dedigno. O “espírito”, que há de superar o mum veneração de Cristo (cf. 5,21), revela o
que nossas categorias humanas recusam, carinho de Cristo por sua Igreja. As regras de
vem do próprio “objeto” de nosso escânda- moral familiar das comunidades helenísticas,
lo: a Palavra de Deus “encarnada”. Seu Espí- embora tenham alguns traços que nos pare-
nº- 322

rito penetra em nós não como conclusão de cem questionáveis (por exemplo, a submissão
um teorema, mas como consequência de da mulher), são instrumentos para concretizar

ano 59

arriscada decisão e opção. É essa opção que esse carinho, que fala de Cristo, a ponto de o
Pedro pronuncia, vendo a insuficiência de matrimônio cristão se tornar a imagem do
qualquer outra solução: “A quem iríamos?

amor de Cristo pela Igreja, ou seja, sinal eficaz


Vida Pastoral

Tu tens palavras de vida eterna”. da graça de Deus: sacramento. (Na primeira

63
Roteiros homiléticos

teologia cristã, o que hoje chamamos de sacra- morte – pois tudo isso significa compromisso.
mento era chamado “mistério”.) O povo de Israel, ao tomar posse da terra
prometida, teve de escolher com quem ia se
III. Pistas para reflexão comprometer: com os outros deuses ou com o
A primeira leitura dá um exemplo de op- Senhor (Yhwh), que o tirou do Egito. Visto
ção decisiva na escolha que Josué apresenta que o Senhor mostrara de que era capaz, opta-
aos israelitas do século XII a.C.: entre um ram por ele (cf. Js 24). Jesus põe os seus discí-
Deus que provou seu amor e fidelidade e ou- pulos diante da opção por ele ou pelo lado
tros deuses que devem sua existência a mitos oposto: “Vós também quereis ir embora?”. E
humanos. Essa opção se apresenta também a Pedro responde, em nome dos Doze e dos fiéis
nós. Optaremos por aquele que “deu a vida”, de todos os tempos: “A quem iríamos? Tu tens
em todos os sentidos, ou pelos ídolos pelos palavra de vida eterna”. O que Jesus ensina é o
quais tão facilmente damos nossa vida, sem caminho da vida eterna, da comunhão com
deles recebermos a gratificação que prome- Deus para sempre. Foi para isso que Jesus reu-
tem: sucesso, riqueza, poder? niu em torno de si os Doze, que representa-
Nos evangelhos desses últimos domingos, vam o novo Israel, o povo de Deus, para que o
Jesus se apresentou como o “pão da vida” e seguissem pelo caminho e constituíssem co-
proclamou sua carne como alimento para a munidade, comungando da vida que ele dá
vida do mundo. Muitos não “engoliram” isso, “pela vida do mundo” (6,51).
não apenas pela dificuldade de compreensão Nosso ambiente parece recusar essas pala-
(alguns falavam até em antropofagia), mas, so- vras que prometem vida eterna, realização plena
bretudo, por causa das consequências práti- de nossa caminhada. Isso por diversas razões: há
cas. Estranharam o que Jesus dissera a respeito pessoas que querem viver sua vidinha sem se
de sua carne e estranhariam mais ainda a sua comprometerem com nada ou preferem um ca-
“subida para onde estava antes”, sua glorifica- minho próprio, individual... O difícil da palavra
ção, pois esta se manifesta na exaltação ou de Jesus consiste nesse compromisso concreto.
enaltecimento de Jesus... no alto da cruz, onde A dificuldade do cristianismo não consiste tanto
ele revela plenamente o amor infinito de Deus, em penitências e abstinências, mas em abdicar
seu Pai. Só pelo Espírito de Deus é possível da autossuficiência e entregar-se a uma comuni-
compreender isso (cf. 6,62-63). É difícil “ali- dade reunida por Cristo para segui-lo no cami-
mentar-se” com a vida que Jesus propõe como nho da doação total. Todavia, esse caminho é
caminho, com aquilo que ele disse e fez, so- também o caminho da “perfeita alegria”, de que
bretudo com o dom radical de sua vida na falam Francisco de Assis e o papa Francisco.

Para onde vai a juventude?


J. B. Libanio
nº- 322

Este texto é um estudo geral sobre a juventude. Nele se


analisam tendências do mundo jovem, que refletem o momento
256 pags.

cultural atual e sua repercussão no universo juvenil.


ano 59

paulus.com.br 11 3789-4000 | 0800-164011 vendas@paulus.com.br



Vida Pastoral

64

Vous aimerez peut-être aussi