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A Formação Profissional e a
Ressignificação do Papel do
Psicólogo no Cenário Escolar:
Uma Proposta de Atuação
– de Estagiários a Psicólogos
Escolares
Professional Training And The Redefinition Of The
Psychologists’ Role In The School Setting: A Proposal For
Action

La Formación Profesional Y La Redefinición Del Papel De


Psicólogo En El Ámbito Escolar: Una Propuesta De Acción

Lilian Ulup &


Roberta
Brasilino Barbosa

Universidade
Federal do Rio de
Janeiro
Experiência

PSICOLOGIA:
PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2012,
2010, 32
30 (1), 250-263
200-211
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PSICOLOGIA:
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Lilian Ulup & Roberta Brasilino Barbosa
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Resumo: A elevada carga horária de estágio exigida para a obtenção do grau de psicólogo tem resultado
em uma importante contribuição na efetiva tomada de consciência profissional por parte dos estudantes a
partir dessas experiências. No caso do estágio em Psicologia escolar, oferecido pela Divisão de Psicologia
Aplicada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a prática das equipes
gerou consequências para além da formação profissional de seus membros. Neste artigo, mostramos que,
primeiramente, a experiência de estágio esteve marcada pela construção e pela afirmação de uma proposta
de trabalho pautada na observação participante e na escuta ativa como metodologias e baseada em um
referencial teórico que defende uma atuação institucional do psicólogo. Outra contribuição possibilitada a
partir dessa experiência de estágio refere-se ao reconhecimento, pelos demais atores do ambiente escolar,
desse outro diálogo que a Psicologia pode travar com a educação.
Palavras-chave: Formação profissional. Psicologia escolar. Psicologia institucional. Pesquisa participante.

Abstract: The high load of training required for the degree of psychologist has resulted in an important
contribution to effective professional awareness by students from those experiences. In the case of the
traineeship in school psychology, offered by the Division of Applied Psychology at the Institute of Psychology
at the Federal University of Rio de Janeiro, the performance as trainees in this field had other consequences
beyond the group training. In this paper, first of all, we show an experience of traineeship that constructed
and affirmed an acting proposal based on participant observation and active listening as methods based
on a theoretical framework that favors an institutional performance of the psychologists at school. Another
contribution of this experience was the recognition by different actors that psychology can carry out a
different school dialogue with education.
Keywords: Training. School psychology. Institutional psychology. Participant research.

Resumen: La elevada carga horaria de prácticas exigida para la obtención del grado de psicólogo ha
resultado en una importante contribución en la efectiva tomada de consciencia profesional por parte de
los estudiantes, a partir de esas experiencias. En el caso del contrato de prácticas en Psicología Escolar,
ofrecido por la División de Psicología Aplicada del Instituto de Psicología de la Universidad Federal de Rio
de Janeiro, la práctica de los equipos generó consecuencias para más allá de la formación profesional de
sus miembros. En ese artículo mostramos que, primeramente, la experiencia de prácticas estuvo marcada
por la construcción y afirmación de una propuesta de actuación pautada en la observación participante y
en la escucha activa como metodologías y basada en un referencial teórico que defiende una actuación
institucional del psicólogo. Otra contribución posibilitada a partir de esa experiencia de prácticas se refiere
al reconocimiento por los demás actores del ambiente escolar de ese otro diálogo que la Psicología puede
trabar con la Educación.
Palabras clave: Formación profesional. Psicología escolar. Psicología institucional. Investigación participante.

Como é do conhecimento de quem atua na gostariam de seguir. Por tudo isso é que se
área, no processo de formação em Psicologia, pode afirmar que o ingresso em estágios,
é exigido, para a integralização do curso, o esse marco na vida universitária, é um dos
cumprimento de uma carga horária mínima grandes momentos do percurso da formação
de estágio bastante elevada. No Instituto de em Psicologia.
Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, por exemplo, são, por enquanto, 500
O estágio na área de Psicologia escolar,
horas a serem contabilizadas somente a partir
oferecido pela Divisão de Psicologia Aplicada
do 5º período de curso. Essa determinação,
do Instituto de Psicologia da Universidade
em muitos casos, força os graduandos a se
Federal do Rio de Janeiro, seria apenas um
dedicarem de maneira efetiva às atividades
exemplificador dessa realidade, se não fosse
de estágio, o que frequentemente resulta em
tomada de consciência acerca da escolha por um aspecto. A atuação como estagiários
profissional que fizeram. Relatos sobre a nesse campo deu oportunidade não somente
importância desse momento são bastante para uma tomada de consciência a respeito da
comuns, especialmente entre os jovens que profissão de psicólogo escolar, mas foi também
ingressaram muito precocemente no meio possível construir e afirmar uma proposta de
acadêmico desconhecendo a profissão que atuação na própria área em si.

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Historicamente, o trabalho de psicólogos função do psicólogo na instituição educativa.


no espaço escolar foi (e em alguma medida
ainda é) bastante marcada pelo caráter Logo chegavam as primeiras queixas, os
individualizante das intervenções que resolviam primeiros pedidos de ajuda e também as
os problemas emergentes naquele espaço, primeiras frustrações: “Estou precisando
psicologizando as questões e culpabilizando desesperadamente que você dê uma olhada
principalmente o alunado. O uso de testes nesse menino, porque eu tenho certeza de
para elaboração de psicodiagnósticos dos que ele tem alguma coisa!” (sic) O que fazer
alunos com problemas de aprendizagem diante do pedido de socorro de uma professora
está muitas vezes a serviço (ou presta um com quem você está tentando estabelecer
desserviço) desse tipo de atuação. Dessa uma relação de parceria? Recusar? Atender?
forma, os laudos produzidos a partir desses Afinal, dar uma olhada nesse menino pode
instrumentos, que buscam atender demandas significar caminhar na direção do modelo
de toda a equipe escolar por explicações de atuação individualizante, psicologizante e
sobre as dificuldades apresentadas por aqueles culpabilizante que se quer desconstruir. Se
alunos, contribuem para mascarar os múltiplos não podem atender à demanda da professora,
vetores que produzem aquele problema, na o que podem então fazer? Nada? Quais as
medida em que o compartimentalizam e o atribuições do estagiário (e do psicólogo
situam no aluno (Patto, 1997). escolar), afinal?

A equipe da DPA/IP/UFRJ, composta por Gradualmente, esse papel foi ficando mais
estagiários de diferentes instituições privadas, claro para os estudantes. Na medida em
comunitárias e institucionais de educação que as discussões teóricas e práticas iam
infantil do Estado do Rio de Janeiro, procurou sendo aprofundadas, uma ressignificação das
promover mudanças nesse cenário. Ao seguir intervenções que já estavam acontecendo, ou
uma sistemática de no mínimo quatro horas mesmo daquelas passíveis de acontecer, ia
de supervisão semanal (além das dez horas sendo operada. Notavam que suas observações
também semanais de atividade de campo), participantes do cotidiano escolar serviam
alternadas entre discussões sobre a prática e como fonte na qual poderiam beber para
estudos teóricos, o grupo buscou contribuir refletir acerca daqueles problemas que lhes
para o surgimento de um olhar diferenciado eram apresentados, refletir e problematizar,
sobre o papel do psicólogo escolar entre os principalmente junto àqueles que aos estagiários
profissionais das instituições em que atuavam. se dirigiam sedentos por soluções cuja
proposição acreditavam ser própria do trabalho
Nos primeiros momentos nas escolas, do psicólogo escolar, e, diante da queixa,
propositalmente, os estagiários não foram provocar reflexões. Partindo de um processo
orientados pela supervisora de modo mais ativo de escuta, o psicólogo é convocado
aprofundado, com exceção das orientações a incitar naquele que fala a consciência da
relacionadas ao Código de Ética Profissional, responsabilidade pela construção daquele
ao qual já estavam submetidos. Ao ingressar incidente e, em consequência, o potencial para
nesse universo, desconheciam quase operação de rachaduras.
completamente o que lhes cabia ali fazer.
Transitavam pelos diferentes ambientes das À medida que o tempo de estágio ia avançando,
escolas e, aos poucos, iam sendo apresentados não apenas os estagiários como também os
às equipes, que prontamente (em alguns casos próprios membros da equipe escolar passavam
mais explicitamente, e, em outros, nem tanto) a perceber mais encarnadamente (respeitando
reagiam conforme suas crenças no que é as diferenças entre as possibilidades de

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intervenção que as instituições ofereciam) entanto, parte em defesa do que Abramovay


quais as contribuições que a Psicologia tinha e Kramer (1985) já afirmavam ser a função
a oferecer, contribuições essas pautadas em pedagógica da pré-escola, nem depósito, nem
um olhar mais institucional, voltado para o corretora de carências.
enfoque psicossocial da realidade escolar,
sempre entendendo o sujeito como histórico- Quando dizemos que a pré-escola tem uma
culturalmente constituído. função pedagógica, estamos nos referindo,
portanto, a um trabalho que toma a realidade
Este trabalho pretende demonstrar como e os conhecimentos infantis como ponto de
o processo de formação profissional que partida e os amplia, através de atividades que
transformou estagiários em psicólogos esteve têm um significado concreto para a vida das
Cerisara (2002) marcado pela construção e pela afirmação crianças e que, simultaneamente, asseguram
acredita que de uma proposta de atuação institucional a aquisição de novos conhecimentos.
ainda hoje não pautada na observação participante e na
se pode dizer
que tenha havido escuta ativa e pelo reconhecimento, por parte A maneira como a educação infantil é encarada,
uma completa dos diferentes atores escolares, desse outro assim como o papel pedagógico que pretende
superação diálogo que a Psicologia pode travar com a assumir, geram uma série de repercussões que
das visões
assistencialista e educação. atingem diretamente o ambiente escolar e que,
preparatória da muitas vezes, compõem queixas destinadas
educação infantil.
As evidências
Entrando nas escolas... ao psicólogo ou ao estagiário. Cerisara (2002)
desse fato estão Que lugar é esse? acredita que ainda hoje não se pode dizer
presentes tanto na que tenha havido uma completa superação
relação ambígua das visões assistencialista e preparatória da
que as famílias O estágio em Psicologia escolar da DPA/
estabelecem IP/UFRJ oferecia, como possibilidade de educação infantil. As evidências desse fato
com as escolas
trabalho em campo, espaços dedicados à estão presentes tanto na relação ambígua que
quanto na as famílias estabelecem com as escolas quanto
indefinição educação infantil, o que gerou para a equipe a
profissional da necessidade de aprofundar os conhecimentos na indefinição profissional da identidade do
identidade do
próprios desse universo. educador desse segmento.
educador desse
segmento.
Surgida em um contexto histórico brasileiro Como estar aqui?
marcado pela intensa urbanização,
industrialização e ingresso da mulher no Uma vez minimamente interados das
mercado de trabalho, a educação infantil dinâmicas desse universo, cabia aos estagiários
tem sofrido modificações na forma como é recém-chegados apropriarem-se de uma das
encarada, seja pelo poder público, seja pela principais metodologias de atuação em campo.
sociedade e até mesmo em relação a seu “O que é essa tal de observação participante
caráter pedagógico. Focando nesse último do cotidiano escolar?” Martins(1996) afirma
aspecto, pode se afirmar, com Cerisara que o cotidiano escolar é o espaço por
(2002), que são três as grandes tendências excelência de pesquisa e de intervenção do
que orientaram a prática pedagógica na psicólogo escolar. Pautando-se no pressuposto
educação infantil em nosso país: educação de que os sujeitos são fruto de um processo
compensatória (das carências existentes de construção, simultaneamente histórico
nas crianças), antecipatória (preparando e cultural, esse autor afirma que as escolas
as crianças para o ensino posterior) e somente se realizam nas relações evidenciadas
recreacionista (pautada na crença de que as no seu dia a dia. Por mais que estejamos
crianças aprenderão espontaneamente pelo todos compartilhando da mesma lógica de
convívio com os demais). Essa autora, no funcionamento, própria do contexto histórico-

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cultural do aqui e agora, para esse autor, cada O que esperam de mim?
escola é única em virtude das particularidades
das relações que se estabelecem entre Logo nos primeiros contatos travados com as
seus atores: “O cotidiano escolar, enfim, equipes das escolas, os estagiários puderam
caracteriza-se como um campo de interseção experimentar as repercussões de todo um
entre os sujeitos individuais que levam seus histórico de relações entre a Psicologia e
saberes específicos para a construção da a educação. Alguns olhares tortos, muitos
escola” (Martins, 1996, p. 268) pedidos de socorro e a quase certeza de
que, como estagiários, eram aprendizes de
Para Martins, o cotidiano escolar é o espaço mágico. Como representantes do saber psi,
em que emergem as representações sociais eram colocados ora no lugar de fiscais, ora
que medeiam as relações estabelecidas nesse de salvadores, de sabe-tudo e até mesmo de
ambiente. Entendem-se aqui representações confessores daquelas pessoas.
sociais como os significados coletivamente
atribuídos pelos sujeitos acerca da realidade
circundante de um objeto socialmente Educação e Psicologia têm uma história
significativo. Ainda segundo esse autor, fortemente marcada por intensas relações
é somente por meio da circulação pelos de interdependência. Segundo periodização
diferentes espaços que compõem a escola estabelecida por Patto (1984), no início do
que o psicólogo será capaz de conhecer os século XX, até os anos 30, a Psicologia era
significados atribuídos pelos sujeitos àquela desenvolvida em laboratórios anexos às escolas
realidade e intervir sobre eles. Indo um pouco normais, voltada para a experimentação em
além, ele diz: moldes europeus. Dos anos 30 até a década
de 60, momento de grande desenvolvimento
A intervenção do psicólogo (...) não deve urbano-industrial, eram grandes as exigências
se estruturar exclusivamente nas relações pela capacitação dos cidadãos. Nesse contexto,
formais que se organizam dentro do contexto a educação muito se apoiou nos saberes
escolar (...). Ele deve considerar os espaços
informais (...) como oportunidades tanto psicológicos da época para fundamentar suas
para conhecer (pesquisar) a realidade escolar práticas, até mesmo na busca por cientificidade
como um espaço de intervenção junto ao (Antunes, 2002). Passou-se a utilizar testes de
universo das representações daqueles que
inteligência e de prontidão, aplicados com o
ali se inserem e se expressam (Martins, 1996,
pp.271-272) intuito de avaliar aqueles que estariam aptos
à escolarização, a organizar as classes e a
Coube então à equipe de estagiários descobrir diagnosticar os problemas de aprendizagem.
o lugar de estar nas escolas. Não lhes era Atuavam segundo um modelo clínico em
possível ficar encerrados na sala da Psicologia que o importante era desvendar o problema,
à espera de queixas. Aliás, nem sempre havia a doença que o indivíduo carrega para que
uma sala para a Psicologia (o que depois pôde assim se possa trabalhar no sentido de sua
ser compreendido como um analisador das cura (Martins, 1996), e, no caso das classes
relações estabelecidas em algumas instituições). escolares, homogeneizá-las.
Tinham que circular: pelas salas de aula, de
reuniões, corredores, pátios, portões. Circular e Nas escolas em que os estagiários atuavam,
observar. Ver e escutar o outro em uma atitude eram muitos os pedidos por atendimento a
de entrega e de envolvimento cuidadosa que crianças e a famílias que possivelmente tinham
abre mão de vícios como o da autorreferência algum problema, o que justificaria certos
(Weffort, 1996). Mas tinham também que olhar comportamentos tidos como indesejáveis. Era
para si mesmos, preparar-se, estudar.

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grande a demanda para que eles desvendassem o papel de observadores, pouco ou quase
as verdadeiras razões que poderiam explicar nada intervindo, seja no planejamento, seja
as situações difíceis enfrentadas pela equipe, na condução daquelas atividades. “O que
especialmente no trato com as crianças. estou fazendo aqui, afinal?”, continuavam a
Muitas também foram as vezes em que eram se perguntar.
chamados a resolver conflitos. Dessa forma,
os estagiários, assim como os psicólogos, eram Juntamente a esse quadro de incertezas
colocados em uma posição de especialistas, vivenciado nas atividades práticas do estágio,
de pensadores, enquanto os professores o espaço semanal de supervisão, que poderia
seriam meros executores de suas orientações servir justamente à aquietação dos ânimos,
/ prescrições. parecia contribuir para o oposto. Durante esses
encontros, as discussões passaram a contemplar
Diante desse quadro, o que fazer? Dizer não os pilares teóricos que embasavam a proposta
àqueles com quem se relacionavam de uma de atuação da equipe. Qual a visão de homem
forma sentida pelos professores como mistura e dos aspectos psíquicos compartilhada pelo
de desconfiança e dependência? Fugir desse grupo? O que podem produzir os diagnósticos,
papel tão sedutor? aqueles que muitas vezes são entendidos
como o trabalho do psicólogo na escola?
O momento da crise... O psicólogo escolar é aquele que trata dos
O que estou fazendo aqui? problemas de aprendizagem?

Os primeiros meses se passaram e os estagiários Segundo Bock (2000), um dos grandes


muito comumente começaram a se questionar problemas enfrentados pela Psicologia é
sobre seu lugar naquelas instituições. A carga a naturalização dos fenômenos psíquicos.
horária mínima de 10 horas em campo Devido ao caráter estruturante que o lidar com
obrigava-os a estar pelo menos dois dias esses fenômenos assume nessa área do saber,
por semana nas escolas, e, de acordo com a gravidade do problema torna-se tamanha a
a metodologia de atuação da observação ponto de impedir a Psicologia de contribuir
participante, cabia aos estagiários transitar para a transformação social.
pelos diferentes espaços e não ficarem
restritos à sala da Psicologia. Dessa forma, era Parcela significativa da ciência do século
frequente, e até esperado, que eles fossem XX tem encarado o homem como um ser
encaminhados pelas escolas a uma turma, a portador de uma essência universal e eterna.
qual deveriam acompanhar por algum tempo. Isso significa dizer que as pessoas já nascem
Uma vez em sala, muitos eram solicitados a carregando em si o que virão a ser durante
ajudar na dinâmica das atividades cotidianas: suas vidas. Para que esse vir a ser apareça,
contar uma história, participar de uma basta apenas que entrem em contato com
brincadeira, colocar a criança para dormir, as situações oferecidas pelo mundo. “Há um
auxiliar no banho. “É isso que é ser psicólogo homem apriorístico em cada um de nós, um
escolar?”, perguntavam-se. homem que pode ou não revelar-se na sua
integralidade” (Bock, 2000, p. 14). Segundo
Dependendo da instituição em que estavam a autora, pensar sobre o homem, e, em
alocados, era-lhes permitido ainda participar consequência, sobre o fenômeno psicológico
de reuniões de professores, de reuniões da a partir de uma determinação natural significa
equipe pedagógica, de reuniões de pais. No desconsiderar tudo o que de fato o constituiu.
entanto, em muitos casos, ocupavam apenas Dessa forma, abre-se espaço para que uma

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visão conformista diante da realidade se os problemas enfrentados na escola a partir


fortaleça, o que veio contribuindo para a do nível social desprivilegiado da família,
manutenção das desigualdades tais quais se entendendo, assim, que a pobreza acarretaria
apresentam. uma série de defasagens que interferem no
processo de aprendizagem) encontram eco
Ocultar a determinação social do homem é em discursos maquiados de certos profissionais
descolá-lo da realidade social que o constitui de Psicologia. E isso se verifica nas práticas
e que lhe dá sentido. É um trabalho ideológico de diagnóstico de alunos, que resultam em
que a Psicologia precisa superar, pois esse laudos que levam à estigmatização de crianças
trabalho de ocultamento permite que a e adolescentes e muitas vezes se prestam,
Psicologia se alinhe às construções ideológicas unicamente, a justificar a exclusão escolar dos
mais perversas em nossa sociedade, tornando “portadores de defeitos de funcionamento
aquilo que é histórico e cultural algo natural em algum componente da máquina psíquica”
e universal, no qual não se pode mexer e (Patto, 1997, p. 49).
que não se pode mudar (Bock, 2000, p. 14).
Patto faz ainda uma reflexão sobre as
Sendo assim, a visão de homem que se condições em que a Psicologia (dentro da
defende é a de um ser que se forja nas qual se situa a psicometria) se fez e se faz como
relações que estabelece com seus pares, ciência e profissão. Nesse sentido, a visão de
intimamente conectado com o meio no mundo da burguesia e as necessidades da
qual está inserido. O homem e também os sociedade capitalista são citadas para explicar
problemas enfrentados são fruto de uma a elaboração do conceito de aptidão natural,
construção histórica, temporal, espacial e base da psicometria. Fica demonstrado que
sociocultural. nenhum conhecimento é neutro ou imparcial,
ao contrário, toda forma de conhecimento é
Porém, a busca por um diagnóstico para os construída em um contexto socio-histórico do
alunos que não atendem às expectativas qual recebe fortes influências. Sendo assim,
de rendimento e comportamento veio faz-se de extrema importância considerar: as
se tornando cada vez mais frequente dificuldades apresentadas pelos alunos como
nos espaços educacionais (Patto, 1997). algo que se produz na instituição de ensino,
Professores, técnicos e administradores que vivemos em uma sociedade de classes
escolares solicitam exames psicológicos que e que, por isso, o Estado sempre defenderá,
comprovem deficiências ou distúrbios mentais majoritariamente, os interesses das classes que
para que assim possam ser implementadas detêm o poder econômico, o que acarreta uma
certas práticas que variarão segundo a classe série de prejuízos ao ensino público, e que
social do portador da dificuldade. O que tais prejuízos são formadores de um contexto
muitas vezes é totalmente ignorado é que diretamente relacionado com a produção
as ditas dificuldades, diagnosticadas como das ditas dificuldades escolares dos alunos,
deficiências e distúrbios mentais, são, na encaradas como distúrbios físicos e psíquicos
verdade, produzidas em um contexto de encerrados no indivíduo (justificadamente
práticas e processos escolares que dificultam a comprovadas pelos testes psicológicos).
aprendizagem; são, na realidade, dificuldades
de escolarização. Carraher, Carraher e Schliemann (1982)
acrescentam outro elemento à discussão – a
A autora chama a atenção também para o fato importância do conhecimento do contexto
de que muitas das afirmações de professores produtor das dificuldades que se presentificam
e de técnicos escolares (que buscam explicar nos alunos: “A possibilidade de que o fracasso

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escolar não represente o fracasso do baseado em conhecimentos da Linguística, da


indivíduo, da classe ou do sistema social, Fonoaudiologia e da Medicina, entre outros.
econômico e político, mas sim, o fracasso Como prática clínica, a psicopedagogia tem,
da própria escola (...)” (p. 80). A partir nos problemas de aprendizagem, sua principal
do desenvolvimento de pesquisa sobre o demanda, cujo atendimento depende do
ensino de operações aritméticas, os autores mergulho nos processos de aprendizagem.
perceberam que muitos dos problemas
apresentados na escola podem ser da escola. Vemos, portanto, que a psicopedagogia
Em outras palavras, muitos problemas de estuda as características da aprendizagem
aprendizagem, especialmente entre as classes humana: como se aprende, como essa
pobres, que frequentemente são rotulados de aprendizagem varia evolutivamente e como
fracasso escolar, possivelmente exemplificam está condicionada por vários fatores, como
problemas de escolarização, o que os levou a se produzem as alterações na aprendizagem,
questionar a própria instituição escolar.
como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las
(Bossa, 2000, p. 21).
É por tudo isso que os psicólogos escolares
devem estar atentos ao que produzem,
Ainda que não se possa negar a existência de
seja por meio de laudos, de atendimentos
problemas desse tipo, muitas das queixas que
ou de orientações, seja mesmo de recusas,
emergem do espaço escolar como problemas
de silêncios e de desconhecimentos. “(...)
de aprendizagem não podem ser assim
Práticas são operadas e criadas por pessoas,
encaradas, do contrário, o número de alunos
que atualizam crenças, saberes, formas
com dificuldades superaria o dos que não as
de proceder e produzem subjetividades”
apresentam. No entanto, cabe ao psicólogo
(Machado, 2008, p.8). As ações dos psicólogos
escolar atuar sobre esses outros aspectos, que
podem repercutir além do espaço-tempo
muito frequentemente são confundidos com
das escolas, produzindo desigualdades e
problemas de aprendizagem, embora se trate
contribuindo para o reforço de estereótipos,
de sintomas (e não de problemas em si), de
e, assim, influenciar negativamente a
autoimagem daqueles a quem se destinam. problemas de outra espécie que se produzem
nas relações travadas no ambiente intra e
É frequente nas escolas que o trabalho do extramuros escolares.
psicólogo escolar seja confundido com o de
um psicopedagogo. Na realidade, trata-se de (Re)significando as
dois papéis distintos, que, embora possam intervenções...
ser exercidos por psicólogos, guardam suas
especificidades. Superado o momento de crise na qual muitos
mergulharam, o estágio passou a ter outro
Segundo Bossa (2000), por mais que o termo significado. A impossibilidade de se manter
psicopedagogia induza à compreensão de em um espaço único resguardado por paredes
que se trata de uma aplicação da Psicologia à e porta, que tanto incômodo causava nos
Pedagogia, não se pode reduzi-la dessa forma. primeiros meses, foi superada pela liberdade de
A psicopedadogia, área interdisciplinar, trânsito que essa postura possibilita. Os alunos
nasceu da necessidade de aprofundar os passaram a perceber que foi somente por
conhecimentos acerca do processo de estar aqui e ali que conheceram minimamente
aprendizagem. Para tanto, ela não apenas a dinâmica da instituição, a realidade única
recorreu à Psicologia e à Pedagogia mas foi construída a partir das relações estabelecidas
além, e vem criando um corpo teórico próprio, entre os diferentes atores daquelas escolas.

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Bleger afirma que o trabalho institucional Machado (2003) afirma a importância de


é voltado para a compreensão do todo, estratégias de intervenção que possam gerar
entendendo que qualquer questão que modificações nas demandas e expectativas
daí emerge deve ser lida considerando as em relação ao papel do psicólogo escolar
relações mantidas com a unidade maior: e que assim sejam capazes de demonstrar
“Em psicologia institucional, interessa-nos a que não cabe à Psicologia a função de
instituição como totalidade; podemos nos diagnosticar indivíduos desconsiderando os
ocupar de uma parte dela, mas sempre em diferentes processos de subjetivação. A autora
função da totalidade” (1992, p. 39). relata a experiência que viveu ao receber o
convite para realizar a avaliação psicológica
Os estagiários, então, entenderam que toda de 139 alunos encaminhados por escolas
e qualquer intervenção pautada em um públicas de São Paulo. O que inicialmente se
modelo institucional focado nas relações configurava como um grande desafio – avaliar
estabelecidas entre os sujeitos requer um indivíduos, enquanto se acredita na produção
conhecimento amplo da teia ímpar formada coletiva de afetos e atitudes –, transformou-
no dia a dia de cada escola. Essa tomada se em uma interessante tarefa, uma vez
de consciência foi fundamental para que que se buscou pesquisar os bastidores de
muitos passassem a entender a importância cada encaminhamento e problematizar
de suas participações em atividades que lhes as diferentes expectativas em relação à
pareciam tão impróprias ao trabalho psi: avaliação. Nessa tarefa, descobriu-se que
banho, sono e contar histórias, entre outras. muitas justificativas ao encaminhamento
estavam pautadas em outras problemáticas,
como a solidão de professoras que recorriam
Outras conexões teórico-práticas também
ao psicodiagnóstico para justificar o fracasso
foram fundamentais nesse processo de
escolar de seus alunos. Dessa forma, o foco
formação profissional. Estar presente no
da avaliação saiu do âmbito individual e
cotidiano escolar é essencial para conhecê-lo
passou a ser o campo de forças que produz
e intervir sobre ele, o que, segundo Bleger
o encaminhamento. Segundo Machado, esse
(1992), deve superar a atividade psicoterápica
trabalho promoveu intensas mudanças, na
(muito próxima de um modelo clínico, uma
medida em que, a partir de sua realização,
vez que está focada na doença e na sua cura)
foi possível intervir no cotidiano escolar.
em direção à psico-higiene. Ainda que o
olhar do psicólogo esteja atento às relações
Dessa forma, Machado reforça a afirmação
institucionais produtoras da realidade
de que o papel da Psicologia não é outro
escolar, suas ações podem estar voltadas
se não o de problematizar as questões,
para o atendimento de uma questão que se
sempre buscando refletir sobre as práticas
apresenta ou mesmo para a prevenção para institucionais, sem esquecer o objetivo maior,
que essa ou outras não apareçam. Caminhar que é o bem-estar físico e psíquico daqueles
em direção à psico-higiene é focar em ações que estão sendo atendidos.
de promoção de saúde, e isso representa
retirar a atenção da doença (do problema, Sobre a função de problematizar as demandas
da questão) orientando-a para a saúde. Mais que chegam ao psicólogo, Bleger afirma:
do que apagar incêndios ou prevenir para
que eles não aconteçam, o psicólogo deve O psicólogo institucional (...) ajuda a
compreender os problemas e todas as
preocupar-se em criar espaços voltados para variáveis possíveis dos mesmos, mas ele
a promoção da saúde e do bem-estar entre próprio não decide, não resolve nem
os membros da instituição. executa. O papel de assessor ou consultor

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deve ser rigorosamente mantido, deixando de relações que compõem a instituição escolar
a solução e a execução em mãos dos (professor-aluno, sociedade-aluno, sociedade-
organismos próprios da instituição... (1992,
professor, entre outras) e o quanto essas redes
p. 43)
se produzem mutuamente.

Isso possibilita afirmar que o psicólogo


Por fim, as autoras destacam que a contribuição
escolar deve se entender como um ator
da Psicologia para a intervenção com
coadjuvante. Suas intervenções precisam
professores deve estar sempre orientada a
estar orientadas a promover reflexão entre
auxiliá-los a se enxergarem como sujeitos que
os membros da equipe da escola, fazendo
são produtos e também produtores de uma
com que se questionem acerca do que
realidade social e historicamente formada.
acreditam ser a verdade única e imutável
Dessa maneira, o saber psicológico está
sobre as coisas. Assim, os psicólogos estarão
sendo usado a serviço da potencialização
potencializando os demais profissionais da
desses profissionais perfeitamente capazes de
instituição para que eles, sim, ao refletir
construir projetos profissionais criativos.
e discutir as questões, possam agir, fazer,
conduzir. E é fundamental que ele, psicólogo,
Schön (1997) afirma que os professores
para alcançar tais objetivos, também se veja
realizam atividades de três tipos. A primeira
nesse processo de questionamento.
delas corresponde àquilo que ele sabe fazer,
a uma aplicação de seus conhecimentos, ao
Aguiar e Galdini (2003), em artigo cujo
chamado conhecimento-na-ação. A segunda
objetivo era refletir sobre as ações de
abarca toda ação que é também marcada
formação de professores, procuram mostrar
pela reflexão simultânea, ou seja, reflexão-
que avanços na qualidade da atuação
na-ação. A terceira exige dele conhecimento
docente não são alcançados meramente com
teórico e capacidade de dialogar com esse
investimentos técnicos. Tal compreensão
conhecimento, uma vez que se trata de uma
implica a consideração do professor não
reflexão sobre a ação e sobre a reflexão-
como um profissional naturalmente bom ou
na-ação, ou seja, de uma reflexão crítica
mau, mas como um sujeito construído socio-
a-posteriori, que constitui um repensar sobre
historicamente cujas práticas podem não suas práticas e suas reflexões, que lhe possibilita
apenas reproduzir, mas também modificar o a construção de seu próprio conhecimento
que está instituído. E assim provocar ecos em profissional assim como a aquisição de
todo o contexto educacional. autonomia em relação aos especialistas no
contexto escolar. É a análise crítica do que
A proposta de intervenção relatada pelas passou para o planejamento do porvir.
autoras baseia-se na concepção do professor
como um profissional crítico, capaz de Nesse sentido, cabe ao psicólogo auxiliar no
produzir conhecimento a partir da investigação resgate da autonomia do professor por meio
dos fenômenos com que trabalha. E é esse o de intervenções de potencialização e que o
objetivo central da intervenção: possibilitar a levem a investigar a dinâmica institucional.
produção de novos sentidos sobre a vivência O professor, mais do que qualquer outro
de ser professor. Acredita-se que esse objetivo profissional da escola – pois afinal, é ele quem
será alcançado com a problematização está a maior parte do tempo naquele espaço
daquilo que é cotidiano e que por isso não –, detém as condições para fazer as leituras
recebe a devida atenção. As autoras defendem necessárias ao que Bleger (1992) aponta
a importância de o professor, ao olhar para sua como construção do problema. Segundo esse
prática rotineira, conseguir enxergar as redes autor, as demandas que normalmente são

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apresentadas aos psicólogos como problemas e situações para que essas falas apareçam,
não passam de queixas que precisam ser assim contribuindo para a desnaturalização da
primeiramente codificadas em forma de realidade escolar. A partir da prática da escuta
problemas para que só assim possam ser ativa, é possível ao psicólogo problematizar as
trabalhadas. demandas destinadas à Psicologia e colocar-se
em uma posição coadjuvante, promovendo
Utilizando-se do conceito de escuta ativa, autonomia no corpo docente e a consequente
Kupfer (1997) aponta uma interessante conscientização de seu papel de construtor da
articulação possível entre a psicanálise e realidade escolar. Por acreditar nesse potencial,
a Psicologia escolar e que atende muito a escuta ativa, aliada à observação participante,
bem toda essa discussão que vem sendo compõe um dos dois pilares metodológicos
feita acerca do caráter das intervenções do da proposta de atuação que vem sendo aqui
psicólogo na instituição escolar. apresentada.

Partindo de uma comparação entre as Durante o estágio, todo esse aprofundamento


instituições e a linguagem, Kupfer afirma que no diálogo entre a teoria e a prática foi possível
é possível entender os discursos institucionais graças não apenas às supervisões semanais
como discursos dos sujeitos em análise, como também às demais atividades previstas
aplicando as regras de funcionamento no plano de estágio: elaboração de relatórios e
próprias da linguagem à instituição. resenhas e apresentações em eventos científicos
e palestras. Essa sistematização certamente foi
Os discursos institucionais tendem a produzir fundamental para uma ressignificação de todo
repetições, mesmices, na tentativa de preservar o percurso do estagiário nas escolas. A partir
o igual e garantir sua permanência. Contra do momento em que se conscientizaram
isso, emergem vez por outra falas de sujeitos dessa relação teórico-prática, muitos puderam
que buscam operar rachaduras no que está notar a importância de algumas ações que já
cristalizado. “É exatamente como ‘auxiliar vinham desenvolvendo e passaram até mesmo
de produção’ de tais emergências que um a sentir-se mais seguros na tarefa não apenas
psicólogo pode encontrar seu lugar (...)” de participar mas também de propor reuniões,
(Kupfer, 1997, p. 55) atendimentos, conversas, encontros e, em
alguns casos, até projetos de intervenção.
O compromisso do psicólogo em criar
oportunidades para que esses discursos À medida que os estagiários iam encarnando
circulem representa um compromisso com de forma mais efetiva o papel de psicólogos
desdobramentos que atingem diretamente escolares, aumentaram as solicitações da
o envolvimento e a responsabilização equipe em relação a eles. Dessa forma, um
dos sujeitos, pois implica perceber suas verdadeiro movimento em espiral foi se
colaborações no processo de construção, constituindo, uma vez que tais solicitações só
inerente a toda e qualquer realidade. E a vinham a contribuir mais e mais para que os
maneira pela qual Kupfer (1997) acredita ser estagiários percebessem as possibilidades de
possível criar oportunidades para a circulação atuação naqueles espaços.
das falas envolve não atender e nem recusar as
demandas da escola, mas sim, escutá-las, e de Pa r a l e l a m e n t e a e s s e p r o c e s s o d e
uma forma ativa, o que significa que, partindo conscientização profissional, pôde-se notar
do pressuposto de que os sujeitos só ouvem também que algumas rachaduras começaram
realmente aquilo que eles mesmos falam, o a ser operadas entre a equipe (especialmente
psicólogo precisa criar espaços, condições nas turmas acompanhadas mais diretamente

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pelos estagiários) em relação à qualidade das a escuta ativa como prática capaz de provocar
demandas dirigidas à Psicologia. Acredita-se rachaduras no que é tido como natural, assim
que tal movimento aconteceu em virtude como auxiliar na tomada de consciência da
da maneira como os estagiários procuraram responsabilização dos sujeitos na realidade que
encaminhar os chamados a eles dirigidos, os cerca, parece ser um potente instrumento
respaldando-se em toda a proposta de atuação que complementa a observação participante
do estágio que aqui foi apresentada. como escolha metodológica dessa proposta
de atuação.
Retomando e finalizando...
Aliado a uma proposta de atuação, este artigo
A proposta de atuação desenvolvida e aplicada tem como objetivo refletir sobre o processo de
por diferentes estudantes e uma supervisora do formação profissional em Psicologia. Acerca
Instituto de Psicologia da Universidade Federal desse aspecto, nada melhor do que finalizar
do Rio de Janeiro, que, ao longo de 10 anos trazendo trechos retirados dos relatórios
integraram a equipe de estágio em Psicologia individuais de conclusão – documentos
escolar da Divisão de Psicologia Aplicada, teve necessários à formalização do fechamento
na observação participante e na escuta ativa do estágio – elaborados pelos integrantes da
seus pilares metodológicos. equipe:

A experiência relatada busca demonstrar a “Fui aprendendo a conter minha ansiedade


importância dessas duas metodologias para a em alguns momentos e a perceber que
construção de uma proposta de atuação do existem questões que extrapolam a prática do
psicólogo no espaço escolar que vai ao encontro psicólogo. (...) Foi um estágio importante para
do que autoridades na área, como Marilena minha formação na medida em que contribuiu
Proença, Adriana Marcondes Machado, para a minha prática como psicóloga e me fez
Marisa Lopes da Rocha e Kátia Aguiar, entre pensar sobre o nosso papel dentro de uma
outras, já afirmaram em diferentes momentos. instituição como a escola”. (2001)
O psicólogo deve estar atento à dinâmica
institucional criadora da realidade escolar em “O estágio em Psicologia escolar tem contribuído
que emergem as demandas a ele destinadas. para a prática em Psicologia, à medida que
Um olhar para a dinâmica institucional é um consigo conciliar teoria e prática, tanto nas
olhar para as relações estabelecidas entre questões relativas ao desenvolvimento infantil
os sujeitos, processo bastante facilitado pela quanto no âmbito das relações interpessoais”.
observação participante na/da realidade (2001)
ímpar que cada escola constitui. Deve-se
fazer desse olhar uma importante fonte de “Pude perceber que é necessário abordar
conhecimento na qual beberá para propor a realidade concreta para propor e realizar
suas intervenções, que estão voltadas para a trabalhos com responsabilidade, que não
problematização das demandas e interessadas há receitas e propostas eternas e imutáveis,
em contribuir com o processo de construção e que tudo depende dos contextos e das
de autonomia daquele que é um dos atores possibilidades com as quais nos deparamos”.
principais do cenário escolar: o professor. Essas (2003)
intervenções também se preocupam com
aquilo que constroem, com seus efeitos, e aqui “O aprendizado adquirido é de difícil

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mensuração. Habilidades como saber lidar e não se basear apenas nas teorias que não
com as relações dentro de uma instituição, conseguem dar conta de sua complexidade,
entender o psicólogo escolar como um incomodar aqueles que estão acomodados e
profissional coadjuvante no contexto da interagir com pais e responsáveis de maneira
educação, perceber como é possível trabalhar produtiva começaram a ser desenvolvidas nessa
pela promoção da saúde, afastando-se de uma experiência” (2006).
abordagem clínica, agir negando uma ilusória
onipotência do profissional de Psicologia,
analisar a criança a partir da realidade concreta

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Lilian Ulup
Mestrado em Educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação - Fundação Getúlio Vargas, psicólogo
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ – Brasil.
E-mail: lilianulup@gmail.com

Roberta Brasilino Barbosa


Graduação em Formação em Psicólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestrando da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ – Brasil.
E-mail: robertabrasilino@gmail.com

Endereço para envio de correspondência:


Av. Pasteur, 250 – Pavilhão Nilton Campos – Urca, Rio de Janeiro – RJ – Brasil. CEP: 22290-240

Recebido 4/6/2011, Aprovado 9/12/2011.

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