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REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS

SOBRE FILOSOFIA, CONSTITUCIONALISMO


E DIREITOS HUMANOS
FERNANDA BUSANELLO FERREIRA
FELIPE MAGALHÃES BAMBIRRA
ARNALDO BASTOS SANTOS NETO
(ORGANIZADORES)
Prof. Ms. Gil Barreto Ribeiro (PUC GO)
Diretor Editorial
Presidente do Conselho Editorial

Prof. Ms. Cristiano S. Araujo


Assessor

Engenheira Larissa Rodrigues Ribeiro Pereira


Diretora Administrativa
Presidente da Editora

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Profa. Dra. Rosane Castilho (UEG)
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Prof. Dr. Francisco Gilson (UFT)
FERNANDA BUSANELLO FERREIRA
FELIPE MAGALHÃES BAMBIRRA
ARNALDO BASTOS SANTOS NETO
(ORGANIZADORES)

REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS
SOBRE FILOSOFIA,
CONSTITUCIONALISMO E
DIREITOS HUMANOS

Goiânia-GO
Editora Espaço Acadêmico, 2017
Copyright © 2017 by Fernanda Busanello Ferreira et al

Editora Espaço Acadêmico


Endereço: Rua do Saveiro, quadra 15 lote 22 casa 2 Jardim Atlântico
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Capa: O semeador - Van Gogh - 1888 (domínio público)

Programação Visual: Marcos Digues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


R332 Reflexões contemporâneas sobre filosofia, constitucionalismo e
direitos humanos. - Fernanda Busanello Ferreira, Felipe Magalhães
Bambirra, Arnaldo Bastos Santos Neto (orgs.). – Goiânia: / Editora
Espaço Acadêmico 2017

274 p. il. 15x21cm

ISBN:978-85-69818-61-8

1. Direitos humanos. 2. Filosofia. I. Ferreira, Fernanda Busanello


(org.). II. Bambirra, Felipe Magalhães (org.). III. Santos Neto,
Arnaldo Bastos (org.) . IV. Título.

CDU: 342.7

Arielle Lopes de Almeida CRB1/2785


Bibliotecária da PUC Goiás

DIREITOS RESERVADOS

É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem
a autorização prévia e por escrito da autora. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98)
é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2017
5

AUTORES

Adriana Inomata (Universidade Positivo)


Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelas Faculdades In-
tegradas do Brasil (Unibrasil). Professora de Direito Constitucional da
Universidade Positivo e da Faculdade Estácio de Sá.

Angela Couto Machado Fonseca (UFPR)


Professora da UFPR. Doutora em Filosofia do Direito, Mestre em Filo-
sofia, Bacharel em Direito e Bacharel em Filosofia.

Candice Martins Bertaso (URI/Santo Ângelo)


Mestre em Direito pela Universidade do Alto Uruguai e das Missões
(URI/Santo Ângelo). Graduada em Direito pela Universidade de Cruz
Alta (UNICRUZ). Especialista em Direito Civil e os Novos Rumos do
Processo Civil pela URI/Santo Ângelo. Publica nesse livro junto à Profa.
Dra. Fernanda Busanello Ferreira

Carolina Meire de Faria (UFMG)


Mestranda em Filosofia (UFMG), advogada, especialista em Direito
Constitucional (IDDE). Publica nesse livro junto ao Prof. Dr. Felipe
Magalhães Bambirra
6

Fabiana de Almeida Maia Santos (UFRJ)


Mestra em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Espe-
cialista em Gestão de organizações do Terceiro Setor e em Direito Cons-
titucional e Docência em Ensino Superior pela UNESA. Pesquisadora
da Fundação Getúlio Vargas (FGV- Rio) e do grupo Novas Perspectivas
em Jurisdição Constitucional – UNESA. Advogada. Publica nesse livro
junto ao Prof. Dr. José Ribas Vieira

Felipe Magalhães Bambirra (UFG/ALFA)


Mestre e Doutor em Direito (UFMG). Pós-doutorando no Programa de
Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (UFG). Profes-
sor na Universidade Federal de Goiás e Faculdades Alves Faria (GO).

Fernanda Busanello Ferreira (UFG)


Pós-Doutora em Direitos Humanos pelo PPGIDH/UFG. Doutora em
Direito pela UFPR. Professora do PPIGDH/UFG e do Curso de Direito
da UFG/REJ.

Gabriel Lima Marques (UFRJ)


Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bacha-
rel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesqui-
sador do Observatório da Justiça Brasileira – OJB, Projeto/CNJ, grupo
UFRJ. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - CAPES. Advogado. Publica nesse livro junto ao Prof. Dr. José
Ribas Vieira

Igor Suzano Machado (UFES)


Doutor em Sociologia. Professor Adjunto do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo.

José Ribas Vieira (UFRJ)


Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Montpelier I e Doutor em
Direito pela UFRJ. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação
7

da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Coordenador do Ob-


servatório da Justiça Brasileira – OJB.Liziane Bainy Velasco (FURG)
Mestranda em Direito e Justiça Social pela FURB. Foi bolsista de
Ensino, Pesquisa, Extensão e Monitoria da FURG, publica nesse livro
junto à profa. Dra. Raquel Sparemberger

Marilson Santana (UFRJ)


Professor Assistente da Faculdade Nacional de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro- FND/UFRJ. Doutor em Ciências Sociais pela
PUC-RJ. Mestre em Direito e Estado pela UnB. Graduado pela Faculda-
de de Direito da Bahia (UFBA).

Rafael Bezerra de Souza (UFRJ)


Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
Pesquisador do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o
Comportamento das Instituições (LETACI/FND/UFRJ). Servidor do
Ministério Público do Estado de Pernambuco. Bacharel em Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Publica nesse livro junto
ao Prof. Dr. José Ribas Vieira

Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (FURG)


Pós-Doutora em Direito pela UFSC, Doutora em Direito pela UFPR,
professora adjunta do Programa de Mestrado em Direito e do Curso
de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Rio Grande-FURG. Professora do Mestrado em Direito da Fundação
Escola Superior do Ministério Público- FMP. Professora visitante na
FURB-Blumenau. Coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre o Cons-
titucionalismo latino-americano e decolonialidade da FURG e do IMI-
gracidadania da Furg. Professora Pesquisadora do CNPq e FAPERGS.

Safira Orçatto Merelles do Prado (Universidade Positivo)


Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná.
Especialista em Direito Processual Civil pela PUC PR e em Direito
8

Administrativo pelo Instituto Romeu Bacellar. Integrante do Conselho


Editorial da Revista Direito do Estado em Debate, da Procuradoria
Geral do Estado do Paraná. Integrante do Conselho Editorial da Revista
de Direito Administrativo. Professora de Direito Administrativo
na graduação do Centro Universitário Internacional - UNINTER.
Professora de Direito Constitucional nos cursos de Pós-Graduação da
Universidade Positivo. Instrutora de cursos voltados à Administração
Pública e advogada administrativista militante.

Sérgio Bocayuva Tavares de Oliveira Dias (UFRJ)


Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Juiz Fe-
deral Substituto na Subseção de Volta Redonda. Bacharel em Direito
pela Universidade Federal do Mato Grosso. Publica nesse livro junto ao
Prof. Dr. José Ribas Vieira
9

APRESENTAÇÃO

“O SEMEADOR”

A obra de Van Gogh que ilustra a capa deste livro, denominada “O


semeador”, é uma das oito releituras, feita pelo gênio pós-impres-
sionista, do quadro homônimo de Jean-François Millet1, precursor do
realismo. Um dos motivos para o pintor holandês admirar a obra de
Millet, foi por visualizar nela uma imagem de esperança. “O semeador
surge no final da série de colheitas e tal como na realidade, ele semeia a
terra. Depois dos campos estarem limpos e desocupados ele a ceifa pre-
parando-a para o novo plantio” 2, referem Walther e Metzger a respeito
das obras.
A pintura faz parte do período em que Van Gogh muda-se para
Arles, no sul da França, em 1888, a fim de montar uma casa que abri-
garia vários pintores (a casa amarela), o que nunca se concretizou, pois
apenas Paul Gauguin mudou-se para o local.
O quadro coloca em evidência um sol muito amarelo, incapaz,
porém, de clarear a figura do sofrido semeador, o qual pacientemen-
te joga sementes na terra com a esperança de fecundarem. A solidão e
isolamento do semeador também chamam a atenção na obra, que ainda
retrata o homem como um ser inserido na natureza, dela fazendo parte.
Cada um dos autores desse livro, igualmente, vem semeando seus
trabalhos com a esperança de acolhida em terreno fértil. Queremos des-
tacar que o leitor também poderá encontrar aproximações da obra de

1 BRIAN, Petrie. Obras Primas de Van Gogh. Lisboa, Verbo, 1974, p. 17.
2 WALTHER, Ingo F.; METZGER, Rainer. Vincent Van Gogh: obra completa de pintura. Trad.
Sandra de Oliveira. Lisboa:Taschen, 1996, p. 360.
10

Van Gogh com os textos selecionados. Que eles iluminem, de alguma


maneira, campos fecundos e permitam mais semeadores plantar, nos
mais diversos solos, e cresçam cheios de vida brotos advindos das re-
flexões sobre filosofia, constitucionalismo e direitos humanos que apre-
sentamos nesse modesto livro.
Não podemos, por fim, deixar de referir e agradecer àqueles que
“limparam o terreno” para que esse livro se desenvolvesse. Foi de fun-
damental importância a ajuda dos bolsistas Júlio César Bellini (PIBIC)
e Roniel Paniago Lima (PIVIC) do Grupo de Pesquisa Fundamentos do
Direito, da UFG/Jataí. Nossos agradecimentos a todos os autores que,
como nós, visualizam, nos campos de conhecimentos que permeiam o
livro, um raio de esperança, tal qual o que motivou Van Gogh ao pro-
duzir as releituras do semeador. Que plantios vindouros renovem estes
ideais.

Os organizadores
11

SUMÁRIO

15 PREFÁCIO
INDICADORES DA TRAJETÓRIA DA CONSTRUÇÃO DO
BINÔMIO DIREITOS HUMANOS E CONSTITUCIONALIS-
MO: ENTRE THEMIS E ADRASTÉIA
Alexandre Walmott Borges

21 VITA ACTIVA, AÇÃO E SUA RELAÇÃO COM A PHRONESIS:


UMA LEITURA DE HANNAH ARENDT E ARISTÓTELES
Angela Couto Machado Fonseca

39 LÓGICA, REALIDADE E HISTÓRIA: REFLEXÕES SOBRE O


DIREITO E OS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA FILO-
SOFIA DO DIREITO DE HEGEL
Felipe Magalhães Bambirra

59 A GROTESCA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS NA


MODERNIDADE E A MEDIAÇÃO COMO DIREITO DO FU-
TURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT
Fernanda Busanello Ferreira
Candice Nunes Bertaso
12

77 DISPUTAS POLÍTICAS, AÇÕES JUDICIAIS E DIREITOS


HUMANOS SOB A ÓTICA DA FILOSOFIA POLÍTICA CON-
TEMPORÂNEA: A TEORIA E A PRÁTICA DA IDEIA DE JUS-
TIÇA NO BRASIL
Igor Suzano Machado

105 NEPOTISMO NO BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA DA SÚMULA


VINCULANTE Nº 13 À LUZ DA TEORIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Adriana Inomata

137 IMPASSES E ALTERNATIVAS EM 200 ANOS DE CONSTITU-


CIONALISMO LATINO-AMERICANO
José Ribas Vieira
Fabiana de Almeida Maia Santos
Gabriel Lima Marques
Rafael Bezerra de Souza
Sérgio Bocayuva Tavares de Oliveira Dias

163 O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL:


UMA ANÁLISE DO CASO ELLWANGER
Carolina Meire de Faria
Felipe Magalhães Bambirra

187 CONCEPÇÕES DE CIDADANIA E TENSÕES CONTEMPO-


RÂNEAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: UMA INTRO-
DUÇÃO À TEMÁTICA
Fernanda Busanello Ferreira

223 A CIDADANIA NA AMÉRICA LATINA: UM OLHAR PARA


AS NOVAS PRÁTICAS EMANCIPATÓRIAS
Liziane Bainy Velasco
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
13

245 A TOMADA DE CONSCIÊNCIA DAS VÍTIMAS NA AMÉRI-


CA LATINA: DO DESCOBRIMENTO AO NEOLIBERALIS-
MO.
Safira Orçatto Merelles do Prado

259 O DIREITO DOS QUILOMBOLAS, ETNICIDADE E O CONS-


TITUCIONALISMO EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
Marilson Santana
163

O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO
CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO
ELLWANGER

Felipe Magalhães Bambirra1


Carolina Meire de Faria2

1. INTRODUÇÃO

A lei pode ser entendida como símbolo, elemento capaz de me-


diar a relação entre sujeito e realidade, linguagem que é, e figura ao lado
da religião, da moral, dos costumes, dentre outros âmbitos dos quais
emerge normatividade, como parte incindível do ethos e da cultura3. O
que se almeja, neste trabalho, é elaborar um discurso racional sobre este
espaço simbólico4, tendo em vista especificamente os aspectos funcio-
nais da norma jurídica.
A partir dos estudos de Kindermann e Neves, pretende-se pre-
cisar determinadas funções simbólicas que a norma pode exercer, para
além de sua função jurídica, seja no momento de elaboração legal ou
1 Mestre e Doutor em Direito (UFMG). Professor no Programa de Pós-Graduação Interdisci-
plinar em Direitos Humanos (UFG) e nas Faculdades Alves Faria (GO). E-mail: fmbambirra@
gmail.com.
2 Advogada, especialista em Direito Constitucional (IDDE), mestranda em Filosofia (UFMG).
E-mail: carolinameirefaria@gmail.com.
3 “Afirmar que o ethos é co-extensivo à cultura significa afirmar a natureza essencialmente axio-
gênica da ação humana, seja como agir propriamente dito (práxis), seja como fazer (poíesis)”,
cf. LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Ética & Direito. São Paulo: Loyola, 2002, p. 33.
4 LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura. São Paulo:
Loyola. 1997, p. 94.
164 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

constitucional, seja propriamente durante a aplicação da lei pelo Poder


Judiciário, é dizer, no julgamento.
Assim, buscar-se-á salientar as diferenças entre um simbolismo
legal e um simbolismo constitucional para, em seguida, analisar, em
um caso específico – o julgamento de Ellwanger, em que houve Reper-
cussão Geral reconhecida, ou seja, entendeu-se ser temática de especial
relevância jurídica, política, social ou econômica – o discurso utilizado
para aplicação da norma no plano concreto, destacando-se os elementos
que permitem perceber a sua função simbólica, quiçá em detrimento da
aplicação jurídico-normativa.

2. DA LEGISLAÇÃO À CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA

A palavra símbolo possui ampla dispersão semântica, e a sua uti-


lização em campos epistemológicos diversos – como a psicanálise, filo-
sofia, antropologia e linguística – tende a aumentar a sua plurivocidade,
o que pode vir a dificultar o rigor discursivo5. De um modo geral, e utili-
zando-se da linguagem comum, corrente, pode-se adotar uma definição
segundo a qual símbolo será todo e qualquer elemento capaz de trans-
mitir um significado6, em regra com o objetivo de se fazer compreender,
de forma imediata ou não7, uma visão sobre a realidade. São símbolos,
assim, sinais, imagens, gestos, pinturas, ações, textos etc, desde que car-
regado de significado para o seu destinatário.
O sentido que se utilizará neste trabalho, entretanto, é diverso. A
lei é sem dúvida um símbolo, pois se compõe de textos, falas, sinais etc.,

5 C.f. crítica de Umberto Eco às inúmeras classificações à respeito do símbolo e do signo utili-
zadas pelas mais diversas ciências em ECO, Umberto. Semiótica e filosofia da linguagem. Trad.
Mariarosaria Fabris e José Luiz Fiorin. São Paulo: Ática, 1991.
6 Geertz apud FERNANDES, Gabriela da Silva Ramos. A relação entre poder político e sím-
bolos: uma questão de estratégia. Anais do XV encontro regional de história da Associação
Nacional de História. ANPUH: Rio de Janeiro, 2012, p. 3. Disponível em: <http://www.en-
contro2012.rj.anpuh.org/resources/anais/15/1338410115_ARQUIVO_TextoAnpuhparapu-
blicacao.pdf>. Acesso em 09 de junho de 2016.
7 Cf. sentido de latência nas obras de Psicanálise e Psicologia, para melhores aprofundamentos.
BOCK, Ana Maria Mercês Bahia. FURTADO, Odair. TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 165
ELLWANGER

que objetivam, numa perspectiva jusfilosófica, a hierarquização de va-


lores (bens jurídicos) e a regulamentação da ação humana segundo esta
hierarquização, ou até mesmo rede de decisões sobre a práxis humana.
Em sentido técnico-jurídico, a lei – ou a norma – busca regular a ex-
pectativa da expectativa, ou seja, o que os demais podem legitimamente
esperar do comportamento do outro, tendo o direito como parâmetro
regulatório.
Quando se fala de uma legislação simbólica, entretanto, deseja-se,
aqui, ressaltar uma característica determinada em relação à função que
a norma-símbolo exerce. Ao invés de efetivamente pretender regular ex-
pectativas, ela acaba exercendo função diversa, não propriamente afeta
ao sistema jurídico, e, geralmente, ligada ao campo da política, que assu-
me o primeiro plano, de forma mais expressivas que a sua juridicidade.
A legislação simbólica

aponta para o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se


refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade
legiferante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento
da função jurídico-instrumental8.

Desta maneira, afirma-se que determinada lei possui apenas uma


função simbólica quando esvaziada de seu caráter instrumental-jurídi-
co, é dizer, o que está ‘subentendido’ prevalece em relação à objetivida-
de, escrita ou falada. Para se ter em conta este caráter simbólico, é ne-
cessária a análise metódica, consistente em se avaliar os efeitos práticos
que uma lei desempenha em determinada sociedade. Se há uma sobre-
posição do caráter jurídico-normativo das leis pelo politico-simbólico,
estaremos diante de um caso de legislação simbólica, mesmo que em
um primeiro momento este efeito não se faça expresso9.
As constituições são locus privilegiado para a análise do “gêne-
ro” legislação simbólica, pois suas normas apresentam, funções latentes
8 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p.
23.
9 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 30.
166 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

- de natureza político-simbólica – por vezes mais fortes, do ponto de


vista social, que a sua função normativo-jurídica - reguladora de rela-
ções de força coercitiva10. Dentre as principais características da norma
constitucional, pode-se destacar a sua textura aberta, que lhe permite
funcionar como vetor interpretativo e horizonte para as demais nor-
mas infraconstitucionais e infralegais. Interessante exemplo é o art. 7º
da CF/88, que contem parte significativa dos direitos fundamentais de
cunho social, relativos ao trabalhador. Revelam um alto grau simbóli-
co de valores retores da sociedade brasileira. São, além de norma cuja
garantia se espera ver transmudada em eficácia social, também parte
da constelação axiológica, política e social que representa, ou preten-
dem representar a sociedade brasileira. Sua juridicidade constitucional
é inegável, contudo, analisada apenas no nível social-pragmático, perce-
bemos que há uma ausência de concretude a seus dispositivos – seja em
relação ao salário mínimo, à segurança do trabalho e mesmo em relação
ao trabalho infantil – uma vez que são necessários atos posteriores – le-
gislativos e executivos (políticas públicas) – imprescindíveis à sua plena
satisfação. Nada obstante, visto da perspectiva simbólica, os valores e di-
retrizes ali consagrados são da maior importância, e certamente levados
em consideração na tomada de decisão governamental.
Há constitucionalização e constituição simbólica quando esta-
mos diante da ausência ou enfraquecimento da função jurídico-norma-
tiva da constituição, e, como efeito colateral, assiste-se à “hipertrofia da
função político-simbólico”11.
Nada obstante a identidade de função legislação e constituição-
simbólica, seus efeitos práticos serão mais profundos e abrangentes,
pois a constituição, principalmente a constituição brasileira, de caráter
dirigente, buscar corresponder às expectativas e exigências de um povo
carente de direitos, sejam eles de cunho liberal ou social. Adota-se e
incorpora-se determinado discurso, mas não se sabe se há efetivamente
condições de possibilidade de cumprir as promessas feitas.

10 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 29.


11 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 96.
O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 167
ELLWANGER

As peculiaridades do simbolismo constitucional provocam efei-


tos concretos no mundo prático, podem, de um lado, ser inspiração
para o exercício de cada um dos poderes – legislar, executar e julgar – e,
assim, concorrer para a efetividade normativa. Contudo, esta não pode
ser a única característica da lei ou Constituição, pois isso resultaria na
ameaça de eliminação, por substituição, de juízos normativos por juízos
morais, abrindo espaço para a arbitrariedade.
Kindermann12, de modo categorial, especificou algumas hipó-
teses de função político-simbólico latente da norma – as quais Neves
reconheceu presente também nas Constituições13 – que geralmente con-
vivem com a sua baixa eficácia jurídica: 1) a lei ou constituição existe
para confirmar valores sociais com prevalência à normatividade; ou 2) a
norma serve para demonstrar a capacidade de ação do Estado; e, ainda,
3) pode a lei ou a constituição ‘adiar a solução de conflitos sociais atra-
vés de compromissos dilatórios’14.
Examinaremos, no próximo tópico, cada uma das categorias
elencadas com maiores detalhes.

2.2. FUNÇÕES DA LEGISLAÇÃO E CONSTITUICIONALIZAÇÃO


SIMBÓLICAS

2.2.1. Prevalência de valores sociais

A perspectiva social ocorre quando a eficácia jurídica não tem


tanta importância quanto a eficácia valorativa. Opera como um instru-
mento de rotulação de grupos, geralmente defensores de valores ou pro-
posições opostas, utilizando o resultado da discussão legislativa como
reafirmação de uma identidade, reforçando a imagem do grupo vitorio-
so. O embate é, portanto, meramente valorativo ou sociológico, confor-
me afirma Gusfield15, que analisou tal fenômeno no período da lei seca
12 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 29.
13 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 29.
14 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 33.
15 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 33-34.
168 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

nos Estados Unidos, de 1920-1933. Ele demonstrou que a lei seca não
surge para garantir eficácia normativamente, nem para regular condutas
– efetivamente proibir a vende e uso de álcool – mas como proposta de
glorificação de um grupo em detrimento de outro. Ou seja, a afirmação
do valor do nativo protestante, contra o valor do grupo do imigrante
católico, que tinha o habito de beber álcool. O resultado foi o rótulo e a
separação dos dois grupos, acentuando suas diferenças, elemento forte
que permeou a visão que os nacionais americanos tinham do imigrante
até algumas décadas atrás.
Geralmente, tais casos podem ser observados em assuntos de
complexidade temática legislativa. No Brasil, percebemos tal fato, de
forma análoga, nas hermenêuticas das esferas religiosas e em seus corre-
lativos contrários nos temas das pautas complexas como: células tronco,
aborto, união homoafetiva, dentre outras16. É perceptível que o valor de
uma escolha como essa altera não só a conduta social, mas afeta direta-
mente o modo como os dogmas e a percepção identitária de grupos no
contexto coletivo: como glória ou padecimento valorativo perante a lei
e a sociedade.
A escolha, obviamente, gera efeitos no mundo jurídico, porém, a
discussão que o tema gera, e que a lei revela, está para além da legítima
regulação de expectativas.

2.2.2. Capacidade de ação pelo Estado

Nesta hipótese, o Estado, motivado por um apelo popular, preci-

16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Distrito Federal. Procurador Geral da República e Pre-
sidente da República, Congresso Nacional. Acórdão n. ADI 3510. Relator: Min. Ayres Britto.
Tribunal Pleno. Data da decisão: 29/05/2008. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/pagina-
dorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723> Acesso em 26 de junho de 2016; BRA-
SIL. Supremo Tribunal Federal. Distrito Federal. Confederação Nacional dos Trabalhadores na
saúde- CNTS e Presidente da República. Acórdão n. ADPF 54. Relator: Min. Marco Aurélio.
Tribunal Pleno. Data da decisão: 12/04/2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/pagina-
dorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334> Acesso em 26 de junho de 2016. BRA-
SIL; Supremo Tribunal Federal. Estado do Rio de Janeiro. Governador do Estado do Rio de
Janeiro. Acórdão n. ADPF 132. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. Data da decisão:
05/05/2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=A-
C&docID=628633> Acesso em 26 de junho de 2016.
O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 169
ELLWANGER

sa agir diante de uma situação de desconforto ou emergência, fruto de


ineficácia normativa. Cria-se uma lei álibi17, que pode estar ancorada na
esfera legislativa ou administrativa, para afastar críticas de falhas estru-
turais, reforçando-se a confiança na figura estatal.
Tal foi o caso do princípio da celeridade processual, constitucio-
nalizado com a Emenda nº 45/2004. O direito a um procedimento célere
já é garantido constitucionalmente, sendo absolutamente desnecessária,
do ponto de vista técnico-jurídico, a criação de uma reforma constitu-
cional, adicionando-se uma garantia fundamental ao rol do art. 5º, para
esta finalidade. Ademais, pode ser observado que, não raro, quando se
observa uma falha na concretização e fruição de direitos, e clama-se
pela atuação estatal para a correção do problema, a saída da reforma
legislativa é reivindicada – como em relação à criminalidade e dimi-
nuição da menoridade penal. Trata-se, em suma, de álibi criado para se
justificar a não efetividade do sistema normativo já posto, como se ele
não fosse adequado à resolução da questão.
O Estado se investe de poderes para que possa realizar o seu fim,
juridicamente estabelecido, qual seja, dar concreção ao direito de modo
pleno, fazer valer a norma democraticamente forjada, utilizando-se de
inúmeros recursos postos a sua disposição. Apontar para a falha na nor-
ma em-si significa criar um pretexto para se eximir da efetivação do di-
reito, que, no mais das vezes, é falho no plano concreto por razões estru-
turais profundas, como falta de vontade e conflitos políticos, problemas
de prioridade na alocação dos recursos disponíveis, incapacidade para
agir, e até mesmo falta de conhecimento do que pode realmente ser feito
para se equacionar a questão.

2.2.3. Compromissos dilatórios pelo Estado

Além de reafirmar valores de grupos, ou se eximir da obrigação


de garantir efetividade à norma, poderá ainda o Estado, por meio da

17 KINDERMANN, Harald, apud NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 36.


170 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

legislação simbólica, firmar compromissos18 através da lei, para discutir


futuramente problemas sociais que ainda não quer, ou não é capaz de
solucionar.
A lei é criada, nesses casos, sem se observar a estrutura cor-
respondente que lhe garantirá efetividade, funcionando apenas como
resposta à alguma deficiência, não possuindo efeitos no mundo jurí-
dico-normativo, nem social. Geralmente, surge quando não há possi-
bilidade de harmonização entre direitos políticos diferentes. Porém,
diversamente do que ocorre com a confirmação de valores de grupos,
não há, aqui, a figura do vencido, pois o efeito que a norma produzirá
é nulo, enquanto naquele caso, o valor do grupo norteará os efeitos
sociais e jurídicos.
Um exemplo típico de compromissos dilatórios feitos pelo Esta-
do através de ato legislativo encontra-se na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, documento que, embora possua caráter de soft law,
com baixa vinculatividade normativa, constitui-se como marco para os
direitos humanos e inspiração para a criação de normas de efeitos ju-
rídico-normativo. A Declaração não possui, por si só, obrigatoriedade
jurídica, nem eleva direitos de grupos, mas por demonstrar a intenção
de proteção dos direitos humanos, há uma elevação de seu status de
efetividade extranormativa e social, revelando-se altamente simbólica.

3. JULGAMENTO CONSTITUCIONAL SIMBÓLICO: ESTUDO


DO CASO SIEGFRIED ELLWANGER

Do mesmo modo que se pode destacar uma função simbólica no


âmbito legislativo e constitucional, também é possível, na esfera de atua-
ção do Poder Judiciário, principalmente quando se trata da Suprema
Corte – uma das vozes que comporão o discurso no plano do acopla-
mento estrutural entre Direito e Política, verificado na Constituição –
identificar julgamentos com alta carga de simbolismo, até mesmo exer-
cendo as funções apresentadas no último capítulo.

18 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 41.


O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 171
ELLWANGER

Como proposta de análise, selecionamos, como representativo


desta questão, o caso Seiegfried Ellwanger, cuja Repercussão Geral fora
conhecida devido ao caráter de relevância jurídica, social política19. O
caso adotado é o discutido no Habeas Corpus n. 82.42420 impetrado
junto ao STF em 2002, e com repercussão midiática internacional, por
abordar conflito entre a liberdade de expressão versus preconceito/ra-
cismo.
Antes de iniciar a discussão será necessário, porém, traçar um
breve histórico do caso21.

3.1. RESUMO DO CASO ELLWANGER

Em novembro de 1991, o Ministério Publico Estadual – e os


assistentes de acusação, a Federação Israelita do Rio Grande do Sul e um
membro do movimento popular antirracismo – ofereceu a denuncia
contra Siegfried Ellwanger, alegando que este, na condição de editor e
sócio da Revisão Editora Ltda, incitava conteúdos literários antissemita
e discriminatório. As obras a que se referiam na denúncia eram aquelas
em que Ellwanger atuava como editor, ou escritor: O judeu internacio-
nal, de Henry Ford; A história secreta do Brasil, volume 1 e Brasil: colô-
nia de banqueiros, ambos de Gustavo Barroso; Os protocolos dos sábios
de Sião, de Gustavo Barroso; Hitler: culpado ou inocente? de Sérgio Oli-
veira; Os conquistadores do mundo: os verdadeiros criminosos de guerra,

19 Cf. verbete Repercussão Geral in BRASIL. Glossário Jurídico do Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=R&id=451>.
Acesso em: 06 de julho de 2016.
20 Optamos, em todas as citações relativas ao HC 82.242/RS, em referenciar o número de página
como a página do arquivo eletrônico (PDF) disponível no sítio do STF, conforme link infor-
mado. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rio Grande do Sul. Habeas Corpus n.82.424/RS.
Relator: Min. Maurício Correa. Tribunal Pleno. Data da decisão: 17/09/2003. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79052>. Acesso em
27 de maio de 2016.
21 PINHEIRO, Douglas Antonio Rocha.As margens do caso Ellwanger: visão conspiracionista da
História, ecos tardios do integralismo e judicialização do passado.2013. 281 fl.Tese (Doutorado
em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de Brasilia, Brasília. Disponível em: <repo-
sitorio.unb.br/bitstream/10482/13810/1/2013_DouglasAnt%C3%B4nioRochaPinheiro.pdf>
Acesso em 26 de fevereiro de 2017.
172 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

de Louis Marschalko e Holocausto: judeu ou alemão? Nos bastidores da


mentira do século22, de autoria de Siegfried Ellwanger.
Quatro anos depois, ou seja, em 1995, a decisão da juíza substi-
tuta da 8ª Vara Criminal de Porto Alegre, entendeu pela absolvição de
Ellwanger, fundamentando a sentença na liberdade de expressão, re-
conhecendo que as obras em questão tratavam de uma revisão históri-
ca do Holocausto. O Ministério Público não se manifestou a respeito,
cabendo a inconformidade aos assistentes de acusação, que levaram
o pleito através da apelação ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul (TJRS). Este tribunal, por sua vez, reformou a decisão um ano de-
pois, condenando Ellwanger a dois anos de reclusão, com suspensão
condicional, incurso nas penas de induzimento e prática de racismo
(Lei 7.716/89, art. 20, com redação dada pela Lei 8081/90)23, ressal-
tando que se trata de crime imprescritível e inafiançável (art. 5º, XLII
da CF/88). A defesa de Ellwanger tentou reverter a decisão por meio
de Recurso Extraordinário, cujo prosseguimento foi negado. Assim, o
Habeas Corpus de n. 15.155 foi interposto junto ao Superior Tribunal
de Justiça em 2000, tendo como fundamentação o afastamento do cri-
me de racismo aplicado, com base no caput do art. 20 da Lei 7.716/89,
com redação dada pela Lei nº 8.081/90, uma vez que o dispositivo
foi criado para atender aos crimes de racismo contra negros, e, além
disso, os judeus não seriam considerados pela Antropologia (e pelos
próprios judeus em geral) como raça, tese não acolhida pelo STJ. Se-
gundo PINHEIRO,

A intenção concreta de tal argumentação era desconstituir


o caráter imprescritível do ato praticado por Ellwanger e,
por consequência, extinguir sua punibilidade. Afinal, entre a
oferta da denúncia e o acórdão condenatório do Tribunal de

22 BRASIL. Estado do Rio Grande do Sul. Oitava Vara Criminal de Porto Alegre. Autos do pro-
cesso crime comum n. 01391013255/5947. Autor: Ministério Público Estadual. Réu: Siegfried
Ellwanger. Porto Alegre, 1991, in: PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger... cit., p. 2-3.
23 BRASIL. Lei n. 7.716 de 05 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito
de raça ou cor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm>. Acesso
em: 27 de junho de 2016.
O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 173
ELLWANGER

Justiça haviam transcorrido mais de quatro anos e onze me-


ses. Assim, a princípio, a condenação em dois anos ensejaria
a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da
pena em concreto – benefício inviabilizado quando os atos
praticados por Ellwanger foram tipificados como racismo24.

Contudo, foram vencedores os votos contrários à concessão do


Habeas Corpus, pelo mesmo entendimento proferido em sede recursal
do TJRS. Em seguida, foi impetrado o Habeas Corpus de n. 82.426 em
2002, que inicialmente fora acatado pelo ministro-relator, à época, Mi-
nistro Moreira Alves, quem, observando a fundamentação da defesa,
extinguiu a punibilidade de Ellwanger. Mais tarde, porém, houve o voto
divergente do Ministro Mauricio Correa, relator posterior do caso de
repercussão geral. A posição da Corte não foi unânime, havendo uma
divergência de três votos favoráveis à concessão do Habeas Corpus con-
tra oito, negando-o.
Para deixar claro, o tipo penal incriminador possuía a seguinte
redação:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comu-


nicação social ou por publicação de qualquer natureza, a
discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou
procedência nacional.
Pena: reclusão de dois a cinco anos.

O foco da discussão se deu, como demonstrado abaixo, se a hi-


pótese de prática, induzimento ou incitação de discriminação ou pre-
conceito por religião (judaica) seria também considerado crime de “ra-
cismo”, que é imprescritível, de acordo com a Constituição Federal, e,
ainda, se seria possível discriminação em razão de “raça” aos judeus, que
é um povo cujo elo conjuntivo se dá, sobretudo, em razão de uma crença
religiosa – e não por outros elementos, como o étnico.

24 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p. 20.


174 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

3.2. ANÁLISE DOS VOTOS

Segundo PINHEIRO, ao nos atentarmos à ementa do Acórdão,


o qual contém toda uma síntese de um debate extenso de mais de 500
páginas – percebemos duas palavras nada ingênuas e muito reveladoras
do caso em questão, são elas “fatos históricos incontroversos” e “conse-
qüências históricas dos atos em que se baseiam”:

tais indícios parecem apontar para uma tentativa judicial ou


de definição do que seja uma pesquisa histórica, ou de restri-
ção da maneira como o historiador pode metodologicamente
lidar com o seu ofício – problemas que motivam a presente
investigação25.

Ou seja, segundo o autor, esses indicativos parecem ressaltar um


tipo de apropriação por parte do STF do que seria a “metodologia ade-
quada à pesquisa histórica, quanto a narrativa dita incontroversa de fatos
passados”26. E, portanto, para além do debate jurídico sobre o alcance de
um delito tal como o racismo. PINHEIRO, em elaborado estudo sobre as
ligações políticas que orbitaram esse caso, destaca o tumulto documental
em primeira instância27, o modo como o dito revisionismo das obras se
aproximou do nazismo durante o desenvolvimento das teses processuais28,
e, por fim, como as ligações dos amicus curie29 aos autores dos livros ditos
antissemitas30 influenciaram a formulação dos votos dos ministros.

3.2.1. Votos contrários à concessão do Habeas Corpus

O Ministro Maurício Corrêa apontou que o termo racismo não

25 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p.22-23.


26 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p.23.
27 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit.,p.105.
28 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p. 106.
29 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS….cit., p. 359.
30 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger..., cit., p. 25-26.
O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 175
ELLWANGER

pode apenas ser qualificado a partir de um critério biológico e com a


definição do mapeamento do genoma humano, a sustentar que, cien-
tificamente, não existem distinções entre os homens31, uma vez que “a
divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo político-
social originado da intolerância dos homens.”32 Salientou o contexto do
nacional-socialismo33, indicando que por que, nesse momento, os ju-
deus foram tratados como uma raça, e entendeu que o antissemitismo é
uma forma de racismo34, concluindo, por fim, que, “pregar a restauração
dessa doutrina, ainda que por vezes sob o disfarce do ‘revisionismo’….é
praticar racismo”35 Indicou ainda a posição dos tratados internacio-
nais sobre a temática racista, salientando a posição nacional de repúdio
sobre as políticas de segregação.36 Entendendo configurado o crime de
racismo, denegou a concessão de Habeas Corpus.
Em certa medida, os votos contra o remédio constitucional que
se seguiram adotaram a argumentação presente no exaustivo voto do
Ministro Maurício Correa, e utilizam-se de fundamentação bastante
semelhante37, variando vez ou outra o dispositivo legal utilizado, ou in-
cluindo alguma tese breve sobre a ponderação entre direitos fundamen-
tais38 e os limites da liberdade de expressão39.

3.2.2. Votos a favor da concessão do Habeas Corpus

O Habeas Corpus teve apenas como fim, segundo o relator ori-


ginário, Ministro Moreira Alves, discutir o delito de discriminação ou
preconceito, e, portanto, questionar o alcance do tipo penal previsto no

31 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 233-235.


32 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.235.
33 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.238-242.
34 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.244.
35 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.244.
36 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 248-252.
37 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 230, 309-324, 352-362, 366-424, 425-431, 432.
38 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 307, 333,345.
39 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 303-304, 363.
176 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

art. 20 da Lei 8.801/90 e a sua imprescritibilidade. Acolhida a tese de


que a imprescritibilidade do crime de racismo previsto na constituição
seria mais restrito, não englobando preconceitos oriundos de religião ou
afinidades políticas, por exemplo, diante do lapso temporal, ocorreria a
prescrição e em consequência, a extinção da pena para o paciente40.
A argumentação do voto foi no sentido de que nem todas as con-
dutas previstas como discriminação e preconceito, nestas leis, são consi-
deradas racismo e, portanto, seriam imprescritíveis41, não cabendo “[à]
legislação ordinária dar o entendimento que lhe aprouver sobre o signi-
ficado de ‘racismo’”42 mas tão somente tipificar as condutas e quantificar
a pena para estes casos. Não caberia a extensão da imprescritibilidade
para delitos que não foram expressos como tal pelo legislador, obede-
cendo-se a exegese constitucional.43Assim, o ponto central seria deter-
minar o alcance da expressão racismo. Segundo o Ministro, os judeus
não são uma raça, e os autores-judeus se consideram “um povo com
desenvolvida civilização religiosa. Somos comunidade com religião no
seu núcleo essencial”44. “Há judeus negros, brancos, de nacionalidades
diversas”. Se não pertencem a uma raça, pode haver o crime de discri-
minação contra eles, mas isso não significa que seja racismo45, que é im-
prescritível. Defendeu, ainda, que o elemento histórico é essencial à in-
terpretação deste dispositivo legal, sendo certo que o constituinte estava
se referindo à discriminação feita contra os negros.46 Assim, considerou
o crime prescrito, diante do recebimento da denuncia em 14/11/91 e o
acórdão que reformou a sentença absolutória em 31/10/96, decorrendo
assim, mais de quatro anos, concedeu ao final, o Habeas Corpus.
O Ministro Carlos Ayres Britto, pela análise do art.5º, XLLI, ‘d’,
da CF/88, realizou uma distinção de conduta do tipo penal, salientando

40 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 209.


41 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 210.
42 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 209-210.
43 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 270-275.
44 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 219.
45 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 215-216.
46 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 211-215.
O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 177
ELLWANGER

que “induzimento e incitação não passam de formas de prática” e que


o ato de publicação e divulgação de um livro47 se encerra no campo da
reflexão48. Caso houvesse a aproximação do delito pela redação da Lei
n. 8.081/90, que proíbe as formas de comercialização de livros, deveria
ser aplicado o §2º do art. 654 do CPP, uma vez que tal lei não existia à
época da denúncia e por isso não deveria ser aplicada ao caso.49 Não vis-
lumbrou incitamento a práticas a partir do conteúdo dos livros referidos
nos autos50, efetivamente afirmando que leu alguns deles, mas não todos
(pois não estavam disponíveis), e que o autor não falava diretamente
contra os judeus, o que teria deixado bem claro, mas contra o “sionismo
internacional”, ideologia que até mesmo os judeus se colocam contra51.
Prezou, assim, pela atipicidade da conduta do paciente. Salientou que
racismo também se refere a raças de cor52.
O Ministro Marco Aurélio Mello, tratou da eficácia de direitos
fundamentais, e do principio da ponderação de valores53. Discorreu so-
bre o direito à liberdade de expressão54, destacando-o para o caso, as-
severando que o paciente quis fazer uma revisão histórica dos fatos, ou
seja “escrever e difundir a versão da história vista com seus próprios
olhos”55 e não afirmar a superioridade da raça alemã56, o que configura-
ria antissemitismo. Ademais, não percebeu “perigo iminente do exter-
mínio do povo judeu” a partir do conteúdo do livro57, fato concreto para

47 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 471.


48 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 479.
49 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 472.
50 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 349.
51 Afirma em seu voto que: “Qualquer citação sobre Sionismo ou referências sobre judeus in-
ternacionais não deverá ser considerada contra as pessoas que professam a religião judaica,
que residem e trabalham pacificamente conosco e que cada vez menos aprovam os atos dos
primeiros, por deixá-los em constante preocupação”, BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS...,
cit., p. 321.
52 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.496-498.
53 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.544-545, 560, 570.
54 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.541, 550-552.
55 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.558.
56 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.562.
57 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.563.
178 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

deflagrar uma limitação a liberdade de expressão, lado outro porque o


Brasil não se constitui historicamente como de tradição repulsiva a essa
cultura. Comparou, ainda, que um dos livros editados pelo paciente, de
Gustavo Barroso - que teve uma cadeira na Academia Brasileira de Le-
tras e, ainda, foi um dos integrantes da Ação Integralista Brasileira, vale
mencionar –, sempre foi comercializado no Brasil, até os dias atuais,
sem qualquer restrição. Ainda, citou diversos julgados da Corte Cons-
titucional Alemã (Bundesverfassungsgericht), em que se deu prevalência
à liberdade de expressão, inclusive de livro que culpava os aliados pela
guerra.
A despeito de notável preconceito contra os judeus por parte do
paciente, o ministro entendeu que proibir um livro de viés ideológico é
ser contrário à democracia e favorável à censura58. Indicou, ainda, que
os livros de conteúdo antissemita não tem recepção e influência sobre o
pensamento da sociedade brasileira, devido ao seu processo histórico, o
que não se daria no caso do preconceito contra os negros e nordestinos,
que sofrem de problemas discriminatórios enraizados no país.59

3.3. O SIMBOLISMO JUDICIAL NO CASO ELLWANGER

Em situação semelhante, Neves aponta o uso simbólico da legis-


lação, na Alemanha:

A onda anti-semítica que se propagou na Alemanha em


1959-60, com frequentes violações de cemitérios judeus e si-
nagogas, levou, por exemplo, a uma reforma juridicamente
desnecessária do § 130 do Código Penal Alemão (StGB), a
qual, porém, demonstrava simbolicamente a prontidão do
Estado em responder à ‘indignação’ pública pelas desordens
anti-semíticas60.

58 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.564.


59 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p.567, 574.
60 NEVES, A constitucionalização simbólica..., cit., p. 38.
O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 179
ELLWANGER

No casso Ellwanger, o Ministro Marco Aurélio fez referência, de


forma explícita em seu voto, à teoria do simbolismo constitucional61,
aduzindo que, neste caso,

à medida que [a Corte] venha a relativizar a garantia da


liberdade de expressão, enquadrando como manifestação
racista o livro de autoria do paciente, bem como as pu-
blicações de que fora editor, terminar por praticar função
simbólica, implementando uma imagem política correta
perante a sociedade. Estaríamos, então, diante de uma hi-
pótese de ‘Jurisprudência Simbólica’, sobressaindo a defesa
do pensamento antinazista, quando em jogo se faz, isto sim,
a liberdade de expressão, de pensamento, enfim, de opinião
política62 (grifamos).

Parece-nos que, de fato, houve um desempenho simbólico da


atuação judicial do STF neste caso, como modo de judicialização do
passado, afirmando a imagem do Estado protetor das minorias e garan-
tidor dos direitos sociais, bem como a imagem da Corte como garanti-
dora de direitos humanos e fundamentais, o que ocorre vez por outra,
mas, salienta-se, deve ser evitado, pois se descuida da função jurídica
do órgão. Trata-se, portanto, da primeira hipótese de simbolismo ana-
lisada neste trabalho, é dizer, para confirmar valores sociais – e manter
uma imagem socialmente adequada do STF –, com prevalência à nor-
matividade.
Tal percepção se dá, primeiro, porque há pouquíssimas análises
das obras publicadas nos respectivos votos. Aliás, o Ministro Ayres Bri-
to, que mais detidamente refletiu e fez referência a trechos, afirmou não
ter percebido a intenção de racismo nas obras. Outro ponto que vale
destacar é a perpetuação da comercialização de várias outras obras edi-
tadas por Ellwanger, que podem ser adquiridas em livrarias e sebos pelo
Brasil – até mesmo pela Amazon.com, como A História Secreta do Brasil
61 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 585.
62 BRASIL, Habeas Corpus n.82.424/RS..., cit., p. 586.
180 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

e O Protocolo dos Sábios de Sião, livros editados apontados como antis-


semitas – como sustentado no voto. A falta de análise do caso concreto
demonstra falha técnica processual e certo descuido com a facticidade
do caso. Pinheiro, ainda, afirma o seguinte:

Com igual descuido metodológico, os julgadores que utiliza-


ram o critério da causalidade única para negar historicida-
de à obra de Ellwanger basearam sua fundamentação numa
apropriação reducionista e descontextualizada de Marc Blo-
ch, fazendo com que o próprio parâmetro utilizado de afe-
rição de historicidade se mostrasse igualmente monista. A
tese apontou, assim, como o uso de conceitos históricos pelo
Judiciário sem o devido rigor científico pode acabar repre-
sentando um ataque ao devido processo legal, à autonomia
do campo simbólico-histórico, à hermenêutica constitucio-
nal e à própria ordem democrática63.

Igualmente, do ponto de vista dos princípios do Direito Penal –


com destaque para a taxatividade, a exigir lei certa – é imprescindível
que o agente tenha consciência da ilicitude do ato que comete. Na hi-
pótese, pela leitura dos votos, ficou claro que a questão era polêmica,
pois dependia da extensão semântica do termo “racismo” para espécies
discriminatórias que não lida com a noção comum, popular, de “raça”.
Em situações como esta, é razoável que as Cortes apontem seu entendi-
mento e fixem o precedente, mas, ao mesmo tempo, absolvam o pacien-
te, face à incerteza da lei, à anterior insegurança jurídica, e à potencial
consciência da ilicitude – excludente de culpabilidade.
Em análise diversa, que parte de outros pressupostos, mas sobre
o mesmo caso, Brum64 destaca que tal julgamento acorreu dentro das

63 PINHEIRO, Às margens do caso Ellwanger…, cit., p. 6.


64 BRUM, Guilherme Valle. O intuicionismo em Rawls, o emotivismo em MacIntyre e a técnica
decisória da ponderação entre princípios constitucionais: comentários sobre o caso Ellwanger.
Universitas/JUS, v. 23, n. 1, p. 79-93, jan./jun. 2012. Disponível em <http://www.publicacoe-
sacademicas.uniceub.br/index.php/jus/article/view/1867/1639>. Acesso em 08 de junho de
2016, p. 6.
O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 181
ELLWANGER

regras jurídicas, porém, conforme demonstra, as regras de sopesamen-


to de princípios, utilizada por vários Ministros, apenas serviu para en-
cobrir os elementos volitivos individuais, intuitivos e emocionais, dos
Ministros, corrobora, de certo modo, a carga simbólica do julgamento.
A análise feita de dois votos diametralmente opostos, com a mesma fun-
damentação (ponderação), nos faz perceber que, não obstante a decisão
fundamentar-se exclusivamente em aspectos jurídico-normativos, ou-
tros elementos não normativos estão igualmente presentes:

os resultados, como visto, foram absolutamente diferentes.


O ministro Gilmar Mendes entendeu que, depois de pon-
derados os princípios candidatos a incidir na espécie, o da
dignidade do povo judeu seria prevalecente, enquanto o mi-
nistro Marco Aurélio concluiu ser o princípio da liberdade
de expressão o vencedor na ponderação. Não é difícil cons-
tatarmos que a técnica decisória foi utilizada para dar uma
roupagem – diga-se assim – de racionalidade às intuições
sobre a justiça de cada julgador. A estrutura dos votos dos
ministros foi muito parecida. De início, um relato de alguns
aspectos históricos, sociológicos e filosóficos justificadores
do valor moral eleito. Depois, uma aproximação desse va-
lor com a situação sub judice. Gilmar Mendes desenvolveu
circunstâncias que apontariam ser o ato do paciente, efetiva-
mente, um crime de racismo praticado contra a comunidade
dos judeus, seja ela classificada ou não como raça, no senti-
do estrito da expressão, potencializando o valor dignidade
da pessoa humana. Marco Aurélio, por sua vez, traçou uma
linha argumentativa valorizadora da liberdade de expressão,
concluindo assim pela inexistência de delito penal. Por fim,
quando da aproximação de suas convicções sobre tais valores
morais ao caso concreto, ambos optaram pelo mesmo cami-
nho para cobrir suas intuições com as vestes de princípios
jurídicos: o iter procedimental da ponderação65.

65 BRUM, O intuicionismo... cit., op. cit., p. 8.


182 Felipe Magalhães Bambirra, Carolina Meire de Faria

Podemos ainda asseverar que os votos, apesar de se mencionar a


doutrina de Robert Alexy, não explicitaram o percurso da ponderação,
destacando a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito, seguida da efetiva ponderação – como ocorre recorrentemente
em julgados66. Ou seja, acaba-se citando uma teoria, mas não efetiva-
mente aplicando-a – o que, entretanto, foge da análise que ora fazemos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cultura é um processo complexo, constituído por símbolos,


compreensões, narrativas, normas e valores, e o fenômeno jurídico só
pode ser dela destacado para fins de análise, ou seja, segmentação e re-
corte da realidade, na esperança de melhor se compreendê-la. O direito,
visto somente enquanto direito, é uma abstração – o que significa, lite-
ralmente, separar do extrato, do ser-aí em sua completude e comple-
xidade. Considerando esta realidade (no sentido de uma Wirklichkeit,
efetividade) do direito, separamos o que seria uma função simbólica da
norma, e aquilo que seria, funcionalmente, direito, no sentido de atuar
como estabilizador de expectativas de conduta.
Buscamos analisar, tendo em vista os aspectos simbólicos – da
lei, da constituição e, por que não, de julgamentos – levantados por Kin-
dermann e Neves, a atuação do STF no caso Ellwanger, de ampla reper-
cussão, em que se discutiram questões relevantes, como a liberdade de
expressão, a proteção a minorias, a discriminação e o racismo. Nosso
esforço foi o de apontar os aspectos simbólicos desse julgamento, sem
querer, com isso, sugerir o acerto ou desacerto do julgado. Fica patente,
sobretudo em casos difíceis, a dificuldade de se analisar um “fato” de
modo estritamente técnico, puro e mecânico, tendo em vista a influên-
cia de outros elementos da cultura, que designamos como “simbólicos”,
por se situarem na margem do direito.
A lei, a constituição e decisões jurídicas possuem este caráter
66 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica, e Teorias Discursi-
vas – Da possibilidade à necessidade de respostas concretas em direito. 3. Ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009, p. 177-189.
O SIMBOLISMO NO JULGAMENTO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DO CASO 183
ELLWANGER

simbólico, vivo, que norteia as relações sociais. Isto não significa, por
outro lado, que o Direito possa prescindir de seu código próprio, de
seus procedimentos, do conteúdo fático levado à análise, sob pena de
infringência a este mesmo Código e seu enfraquecimento, levando, em
casos extremos, até mesmo a sua corrupção, invadido pela moral, pela
economia, enfim, por discursos de outros sistemas sociais, sem que se-
jam adequadamente recepcionados, integrados pelo Direito.

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