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Desidério Murcho
1. O que é a validade?
2. Será que um argumento válido pode ter uma conclusão falsa? Justifique.
3. Será impossível, num argumento válido, que as premissas desse argumento sejam
verdadeiras e a conclusão falsa? Justifique.
Num contexto em que o professor não explicou a diferença entre a
validade dedutiva e a não-dedutiva — ou em que a explicou de
passagem há três meses e dedicou as restantes aulas unicamente à
validade dedutiva — esta pergunta é o que se chama uma «rasteira».
Muitos estudantes irão pensar que é impossível que as premissas de um
argumento válido sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa, porque
estarão unicamente a pensar no que foi leccionado — argumentos
dedutivos. Este tipo de pergunta não avalia a inteligência nem o talento
do estudante, nem o seu domínio da noção de validade; avalia apenas a
sua «esperteza saloia»: a capacidade esquizofrénica para pensar que as
pessoas estão sempre a tentar enganar-nos.
É fácil ver que a pergunta 1 está a pedir uma vez mais ao estudante que
repita as ideias do professor. Muitos estudantes vão achar que essas
ideias são falsas ou tolas, mas vão decorá-las e escrevê-las no teste
para obter a classificação desejada. E assim cria-se o hábito da
desonestidade intelectual, de falar pela boca alheia, sem que se acredite
no que se afirma. Os efeitos deste tipo de ensino não podiam ser mais
perniciosos; habituados a repetir fórmulas e ideias em que não
acreditam, os estudantes não mudam as suas ideias e crenças, nem se
sentem na necessidade de pensar nelas. Isto representa a falência do
ensino de qualidade, que tem por missão, entre outras coisas, formar
cidadãos reflexivos, ponderados, com capacidade para pensar
criticamente sobre as suas próprias ideias, e para emitir opiniões
abalizadas em matérias da sua área de especialização.
Silogística
Adriana — Concordo que não é muito bonito, mas nem toda a arte
tem de ser bela.
Todo o F é G.
Alguns F não são H.
Logo, alguns G não são H.
Exercícios conceptuais
Os exercícios de carácter conceptual desafiam o estudante a pensar por
si, usando correctamente as noções leccionadas. Ao longo deste livro
apresentei vários exercícios deste género. Eis alguns exemplos:
1. Será que podemos ter um argumento válido com uma conclusão falsa? Justifique.
2. Será que podemos ter um argumento sólido com uma conclusão falsa? Justifique.
3. Será que podemos ter um argumento válido com premissas falsas? Justifique.
4. Será que podemos ter um argumento sólido com premissas falsas? Justifique.
Lógica clássica
É nos exercícios de lógica clássica que se pode ser mais imaginativo, por
não se estar limitado a quatro tipos de proposições. Pode-se apresentar
pequenos textos, da autoria do professor ou de filósofos, que permitam
realizar várias tarefas:
1. Eliminar o ruído.
2. Representar o argumento na forma canónica.
3. Formalizar o argumento.
4. Determinar a sua validade ou invalidade recorrendo a inspectores de circunstâncias.
5. Demonstrar a validade do argumento apresentando uma derivação(2).
6. Caso o argumento seja válido, indicar as premissas logicamente inaceitáveis (como
no falso dilema), e indicar o que seria necessário para as refutar (uma disjunção
refuta-se com uma conjunção, uma conjunção refuta-se com uma disjunção, uma
condicional refuta-se com uma conjunção, uma universal refuta-se com uma
existencial, etc.).
(P & Q) ~R.
Esta formalização resulta de
P.
Q.
Logo, ~R.
Em si, passar desta formalização para a primeira, sem mais explicações,
é um erro. Mas não há maneira alguma de passar desta formalização
para a que é proposta na «solução» dos autores da prova: (P & Q) & ~R.
Esta fórmula não representa argumento algum, mas apenas a conjunção
em série de três proposições. Efectivamente, os autores da prova pedem
para se formalizar uma proposição; mas o que apresentam é um
argumento. A confusão é total.
Em qualquer caso, o argumento apresentado na prova não pode, pura e
simplesmente, ser adequadamente representado na lógica
proposicional. No argumento apresentado a quantificação é
fundamental: é porque o regulamento é o mesmo para todos e não
apenas para alguns que nenhum aluno tem razão ao contestá-lo.
Interpretar o argumento sem os quantificadores é um erro: transforma
um argumento que talvez possa ser defendido(3) num argumento pura e
simplesmente inválido à partida. Só a sua formalização na linguagem da
lógica de predicados dá conta realmente da estrutura do argumento:
Rn & x (Ax Oxn).
Exercícios
1. Qual é a diferença entre argumentos predicativos e argumentos proposicionais?
2. «Não há qualquer erro na Prova Global. A formalização de argumentos é uma tarefa
inteiramente convencional, e tanto podemos formalizar na lógica de predicados
como na lógica proposicional.» Concorda? Porquê?
3. Considere o seguinte argumento: «Sócrates era um filósofo. Logo, houve filósofos.»
Será possível exibir a sua validade formalizando-o na linguagem da lógica
proposicional? Porquê?
4. «A ideia de que há argumentos válidos em si é um mito. A validade é uma
abstracção da lógica, e como há várias lógicas, a validade é relativa à lógica que
estamos a usar. Um argumento válido numa lógica é inválido noutra e não há uma
Lógica Universal para decidir qual das lógicas tem razão.» Concorda? Porquê?
Desidério Murcho
Excerto retirado de O Lugar da Lógica na Filosofia, de Desidério Murcho
(Plátano, 2003)
Notas
1. Relevante científica e didacticamente. Não se pode indicar a um estudante sem
preparação a maior parte dos ensaios da maior parte dos filósofos, porque são
ensaios demasiado complexos para que os estudantes os possam compreender sem
ajuda. Podemos e devemos indicar alguns desses ensaios, mas ao mesmo tempo
teremos ou de explicar nas aulas o que esses ensaios querem dizer, ou de indicar
bibliografia acessível que explique o que esses ensaios querem dizer. Indicar a um
estudante sem preparação ensaios de Kant ou Davidson é o que se chama
«terrorismo intelectual». E estaremos a encorajar a prática do ensino formalista e
cinzento: o estudante vai repetir mais ou menos o que leu sem ter compreendido
muito bem, e com o passar dos anos acaba por se tornar um especialista da paráfrase
acéfala: a capacidade para papaguear uma linguagem especializada sem a
compreender cabalmente.
2. Note-se que pode haver mais de uma maneira de derivar precisamente a mesma
conclusão a partir das mesmas premissas.
3. Apesar de ser inacreditavelmente salazarista. É assustador que se apresente um
argumento destes numa Prova Global, pressentindo-se, como se pressente, que os
autores da Prova consideram este argumento razoável. Se este argumento fosse
razoável, nunca uma lei, regulamento ou regra poderia ser colocada em causa,
nomeadamente as leis que regulavam o apartheid, o fascismo português mascarado
de democracia com eleições de fantasia ou as leis que regularam a escravatura
durante milénios. Espero estar enganado ao pensar que os autores da Prova
consideram este argumento razoável.