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TESE DE DOUTORADO
Belém – PA
2014
JANDERSON VIEIRA DE SOUZA
Belém – PA
2014
JANDERSON VIEIRA DE SOUZA
COMISSÃO AVALIADORA
Belém - PA
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Jaime Lima de Sousa e Lídia Vieira de Sousa pelo apoio incondicional...
A Mariana Luz e Souza Alves, por me tornar pai. Perdoe-me pelas minhas ausências durante
o doutoramento, tenho certeza que de agora em diante vamos viver mais experiências juntos
como pai e filha.
A Daniela Pereira Alves, pelo cuidado com nossa filha durante minha ausência .
Aos meus irmãos Jailton Vieira de Sousa, Jaime Aparecido Vieira de Sousa (In memoriam),
Pedro Henrique Oliveira Sousa e Luzia Inêz Oliveira Sousa, companheiros de todas as horas.
Ao meu tio Benedito Lima de Sousa, pelas vezes que supriu minha ausência, me auxiliou e,
em alguns momentos, ouviu minhas angústias e quimeras.
A orientadora deste trabalho profa. Dra. Isabel Cristina Rodrigues Lucena - a meu ver
também uma intelectual da cultura matemática no ensino - pelo incentivo e compreensão
durante meu tempo de doutoramento. Espero ter correspondido à aposta a mim afiançada.
A profa. Dra. Maria da Conceição de Almeida pela partilha de saberes durante os seminários
avançados, congressos e pelo apoio cognitivo por meio de seus livros, que ampliaram minhas
percepções sobre a forma de pensar complexa. Obrigado por me mostrar uma forma tão
especial de ler o mundo.
Aos intelectuais da cultura matemática Ubiratan D’Ambrosio, Iran Abreu Mendes, Eduardo
Sebastiani Ferreira, Rogério Ferreira, Pedro Paulo Scandiuzzi por irradiar uma formação de
professores de matemática a frente de seu tempo, direcionada a uma perspectiva de mundo
mais humana. Tenham a certeza que temos muito a aprender com todos vocês!
Aos meus amigos de doutoramento: Valeria Risuenho, Osvando Barros, Filardes, Augusta
Raposo e Lucélida.
Ao meu professor referência das séries iniciais, carinhosamente chamado de (Papa), por no 8º
ano, antiga 7º série do ensino fundamental, me mostrar a beleza da matemática ocidental.
As minhas tias Rita de Cássia e Maria de Fátima (In memoriam), primeiras referências
familiares como professoras no estado do Tocantins.
Ao Professor José Pedro Machado Ribeiro, um guia para meus caminhos trilhados. Este é o
meu reconhecimento da sua aposta e confiança em mim afiançada durante a realização do
mestrado que me motivaram a seguir o doutorado sobre Etnomatemática.
A todos os membros da banca examinadora que, apesar do pouco tempo disponível, em
função das mais diversas atividades acadêmico-profissionais, se dispuseram prontamente a
avaliar o trabalho.
Aos meus companheiros de caminhada Fernando Guedes Cury, Robson Vinciguera, Jamur
Venturini, José Ricardo e Souza Mafra e Fernanda Vital, companheiros em diversos
momentos do meu doutorado.
In this thesis, theoretical and epistemological, manifest the following bet that
Ethnomathematics emerges in a world of reading towards another paradigm of sciences, a
post-modern science, open, in which there is no truth, but rather truths. My initial goal within
the research was to seek to understand / identify theoretical and methodological foundations
in the activities of mathematics teacher educators who understand mathematics as a cultural
product while pointing intersections / disagreements between the making of these teachers
and the complexity in order to oxygenate the training of mathematics teachers. These inset, a
job motivated by the identification of the need to overhaul the training of mathematics
teachers in the Brazilian scene, started forking other paths that articulate the practice,
epistemology and theory, particularly for a reflection on the way of thinking teacher training
via Ethnomathematics and complex thought. In this vein, I performed a literature search in
books, scientific articles, videos, documentaries, book chapters, interviews already conducted
in magazines or other area researchers, among other materials dealing with Ethnomathematics
or elencam mathematics as a cultural product, conducted interviews with five math teachers
who adopt this knowledge in your area do but compose a theoretical matrix of these five
teachers. After building the data, I checked the activities of teachers investigated a pretty bold
way to treat mathematics, where transdisciplinarity, the enhancement of cultural knowledge
and appreciation of the multiple knowledge indicate the presence of complex thinking in this
way to see science through their cognitive operators complexity (holographic, recursive and
dialogic). Briefly, in its three decades of existence, Ethnomathematics leads to an
understanding of mathematics as open science with human guidance, and promote the
incorporation of man in science, because of its theoretical composition leveraged by those
who are part of this group researchers in academia. In taking the focus used the knowledge of
the cultures, they deepen the discussion and build a path from the perspective of teaching and
learning mathematics - and other areas of knowledge - in order to show a new knowledge and
a reform in thinking, moreover, the notes reinforce the existence of near theoretical
implications of Complexity.
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Utilizarei a palavra Etnomatemática com a letra inicial “E” durante todo o texto em maisculo para indicar que
me refiro ao Programa de Pesquisa Lakatosiano referido por Ubiratan D´Ambrosio. Outrossim, é aceitável
também outras conotação como matemática, Programa etnomatemática, Programa de Pesquisa, em outras
palavras que se trata de uma área de conhecimento aberta e em contrução.
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Na escrita de uma tese, atualmente é recorrente registrar, nos capítulos iniciais uma
exposição descritiva-analítica, por vezes, filosófica, dos momentos mais importantes na/da
vida, também acadêmica, do autor da tese. Não vou me abster desta característica comum
entre meus pares e, neste capítulo, cito informações as quais penso ser pertinentes para
demonstrar minhas inquietações, surgidas durante experiências anteriores e que culminam
nesta tese. Para isso, evidenciarei como a minha experiência escolar e minha experiência na
universidade enquanto acadêmico e pesquisador se entrecruzam e como elas acabaram por
gerar a proposição doutoral.
Quando ainda adolescente, durante as aulas de matemática em escolas de ensinos
Fundamental e Médio, percebia nitidamente que, para uma quantidade significativa de
estudantes, a disciplina matemática era vista como um “bicho de sete cabeças” e grande parte
dos meus colegas de sala de aula não gostavam ou tinham atitudes negativas em relação a esta
área de conhecimento.
Os motivos para essa visão estereotipada eram vários, tais como um sentimento de
incapacidade de perceber e aplicar a matemática no cotidiano, a existência de um clima
desfavorável para o aprendizado da disciplina, pois os estudantes eram submetidos a atitudes
negativas em relação à matemática: diversas fórmulas e equações a serem “decoradas”, além
da pouca compreensão do que realmente se tratava; da concepção equivocada da matemática
como uma área de conhecimento para poucos e gênios; a ideia errônea dessa disciplina
apresentar uma linguagem aborrecida e obscura, dentre outras opiniões. Mesmo assim, diante
desse quadro, tive inclinação para cursar matemática.
Durante o Ensino Fundamental, numa escola conveniada do município de Goiânia-Go,
mais precisamente no oitavo ano – antiga 7º série –, acredito ter tido o primeiro impulso para
aquilatar minha aspiração pela matemática. Apesar de precoce, esse foi possivelmente o
primeiro incentivo a seguir a carreira docente, porque nesta série demonstrei várias
habilidades que, às vezes, foram até elogiadas pelo professor da turma. Isso me incentivou,
cada vez mais, a estudar os conteúdos propostos na matemática. Portanto, o estudo da
matemática para mim era um prazeroso entretenimento.
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as habilidades matemáticas para atuar como professor dessa disciplina nas escolas de ensino
Fundamental e Médio.
Durante a realização do curso, construí uma solida formação matemática e,
concomitantemente, estabeleci grande afetividade com relação às ciências humanas da
educação, em função das disciplinas pedagógicas as quais cursei. Vi a necessidade de
entender e dar profundidade às discussões relativas ao ensino da matemática imerso em um
cenário educacional para além do ensinar conteúdos matemáticos, no sentido de ser este
apenas mais um ponto importante diante de tantos outros a serem amplamente discutidos num
cenário mais complexo. Mal sabia que esta atitude já reverberava uma tentativa de assumir a
complexidade da atividade educacional e a falta de instrumentos que, até então, me
impossibilitavam resolver ou apontar caminhos em prol de um ensino de matemática melhor.
Imediatamente após a conclusão da graduação, comecei a atuar como docente na
Universidade Católica de Goiânia – atual Pontifícia Universidade Católica de Goiânia – com
disciplinas de Geometria Analítica e Cálculo Vetorial para os cursos de Engenharias – Civil,
Elétrica e Alimentos – e de Matemática Básica para o curso Ciências Contábeis. A partir
dessa vivência no ensino superior, senti obrigação de prosseguir na busca de uma formação
mais densa nessa área. Para tanto, ingressei em duas pós-graduações latu-sensu: uma em
Métodos e Técnicas de Ensino relacionando a temas educacionais na Universidade Salgado de
Oliveira (UNIVERSO); e outra em Matemática, pela UFG, associada ao aprimoramento do
ensino de conteúdos matemáticos ocidentais.
Ambas as experiências abriram-me portas para lecionar na própria faculdade –
Universidade Salgado de Oliveira – do campus Goiânia no curso de especialização (latu-
sensu) em Educação Matemática, na qual ministrei disciplinas em forma de módulos, em:
Jaraguá, Niquelândia, Luziânia, Goianésia, Taguatinga, entre outros municípios do interior do
estado de Goiás. Este curso de especialização em forma de módulos oferecia aos estudantes
disciplinas como Álgebra Linear, Teoria dos Números, Laboratório de Geometria. Essa oferta
ocorria de forma concomitante a oferta de temas relacionados à Educação Matemática, tais
como: Laboratório de Ensino e Informática na Educação, dentre outras temáticas que fazem
parte das tendências em educação matemática.
Ministrar esses cursos provocou-me reflexões relevantes para minha atuação como
docente e pesquisador, pois pude começar a lidar com professores de matemática de
localidades diferentes e com realidades e experiências diversas. Naquela ocasião, eu não
compreendia que aquela vivência era uma experiência próxima à transdiciplinaridade, na qual
o estabelecimento de vários diálogos, seja com os professores, seja com as áreas de
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“verifiquei [..] dificuldades no fazer do professorado que não conseguia resolver tais
questões diante da perspectiva paradigmática em que estava fundado”
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Terminologia utilizada na proposta de ciclos do município de Goiânia-Go que, em outras palavras, convida o
professor ou professora a um repensar dos tempos da escola, dos tempos necessários para o ensino e
aprendizagem dos educandos, para além do ensino de conteúdos, e sim da construção do homem inserido numa
sociedade. Pensar nos tempos de vida é um refletir na estrutura curricular, das necessidades para este educando
encontrar na escola seu papel como indivíduo social na sociedade.
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“constata não ser possível compreender a atividade mental sem levar em consideração a
cultura”
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Como produto deste trabalho, foi concebida uma dissertação de Mestrado em Educação em Ciências e
Matemática, na qual investiguei como o professor de matemática nos ciclos de formação incorporava e
compreendia os trabalhos naquela estrutura de ensino, tendo como aporte teórico a Etnomatemática.
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Os Ciclos de Formação são políticas organizacionais na educação de ensino fundamental e médio presentes em
vários municípios do Brasil (São-Paulo-SP, Uberlândia-MG, Porto-Alegre-RS), que, em geral, vislumbram uma
forma mais inclusiva de escola, em vários aspectos como: cognitivo, socio-afetivos, dentre outros.
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A palavra “hologramatica” assume a expressão associada ao pensamento complexo. Será mais explorada
durante o texto. Grosso modo, seu conceito esta associado a relação parte e todo, todo e parte.
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Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Matemática e Cultura Amazônica/GEMAZ da Universidade Federal
do Pará.
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Investigações Filosoficas, no ano de 1953, e a educação matemática. Para essa autora foi
possível identificar implicações de Wittgenstein para esta área de conhecer, denominada
Etnomatemática. Dentre esses fundamentos, Wittgenstein contesta a existência de uma
linguagem universal, problematizando-a por meio dos chamados jogos de linguagem. Durante
seu Doutoramento, Fernanda Wanderer procurou evidenciar a matemática escolar numa
escola e identificou um conjunto de jogos de linguagem em função da escrita, abstração,
linguagem formal, ancorados nos estudos da tabuada em Wanderer (2009). Pode-se, a partir
de sua reflexão, vincular essa questão com as problematizações proporcionadas pela
Etnomatemática, que busca romper com a matemática universal “ocidentalizada”, além de
algumas interpretações do trabalho de Wittgensatein imbricarem em estabelecer que o
contexto se constitua numa referência para entender a linguagem (WANDERER, 2013).
Denise Silva Vilela também traz contribuições alicerçadas na filosofia de Wittegstein.
Ela defende que investigações de caráter antropológico sobre as raízes culturais das ideias
matemáticas têm fundamentos na perspectiva desse filósofo, além de reforçar a ideia da
incorporação de várias vertentes filosóficas a essa área de conhecimento, dentre elas a do
próprio Wittegenstein. Desse modo, a pesquisadora a priori apresenta a proposição da terapia
filosófica e discute a possibilidade de empreendê-la na educação matemática. Grosso modo, a
terapia filosófica quer desfazer-se de ideias exclusivas como da matemática única, de forma a
desvelar um quadro de que todas as matemáticas convergem para uma única matemática,
neste caso a matemática ocidentalizada. Para tanto, em seus trabalhos, ela aponta para uma
diversidade de práticas matemáticas e nos mostra que essas práticas nem sempre convergem
para a matemática ocidental. Este é o caso especial das Etnomatemáticas também, pois: “a
Etnomatemática coloca em campo uma pluralidade de jogos de linguagem dos quais as
matemáticas participam, e esses jogos de linguagem expressam, por sua vez regras próprias
em praticas matemáticas especificas” (VILELA, 2009, p. 110).
Outra pesquisadora, nesta direção supracitada, é Gelza Knijinik que, em seu
doutoramento, teve como campo de investigação o Movimento Sem Terra (MST), por meio
do qual explora de sobremaneira a filosofia da educação e a educação matemática, em
especial a Etnomatemática. Por meio de uma discussão epistemológica, ela conecta cultura e
as lutas de poder que estão diretamente associadas ao poder social daqueles que produzem e
reproduzem (KNIJINIK, 2006, p. 150), além de problematizar as verdades instituídas sobre as
matemáticas dos grupos, marcadas pelos jogos de poder do campo científico ao qual
pertencemos. Um dos caminhos epistemológicos, percorridos em seus trabalhos, orienta para
o reconhecimento da matemática como um tipo de conhecimento cultural, além de uma
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salientarmos a titulo de informação que esse tipo de pensamento, ainda marginal, encontra
adeptos principalmente nas universidades, e revela educadores, a todo tempo, que recorrem a
esses conceitos como uma possibilidade, isto é, como uma forma de ver o mundo.
No cenário mais amplo, as áreas de conhecimento (que são formas de ver o mundo)
conquistaram, durante o passar dos séculos, o status de infalíveis, compostas por verdades
“absolutas” e “inquestionáveis”. Tudo isto se deve, certamente, a movimentos favoráveis a
este panorama, no qual, o positivismo sugere que o conhecimento cientifico é o único e
verdadeiro tipo de conhecimento, de que só se pode afirmar que uma teoria é correta se for
comprovada por métodos científicos válidos. Nessa vertente, outros tipos de conhecimentos
são classificados como crenças, superstições, lendas, mitos, entre outros, todos considerados
conhecimentos menores no meio acadêmico.
Muitos livros tratam da evolução histórica da pesquisa científica, e porque desta
creditação do saber científico ter adquirido, com o passar dos séculos, este caráter de certeza e
verdade absoluta. Vale a pena evidenciarmos que Descartes foi um representante desta forma
de fazer ciência, ao buscar se afastar dos métodos de indução para reafirmar a dedução.
Assim, Descartes acreditava chegar à verdade por meio da razão e considerava esse método
como a própria verdade. O mais interessante é que Descartes, ao fazer um relato sobre
ciências em seu livro o discursso do Método, afirma “Comprazia-me, sobretudo, com a
matemática, por causa da certeza e da evidência de suas razões” (DESCARTES, 1996, p. 11).
Istó é, para a construção do método, ele buscou inspiração na postura e na forma de fazer
ciências dos “matemáticos”. Logo, pensar em conhecimento científico ficou, por algum
tempo, na história, como redução e fragmentação; isto é, com o entendimento de que um
fenômeno complexo só deve ser conhecido dessa forma e só por meio desta que se chega à
verdade, e esta posição passou a ser a forma de pensar dos sujeitos. A posteriori, para
examinar um fenômeno complexo, era recomendado pelo método de Descartes, “dividir em
quantas partes forem necessárias para resolvê-la”. (DESCARTES, 1973, p. 13). Portanto, um
dos alicerces fundeados a despeito da fragmentação e do reducionismo advém da perspectiva
específica do método proposto por Descartes e outros filósofos que, a partir do Século XV,
advogaram a favor dessa maneira de se fazer conhecimento científico em suas épocas.
Todavia, as pesquisas científicas têm uma história secular pautada na busca para explicar e
entender a natureza, e em um certo momento da história (entre os séculos XVIII e XXI) se
deparou com emergências as quais o conhecimento fragmentado e reduzido não deram conta
de resolver.
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positivista, bastante impregnado no cenário investigativo como uma verdade absoluta, única e
inquestionável.
Nessa direção, Almeida (2012) trata uma concepção complexa da Educação e destaca
os operadores cognitivos, como: educação como formação, sobre a diversidade humana, de a
pedagogia ser uma ciência para o homem, além de enfatizar o papel do professor atualmente
frente às incertezas de nosso mundo, dá necessidade de reconhecer o sujeito como um sistema
aberto, em eterna construção. Essa visão torna, assim, fundamental ponderar sobre homens
híbridos para se discutir a existência dos coletivos.
Vale, então, evocar o que afirma Bruno Latour, em seu livro Jamais fomos Modernos,
Latour (1994), sobre o conceito de ciência. O autor principia sua compreensão pela
necessidade de as ciências novas não serem separadas dos outros conhecimentos científicos.
O conceito de sujeito híbrido está associado ao sujeito capaz de compor vários elementos em
um só, do cruzamento de diferentes, de diversos.
A dialógica que põe em movimento os pares natureza-cultura, sujeito-objeto, homem-
mundo-coisas, global-local, universalismo-particularismo e conjunto ciência, não ciência,
técnica, poder e política, são exemplos de hibridação que nos constitui como sujeitos
enraizados nas experiências individuais e locais e simultaneamente como personas e faces de
um homem genérico do qual falou Marx (ALMEIDA, 2012, p. 95). Isto é, a incursão de dois,
três ou mais elementos geram elaborações em face da realidade atual e da possibilidade ou
não de soluções de problemas da sociedade.
Ubiratan D’Ambrosio também alerta, que o conhecimento hoje se encontra em
“Gaiolas epistemológicas”, quer dizer, dominam-se de forma intensa áreas de conhecimentos
especificas das ciências e decompõem-se em partes, tantas quantas forem necessárias, para a
compreensão do fenômeno. Dessa maneira, ao se estudar determinado fenômeno, se atribui ao
“conhecer” para um “conhecer” o fenômeno fragmentado, local, pontual e reducionista, capaz
de sobrepujar o global totalizador e o diálogo entre local/global (método espiral).
Desse modo, surge a necessidade de uma visão capaz de aproximar mais o conhecer
do fenômeno a ser explorado, principalmente em função das emergências que surgem na
atualidade. Assim, diante deste movimento, por vezes desordenado, surgem demandas a
serem resolvidas, mas as “teorias” são insuficientes para resolver parte destas emergências.
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intelectuais no seu dia a dia. O conjunto desses instrumentos se manifesta nas maneiras, nos
modos, nas habilidades, nas artes, nas técnicas, nas ticas de lidar com o ambiente, de entender
e explicar fatos e fenômenos, de ensinar e compartilhar tudo isso, que é o matema próprio, a
comunidade, ao etno. Isto é, na sua Etnomatemática. (D´AMBROSIO, 2005, p. 35). Para o
autor, a matemática como uma Etnomatemática é imbuída de uma concepção multicultural,
haja vista esse campo do conhecimento estar associado a uma questão maior, referente a sua
natureza ambiental ou mesmo de produção, logo, dificilmente a matemática é desvinculada de
outras manifestações culturais (D´AMBROSIO, 2005).
Teresa Vergani enriquece esta discussão e amplia os fundamentos ao afirmar que “no
domínio da etnomatemática passa-se a um processo praticamente inverso: trata-se de olhar a
matemática como uma ciência profundamente humana” (VERGANI, 2007, p. 36). Grifos do
autor. Nesse sentido, Vergani advoga por uma Educação Etnomatemática como:
Outro ponto acionado a esse assunto tem a ver com a perspectiva eurocêntrica de se
compreender a da história da matemática. Para esses autores existe outra contradição na
maneira que a Etnomatemática vê a herança grega na história da matemática; por um lado,
essa área conceitual valoriza intensamente a multiplicidade de origens culturais dos
conhecimentos matemáticos, mas, por outro, tem um ponto de vista negativo do produto final
grego: a dedução. Os autores argumentam que:
Essas críticas, entre outras supostas contradições, põem em xeque esta leitura de
mundo que, como constructo teórico, vem numa crescente e acaba por contribuir, no sentido
de buscar superar as contradições pertinentes por meio do fortalecimento dos conceitos
associados à Etnomatemática. Contudo, retomando a perspectiva de matemática como uma
expressão, um pensamento, uma manifestação humana, eu identifico uma proposição de
ensino da matemática que supera a visão única de uma matemática personificada apenas por
gênios e de pessoas com grandes habilidades no modo de lidar com esta linguagem. Outrora,
esta seria também uma forma importante para conhecer o mundo, mas ela privilegia uma
ciência feita por/para poucos, objetiva, entre outras conotações que, a meu ver, são
limitadoras.
Pelas interseções dessas ideias, visualizo a possibilidade mais intensa de investigar o
ensino da matemática entre professores detentores de uma perspectiva humanizada, acionada
por operadores capazes de incluir o homem no conhecimento e de superar a visão positivista
de uma ciência amputada do sujeito. Nessa mesma perspectiva, Teresa Vergani (2003)
ressalta a necessidade do professor de matemática não se isolar perante as variáveis que giram
em torno da educação, dar ênfase na essencialidade de uma educação voltada para as
aspirações e inquietações do mundo atual, de visualizar o acolhimento do discente na
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A palavra “recursivo” assume a expressão associada ao pensamento complexo. Será mais explorada durante o texto.
Grosso modo, expressa um movimento de ida e volta.
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“Complexidade [...] é mais associado ao “tecer algo em conjunto” do que a algo difícil
e/ou complicado suscitado pelo senso comum”
ciências exatas, reconheço a presença humana, sua vivacidade, sua dinâmica, sua afetividade
como uma forma de conhecer o mundo.
Na tese aqui em construção, cabe, então, a reflexão sobre uma ciência da inteireza,
pela busca de superar essas fronteiras estendidas ao longo dos séculos e fortalecidas por um
conhecimento científico unicamente pautado no paradigma positivista. Defende-se que o
pensamento marginal capaz de acionar esta ciência em sua totalidade e unicidade é o
denominado por Complexidade.
O Pensamento Complexo, evocado por Edgar Morin, é uma área de conhecimento
considerada um caminho marginal na academia Almeida (2009, p. 110), tanto em caráter
epistemológico quanto filosófico. Esta linha de pensamento, ainda em construção, surgiu na
cibernética e na teoria dos sistemas, conforme Morin (2010a), e um de seus problemas
fundamentais fora o fato de não haver nada na natureza simples e, sim, uma simplificação9 ou
fragmentação de fatos. O surgimento desta área de conhecimento decorreu dos avanços do
conhecimento rumo a uma nova era que, conforme o próprio Edgar Morin, denomina-se como
era planetária, que vislumbra contrapor-se aos conhecimentos fragmentados, religar formas de
conhecer e religar saberes que foram separados a partir de uma inspiração/originação do
cartesianismo.
Na educação, e principalmente na formação de professores, ainda se encontra em fase
de formação de grupos que compartilham e defendem esta reforma do entendimento, porém,
já é notável um grande número de pessoas as quais adotam como fundamento o pensamento
complexo. Dentre eles, posso destacar o Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM),
sediado em Natal-RN, sob a coordenação da professora Maria da Conceição de Almeida, com
trabalhos de relevância no cenário educacional, e no qual tive a oportunidade de vivenciar um
durante um pequeno período um intercambio cultural.
A fim de esclarecer sobre os significados admitidos para esta proposição doutoral,
grosso modo, poder-se-ia entender a Complexidade como algo demasiadamente difícil ou, até
mesmo, algo oposto ao termo fácil. Ancorado em Morin e Le Moigne (2000, p. 207)
aproximo o sentido da palavra Complexidade por “aquilo que é tecido conjuntamente” da raiz
etimológica “complexus”, denominado também como “o tecido formado por diferentes fios
que se transformaram numa só coisa” (MORIN, 2010a, p. 188).
O prefixo “com” desta palavra pode subsidiar a ideia de duplicidade ou dualidade de
elementos opostos, mas enlaçados. Em outras palavras o conceito supracitado é mais
associado ao “tecer algo em conjunto” do que a algo difícil e/ou complicado suscitado pelo
9
Ver a esse respeito Morin e Le Moigne (2000)
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senso comum. Logo, pensar em complexidade não necessariamente é pensar em algo difícil.
Pois é necessário distinguir complexidade de complicação:
outras palavras, os fatos emergentes da qualificação do todo nem sempre é igual à soma das
partes como o cartesianismo leva a crer. Nessa linha de pensamento, a soma das partes pode
ser mais do que o todo devido às emergências surgidas durante a interação e manipulação
dessas partes. Um exemplo disso seria a água que é visualizada como o todo, mas é
constituída por dois elementos químicos oxigênio (parte) e hidrogênio (parte) e que tem
qualidade emergente que as partes separadamente não têm. Da mesma forma, o “todo é menor
que a soma das partes” (MORIN, p. 159), pois as partes sozinhas podem ter qualidades que o
todo não tem. Portanto, ambas as afirmações, nessa teoria, são válidas mesmo que
antagônicas.
A cibernética, bastante difundida atualmente, é relacionada com a autonomia das
máquinas associada à ideia de retroação, na busca de romper com o princípio da causalidade
linear, traz a tona de a causa age sobre o efeito, como o próprio efeito age sobre a causa.
Morin e Le Moigne (2000) exemplificam esta situação e descrevem que uma violência
causada por um elemento A pode gerar um efeito ainda mais violento por parte do receptor B,
que motiva retroações diversas entre os dois fenômenos.
No segundo andar das bases do pensamento complexo, temos a auto-organização.
Petraglia (2010) assevera que o sujeito emerge conforme e a partir da sua auto-organização,
que está relacionada a sua capacidade de se transformar sempre. Maturama (2001), em A
árvore do conhecimento, relata a auto-organização relativa à capacidade do ser de se auto
sustentar pelos seus próprios cordões.
No terceiro andar, temos os princípios ou operadores cognitivos, também designados
como instrumentos ou como as categorias de pensamento; eles ajudam a pensar e a
compreender a complexidade e a colocá-la em prática. Substanciado por Morin e Le Moigne
(2000, p. 204), temos o princípio dialógico que pretende unir “dois princípios ou noções
antagônicas que aparentemente deveriam repelir-se simultaneamente, mas são indissociáveis e
indispensáveis para compreensão da realidade”. Esse principío, firma existir duas noções
antagônicas, mais congentes para interpretar a realidade, “digamos aqui que dialógico
significa a unidade simbiótica de duas lógicas que ao mesmo tempo se alimentam, competem
entre si, parasitam-se mutuamente, se opõem e combatem até a morte” (MORIN, 2008a, p.
105). Um exemplo deste instrumento cognitivo pode ser a relação entre pais e filhos (Figura
01) com relação as gerações, que muitas vezes é conflituosa mas é imperiosa o entendimento
entre eles.
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Causalidade Linear é a relação entre um evento (a causa) e um segundo evento (o efeito), sendo que o segundo
evento é uma consequência do primeiro.
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transformação das proposições, por meio de conjuntos, dentro da lógica de zero e um, pela
matemática fuzzy, e incluir-se, por sua vez, a complexidade do sistema agregando graus de
imprecisão e incerteza e levando-os em consideração durante seu cômputo. Portanto, associar
os operadores cognitivos ao incerto como principio é uma oportunidade de livrarmos o
pensamento de amarras do acabado, do final, da definição e de caminhar rumo a um
Pensamento Selvagem11.
Por conseguinte, o inacabamento como característica dos fenômenos atende a posição
de abertura ao “acabado” ou oposição ao acabado. É estar sempre em processo de evolução,
de mudança ou de transformação. É “permitir a interação com outros fenômenos, matérias e
sistemas” (ALMEIDA, 2012, p. 65).
Ao mesmo tempo, o pensamento complexo também pode evocar a religação dos
saberes, para dialogar com a complexidade das coisas da natureza e da humanidade. Esta
proposição (pensamento complexo) reunida por Edgar Morin acolheu fundamentos, conceitos,
noções diante do “tecer em conjunto”, ao religar razão e emoção, sujeito e objeto, fenômenos
e processos ocorridos na vida. Assim, esse autor seminal, ao propor os instrumentos
cognitivos como forma de operadores do pensamento – hologramático, dialógico e recursivo,
possibilita religar os conhecimentos fragmentados em forma das disciplinas que, nos últimos
séculos, foram separados. Igualmente, ao refletir sobre esse tema, penso que uma questão
fundante da atualidade é enfrentar a complexidade do real, de se perceber que as religações ou
articulações dos fenômenos permitem superar o paradigma simplificador incapaz de dar
solução às emergências que surgem na contemporaneidade.
Por outro lado, é relevante salientar a importância da disjunção, da separação, do
reduzido a fim de compreender a realidade. Portanto, a religação dos saberes não deve ser
compreendida como militância rumo ao real, mas como uma oportunidade para ver o todo e
ver as partes que não são conhecimentos totais e, sim, mais uma leitura significativa de
mundo. Essa leitura de mundo pode ser reverberada para o meio educacional no intento de se
perceber a concepção limitada de estudos seguindo somente por meio disciplinar, logo, nesse
diapasão, a religação das disciplinas como transposição da religação de saberes de Edgar
Morin ganha folego e se robustece enquanto corpus teórico.
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Para Lévi-Strauss, o Pensamento Selvagem pode ser confundido com o pensamento dos selvagens ou um
pensamento primitivo e arcaico, porém, considera-o, mas como um pensamento em estado selvagem, diferente
de um pensamento cultivado ou domesticado com vistas a obter um rendimento (LEVI-STRAUSS, 1989).
Compreendo, então, que este pensamento está mais próximo de um pensar em exercício livre. Ressalto também
que, segundo Lévi-Strauss, esta forma de pensar utiliza os mesmos recursos cognitivos que o pensamento
científico.
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Igualmente, vale ressaltar ainda que os operadores considerados como bloco forte do
pensar complexo, como a incerteza, o inacabamento, a religação dos sabres e outros
princípios, despontam-se também como incompletos, pois um pensamento regenerador, capaz
de recusar a hegemonia do pensamento universal e do saber enciclopédico em função de
anunciar o detalhe e o amplo, ou a associação entre eles como algo significativo, anuncia
intrinsicamente a aceitação de várias formas de pensar, inclusive o próprio pensamento
cartesiano é de suma importância para a resolução de problemas essencialmente
fragmentados, porém, não é aceitável que tal pensamento seja posto de forma hegemônica a
despeito de ler o mundo, mas, sim, advoga-se a inclusão de outras formas de ler o mundo.
Portanto, após estabelecer o solo téorico da proposição doutoral, a seguir delinearei a
trajetória percorrida na aposta de tese aqui supracitada, isto é, o caminho percorrido em meio
a esta investigação.
A CONSTITUIÇÃO DE UM CAMINHO
Em outras palavras, minha busca por um caminho aliado ao método foi no intuito dar
mais liberdade ao pensamento e, ao mesmo tempo, de superar as fronteiras postas pelas
metodologias ao se apresentarem rígidas durante a investigação, haja vista, ter elencado como
uma de minhas referências a complexidade, um tipo de ciência aberta que se recusa a pensar
nos conceitos ou leituras de mundo como uma verdade.
O método da complexidade pede para pensarmos nos conceitos, sem nunca os dar por
concluídos, para quebrarmos as esferas fechadas, para restabelecermos as articulações entre o
que foi separado, para tentarmos compreender a multidimensionalidade, para pensarmos na
singularidade com a localidade, com a temporalidade, para nunca esquecermos as totalidades
integradoras. É a concentração na direção do saber total, e, ao mesmo tempo, é a consciência
antagonista e, como disse Adorno, “a totalidade é não verdade”. A totalidade é, ao mesmo
tempo, verdade e não verdade, e a complexidade é isso, a junção de conceitos que lutam entre
si (MORIN, 2010a, p. 192).
Portanto, pensar num método para investigar é aceitar a subjetividade do objetivo, do
final, do definido para, com isso, abrir as comportas do fato em si, a fim de reconstruí-lo
enquanto objeto de análise. Assim, penso ser muito importante me despir de uma perspectiva
fechada do conhecimento por meio de definições para compreendê-lo apenas como uma
leitura de mundo, entre outras.
Contudo, ao invés de adotar uma questão norteadora, como é recorrente em muitos
trabalhos de pesquisa doutoral, arrisco-me a substituí-la por uma afirmativa da tese e apostar
que – A Etnomatemática apresenta uma rota epistemológica rumo a uma ciência
complexa – justifico esta proposição por acreditar nela, portanto, por assumir esta tese não
como uma pergunta, mas como uma afirmativa, por que aposto na proposição em função das
evidências, das suspeitas, dos indicativos anunciados em trabalhos, artigos, livros que me
avalizam tal afirmativa. Por outro lado, ao assumir esta tese por meio desta afirmação como
guia, não quero assegurar a tese como verdade absoluta, mas sim, como uma verdade entre
outras, isto é, uma leitura feita de acordo com meus referenciais teóricos e com a construção
de dados que fiz.
Portanto, busquei investir em instrumentos capazes de evidenciar a proposição de que
a Etnomatemática é complexa, é mestiça no tipo de abordagem; ela é fruto do cruzamento de
várias áreas de conhecimento, ela é hibrida no sentido de ter em conta o diálogo da identidade
local e identidade global e da geração de um mundo unitário e plural (VERGANI, 2007).
Nesse caminho, iniciei a investigação por uma Revisão Bibliográfica num movimento
de ida e volta de leituras sobre textos pautados, principalmente, sobre a área de conhecimento
41
12
José Pedro Machado Ribeiro, professor adjunto do Instituto de Matemática e Estatística desde 1997. Membro
do corpo docente do Programa de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática da UFG. Qualificação:
Bacharel em Matemática pela Universidade Federal de Goiás (1991); mestrado em Matemática pela
Universidade de Brasília (1995); e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2006), área de
concentração Ensino de Ciências e Matemática e Etnomatemática. Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Etnomatemática, atuando principalmente nos seguintes temas: Etnomatemática, Educação
Matemática, História da Matemática, Educação Indígena, Formação de Professores, Ensino e Aprendizagem,
Matemática - aspectos sociais e a dinâmica intra e intercultural.
42
possíveis candidatos para trabalhar esta tese. Minha seleção buscou professores-pesquisadores
de regiões distintas do Brasil e gerações diferentes de professores que assumissem a
Etnomatemática como campo de conhecimento, que publicaram livros e ou artigos que tratam
desse assunto, além, é claro, que tivessem uma boa condição de interlocução com eles durante
a investigação. Inicialmente, busquei até mesmo o banco de dados da CAPES, mas este não
foi o instrumento principal de seleção.
Contudo, optei por explorar as atividades dos professores/pesquisadores Ubiratan
D´Ambrosio, Iran Abreu Mendes, Eduardo Sebastiani Ferreira, Pedro Paulo Scandiuzzi e
Rogério Ferreira, nos quais identifiquei fortemente a presença de elementos que me
conduziam a pensar numa leitura de mundo para além da matemática acadêmica, com um
olhar pautado numa visão de homem e de mundo ancorada numa perspectiva complexa.
Admito que não fiquei preso a aspectos quantitativos e objetivos durante a escolha
desses pesquisadores, não me preocupei com quantos livros publicaram ou de quais projetos
de pesquisa e extensão fizeram parte, ou coisas desse tipo. Afirmo, então, que minha opção
foi afetuosa, no sentido de investigar mais as características complexas desses professores de
matemática que inseriram em minha prática pedagógica a este campo do conhecimento, e,
efetivamente, devido a eles influenciarem minhas atividades acadêmicas com seus trabalhos
na academia. Esses professores foram aqueles que me despertaram a curiosidade em saber
mais sobre esta área, e, consequentemente, sobre seus próprios trabalhos, portanto, a escolha
motivada também pela curiosidade de trabalhar com professores pelos quais tenho admiração
devido ao trabalho realizado até então.
Ademais, percebi, entre esses pares escolhidos, muitos fundamentos que assumiam a
matemática como processo e produto cultural. Por sua vez, busquei em outros livros
compreender esse conceito associado à superação da visão de matemática única – matemática
escolar –, a ser superada pela visão de várias matemáticas de diferentes povos e nações. Pude
verificar que o trabalho baseado apenas numa matemática que valoriza fórmulas, algoritmos e
cálculos é demasiadamente simplista, haja vista a grandiosidade de possibilidades que a
matemática como área de conhecimento pode oferecer no sentido de leituras de mundo.
Além do trabalho de compreensão dos conceitos sobre Etnomatemática, paralelamente
a este estudo, procurei também dar profundidade sobre o que se tratava o pensamento
complexo. Nesse sentido, foram realizados estudos sobre as obras de Edgar Morin, Edgard
Carvalho de Assis e Maria da Conceição de Almeida, entre outros pesquisadores, a fim de
analisar e compreender esta área de conhecimento.
44
Nesse movimento de leitura e escrita sobre estas duas áreas de conhecimento, busquei
estabelecer uma matriz teórica de cada autor, que foi composta investigação de livros,
publicações de capítulos de livros, entrevistas, entrevistas realizadas em revistas, videos,
conferências, reportagens em revistas cientificas, e documentos afins que foram citados na
bibliografia. Desse modo, me distanciei da leitura de todas as obras produzidas por eles ou de
um estudo da arte de cada autor.
Entretanto, ainda notei a necessidade de realizar entrevista(s) com todos os
pesquisados, na intenção de trazer informações inéditas e não explícitas em suas atividades
publicadas. Naquele momento, surgiu a possibilidade de construção de outros conhecimentos,
de trazer pesquisado e pesquisador para a “arena dos conflitos”, a fim de refletir sobre sua
prática como formador de professores e explicitar as características presentes no trabalho
enquanto professor de matemática. Assim, a entrevista, neste trabalho, exerceu um papel
muito importante, pois representou uma oportunidade de conversa com esses autores, a fim de
trazer informações preciosas para a construção dos dados desta pesquisa. Portanto, a
entrevista se tornou uma oportunidade ímpar para estabelecimento de um diálogo sobre esta
área de conhecimento com pessoas selecionadas e previamente escolhidas, as quais poderiam
falar com propriedade sobre o assunto a ser discutido.
Para organização desse conjunto de informações optei por realizar um movimento
recursivo de leituras e análises a fim de compor um meta-texto sobre cada autor. A priori,
tentei partir da entrevista realizada a fim de discutir pontos de interseção, e as interseções da
forma do fazer pautado na Etnomatemática com a forma de pensar da complexidade, mas,
com o construir do caminho, verifiquei a existências de outras bifurcações que surgiram e
foram incorporadas como informação para contruírmos um texto que descrevesse conforme
minha interpretação o “fazer” desses pesquisadores. Por isso, acredito ter feito uma escolha de
interpretar a atividade desses professores e ao mesmo tempo sendo desafiado a mostrar a tese
aqui proposicionada.
Além disso, para interpretação de todo este material constituído, ou melhor, durante
este caminhar, busquei na afirmativa e nos objetivos pleiteados da tese evidenciar na atividade
dos professores a presença do complexo. Minha proposta aqui com as informações e
entrevistas é explicitar um material escrito que converge ou diverge para o argumento de tese.
É buscar o padrão, mas, ao mesmo tempo, o detalhe considerado minoritário, porém, um
detalhe revelador.
Para tanto, no próximo capítulo exibo um meta-texto de cada pesquisador participante
da pesquisa aqui supracitada, nos quais vou expor algumas apostas da tese proposta, por meio
45
das intepretações dos dados construídos e constituídos pela matriz teórica e pelas entrevistas
realizadas por mim e por outros pesquisadores com os professores selecionados.
Como já informado anteriormente a despeito da minha trajetória investigativa, busquei
elaborar um meta-texto de cada autor, por meio das informações como: livros, capítulos de
livros, artigos em revistas, entrevistas realizadas com outros pesquisadores, vídeos,
documentários, entrevistas em televisão, email e por meio da entrevista realizada com eles. A
título de informação, a ordem sequencial se iniciou com o professor Ubiratan D´Ambrosio em
virtude de, no cenário acadêmico, ele ser considerado o primeiro precursor desse programa de
pesquisa; por conseguinte, o professor Iran Abreu Mendes devido à boa interlocução
estabelecida durante o processo de entrevista e também por ser um representante da região
norte do País, na qual identifiquei a presença de seu fazer elementos da Etnomatemática por
meio de sua atividade docente de pesquisa e extensão. Posteriormente, tem-se o prof. Rogério
Ferreira que já é fruto de uma geração mais recente de professores que assumem a
Etnomatemática em seu fazer e tem como locus de trabalho o Centro-Oeste Brasileiro, mais
especificamente no estado de Goiás. Minha aposta foi evidenciar, para além da presença do
fazer complexo, o quanto a atividade deste docente é relevante para a disseminação dessa
leitura de mundo, visto que ele é um dos poucos pesquisadores que tratam desse assunto nessa
região. Por conseguinte, vem o professor Eduardo Sebastiani Ferreira por também ser um
precursor da área, mas optou mais intensamente pela atividade prática com indígenas e, de
forma concomitante com Ubiratan, trouxe contribuições tanto na estruturação epistemológica,
como teórico-prática com seus trabalhos nas comunidades dos povos indígenas. Para finalizar,
tem-se o Professor Pedro Paulo Scandiuzzi, em virtude dos seus referenciais estarem
relacionados tanto ao prof. Ubiratan D´Ambrosio quanto ao próprio professor Eduardo
Sebastiani. Desse modo, essa ordem sequencial evitou-se primordialmente escrever repetições
de informações que já foram devidamente exploradas nos textos imediatamente anteriores.
PROFESSORES QUE ASSUMEM A ETNOMATEMÁTICA EM SEU FAZER
ACADÊMICO-DOCENTE
Ubiratan D’Ambrosio
“Etnomatemática. [...] não se trata de propor outra epistemologia, mas sim de entender
a aventura da espécie humana na busca de conhecimento e na adoção de
comportamentos”
Desde então, Ubiratan vivenciou experiências em escolas e universidades, onde
começaram suas indagações sobre o distanciamento entre os ensinos fundamental e médio da
época com os ensinos que havia tido durante a graduação em nível superior, o que o induziu a
buscar mais informações sobre o assunto e que lhe possibilitou o surgimento de algumas
elucubrações sobre o ensino da matemática. Conforme seus dizeres:
Efetivamente seus dizeres vêm informar que a Etnomatemática é mais que um estudo
de “matemáticas de diversas etnias” como o nome sugere “etno + matemática”. Esta
perspectiva, segundo o autor, é apenas “uma” entre outras formas de ver essa área de
conhecimento.
51
“Esse Programa de Pesquisa Lakatosiano comunga com pares que não aceitam a ciência
como verdade absoluta”
Para reforçar a ideia inicial, D´Ambrosio estabelece uma reflexão bastante relevante
sobre “teorias finais”, sobre definir, sobre a proposição de um conceito final, definitivo, por
romper com qualquer possibilidade de inserção de outras teorias, o que poderia enfraquecer a
dinamicidade do programa etnomatemática. Para confirmar isto, ele afirma: “A ciência
moderna, ao propor “teorias finais”, isto é, explicações que pretendem ser definitivas sobre a
origem e a evolução das coisas naturais, esbarra numa postura de arrogância”
(D’AMBROSIO, 1999, p. 31). Portanto, compreendo que não temos uma definição final para
Etnomatemática, mas, sim, algumas aproximações conceituais.
Desse modo, o programa etnomatemática tem este caráter dinâmico e aberto em suas
bases, no sentido de admitir agrupar-se por múltiplos conhecimentos, na busca de superar a
visão de uma ciência fechada e verdade absoluta. Mais uma vez, o autor assevera sobre
Etnomatemática que:
Nesse aspecto, encontro o primeiro ponto constitutivo de uma ciência complexa aqui
na tese em proposição, esta característica que faz parte da composição da Etnomatemática,
apresenta um direcionamento pouco comum entre as áreas de conhecimento da atualidade,
capaz de incorporar concepções epistemológicas, visões de homem e de mundo para além da
racionalidade técnica implantada nos centros acadêmicos. O pensamento complexo irradia por
meio de sua forma de pensar os conceitos sem que se fechem em si mesmos, de agregar
elementos constitutivos de um novo paradigma de uma nova ciência, logo, ratifico esta
característica complexa na Etnomatemática, haja vista ser identificada como uma área de
conhecimento que aceita as incertezas e as inconclusões da realidade. A Etnomatemática, ao
52
assumir-se como um programa de pesquisa lakatosiano, comunga com pares que não aceitam
a ciência como verdade absoluta, mas, sim, acreditam em verdades, pois a formação do
núcleo irredutível e do cinturão protetor é dinâmica, modelam-se de acordo as necessidades
que esse programa manifesta. Portanto, é perfeitamente justificável acreditar em matemáticas
e não numa única matemática, pensar no relativo, no incerto, no falível, em não se definir para
não fechar a área de conhecimento. Todas essas características são também intrínsicas do
pensar complexo.
Este pensamento acaba por trazer à tona a possibilidade de religar contextos que foram
separados com a forma fragmentada de se ver o conhecimento por meio das reduções. Este
excerto pode elevar a percepção de incorporamos outros elementos nos quais nossa existência
esta vinculada. Assim, identifico na atividade acadêmica do professor D’Ambrosio um
convite à ruptura das fronteiras, no sentido de não se estabelecer fronteiras, mas, sim, da
fluência entre elas.
Em Transdiciplinaridade, Ubiratan D´Ambrosio (1997) demonstra sua postura de
reconhecimento do outro, de não privilegiar uma cultura sobre outra no intuito de evitar
hierarquizações ou determinações. Para ele:
Cristiane Coppe de Oliveira reforça, no livro organizado por Valente (2007), esta
proposição elencada anteriormente, em que descreveu sua experiência de ser orientada pelo
professor Ubiratan durante a realização de seu mestrado. Para ela, a Etnomatemática sempre
esteve como pano de fundo em seu posicionamento enquanto educador e em suas reflexões
sobre os programas instituídos, tanto quanto em sua visão de homem e de mundo, reverberado
fortemente em sua postura de ver as pessoas como humanos, o que caracteriza bem a
transdiciplinaridade.
sobre a importância de não entender a Etnomatemática como mais uma forma de disciplina,
pois ele alerta que a Etnomatemática foi pensada para romper com essa visão.
Isto é, a Etnomatemática foi pensada para romper com o fragmento e também busca
não ser construída como um fragmento. Por isso, sua preocupação antropológica de colocar a
Etnomatemática na busca de entender o que é o homem. Para tanto, a opção adotada por
D´Ambrosio assenta-se sobre a necessidade de integração entre indivíduo diante da realidade
cósmica, de uma civilização mais integrada na família, no uno ou no múltiplo (Unita-
Multiplex), isto é, na unidade ou na multiplicidade. Esse pesquisador acredita no
reconhecimento de outras formas de pensar na expectativa de encorajar reflexões densas sobre
as formas de pensar matematicamente dos mais variados pontos de vista (D’AMBROSIO,
2005).
Além disso, para esse intelectual da cultura, o Programa de Pesquisa Etnomatemática,
em sua essência, traz uma postura de permanente transdiciplinaridade, da necessidade da
incorporação da matemática do momento cultural, e estar sempre ligada a uma postura
vinculada a outras manifestações culturais, noutras palavras, de se enquadrar perfeitamente
numa concepção multicultural e holística da educação (D’AMBROSIO, 2005). Ao mesmo
tempo, é necessário o reconhecimento da importância do ensino da matemática
ocidentalizada, da matemática das tradições, da necessidade de se imbuir de ética este ensino,
pois como ele observa:
Mas como relacionar trinômio do 2º grau com Paz. É provável que esses
mesmos indivíduos costumam ensinar trinômio de 2º grau, e o que da a
certos indivíduos – artilheiros profissionais, que provavelmente foram os
melhores alunos de matemática da sua turma – a capacidade de dispararem
uma bomba mortífera de canhão para atingir uma população de gente, de
seres humanos de, carne e osso, emoções e desejos, e matá-los, destruir suas
casas e templos, destruir árvores e animais que estejam perto, poluir
55
qualquer lagoa ou rio que esteja nos arredores. A mensagem implícita acaba
sendo: aprenda bem o trinômio do 2º grau e você será capaz de fazer isso.
Somente quem faz um bom curso de matemática tem suficiente base teórica
para apontar canhões para populações. (D’AMBROSIO, 2005, p. 85)
Vale ressaltar também que, mesmo considerada como uma área complementar a
complexidade, a transdiciplinaridade para esse autor pode vir a agir como uma possibilidade
de religar parte/todo quando rompe com o ensino baseado apenas na disciplina com
conhecimentos da matemática ocidentalizada. Como já evidenciado anteriormente, a
transdiciplinaridade fortalece a ideia de “entre”, “além” e “através” das disciplinas, ou seja, é
pensar num conhecimento e nas mais diversas relações dos conhecimentos existentes, nas
palavras de Edgar Morin é atravessar as disciplinas. Para tanto, D´Ambrosio por meio do
pensamento holístico, reforça e é importante revigorarmos isto, a necessidade da religação
entre as disciplinas, mas, ao mesmo tempo, ressalta a importância do conhecimento reduzido
para a resolução de problemas pontuais, os quais somente um conhecedor profundo sobre o
assunto conseguiria solucionar. Novamente, este é um elemento que, a meu ver, manifesta o
operador dialógico no fazer desse professor, demonstra a aproximação de dois elementos
aparentemente opostos na forma de investigar a ciência, de investigar a matemática.
Portanto, percebo nos trabalhos escritos desse autor a busca de um novo paradigma
ancorado, sobretudo, na criatividade, na diversidade e em eliminar a desigualdade social,
tendo como um dos fundamentos a valorização do indivíduo no sentido de situar suas próprias
raízes, ao mesmo tempo, não definindo “critérios de superioridade entre manifestações
culturais. [...] nenhuma forma cultural pode-se dizer superior à outra” (D’AMBROSIO, 2005,
p. 78).
Ao mesmo tempo, consegui visualizar, na atividade do professor Ubiratan, um
trabalho diferenciado do que é comumente realizado por professores de matemática. Para
evidenciar isto, encontrei numa biografia escrita em homenagem ao pesquisador -
(VALENTE, 2007) – a apresentação de várias facetas peculiares a esse professor que assume
a Etnomatemática em seu fazer; dentre elas, a de um docente capaz de articular história e
matemática em suas aulas.
A título de exemplo, Zuin (2007) descreve detalhadamente como o professor Ubiratan
D’Ambrosio se comportava frente as suas turmas de estudantes. Segundo a autora, o
pesquisador trabalhava de uma forma bastante peculiar ao abordar um tema. Ele não se
furtava em discutir outras abordagens frente a outros referenciais, sejam livros científicos,
sejam filmes ou, até mesmo, uma peça teatral.
Numa aula ministrada por ele, no dia 26 de agosto de 2003, a autora enfatiza seu
método de ensino que parte sempre de um tema central mais amplo que o próprio conteúdo de
matemática a ser ensinado. Naquela ocasião, o tema elencado foi o islã e a discussão proposta
57
foi: “quais foram as contribuições do povo islâmico para o desenvolvimento das ciências?”
(ZUIN, 2007, p. 122).
O mais interessante de tudo isso é que, após elaborar, em conjunto com os estudantes,
o cenário constituído sobre o tema, ele trabalhou o método geométrico de Al-Kwarismy para
solução de equações de segundo grau:
Verifico, por meio deste excerto, que o professor Ubiratan valoriza muito a utilização
de história da matemática para envolver seus discentes durante as suas aulas, contar algumas
versões existentes e construir outras. Possivelmente, a tomada dessas notas históricas, durante
as suas aulas, incentivou-o a publicar dois livros: Uma síntese sociocultural da história da
matemática, D’Ambrosio (2011) e Uma história concisa da matemática no Brasil e
D’Ambrosio (2008). Esses livros apresentam uma revisão panorâmica e crítica da evolução da
matemática ocidental e destacam períodos, indivíduos e resultados além de “descrever a inter-
relação de eventos e indivíduos, de fatores políticos, econômicos e ideológicos, que
acompanham fatos e personagens da História da Matemática no Brasil” D’Ambrosio (2008, p.
7). Porém, sua proposição de trazer ao leitor notas históricas é potencializada pelo Programa
Etnomatemática, pelo fato de incorporar na escrita dos livros “uma proposta historiográfica
ampla, buscando a História do Conhecimento com base na realidade e analisando a geração de
prática ad hoc” (D’AMBROSIO, 1999, p. 36). Por sua vez, esta é mais uma tentativa de
superação do estudo disciplinar baseado na hipótese da matemática ser independente das
outras culturas, e, por isso, provavelmente ele concebeu a Etnomatemática, e estimula a
prática etnográfica. Para se estudar seja a matemática ocidental ou as outras matemáticas tem-
se com essência a compreensão destas técnicas, de onde elas vem e para que servem.
58
Durante a entrevista realizada com Ubiratan D´Ambrosio, ele também reforça que na
formação de professores de matemática é importante se compreender esta evolução histórica:
Desses dizeres, incidi mais uma vez a situação peculiar acionada e fortalecida na
Etnomatemática pela busca da valorização dos conhecimentos dos discentes, no caso alunos
em sua formação primeira (graduação). Percebo ativamente a transposição desse conceito
para o cenário de formação de professores, da necessidade de conscientizar os professores da
integração do indivíduo e de sua história de vida, no sentido de romper com o modelo atual,
pois, de acordo com o autor:
13
Durante o corpo textual, quando o texto estiver alinhado à esquerda, recuado e em itálico, trata-se de um
recorte da fala dos entrevistados.
59
É um enfoque holístico, que procura elos entre peças que por séculos foram
isoladas. Não se contenta com o aprofundamento do conhecimento das
partes, mas com a mesma intensidade procura conhecer as ligações entre as
partes. E vai além, pois não reconhece maior ou menor essencialidade de
qualquer das partes sobre o todo. (D’ AMBROSIO, 1999, 30)
Portanto, entre o holístico e o fragmento vale a pena valorizar a tensão existente entre
os dois. A tensão entre parte/todo e todo/parte traz uma gama de novas revelações,
imprescindíveis para o ensino de uma matemática mais humana.
60
Valorização das
raízes do
educando
Programa
Prática
Visão holistica de Pesquisa transdisciplinar
Lakatosiano
Relfexões
sobre a
matemática
ocidentalizada
Nascido no estado do Pará na região norte do Brasil, teve como primeiro oficio
restaurar obras de arte sacra, aprendeu com seu tio Mauriz Nunes Valente ainda jovem a arte
de pintar e restaurar obras sacras e porcelanas. Durante este período de trabalho com seu
mestre teve a oportunidade de conhecer sobre história da arte, pintura, antiguidades e
bricolagem, aprendeu colar biscuit, porcelanas e bibelôs. (FARIAS, 2011).
Nesta mesma época, formou-se em matemática – 1983 - pela Universidade Federal do
Pará, no período que trabalhou com formação inicial de professores de matemática na
Secretaria do Estado do Pará no sistema de organização modular de ensino entre 1984-1988.
Nesta experiência profissional, exerceu a docência no Sistema de Organização Modular de
Ensino que funcionava com uma espécie de rodizio entre diferentes grupos de professores que
trabalhavam por períodos de três meses em determinadas comunidades dos interiores do
estado do Pará, dessa forma, vivenciou várias experiências formativas neste laboratório da
vida, além é claro de ampliar seus conhecimentos acadêmicos.
No ano de 1989 foi lotado no Núcleo Pedagógico de Apoio ao Desenvolvimento
Cientifico da Universidade Federal do Pará dedicou-se junto com outros professores a
investigar sobre vários campos do saber, realizou formação de professores em conteúdos de
matemática concomitantemente com a docência na Universidade Estadual do Pará na
formação de professores. Entre 1994 e 1959 ampliou sua formação profissional por meio de
um curso de Especialização no Ensino de Ciências Matemática na Universidade Federal do
Pará, no próprio NPADC. Em 1995 foi cursar mestrado e doutorado na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, onde permaneceu até o ano de 2001, quando defende sua tese de
doutoramento.
Por conseguinte, ao considerar que naquele período (entre 2001 e 2002) a política
acadêmica da UEPA não apresentavam benefícios profissionais e financeiros para um recém-
doutor, em junho de 2002 prestou concurso público e ingressou em agosto do mesmo ano, na
Universidade Federal do Ceará, onde permaneceu até abril de 2004. Nesses quase dois anos
atuou como docente em disciplinas específicas do curso de Pedagogia (Ensino de Matemática,
Estágio Supervisionado) e na disciplina Didática nas licenciaturas em Letras, Matemática,
Geografia, História e Física. Em abril de 2004 ingressou na Universidade Rio Grande do
Norte, por meio de um novo concurso púbico. Nesse período (entre 2001 e 2004) escolheu
claramente os caminhos ligados a Etnomatemática, a história das matemáticas entre outras
áreas que caracterizavam bem sua construção como pessoa e profissional produto de suas
experiências nos mais diversos campos de conhecimento possíveis, dentre elas o exercício da
64
bricolagem, talvez um modo de pensar e agir herdados do período que foi restaurador de
obras sacras.
[...] você não consegue estabelecer uma definição para etnomatemática. Existe uma coisa que
eu aprendi ao longo desses anos que é, e não sou eu quem digo alguns autores falam isso: a
definição o próprio nome diz de-fin-ição, ou seja dar fim. Ela vai definir, ela vai encerrar.
(Entrevista: Iran Abreu Mendes)
Porque a dinâmica cultural que é humana não encerra nunca, como ela não encerra nunca,
sempre vai acontecer [...] uma nova caracterização do que pode ser etnomatemática, [...]
(Entrevista: Iran Abreu Mendes)
[...] o mais interessante é que isto vem justificar o mesmo comportamento conceitual que a
matemática têm, [...] composição conceitual do que pode ser matemática ela nunca fecha, ela
sempre faz um jogo combinatório lógico a sempre caber alguma coisa a mais e ir alargando,
a etnomatemática no meu entendimento também tem essa composição conceitual em formação
continua, por que? Porque sempre você vai rever a dinâmica de produção de conhecimento
da sociedade, esse conhecimento que a gente diz matemático, então, sempre nos vamos olhar
como é que os diferentes grupos sociais podem enunciar determinados olhares sociais sobre
aquilo que nos chamamos de matemática. (Entrevista: Iran Abreu Mendes)
[...] ver a matemática como produto cultural [...] ela tem outros elementos, que a
compõem e que precisam também ser olhados por quem aprende matemática, porque
são esses outros elementos que fazem parte da composição da matemática que a gente
ensina, que talvez, sejam decisivos para os alunos entenderem melhor a matemática e
esses elementos são variados de acordo com a cultura de origem daquele produto,
porque a cultura de origem num momento histórico, ou seja, num momento histórico
se emerge matemática de um produto cultural de um jeito, num outro momento
histórico aquela mesma matemática em essência ela pode emergir de um outro jeito, e
são essas múltiplas maneiras de ver de fazer emergir matemática nos contextos
culturais é que tem que ser levada em consideração no ensino da matemática, e isso,
quem oferece são os estudos da cultura matemática, estudos que a etnomatemática se
propõem a desenvolver, acredito que só é possível fazer isto, se o professor de
matemática que se afilia aos estudos da etnomatemática ele exercite [...] a
criatividade pra puder estabelecer esse diálogo entre as matemáticas que vão emergir
do contexto cultural, pra puder desenvolver um outro olhar no aluno, não um olhar
único, entendeu? Mas sim que ele seja sempre múltiplo, sem perder de vista o
singular, mas ele sempre múltiplo porque essa multiplicidade só quem dá é a
criatividade. (Entrevista: Iran Mendes Abreu)
66
cultural existente por meio de uma dinâmica. Aparentemente, elas parecem ser duas coisas
distintas em função do caráter solidificado adquirido durante os séculos de uma ciência
acultural, mas um fazer desta forma é evocar as dificuldades enfrentadas pelos povos durante
a elaboração dos artefatos e mentefatos matemáticos.
Diante do fazer deste professor interpreto, também, a presença do operador
hologramático, pois trazer a multiplicidade de conhecimentos e as relações presentes entre
esses conhecimentos é uma prova de que as partes reduzidas em formas de conhecimento
podem estar presentes no todo. Em outras palavras, perceber a matemática como Programa
Etnomatemática e a dinâmica cultural como algo “maior ou menor” contribui para reconhecer
esta redução, mas ao mesmo tempo saber que este fragmento está presente no todo e o todo
aqui denominado dinâmica cultural, também está presente na parte.
Outro elemento complexo evidenciado na atividade deste professor está associado à
práxis pautada na transdiciplinaridade. Ubiratan D’Ambrosio, no prefácio do livro organizado
por Farias (2011), reconhecidamente percebeu em suas práticas a presença das raízes
culturais, do Programa Etnomatemática e a Transdisciplinaridade, sendo esta uma escolha
natural.
14
Ver mais detalhes no Prefácio do livro Iran Abreu Mendes: a docência como profissão, organizado por Carlos
Aldemir Farias, p. 13-16.
68
Esta busca pleiteada pelo professor Iran, das realidades culturais dos educandos, acaba
por revelar um dos elementos propulsores rumo ao estudo da Etnomatemática como uma
forma de conhecer. Possivelmente, esta deve ter sido a pedra de toque para dar base teórica
para seus trabalhos com os alunos. Esse encontro natural aquilatou o olhar de Iran Mendes no
sentido de desvelar outros olhares sobre o conhecimento científico, no sentido de buscar
outras abordagens para a forma de ensinar, ao levar em consideração aspectos
transdisciplinares em seu fazer. Amplificando esta perspectiva nas suas próprias palavras, o
autor reitera asseverando que:
15
Para maiores esclarecimento ver o prefácio da segunda edição do livro Educação para uma sociedade em
transição, de Ubiratan D’Ambrosio, publicado pela editora da UFRN, em 2011 (p. 11-15).
69
Farias (2011, p. 22) dá amplitude a esta ideia no momento que se manifesta sobre a
atitude do professor Iran na religação da “Matemática por meio de trabalhos envolvendo a
arte, a música, a dança, a arquitetura, a literatura e os saberes da tradição” em busca de
quebrar as barreiras impostas pela fragmentação disciplinar em prol de estabelecer um diálogo
entre as áreas de conhecimento. (FARIAS, 2011). Nesse sentido, aponto novamente o
operador cognitivo dialógico presente na atividade do professor, é possível identificar a
associação entre elementos que aparentemente são opostos e não dialogam entre si, pois, falar
em ensinar matemática ocidentalizada na atualidade para grande parte dos professores de
matemática é apenas perpetrar junto aos alunos um ensino baseado na repetição de fórmulas e
exercícios de fixação de determinados conteúdos organizados conforme uma grade curricular
fixada. Na contramão desta visão, professor Iran no intento de mostrar outras matemáticas
assume a transdiciplinaridade no seu fazer para mostrar outra forma de leitura de mundo. Por
meio desta atitude, este investigador possibilita aos discentes em formação a unir estas áreas
que aparentemente são distintas.
e ricas em informações para além da matemática em si própria, penso que isso é muito
importante devida à demanda complexa de problemas a serem enfrentadas pelas pessoas não
ser resolvida apenas por saberes fragmentados.
O professor Iran, além de evocar estas três frentes (Etnomatemática,
Transdisciplinaridade e Complexidade), evidencia também a cultura como um vetor potencial,
principalmente para caracterizar os “olhares” como formas de ver o mundo.
Dessa forma, este intelectual da cultura afirma que esta área do conhecimento focaliza
a produção do conhecimento e o olhar cultural. Para ele, este movimento denominado
etnomatemática estabelece um diálogo com um mundo de forma mais ampla. Deste trecho
extraído da entrevista compreendo que “emprestar o olhar do outro e oferecer o seu para
olhar”, é um ponto fundamental deste Programa de Pesquisa, pois, realizar esse exercício é
claramente um operador cognitivo da complexidade denominado recursividade, na proposição
de exercício dinâmico, de ida e volta, nos quais o “emprestar” e “oferecer” se prestam como
produtos e efeitos acabam por serem eles próprios causadores daquilo que produzem (formas
de conhecer).
É você se despir de um olhar, mas admitir que você tenha um olhar e que você se
despe dele para emprestar o do outro, também para olhar. E quando você pede o
olhar do outro para também olhar as coisas, você começa a criar possibilidades de
ter consigo todos os olhares sobre as coisas. (Entrevista: Iran Abreu Mendes).
acontecer, ela deixa de empregar esses “olhares”, e passa a restringir a forma de conhecer, o
que não é muito positivo para uma ciência que busca a dinâmica cultural da sociedade, que
busca trazer humanização do conhecimento por meio de um ensino de matemática mais
próximo das pessoas.
Portanto, para Iran “O professor deve ser o principal artesão dessa etapa, pois cabe a
ele a exploração de todas as possibilidades de improvisação e bricolagem que possam superar
as dificuldades existentes na escola.” (MENDES, 2001, p. 98). No campo mais ampliado da
pesquisa em educação a bricolagem busca alterar a lógica dominante na produção do
conhecimento, almeja romper com o fragmento, com a neutralidade.
Ainda, diante das leituras de dois livros do professor Iran Abreu Mendes – (MENDES,
2009a) e (MENDES, 2009) – é visto grande criatividade e disposição na elaboração das
atividades para os discentes, no sentido de fazerem com que os estes professores em formação
sinta-se motivados a investigar/explorar a tarefa proposta, isto é, durante a realização das
atividades sejam incentivados a se portar como verdadeiros artesãos da matemática. Em geral,
evidencio nas duas obras supracitadas anteriormente viés profícuo ligado à história da
matemática – além de outras áreas especificas da educação matemática - como um dos
grandes eixos norteadores do trabalho deste investigador.
Percebo nas atividades didáticas envoltas em história da matemática proposta pelo
professor Iran objetivarem alocar ao discente desempenhar o papel de um verdadeiro
investigador. A exemplo disto exibo uma atividade dentre várias proposta em seus livros:
conhecimento é produto de uma cultura, que é transitório e está sempre em processo continuo
de mudança. Visualizo novamente uma postura investigativa em seu fazer, uma forma pós-
moderna de fazer ciência, pois o pesquisador que se fundamenta neste tipo de atividade,
estimula a capacidade de investigar e ser criativo simultaneamente. Estas características
acionadas reforçam característica associada a bricolagem no fazer desse professor, por
evidenciar forma muito peculiar de ensino quando recomenda história da matemática e
matemática como pedra de toque para o ensino, essa forma de executar atividades pode vir a
contribuir para os professores em formação primeira ou continuada repensarem suas práticas
em sala de aula e estimula-los a transitarem em outras áreas do conhecer.
Estas características citadas anteriormente indicam mais uma vez a presença do
pensamento complexo por meio da forma na qual este professor elabora atividades para seus
discentes. A bricolagem presente na atividade deste professor alimenta os discursos
conflitantes que surgem diante da realidade sem fortalecer as fronteiras disciplinares, é
praticamente um estudo primeiro realizado pelo discente em formação que poderá se
comportar como um verdadeiro investigador do conhecimento proposto, em outras palavras, a
bricolagem pode se visualizada como um pensar complexo devido o modo de olhar para o
homem e mundo de forma ampliada, como a própria condição humana se apresenta hora
incerta, hora inconclusa.
Etnomatemática
Formação de
professores de Investigação bricolagem
Matemática
Grafico 2 – Iran Abreu Mendes na formação de professores de matemática irradiada pela etnomatemática, ao
fundo do gráfico representada a etnomatemática pela flor de mandacaru numa paisagem árida: a metáfora
utilizada por Iran Mendes.
Fonte: Foto retirada do site de Adriano Santori, (SANTORI, 2015)
Rogério Ferreira
Descendente por parte da sua bisavó do povo Guató - indígenas de origem nômade,
oriundos da região pantanosa dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o professor
Rogério Ferreira viveu sua adolescência em Brasília, onde experienciou forte influência no
campo musical. Em uma de nossas conversas via email questionei-o sobre sua forma poética
de escrever seus manuscritos, ele me respondeu:
Isso vem a justificar a presença marcante em seus textos de uma escrita poética,
identifica fortemente na elaboração de sua tese, devido a estas influências evidenciadas
anteriormente. Mas adiante, em seus estudos e na atuação como professor de matemática, fez
leituras de autores da filosofia, o que reflete potencialmente na linguagem poética sem perder
a criticidade que demarcam seus textos.
Rogério Ferreira atualmente é professor de matemática que desenvolve trabalhos na
formação de professores de matemática, no Centro-Oeste do Brasil, no município de Goiânia-
Go, e formação de professores indígenas, além disso, é fruto de uma geração mais recente de
professores que assumem a Etnomatemática como área de conhecimento em seu fazer.
Como fonte primeira de suas reflexões pedagógicas no âmbito escolar, ele se deparou,
no inicio de sua carreira docente, com dois tipos de ambiente escolar: uma escola particular e
outra pública estadual. Diante desse cenário, percebeu uma diferença na maneira de ver dos
discentes frente aos conhecimentos acadêmicos, diferença esta estabelecida em função,
possivelmente, do poder aquisitivo de cada público encontrado nessas escolas (FERREIRA,
2005). A experiência vivenciada em escolas da educação básica, efetivamente, despertou
algumas inquietações no professor e ele passou a questionar as dificuldades de aprendizado
desses distintos públicos escolar e o que motivava tal problemática.
Por conseguinte, em sua vivência como professor efetivo no Departamento de
Matemática da UFG, campus de Catalão, ele estabeleceu, afetuosamente em sua prática, a
inserção das obras de Paulo Freire e de Ubiratan D’Ambrosio como fundamento para seus
79
O programa Etnomatemática [....] tem em sua essência um caráter dinâmico, que faz
de si uma construção não limitada, em permanente busca qualitativa, visando
compreender e valorizar as distintas realidades culturais a partir das epistemologias
que nelas são germinadas. (Entrevista: Rogério Ferreira)
à matemática seria uma busca por liberdade no pensar dessa construção humana, e ainda da
“etnomatemática ao nível de uma reconstrução que mantém uma maior proximidade a
liberdade de pensamento” (FERREIRA, 2005, p. 109).
Além disso, segundo o pesquisador, este programa de pesquisa atualmente está sobre o
preâmbulo de vários pesquisadores em diversas localidades do planeta com o mesmo sonho:
“o fortalecimento de um campo de pesquisa abarcado por diretrizes éticas essencialmente
humanas” (FERREIRA, 2005, p. 114).
Esse sonho, evocado por ele, aponta para o desvelamento de uma realidade por vezes
falseada nas escolas, pois eu acredito que esse cenário se solidifica nas mais diversas partes
do planeta frente ao desenvolver de uma matemática como verdade absoluta. Reforça ainda
que a Etnomatemática – identificada como programa de pesquisa – enfrenta de forma crítica
as certezas associadas à matemática: “A etnomatemática viaja por mundos que vão além dos
mundos tocados pela tradição matemática” (FERREIRA, 2005, p. 117). Assim, temos que:
Essa circulação, sob meu ponto vista, se aproxima muito de um movimento recursivo,
no qual tanto a ação (valorização da matemática dos povos) e a reação (colocar em xeque o
que até então era tido como verdade absoluta, no caso, a matemática ocidentalizada),
aparentemente são postas distantes entre si, mas, quando assentadas em conjunto, é percebível
serem indispensáveis para compor um entendimento sobre a realidade.
Outra base de sustentação desse campo de conhecimento identificada foi a associação
entre Etnomatemática e cultura. Para o autor, trata-se de um dos fundamentos dessa área de
conhecimento, desde que pautado no respeito à diversidade, dá-se a oportunidade do
estabelecimento de uma dinâmica diferente entre culturas, logo, novas interpretações surgem
das vivências, principalmente no que tange ao relativismo comportamental.
81
O professor Rogério Ferreira aciona, por meio dessa percepção, mais um elemento da
complexidade ao evidenciar este Programa de Pesquisa como propulsor de “reservas
antropológicas”16. Tais reservas são constituídas e reelaboradas por pessoas que visualizam
uma humanidade mais justa, igualitária, diante de uma multiplicidade e unicidade
simultaneamente, que é a postura assumida pelo intelectual. Diante do “relativizar-se perante
o outro”, o pesquisador fortalece a possibilidade do diálogo, estabelece um cenário favorável
à relação homem-homem, homem-cultura-homem, homem-mundo-cultura indo ao encontro
de uma forma diferente de ver e se organizar segundo um pensar complexo.
Rogério Ferreira ainda cunha uma possível base epistemológica desta leitura de
mundo como algo plural, além da não dissociação entre este conhecimento e cultura. Essa
aproximação conceitual e a articulação entre esses dois temas revela um ponto fundamental
dessa área de conhecimento denominda como etnomatemática. Primeiro, nos mostra que a
base epistemológica não é única, é um “tecer em conjunto” e que é primordial a associação
entre o conhecimento e a cultura pelo fato da cultura ser algo pertencente a constituição das
pessoas em sociedade; logo, a desvalorização dos conhecimentos culturais, seja do indivíduo
ou mesmo da comunidade na qual está inserido, pode ser um passo negativo em relação à
percepção de si próprio e do outro.
algumas bases vêm servindo de modo intenso para a maioria das investigações
realizadas acerca do tema. Dentre elas, destaco o entendimento do conhecimento
como algo plural, como algo que não é univocamente construído. Como consequência
direta, surge outra base fundamental: conhecimento e cultura surgem e se
desenvolvem de modo imbricado, não fazendo sentido buscar compreendê-los de
modo separado, visto que está na relação entre eles importante fonte hermenêutica de
interpretação. (Entrevista: Rogério Ferreira)
16
Para mais detalhes ver Almeida (2012, p. 78).
82
Segundo o autor, não existe “preocupação efetiva com a contextualização do que se ensina”, o
que reforça a ideia de que a matemática é uma disciplina abstrata e desvinculada do dia a dia
dos alunos. Ele se contrapõe a essa ideia tradicional de ver o ensino da matemática ao afirmar
que este camo do saber é capaz de agregar em sua dimensão educacional a valorização do:
Além disso, ele faz uma reflexão mais apurada ao ligar a necessidade de
fortalecimento das raízes culturais dos indivíduos, da maneira de conhecer dessas pessoas
para não incorrer do risco de cometer etnocídio, que é hoje marcante principalmente entre os
povos indígenas. No âmbito atual, é muito recorrente a sobreposição e até mesmo a
eliminação do conhecimento do outro em prol dos conhecimentos ditos ocidentais. Dessa
recorrência surgem desdobramentos diversos que se sobressaem nos aspectos sociais e
culminam na mais perversa das atrocidades que é o entocídio.
[..] o conhecimento raiz, aquilo que ele traz consigo, então, é ai que tem que
perpassar essa educação, e essa alfabetização é muito isso, se a gente tira a
raiz dessas pessoas e tenta colocar no lugar esse conhecimento, vamos dizer
ocidental cristão, para prática em sala de aula, [...] sem dúvida nenhuma
atrito e um risco forte de estar comentendo etnocídio, de estar violentando a
cultura matriz de origem de força mesmo de sobrevivência e transcendência
desse povo. (ROGÉRIO FERREIRA, 2015)
[...] Essa contradição é ponto crucial, essencial para o debate porque a gente
percebe que as transformações que vão acontecendo na academia, na
sociedade são muito lentas então existe um mundo sendo vivido na rua e a
percepção das pessoas em nível de informação e de qualidade formadora está
num determinado ponto, e, a universidade acaba não dialogando com isso,
[...] nesse mito do conhecimento cientifico, vamos dizer assim eles são muito
84
Sobre seus trabalhos em sala de aula, ele enfatizou também, durante a entrevista, que
não existem receitas prontas para a prática em sala de aula, mas “diretrizes” para a construção
de atividades que valorizem a realidade dos alunos. Em relação às diretrizes, ele afirma que:
O professor assumidamente, por meio dessas atitudes, faz refletir consigo mesmo para
além do ensino da matemática, posicionando-se no ambiente escolar de forma a trazer várias
facetas humanas que são excluídas das discussões na sala de aula. Outra evidência específica
para o conteúdo matemático se faz no trabalho desenvolvido, juntamente com prof. José
Pedro Machado Ribeiro, com os povos indígenas, descrito em um dos capítulos do livro
Etnomatemática: papel, valor e significado, organizado por esses dois pesquisadores:
[...] destacarei uma questão nascida como fruto de nossa ação comum no
curso de formação de professores destinados ao povo Akwe-Xerente (estado
do Tocantins) e na pesquisa de campo por você realizada junto a esse povo.
A estrutura da sociedade Xerente é organizada por meio de metades. A
unidade – o todo – é constituída no encontro de uma metade com a parte que
lhe falta. A lógica dual do pensamento, que participa da realidade cotidiana
do povo, está presente das mais variadas formas no âmbito dos seus
conhecimentos. Em particular, nos conhecimentos por nós chamados de
matemáticos, podemos ressaltar a contagem. Os números, que são expressos
e utilizados por meio dos dedos das mãos e dos pés, têm significados
associados à realidade em que vivem. Na língua são expressos os números
de um a quatro e os nomes a eles dados também ganham significação no
contexto do seu universo cultural dual. No pensamento Xerente o número
um não representa algo completo. O inteiro numérico, refletindo o saber que
o compreende, é constituído pela junção de duas metades, o que forma um
sistema dual. (FERREIRA; RIBEIRO, 2004, p. 158)
Por outro lado, o pesquisador ainda alerta para não confundir a valorização das raízes
culturais com a determinação findada nas raízes numa perspectiva reducionista, além de
promover reflexões sobre a incerteza da realidade como ameaça para os povos. Esse alerta
pode vir a clarear um ponto de crítica relacionada a apontamentos sobre a desvalorização da
matemática ocidentalizada, por críticos deste campo do conhecimento. Esse pensamento,
reverberado novamente na articulação entre os saberes culturais, reforça a proposição de se
basear na cultura raiz e ir à busca de compreender outras culturas. Para tanto, é fundamental
trazer essa prerrogativa no sentido de desvelar verdades absolutas associadas à matemática
ocidental e evocar o sentido mais relativo a todas as formas de conhecer.
Todavia, o papel da incerteza está mais relacionado com desafio do que propriamente
com a ameaça, com a necessidade de conflitos no interior das ciências, pois desvela o sentido
de “verdade absoluta”, haja vista o conhecimento dito científico ser chancelado na
modernidade como uma forma de conhecimento absoluto, composto de certezas. Igualmente,
ao pautar o ensino de matemática por meio de outros olhares, outras possibilidades, essa
atitude pode vir a mudar esse sentido outorgado de verdade para este constructo teórico.
Ao mesmo tempo, a visão de homem e de mundo, manifestada no pensar do autor,
aposta em reflexões para além da realidade do ensino de matemática, revela uma
personalidade bastante atenta a várias visões de sujeito, inserido numa realidade abastada de
incerteza, da falta de consciência a despeito da incerteza fazer parte da humanidade.
89
Penso novamente que um aspecto genial, que está aliado ao Programa Etnomatemática
e que pode trazer informações no sentido de superar este equivoco, seja aquele de
compreender a aventura humana na Terra, nos dizeres de D´Ambrosio. Ele afirma que este
tipo de pesquisa visa investigar o fazer, o pensar, o explicar, o entender de outras culturas, não
necessariamente que estes elementos tenham que ser efetivamente elementos matemáticos.
Assim, o posicionamento desse investigador não centra-se apenas na forma de ver
matemática, mas “devem ser tomadas em relação a uma troca efetiva de conhecimento que
deve ser estabeleciada com aqueles que buscam se expressar”, conforme Ferreira (2010, p.
372).
90
Formação de
Alteridade com as
professores de
culturas
matemática
Etnomatemática
Educação indigena
Como uma reflexão inicial tomada por este pesquisador, ele admite a força que a
matemática tem enquanto disciplina e área de conhecimento e ele entende que isso robustece
a manutenção social. De acordo com suas palavras, ela estabelece uma precondição à
cidadania, a começar por garantir a seleção ou a possibilidade de inferir sobre decisões na
sociedade vigente. Para esse investigador, a matemática é subserviente a uma estrutura
política e dá fundamento para manutenção dessa estrutura.
17
Optamos em citar o pesquisador Eduardo Sebastiani Ferreira por (SEBASTIANI FERREIRA) a fim de evitar
a confusão de citar Rogério Ferreira (FERREIRA), haja vista que ambos os autores tem seus nomes com a parte
final idêntica.
93
Nesta direção, Eduardo Sebastiani passou a buscar fundamentos que indicassem outras
possibilidades no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, ele encontrou no
Programa Etnomatemática, uma área de conhecimento ainda em construção, a possibilidade
de alicerçar e fundear suas atividades, num repensar sobre a matemática como verdade
absoluta e infalível como é frequentemente estigmatizada na atualidade..
Para tanto, ele se ocupou, entre outras atividades, da pesquisa e extensão fortemente
relacionadas com a formação de professores indígenas e com o fortalecimento da área de
94
conhecimento, da qual é considerado um dos precursores. Como uma de suas reflexões sobre
este Programa de Pesquisa bem no inicio da elaboração conceitual, e que acredito serem de
cunho bastante epistemológico, ele asseverou o seguinte:
18
Entrevista cedida pelos entrevistadores Iran Abreu Mendes, Maria da Conceição de Almeida e Carlos Aldemir
Farias, realizada em 30 de junho de 1999, no Hotel Maine em Natal, RN.
19
Entrevista cedida pelos entrevistadores Iran Abreu Mendes, Maria da Conceição de Almeida e Carlos Aldemir
Farias, realizada em 30 de junho de 1999, no Hotel Maine em Natal, RN.
95
sociedades, como sociedades indígenas, africanas, entre outras populações que colocam a
prova a afirmação primeira de matemática única, e confirma a existência de múltiplas
matemáticas.
Eu acho que o grande olhar, é você olhar não para uma visão única,
para um lugar único, você tem que ter um olhar múliplo. Então, você
tem um múltiplo conhecimento que aparece que a gente tem que
valorizar e ser reconhecido por todo mundo20.
Nós temos é que com esse conhecimento todo colocar outra vez o pé
no chão e por outro lado enxergar que não existe só essa leitura do
mundo, não existe só essa matemática acadêmica. As sociedades
indígenas estão fazendo a sua matemática também; os africanos estão
fazendo matemática como nos mostra o Paulus Gerdes. No mundo
todo tem várias populações fazendo matemática. Não existe uma
única Matemática que é dominadora, que vem impondo seus valores.
Eu penso que é isso que se deve colocar em xeque, quer dizer, não
vamos colocar a matemática fora, mas eu tenho que contestar no
seguinte sentido, não é verdade absoluta, ela não é universal21.
20
Entrevista cedida pelos entrevistadores Iran Abreu Mendes, Maria da Conceição de Almeida e Carlos Aldemir
Farias, realizada em 30 de junho de 1999, no Hotel Maine em Natal, RN.
21
Entrevista cedida pelos entrevistadores Iran Abreu Mendes, Maria da Conceição de Almeida e Carlos Aldemir
Farias, realizada em 30 de junho de 1999, no Hotel Maine em Natal, RN.
96
escola indígena que promova a recuperação das formas de conhecer dos povos indígenas, na
qual se evidencie desde a própria língua até seus conhecimentos ditos etnomatemáticos. Além
97
Nada melhor, para mostrar a nova visão desta ciência, como observar como
outras comunidades estão construindo. Quando a unidade em tribos
brasileiras como os Tapirapés, Krahó, Mynky é o dois e não o um, sentimos
a importância social da criação matemática. Esta concepção de a unidade ser
o um para a matemática dita ocidental vem de Parmênides na Grécia do
século IV antes de cristo, quando se refere à unidade do ser [....] com um
exemplo simples como esse cai por terra toda uma concepção de uma
matemática universal, a criação de objetos matemáticos passam a ser vistos
contextualizados, com uma história e um significado social. (SEBASTIANI
FERREIRA, 1994, p. 94)
Esse privilégio de trabalhar com os índios [...] foi uma sorte imensa,
uma pessoa que me ajudou muito e que eu tenho respeito é nosso
Paulo Freire, tive grandes conversas com o Paulo Freire [...] você
pode emergir a sua cultura e ao lado dela enxergar a cultura do
outro, então o que geralmente faço é isso, e eu acho que é isso o
respeito pela cultura do outro, eu respeito demais a cultura do
lavrador, a cultura da criança brincando, a dona de casa cozinhando,
todo o saber que eles tem é um saber construído é ciência, é
cientifico, é a ciências e eu respeito muito 22.
22
Entrevista cedida pelos entrevistadores Iran Abreu Mendes e Maria da Conceição de Almeida e Carlos
Aldemir Farias, em 30 de junho de 1999, no Hotel Maine em Natal, RN.
98
Para além da admiração de Sebastiani pelos povos indígenas, retratada no excerto, ele
resvala num ponto bastante importante para o estudo desses povos, que é buscar compreender
como é a lógica primeira da forma de pensar deles e, desse modo, se aproxima do pensamento
selvagem de Lévi-Strauss (1998). Essa abstração associada ao Mito, grosso modo, é mais
compreensão, mais uma narrativa para explicar fenômenos, fatos e coisas e deve ser levada
em consideração nos estudos etnomatemáticos por recuperar a palavra noutra sinfonia:
23
Entrevista cedida pelos entrevistadores Iran Abreu Mendes, Maria da Conceição de Almeida e Carlos Aldemir
Farias, realizada em 30 de junho de 1999, no Hotel Maine em Natal, RN.
99
24
Comportamento recorrente de um antropólogo.
101
Dessa forma, quando Eduardo Sebastiani propõe a etnologia no fazer do professor, ele,
implicitamente, faz a operação cognitiva de dialogia entre esses pares, pois, ao fazer a análise
da pesquisa em sala de aula com os sujeitos, ele aborda a sua forma de olhar (primeiro
princípio) e, em seguida, escuta atentamente o olhar de seus discentes sobre o que pensam a
respeito do que falou (segundo princípio). A associação destes dois “olhares” gera um novo
conhecimento que é indispensável para a compreensão da realidade.
Desse modo, a significação do “conhecer” ganha nuances particulares, a partir da
inclusão, na atividade do professor, do reconhecimento da cultura de seus discentes, de seus
anseios, no sentido de envolvê-los com as atividades acadêmicas, certamente, de posse destas
informações, isto conduzirá à pesquisa de temas relevantes para o grupo social envolvido
nesse processo.
“esse intelectual busca ir além do que está posto, por meio de buscas históricas, a fim de
construir outras versões das situações históricas”
Nesse sentido, para ele, o docente pode seguir alguns passos básicos para o trabalho
em sala de aula. Como sugestão, o docente deve preparar a etnologia e etnografia para definir
os requisitos mínimos no sentido de que a pesquisa supracitada possa apresentar resultados
tanto para a comunidade quanto para o próprio pesquisador, ao escolher o tema a ser
investigado em função das necessidades dos discentes. Assim, naturalmente surgirão
perguntas de todas as ordens em buscas dos porquês das afirmações do professor e vice-versa.
A partir dessa etapa, a matemática ressurge com mais significado, se mostra como um
instrumento necessário para a leitura de mundo e que pode ser construído a partir de
conhecimentos prévios ou não.
É importante ressaltar que este estilo de fazer pesquisa – etnográfica – é muito
recorrente no cenário da pesquisa social entre antropólogos, considerada uma forma científica
que permite a obtenção de novos conhecimentos no campo da realidade social, exatamente
102
por considerar em essência a sociedade humana e o humano. Esse tipo de método para
pesquisar destaca-se pela possibilidade de superar a investigação de forma reduzida e
fragmentada, bastante impregnada no cenário científico, e por possibilitar uma integração na
realidade complexa, além de estimular a integração dos conhecimentos distintos.
É de se falar que a diversidade de temas, áreas de conhecimentos e enfoques acionados
por meio da etnografia acabam por revelar que a realidade disciplinar não consegue responder
à demanda da atualidade de problemas “complexos”, consequentemente, fazer etnografia
pode ser um método de pesquisa capaz de evidenciar essas possibilidades e explorar a
subjetividade do objeto de pesquisa, pois a observação de situações reais, no local onde os
fenômenos acontecem, possibilita a revisão e a construção dos dados.
Desta forma, Eduardo Sebastiani fortalece uma forma plural de investigar
“matemáticas” por meio de uma metodologia plural de estudos – etnografia – no sentido de
avigorar a articulação entre o conhecimento comum e o científico por meio de uma forma
transdisciplinar. Por isso, compreendo que o pensamento complexo pode ser operado
cognitivamente por professores, como é o caso do Eduardo Sebastiani no momento em que a
pesquisa etnográfica se torna aliada do pensar complexo e vice-versa.
Ao mesmo tempo em que Eduardo Sebastini assevera este corpus de conhecimento
como uma possibilidade metodológica – apesar de não ser a única dimensão assumida por
este Programa de Pesquisa – por meio de uma etnografia e etnologia, é também notável sua
capacidade de investigação em história da matemática devido à quantidade expressiva de
artigos que tratam de fatos os quais acreditou ser importantes de serem socializados.
A título de exemplo, posso citar os artigos Onze avos, doze avos, .... De onde vem este
termo avo? Sebastinai Ferreira (2006), no qual ele busca uma visão histórica sobre o termo
“avos” utilizado nas frações, em função de uma inquietação que surgi de uma dúvida gerada,
numa aula de matemática, por uma de suas alunas num curso de aperfeiçoamento para
professores, realizado no Laboratório de Ensino da Matemática da Universidade de Campinas.
Outro artigo, intitulado O ábaco de Silvestre, Ferreira (2007) enfatiza a atividade
desenvolvida por Gerbert de Aurillac, Papa do ano mil com o nome de Silvestre, que foi um
grande matemático, mas pouco reconhecido por historiadores em virtude da forma obscura de
escrever.
Estes dois artigos revelam (entre outros os quais não mencionei) sua capacidade de
transitar entre as áreas da educação matemática, pois, efetivamente, esse intelectual busca ir
além do que está posto, por meio de buscas históricas, a fim de construir outras versões das
situações históricas. Revela também seu potencial transdisciplinar, pois, ao alavancar a
103
etnografia e a etnologia, ele demostra seu potencial em atravessar as disciplinas, neste caso,
entre matemática e história da matemática que são áreas de conhecimento, às vezes,
distanciadas das escolas e universidades. Durante uma entrevista realizada em 1999, este
pesquisador já reafirmava a ligação forte entre Etnomatemática e História da Matemática:
FILOSOFIA
VALORIZAÇÃO
DOS SABERES DE
FORA DA ESCOLA
26
Entrevista cedida pelos entrevistadores Iran Abreu Mendes, Maria da Conceição de Almeida e Carlos Aldemir
Farias, realizada em 30 de junho de 1999, no Hotel Maine em Natal, RN.
105
Estes trabalhos junto aos povos indígenas Kuikuro, deu notabilidade a este
pesquisador no cenário brasileiro devido sua capacidade quanto à utilização deste Programa
de Pesquisa como campo do saber. O professor Eduardo Sebastiani, no prefácio do livro
Educação Indígena x Educação escolar indígena: uma relação etnocida em uma pesquisa
etnomatemática, Scandiuzzi (2009, p. 14) vai além e destaca outras características peculiares
no fazer desse pesquisador: “Seu caráter integro fez dele uma pessoa que, além de lutar pela
preservação da cultura da etnia estudada, sempre soube até que ponto podia trazer a público
os conhecimentos étnicos sem desrespeitar o sagrado dessas etnias” (SEBASTIANI
FERREIRA, 2009, p. 8). Elementos esses que constituem uma característica importante em
um professor que assume a Etnomatemática no seu fazer.
Desde então, o pesquisador utiliza como referência, em seus trabalhos, o Programa
Etnomatemática, conforme Scandiuzzi (2009, p. 15), ele chega a se autointitular “educador
matemático com orientação etnomatemática” e freiriana como uma forma de conhecer o
mundo, o que foi intensificado mais ainda durante o doutoramento.
107
Ele também alerta, ao fazer reflexões sobre o panorama geral da educação sobre
Educar Etnomatematicamente, para a necessidade de se aceitar as diferenças com respeito, da
diversidade de inteligências que o ser humano tem, no sentido de ratificar que fazer
etnomatmática não é apenas apresentar aos educandos problemas contextualizados, exemplos
de motivação, muito menos tratar apenas do cotidiano das pessoas. Para ele, é buscar “dialogo
simétrico formas de um diálogo franco, aberto, que exigirá do educador e do educando um
crescer no conhecimento da arte ou na técnica de explicar, de compreender, de entender”.
Scandiuzzi (2009, p. 19). Portanto, um professor que se propõe a um trabalho fundamentado
por esta leitura de mundo não pode aceitar o modelo baseado unicamente na matemática
ocidentalizada e universal.
Durante a entrevista, ele revela esta leitura de mundo, apesar de não ser bem aceita
como área de conhecimento por parte de alguns pesquisadores, possui em seu corpo
conceitual a possibilidade de uma formação mais ampla de professores, devido a sua
capacidade de agregar as mais diversas áreas, isto é um ponto crucial porque a esta área de
conhecimento vem a romper fronteiras devido seu corpo conceitual desejar romper com as
fronteiras impostas pela forma disciplinar implantada atualmente como modelo de se
investigar no cenário cientifico, pois:
Propor esse tipo de ensino de matemática associado aos conhecimentos prévios dos
alunos é uma atitude comum entre todos os outros quatro professores que assumem a
etnomatemática em seu fazer, portanto, mais uma vez, o operador cognitivo dialógico da
complexidade surge no momento em que se propõe esse exercício dialógico, ao fazer surgir
novos conhecimentos e novas compreensões de mundo para além da matemática fundada no
paradigma cartesiano, e também quando se constata que esse conhecimento não é único.
cultural do povo andino e faz parte das lutas políticas? (Entrevista: Pedro Paulo
Scandiuzzi)
durante a pesquisa sempre que possível, no intento de visualizar esta atividade no fazer do
grupo social no qual está inserido. Em outras palavras, enquanto um busca resolver problemas
por meio da matemática ocidental, o outro tenta entender as maneiras de explicar, de resolver
problemas que surgem num grupo social qualquer.
Aparentemente, esses dois caminhos de ver a realidade distanciam-se, mas, devido aos
investigadores em modelagem matemática fazerem parte de um grupo social e,
consequentemente, construírem uma maneira de compreender a realidade denominada
matemática, isto faz com que pesquisadores se aproximem de professores que adotam no seu
fazer esta outra prática de sala de aula, pela particularidade posta em sua atividade. Nesse
sentido, interpreto a metáfora água e óleo, utilizada no título do artigo, como uma forma de
mostrar dois caminhos metodológicos distintos, mas que, num olhar mais afinado, fazem
parte de uma composição única para se entender a realidade. Nesse caso, a realidade da
matemática ocidental representa o todo e para se conhecer o todo é necessário saber os
conhecimentos do grupo (pessoas que elaboram ou elaboraram o conhecimento ocidental) e
vice-versa. Assim, o operador cognitivo hologramático se faz presente no fazer desse
investigador quando ele evoca esta relação parte-todo e todo-parte, no intento de compreender
a realidade.
No livro intitulado Educação indígena x Educação escolar indígena: Uma relação
etnocida em uma pesquisa etnomatemática, Scandiuzzi (2009) faz um apanhado geral de sua
tese de doutoramento e apresenta ao leitor fatos importantes sobre sua pesquisa com os povos
indígenas do Parque Nacional do Xingu. Identifiquei nesses escritos outra característica do
pensamento complexo que se refere à importância dada ao mito no ensino de matemática para
esses povos indígenas. Para retratar esse fato, veja a transcrição da história dos números
narrada pelo povo Lahatua Otomo:
interpreta que a construção da sequência de números foi concebida por alguém superior a eles
– o Deus masculino e o feminino – o qual utiliza os dedos das mãos e dos pés
(antropocontagem), manifesta também, por sua vez, a capacidade de imaginação e
criatividade desse povo, além da abstração no momento em que generaliza a quantidade de
números, uma história bem diferente da comumente dita nos estudos da matemática ocidental
relacionada à necessidade de contagem por parte dos povos ocidentais.
O mito tomado como uma “reserva poética” no sentido reverberado por Almeida
(2012), no livro Ciências da complexidade e educação, pode discutir, no espaço escolar,
interpretações do mundo as quais a matemática ocidentalizada, como sua exatidão e certeza,
não leva em consideração ou que admite previamente como um saber menor ou parcial e até
mesmo infantil. No caso evidenciado do mito gemelar, pode-se interpretar a relevância do
poder mitológico sobre os povos kuikuro e a importância de se respeitar o conhecimento
advindo desta cultura específica. Essa linguagem mitológica é capaz de operar cognitivamente
num espaço até então pouco refletido no meio acadêmico, ela é capaz de causar encanto e
ativar a imaginação do outro, permitindo o deslocamento de um pensamento racionalista para
um pensar poético. Para Pedro Paulo Scandiuzzi, esta estrutura mitológica vem no seguinte
sentido:
desenvolvido por ele utilizando o material didático geoplano, na elaboração de figuras planas
existiam relações mitológicas com as figuras construídas para esse povo. Ele buscou, para
além da descrição, identificar as construções das pinturas, classificando-as em masculinas e
femininas.
Figura 7 – Na primeira figura, a parte superior apresenta losangos masculinos, e na parte inferior losangos
femininos. Na segunda figura somente losangos masculinos.
Fonte: Scandiuzzi, 2006, p. 163.
Em virtude desta percepção anterior, mais uma vez, este pesquisador informa sobre a
necessidade de mudar a postura dele como professor, no qual o respeito da diferença deve ser
uma condição imprescindivel. Essa condição de reflexão levanta várias perguntas, para Pedro
Paulo Scandiuzzi como professor inserido numa realidade diferente da vivenciada por ele nos
centros acadêmicos e até mesmo antes de iniciar seus trabalhos com povos indigenas, de que
um trabalho baseado neste Programa de Pesquisa incorre de não se cometer uma ação que
venha a sobrepujar a visão do povo investigado, e de que em uma pequisa de cunho
antropológico como a inferida aqui, e desse encontro, que ambas as culturas possam conduzir
aprendizagems nas duas direções a fim de não propiciar um etnocidio com a cultura estudada.
115
Formação
de
professores
indigenas
Mito
Etnomatemática,
alteridade,
etnocidico
27
Denotaremos com “verdades” o conhecimento matemático (ocidental) dito como verdade absoluta, irrefutável,
preciso.
28
Modo de aprender, lidar com, explicar, conhecer.
119
Por isso, uma prática pautada numa matemática como produto de uma cultura
promove uma perspectiva de ensino de matemática que traz consigo uma realidade constituída
de múltiplas faces; consequentemente, traz a necessidade de um repensar sobre questões
éticas, sobre os valores humanos e a condição humana pautada numa matemática exotérica,
isto é, um conhecimento que se aprende que é palatável.
Para tanto, a etnomatemática, como corpus de conhecimento em constante construção,
se mostra uma ciência aberta, mestiça, hibrida, capaz de agregar áreas de conhecimento das
ciências humanas, biológicas, exatas, entre outras, na intenção de dar amplidão ao olhar do
professor e pesquisador. Na formação de professores, ela pode ser utilizada para realizar
leituras do mundo, em especial do sistema escolar.
Por sua vez, ações pautadas no respeito à diferença, no diálogo, na alteridade, na
afetividade, no dar voz aos alunos, no sistema escolar, agregam e fazem desta área de
conhecimento um referencial potente para o professor proporcionar atividades aos alunos, nas
aulas de matemática, que auxiliem no sentido de ampliar sua visão de homem e de mundo
inserido numa sociedade. Apoiado no pensamento de Rogério Ferreira é importante alertar
que se deve valorizar, mas não findar as atividades nos conhecimentos prévios dos discentes.
Possivelmente, incentivados por esta forma de ver o conhecimento científico, os
professores Ubiratan, Eduardo e Iran buscam promover trabalhos para além da matemática
ocidental, por exemplo, ao articularem conteúdos matemáticos e história da matemática, entre
outras associações de áreas de conhecimento. Atividades como a destacada pela autora Zuin
(2007) e pelo próprio professor Iran, Mendes (2009), buscam superar a visão de uma
matemática descontextualizada e distante das pessoas, exibem sem deixar dúvidas uma
matemática como criação estritamente humana. Esta, por sua vez, é uma proposição notável
do pensamento complexo, o da reintegração do sujeito nas ciências. A posição de lutar contra
esse princípio disjuntivo, que exclui o sujeito do objeto, isto é, o sujeito do seu próprio
conhecimento. Logo, a promoção, junto aos estudantes, de situações dessa natureza pode
incentivar os discentes a compreender melhor os conhecimentos matemáticos e as
dificuldades de elaboração que ocorreram durante a história.
Outro ponto de referência nas atividades desses intelectuais da cultura matemática é
aquele que trata de assumir a atitude transdisciplinar como elemento fundante de suas
atividades. Todos os professores que fizeram parte desta construção teórica trazem traço forte
relacionado a esta forma de estudo das ciências. A compreensão desses pesquisadores é de
que o conhecimento fragmentado dificilmente conseguirá enfrentar situações novas
emergentes no mundo atual, em virtude do conhecimento matemático ser uma elaboração
121
“etnomatemática [...] Esse movimento criado nas universidades amplifica outra forma
de ciência que, no momento, se caracteriza como uma ciência marginal, floresce na
formação de professores de matemática como um operador de aprendizagem da cultura,
capaz de mostrar outras rotas, outros caminhos em direção a religação dos saberes que
foram separados, reduzidos e fragmentados.”
Isso, por sua vez, acaba por revelar também a capacidade desses professores em agir
nas emergências. Um professor que ousa romper com uma ciência fragmentada pode se
deparar com situações as mais diversificadas possíveis. Para tanto, é fundamental reagir
diante da diversidade de situações e estabelecer para o professor da atualidade outra visão,
diferente do comumente visto nas escolas, aquela em que eles são os donos do saber. Para o
professor Iran, por exemplo, um docente deve se portar como artesão – bricoler –
principalmente na elaboração de situações didáticas ou de atividades com objetivo de explorar
ao máximo, situações de improvisação, inconclusão e incerteza. É preciso propor atividades
de forma que o aluno possa efetivamente se portar como um investigador do conhecimento ali
posto, e construir o seus conhecimentos por meio da exploração no âmbito da atividade.
Esse posicionamento, acionado pelo professor Iran Mendes de investigador e pelo
professor Eduardo Sebastiani, quando evoca a etnografia e etnologia como forma de fazer
Etnomatemática, traz para sua atividade a possibilidade de um trabalho sistemático para a
122
inseridos. Para tanto, eis que surge a necessidade de repensar o currículo, no sentido de
valorizar as mais variadas manifestações culturais acopladas às matemáticas.
Todavia, é importante ressaltar que a Etnomatemática e o pensamento complexo não
são formas de conhecer completas, aliás, eles se distanciam dessa posição e elencam em seu
corpus teórico a necessidade de outras visões de homem e de mundo. Portanto, estas duas
áreas de conhecimento não vêm informar receitas milagrosas ou soluções mirabolantes, pelo
contrário, veêm alertar ao investigador da incerteza e da inconclusão do conhecimento e da
importância de se ter consciência disto
REFLEXÕES QUE FICAM ...
Como reflexões finais deste texto doutoral, retomo meus objetivos traçados
inicialmente. A priori, busquei, por meio desta investigação, identificar elementos que
potencializassem a formação de professores de matemática à luz da Etnomatemática e do
Pensamento complexo, além de confirmar que elas são ciências irmãs, pois são áreas de
conhecimento as quais acredito ter grande potencial de superação do modelo pautado apenas
no ensino da matemática ocidentalizada, o qual foi ratificado anteriormente no quadro
negativista a despeito do ensino. Apesar da direção clara e evidente no inicio desta
caminhada, bastante motivada pelo meu trabalho desenvolvido como professor de
matemática, em certo momento o trabalho bifurcou de sobremaneira a despeito da
epistemologia, portanto, apresentou uma temática duplicada sobre formação de professores e
epistemologia comcomitantemente.
Como resultado desta empreitada, por meio da evidenciação no fazer dos cinco
professores que assumem a etnomatemática e que foram aqui estudados, é possível inferir
que, diante do fazer destes docentes, há a existência de um foco rejuvenescedor na formação
de professores de matemática, que busca a superação do modelo atual, em busca de outro
paradigma. Dentre esses modelos é notável, diante do fazer desses intelectuais, a presença da
trandisciplinaridade como uma possibilidade de religação dos saberes fragmentados, da
compreensão da matemática como uma expressão cultural, de promover o encontro com
outras culturas, não necessariamente fundadas na matemática, isto é, por meio de uma outra
forma de pensar a realidade. Talvez, seja esta uma das problemáticas a serem enfrentadas pela
academia atualmente, de certificar-se de uma gama de problemas complexos, mas tentando
enfrentá-los, pensando da mesma forma, o que revela, por sua vez, uma prática ingênua.
No âmbito das pesquisas da área de educação matemática, é possível visualizar
movimentos marginais na academia por meio de outros caminhos epistemológicos, como os
de Sônia Clareto, Denise Silva Vilela, Roger Miarka, Fernanda Wanderer, Maria Cecilia
Castelo Branco Fantinato, entre outros, que buscam superar as visões de homem e de mundo
baseadas na fragmentação e a redução estabelecida e consolidada de matemática como
verdade absoluta e infalível. Tais movimentos têm como intencionalidade promover outras
leituras de mundo que ampliem a discussão. O Programa Etnomatemática, neste âmbito, cria
nas universidades a possibilidade que se discuta aspectos paradigmáticos para além da
126
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137
Professor (FORMADOR),
Primeiro quero agradecer-lhe pela presteza em me conceder esta entrevista, pois,
apesar das atividades aos quais os senhores efetivamente exercem em suas universidade e/ou
grupos de pesquisa, ainda sim disponibilizaram parte do seu tempo para responderem
questões ligadas ao meu projeto de doutoramento pela UFPA em Educação em Ciências e
Matemática, sob a orientação da professora Isabel Lucena. Para mim, é uma honra podermos
conversar mesmo que por meio eletrônico.
Desde o Mestrado em Educação em Ciências e Matemática, realizado por mim no
período de 2007-2009 na Universidade Federal de Goiás sob a orientação do prof. José Pedro
tive/tenho muito afinidade com questões ligadas a Etnomatemática nos vários cenários aos
quais ela está presente. Neste bojo de ações foi concebida uma das primeiras – talvez a
primeira – dissertação pautada em Etnomatemática pela UFG.
Por conseguinte, durante minhas experiências vivenciadas no Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação Matemática e Cultura Amazônica (GEMAZ) da UFPA no qual sou
membro e no Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM) da UFRN me fizeram
efetivamente fortalecer o ideal de buscar na Etnomatemática e a Complexidade como solo
teórico.
Diante deste encontro, talvez, epistemológico, percebo na atividade de professores
assumidamente etnomatemáticos um viés que me faz acreditar na proximidade entre o fazer
destes pesquisadores e o pensamento complexo elucubrado por Edgar Morin e seus afetos
(Edgard de Assis Carvalho, Maria da Conceição Almeida, entre outros).
Por isso, pleiteio como afirmativa para tese: A atividade de formadores de professores
de matemática que compreendem a Matemática como Produto Cultural (Professores
Etnomatemáticos) expressa elementos formativos para uma Educação rumo a
Complexidade.
Para tanto, no intento de identificar esses aspectos formativos na atividade dos senhores
tenho como perguntas o seguinte:
1) O que é Etnomatemática como área de conhecimento?
139
Caso sinta a necessidade de dissertar mais sobre qualquer assunto, fique a vontade para fazer
o apontamento que achar pertinente.
APÊNDICE B – Uma entrevista com Ubiratan D’Ambrosio29
Nada a acrescentar.
29
Entrevista realizada por e-mail, na qual, preparamos um vídeo gravado por mim narrando as perguntas aos
professores.
APÊNDICE C – Uma entrevista com Iran Abreu Mendes
Janderson: Na sua matriz teórica e naquelas que fundamentam os livros que estou lendo
identifico o verbo investigar, inclusive durante suas aulas ouvi um pouco sobre a sua
compreensão acerca do que é investigação. Então esses livros, essas matrizes teóricas, nas
quais você coaduna com a história da matemática e Etnomatemática, me revelam esses
aspectos formativos em direção ao que denoto por pensamento complexo (transdisciplinar). O
pensamento etnomatemático e o pensamento complexo (transdisciplinar) têm eixos de
referência muito próximos. Nesta intenção de identificar lhe faço duas perguntas: o que é
Etnomatemática e quais são suas bases epistemológicas?
Iran: Olha, eu vou começar logo te dizendo que eu concebo que Etnomatemática, como o
próprio Ubiratan propõe, e alguns outros estudiosos sobre a cultura matemática defendem
também, eu considero que hoje, mais do que nunca, você não consegue estabelecer uma
definição para etnomatemática. Existe uma coisa que eu aprendi ao longo desses anos que é, e
não sou eu quem digo; alguns autores falam isso: a definição o próprio nome diz de-fin-icao,
ou seja dar fim. Ela vai definir, ela vai encerrar.
Janderson: Ela vai encaixotar.
Iran: Ela vai encaixotar, ela vai encerrar, e a perspectiva da etnomatemática não e encerrar
porque como ela é uma forma de olhar a dinâmica cultural da produção de conhecimento, no
caso, uma cultura que é chamada de matemática, ok? Então não dá para encerrar, nunca. Por
que não dá para encerrar nunca? Porque a dinâmica cultural que é humana não encerra nunca;
e como ela não encerra nunca, sempre surgirão elementos agregadores para que possamos
fazer uma nova caracterização do que pode ser explicado como etnomatemática, e isto; o mais
interessante é que isto vem justificar a mesma configuração epistemológica que a matemática
tem, o comportamento epistemológico que a matemática tem; ele tem certo jogo; eu diria de
composição; que ele não fecha nunca, embora a representação social de matemática como
uma conta (uma expressão algorítmica que envolve aritmética ou álgebra), como uma forma
geométrica (expressão geométrica que envolve medidas, proporcionalidade ou construções
geométricas), como coisas desse tipo. Todavia, a composição epistemológica do que pode ser
matemática ela nunca fecha, ela sempre faz um jogo combinatório lógico de modo que sempre
possa caber alguma coisa a mais, para assim ir se alargando. No meu entendimento a
etnomatemática também tem essa composição epistemológica em formação contínua, por
142
quê? Porque sempre você vai rever a dinâmica de produção de conhecimento da sociedade,
esse conhecimento que a gente denomina de matemático; então, sempre focaremos nosso
olhar nos modos como os diferentes grupos sociais podem enunciar determinados olhares
sociais sobre aquilo que nos chamamos de matemática.
Janderson: Por isso que o professor Ubiratan fala em programa Etnomatemática.
Iran: A ideia dele de programa justifica-se exatamente porque ele percebeu que sua
formulação epistemológica não era fechada. Então, neste sentido eu considero que o princípio
mais importante está em não ser fechado. Esse é um ponto. Como não é fechado não da para
definir, para mim vai estar sempre em construção e, é neste sentido tem uma coisa muito
interessante que Teresa Vergani traz no livro Etnomatemática – o que é Educação
Etnomatemática – quando ela compara com as fases da lua, porque ela diz que se a gente for
enquadrar deixa de ser e se constituirá em uma lua minguante; ela tenderá a desaparecer
como cultura matemática aberta e passará pertencer ao domínio das culturas matemáticas
definidas e catalogadas; então, enquanto você não enquadra, você não tem definição, você
sempre poderá encontrar possibilidades de incremento, sempre teremos novas possibilidades
de acréscimos ao conhecimento já estabelecido; eu acho que o ponto forte é esse.
Janderson: não ter definição... .
Iran: É não ter definição. É não ter porque não é para ter. É porque não dá para ter. Porque
você deixa de ser o que é, e você vai passar a ser uma outra coisa, você estagna aquilo e tudo
que aparece de novo não pode mais se encaixar lá dentro, não pode mais se reconfigurar,
entendeu? O modo de ser, ou seja, o estado de ser da Etnomatemática dá foco para este olhar
cultural; o estado de ser, é de uma coisa que é dinâmica, é de uma coisa que sempre poderá
abrir novas possibilidades de diálogo com o mundo, isso que é o mais importante para
garantir que a Etnomatemática seja um movimento, onde, os exercícios de olhar sobre como a
sociedade produz suas ideias, suas leituras do mundo, é que se torna enriquecedor; é ele que
faz, com que a gente possa sempre imaginar mais possibilidades de diálogo com o mundo,
isto é o mais importante para adentrarmos em um caminho de compreensão da dinâmica
cultural na qual a etnomatemática se insere, ou seja, que a Etnomatemática seja um
movimento, onde, os exercícios de olhar sobre os modos como a sociedade produz ideias, é
que que é enriquecedor, é ele quem faz que a gente possa imaginar mais possibilidades para
se olhar matematicamente o mundo, dentro de um patamar que cada um de nos, cada grupo
tem, e então cada grupo tem um olhar que certamente o conjunto desses olhares poderão ser
enriquecedores para quem empresta o olhar do outro e oferece o seu para olhar, esse é um
ponto basilar da etnomatemática, e talvez aí é que mora toda base epistemológica da
143
matemática. É você se despir de um olhar, mas admitir que você tem um olhar e que você se
despe dele para emprestar o do outro, também para olhar. E quando você pede o olhar do
outro para também olhar as coisas, você começa a criar possibilidades de ter consigo todos os
olhares sobre as coisas. E neste caso sim isso dará o caráter que eu argumento, como caráter
transdisciplinar da etnomatemática, que a história, se nos formos olhar para história da
matemática com esse mesmo ponto de sustentação epistemológica, veremos que a história da
matemática, ou melhor, a historia da cultura humana, de um modo geral, nos oferece sempre
uma possibilidade de olharmos e emprestarmos os vários olhares para poder ter uma
amplitude maior sobre o objeto que se vai olhar; e isso é característico da transdiciplinaridade,
da complexidade, e que a etnomatemática também se materializa por este olhar; Se a gente
não tem esse olhar dificilmente a gente vai conseguir fazer etnomatemática. Por que se a
gente restringe a gente perde, e isso para mim é o principal, ou seja, é a base epistemológica
da etnomatemática, se admitirmos que tem. Alguns autores hoje começam a apontar algumas
bases epistemológicas para explicar a etnomatemática. Eu acho que nos estamos num
caminho muito mais de procurar, mais considerando os pontos de vista que a gente quer
sustentar, e nenhum anula o outro, não sei se tem. Para mim a base epistemológica da
etnomatemática é a cultura humana, pois seu processo de constituição está em apostar na
cultura humana. O cerne da etnomatemática está em mostrar que a cultura humana é diversa e
ao mesmo tempo única; é singular e plural o tempo inteiro; é complexa porque se constitui em
uma teia de coisas, tal como nos somos.
Janderson: única e múltipla?
Iran: É una (única) e múltipla; é singular e plural. Então para mim esta é a base. Então, tendo
esta base a gente consegue olhar determinados aspectos da manifestação da cultura
matemática num setor social e ao mesmo tempo admitir que aquele é um olhar, mas que não é
o único olhar, porque ele também admite outro olhar e talvez o embate que a gente tem, quer
dizer, eu não me sinto tanto, mas eu percebo que tem muita gente que tem um embate com a
cultura acadêmica e a cultura matemática advinda desses grupos culturais que a
etnomatemática toma como elemento chave da sua composição. Alguns colegas tem embate
talvez por não considerarem – que o olhar acadêmico para matemática é um olhar apenas e
não é o único olhar; ele é um olhar tal qual é o olhar de um pescador, de um pedreiro, de um
grupo indígena, de um grupo de quilombolas ... Esses olhares todos, na verdade, podem fazer
parte de um cenário de composição múltipla para a explicação de mundo [...]
Janderson: De realidade?
144
Iran: Isto que é, a matriz estrutural da etnomatemática. Então esse fundamento principal é
saber olhar isso. Agora quais são as escolas de pensamento que tratam disso. Há várias. A
gente tem que tentar e admitir que não é absoluto isso. Então o meu ponto de vista é esse.
Janderson: Professor, você falou das bases da etno e da não existência de uma definição. Isto
no cenário dos investigadores em Etnomatemática é não definir, em função de deixar este
conceito aberto. Alguns tratam dessa base epistemológica, Pedro Paulo, por exemplo, é um
que acredita que tem bases, e Eduardo Sebastiani num artigo em 2009 se não me engane ele
tratou, ele comparou o status da etnomatemática como um paradigma kuhniano num
determinado momento e hoje ele fala que existe um núcleo duro que vai ao encontro do que o
senhor esta falando.
Iran: Talvez seja o núcleo central, o ponto central não núcleo duro. Ponto de onde vão
irradiar todas as outras coisas, pois o que se quer na verdade é isso.
Janderson: Entendi.
Iran: Eu acho que é nessa irradiação é que talvez se vai buscar vários pontos de vista,
teóricos para explicar, entendeu? Mas na verdade, a gente precisa, entendeu? Como é que a
cultura explica isso? O modo como a cultura explica é muito importante porque só a cultura é
que pode explicar e a gente é que tem de dialogar com ela para ela chegar mais perto possível
do que ela nos diz, porque ela é que nos diz, e nós tentamos dizer aos outros, o que ela nos
diz. Entretanto, além disso a gente tem de se aproximar o máximo dela para tentar entender o
máximo, mas garantir que nos vamos dizer exatamente como nos vamos dizer o próprio
contexto nos diz, isso eu não posso afirmar, entendeu? Se existir uma base epistemológica que
sustente isso talvez ela vá, é.., como é que eu posso dizer, ela vá simplificar.
Janderson: Reduzir?
Iran: Reduzir. Simplificar. Eu acho que isso é perigoso, no meu entendimento eu não prefiro
pensar assim, eu prefiro pensar que existem alguns teóricos, que ao longo do tempo
formularam princípios explicativos que podem ser tomados como pressupostos úteis para
melhor explicar e compreender como é que as coisas ocorrem, como é que se opera o
pensamento e a prática dentro dos contextos culturais; isso sim. Mas não posso dizer que é
apenas desta maneira, entendeu?
Janderson: Entendi!
Prof. Iran: Para mim não é apenas desta maneira porque como eu admito que a sociedade tem
uma dinâmica, aposto na dinâmica cultural da sociedade. Se eu aposto na dinâmica da
sociedade, eu também aposto em uma possibilidade de ficarmos repensando um pouco sobre
o modelo de como a humanidade produz conhecimento, dentro do seu contexto cultural,
145
entendeu? Existem algumas coisas que a gente pode considerar e que, são digamos assim, é...,
são possíveis, são aproximações explicativas teóricas. Mas se há, se são as bases de
sustentação eu não sei.
Janderson:: Não dá para dizer?
Iran: Eu acho que não. Para mim, eu acho difícil dizer que são.
Janderson:: É até arriscado por parte da gente que trabalha com etnomatemática [...]
Iran: Existe um recorte, se eu disser que é assim eu recorto.
Janderson:: É...
Iran: E eu não abro mais possibilidades de outra [...]
Janderson: Entendi.
Iran: De outra, possibilidades de explicação.
Janderson: Professor [..]
Iran: Meu medo é disso.
Janderson: Voltando nosso olhar para formação de professores de matemática, indique
aspectos imprescindíveis na formação de professores de matemática, nesta perspectiva que o
senhor tem como formador de professor de matemática.
Iran: Olha, eu já falei algumas coisas que eu já publiquei, você já deve ter localizado.
Entrevistador: Já
Iran: Eu entro na minha sala e, tu deves ter ouvido um pouco eu falar esses dias, um
elemento importante é a criatividade, o exercício da criatividade na formação de professores,
o exercício da criatividade vai implicar em desenvolvimento de autonomia, o espirito de
busca.
Janderson: o espírito do investigador!?
Iran: O espírito de busca é o espírito do investigador, que eu sempre defendo o tempo inteiro
porque eu me constitui professor por causa disso, eu sou a pessoa (o profissional) que eu sou,
principalmente por causa disto, por causa deste espírito investigatório e deste espírito de
busca que eu desenvolvi muito ao longo da minha formação, de professor licenciado.
Janderson: De sua vida.
Iran: E o resto da minha formação profissional até hoje, ao longo da minha formação
profissional foi se acentuando muito mais isto. Talvez pela minha formação familiar também,
pela minha história de vida, que ela fez muito isto ela puxou muito por esse lado.
Janderson: A busca do detalhe.
Iran: Isto fez que eu apostasse nisso e fez os pontos principais, porque na hora que a gente
aposta nisso a gente está sempre aprendendo, a gente sempre aposta que tem algo mais a
146
aprender, mas aprender se a gente for à busca desta aprendizagem, acho que se o professor
não tem isso ele não se constitui professor. As outras coisas, como a formação conceitual ela é
uma decorrência, a formação didática é uma decorrência disto porque não adianta você ser
informado sobre todos os princípios didáticos de ser um bom professor, você aprende na
licenciatura, você ouve falar ou você lê ou o professor lhe fala, mas se você não exercita isso,
na medida adequada, para interagir com seus alunos, para desenvolver neles também esses
princípios, para que eles, também junto com você, passem a exercitar esse espírito de busca,
essa tentativa de exercitar a criatividade que consequentemente poderá contribuir na
construção de sua autonomia como uma pessoa que quer aprender, você não consegue fazer
nada. No meu entendimento é isto. As vezes a gente tem muita informação mas não consegue
dar uma dinâmica de aprendizagem em sala de aula porque a gente não sabe conduzir esta
dinâmica, a gente pensa que educar é apenas dar uma aula de matemática.
Janderson: Entendi.
Iran: Não é só isso, é muito mais do que isso, é discutir sobre vários assuntos que estão no
subtexto daquela matemática que a gente ensina, porque toda matemática que a gente ensina
tem um subtexto; ela tem algo que está por trás, que fez com que ela emergisse do jeito que
ela emergiu, e a gente não discute isso. A gente não abre possibilidades para o aluno ver
(perceber); a gente só fala o final (mostra apenas o produto e não o processo). Todos os
elementos que vão compor aquele cenário, aquela matemática, e que a gente quer avaliar, a
gente despreza, ou seja, a gente apresenta uma matemática asséptica, desvinculada de todos os
fatores, contextos, significados e problematizações que originaram as dinâmicas de produção
sociocognitiva que resultaram como produto essa matemática.
Janderson: Asséptica!?
Iran: Significa que foi tirado tudo que dá a vida e significado à matemática produzida
socioculturalmente.
Janderson: Isto o senhor fala no livro seu de historia da matemática.
Iran: Está entendendo!? Acho que muito é isto. Acho que esse é o ponto e deve ser
importante; e que deve ser base fundamental na formação do professor de matemática. Não só
de matemática. É apostar na curiosidade, mas exercitar a curiosidade com razão, exercitar a
imaginação com razão, exercitar a criatividade com razão, exercitar a ousadia com razão,
exercitar o risco com razão. O que eu quero dizer quando uso a expressão com razão? Para
mim significa que é sabendo que você está apostando numa coisa, mas em busca de algum
resultado que poderá chegar, de um jeito possível, ou de um jeito previsto ou não previsto.
Então você tem que saber do como você vai se arranjar com os acontecimentos no decorrer
147
desta ousadia, no decorrer deste risco, desta busca, desta aposta. Se o professor não faz isso o
professor não quer trabalhar com medo de errar na sala de aula. Ele não quer apostar. [...]
Janderson: Fica na zona de conforto?
Iran: Fica na zona de conforto ou no comodismo do trivial da profissão. Quem fica na zona
de conforto não faz nada disso, e se você faz isto e sai da zona de conforto, você tem que estar
preparado para saber o que você vai fazer na hora em que as coisas acontecerem. Eu acho que
é neste momento que esta o ponto chave, pois é o momento em que você muda o modelo de
professor que esta dado; você cria um modelo de professor que exercita uma dinâmica criativa
com os alunos. Isso é muito difícil fazer, mas se você [...]
Janderson: É um desafio?
Iran: É um desafio. Mas se você [...]
Janderson: Para o formador!
Iran: Mas se você não exercita o desafio na formação, o formado por nós não vai fazer jamais
quaisquer exercício criativo na sua profissão docente. Continuará o exercício da mesmice, ou
seja, da trivialidade que já está estabelecida nas salas de aula da educação básica. Isto é muito
comum.
Janderson: Nas teses e dissertações que o senhor orientou, quais ou qual delas te mostram
um tratamento mais forte e que mais contribuiu na área de etnomatemática?
Iran: Na área de etnomatemática, eu não sei; eu orientei poucos trabalhos na área de
etnomatemática propriamente dita, eu orientei eu acho que [...]
Janderson: trecho incompreensível na transcrição.
Iran: Ah! Eu orientei o trabalho de, deixa eu ver: Ferrete, Osvaldo, Luiza, Elisângela; eu acho
que foram esses quatro, não sei se tem mas algum, mas era [...]
Janderson: Na formação de professores indígenas?
Iran: Foi na formação de professores indígenas [...]
Janderson: Ferrete foi o que?
Iran: Ferrete foi história e práticas culturais na cerâmica, na cerâmica de origem marajoara
num liceu escola, aqui em Belém e, o Osvaldo foi mestrado e doutorado na área de
etnoastronomia indígena com os Tembé Tenetehara, na fronteira do Pará com Maranhão. A
Luísa foi muito mais em uma dinâmica de estudos interdisciplinares, envolvendo matemática
e realidade na escola Bosque, na ilha do Outeiro. Foi um trabalho excelente; foi um trabalho
que eu considero uma proposta pedagógica que envolve matemática e sociedade, e que na
perspectiva freireana (Paulo Freire), que aponta em uma direção de construir a autonomia do
aluno em formação; de pensamento muito mais autônomo, de desenvolver a autonomia do
148
cultural. Já tem uma diferença, mais esses quatro são considerados por mim os quatro
trabalhos.
Janderson: que têm grande relevância.
Iran: Têm, têm grande relevância.
Janderson: professor, eu tinha estas quatro perguntas e caso o senhor sinta a necessidade de
falar mais pode se sentir a vontade. Eu quero desde já agradecer por o senhor prontamente
estar disponibilizando um tempo para estar conversando comigo, revelo a você que trabalho
com suas bibliografias desde 2009 lá na UFT, lá temos disciplinas que vão nesse eixo
transdisciplinar, a grade da UFT foi uma grade concebida para o licenciando, o Mafra que fez
ela em 2008, então nos temos disciplinas como TICs, história da matemática, laboratório de
ensino, e nisso essas disciplinas pedagógicas acabam que a gente trabalha com bibliografias
recorrentes aqui da região, como Mafra ou bibliografia sua, recente mesmo eu estou
trabalhando com seu livro de atividades didáticas de historia da matemática, trabalho as
atividades com ângulos, então, para mim é um prazer muito grande estar conversando,
podendo aprender um pouco e ampliar os meus conceitos sobre etnomatemática, eu penso que
a tese, esta proposição de tese que estou pleiteando ela vai tratar, buscar trazer justamente este
indicativo que o professor geralmente que trabalha com etnomatemática ele tem, ele tem um
olhar diferente, ele tem um olhar aguçado, uma perspectiva de formação humana.
Janderson: Vai para além de uma formação moldada dentro de parâmetros da racionalidade
técnica, onde você aprende uma coisa mecanicamente, aprender matemática mecanicamente.
Se aprender?
Iran: É!
Janderson: Na verdade é memorizar um monte de formulas [...]
Iran: É.
Janderson: E não saber para o que que aquilo serve.
Iran: E nem saber da onde se configurou aquilo.
Janderson: Acaba que o professor etnomatemático ele tem uma perspectiva muito ampla,
uma visão de mundo diferente de outros professores que vem a matemática não como um
produto cultural.
Iran: Eu acho que esse é o ponto. Ver a matemática como produto cultural, se a gente começa
ver a matemática como produto cultural a gente começa ver que ela tem outros elementos, que
a compõem e que precisam também ser olhados por quem aprende matemática, porque são
esse outros elementos que fazem parte da composição da matemática que a gente ensina, que
talvez, sejam decisivos para os alunos entenderem melhor a matemática e esses elementos são
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variados de acordo com a cultura de origem daquele produto, porque a cultura de origem num
momento histórico, ou seja, num momento histórico se emerge matemática de um produto
cultural de um jeito, num outro momento histórico aquela mesma matemática em essência ela
pode emergir de um outro jeito, e são essas múltiplas maneiras de ver de fazer emergir
matemática nos contextos culturais é que tem que ser levada em consideração no ensino da
matemática, e isso, quem oferece são os estudos da cultura matemática, estudos que a
etnomatemática se propõem a desenvolver, acredito que só é possível fazer isto, se o professor
de matemática que se afilia aos estudos da etnomatemática ele exercite mais uma vez eu digo,
a criatividade pra puder estabelecer esse diálogo entre as matemáticas que vão emergir do
contexto cultural, pra puder desenvolver um outro olhar no aluno, não um olhar único,
entendeu? Mas sim que ele seja sempre múltiplo, sem perder de vista o singular, mas ele
sempre múltiplo porque essa multiplicidade só quem dá é a criatividade.
APÊNDICE D – Uma entrevista com Rogério Ferreira
para além do conhecimento matemático. Isto é, a matemática pode tornar-se ferramenta para
compreensão da diversidade sociocultural presente tanto em nível local quanto em nível
planetário. Na realidade brasileira, em específico, é necessário destacar que se torna
fundamental ao professor de matemática retratar criticamente culturas e histórias indígenas e
afro-brasileiras em sala de aula. Trata-se do cumprimento da lei nº 11645 promulgada em 10
de março de 2008. A etnomatemática pode contribuir significativamente com o professor na
efetivação desta lei.
Ainda refletindo acerca de possíveis contribuições da etnomatemática para a formação
de professores, cabe afirmar que o ato de ensinar pautado na valorização da história de vida
do aluno se faz essencial. Trata-se de respeitar o aluno em sua plenitude para que, assim, ele
oportunize transformar a realidade em que vive, buscando a cada dia melhorá-la. Essa
concepção é um dos pilares da etnomatemática no que tange à sua dimensão educacional.
Entendo que a não difusão desta diretriz educacional se dá pela força que ainda hoje têm os
modos tradicionais de ensino. O professor de matemática se equivoca ao compreender que
conteúdos são importantes por si só. É preciso que a história que cerca determinado tema
trabalhado em sala de aula seja processualmente identificada pelo professor. É preciso
também que contextos palpáveis sejam motivadores para que o aluno vá adiante, chegando de
modo competente ao raciocínio abstrato. Nesse contexto, o educador dinamarquês Ole
Skovsmose afirma que devemos transcender o paradigma do exercício. Ou seja, precisamos
fugir do esquema engessado “definição – exemplo – exercícios de fixação” utilizado por
muitos professores de matemática. Enfim, é preciso problematizar, contextualizar,
objetivando tornar a matemática de fato necessária e motivadora.
Espero ter apontado aqui diretrizes que muito podem contribuir para a concepção de
programas de formação de professores, não só de matemática, mas de professores em geral.
Em dissertações e teses orientadas por você qual/quais provocaram maiores inquietações
e contribuíram efetivamente para área de etnomatemática. Ele me respondeu o seguinte:
Entre as dissertações de mestrado que orientei, ressalto o trabalho concluído pelo
aluno Gaspar Varela, natural do Timor Leste, profissional que se vinculou ao programa por
meio do convênio PEC-PG firmado entre os governos do Brasil e do país em questão por
intermédio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Seu
trabalho refletiu sobre a formação de professores de matemática em seu país de origem tendo
como alicerce a etnomatemática. Desde que retornou à sua terra natal, Varela vem
contribuindo intensamente para a construção de uma universidade pública qualificada em seu
país. Tenho mantido contato com o mesmo, buscando contribuir, mesmo que modestamente,
154
para emancipação de nossa nação irmã. Em meu entendimento, seu trabalho contribui de
modo significativo para o campo da etnomatemática, trazendo inquietações potencialmente
capazes de gerar novas produções de conhecimento acerca da etnomatemática. Destaco
também a dissertação produzida por Jaqueline Ferreira dos Reis, visto que sua pesquisa
buscou efetivar na prática docente os caminhos acenados pelas produções de cunho
etnomatemático, em estreita relação com os pensamentos de Paulo Freire e Ole Skovsmose.
Por vincular-se diretamente à dimensão educacional da etnomatemática, seu trabalho, além de
promover inquietações de natureza pedagógica, contribui sobremaneira para a vertente
educativa da etnomatemática, tão necessária no atual cenário vivido pelo complexo ensino-
aprendizagem de matemática.
Sinta-se a vontade para tecer comentários aos quais achar pertinente:
Como última consideração, coloco que atualmente a etnomatemática começa a fazer
parte de currículos de cursos de Licenciatura em matemática no Brasil e no mundo. Na
Universidade Federal de Goiás, por exemplo, essa temática vem sendo trabalhada não só na
formação superior, mas também em nível de pós-graduação, seja no Curso de Especialização
em Educação Matemática, seja no Curso de Mestrado em Educação em Ciências e
Matemática. Porém, há muito ainda a evoluir para que este importante tema possa contribuir
de modo mais efetivo para a formação dos professores de matemática. Muitas universidades
ainda sequer possuem em seus currículos a etnomatemática como tema a ser trabalhado, fato
preocupante diante da diversidade sócio-político-cultural brasileira e mundial.
APÊNDICE E –Uma entrevista com Eduardo Sebastiani Ferreira
Questionei professor Pedro Paulo Scandiuzzi sobre o que é etnomatemática como área
de conhecimento e, sobre as bases epistemológicas da etnomatemática e ele me
respondeu:
Nada a acrescentar.
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ANEXOS
Anexo A: Termo de cessão de direitos patrimoniais e autorização de uso e imagem.
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Participação da palestra com Edgar Morin e intercâmbio com GRECOM, Natal 2012.