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Resumo: As cidades, sejam elas reais ou imaginárias, são constituídas por seus mapas
textuais, nos quais estão contidas suas histórias e suas personagens. Esses elementos
foram captados pelos mais diversos discursos, dentre eles, o literário. Em relação ao
crescimento dessas cidades, a imprensa tornou-se um importante instrumento de
difusão da literatura em fins do século XIX/início do século XX, tendo sido a
responsável por construir a imagem da nação, conforme os postulados de Benedict
Anderson (2008). Naquele cenário, a crônica foi um gênero de grande importância,
fruto da modernidade, "filha do jornal", ou seja, uma narrativa urbana por excelência.
Dentro desse contexto, este artigo tem por objetivo lançar um olhar acerca da
presença da prostituição judaica no Rio de Janeiro da Belle Époque através da análise
das crônicas de Francisco Ferreira da Rosa, publicadas no Jornal O Paiz, em 1895-1896,
sob o título de A Podridão do Vício. Ademais, o estudo das crônicas de Ferreira da Rosa
será articulado aos textos historiográficos sobre o tema, tais como: SOARES (1992);
MEDEIROS (1992); ENGEL (1989), o que nos permite desvelar véus que muitas vezes
encobriram as polacas. Dessa forma, é possível fazer com que a história de um grupo
de "vencidos", usando o termo de BENJAMIM (1985), possa brilhar por instantes, ainda
que fugidios.
Palavras-chave: Cidade, crônica, mulher.
Abstract: The cities, regardless of being real or not, are made by their textual maps, in
which we can find their stories and characters. These elements were captured by many
different discourses, among which there is Literature. Concerning the growth of these
cities, the press became an important tool to spread the literary discourse by the end
of the 19th century and beginning of the 20th, being responsible for building a national
image, according to Benedict Anderson (2008). In this context, the chronicle was an
important genre, coming from the modernity and being "newspaper's daughter", in
1
Acadêmicos do Curso de Letras Português-Inglês da Faculdade de letras da UFRJ, Bolsitas PIBIC/CNPq
2014-2015 e 2015-2016. Docente do Departamento de Ciência da Literatura da Faculdade de Letras da
UFRJ. Docente do Programa Interdisciplinar de Pós- Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ. Este
trabalho contou com o apoio do CNPq, por meio de Bolsa de Iniciação científica para os acadêmicos e
Bolsa de Produtividade em pesquisa PQ2 para a Docente. Esse trabalho constitui resultados do projeto
desenvolvido no âmbito do Programa Institucional de Iniciação Científica 2014-2016.
other words, a prototypical urban narrative. In this perspective, this article intends to
analyze the presence of Jewish prostitution in Rio de Janeiro throughout the chronicles
by Francisco Ferreira da Rosa, published in O Paiz, in 1895-1896, entitled A Podridão
do Vício. Besides, the study of these texts will be articulated to historical studies about
the theme, such as SOARES (1992), MEDEIROS (1992) and ENGEL (1989); which allow
us to discover the veils that many times hid these women. Therefore, we aim to tell
the "history of losers" using the concept by BENJAMIM (1985).
Key words: City, chronicle, woman. 2
I. Introdução
O século XIX foi atravessado por profundas transformações nos
campos político, social e cultural. A modernidade engendrada no século
XIX, imersa na era industrial, trouxe, de acordo com Nízia Villaça e Fred
Góes, novos elementos para a vida coletiva nas grandes cidades,
ocasionando transformações na vida econômica, no trabalho, nas relações
sociais, na vivência privada das pessoas nas cidades e no nascimento da
moderna urbe que antecedeu a vida metropolitana atual. (VILLAÇA; GÓES,
1998, p. 38.). Nesse cenário, Marshall Berman expressa muito bem a
modernidade como turbilhão:
Segundo Broca:
Osvaldo Cruz inicia a campanha pela extinção da febre
amarela e o Prefeito Pereira Passos vai tornar-se Barão
Haussmann do Rio de Janeiro, modernizando a velha cidade
colonial de ruas estreitas e tortuosas. Com uma diferença:
Haussmann remodelou Paris, tendo em vista objetivos
político-militares, dando aos “boulevards” um traçado
estratégico, a fim de evitar as barricadas das revoluções
liberais de 1830 e 48; enquanto Pereira Passos se orientava
pelos fins exclusivamente progressistas de emprestar ao Rio
uma fisionomia parisiense, um aspecto de cidade europeia.
Foi o período do “Bota abaixo.” (BROCA, 2005, p.13)
Avenida Central):
questão de meios para obtê-lo. (...) A America é campo vasto para seus
negócios immundos; para a America elle remove a sua tenda nefanda.
(ROSA, 1896, p. 21). 2
Sendo assim, conforme nos aponta Soares, a cidade da Belle Époque
trazia, em suas franjas, personagens que estavam distantes dos salões,
como foi o caso das Judias Polacas, mas que possuem sua importância na
composição do mosaico citadino, tendo em vista que são também sujeitos
construtores da história. A presença dessas mulheres, imersas na podridão
subalterna do esquecimento, não passou despercebida, uma vez que
suscitou inúmeros olhares desde os documentos produzidos pela
imigração aos relatórios de polícia, chegando à literatura por intermédio
da crônica jornalística. Sua existência, porém, era indesejada e incômoda
dentro da paisagem luxuosa da modernidade carioca. Isso é evidente na
crônica Antes de tudo, de Ferreira da Rosa, integrante do grupo de textos
que serão enfocados por este trabalho:
2
Nas citações feitas das crônicas de Ferreira da Rosa, optamos pela reprodução original de seu texto, o
que implica no uso do Português da época.
É doloroso e desagradabillissimo o trabalho de revolver
podridões. Ninguem ha que por gosto, nem mesmo simples
curiosidade, baixe da esphera sã em que vive, aos lodaçaes
pútridos em que a sociedade immerge de um lado, tranquila,
como que fazando cessão de uma parte do seu corpo,
julgando que essa se corromperá sósinha, sem comunicar-lha
a gangrena. (ROSA, 1896, p. 5) 13
3
Há um trabalho da Historiadora Beatriz Kushnir sobre o Cemitério das Judias Polacas do Rio de Janeiro,
intitulado “Nomear é conhecer: as lápides das polacas no Cemitério Israelita de Inhaúma – um relato”.
In: História, imagem e narrativas No5, ano 3, setembro/2007 – ISSN 1808-9895 -
http://www.historiaimagem.com.br. Destacamos que a Historiadora Dra. Beatriz Kushnir é grande
estudiosa do assunto acerca da história da prostituição das judias polacas e de suas Sociedades
Beneficentes de Ajuda Mútua, tendo sido a pioneira nesses estudos, com a publicação do livro “Baile de
máscaras- Mulheres judias e prostituição.”
A ideia por trás de “Polacas”, de acordo com Gruman (2006),
simbolizava a imagem das mulheres das camadas mais pobres e, em geral,
habitantes das regiões agrícolas e industrialmente atrasadas do
continente europeu. Tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, o termo
“polaca” significava a meretriz estrangeira, não necessariamente oriunda 19
da Polônia, mas dos países do Leste Europeu. O termo abrangia uma gama
de mulheres loiras vindas dos países da Europa oriental que o imaginário
popular unificava em um único rótulo. No imaginário masculino, havia
uma atração exercida, seja a polonesa, a austríaca, a russa ou a judia,
constituindo-se um imaginário voltado para a atração por regiões
distantes e de povos distintos. Segundo Margareth Rago:
4
Em 2009, o neto do autor, Carlos Ferreira da Rosa, organizou uma reedição da obra, com o auxílio de
Verena Kael e Matilde Teles, diretoras do documentário “Aquelas mulheres”, o qual aborda a temática
dessas mulheres esquecidas. O neto do jornalista produziu uma edição de apenas 100 exemplares, os
quais foram doados a bibliotecas e centros de referência, mantendo o português da época.
“Affrontando commodidades, conveniencias, odios e ingratidões,
penetrámos n’uma cidade completamente nova, Babylonia
desconhecida...”. Em seus textos, o autor registra a rotina daquela
comunidade numa escrita que reflete a visão geral da sociedade da época,
marcada por um misto de curiosidade, preconceito e espanto. Na Edição 22
formação discursiva policial, tendo em vista que, em seus textos, ele lança
mão de reportagens, casos e dados fornecidos por delegacias, citando,
inclusive, o discurso de delegados. Em texto publicado no dia 20 de Maio
de 1896, essa relação fica evidente:
Ainda que o caso pareça estar resolvido, a crônica nos deixa aberto
o suspense em relação à real identidade de Siegmond Richer. Vale lembrar
que os textos de Ferreira da Rosa foram pensados para publicações em
jornais, isto é, havia, mesmo que não de forma prioritária, a preocupação
em cativar seu público, induzindo-o a acompanhar as próximas edições de
sua coluna. Para atingir essa popularidade, nada mais frutífero que o
suspense, pois “o suspense tem uma relação bastante estreita com a
ficção popular” (LODGE, 2009, p. 24). Isso se dá no parágrafo final da
crônica, quando o leitor já imagina que tudo havia sido elucidado:
Agora outra face deste homem. Veja o publico com quanto
artificio elle pretende occultar a sua verdadeira condição.
Depois de ouvil-o modesto nas suas ambições, convicto dos
seus direitos, orgulhoso das suas virtudes, vamos observal-o
desde 1879 até à data presente, accusado por negociantes
sérios, anathematisado e descarnado por uma de suas
victimas, expulso da maçonaria brazileira, processado pelo Dr. 37
Felix da Costa, emquanto, peitando uns e illudindo outros,
elle conseguia alistar-se como nosso concidadão! (ROSA,
1896, p. 44).
Por tudo isso, Ferreira da Rosa, de fato, não está ilibado de críticas.
No entanto, o registro do desamparo em sua escrita precisa ser lembrado,
pois foi capaz de usar os poderes da palavra para dar voz às mulheres que
jamais frequentaram espetáculos ou pisaram os salões luxuosos da capital
fluminense. Portanto, almejamos, com este trabalho, contribuir para os
estudos de um autor pouco estudado na Historiografia literária e, assim,
colaborar para o escopo de pesquisas em Ciência da Literatura. Ademais, é
buscada uma compreensão mais profunda e exemplificada da realidade da
prostituição carioca à época, aliando o discurso histórico ao literário-
jornalístico na investigação da marginalização e da memória. Sendo assim,
para além desses objetivos, este projeto é, antes de tudo, a voz das
polacas emudecidas e uma homenagem às mulheres que não puderam ter
nomes, identidades, nem lápides.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRIGUCCI Jr., David. Fragmentos sobre a crônica. In: Enigma e
comentário. Ensaio sobre literatura e experiência. São Paulo. Companhia
das Letras, 1987.
RIO, João do. A alma encantadora das ruas. [Ed. Especial]. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2012.