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I° COLÓQUIO DE ESTÉTICA | FAFIL | UFG | GOIÁS 2016 1

O DIAPASÃO DA LEMBRANÇA EM A PRISIONEIRA DE MARCEL PROUST

Natacha Muriel López Gallucci1


natacha_muriel@hotmail.com
Resumo

Neste trabalho propomos abordar os caminhos sonoros percorridos pelo herói proustiano no
romance A prisioneira, quinto da série que compõe Em busca do tempo perdido de Marcel
Proust. O herói apresenta uma mise en scène do método de interpretação que adota para acessar
uma realidade mais plena na busca de sua verdade. Esse método, baseado no trabalho
associativo, transforma seu corpo em um aparelho de percepção que funciona como um
instrumento criador, à maneira de um diapasão, ecoando diversas camadas sonoras de ruídos,
vozes, cantos, música. As reflexões sobre a imagem acústica contribuem com a ideia de que A
prisioneira produz uma reviravolta estética, um deslocamento-chave no interior da Recherche,
da metáfora óptica para a especulação linguística e, fundamentalmente, acústica. Este
movimento expressa um vaivém entre o sem sentido do ruído e o sentido do sonoro, entre o
caráter imediato da impressão direta e o distanciamento que produz a lembrança, como
mecanismo psíquico do sujeito ficcional de nomeação e descoberta de sim.

Palavras-Chave: Filosofia contemporânea; Corpo; Som; Subjetividade; Marcel Proust.

PITCH OF MY MEMORY IN THE CAPTIVE BY MARCEL PROUST

Natacha Muriel López Gallucci2


natacha_muriel@hotmail.com

Abstract

This study explores the sound paths taken by the Proustian hero in the novel The Captive, fifth
book of the series In Search of Lost Time by Marcel Proust. This novel presents a mise en scène
of a method of read (contresens) that the hero-narrator adopts as a way to access a fuller reality.
The memories of hero express a work of association; the body here don’t perceive only, but
creates like a pitch (diapason), echoing different acoustic objects: noises, sounds, voices, songs,
and music. These reflections about the sound express the idea that The Captive produces an
aesthetic turn shift within the In Search of Lost Time; a movement since the optical metaphor
for the linguistic metaphor, and fundamentally, a speculation about sound.

Key Words: Contemporary Philosophy; Body; Sound; Subjectivity; Marcel Proust.

1
Doutora em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e Doutora em Multimeios
pelo Instituto de Artes (DECINE, IA), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil.
2
PhD. in Philosophy – Institute of Philosophy and Human Science (IFCH), University of Campinas
(UNICAP) and PhD in Multimedia – Institute of Arts (IA), University of Campinas (UNICAMP),
Brazil.
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Introdução

“Une vérité clairement comprise ne peut plus être


écrite avec sincérité.” Marcel Proust

Propomos neste percurso examinar o romance A prisioneira e abordar esse mundo


ficcional em que Marcel Proust desenvolve, com agudeza, reflexões estéticas que constituem
uma referência de primeira ordem para compreender o problema da redefinição da memória e
do sujeito na contemporaneidade. O narrador da Prisioneira esboça um repertório composto
por diversas camadas sonoras que norteiam suas associações, desde simples ruídos e vozes,
passando pelos cantos de Albertine e das vendedoras ambulantes, até a música, em uma
reformulação do teor do objeto acústico no decorrer do romance.

Para vislumbrar o alcance destas afirmações, é importante refletir acerca do lugar de


destaque que A prisioneira possui dentro do processo de criação de À la Recherche du Temps
Perdu, romance em que observamos emergir. Uma teoria estética “explícita” é desenvolvida
pelo herói-narrador em O tempo reencontrado, último volume da Recherche e cujos
argumentos platonizantes versam sobre a existência de uma verdadeira realidade. E outra
estética “implícita” elucidada em A Prisioneira, que leva o herói, não a encontrar uma
verdadeira realidade, mas a vivenciar tendo seu corpo como protagonista, uma mise en scène
literária que apresenta o método de acesso à sua verdade subjetiva.

Observemos brevemente o processo de criação da Recherche, que se inicia em 1908, na


retomada de diversos fragmentos e ideias que Marcel Proust tinha elaborado anteriormente.
Nesse período, marcado pela morte de sua mãe e pela sua doença respiratória, o autor começa a
dormir de dia e trabalhar de noite; motivo pelo qual decide insonorizar seu quarto, inclusive o
teto, de ruídos externos, mantendo-se sempre com as janelas fechadas. Mais de uma década
depois – havendo-se dedicado a escrever uma enorme quantidade de cadernos –,precisamente
em 1922, a morte o surpreende Nesse momento, Proust corrigia o romance A prisioneira, que
seria publicado postumamente.

A prisioneira nos retrotrai, de um lado, para ideias antigas reagrupadas em temas


(BRUN, 1988: 393) algumas provenientes da abertura de Combray (PROUST, 1987) como
são: “o interior do quarto”, “a escuta do mundo exterior” e “a música”. E, de outro lado, retoma
ideias até anteriores à Recherche, que possuem semelhanças temáticas com o ensaio crítico de
1908, Contra Sainte-Beuve (PROUST, 1954), no qual surge o incipiente interesse pelos “ruídos
da rua”. Esse tópico ficaria, porém, em suspense e nunca mais seria desenvolvido até a escrita
do romance que nos ocupa, por volta de 1917 (MILLY, 1985, p, 132). Em seu projeto original,
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A Prisioneira, assim como o ensaio crítico Contra Sainte-Beuve, constituiriam apresentações


narrativas de uma tarde de conversa sobre estética e crítica literária; o que permite situar a
inclinação proustiana por colocar a ficção lado a lado com a teoria estética desde muito cedo.

A estética proustiana se insere não numa teoria do belo, mas numa pergunta pela
faculdade de sentir ou perceber (aesthesis) de um sujeito ficcional que deve ser construído.
Segundo o próprio Proust, o romance Em busca do tempo perdido pode ser considerado a
história de um senhor que diz: eu (“... monsieur que dit: je”, FRAISSE, 1993, p. 93). E, salvo o
capítulo Un amour de Swann, o romance todo foi escrito em primeira pessoa e iniciado com a
famosa frase: “Desde faz muito tempo eu me deito cedo3. Assim, as temáticas do interior do
quarto, do sono e do despertar tomarão um lugar preponderante na exaltação do subjetivo,
tornando-se os territórios de construção do sujeito ficcional. Em Combray, o primeiro romance
da série, o herói-narrador enfatiza: “eu me durmo” 4; e, na Prisioneira, o herói-narrador acorda
e assegura: “Logo de manha [...] já eu sabia como estava o tempo” 5.

A estética “explícita” que orienta o herói na descoberta da verdadeira realidade foi


enunciada à maneira de uma sentença clássica pelo narrador na Esquisse XXIX do Tempo
reencontrado, em que Proust escreve: “a sensibilidade fornece a matéria para a qual a
inteligência leva a luz6. Matéria e inteligência formam uma bela dicotomia que abrange as leis
de uma teoria estética apresentada no último romance. Esse modelo, fonte do trabalho artístico,
reúne o aspecto material e a inteligência na projeção futura da obra literária. Assim, a
verdadeira vida, a vida plenamente vivida é, para o narrador do Tempo reencontrado, a
Literatura.

O discurso proustiano sobre a obra de arte, que nas palavras do narrador parece ser uma
“lição de idealismo”, não esclarece realmente nenhum conceito estético (DESCOMBES, 1987),
se a expectativa é a de achar um discurso filosófico fundamentado dentro do romance. No final
de seu estudo sobre a evolução da memória na Recherche, Elizabeth Jackson também ressalta
que neste último volume há um “caos filosófico”, e que seria impossível querer colocá-lo em
ordem. Acreditamos, nesse sentido, que a ficção proustiana toma justamente esse grande tópico
da filosofia para pôr em funcionamento os pressupostos do leitor e das teorias a ele
contemporâneas sobre a arte, a beleza e os limites do conhecimento humano; sendo que a
ficção não vem defender a especulação, nem tenta aclará-la. Pelo contrário, na Recherche a

3
“…Longtemps, je me suis couché de bonne heure.” (PROUST, Du Cotê de Chez Swann, 1987, p. 3)
4
“ Je m’endor” (PROUST, Du Cotê de Chez Swann, 1987, p. 3
5
“Dès le matin [...] je savais déjà le temps qu’il faisait.” (PROUST, La Prisonnière, 1988, p. 519).
6
“La sensibilité fournit la matière où l’intelligence porte la lumière.” (PROUST, Le temps retrouvé.
Esquisse XXIX, 1988, p. 844)
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estética em si mostra certos limites, isso já o dissera Kant na sua terceira Crítica (KANT,
1968), justamente que a estética se serve do juízo reflexivo e está nos limites da teoria do
conhecimento; portanto não podemos esperar dela uma doutrina, como acontece, por exemplo,
com a doutrina do Direito. 7 Fica expresso que na Recherche, somos advertidos justamente
sobre o fato de que, idolatrar a arte não é bom para crítica. Por isso, Proust também prevê sobre
a impotência que gera no artista e no crítico o fato de querer conhecer tudo em questões
artísticas antes de começar a escrever uma crítica ou produzir uma obra; sendo que, só o
processo da escrita chama à memória o material, por excelência, do processo de criação. Como
salienta Philippe Willemart – seguindo Freud – Proust vislumbra sem conhecer a fundo a obra
de Freud, que só as palavras chamam as palavras no trabalho da associação; método esse que
será trazido à tona em A prisioneira. Tentemos nos aproximar e compreender ainda melhor a
novidade que traz A prisioneira, e quais os argumentos são fornecidos para pensarmos em outra
estética – não idealista – dentro do romance proustiano.

O corpo criador: o diapasão da “minha” lembrança [Diapason de mon souvenir]

No tom de um diário íntimo8, o herói da Prisioneira se apresenta como um sujeito que


interroga pelo sentido da vida, da doença e do amor. O maduro Marcel deixa para trás a vida
dos salões, isola-se no interior do quarto e cultiva sua reclusão como um material de exploração

7
A investigação filosófica, segundo Kant, sustenta-se em um conceito específico de experiência
entendido como ‘determinação’. Nesse âmbito, os fenômenos fazem sentido, sob as leis do sistema da
natureza. Assim, Kant consegue estabelecer uma Doutrina no território da Razão pura e também do
direito, mas não no território da arte. Em sua Critica da faculdade de julgar afirma que o Belo não
responde nem ao ‘a priori’ nem ao ‘empírico’, mas a um terceiro termo chamado ‘a priori não
determinado conceitualmente’. Esse terceiro termo torna possível uma fundamentação transcendental
do juízo estético (KANT, Kritik der Urteilskraft, Einleitung §1, XIII p. 172). Segundo Kant, isso
impede a determinação de uma Doutrina da Arte. A conclusão kantiana deriva da ideia de que toda
Doutrina é aquela teoria que leva em consideração ‘objetos’ determinados, ou seja, que se nutre de
objetos ‘conhecíveis’, dotados de um significado de acordo com a sua definição de experiência. No
sistema kantiano é impossível delinear chaves a priori para a criação, por exemplo, nas Belas Artes.
(KANT, Immanuel. Kritik der Urteilskraft In: Werke Akademie Textausgabe, Band V, Berlin: Gruyter
& Co. 1968, [§16, 49] p. 229 e [§9, 33] p. 219). A 'faculdade de julgamento' em geral – juízo reflexivo
– é, segundo Kant, aquela faculdade de pensar o particular sob o universal. Mas, o juízo reflexivo se
diferencia do juízo determinativo (que rege a experiência e o conhecimento) ponto de apoio de toda
Doutrina. O juízo reflexivo é a ‘consciência da relação’ entre as ‘representações dadas’ e as diferentes
‘fontes do conhecimento’, mas não é condição de conhecimento, já que não atinge a relação entre a
‘representação’ e seu ‘objeto’.
8
ROBERT, P. Notice (PROUST, 1988: 1635).
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exemplar. A ouverture9 deste romance opera como um poema sinfônico que inicia o ciclo de
sete dias em convivência com Albertine, e nos situa dentro da paisagem sonora que acorda o
herói:

Logo de manhã, com a cabeça ainda voltada para a parede, e antes de ver, acima das
grandes cortinas da janela, que matiz tinha a raia de luz, já eu sabia como estava o
tempo. Os primeiros rumores da rua mo haviam informado, segundo me chegavam
amortecidos e desviados pela umidade ou vibrantes como flechas na área ressonante
e vazia de uma manhã espaçosa, glacial e pura; desde o rodar do primeiro bonde,
percebera se o tempo estava enregelado na chuva ou de partida para o azul. E talvez
esses ruídos também tivessem sido precedidos por alguma emanação rápida e mais
penetrante, que insinuada através do meu sono, difundisse nele, uma tristeza
anunciadora da neve, ou fizesse entoar a certa personagenzinha intermitente tão
numerosos cânticos à glória do sol que estes acabavam por me trazer para mim, que
ainda adormecido começava a sorrir, e cujas pálpebras cerradas se preparavam para
a sensação de deslumbramento, um atordoante despertar em plena música.
(PROUST, 1981, p. 1)

Uma janela separa os rumores da rua e o rodar do primeiro bonde do interior do quarto,

em que jaz deitado o narrador. Esta distinção, em princípio tão fixa, entre o lugar do sujeito, e

dos objetos, entre o corpo perceptual e a fonte sonora, funciona apenas como uma armadilha,

na qual não devemos cair se queremos compreender o múltiplo processo de percepção ao qual

nos introduz a ouverture do romance. “Antes de ver” a luz do dia, o herói afirma já saber como

esta o tempo. Ideia que fica ainda mais explicita na Esquisse I.2 da Prisioneira, onde Proust

ressalta que não necessita ter visto a cor do dia para saber o tempo que faz fora.

Et je n´avais même pas besoin de voir la couleur du jour en haut des rideaux pour
savoir le temps qu´il faisait. Les premiers bruits de la rue m´apportaient
l´atmosphère où ils avaient retenti [...] (PROUST, La prissoniere. Esquisse I.2, 1988,
p. 1094).

Com as pálpebras fechadas a imagem visual do dia está ainda oculta, mas a imagem

acústica, trazida pelas impressões sonoras dos ruídos e as imagens olfativas das emanações, o

levam perceber o estado de coisas. Nessa primeira jornada são descritos ruídos muito

específicos que atravessam a janela como flechas. Entretanto, uma descrição assim só parece

9
Segundo os estudos genéticos dos manuscritos, a ouverture compõe uma verdadeira unidade de redação
(“unité rédactionnelle”) que pode reconhecer-se nos Cahiers preparatórios e nas Esquisse do romance
pela forma, pela articulação das frases e pela sua inserção no contexto (WILLEMART, 1998, p. 21).
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possível para quem consegue isolar certos elementos acústicos destacados do atordoante

material que compõe a estrutura sonora do mundo.

Segundo Jacques Rivière, as descrições e intepretação das imagens acústicas, táteis e

olfativas realizadas durante as sete jornadas10 outorgam ao romance um matiz verdadeiramente

trágico11. E aquilo que em principio pode parecer a menção de uma paisagem acústica dilatada,

muda sob a perspectiva da repetição cíclica da cena do despertar. A descrição de cada manhã se

torna âmbito de um trabalho de experimentação em primeira pessoa, produto de um estado de

total perda das ilusões da vida.

Observemos mais em detalhe o método proustiano proposto nesse romance. O trabalho

de percepção do narrador emoldura certas diferenças sonoras que afetam o herói: entre os

ruídos amortecidos pela umidade, os ruídos vibrantes no dia de sol e aqueles que foram

alterados pela neve ou a chuva. Pois as diferenças e as alterações, e não apenas os ruídos

ativam seu aparelho de percepção e lhe proporcionam esse “saber” imediato e meteorológico

associado no romance ao saber do seu pai. Pelas lembranças de Combray, temos notícia de uma

inclinação semelhante no pai do herói-narrador, quem costumava examinar toda noite o

barômetro antes de dormir, pois era amante da meteorologia. Isso acontecia enquanto a mãe

evitava fazer qualquer barulho que pudesse incomodá-lo (“Meu pai dava de ombros e

examinava o barômetro, pois gostava de meteorologia, enquanto minha mãe, evitando fazer

ruído para não perturbá-lo...”. PROUST, 1983, p. 17) 12. Na Prisioneira, sob a distância do

tempo, o herói assevera que já possui seu próprio instrumento de medição meteorológica, a

saber, seu próprio corpo que lhe trazem um saber sobre o estado das coisas.

10
Os sete dias correspondem, na versão em português, às páginas 519, 589, 623, 863, 889, 905 e 911
(PROUST, 1981).
11 “
La Prisonnière, qui va paraître ces jours-ci, vous montrera jusqu'à quel degré vraiment tragique cette
faculté était développée en lui. C’est elle qui a permit la description la plus nue, la plus nette, la plus
dépouillée d’illusions, la plus profonde qu’on ait jamais donnée du coeur humain […]” (RIVIÈRE,
1985, p. 192).
12
“Mon père haussait les épaules et il examinait le baromètre, car il aimait la météorologie, pendant que
ma mère, évitant de faire du bruit pour ne pas le troubler…” (PROUST, 1987, p. 11).
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A célula narrativa da ouverture se encerra com uma frase-resumo que destaca,


justamente, o teor de sua reclusão e imobilidade corporal pela doença, motivo das alterações na
sua percepção: “[...] de resto foi sobre tudo desde meu quarto que eu percebia [je perçus] a vida
exterior durante esse período.” (PROUST, 1987, p. 1). 13 Investiguemos este je perçus, que
oferece uma aparência de unidade da percepção e do sujeito e que surge para fechar a cena
introdutória. Esta frase-resumo, inserida tardiamente na série de manuscritos preparatórios
(WILLEMART, 1998, p. 20-21), descortina um dos problemas estéticos fundamentais do
romance, a saber, a complexa relação entre o sujeito, a linguagem e o mundo, traçada sob um
núcleo diferencial e poiético que dá sentido ao ato de perceber dentro da obra. Aliás, A
prisioneira abre um jogo poético entre o je da percepção e nome do herói, que é mencionado
aqui pela primeira vez na Recherche quando Albertine diz, no meio de um sonho: “Mon chéri
Marcel” (PROUST, 1988, p. 583); e logo exclama “Quel Marcel! (PROUST, 1988, p. 663).
Todavia, neste jogo de espelhos literários em que aparece o nome próprio, o narrador brinca ao
esclarecer que ele não se considera um escritor14.

O je da percepção na frase-resumo remete a um recluso cuja atividade principal é


identificar sons, compara-los e urdir uma narrativa de si, produto de uma espécie de tradução
do material acústico que toma seu corpo como lugar de ressonância, espaço medial entre o
exterior e o interior. Nesta atividade nada passiva, o corpo vibra com os rastros sonoros do
exterior e com aqueles cantos que provem do seu interior. Estes últimos representados por uma
personagenzinha intermitente que canta ao sol e desaparece fugazmente, semelhante aos anjos
segundo a tradição judaica. Lembremos que segundo o judaísmo os anjos são descritos como
seres que nascem, cantam e morrem, mas que não podem ser representados imageticamente. O
je ficcional emerge desde um território heterotópico, lugar da aventura da intepretação acústica
por excelência, tanto das camadas sonoras que veem de fora, quando dos caprichos da
perzonhagenzinha que canta dentro de si.

Apoiando-nos nas Esquisse da ouverture, fica expresso que esse trabalho de tradução
dos ruídos da rua toma conta do herói ao ponto de produzir nele um sentimento de felicidade
totalmente diferente ao cotidiano, que lhe faz bater o coração como o de uma jovem rapariga
acordando ao mundo15. A percepção e a interpretação exibem a dialética na qual se dependura o
sujeito ficcional, entre o desejo de saber – que pode ser doloroso - e o gozo que lhe traz o

13
“[...] ce fut du reste surtout de ma chambre que je perçus la vie extérieure pendant cette période”.
(PROUST, 1988, p. 519).
14
“Je ne suis pas romancier” (PROUST: 1988, p. 881).
15
Na Esquisse I.4 da Prissioneira, Proust escreve: “um sentiment tout différent” […] “battre le coeur
ainse qu´à une jeune fille” (PROUST, 1988, p. 1095).
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trabalho de tradução. Não se trata aqui de um desejo exteriorizado, mas de um desejo de saber
de si, tópico central do romance. O problema do saber de si, na Prisioneira, mais que uma
forma virtualizada e reformulada da busca da vocação, como é manifesto no Tempo
reencontrado, esta associado ao problema da conformação da memória como território de saber
inconsciente. O conteúdo inconsciente não será revelado ao sujeito por acaso, mas pela força de
um desejo e de um trabalho de interpretação. A intepretação das sensações não responde a
razoamentos, inferências lógicas ou verdades feitas (WILLEMART, 1998, p. 24). A
explanação do percebido visa para a composição de uma narrativa de si e para a possibilidade
da acessar a verdade subjetiva: “[…] aujourd’hui j’en connais clairement la vérité subjective”
(PROUST. 1988, p. 850).

Desta maneira, a valoração das diferenças entre os ruídos, os sotaques das vozes dos
personagens, os cantos e a música são cada vez mais importante nesse ciclo de sete dias. A
doença, segundo comprovam os estudos genéticos da ouverture, é a causa que prende o
narrador no quarto16. Este aspecto sem aparente destaque na versão definitiva é uma condição
conformativa do romance desde seus pré-textos; pois como foi mencionado, a doença indica
uma mudança crucial, uma alteração no aparelho de percepção. 17 Tomado pelo prazer dos
ruídos, e antes de ver o raiar do dia, o herói-narrador joga com os efeitos da distorção de
percepção provocada pela doença e se entrosa com a realidade material acústica de maneira
“participativa”. No Cahier 4 de 1909, um esboço da ouverture dá evidências disso:

[…] ainsi tout en me quittant pas ma chambre […] Qu’importait que je fusse
couché, rideaux fermés Chaque heure qui passait. Je me sentais participer à la
réalité de l’heure, je goûtais vivement par le désir des plaisirs particuliers qu’elle
apporte <la forme d’activité à laquelle se lie> nada qu’à la façon nada qu’à voir les
zones de parfums immobile (WILLEMART, 1998, p. 23; grifos da transcrição).

Este aspecto lúdico visa um gesto filosófico relevante, que suspende as leis estéticas
aplicadas ao componente acústico em Combray, e permite ao herói da Prisioneira colocar
outras leis em vigor. Vejamos como funcionava a percepção sonora em Combray, onde o
narrador comenta:

16
Os estudos genéticos relacionam a ouverture com a Matinée do Cahier 50 [f 42 v°] na que Proust
escreve: “Ma santé chaque jour plus mauvaise m´obligeait mainte [nant] à passer de longs mois au lit
sans me ever” (BRUN, B.1987, p. 431).
17
Destacamos que as alterações da percepção e as problemáticas da memória e da fala dos afásicos
conformam um núcleo de interesse recorrente na obra proustiana; esses tópicos, assim como o
sonambulismo, foram centrais para os médicos que deram origem a psicologia francesa experimental e
que iniciaram os tratamentos psicoterápicos. O pai de Proust pertenceu também a esse círculo, com
Binet e Sollier, que teorizou também sobre a divisão do eu na França (para esse tema ver LÓPEZ
GALLUCCI, 2008).
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[…] é somente porque a vida vai agora mais e mais emudecendo em redor de mim é
que os escuto de novo, como os sinos do convento, tão bem velados durante o dia
pelos ruídos da cidade, que parece que pararam, mas que se põem a tanger no
silêncio da noite (PROUST, 1983, p. 39).

O som dos sinos estava, em Combray, situado por trás de uma cortina de “ruídos”
produzidos pela cidade. E graças a uma espécie de fade out, durante a noite, fazia-se audível o
tanger dos sinos. A queda da cortina barulhenta e desarmônica da cidade antecipa a queda do
véu das resistências do herói perante a doença. Tentamos apontar que, tanto em Combray como
em O tempo reencontrado, o herói-narrador adere à dicotomia clássica que cinde e opõe os
conteúdos inexprimíveis dos ruídos, dos barulhos e dos rumores, de um lado, e coloca de outro
lado as expressões mais claras das vozes, a música e as canções, passíveis de serem
memorizadas como imagens acústicas precisas e vinculadas a uma origem (região da França,
instrumento musical, etc.). Nos trilhos do deslocamento estético e do afastamento dessas
dicotomias clássicas, a temática do sonoro e a relação entre imagem visual e imagem acústica
sofre na Prisioneira um fino trabalho de reescrita. O herói da Prisioneira privilegia a imagem
acústica à imagem visual, o corpo perceptual, como fino aparelho barométrico, aos instrumentos
ópticos18 e, – dito em uma linguagem cinematográfica – o prazer do ruído, fora de campo, ao
objeto ou fonte sonora enquadrada pelo pensamento ou pela consciência. Muda a conceituação
do ruído como resistência, como véu encobridor de sentido que passa a ser fonte de um gozo
acústico participante semelhante, mas não idêntico, ao descrito pelo Swann na escuta da
pequena frase musical.

Estamos agora em condições de perceber outro ângulo desse trabalho de associação


colocado na ouverture. Antes de ter visto o raiar do dia, o narrador já sabe o que há por traz das
cortinas. A invocação desses rastros sonoros propõe um novo exame do aspecto material da
percepção dentro da problemática da “linguagem em geral” como a aborda Walter Benjamin
(BENJAMIN, 1977).

Procuremos compreender por que a materialidade acústica da linguagem, e não o


acaso, irá se tornar condição de possibilidade da memória e do saber, em um ato performático
de criação acorde a esta mise en scène do sujeito ficcional. Trata-se, então, da transformação
criativa das percepções do herói em uma narrativa de si; procedimento que, segundo Gagnebin,

18
No primeiro e no último volume de À la Recherche du temps perdu, Proust desenvolve a ideia de
realidade sob a metáfora do caleidoscópio, do telescópio e do cinescópio: “En réalité, chaque lecteur est
quando il lit le propre lecteur de soi-même. L’ouvrage de l’écrivain n’est qu’une espèce d’instrument
optique qu’il offre au lecteur afin de lui permettre de discerner ce que sans ce livre il n’eût peutêtre pas
vu en soi même” (PROUST, 1988, p. 490).
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pode ser emparelhado com a passagem de uma vivência para uma verdadeira experiência
(GAGNEBIN, 2007). Na famosa cena da petite madeleine, o narrador busca recuperar um
estado de felicidade perdido apelando ao esforço do pensamento. Após sentir uma imensa
felicidade trazida pelo sabor de um pequeno bolinho molhado no chá, tenta por vários meios
compreender a causa dessa grande excitação:

E recomeço a me perguntar qual poderia ser esse estado desconhecido, que não
trazia nenhuma prova lógica, mas a evidência da sua felicidade, da sua realidade
entre a qual as outras se desvaneciam. Quero tentar fazê-lo reaparecer. Retrocedo
pelo pensamento ao instante em que tomei a primeira colherada de chá. Encontro o
mesmo estado, sem nenhuma luz nova. Peço a meu espírito um esforço mais, o
impulso com que ele vai procurar captá-la, afasto todo obstáculo, toda ideia
estranha, abrigo meus ouvidos e minha atenção contra os rumores da peça vizinha.
Mas sentindo que meu espírito se fatiga sem resultado, forço-o, pelo contrário, a
aceitar essa distração que eu lhe recusava, a pensar em outra coisa, a refazer-se antes
de uma tentativa suprema. Depois, por segunda vez, faço o vácuo diante dele, torno
a apresentar-lhe o sabor ainda recente daquele primeiro gole e sinto estremecer em
mim qualquer coisa que se desloca que desejaria elevar-se, qualquer coisa que
teriam desancorado, a uma grande profundeza; não sei o que seja, mas aquilo sobe
lentamente; sinto a resistência e ouço o rumor das distâncias atravessadas
(PROUST, 1983, p. 46).19

O método utilizado para a recuperação da memória na famosa cena da petit madelaine


é o retrocesso “pelo pensamento” Os ruídos aí distraem, são ideias estrangeiras, obstáculos,
enfim, signos específicos de resistência diante do esforço do pensamento e da inteligência.

Para o narrador da Prisioneira, que acorda em plena música, os ruídos visam um


caminho específico de percepção das modificações internas (PROUST, 1988, p. 534-5),
produzida pelas diferentes modulações (PROUST, 1988, p. 624) e alturas. A imagem acústica
tem uma função representacional, ou seja, funciona aqui uma espécie de alucinação. Esse
trabalho de percepção vai in crescendo, no decorrer ficcional dos dias que compõem o
romance; e ascende da interpretação dos ruídos da rua, transpondo o interesse para os cantos, a
fala e, finalmente, para a música, em um gesto que consideramos uma espiral hermenêutica, até

19
“Et je recommence à me demander quel pouvait être cet état inconnu, qui n'apportait aucune preuve
logique, mais l'évidence, de sa félicité, de sa réalité devant laquelle les autres s'évanouissaient. Je veux
essayer de le faire réapparaître. Je rétrograde par la pensée au moment où je pris la première cuillerée de
thé. Je retrouve le même état, sans une clarté nouvelle. Je demande à mon esprit un effort de plus, de
ramener encore une fois la sensation qui s'enfuit. Et, pour que rien ne brise l'élan dont il va tâcher de la
ressaisir, j'écarte tout obstacle, toute idée étrangère, j'abrite mes oreilles et mon attention contre les bruits
de la chambre voisine. Mais sentant mon esprit qui se fatigue sans réussir, je le force au contraire à
prendre cette distraction que je lui refusais, à penser à autre chose, à se refaire avant une tentative
suprême. Puis une deuxième fois, je fais le vide devant lui, je remets en face de lui la saveur encore
récente de cette première gorgée et je sens tressaillir en moi quelque chose qui se déplace, voudrait
s'élever, quelque chose qu'on aurait désancré, à une grande profondeur ; je ne sais ce que c'est, mais cela
monte lentement ; j'éprouve la résistance et j'entends la rumeur des distances traversées". (PROUST Du
côté de chez Swann op. cit., p. 45-46).
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a construção de um novo sentido da própria doença, da reclusão em convivência com


Albertine, e finalmente da sua vida.

O modelo das “experiências privilegiadas” da Recherche, esses momentos de grande


estranhamento conforme a cena da petit madeleine molhada no chá ou da pequena frase
musical em Um amor de Swann, não seria transponível linearmente à problemática do sonoro
em A prisioneira. Na Prisioneira, a sequência de escutas é dada pela repetição da cena do
despertar; talvez, por isso, a ouverture obtém pleno sentido para o leitor, quando no decorrer
dos dias descritos, percebe-se o gesto intencional da repetição. A Prisioneira propõe uma
atenção antecipatória produz um extremo júbilo20 pois não se trata de “supor” ou de “estimar”,
mas de “saber” interpretar.
A prisioneira vai contrastar as escutas do personagem de Swann, que estava tomado
pela sonoridade de uma pequena frase musical. A primeira audição musical de Swann na casa
dos Verdurin põe em funcionamento o aparelho de memória e traz lembranças de uma
execução arquetípica (NATTIEZ, 1995, p. 21) dessa peça. Após ter escutado o arranjo, Swann
se lembra de que no ano anterior ouvira uma obra para piano e violino cujas qualidades sonoras
foram a única coisa que lhe agradou. Isto pelo menos no começo, já que logo descreve um
grande prazer que o invade quando, por baixo da linha do violino, ergue-se a massa do piano.
Nessa experiência privilegiada, Swann admite que a audição tinha sido confusa e a chama de
expressão puramente musical, irredutível a qualquer outra ordem de impressões, uma
impressão sem matéria (PROUST, 1987, p. 203).

Talvez fosse porque não sabia música que viera a experimentar uma impressão tão
confusa, uma dessas impressões que, no entanto, são talvez as únicas puramente
musicais, inextensas, inteiramente originais, irredutíveis a qualquer outra ordem de
impressões. Uma impressão desse gênero é, por assim dizer, sine matéria”.
(PROUST, 1983, p. 178).

No entanto, algo na sonata de Vinteuil lhe produzia uma impressão tão forte que,
arrebatando todo o seu corpo, transformava-o em uma imensa orelha (WILLEMART, 2000, p.
79). Ao passo que a intenção de Swann era seguir o caminho traçado pela pequena frase para,
em repetidas escutas, decifrar o segredo de semelhante gozo (PROUST, 1987, p. 203-5;
PROUST, 1983, p. 181). Esse aparente magma sonoro indeterminado da “escuta arquetípica”
se dilui após as repetidas escutas e começa a fazer sentido para Swann; aquela que era uma
frase ambivalente adquire, segundo o narrador, “uma” significação.
Como processo de reescrita, retomada e ampliação desse processo de escuta, o narrador
da Prisioneira vai colocar as bases de sua teoria estética nas intensidades da sensação, na

20
“Ah! Enfin, il fait beau” (PROUST, 1988 p. 519)
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tradução e na repetição. Com esse “havia dias em que…”, o narrador insere efetivamente o
problema da repetição e, por conseguinte, a redefinição de uma ideia de memória que irá
prevalecer nesse romance. A repetição funciona como uma via régia, como uma matriz poética
que coloca A Prisioneira sob uma ordem formal oposta à do romance tradicional. Nesse
sentido, Anne Henry visualiza um elo entre a repetição, como aspecto formal da Recherche, e
as ideias sobre a poesia no romantismo (HENRY, 2000). Ao decifrar por impressões, se coloca
‘a poesia antes que as palavras’, assim como o faziam os românticos que, aliás, conferiam ao
corpo um papel fundamental na criação. Esta vinculação ao romantismo, em que há uma auto-
referencialidade constante para o problema das percepções corporais, condiz com uma
recolocação da dimensão material como motor da criação artística. A alteração dos estados de
percepção do sujeito permite que aflore outra memória, sem censura, acorde ao eu criador.
Neste paradigma criativo, semelhante ao da composição musical – mas também ao trabalho
psicanalítico –, é possível a transposição total das diferenças mais sutis e impronunciáveis da
linguagem para uma ordem poética ou de enunciação mais plena.
Nessa experiência de vigília hipnótica do narrador, causada pelo elemento acústico, a
ampliação da percepção permite acessar uma realidade totalmente transposta para outro
registro, como é o da alucinação da voz. A voz interior, essa voz intermitente, semelhante a
uma voz alucinada, constitui um problema limiar entre a literatura proustiana, a filosofia do
sujeito e a psicanálise.
As reflexões sobre a sonoridade contribuem com a ideia de que na Prisioneira se produz
um deslocamento-chave dentro da Recherche (reforçados pelos estudos da ouverture): da
metáfora óptica para uma especulação nitidamente linguística e fundamentalmente acústica. As
afirmações do narrador sobre a percepção sonora dentro dessa “construção literária” compõem,
segundo Tadié, “o mundo da linguagem da Recherche” (TADIE, 1971). O sonoro no texto
proustiano é semelhante à narração do sonho segundo a teoria freudiana, um texto cujas fontes
imagéticas materiais (alucinadas no sonho) são inacessíveis para quem o interpreta. O aspecto
sonoro expressa um movimento dialético: entre o sem sentido e o sentido, entre o caráter
imediato da impressão direta (PROUST, 1988, p. 760) - produzida pelos ruídos que atravessam
o corpo do herói - e o distanciamento que o narrador estabelece por meio do trabalho
associativo e de tradução. Esta árdua tarefa de mediação outorga um papel preponderante ao
corpo, o transforma em um objeto ou caixa de ressonância, estabelecendo uma conexão
especial entre o acústico e o corporal pela via da metáfora musical. O corpo torna-se um
diapasão que vibra na (minha) lembrança (PROUST, 1988, p. 17), mecanismo apresentado
como múltiplo, precário e enigmático de mediação.
Lembremos que um diapasão é uma peça de aço que ao vibrar produz um tipo de som
adotado como medida para que outros instrumentos musicais díspares consigam sua
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harmonização. Uma das características mais importantes do diapasão é que produz, nas ondas
sonoras, um fenômeno que transporta energia de um lugar a outro sem transportar matéria
alguma, mobilizando as moléculas de ar sempre dentro de duas extremidades que parecem
imóveis. Assim, o corpo imóvel do herói na Prisioneira, afetado de hipersensibilidade, emite
cantos em resposta às emoções acústicas produzidas pelos ruídos do mundo exterior; busca
uma medida (metron), uma harmonização que lhe permita compreender essa afecção, na
tentativa de retrabalhar o sentido de suas lembranças sonoras incompreendidas. Nesse estado de
suspensão sonora no momento do despertar, semelhante à sugestão por hipnose, o narrador
penetra o campo simbólico. A reflexão estética sobre a preeminência do corpo perceptual, na
busca da verdade subjetiva, torna a Prisioneira um verdadeiro “manifesto estético” proustiano.

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