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Teoria

Geral do
Direito
Teoria
Geral do
Direito

Gisele Leite

2009
Índice
1. Programa da disciplina ........................................... 7

2. Introdução ............................................................. 11
Unidade I: Norma jurídica: conceito e estrutura ......... 11
1. Norma jurídica: conceito e estrutura ............................ 11
Adendos ........................................................................... 19
Bibliografia indicada para complementar à compreensão 19

Unidade II: Complementação do direito natural ao


direito positivo ........................................................... 21
1. Introdução .................................................................... 21
2. Histórico ...................................................................... 21

Unidade III: Considerações sobre personalidade, pessoa


e os direitos da personalidade no Direito Civil
Brasileiro. ................................................................... 27

Unidade IV: Breve digressão sobre as fontes de direitos


51
Resumo ............................................................................. 51
Unidade V: Considerações sobre bens na Teoria Geral
do Direito.................................................................... 61
Referências ...................................................................... 79
Adendos sobre o texto de bens ......................................... 81

Unidade VI: Apreciações sobre o fato e o direito ...... 101


Referências .................................................................... 116

Unidade VII: Alguns principais conceitos em Direito: 119


Direito Público .............................................................. 121
Obrigatoriedade das leis ................................................ 127
Interpretação da norma jurídica ..................................... 127
Princípios gerais do Direito ........................................... 128
Atos Jurídicos ................................................................ 145
Referências .................................................................... 170

Defeitos dos negócios jurídicos em face do Código


Civil de 2002 ................................................................. 171

Conclusão ........................................................................... 179

Referências ........................................................................ 187

Exercícios de Teoria Geral de Direito ............................ 189


Teoria Geral do Direito

1. Programa da disciplina

1.1 Ementa: Norma jurídica: conceito e estrutura; Complementação


do direito natural ao direito positivo; Considerações sobre
personalidade, pessoa e direitos da personalidade no Direito Civil
Brasileiro; Breve digressão sobre as fontes de direitos; Considerações
sobre bens na Teoria geral de Direito; Alguns principais conceitos de
Direito: Atos jurídicos; Apreciações sobre o fato e o direito; Domicílio:
um complexo conceito de direito civil; Defeitos dos negócios jurídicos
em face do CC de 2002.

1.2 Carga horária total: 24h

1.3 Objetivos: Cognição de conceitos basilares e das atualizações


pertinentes à teoria geral do direito. . Análise crítica e comparativa da
sistemática de 1916 e 2002e de jurisprudências recentes e das reformas
sofridas pelo Direito Brasileiro. Instrumentalizar o discente com visão
ampla e estratégica do direito, do direito civil e as tendências
contemporâneas do direito.

1.4 Conteúdo programático: 1. Norma jurídica: conceito e estrutura


2. Complementação do direito natural ao direito positivo 3. ;
Considerações sobre personalidade, pessoa e direitos da personalidade
no Direito Civil Brasileiro; Breve digressão sobre as fontes de direitos;
Considerações sobre bens na Teoria geral de Direito; Alguns principais
conceitos de Direito: Atos jurídicos; Apreciações sobre o fato e o

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Gisele Leite

direito; Domicílio: um complexo conceito de direito civil; Defeitos


dos negócios jurídicos em face do CC de 2002.

1.5 Metodologia Exposição áudio-visual, tarefas coletivas e


individuais, realização de casos concretos.

1.6 Critérios de avaliação Participação, freqüência e interesse do


discente. Avaliação de aprendizagem e pesquisa individual realizada pelo
aluno e entregue via e-mail da professora no dia da realização da prova
(quando for efetivamente realizada);
Consulta somente a legislação vigente não comentada (CPC, CC,
CDC, Constituição Federal Brasileira).

1.7 Bibliografia recomendada:


TARTUCE, Flávio. Direito Civil Série Concursos Públicos (volumes
1,2,3,4,5, e 6) Editora Método, São Paulo.
GAGLIANO, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de
Direito Civil (volumes 1,2,3,4, tomo 1 e tomo 2, 5 e 6) Editora
Saraiva, São Paulo.
TEPEDINO, Gustavo e outros. Código Civil Interpretado conforme a
Constituição da República. Volumes I e II, Editora Renovar, Rio
de Janeiro.
DE FARIAS, Christiano Chaves. Direito Civil. Teoria Geral. Editora
Lumen Juris, Rio de Janeiro.
CHAMON JUNIOR, Lucio Antônio. Teoria Geral do Direito Moderno.
Por uma Reconstrução Crítico Discursiva na Alta Modernidade.
Editora Lumen Júris.

Vide ainda as referências inseridas no conteúdo dessa apostila.

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Teoria Geral do Direito

Curriculum resumido do professor

Gisele Leite é Mestre em Direito pela UFRJ, Mestre em Filosofia


pela UFF, Doutora em Direito pela USP. Pedagoga e advogada.
Conselheira- Chefe do INPJ _ Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
Vencedora do prêmio Brazilian Web Corporation em primeiro
lugar como a doutrinadora mais lida na internet brasileira ( na área de
artigos jurídicos) em 2003; Ganhadora do Prêmio Pedro Ernesto do
43º Congresso Científico do Hospital Universitário Pedro Ernesto na
qualidade de co-autora no trabalho sob o título” A terceira idade e a
cidadania com dignidade: Reflexões sobre o Estatuto do Idoso”, em
26/08/2005;Conselheira Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas
Jurídicas (INPJ);Articulista de vários sites jurídicos, www.jusvi.com ,
www.uj.com.br, www.forense.com.br, www.estudando.com ,
www.lex.com.br, www.netlegis.com.br. Revista Justilex, Revista
Consulex. Revista Eletrônica Forense. Revista Jurídica da Presidência
da República, www.planalto.gov.br .
Professora universitária há mais dezoito anos. Professora da
EMERJ – Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

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Teoria Geral do Direito

2. Introdução

Unidade I: Norma jurídica: conceito e estrutura

1. Norma jurídica: conceito e estrutura

O artigo disseca a norma jurídica traçando-lhe conceito e estrutura,


corresponde a um importante tema da Teoria Geral do Direito.
As doutrinas de Kelsen e Cossio e outros autores sobre a estrutura
da proposição jurídica descrevem parcialmente as normas do Direito.
Ao lado das sanções punitivas, que acompanham o descumprimento
da prestação, é necessário admitir a existência de conseqüências
jurídicas positivas, decorrentes do cumprimento da prestação.
O primeiro problema que surge é terminológico, pois próprio
Kelsen reconhece em sua segunda edição de sua Teoria Pura do Direito
onde propõe a distinção entre norma jurídica e proposição jurídica.
Estabelece a distinção entre a “a norma jurídica com uma função da
autoridade criadora do Direito, e a proposição jurídica, como uma
função da ciência jurídica, descritiva do direito”.
As normas são mandamentos e, como tais, comandos, imperativos
(...) permissões atribuições de poder e competência.
As proposições jurídicas são os enunciados com os quais a ciência
do Direito descreve esses comandos. Ou, nas palavras, de Kelsen,
proposições jurídicas são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem
que, de conformidade com o sentido de uma ordem jurídica. Sob certas

11
Gisele Leite

condições com o sentido de uma ordem jurídica, devem intervir certas


conseqüências determinadas pelo mesmo ordenamento.
Podemos vislumbrar a norma jurídica sob três aspectos:
· em si mesma, como fato ou imperativo social;
· a formulação dessa norma feita pelo legislador ou outra autoridade
competente, mediante palavras,m proposições ou enunciados (ex: art.
121 CP);
· a descrição da norma ou referência à mesma, feito pelo estudioso
ou por aqueles que lidam com o Direito.
Para Kelsen, as proposições jurídicas são, por exemplo, as
seguintes: “Se alguém comete crime, deve ser-lhe aplicada uma pena;
se alguém não paga sua dívida, deve-se proceder a uma execução forçada
de seu patrimônio”.
A proposição jurídica liga entre si dois elementos:
* dados determinados pressupostos;
* deve efetuar-se um ato de coerção, sempre na forma estabelecida
pela ordem jurídica.
Em si mesma, a norma é sempre uma disposição imperativa,
proibitiva ou permissiva. E constitui como diz Carnelutti, um comando
jurídico dirigido à conduta dos simples indivíduos, autoridades ou
instituições da vida social.
A formulação da norma pelo legislador (ou outras autoridades)
obedece às exigências da técnica legislativa, que têm objetivos práticos
e não científicos. Muitas vezes, a mesma norma, como relativa ao
homicídio, furto ou outro qualquer crime, receber formulações
diferentes em legislações que se sucedem.
No pensamento kelseniano, a proposição jurídica1 é um juízo
hipotético ou condicional em que o antecedente ou o pressupostos é o
não-cumprimento de uma obrigação e o conseqüente é à disposição de
que uma sanção deve ser aplicada. Ou, em termos simples: dada a não-
prestação deve ser sanção.
12
Teoria Geral do Direito

Já a formulação de Cossio é mais ampla: “A norma jurídica completa


(...) tem dois membros, aos quais propomos chamamos de endonorma
(conceituação da prestação) e perinorma (conceituação da sanção), não
só para terminar com o caos das designações das normas primária e
secundária, que os diferentes autores utilizam com sentido oposto, mas
também para salientar que se trata de uma norma única e não de duas
normas, ponto indispensável para entender o conceito da norma jurídica
como um juízo disjuntivo”.
No direito brasileiro atual o seguinte desdobramento: Se Kleber é
eleitor, deve votar (endonorma) ou dado que Kleber é eleitor e não
votou, deve ser-lhe aplicada uma multa (perinorma).
Para Kelsen, a norma jurídica propriamente dita é a que estabelece
a sanção (a perinorma), que ele denomina norma primária.
A endonorma, que estabelece a prestação, é por ele denominada
norma secundária, e considerada mero expediente técnico para fazer
atuar a norma primária. Mas, de qualquer modo, Kelsen admite também
a existência de duas proposições parciais – norma primária e secundária
- na descrição da norma jurídica.
É na endonorma que encontramos o preceito.
Outros estudos sobre a estrutura lógica da norma ou proposição
jurídica, dentre os autores que se têm ocupado do tema podem ser
citados Kaufmann, Schreier, Kalinowski, Bobbio, García Máynez, Soler,
Millas, Avelino Quintas, Calera, Mario Alberto Copello, Delia Echave,
Maria Eugenia Urquijo e Ricardo Guibourg e, no Brasil, Machado Neto,
Lourival Vilanova, Miguel Reale, Maria Helena Diniz, Paulo de Barros
Carvalho, Marco Aurélio Greco e L. Fernando Coelho.
Apesar das diferenças acidentais, as teorias mencionadas de acordo
num ponto fundamental: as normas jurídicas contêm em sua estrutura
básica duas partes:
** uma endonorma, que estabelece a prestação;
** e uma perinorma, que estabelece a sanção.

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Gisele Leite

Ambas admitem uma hipótese e um dever e podem ser descritas


sob uma forma de uma proposição condicional.
A proposição descritiva, que enuncia um fato ou hipótese: Se Kleber
é eleitor; e não votou (é o descritor);
Uma proposição normativa, que estabelece um dever. Kleber deve
votar; Kleber deve ser multado (é prescritor).
Dada a hipótese, deve ser a prestação. Dada a não-prestação deve
ser a sanção.
Tais hipóteses apenas se relacionam a parte sancionadora ou punitiva
da norma, decorrente do não-cumprimento da prestação ou da obrigação
devida.
Mas, se a obrigação for cumprida, haverá também efeitos jurídicos,
assegurados pela norma. Ou seja, se o devedor pagar sua dívida, ele faz
jus ao recibo regular de quitação e, sua conseqüente exoneração do
vínculo obrigacional.
Daí, se classificar as sanções em negativas e positivas, sendo as
positivas caracterizadoras do premio que tão bem descreveu Mario
Copello, La sanción y el premio em el Derecho (Buenos Aires, Ed.
Losada, 1945). Tanto a sanção como o prêmio é visto desde de sempre
como tipos de meios de obter do homem o cumprimento de uma
determinada conduta.
Luís Jiménez de Asúa tem mostrado que assim em paralelo ocorre
com quase todas as antigas religiões, e o direito tem em suas formas
sua primeira forma de expressão, entre os chineses, entre os assírios-
babilônicos, entre os fenícios, os israelitas, os muçulmanos, os alemães
etc. E hoje, basta recordar o cristianismo.
E no direito de nossa tradição greco-latina, também sempre o
prêmio em alguma forma, há coexistido com a sanção. Grécia, Roma e
o Direito Canônico, dentro dos mais variados exemplos de elos. E
atualmente, fácil assinalar essa coexistência entre quase todas as
legislações.

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Teoria Geral do Direito

Para Llambrias de Azevedo (Eidética y aporética del Derecho) as


retribuições das sanções se chamam penas para os castigos, quando
consistem em prêmios ou recompensas quando consistem em benesses.
Seria uma deplorável mutilação apresentar o direito como
implicando exclusivamente em modo de retribuição danosa, como a
pena. A essência do direito implica na retribuição, mas esta não pode
ser só no castigo como também não pode ser só na recompensa.
Para Montoro a descrição da norma jurídica deve incluir todos os
seus efeitos, isto é, não apenas a sanção ou o castigo decorrente do
não-cumprimento da obrigação, como também as conseqüências
jurídicas positivas decorrentes do cumprimento da obrigação.
A descrição completa da norma jurídica pode ser resumida em três
elementos básicos:
* a endonorma que estabelece a prestação;
* uma ou mais perninormas que estabelecem as conseqüências
jurídicas negativas do não-cumprimento da prestação: a multa, o
impedimento de retirar passaporte, a nulidade do ato;
* Uma ou mais perinormas que estabelecem as conseqüências
jurídicas positivas do cumprimento da prestação.
Cada endonorma ou perinorma tem a estrutura de uma proposição
condicional constituída de duas proposições simples; uma antecedente,
simplesmente enunciativa, que descreve a hipótese (descritor): Kleber
é eleitor; outra conseqüente, normativa, que prescreve um dever jurídico
(prescritor): Ele deve votar.
Entre a endonorma e as perinormas há uma relação de conseqüência,
expressa numa proposição condicional, mais ampla, em que o
antecedente é a endonorma e o conseqüente é uma proposição composta
de diversas perinormas. Exemplos: Se Kleber é eleitor, deve votar, em
conseqüência, se ele não votou, não poderá prestar concurso público,
ou se Kleber votou poderá prestar concurso, obter passaporte, etc.
A proposição constituída pelas perinormas é uma disjuntiva em que
uma das alternativas é a proposição relativa ao não-cumprimento da
15
Gisele Leite

prestação e suas conseqüências punitivas e outra alternativa é a


proposição relativa ao cumprimento da prestação e suas conseqüências
positivas.
Questionando sobre a estrutura lógica da disposição das normas
fundamentais, particularmente, as constitucionais, podemos observar
as mais diversas posições doutrinárias, sendo insuperável a
superioridade do comando jurídico inserido na norma fundamental com
relação ao poder dispositivo das demais normas.
Para Kelsen, a estrutura da norma jurídica constitucional se
reduziria exclusivamente à seguinte proposição hipotética ou
condicional: se os princípios constitucionais não forem respeitados, a
norma deve ser considerada inconstitucional e não válida. Só ela teria
caráter jurídico propriamente dito. Só ela esgotaria toda a realidade
jurídica. É exacerbada tal visão doutrinária.
Para Carlos Cossio, a estrutura da norma fundamental se traduziria
na seguinte proposição: Ocorrendo a elaboração de qualquer norma
jurídica, ela deve respeitar os princípios constitucionais (endonorma).
Se tais princípios não forem respeitados, a norma deve ser
considerada inconstitucional e não válida (perinorma = uma sanção,
aliás, em direito civil a nulidade ou a invalidação dos atos é uma sanção
bem típica).
Dada a elaboração de qualquer norma jurídica, ela deve respeitar os
princípios constitucionais (endonorma), em conseqüência se estes
forem desrespeitados, a norma deve ser considerada inconstitucional e
não válida (perinorma relativa às conseqüências negativas) ou, se tais
princípios forem respeitados, a norma deve ser considerada
constitucional e válida (perinorma relativa às conseqüências positivas).
Tal formulação ampla corresponde integralmente à diversidade de
situações jurídicas reais, cobertas por essa norma constitucional. É
diante dessas diversas alternativas jurídicas que se encontrará, por
exemplo, o Supremo Tribunal Federal para decidir sobre a
constitucionalidade de qualquer lei ou outra norma jurídica, impugnada
por desrespeitar os princípios constitucionais.

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Teoria Geral do Direito

Não podemos reduzir a guisa do que pretende Kelsen a norma


constitucional a declaração da inconstitucionalidade. Existe o caráter
estritamente jurídico da endonorma, que é o fundamento da decisão do
tribunal no caso. E, da mesma forma, é inadmissível que se negue caráter
e efeito jurídico relevante à proposição que reconheça a
constitucionalidade da norma, por respeitar os princípios
constitucionais (perinorma referente às conseqüências positivas do
cumprimento da prestação).
A posição de Cossio, embora mais abrangente que a de Kelsen,
parece-nos também insuficiente. Nada nos autoriza, a excluir da
estrutura da norma jurídica a proposição relativa às conseqüências
positivas decorrentes do cumprimento da prestação.
Na vida real do Direito, é presente a alternativa que se oferece aos
indivíduos e às instituições é o cumprimento ou não das prestações ou
obrigações devidas. A disjunção se dá ente essas duas hipóteses
simétricas, e não entre a norma e algumas de suas conseqüências.
A questão da estrutura da norma jurídica relaciona-se com a função
do direito não se limita a aplicar sanções repressivas. O fim do Direito
é ordenar a vida da sociedade, orientando a conduta de seus membros e
a atividade de suas instituições. Para esse objetivo, ele estabelece normas
e procura garantir a eficácia das mesmas, atribuindo conseqüências
positivas a seu cumprimento e negativas ou punitivas à sua violação.
Ver no Direito um mero aplicador de sanções punitivas é diminuí-lo.
Kelsen reconhece que as normas de uma ordem jurídica regulam a
conduta humana, onde a autoridade jurídica prescreve uma determinada
conduta apenas porque a considera valiosa para comunidade jurídica
dos indivíduos. As modernas ordens jurídicas também contêm, para
determinados serviços, como títulos e condecorações.
Estas, porém (...), desempenham apenas um papel inteiramente
subalterno dentro destes sistemas, que funcionam como ordens de
coação, conduta proibida, contrária ao direito e que, por isso, deve ser
impedida devendo a conduta oposta – socialmente útil, desejada,
conforme o direito – ser fomentada.

17
Gisele Leite

Até mesmo o sentido amplo de sanção, aplicado às penas e aos


prêmios, pode ser encontrado em Kelsen “O sentido de ordenamento
traduz-se pela afirmação de que, na hipótese de determinada conduta
(...) deve ser aplicada uma sanção (no sentido amplo de prêmio ou de
pena)”.
Ademais inúmeras ciências tais como a pedagogia, a psicologia e
as ciências sociais sublinham a importância primordial dos estímulos
positivos, mais do que a dos aspectos punitivos, na obra da educação ou
da orientação do comportamento humano.
O Direito não se limita a punir2. Pelo contrário, sua tendência maior,
mais moderna e científica é no sentido de incentivar, premiar e assegurar
a execução espontânea de seus preceitos.
Como observa Bobbio, no estado contemporâneo torna-se cada vez
mais freqüente o uso de técnicas de encorajamento.
O Direito não tem apenas a função repressiva que lhe atribui a
concepção do estado-Polícia. A tarefa do direito é mais ampla e pode
ser resumida na fórmula clássica suum cuique tribuere.
Visa cada vez mais o Estado assegurar a justiça social, distributiva e
comutativa na vida coletiva, o Direito é o grande instrumento de
promoção do bem comum. Sua função é fundamentalmente
promocional. Por isso, estabelece sanções repressivas para a violação
de suas normas e conseqüências positivas para estimular o cumprimento
das mesmas.
Bobbio analisa detidamente a função promocional do Direito e as
sanções positivas, temas que considera fundamentais para adequar a
Teoria Geral do Direito às transformações da sociedade contemporânea
e ao desenvolvimento do Estado Social ou Estado do Bem-Estar.

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Teoria Geral do Direito

Adendos

1. A teoria da norma-base foi formulada e defendida por Kelsen. É


todo conhecimento conduz à unidade. Partindo desta afirmação, ele
construiu a teoria da pirâmide ou dos degraus. A validez de uma norma
depende da que lhe é imediatamente superior. No vértice da pirâmide
estaria situada a norma fundamental. Para Kelsen, a norma fundamental
é uma hipótese que não necessita de prova. Mais tarde Kelsen rejeitou
a teoria da pacta sunt servanda.
2. Nem mesmo o Direito Penal se limita a punir, embora seja um
tanto nebuloso enfocar o seu objeto próprio de estudo.

Bibliografia indicada para complementar à compreensão

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, Introdução ao estudo de direito:


técnica, decisão, dominação, Editora Atlas, SP, 1994.
BERGEL, Jean-Louis, Teoria geral do direito, Martins Fontes, SP, 2001.
BOBBIO, Norberto, Teoria de la norma giuridica, Torino, Giappichelli,
1958.
MONTORO, André Franco, Estudos de filosofia do direito, Saraiva,
SP, 1999.

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Teoria Geral do Direito

Unidade II: Complementação do direito natural ao


direito positivo

1. Introdução
O presente trabalho pretende analisar os conceitos e a finalidades
do direito natural e do direito positivo, traçando um histórico em torno
das definições e conceitos de renomados pensadores. Acolhe igualmente
pontos apresentados pelo diferentes Códigos evidenciando a evolução
destes conceitos e sua influ6encia notadamente no direito atual.

2. Histórico
Duas correntes importantes permearam a história do direito, o
naturalismo e o positivismo. Entre nós, vimos o positivismo até na
bandeira nacional principalmente no lema “Ordem e Progresso”, por
Augusto Comte.
Na época clássica o direito natural não era considerado superior ao
positivo, de fato, o direito natural era concebido como sendo um direito
comum enquanto, o positivo como direito especial, assim sabido é que
o particular prevalece sobre o geral. O direito positivo prevalecia sobre
o natural sempre que ocorresse um conflito.
Na Idade Média, ocorreu a subversão quando então o direito natural
sobrepujou ao direito positivo. Sendo que o direito natural tratado como
norma fundada na vontade de Deus e, que deveria se aplicar à razão humana.
Desta forma, adquiriu o direito natural uma inspiração cristã que se
fez presente no pensamento jusnaturalista e o projetou acima do direito
positivo.

21
Gisele Leite

O direito natural é um código paralelo aos códigos positivos. Ao


lado de cada norma positiva teríamos uma norma do direito natural. O
Direito Natural é formado por um conjunto de princípios fundamentais
do Direito positivo.
Entre os princípios que constituem o Direito natural temos entre
outros: o bem deve ser feito, não lesar a outrem, dar a cada um o que é
seu, respeitar a personalidade do próximo e as leis da natureza. Na
verdade, o Direito natural é o princípio da razão do Direito positivo, o
direito natural é, portanto, o fundamento da ciência jurídica.
Desta forma, os jusnaturalistas acreditavam ser o direito natural
um direito permanente e eternamente válido, independente de legislação,
convenção ou qualquer outro expediente imaginado pelo homem.
Heráclito acreditava que todas as leis humanas estavam subordinadas
à lei divina do Cosmos. E assinalava que a Justiça era resultado
permanente da tensão social, que jamais seria definitivo e sim sempre
renovável. Quase no mesmo sentido se inclinou Aristóteles, que integrou
a lei positiva ao Direito Natural.
Mas até aonde o direito identifica-se com o justo? Para a
generalidade dos seguidores do positivismo, o direito se reduz a uma
imposição da força social e a justiça como entendia Kelsen seus
critérios são simplesmente emocionais e subjetivos e sua determinação
é mais metafísica do que científica. Daí, concluímos que a justiça
enquanto elemento e conceito da ciência jurídica pode ser meramente
histórica ou política.
Seria a Justiça uma virtude fundamental, como acreditavam os
naturalistas?
Seria a justiça dar ao outro o que lhe é devido seguindo uma igualdade.
A igualdade é elemento essencial e básico, já assinalava Aristóteles
ser a Justiça uma igualdade e uma injustiça uma desigualdade.
A igualdade seria, pois uma equivalência de quantidades, é certo
que não se trata de estabelecer identidade e uniformidade, pois que a
absoluta igualdade e identidade é fruto de suprema utopia e não tem

22
Teoria Geral do Direito

esteio na realidade. É a equivalência de ordem, de natureza no aspecto


moral.
Os estoicistas colocavam o conceito de natureza no centro do
sistema filosófico. Para eles, o Direito natural era idêntico a lei da
razão, e os homens, enquanto parte da natureza, eram uma criação
essencial racional. A base, portanto, é o direito natural é a razão que
preside tudo que é universalmente válido em toda a natureza. Seus
postulados são obrigatórios para todos os homens tementes ou não a
Deus.
Tal doutrina mais tarde foi reestruturada por Cícero que veio a tornar
o direito estóico prático dentro do contexto do direito romano.
Muitas formulações estóicas são encontradas entre os pensamentos
de Platão e de Aristóteles. Contudo, a obscura doutrina dos estóicos
fez com que a estrutura não se fundamentasse, o que para os dois
filósofos gregos era algo indiscutível.
Cícero será o maior representante deste período clássico do Direito
Natural. Que o interessa a Cícero é o direito e não a lei. Nasce o Direito
da própria natureza e não do arbítrio ou esperteza humana.
O pensamento cristão primitivo é o herdeiro natural do Estoicismo
e da Justiça Romana. Aliás, na idade medieval a distinção entre direito
natural absoluto e relativo é completamente estóica. O absoluto era o
ideal que imperava naturalmente na natureza, onde todos os homens
eram iguais e possuíam todas as coisas em comum, não havia governo e
nem a dominação do homem sobre o homem. Era o éden.
Já o relativo, ao contrário, eram princípios jurídicos adaptados à
natureza humana após o pecado original.
Santo Agostinho reinterpretando vários textos clássicos juntamente
com São Tomás de Aquino mostraram maior interesse na realidade ao
esboçarem o conceito de direito natural relativo eivado de ideais
cristãos.
É, pois o Direito natural à vontade divina e a partir da Escola de
Grotius é à vontade da razão.

23
Gisele Leite

E mais, tarde, com Jean Jacques Rousseau, confirmando o direito


natural como a vontade geral.
Na época do jusnaturalismo abstrato, a explicação de tudo é
encontrada no próprio homem, na própria razão humana, nada de objetivo
é levado em consideração, a realidade social, a História, a razão humana
se tornam uma divindade absoluta.
Para Locke, a lei natural é uma regra eterna para todos, sendo
evidente e exigível para todas as criaturas racionais. Portanto, a lei natural
é a lei da razão.
Nos séculos XVIII e XIX tais ideais e razão sedimentaram uma
nova ordem jurídica baseada em princípios de igualdade e liberdade
como postulados da razão e justiça.
É certo que o ideal de justiça fez muitas cabeças rolarem coroadas
ou revolucionárias, mas também é certo, que tais princípios evoluíram
e fundamentaram certos direitos como unívocos e imutáveis e
irrenunciáveis.
A teoria pura do Direito restringe-se a analisar a lei positiva baseada
nas regras sociais que atualmente existem e existiram na história sob o
nome de lei. A origem da lei dentro da estrutura criada pela direito se
preocupa em adjetivá-la e classificá-la em justa ou injusta. A justiça e a
lei são, no entanto dois conceitos diferentes.
O direito positivo teve apoio em especial em Hegel, e com o método
experimental de Francis Bacon e ainda com o materialismo de Thomas
Hobbes. O pensamento moderno notadamente o da segunda metade do
século passado e a primeira do século atual sofreu considerável
influência pelo positivismo jurídico onde a concepção de direito nasce
como direito próprio, e onde há a exclusão do direito natural.
A concepção positivista primeiramente refere-se a um sistema de
idéias filosóficas fundado pelas bases de Comte e propagado por seu
fiel discípulo Emile Lettré.
Nenhum setor dos conhecimentos humanos ficou isento da
influência do positivismo. E, foi definido por um atitude mental que

24
Teoria Geral do Direito

visa dar à filosofia o método positivo das ciências e às ciências a idéia


de conjunto da filosofia. Na verdade era a positivação da essência e
ateorização do eminentemente prático.
Houve um grande repúdio a metafísica entendendo-se que esta era
toda a proposição que excedesse ao domínio da experiência e da
observação humana dos fatos sensíveis.
Baseia-se no fato de não conhecermos nem a essência e nem o
modo de produção de nenhum fato, mas, somente conhecemos as
relações de sucessão e semelhança de uns fatos com outros. E através
da teoria cíclica observamos sua repetição sob determinadas
circunstâncias.
Tais semelhanças ligam os fenômenos entre si, traçam-se sucessões
invariáveis eis o que se dá o nome de leis.
Além da profunda crítica ao direito natural e a fim de alcançar sua
dessacralização, importante papel teve o historicismo alemão.
Como consagrar a complementação do direito positivo provido pelo
direito natural.

25
Teoria Geral do Direito

Unidade III: Considerações sobre personalidade, pessoa


e os direitos da personalidade no Direito Civil Brasileiro.

É um dos temais relevantes para a Teoria Geral do Direito a questão


da personalidade jurídica, pois ao regular sua caracterização, obramos
a premissa de todo e qualquer debate inserido no âmbito do direito
privado.
É forçoso admitir que todo ser humano e destinatário final da norma,
portando o estudo da personalidade jurídica é primafacie tanto da pessoa
natural como da pessoa jurídica.
Em psicologia entende-se por personalidade, a estrutura ou a silhueta
psíquica individual, ou mais amiúde, “o modo peculiar de ser eu”.
No Dicionário eletrônico de Psicologia está consignada a seguinte
significação sobre personalidade, in verbis:

[De personal(i)- + -dade.]


S. f. Psicologia. Organização constituída por todas as características
cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo. Personalidade de
base: Sociologia. Configuração psicológica própria dos membros de uma
determinada sociedade, e que se manifesta por um certo estilo de vida.
Personalidade psicopática: Psicol.1. Personalidade caracterizada por
tendência constitucional ao desenvolvimento de uma psicose.
É certo que a personalidade para Teoria Geral do Direito não é um
direito, é, de fato, o que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é
objeto de direito, o primeiro bem da pessoa, para que a pessoa seja o
que exatamente é.

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Gisele Leite

San Tiago Dantas doutrinador arguto preleciona que personalidade


jurídica é “uma ossatura destinada a ser revestida de direitos” Sem dúvida,
a personalidade é parte integrante da pessoa permitindo que o titular venha
adquirir, exercitar, modificar, substituir, extinguir ou defender interesses.
Francisco Amaral consagra a personalidade jurídica como valor
jurídico que se reconhece nos indivíduos e em grupos legalmente
constituídos materializando-se na capacidade jurídica.
A preleção de Clóvis Beviláqua adiantava: “a personalidade jurídica
tem por base a personalidade psíquica (...)” Mas obtempera que não se
confundem o conceito jurídico e o conceito psicológico de
personalidade.
É óbvio que se enxerga na personalidade jurídica a projeção de
personalidade psíquica, ou outro campo onde esta se afirma, dilatando-
se e adquirindo novas qualidades.
Há na personalidade jurídica intervenção de um elemento a ordem
jurídica, do qual depende essencialmente, e do qual recebe a existência,
forma, extensão e força ativa operante. A personalidade jurídica além
de psíquica, é, pois uma criação social posta em movimento pelo
aparelho jurídico, é portanto moldada pela ordem jurídica.
Para Teoria Geral do Direito traduz-s a personalidade por ser aptidão
genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, é atributo
necessário para ser sujeito de direito.
Esclarece Ulhoa que sujeito de direito é gênero e pessoa é espécie,
isto é, nem todo sujeito de direito é pessoa, embora toda pessoa seja
sujeito de direito. Sujeito de direito é o titular dos interesses em sua
forma jurídica, é o centro de imputação de direitos e obrigações, se
referindo as normas jurídicas com a finalidade de orientar a superação
de conflitos de interesses que envolvem, direta ou indiretamente,
homens e mulheres.
Os conflitos de interesses ainda que mediados por titulares não
humanos, dão-se sempre entre humanos. A complexidade das relações
econômicas e sociais, contudo, exige do direito a construção de

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Teoria Geral do Direito

conceitos abstratos, destinados a dar forma jurídica para a titularidade


dos interesses. Nem todo sujeito de direito é pessoa e nem todas as
pessoas, para o direito, são seres humanos.
Quando, por exemplo, o condomínio edilício é sujeito de direito,
está tratando de modo racional a convergência de interesses dos homens
e mulheres que moram num mesmo edifício. São sujeitos entre outros
as pessoas naturais (homens e mulheres nascidos com vida), as pessoas
jurídicas (sociedades empresárias, cooperativas, fundações etc.), o
condomínio edilício, a massa falida e outros. Todos esses aptos a
titularizar direitos e obrigações em variadas medidas e se cumpridas
diferentes formalidades.
Os sujeitos de direito podem ser pessoas (personificados) ou não
(despersonificados). A pessoa pode fazer tudo o que não está proibido.
Já os sujeitos não personificados podem praticar somente os atos
inerentes à sua finalidade (se possuírem uma) ou para os quais estejam
especificamente autorizados.
A nova tábua axiológica preconizada pela Constituição Federal
Brasileira vigente baseada na afirmação da cidadania e dignidade da
pessoa humana, como valores supremos, dá um contorno mais amplo a
personalidade que não se esgota na possibilidade de o titular ser sujeito
de direitos, mas por igual, relaciona-se com o próprio ser humano.
Não é apenas um novo reduto de poder do indivíduo, nem apenas o
valor máximo modelador da autonomia privada, sobretudo é capaz de
submeter toda atividade econômica a novos critérios de validade.
A personalidade jurídica é também valor ético de origem
constitucional especialmente relacionada com a dignidade da pessoa
humana inserida num contexto social. O reconhecimento da
personalidade jurídica imposta no reconhecimento dos direitos que
tocam ao ser humano desde sua existência.
Conexo ao conceito de personalidade esclarecer o autor que escreve
sempre com clareza solar, Cristiano Chaves de Farias, porém, sem com
este conceito se confunda , surge a idéia de capacidade.

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Gisele Leite

Enquanto a personalidade é generalizante, reconhecida como valor


jurídico atribuído a todos os seres humanos (e também aos grupos)
exprimindo a idéia de aptidão genérica, a capacidade jurídica concerne
à possibilidade daqueles que são dotados de personalidade a praticarem
pessoalmente os atos da vida civil.
É possível se reconhecer a personalidade jurídica sem capacidade,
é o caso do recém-nascido. No que tange à pessoa natural ou física, o
Código Civil Brasileiro de 2002 substitui a expressão “homem” por
“pessoa”, entrando na vertente da linguagem politicamente correta, e
compatível coma nova ordem constitucional paritária (art. 1º., do C.C./
2002).
Daí se infere que a personalidade é atributo de toda e qualquer pessoa
(seja natural ou jurídica) vez que a norma substantiva não faz tal distinção.
Consideram-se, assim, direitos da personalidade aqueles direitos
subjetivos reconhecidos à pessoa, tomada em si mesma e em suas
necessárias projeções sociais.
As pessoas são, a priori, capazes e podem, assim, praticar os atos e
negócios por si mesmas. Como ensina Caio Mário a capacidade é a
regra e a incapacidade a exceção.
A incapacidade é situação excepcional prevista expressamente em
lei com objetivo de proteger determinadas pessoas. Os incapazes são
considerados, por lei, não inteiramente preparados para dispor e
administrar seus bens e interesses sem a mediação de outra pessoa
(representante ou assistente).
Com relação aos direitos fundamentais ou direitos da personalidade
é pontual frisar que não há eficácia direta e imediata das normas
constitucionais de direito privado, mas sim uma complementação do
preceito geral por um mais específico.
Ex positis, os direitos fundamentais são diretrizes gerais, garantias
de todo o povo – como sociedade em se ver livre do poder excessivo
do Estado, enquanto os direitos da personalidade que são frutos da
captação desses valores fundamentais regulados no interior da disciplina
civilística.

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Teoria Geral do Direito

Os direitos fundamentais desempenham as funções normais, como


proibições e imperativos da tutela. O desprestigio da dignidade da pessoa
humana somado a inúmeros atentados contra a personalidade por
particulares em razão dos progressos técnicos da era moderna, os
tribunais da Alemanha do pós-guerra passaram a agir em proteção da
pessoa humana utilizando-se de artigos da Constituição Federal, numa
forma de dever geral de personalidade.
Alguns direitos da personalidade tratados no relacionamento entre
Estado e cidadão recebem o nome de liberdades públicas, sendo os
direitos de personalidade do ponto de vista da tipificação, mas analisados
em planos distintos; As liberdades públicas são acrescidas de outros
direitos econômicos, sociais e políticos.
Assevera Tepedino que as regras constitucionais condicionam o
intérprete e o legislador ordinário, modelando o tecido normativo
infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo constituinte,
dando uma releitura aos direitos da personalidade e afirmando a presença
de uma autêntica cláusula geral de personalidade ( a dignidade da pessoa
humana).
Os direitos de personalidade ultrapassam a clássica distinção
dicotômica de público e privado. Assim, consagra Cristiano Chaves de
Farias que os direitos da personalidade são atinentes à tutela da pessoa
humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade.
Caracterizam-se tais direitos pro serem absolutos, indisponíveis,
relativamente imprescritíveis e extrapatrimoniais.
São absolutos posto que sua eficácia erga omnes, oponível a todos
impondo a coletividade o dever de respeitá-los. È um dever geral de
abstenção dirigido a todos. Sua relativa disponibilidade impede que o
titular possa deles dispor em caráter permanente ou total, preservando
a sua própria estrutura física, psíquica e intelectual.
Assim, é que o art. 11 do C.C.de 2002 dispõe que com exceção dos
casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis
e irrenunciáveis. No entanto, é permitido ao titular ceder o exercício e
não a titularidade de alguns dos direitos da personalidade.

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Gisele Leite

É o caso do direito de imagem que pode ser cedida à título oneroso


ou gratuito durante certo lapso temporal. E nesse sentido o Enunciado
4 da Jornada de Direito Civil CFJ não aceita a limitação voluntária que
seja permanente ou geral aos direitos da personalidade.
Admite-se, outrossim, a doação de órgãos humanos duplos, bem
como a cessão dos direitos autorais o que bem denota a relativa
indisponibilidade de tais direitos.
Cristiano Chaves de Farias relata evento curioso que se deu em
França, num prosaico jogo de “arremesso de anões”, no qual as referidos
seres humanos eram arremessados à distância por canhões de pressão.
A Casa Judicial francesa impôs uma vedação administrativa impondo
proibição dessa diversão pública, contra tal ato, os anões em
litisconsórcio com os promotores do jogo propugnaram requerendo a
liberação do certame.
O que fez a Casa Judicial francesa reconhecer que o respeito à
dignidade humana, é conceito absoluto e que não pode cercar-se de
concessões e nem de apreciações subjetivas de cada um.
Por sua natureza intrínseca, a dignidade da pessoa humana está fora
do comércio. Afora isto, garante o caráter de imprescritibilidade que a
lesão ao direito da personalidade venha convalescer com decurso do
tempo.
Curial é não confundir a imprescritibilidade da lesão do direito da
personalidade, com prescritibilidade da pretensão indenizatória de
eventual dano decorrente da violação do direito da personalidade e que
ocorre normalmente em três anos (art. 206, § 3º, V C.C.).
É imprescritível o exercício do direito da personalidade, e sua respectiva
pretensão garantidora desse exercício. Mas não é imprescindível a pretensão
que busca indenização pecuniária por dano sofrido.
Outras duas características dos direitos da personalidade são
assinaláveis, a saber: a essencialidade e a preeminência indicando
expressamente a tutela preferencial em face da essencialidade de seu
objeto.

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Teoria Geral do Direito

Por derradeiro, classificamos também os direitos da personalidade


como vitalícios extinguindo-se naturalmente com a morte de seu titular.
Não obstante se reconhecer também os direitos de personalidade dos
mortos conforme bem assinala o parágrafo único do art. 12 do C.C. de
2002, legitimando os chamados lesados indiretos a reclamar quer a
tutela repressiva, quer a tutela inibitória.
Convém discernir os direitos da personalidade que são estudados
na órbita do direito privado das chamadas liberdades públicas que são
estudadas propriamente na órbita do direito público.
Enquanto que os direitos da personalidade são garantias mínimas
da pessoa humana para suas atividades internas e respectivas projeções
para a sociedade.
Por outro lado, as liberdades públicas são condutas individuais ou
coletivas de forma autodeterminada mediante a autorização explícita
ou implícita conferida pelo Estado, é a garantia mínima da cidadania.
Os direitos da personalidade são tendentes a assegurar a integral
proteção da pessoa humana em múltiplos aspectos (corpo, alma e
intelecto).
A classificação dos direitos da personalidade criteriza-se nos
aspectos fundamentais da personalidade que são: a integridade física
(direito à vida, ao corpo, à saúde, a inteireza corporal, direito ao cadáver);
a integridade intelectual (direito à autoria, científica ou literária, a
liberdade religiosa e de expressão), e demais manifestações do intelecto
e, a integridade moral ou psíquica (direito à privacidade, ao nome, à
imagem, etc.).
Considerando o alto estágio tecnológico da ciência, é mister afirmar
um direito geral de personalidade, impedindo o exaurimento das
espécies de direitos da personalidade que não podem ser esgotados e
nem mesmo limitados. Frise-se que nenhum direito subjetivo sobrevive
como completamente absoluto pelo imperativo da sociabilidade.
Trabucchi com sua notável sensibilidade reconhece um direito geral
da personalidade reportando-se ao 2º, da Constituição Italiana in verbis:
“A República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem,

33
Gisele Leite

seja como sujeitos singulares ou considerados na formação social onde


desenvolve sua personalidade, e, por isso, requer a observância dos
deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social.”
O mesmo fez o art. 1º, inciso III da Lei Maior brasileira, permitindo
a cláusula geral protetiva e seu reconhecimento em qualquer situação
concreta.
O direito à vida, como direito da personalidade nos remete a um
direito à vida digna. O art. 1º, III da CF/1988 é uma autêntica cláusula
geral de proteção da personalidade que é também encontrada no
ordenamento português e italiano.
O Direito Civil Contemporâneo é marcado pela
despatrimonialização do direito privado e a necessária repersonalização
do ser humano merecendo uma tutela privilegiada, multifacetada e
abrangente.
É sempre bom lembrar que a defesa da vida com dignidade é objetivo
constitucionalmente assegurado pelo Poder Público.
A necessária vinculação da noção de direitos da personalidade com
a noção dos direitos humanos acaba por derrubar o muro de Berlim que
antes separava inexoravelmente o direito público do direito privado.
Em face da multiplicidade de situações que se expõe a pessoa
humana no mundo pós-moderno somente o reconhecimento de uma
cláusula geral de proteção de forte conteúdo principiológico, a ser
preenchido no caso concreto pela jurisprudência auxiliada pela doutrina,
é capaz de garantir, eficazmente a tutela da pessoa humana.
O direito à integridade física refere-se à proteção jurídica do corpo
humano (incluindo o corpo vivo e o corpo morto), além de tecidos,
órgãos e partes sucessíveis de separação e individualização.
Tal proteção tem início desde a concepção até a morte. Porém,
convém lembrar as disposições legais sobre o cadáver previstas na Lei
9.434/97 que exige a manifestação de vontade para haver doação de ser
órgãos para depois da morte. Não a havendo em vida, tal direito
transmite-se para os herdeiros (vide ainda art. 14 C.C./2002).

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Teoria Geral do Direito

As partes do corpo (seja vivo ou morto) integram a personalidade


humana, caracterizando coisa extra commercium sendo vedado ato de
disposição oneroso (art. 199, § 4º, CF, art. 1º, da Lei 9.434/97). Sendo
admitida a disposição gratuita para fins terapêuticos e não causar prejuízo
ao titular.
É perfeitamente possível perante o Direito de partes destacáveis
do corpo humano renováveis (leite, medula, óssea, pele, óvulo, esperma,
fígado) ou não, para salvar a vida ou preservar a saúde do interessado ou
de terceiros, ou para fins científicos ou terapêutico, sempre a título
gratuito conforme exige a lei.
É curial distinguir a doação em vida da doação post mortem. O art.
9º, da Lei 9.434/97 permite à pessoa maior e capaz dispor de pessoa de
seu corpo, de forma gratuita para fins terapêuticos ou de transplantes e,
se não importar em risco de vida ou a saúde do doador.
Somente as partes do corpo renováveis podem ser objeto de doação
em vida. Deve tal doação preferencialmente ser feita por escrito.
No entanto, se o devedor for incapaz será necessária a autorização
judicial com a prévia oitiva do MP de modo a preservar os interesses
do incapaz.
Na doação em vida é possível a escolha do beneficiário,
diferentemente da doação post mortem, onde o caráter altruístico é
mais intenso e imposto pelo art. 2º, § único da Lei 9.434/97 e art. 24 §
1º, ao § 5º., do Dec. 2.268/97 que impõe fila de espera.
A morte que se refere à legislação atinente é encefálica que é
detectada pela cessação definitiva da atividade cerebral. A nova dicção
legal do art. 4º, da Lei 9.434/97 alterou a regra ab initio promulgada
que permitia a chamada doação presumida, assim a Lei 10.211/2001
passou a exigir a autorização expressa do cônjuge, companheiro ou
parente próximo, se não houve doação em vida pelo titular.
Ulhoa esclarece que se em vida o titular expressa vontade de não
ser doador em hipótese nenhuma, não poderá seus familiares autorizá-
la. A lei reconheceu a plena eficácia do ato apesar do sumário egoísmo.

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Gisele Leite

Em que pese outras ponderações são distintos os conceitos


referentes a transplante que consiste na amputação ou ablação de órgão,
com função própria, de organismo para ser instalado em outro, no qual
cumprirá as mesmas funções. Temos como exemplos: os transplantes
de córneas, de rim, de coração e, etc...
Enxerto, por sua vez, é a retirada de porção orgânica para ser instalada
no mesmo organismo é exemplo clássico as “pontes de safena”. Implante
se caracteriza pela integração de tecidos mortos ou conservados no
corpo de alguém. A norma que disciplina a matéria, no entanto, não
diferencia um procedimento de outro.
Importantíssimo lembrar que é indispensável para a retirada de
órgãos humanos post mortem, que o falecido venha devidamente
identificado pelos documentos listados pelos
§ 1º, ao 6º, do art. 14 do Dec. 2268/97 e, ainda, arts. 5º, e 6º, da Lei
9.434/97.
A realização de cirurgias em transexuais que pretende redefinição do
estado sexual é reputada proibida conforme uma primeira leitura do art.
13 do Código Civil, embora represente tal dispositivo legal uma afronta
a garantia da dignidade da pessoa humana. Pois o transexual possui direito
da personalidade que é o direito à integridade física e psíquica.
O paciente transexual encontrará o equilíbrio emocional, e se livrará
das tormentosas angústias quando finalmente redefinir o seu sexo.
Recentemente, em 2002, o conselho Federal de Medicina (CFM) editou
a Resolução 1.652 que autoriza as cirurgias de mudanças de sexo também
chamadas de transgenitalização, em casos de transexualismo
comprovado. Exigindo-se que o paciente tenha mais de 21(vinte e um)
anos e deve ter diagnóstico comprovado clinicamente de seu
transgenitalismo e, ainda não possuir o paciente características físicas
inapropriadas para a cirurgia.
Além disso, deverá a cirurgia ser antecedida necessariamente de
laudo de equipe médica composta de psiquiatra, cirurgião,
endocrinologista e psicólogo e, ainda, assistente social que avaliará o
paciente transexual pelo menos por dois anos contínuos.

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Teoria Geral do Direito

A cirurgia do feminino para o masculino só poderá ocorrer em


hospitais universitários ou públicos. Já a cirurgia do masculino para o
feminino, no entanto, só poderá ocorrer em hospitais públicos ou
privados, independente de atividade de pesquisa (arts. 5º, e 6º, da
Resolução CFM 1652/2002) e, ambas as hipóteses cirúrgicas
independem de autorização judicial.
Ultimada a cirurgia, tem-se obviamente que se adequar o estado
sexual registral e o nome do paciente que se fará por meio de jurisdição
voluntária perante o juízo de família (ação de estado) acobertada pelo
segredo de justiça.
Há Projeto de Lei 70-B de autoria do deputado José Coimbra que
pretende disciplinar a licitude da cirurgia de mudança de sexo, além de
prever também a possibilidade de averbação do novo sexo, vedando a
emissão de certidão com referências ao estado anterior ou mesmo a
origem cirúrgica (sigilo de registro).
Só há no horizonte um delicado busilis se o transexual operado
eventualmente tiver filhos (e, como ficarão seus respectivos registros
civis). Por tal razão, as legislações alemãs e suecas vedam a
redesignação sexual quando o operado é casado ou tem filhos.
Outro caso interessante é o referente aos adeptos e seguidores da
Igreja Testemunhas de Jeová que, por sua crença, (lembremos cuja
liberdade é assegurada constitucionalmente) não admitem o
recebimento de transfusões de sangue, há de se reconhecer a
possibilidade da recusa à terapia hematológica.
Configura-se, in casu, verdadeiro conflito de valores clamando pela
aplicação do princípio da ponderação de valores para se encontrar
melhor solução.
Também quanto ao tema o CFM editou a Resolução 1.021/1980 e,
ainda, há a previsão dos arts. 45 e 56 do Código de Ética Médica
autorizando os médicos a praticar a transfusão de sangue em seus
pacientes, independentemente de consentimento, se houver iminente
perigo de vida.

37
Gisele Leite

Nesse sentido, se posiciona a maioria esmagadora da jurisprudência


pátria, principalmente se comprovado o efetivo perigo de vida do
paciente. Sacrificar a liberdade de religião em detrimento da
intangibilidade do direito à vida e ao corpo é desconsiderar um aspecto
essencial e também indisponível da personalidade, seria reduzir a vida
a uma dimensão física da pessoa.
Interessante e intrigante é a questão de “barriga de aluguel” que se
dá quando a gestação se desenvolve em útero alheio. É procedimento
que viabiliza a maternidade a certas pessoas com restrições sérias
biológicas.
Sob contundentes objeções da Igreja Católica (instrução Donun vitae
de 22.02.1987 aprovada pelo Papa João Paulo II) , o CFM editou a
Resolução 1.358/92 autorizando o médico realizar a gestação em útero
alheio respeitados certos requisitos:
a) realizar-se entre parentes até 2º grau; b) a cessão do útero será
forçosamente gratuita; c) que tenha finalidade médica aplicada em face
de pessoas que não podem gestar e, não por razões meramente estéticas
ou egoísticas ( como a vaidade feminina).
Deve-se evitar o “comércio de órgãos humanos” atendidos os
requisitos da resolução do CFM há de se conferir juridicidade à
maternidade de substituição. É de relevância também a questão do
registro civil com base na declaração fornecida pelo médico que
inscreverá a declaração do nascido vivo (art. 46 da Lei 6.015/1973), o
nome da mãe biológica ou social.
Problemático será, no entanto, se o médico parteiro não souber da
gestação em útero alheio, somente prover a referida declaração em
favor da mãe parturiente (ou seja, a mãe hospedeira). E, nesse caso, os
interessados, a mãe biológica ou genética, o pai, o MP suscitarão o
procedimento de dúvida (art. 296 c/c art. 198 a 204 da Lei 6.015/1973).
Deve a referida gestação em útero alheio ser fruto de consentimento
informado e expresso, o que possibilitará a alteração pertinente do
registro de nascimento junto à Vara de Registros Públicos.

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Teoria Geral do Direito

A reprodução assistida pode ocorrer por inseminação artificial (em


laboratório) ou no corpo da mulher. Ambas as modalidades podem se
concretizar na forma homologa ou heteróloga.
Será homóloga se utilizado material genético do próprio cônjuge
ou companheiro, com sua expressa anuência. Será heteróloga, se o
sêmen é de terceiro, sempre a título gratuito (Resolução 1.358/1992
do CFM).
A autorização prévia e expressa do cônjuge funciona como adoção
prévia suficiente para gerar a presunção de paternidade do art. 1.597 do
C.C. de 2002. Devido ao princípio do anonimato ou do sigilo do doador
de sêmen (Resolução CFM 1.358/2002) que o motivo da vedação ao
uso da reprodução assistida heteróloga em mulheres não casadas ou
em união estável foi evitar o movimento de filhos sem pai.
No entanto, novamente verificamos uma afronta ao direito da
personalidade de se ter liberdade psíquica e de planejamento familiar,
e, ainda por importar em discriminação injustificada em face de
mulheres solteiras ou conviventes em união estável.
Portanto, a reprodução assistia heteróloga não servirá o que na gíria
chamamos de “produção independente”, o que certamente excluiria os
homossexuais.
O Projeto de Lei 90 acende polêmica pois contempla o direito da
criança conhecer o doador do sêmen, só quando atingir a maioridade
civil, ou quando da morte dos pais ou na hipóteses do pai contratante não
promover o registro civil de nascimento. Também pretende obrigar a
transferência de todo material genético preparado laboratorialmente para
o corpo da mulher, impedindo os chamados embriões excedentários.
Uma pergunta sucinta Ulhoa, o embrião fecundado in vitro e não
implantado no útero é sujeito ou objeto de direito? Não há ainda uma
resposta consensual, na tecnologia jurídica, para essa complexa questão.
Enquanto o embrião não é implantado num ambiente orgânico
propício ao seu desenvolvimento como ser biologicamente
independente, ele não pode ser considerado como tal. A decorrência

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Gisele Leite

lógica desse enfoque é a que embrião in vitro não é sujeito de direito,


mas bem da propriedade comum dos fornecedores do espermatozóide
e óvulo (alguns os chamam de “pais”, mas esta não parece ser a melhor
designação; vou chamá-los de “genitores”).
Em França, cita Ulhoa, desde 1994, o Código de Saúde Pública
limita o prazo de conservação dos embriões in vitro e reconhece aos
genitores o direito de decidir o destino deles, o que importar atribuir-
lhe natureza de objeto de direito, e não de sujeito.
Nesse sentido, no Brasil o embrião fertilizado in vitro e implantado
no útero deve ser considerado como nascituro, quer dizer, sujeito de
direito personificado. Enquanto não verificada a nidação uterina é incerta
a natureza jurídica do embrião. A nidação é fato jurídico que define a
natureza do embrião in vitro.
A eventual concepção após a morte do titular do sêmen, não gera
direito sucessório, até porque a capacidade sucessória só é reconhecida
a que tem personalidade jurídica no momento da abertura da sucessão
(ou seja, no momento do óbito do autor da herança), muito embora seja
reconhecido o direito a paternidade judicialmente reconhecida.
Outra polêmica envolve atos de disposição do corpo em vida, como
é caso dos wannabes ou apotemnofia ou melotalista. Os wannabes ou
apotemnófilos ou amelotalista são pessoas que têm incontrolável
compulsão pela amputação de um membro específico de seu corpo,
possuem um desejo intenso sem serem deficientes físicos. A
apotemnofilia é atração sexual por partes do corpo humano de outro
indivíduo, amputadas ou mutiladas, é distúrbio sexual.
Não entendemos como aceitar como válido o consentimento dos
wannabes posto que viola frontalmente o direito a integridade física
que constitui importante direito de personalidade, sem deixar de incluir
o direito à vida. Tais pessoas clinicamente sofrem de parafilias e
precisam de tratamento clínico adequado e, não sob a égide de seu
próprio consentimento, obter permissão legal para se automutilarem.
É também o entendimento esposado por Konder, cf. “O
consentimento no Biodireito: os casos dos transexuais e dos wannabes”.

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Teoria Geral do Direito

O transexualismo é considerado uma entidade clínica autônoma onde


há contradição entre sexo fisco aparente que é determinado
geneticamente e o sexo psicológico. A Resolução 1.482/97 do CFM
identifica o transexualismo como desvio patológico permanente da
identidade sexual, com rejeição do fenótipo, tendências de mutilação
e/ou auto-extermínio.
O homossexual difere do transexual uma vez que este se sente atraído
pela pessoa do mesmo sexo, mas na tem o desejo ou intenção de mudar
seu sexo. Também não se confunde o intersexualismo que se tipifica
pela presença de anomalias físicas, hormonais ou genéticas que
conduzem a um sexo falso.
Outro tema inquietante é sobre a esterilização e seus limites, que
pode ser obtida pelo uso de técnicas específicas, em pessoa do sexo
masculino ou feminino, para impedir a fecundação e a procriação.
Relata-se que os adolescentes que integravam o coro da Capela
Sistina, na Itália, para que mantivessem o tom contralto de suas vozes
eram castrados com propósito de não produzirem hormônios e não
sofrerem modificações na voz. Na mitologia grega há o registro de que
a Rainha Semíramis, de Nínive, determinou que doentes incuráveis de
seu reino fossem castrados, impedindo a degeneração da espécie, é o
que conta Antônio Chaves.
Entre nós, a esterilização cirúrgica como método contraceptivo
através da laqueadura tubária, vasectomia ou outro método aceito
cientificamente, vedada a histerectomia (retirada do útero) ou
ooforectomia (retirada dos ovários), exceto por exigência médica,
como reza a Lei 9.263/96 em seus arts. 10, § 4º e 15.
Com base no princípio constitucional de paternidade responsável
admite-se a esterilização voluntária para fins de planejamento familiar
tanto em homens como em mulheres com plena capacidade civil, desde
que maiores de vinte e cinco anos de idade ou que tenham, pelo menos,
dois filhos vivos, observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a
manifestação de vontade (por escrito) e o ato cirúrgico, durante o qual
o interessado deverá ser conduzido ao serviço de controle de natalidade

41
Gisele Leite

para desencorajar a esterilização, através da recomendação de outros


métodos mecanismos contraceptivos.
Por atentar a dignidade humana, a esterilização de criminosos sexuais
(de quem pratica estupro) ainda que a origem delitógena seja um desvio
de sexualidade. Cabe responsabilidade civil por danos materiais e
extrapatrimoniais, quem realizar esterilização não autorizada legalmente,
bem como a empresa que obriga suas empregadas a submeterem-se à
esterilização, evitando, assim, o gozo de licença-maternidade.
A experiência científica em pessoas humanas somente pode ocorrer
com consentimento livre e informado, com finalidade terapêutica e
caráter gratuito, além de não produzir qualquer potencialidade de
prejuízo à pessoa, respeitando os princípios de beneficiência e não-
maleficência, proclamados como diretrizes da Bioética.
É possível cogitar-se de direito subjetivo ao corpo de outrem á luz
do art. 1.566 do Código Civil de 2002? É certo que é dever conjugal a
coabitação, que devem viver a um só tempo viver sob o domicílio
conjugal, sendo objetivo manter relações sexuais habituais, convivendo
intimamente.
Embora parcela da doutrina defenda a idéia de um direito da
personalidade sobre o corpo do cônjuge, a partir da reciprocidade da
prestação do dever sexual no casamento ( Cláudia Haidamus Perri,
Álvaro Villaça Azevedo e Rubens Limongi França, esta não é posição
que deve prevalecer. É que a manifestação sexual (inclusive entre
cônjuges ou companheiros) é pura expressão de afeta não podendo ser
tratada pela ótica de obrigação jurídica imposta uma pessoa humana.
Não obstante a configuração do chamado débito conjugal, encará-
lo como direito da personalidade é violar a dignidade humana, aviltando
a sua liberdade afetiva e sexual. Ademais, se assim o fosse caberia a
responsabilização civil do cônjuge-devedor que deveria repará-lo
pecuniariamente ela falta de afeto e afeição.
Daí é de se repudiar o enquadramento do débito conjugal como
direito da personalidade do cônjuge ao corpo do outro.

42
Teoria Geral do Direito

Ademais, o debitum conjugale como direito da personalidade, seria


imperioso concluir que sua eventual violação implicaria em
responsabilização civil do “cônjuge-devedor” que teria de reparar
pecuniariamente, a falta de afeto e carinho.
(http://conjur.estadao.com.br/static/text/41317,1),
(http://conjur.estadao.com.br/stati,1),
( http://conjur.estadao.com.br/static/text/29074,1).
Já o direito à integridade psíquica (moral) concerne a proteção dos
atributos psicológicos relacionados à pessoa, tais como a sua honra, a
liberdade, o recato, a imagem , a vida e o nome. A higidez psíquica se
relaciona necessariamente com a dignidade humana.
A incolumidade moral preserva a estrutura humana, em particular
as emanações da alma, essencialmente incorpóreas, distintas das
projeções físicas do indivíduo. Talç tutela seja por ações diretas ou
indiretas, por situações naturais ou não, impõe-se a cada pessoa e à
coletividade como um todo, inclusive ao Poder Público.
Esclarece Bittar que são vedadas pelo ordenamento jurídico todas
as práticas tendentes ao aprisionamento da mente ou a intimidação pelo
medo, ou pela dor, enfim, obnubiladoras do discernimento psíquico.
Podem ser alinhados como direitos da personalidade no âmbito
psíquico: a imagem, a privacidade; a honra; o nome civil e, etc.
É interessante encontrarmos a relativização do direito à imagem
das pessoas públicas também chamadas de celebridades, em razão de
interesses públicos ou de colisão com outros bens jurídicos.
O exemplo típico da mitigação da tutela da imagem em face da
preponderância do interesse público é o uso de imagem decorrente de
investigação criminal, com a divulgação de retrato de foragido em
órgãos de imprensa e programas jornalísticos.
No mesmo sentido, a imagem das pessoas como artistas, esportistas,
políticos, modelos, personagens históricos também sofre
flexibilização, em face da projeção de sua personalidade extrapolando

43
Gisele Leite

os seus limites individuais para projetar-se no interesse de toda


coletividade. (http://conjur.estadao.com.br/static/text/47827,1 )
Mas, nada impede que as celebridades possam eventualmente, sofrer
violação à imagem, como a utilização fora dos padrões sociais ou
contratuais admitidos ou fora do contexto jornalístico ou noticioso.
(vide o link: http://conjur.estadao.com.br/static/text/46770,1) Ou ainda:
(http://conjur.estadao.com.br/static/text/45253,1). E, ainda
recentemente http://conjur.estadao.com.br/static/text/34857,1.
É possível também a violação do direito à privacidade das pessoas
públicas quando penetrar em seu refúgio íntimo, é o que ocorre com os
papparazzi.
É bastante difícil a delimitação do âmbito do direito à vida privada,
em razão das diferenças culturais, tradições, costumes entre os povos.
A vida privada é um refúgio impenetrável pela coletividade, assim como
o domicílio. É o direito de viver a sua própria vida em isolamento, não
sendo exposto à publicidade que não provocou e nem desejou.
São aspectos amorosos, sexual, religioso, familiar, sentimental de
uma pessoa. Gilberto Haddad Jabur preciosamente nos esclarece que
“o direito à vida privada posiciona-se como gênero ao qual pertence o
direito à intimidade e o direito ao segredo (...)”.
Elucidativo é artigo inserto no link: http://conjur.estadao.com.br/
static/text/45369,1
Convém ainda apontar o direito à intimidade como aquele que
consiste em resguardar dos sentimentos alheios as informações que
dizem respeito apenas ao titular, ao passo que o direito ao segredo é
fundado na não-divulgação de fatos da vida de alguém ((temos o sigilo
bancário, sigilo fiscal, sigilo telefônico, sigilo médico, sigilo da
correspondência e, etc...).
Todavia é possível haver vulneração da vida privada mesmo sem
resvalo à imagem ou à honra (boa fama), em face da inviolabilidade da
vida privada.

44
Teoria Geral do Direito

O direito À honra diz respeito ao prestígio social e ainda a própria


idéia que a pessoa tem de si mesma, daí, haver a honra objetiva e a
honra subjetiva. O direito à honra visa proteger o valor moral e íntimo
do homem, como a estimação e consideração social, bom nome ou a
boa fama.
É conveniente enfatizar que a honra pode ser atingida de forma direta
e frontal como de forma indireta ou dissimulada, consistindo num abalo
do conceito do titular na família, política, no trabalho, nas atividades
estudantis e, etc. produzindo um dano extrapatrimonial reparável.
Em síntese, a honra objetiva encerra um conceito externo, é o que
os outros pensam de uma pessoa, ao passo que a honra subjetiva é a sua
estima pessoal, o que a pessoa pensa de si própria.
Já reconheceu a melhor jurisprudência que é possível concretizar-
se dano à pessoa independentemente da conotação média da moral
social, pois a honra subjetiva tem como termômetro próprio, inerente
a cada indivíduo. É o decoro, o sentimento de auto-estima, da avaliação
própria que possuem valoração individual, não se podendo negar esta
dor de acordo com sentimentos alheios.
Todavia, não caracteriza violação à honra, a difusão de fato que diz
respeito ao interesse público, como a apuração de fatos criminosos
(Vide LINHA DIRETA programa da TV Globo), quando verdadeiros.
Daí ser relevante a exceptio veritatis que constitui meio para que se
prove a veracidade dos fatos alegados.
O Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de
Direitos Humanos) que fora subscrito pelo Brasil reconhece também a
proteção à honra em seu art. 11, que também existe a mesma tutela na
esfera criminal ao capitular os crimes contra honra como calúnia,
difamação e injúria.
O direito à integridade intelectual corresponde a proteção conferida
ao elemento criativo, típico da inteligência humana. Daí também
proteger-se a liberdade de pensamento e o direito ao invento, além do
direito autoral regulamentado pela Lei 9.610/98.

45
Gisele Leite

É salutar mencionar que os direitos da personalidade no âmbito


intelectual são incorpóreos, e, portanto, insusceptíveis de apreensão
material. Descabe a utilização dos interditos possessórios para sua
defesa, conforme entendimento cimentado na Súmula 228n do STJ.
A proteção de tais direitos se firmará por meio de tutela preventiva
(tutela específica prevista no art. 461 C.P.C.) ou de ação de reparação
de danos ( que é a tutela repressiva). Principalmente quando o dano
estiver integrado a conduta lesiva (in re ipsa), é o que sustenta Carlos
Alberto Bittar.
Até mesmo na internet percebe-se a importância do estudo do
direito de autor, exigindo-se que a proteção jurídica das obras
intelectuais esteja adequada ao avanço tecnológico dos meios de
comunicação. Protegem-se as obras e a manifestação do intelectual do
ser humano onde quer que se expresse (livro, CD, DVD, vídeos e
internet). Enfim, é a tutela da criação intelectual.
È direito sui generis, por conta de sua natureza híbrida, mista. Nos
termos do art. 22 da Lei 9.610/98 evidencia-se que o direito do autor
é, ao só tempo, direito de personalidade e direito real sobre bem
imaterial.
Por seu caráter patrimonial o exercício do direito autoral permite
sua transmissão por ato inter vivos ou causa mortis. A cessão é
presumidamente onerosa e reconhece ao autor o direito irrenunciável
À percepção, no mínimo, cinco por cento sobre o preço de
comercialização da obra (art. 38 da Lei de Direitos Autorais).
O direito autoral é transmitido pelo prazo de setenta anos, contados
de primeiro de janeiro do ano subseqüente à morte do autor (art. 41 da
Lei de Direitos Autorais). Findo o referido período, a obra cai em
domínio público. É o caso da grande maioria das músicas clássicas,
executadas nos cinemas.
A título ilustrativo convém ressaltar que o art. 4º, da Lei 9.609/98 a
chamada Lei do Software confere proteção aos programas de
computador dispondo pertencerem os direitos decorrentes dos
programas desenvolvidos durante a vigência do contrato ou do vínculo

46
Teoria Geral do Direito

estatutário ao empregador, contratante ou órgão público, salvo


disposição em contrário.
A proteção e efeitos inclusive os patrimoniais do direito autoral
independe de qualquer registro, basta a mera menção de sua autoria
para identificar a titularidade. A defesa do direito autoral engloba até
mesmo os direitos do tradutor, e os direitos sobre a criação de
programas de informática (software).
A liberdade de imprensa é o direito de livre manifestação de
pensamento pela imprensa, assegurada a informação pelos seus variados
e diversos órgãos. Abrangendo os diferentes meios de comunicação e
informação.
Todavia, o exercício da informação não pode ser admitido em caráter
absoluto, ilimitado, sendo forçoso estabelecer limites ao direito de
informar a partir da proteção dos direitos da personalidade (imagem,
vida privada, honra, intelecto) com base fundamentalmente na tutela
essencial da dignidade da pessoa humana que possui status
constitucional (art. 1º, III CF).
No plano da responsabilidade civil é salutar mencionar a Súmula
221 do STJ que estabelece que cabível reparação do dano decorrente
de publicação pela imprensa , tanto o autor do escrito, quanto do
proprietário do veículo de divulgação.
Ademais, o valor de reparação civil por dano moral não pode estar
adstrito a valores previamente tarifados em diplomas legais (como
tentam em vão fazer a Lei de Imprensa e o Código Brasileiro de
Telecomunicações), uma vez que constitucionalmente está prevista a
indenização por dano moral de forma ampla e irrestrita.
A proteção dos direitos da personalidade prevista no art. 12 C.C.
repete a regra do artigo 5º da Lex Fundamentalis E NO ART. 461 do
CPC e reconhece a possibilidade de tutela repressiva e preventiva ,
autorizando a concessão de provimentos judiciais reparatórios.
São previstas sanções jurídicas que se dirigem aos que violam os
direitos da personalidade, mediante a fixação de indenizações por danos

47
Gisele Leite

não-patrimoniais, bem como pela adoção de providências de caráter


inibitório (tutela específica), tendentes à obtenção do resultado
equivalente, qual seja, o respeito aos direitos da personalidade.
Deliberou o STJ que no sistema jurídico atual não se cogita da prova
acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos da
personalidade, dentre eles a intimidade, imagem, honra, reputação, já
que , na espécie, o dano é presumido pela simples violação ao bem
jurídico titulado.
Em síntese, todo dano moral ou extrapatrimonial é decorrência de
violação de direito da personalidade, caracterizando prejuízo pelo
simples atentado aos interesses jurídicos personalíssimos,
inerentemente, ente da dor e sofrimento causados ao titular, que servirão
de base para fixação do quantum indenizatório.
Ressalte-se que os direitos da personalidade não estão submetidos
a rol taxativo, sendo aberta a sua previsão, a partir da cláusula geral
protetiva da dignidade da pessoa humana.
Caso interesse foi deliberado pelo primeiro Tribunal de Alçada Civil
de São Paulo sobre a indenizabilidade da violação À dignidade humana
em caso no qual o correntista foi impedido de adentrar a agência
bancária por conta de porta giratória, tendo sido atendido na rua, passando
suas contas por baixo da porta: “Dano moral. Indenização. Banco.
Cliente que foi impedido de entrar na agência bancária em virtude de
porta detectora de metais, mesmo depois de despojar-se de todos seus
pertencentes. Atendimento que se deu pelo lado de fora da agência,
após o acionamento de forte esquema de segurança, sujeitando-se o
usuário a passar por debaixo da porta os documentos para pagamento.
Respeito à dignidade humana que não pode ser aviltada em nome da
segurança. Instituições bancárias podem adotar meios não vexatórios
para efetuar “revista” em seus clientes e usuários” (1º. TACiv. SP., Ac
1ª. Câm. De Férias, ApCiv 943158-3, relator Juiz Plínio Tadeu do Amaral
Malheiros, vm, in RT 789:259).
Bem, o presente artigo não tem obviamente a pretensão esdrúxula
de esgotar o tema, mas apenas dar uma boa noção de sua complexidade

48
Teoria Geral do Direito

e importância para todo o ordenamento jurídico brasileiro e, em


particular, para o atual Direito Civil Contemporâneo que perde
definitivamente sua feição puramente privatística para adotar uma feição
mais socializante e humanística.
22/09/2006

Ao fazer referência a esta obra, utilize o seguinte formato:


(de acordo com a norma da ABNT NBR6023-2002)

LEITE, Gisele. Considerações sobre personalidade, pessoa e os


direitos da personalidade no Direito Civil Brasileiro. Jus Vigilantibus,
Vitória, 22 set. 2006. Disponível em: <http://jusvi.com/
doutrinas_e_pecas/ver/22594>. Acesso em: 16 mai. 2007.

49
Teoria Geral do Direito

Unidade IV: Breve digressão sobre as fontes de direitos

Resumo:
Sabe porque as fontes de direitos são tão importantes para o estudo
jurídico? Por que é a maneira mais fácil de se compreender, interpretar
cabalmente a lei, o costume, a doutrina , a jurisprudência, e quase todo
o mundo jurídico...
Paira enorme celeuma em torno das fontes de direito, até que a
doutrina moderna resolveu aplacar a sanha conceitual e afastar os
conceitos clássicos e conclui que a conduta individual não é disciplinada
somente pela lei, mas por outras situações objetivas tais como o
contrato, a vontade unilateral, a sentença.
Tal doutrina coordena de maneira uniforme o fenômeno jurídico, e
a aglutina sobre a vontade, entendendo-a como manifestações de vontade
tendentes a produzir efeitos jurídicos. Fonte formal de direito então é
o ato jurídico.
Se entendermos por fonte de direito como modos de formação e
revelação das normas jurídicas, não nos referimos estritamente ao
direito objetivo e nem tampouco de direito positivo.
Também se referem às fontes do direito como o fundamento de
validade das normas jurídicas, utilizado assim especialmente por Kelsen.
Também podemos compreender as fontes como causas geradoras
ou geratrizes das normas jurídicas e temos necessidade de recorrer às
fontes, não só diante dos casos concretos, mas precisamente diante
das chamadas “lacunas de lei”.

51
Gisele Leite

Mesmo o criador das leis (o poder legislador) tem necessidade de


recorrer às fontes do direito para escolher qual caminho a ser seguido
no ato de legislar e regular a realidade.
Mesmo os operadores de direito e os aplicadores do direito
possuem igual necessidade.
No entanto, o direito brasileiro apresenta expressamente como
fontes de direito: a lei, a analogia, os costumes e os princípios gerais
de direito.
Inúmeras classificações incidem sobre as fontes, uns incluem a
doutrina e a jurisprudência como fontes, outros, todavia as excluem.
Kelsen usa o termo fontes de Direito para designar o sentido
histórico, alude-se assim ao Direito romano.
O Direito não consiste somente em uma técnica social para dirimir
conflitos, é ciência que se preocupa com a normatização do meio social
e com o fim de obter a paz social.
A previsão brasileira das fontes é feita no artigo quarto do LICC e
faz supor uma certa hierarquia entre estas.
As fontes exercem uma função de garantia contra o subjetivismo
do juiz e assim, garantir que a aplicação da lei atenderá aos critérios
objetivos e, portanto mais estáveis.
A Escola Realista do Direito entende que o juiz primeiramente
encontra a solução para o litígio e, depois procura justificação nas fontes.
A classificação tradicional divide as fontes materiais e fontes
formais.
São materiais, no sentido sociológico aquelas fontes que
determinam a formação do direito objetivo, refletem as causas que
determinam a formulação da norma jurídica.
As fontes materiais são as que formulam a matéria das normas.
Já as fontes formais as que determinam a forma, os modos de
revelação das normas jurídicas.

52
Teoria Geral do Direito

Miguel Reale designa fontes de direito os processos ou meios em


virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força
obrigatória (com vigência e eficácia) no contexto da estrutura
normativa.
Para Reale, são fontes formais do direito são: o processo legislativo,
a jurisdição, os usos e os costumes jurídicos, o poder negocial ou da
autonomia da vontade.
Segundo Orlando Gomes só o costume e a lei indiscutivelmente
são fontes formais de direito tendo-se por base a previsão legal.
Caio Mário da Silva Pereira entende que as fontes de direito são a
lei, a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
J. M. Leoni Lopes de Oliveira propõe a classificação de fontes (em
materiais e em formais). As materiais incluem-se as históricas, as
orgânicas, as filosóficas e sociológicas. As formais são: a lei, os usos
e costumes, a jurisprudência e as manifestações de vontade.
A grande polêmica surge quando um outro doutrinador não admite
a criação de normas jurídicas a partir da doutrina da jurisprudência dos
princípios gerais do direito e, etc...
A lei etimologicamente deriva do latim legere (ler).
Outros acreditam que deriva de ligare (ligar). De sorte, sendo sua
origem ler ou ligar, a lei é sem dúvida, a fonte primacial de direito.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a expressão fonte é meio
técnico de realização do direito objetivo, assim tem uma acepção stricto
sensu.
Descarta assim, portanto, as fontes de direito subjetivo.
Fontes históricas são aquelas que servem para demonstrar a origem
histórica de um instituto jurídico ou de um sistema, como o Digesto,
as Institutas e as Ordenações do Reino.
As fontes formais do direito correspondem à lei, a analogia, o
costume os princípios gerais de direito.

53
Gisele Leite

As não-formais são a doutrina e a jurisprudência. São fontes


cognitivas ou intelectuais.
Dentre as formais, a lei é a fonte principal e as demais são acessórias.
Entre as fontes diretas ou imediatas temos a lei e o costume que
por si só geram a regra jurídica; as indiretas ou mediatas correspondem
à doutrina e a jurisprudência.
O sistema jurídico brasileiro é normativista e, portanto, dá primazia
à lei sobre as demais fontes do direito.
Deduz-se que há uma hierarquia das fontes, até mesmo na expressão
enumerativa prevista em lei. As leis que emanam do Executivo tais como
os decretos e as medidas provisórias não são leis em sentido formal.
Lei em sentido formal é aquela emanada com todos os requisitos e
formalidades exigidas pela legislação para sua criação.
Lei no sentido material é aquela que além das formalidades legais
para a criação, contém um preceito geral e é imposta a todos.
As leis do Executivo não são leis no sentido formal, mas tão-
somente no sentido material contém um mandamento geral.
Em doutrina só se reconhece a qualidade de lei a que emana do
Poder Legislativo.
Dentre os requisitos da lei temos o interno traduzido na ratio (razão),
a vis obligandi (o valor normativo e obrigatório da lei), e os externos (a
forma) decorrentes da promulgação e publicação. São requisitos
indispensáveis da lei a sua generalidade, a sua forma escrita, a sua
constitucionalidade e a sua obrigatoriedade.
Costume é norma criada e imposta pelo uso social, é a mais antiga
das fontes do direito. Os romanos além do termo consuetudo (costume)
empregavam as expressões mores, para indicar os costumes em geral,
e, mores maiorum, para designar os costumes dos antepassados. O
costume na verdade é o direito não-escrito, mas se opõe mesmo ao
direito legislado, ao legis laborem.

54
Teoria Geral do Direito

Costume jurídico, direito costumeiro ou direito consuetudinário


define Coviello, é a norma jurídica que resulta de uma prática geral
constante e prolongada, observada com a convicção, de que é
juridicamente obrigatória. É a longa, inveterata, diuturna, consuetudo
dos romanos, sob a convicção de atender a uma necessidade jurídica.
Seus requisitos de ordem externos ou materiais são a repetição do
uso geral, e, o outro de ordem interna ou espiritual é a opinio
necessitatis, ou seja, a convicção de sua necessidade. Costume é norma
jurídica de geração espontânea na consciência comum do poço e não
editada pelo poder público. Sua importância de caráter histórico é
enorme vez que foi fonte originária do direito. Pois que a lei escrita
corresponde à fase posterior dento da evolução jurídica.

Usos e costumes => Fatos => derivam efeitos jurídicos =>


direitos e obrigações.

É maior no Direito Comercial a aplicação do costume, pois a própria


lei determina o recurso ao costume, embora o art. 2 do Regulamento
737 só se possa invocar o costume em terceiro lugar, depois de recorrer
à lei comercial e à lei civil.
No Direito Penal moderno não tem acolhido o costume como fonte
normativa até em atenção ao princípio de que não haverá nenhum crime
e nenhuma pena sem lei preexistente, tal preceito é fundamental para a
garantia dos direitos fundamentais do homem.
No Direito Internacional as normas costumeiras possuem maior
valor determinado pela inexistência de Estado mundial, capaz de legislar.
O costume, juntamente com os tratados e convenções internacionais, é
fonte formal ou positivas de direitos e obrigações.
No Direito Civil, o costume é excepcionalmente admitido para
suprir lacunas da lei.O Código Civil de 1916 indicava que é possível a
suplementação pelos usos e costumes. É o caso, por exemplo, do art.
1.210 CC/1916 onde prevê que o tempo da locação poderá ser regulado
pelos usos locais.

55
Gisele Leite

Heinrich propõe uma classificação dos costumes: costume


delegado, delegante ou derrogatório.
Delegado é aquele que surge através de delegação da lei, é autorizado
pela lei e correspondem ao costume secundum legem. Delegante é o
costume é que autoriza a lei, a faculdade de reger determinada conduta.
Derrogatório é o correspondente o costume contra legem.
A importância do costume é tema de dois posicionamentos
doutrinários distintos, uma representada por Savigny e Joseph De
Maistre, acentuam a importância do costume e pretendem reduzir todo
direito ao costume jurídico. Já a segunda teoria, nega veemente o valor
do costume, particularmente os enciclopedistas como Diderot e D
“Alembert e os voluntaristas. Onde a lei é um valor absoluto onipotente,
e a única fonte das normas jurídicas”.
A grande vantagem do costume sobre a lei é a sua adaptabilidade à
realidade, onde é mais dinâmico e mutável enquanto a lei é mais estática,
rígida e engessada. No dizer de Ihering o costume faz uma unidade com
a vida social “. Porém, o costume apresenta incerteza e obscuridade,
enquanto a lei fixa normas em termos definidos”.
O costume é secundum legem quando a lei a ele se reporta
expressamente e o reconhece como obrigatório.(vide art. 1.192 CC).
Alguns autores o incluem no caráter do costume interpretativo, pois como
esclarece o Código Canônico “o costume é o melhor intérprete da lei”.
O costume praeter legem é o que socorre ante a omissão da lei,
tem caráter supletivo.
Já costume contra legem contraria a disposição dali e pode ocorrer
então no desuso (desuetudo) quando o costume simplesmente suprime
a lei, é o chamado ab-rogatório que cria nova regra.
As legislações atualmente naturalmente negam a possibilidade do
costume contra lei escrita. Onde na LICC em seu art. 2: “Não se
destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou a revogue.”

56
Teoria Geral do Direito

Pela teoria racionalista, legicista ou formalista rejeita-se a validade


dos costumes contra legem por sr incompatíveis com a função
legislativa do estado e a segurança que deve o Estado deve proporcionar
aos cidadãos.
De outro lado, a orientação histórica, sociológica e realista
sustentam que o costume contra legem, isto, é aquele contraria
eficazmente a lei escrita, representa a revolta dos fatos contra os
Códigos, constitui o verdadeiro direito positivo da comunidade, no dizer
de Vicente Raó.
Jurisprudência (iurisprudentia) possui várias acepções:
Princípios gerais de direito aplicados em determinado sistema
jurídico;
Lato sensu, é a ciência ou o conhecimento do direito, a Dogmática
Jurídica;
Stricto sensu, é a interpretação dada pelos tribunais, o julgamento
dos precedentes judiciários; ou ainda, os julgados que abrangem a
jurisprudência uniforme, e nesse sentido, falamos em “firmar
jurisprudência”.
É fonte do direito segundo J. M. Leoni de Oliveira, e pensando ao
contrário está Orlando Gomes, pois para este doutrinador o juiz é servo
da lei e o julgado produz efeitos somente entre as partes.
Caio Mário entende que a jurisprudência é fonte do direito só em caráter
informativo ou intelectual do direito, tal qual a doutrina também o é.
Serpa Lopes também só vê fonte criadora do direito no Poder
Legislativo.
Já Miguel Reale diverge dos demais e, entende que é fonte formal
do direito, a jurisprudência.
A jurisprudência é revelação do direito que se processa através do
exercício da jurisdição em virtude de uma sucessão harmônica de
decisões dos tribunais.

57
Gisele Leite

O art. 127 do CPC admite ainda que o juiz decida por eqüidade nos
casos previstos em lei.
A jurisprudência diz o Direito em última instância, sendo que cabe
ao STF a interpretação da lei maior (CF).
“Lei é aquilo que os juízes dizem que é”.
São Tomás: “os homens recorrem ao juiz como à justiça viva”.
Também a autonomia privada ou negocial, o contrato que pode criar,
modificar ou extinguir uma relação jurídica, ou seja, pode criar direito.
Contrato é a lei entre as partes, é tal preceito está presente no Código
Civil Italiano e o Código Civil Espanhol.
Podemos entender que a manifestação de vontade é fonte, apesar
de grande parte da doutrina não entender que deva ser incluída como
fontes do direito.
Caio Mário admite com cautela a concepção de que fonte do direito
é o ato jurídico.
Kelsen enxerga na transação jurídica é fato criador de direito se
manifesta à chamada autonomia privada das partes, contratos, pactos,
atos jurídicos unilaterais.
Carnelutti vê que o contrato é o terceiro dos institutos (ao lado da
guerra e da propriedade) que explicam o nascimento do direito.
Serpa Lopes: “só a lei é fonte do direito e, o ato jurídico é fonte
por conseqüência.”
Doutrina não é considerada quase unanimidade como fonte formal
do direito, assim entendem, Orlando Gomes e Caio Mário para quem a
doutrina só pode ser considerada fonte histórica.
Esta noção prevalece até durante o direito positivado,
principalmente no direito medieval onde o juiz era considerado como
escravo da lei. Admitimos, a doutrina como fonte mediata, ou indireta
ou intelectiva do direito.

58
Teoria Geral do Direito

A doutrina é conceituada por todos como as opiniões dos juristas


manifestadas em suas obras. No dizer de Pontes de Miranda é o direito
científico ou o direito dos juristas.
Doutrina predominante sempre atua pela maioria dos tribunais
principalmente sobre os preceitos indeterminados ou vagos.
De qualquer maneira quando tratarmos de fontes de direito
queremos sem dúvida perquirir a origem da normatividade.

59
Teoria Geral do Direito

Unidade V: Considerações sobre bens na Teoria Geral


do Direito

Os bens são objetos de direito e correspondem a tudo que pode ser


pecuniariamente estimado, ou seja, avaliado em dinheiro. São bens: os
animais em geral, energia elétrica, fotografias, dinheiro, jóias e outras
coisas como informação, tecnologia, segredos empresariais, cadastros
e outros dados de pesquisa.
Bem esclarece Gustavo Tepedino que o conceito de bem é
histórico e relativo. Vige polêmica acerca da diferenciação entre bens
e coisas. E não é unânime em doutrina tal distinção e, a própria legislação
mantém aceso o debate.
Juridicamente bens são quaisquer direitos passíveis de estimação
econômica, tais como, os direitos creditícios, obrigacionais, autorais
e, outros. Também são bens as participações societárias, os valores
mobiliários, os bônus de subscrição e os commercial papers.
Alguns autores definem coisa como tudo aquilo que pode satisfazer
uma necessidade de uma pessoa natural. Enquanto que a definição de
bem é para coisa útil ao homem enquanto economicamente valorável e
suscetível de apropriação.
É comum a confusão entre o conceito de objeto do direito subjetivo
e o conteúdo do direito subjetivo. O objeto do direito subjetivo é uma
unidade passiva de referência, confiada e submetida ao poder do sujeito
de direito. Enquanto que o conteúdo do direito subjetivo pode mudar, é
a permanência da sua base objetiva que lhe dá estabilidade através de
suas diferentes vicissitudes.

61
Gisele Leite

A priori, o objeto dos direitos subjetivos somente o homem, os


animais e as coisas utilizáveis. Ampliou-se modernamente e inclui
também as chamadas universitates rerum (universalidade de fato).
O objeto do direito subjetivo de uma relação jurídica creditícia,
por exemplo, é a conduta do obrigado. É impossível conceber um direito
subjetivo sem objeto, embora possa ser temporariamente indeterminado.
O conteúdo dos direitos subjetivos corresponde a um objeto
imediato da relação jurídica. Acertada e perspicaz é a crítica de Ascensão
que explica ponderadamente os elementos fundamentais com que o
Direito trabalha e preexistem a lei, como a realidade social.
São elementos jurídicos porque estão integrados na ordem jurídica,
mas são pré-legais, nesses estão incluídas pessoas, bens e as ações.
Francesco Messineo leciona que a noção de objeto é tudo aquilo
que é externo ao sujeito, ou seja, tudo que não é sujeito, e, portanto,
tudo aquilo que não possui personalidade.
A teoria dos bens ou coisas constitui a base dos chamados direitos
reais. Com o tempo, passaram também a ser considerados na categoria
de coisas, ou de bens os direitos, as prestações, as criações intelectuais
e a energia.
O ar e o mar são coisas, mas não são bens juridicametne. Quando
uma coisa passa a ser objeto de direito e se define tecnicamente como
bem.
A divergência vige em saber qual deve ser considerado como gênero:
se a coisa ou o bem. Há dois entendimentos doutrinários antagônicos,
tanto no direito estrangeiro como no direito pátrio.
Barbero entende que coisa é gênero, enquanto que bem é espécie.
Parte-se da noção que coisa é tudo que é exterior ao homem, inclui o
apropriável e o inapropriável.
Na doutrina pátria segue essa linha, Silvio Rodrigues. A diferença
específica está no fato de esta última incluir na sua compreensão a
idéia de utilidade e raridade, ou seja, a de ter valor econômico.

62
Teoria Geral do Direito

Coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem.


Bens são coisas que, por serem úteis e raras, suscetíveis de apropriação
e contêm valor econômico.
Na lição de Serpa Lopes “sob a denominação de bens são
designadas todas as coisas que, podendo proporcionar ao homem uma
certa utilidade, são suscetíveis de apropriação privada.”
Todos os bens são coisas, mas nem todas as coisas são bens. Sob o
nome de coisa pode ser chamado tudo quanto existe na natureza, exceto
a pessoa.
Mas como bem só considera aquela coisa que existe proporcionando
ao homem uma utilidade com o requisito de ser suscetível de
apropriação.
Vicente Raó explica que alguns juristas preferem apontar como
objeto de direitos coisas, posto que é vocábulo de sentido amplo e
ontológico que abrange tanto coisas corpóreas como incorpóreas e,
incluindo-se os direitos.
Mas acrescenta que as coisas se denominam bens ao adquirirem
valor jurídico e, serem reconhecidas pela ordem jurídica como objeto
dos direitos subjetivos.
O conceito mais vasto de coisa deve-se a Teixeira de Freitas “é
todo objeto material suscetível de medida de valor”. Orlando Gomes
pontifica que bem e coisa não se confundem. O primeiro é gênero e o
segundo é espécie.
Aduz ainda o mestre baiano que a noção de bem compreende o que
pode ser objeto de direito sem valor econômico, enquanto que a coisa
restringe-se às utilidades patrimoniais.
Na doutrina italiana, Messineo destaca o uso indiferente dos
vocábulos coisa e bem (vide Código Civil Italiano art. 1.708), no direito
espanhol, Picazo e Gullón assinalaram também o indiscriminado uso
dos vocábulos (art. 333 do Código Civil Espanhol).
O mesmo se dá com o direito português conforme destaca
Ascensão (art. 202, 1º., do Código Civil português, onde coisa seria
63
Gisele Leite

gênero e bem seria espécie).E, foi seguido pelo velhusco Código Civil
de 1916.
Destaca Moreira Alves que no direito romano em acepção vulgar,
a palavra “coisa” possui sentido amplo e abrange tudo o que existe na
natureza ou que a inteligência do homem é capaz de conceber.
J.M.Leoni Lopes de Oliveira oferece conceito de bem que é toda
entidade imaginável pelo homem que possa ser objeto de direitos.
Para Maria Helena Diniz, a coisa apresenta as seguintes
características: a) idoneidade para satisfazer a um interesse econômico;
b) gestão econômica autônoma; c) subordinação jurídica ao seu titular.
Os direitos como objeto de direito encontra o repúdio de Carnelutti
na doutrina italiana. Já na doutrina portuguesa Ascensão entende que o
direito não pode ser incluído como coisa, pois a noção de coisa é pré-
legal enquanto que a noção de direito é uma entidade jurídica.
Na doutrina alemã se reconhece a existência de direito sobre direito
(Andreas von Tuhr e Ludwig Ennerccerus).No direito brasileiro
contemporâneo é pacífico o entendimento doutrinária no sentido de
admitir direito sobre direito, e direito como bem.
Dessa maneira, coisa1 seria gênero que alberga o bem, que é espécie.
Os bens2 são coisas, porém, nem todas as coisas são bens.
O velhusco Código Civil de 1916 não fazia ostensiva distinção no
tratamento jurídico entre bem e coisa. Disso não discrepa o mestre
baiano Orlando Gomes, desfechando-se ser bem “toda utilidade,
material ou ideal, que pessoa incidir na faculdade de agir do sujeito”.
O saudoso e ímpar Caio Mário da Silva Pereira já lecionava ser
bem “tudo que nos agrada: o dinheiro é um bem, como o é a casa, a
herança de um parente, a faculdade de exigir uma prestação; bem é ainda
a alegria de viver, o pôr-do-sol, um trecho musical; bem é o nome do
indivíduo, sua qualidade de filho, o direito à sua integridade física e
moral.”.
Se todos são bens, nem todos são bens jurídicos, esses são apenas
aqueles que preencham nossas exigências e desejos quando amparados
64
Teoria Geral do Direito

pela ordem jurídica. Em regra, todo direito subjetivo traz em seu objeto
um bem jurídico.
Do conceito extraído do Dicionário de Direito Privado, grande
doutrinador italiano Scialoja: “Bens são todas as coisas que possam
ser objeto de direito”. Dizia o mestre italiano que aí estão inclusas,
portanto, as coisas que ainda não foram apropriadas por uma pessoa, as
coisas que ainda não estão no seu patrimônio, de forma que essa é
definição de lato sensu em comparação a anterior.
As relações jurídicas3 são formadas por três elementos clássicos,
a saber, sujeitos, objeto e vínculo. Note-se que o objeto é um bem sobre
o qual recairá o direito subjetivo do sujeito ativo, permitindo-lhe exigir
do sujeito passivo o comportamento esperado.
Os bens jurídicos podem ser ou não dotados de economicidade, de
existência material ou não.
É possível encontrar no objeto das relações jurídicas subjetivas,
além dos bens jurídicos economicamente apreciáveis, os atributos ou
manifestações da personalidade do próprio sujeito (direitos da
personalidade)4 e as atividades e serviços de natureza técnica ou
intelectual (propriedade intelectual).
Na contemporaneidade requer-se uma nova acepção de bens e,
conseqüentemente, de propriedade em razão até das novas tecnologias,
descobertas científicas e necessidades sociais. O direito civil
contemporâneo disseminou fartamente a função social entre seus
institutos.
Exemplos disso temos o time sharing (ou multipropriedade
imobiliária), programas de computador (software), know-how dentre
outros que podem figurar como objeto nas relações jurídicas.
Na oportuna lição de Carlos Alberto da Mota Pinto, para quem
as relações jurídicas subjetivas caracterizadas pela prestação onde se
evidencia que o objeto não é rigorosamente uma coisa (= res), mas
sim, um comportamento do devedor (obrigação de dar, de fazer ou de
não fazer), significando uma prestação.

65
Gisele Leite

Desse conceito percebem-se as características típicas das


prestações: a licitude, a possibilidade física e jurídica, e que seja
determinada, ou pelo menos determinável.
É certo que as prestações caracterizam o cerne da relação jurídica
obrigacional e podem ser objeto de direito das relações jurídicas
subjetivas. Há a possibilidade de direitos sobre direitos. Pode a relação
jurídica ter por objeto, um direito quando a faculdade de atuar é
exercitada sobre um bem que por seu turno é outra relação jurídica.
Aliás, o Código Civil Brasileiro de 2002 admite expressamente a
existência de direito sobre direitos5 como nos arts. 1.451(que anui ao
penhor sobre direitos) e art. 1.395 (usufruto de crédito).
Apenas os direitos passíveis de alienação ou transferência
especialmente os da esfera patrimonial podem ser objeto de relações
jurídicas subjetivas. E o exemplo comum é o usufruto de um crédito.
Normalmente os direitos não necessitam estar consubstanciados
em um documento formal e representativo, alguns não prescindem de
representação gráfica documental (tais como títulos de crédito) e que
constituem bens móveis.
É possível sistematizar o objeto das relações jurídicas subjetivas
em: prestações, direitos e bens jurídicos que podem ou não conter
expressão econômica. (grifo nosso)
No que tange aos direitos potestativos, é curial lembrar que seu
objeto será sempre um comportamento do sujeito, através do qual se
conseguirá a produtividade dos efeitos jurídicos inclusive quanto a
terceiros.
Tepedino assevera sobre a teoria dos bens que os bens da vida
(lebensgüter) quando submetidos à tutela jurídica, originando os bens
jurídicos (rechtgüter) tendo como referência certo interesse humano,
em relação ao qual corresponde uma situação jurídica atribuída a um
titular assegurá-los.
E, conclui, empiricamente: “a coisa, tomada em sentido comum, é
conseqüentemente, porção da realidade anterior à qualificação jurídica

66
Teoria Geral do Direito

e por isso mesmo considerada noção pré-jurídica e neutra, constituindo


o elemento material do conceito jurídico de bem, este definido em
tema de direitos reais, como coisa em sentido jurídico, no âmbito dos
objetos materiais suscetíveis de medida de valor”.
Essa definição a luz do BGB (Código Civil Alemão) § 90º.
Reconhece coisa como espécie do gênero bem.
Caio Mário distingue bens de coisas com base na materialidade
destas, em contraposição à abstração daqueles. Washington de Barros
Monteiro resume toda celeuma assim: “Às vezes, coisas são gênero e
bens, a espécie; outras, estes são o gênero e aquelas, a espécie; outras,
finalmente, são os dois termos usados como sinônimos, havendo então
entre eles coincidência de significação.”
O Código Civil de 2002 ao cuidar de bens unificou a terminologia
utilizada e com exclusividade conceitua bens compreendendo os objetos
materiais e imateriais.
Explica Renan Lotufo que a expressão bens muitas vezes é usada
como sinômino de coisas, mas a palavra bens tem sentido mais amplo,
pois refere-se tanto a coisas quanto a direitos, e pode chegar a ter sentido
de patrimônio.
Patrimônio 6 é complexo de relações jurídicas apreciáveis
economicamente (ativas e passivas) de determinada pessoa (física ou
jurídica). É a totalidade de bens dotados de expressão econômica e
pertencente a um titular, englobando tanto os direitos reais quanto os
direitos pessoais (obrigacionais).
Refere-se a bens apreciáveis economicamente, eis o porquê não
engloba os direitos de família puros e direitos da personalidade, ditos
extrapatrimoniais. É forçoso admitir que o patrimônio representa
economicamente a pessoa, e é vinculado à personalidade de seu titular,
como forma de consubstanciar o respeito à dignidade da pessoa humana,
à honra, à vida, à saúde, etc.
O patrimônio global compõe-se de todas as relações jurídicas de
uma pessoa de cunho patrimonial. Tanto as situações jurídicas em que

67
Gisele Leite

o sujeito encontra-se no pólo ativo como no pólo passivo. Sempre, no


entanto, são relações susceptíveis de apreciação econômica.
Já quando cogitamos sobre patrimônio ativo, é noção mais estrita,
reservada somente às situações jurídicas em que o titular assume a
posição do credor.
Patrimônio bruto diz respeito a todas as relações jurídicas em que
o sujeito está no pólo ativo, perfazendo um somatório de todos os
direitos econômicos de uma pessoa.
Enquanto que patrimônio líquido é resultante da operação aritmética
pela qual se subtraem as relações jurídicas passivas do chamado
patrimônio bruto.
Diz-se que patrimônio é indivisível 7 porque, ainda que
conseguíssemos separar os bens que formam o patrimônio, estes
continuariam pertencendo à mesma pessoa, assim, ainda que divididos
todos os componentes do patrimônio, não se teria a divisão do
patrimônio, porque continuaria atribuído à mesma pessoa.
A relação jurídica entre o titular do patrimônio e os direitos e bens
que o compõem devem ser concebidos como um único todo, o que
comprova, então, a indivisibilidade do patrimônio.
Há interesse jurídico, nessa noção, por exemplo, quando no art.
748 CPC se cuida da insolvência civil. É lapidar a lição de Alexandre
Freitas Câmara, grande processualista carioca que explica ser preciso
três requisitos para o reconhecimento da insolvência.
De prima facie, há um desequilíbrio patrimonial que se verifica
quando os bens do devedor são insuficientes para assegurar a satisfação
de todas as suas dívidas. Há também o requisito pessoa qual seja do
devedor ser não-comerciante (do contrário, é falido) e, por fim, o
requisito jurídico, que é a declaração judicial de insolvência (Cf. Lições
de Direito Processual Civil, volume II, p. 313).
Nem todos os bens do devedor poderão ser constritos judicialmente
(penhorados). Há a impenhorabilidade afirmada no art. 648 do CPC e

68
Teoria Geral do Direito

pela Lei 8.009/90 (Bem de Família) e, ainda os arts. 1.711 a 1.722 do


C.C. de 2002.
Averbe-se, finalmente que o patrimônio consiste em uma
universalidade de direitos8 conforme bem prevê o art. 91 do C.C. A
tutela jurídica conferida ao patrimônio não tem outra justificativa, senão
a proteção da própria pessoa humana que titulariza aquelas relações
jurídicas.
Pela nova tábua axiomática proposta pela Constituição Federal do
Brasil de 1988, a teoria do patrimônio mínimo da pessoa humana9,
conforme esclarece Luiz Edson Fachin que a proteção de um
patrimônio mínimo vão ao encontro dessas tendências (de
despatrimonialização das relações civis), posto que põe em primeiro
plano a pessoa e suas necessidades fundamentais.
Assim as regras jurídicas criadas para as relações intersubjetivas
devem assegurar permanentemente a dignidade da pessoa humana.
Exemplos típicos dessa proteção do patrimônio mínimo da pessoa
podem ser apresentados como a proteção do bem de família (Lei 9.009/
90) e arts. 1.711 ao 1.722 do CC/2002, com óbice da prodigalidade,
vedação da doação da totalidade do patrimônio sem que o resguardo
mínimo (art. 548 CC) e com a previsão da impenhorabilidade de certos
bens (arts. 648, 649 do CPC).
Inspirada em Cáio Mário da Silva Pereira, concluímos que não
se pode admitir pessoa humana sem patrimônio. O conceito de mínimo
patrimonial não tem cifra mensurável matematicamente depende sempre
do caso concreto para ser devidamente delimitado.
Fábio Ulhoa Coelho ensina que o objeto do direito positivo é
sempre uma conduta humana. O objeto do direito subjetivo pode ser
bens ou coisas não valoráveis pecuniariamente.
A noção mais intuitiva de classificação de bens é a de bem imóvel,
por ser a imobilidade o fator mais visível e que se ressalta à primeira
observação. Há evidente superestimação dos bens imóveis fruto de
resíduo histórico. E, nesse sentido denunciavam Orlando Gomes e
Caio Mário da Silva Pereira o “fetichismo da coisa imóvel”, muito

69
Gisele Leite

embora não se despreza o bem móvel, sente-se ainda grande simpatia


do legislador brasileiro pela nobreza legal do imóvel.
Ainda em referência ao Código Civil de 1916, ressalta o doutrinador
a existência de rol de princípios que traduzia a supremacia do bem
imóvel: i) sua transmissão obedece a critério dotado de segurança e de
solenidade; ii) requer-se a outorga expressa do outro cônjuge para
transmissão; iii) para litigar sobre imóveis é necessária a anuência do
outro cônjuge, e indispensável a citação do marido e da mulher; iv) a
prescrição aquisitiva é mais prolongada para os imóveis do que para os
móveis; v) só excepcionalmente pode ser autorizada a alienação do
imóvel integrado ao patrimônio de incapaz; vi) em princípio, a hipoteca
é reservada o bem imóvel.
A distinção entre bens móveis e imóveis é relevante também para a
definição da competência nas ações que versam sobre imóveis ou
direitos a eles relativos, estabelecendo-se o juízo competente de acordo
com o local onde se situa o bem imóvel (art. 95 CPC).
Com efeito, os bens podem ser corpóreos (casa, livros, automóvel)
ou incorpóreos (direitos patrimoniais, direitos de autor) e, também
coisas não precificáveis podem ter por referência algo material
(embriões10 congelados, corpo), ou não (honra nome, privacidade).
Os bens considerados em si mesmos admitem uma classificação
quanto à mobilidade. Os bens podem ser imóveis (arts. 79 a 81 do C.C.)
que não podem ser removidos ou transportados sem a deterioração ou
destruição.
Temos como bens imóveis por natureza ou por essência (art. 79
C.C.) abrangem o solo, subsolo e o espaço aéreo. Tudo o que for
incorporado a esse bem, será classificado como bem imóvel por acessão.
E poderá ser acessão física industrial ou artificial.
Prevê ainda o Código Civil de 2002 o caráter de imóveis e não
perdem esse caráter (art.81): as edificações que, separadas do solo,
mas ainda conservando sua unidade forem removidas para outro local;
os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se
reempregarem (exemplo do tijolo que é retirado da parede para

70
Teoria Geral do Direito

instalação de ar condicionado e, depois, é reutilizado como parte de


um canteiro no jardim da casa).
Bem imóvel por acessão física intelectual é tudo que é empregado
intencionalmente para exploração industrial, aformoseamento e
comodidade. São bens móveis que foram imobilizados pelo
proprietário, constituindo uma ficção jurídica são chamados de
pertenças11 essenciais.
Vige grande polêmica acerca essa modalidade de bens imóveis, pois
uns entendem que fora ou não banida do Código Civil de 2002 e, ratifica
o Enunciado 11 do CJF in verbis:
“Não persiste no novo sistema legislativo a categoria de bens imóveis
por acessão intelectual, não obstante a expressão.” Tudo quanto se lhe
incorporar natural ou artificialmente, constante no bojo do art. 79 do
C.C.
Para Maria Helena Diniz e Flávio Tartuce por interpretação
sistemática tal modalidade persiste. Os bens imóveis por acessão física
intelectual são pertenças essenciais, ou seja, são bens móveis
incorporados a imóveis.
Rastreando o pensamento de Orlando Gomes, as pertenças são
coisas acessórias destinadas a conservar ou facilitar o uso das coisas
principais, sem que destas sejam parte integrante12 (exemplos: as
máquinas utilizadas em uma fábrica, os implementos agrícolas, as
provisões de combustível, os aparelhos de ar condicionado).
Entende Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona que tal categoria está
consagrada no art. 93 do C.C. e, ainda traçam os caracteres da pertença.
Quais sejam: um vínculo material ou ideal, mas sempre intencional,
estabelecendo por quem faz uso da coisa e o fim m virtude do qual a
põe a serviço da coisa principal; um destino não transitório da coisa
principal; uma destinação de fato e concreta da pertença colocada a
serviço do bem principal.
Os bens imóveis compreendem assim, o solo, com sua superfície,
os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e

71
Gisele Leite

frutos pendentes, espaço aéreo e o subsolo. As árvores destinadas ao


corte, utilizadas pela madeireira, são consideradas bens móveis por
antecipação.
Acessão significa incorporação, união física com aumento de
volume da coisa principal. Vale advertir não perderem a natureza de
imóveis os materiais provisoriamente separados de um prédio para nele
mesmo se reempregarem (exemplos: retiradas de telhas, reforma de
vigas de sustentação e, etc.). Bem como edificações que apartadas do
solo, porém, conservando sua unidade, forem removidas para outro local
( art. 81, I, II do C.C.).
Bens imóveis por determinação legal, onde não prevalece a natureza
física do bem, e, sim a vontade do legislador. Seriam os direitos reais
sobre imóveis e as ações que os asseguram, e o direito à sucessão aberta
(art. 44 do C.C. e art. 80, I, II C.C.). Já não mais se incluem os títulos da
dívida pública.
Bens móveis por sua própria natureza, pois são bens que sem
deterioração de sua substância podem ser transportados para outro local,
mediante o uso de força alheia. É o caso dos objetos pessoais (livros,
roupas, carteiras, bolsas).
Bens móveis por determinação legal as energias de valor
econômico, os direitos reais sobre bens móveis e as ações
correspondentes, os direitos pessoais de caráter patrimonial e as
respectivas ações (art. 83 C.C.).
Os bens semoventes13 possuem a mesma disciplina jurídica dos bens
móveis por natureza (art. 82 C.C.). Os navios e aeronaves são bens
móveis especiais ou sui generis necessitam de registro especial e
admitem a hipoteca.
Quanto à fungibilidade, podemos classificar os bens em: infungíveis
aqueles que não podem ser substituídos por outros da mesma espécie,
quantidade e qualidade.
São chamados de bens personalizados ou individualizados, é
conveniente sublinhar que os bens imóveis são sempre considerados
bens infungíveis.

72
Teoria Geral do Direito

Os veículos também são infungíveis e são identificados pelo número


do chassi. Às vezes, a infungibilidade pode ter origem na vontade do
titular do bem. A fungibilidade, ou não, de determinado bem, portanto,
resulta de sua individuação, mas nada obsta que a vontade das partes
venha a tornar infungíveis certas coisas fungíveis. Exemplo claro é a
cesta de flores de cerimonial nupcial que é usada para ornamento ou
um livro autografado pelo seu autor.
Bens fungíveis são aqueles preceituados no art. 65 C.C., podem ser
substituídos por outros da mesma qualidade e quantidade. Na sua
maioria, os bens móveis são fungíveis, mas podem ser infungíveis como
os automóveis, as obras de arte em geral. Só a guisa de ilustração, o
contrato de mútuo constitui a cessão gratuita de coisas fungíveis
(empréstimo de consumo) enquanto que o comodato é o contrato
gratuito que institui empréstimo de coisas infungíveis constituindo-se
empréstimo de uso.
O credor de coisa infungível não pode ser obrigado a receber outra
coisa ainda que mais valiosa, é o que prevê explicitamente o art. 313 do
Código Civil de 2002.
A classificação quanto à consuntibilidade14, nos trazem os bens
consumíveis e inconsumíveis. É curial ressaltar que o consumo do bem
implica em sua destruição, a consutibilidade é física (e fática). Se o
bem pode ser ou não ser objeto de consumo, se pode ou não ser alienado,
a consuntibilidade é jurídica (ou de direito).
Maior pertinência possui o critério da consutibilidade física,
portanto. Bens consumíveis são bens móveis cujo uso importa em sua
destruição imediata (art. 86 C.C.). Admitem apenas uma utilização,
perecendo logo em seguida. Os bens destinados à alienação também
são consumíveis.
Bens inconsumíveis são os que permitem reiteradas utilizações,
retirando-se dele utilidade sem lhe acarretar deterioração. A qualidade
vista no sentido econômico.
Não se pode confundir fungibilidade com consuntibilidade. O bem
pode ser consumível e ao mesmo tempo ser infungível, como por

73
Gisele Leite

exemplo, a última garrafa de um vinho famoso. Como também é possível


o bem ser inconsumível e fungível, caso de uma ferramenta ou de um
simples talher.
O art. 26 do CDC nos traz a baila outra classificação quanto à
consuntibilidade, física ou fática. Aliás, pela legislação consumerista
os produtos ou bens podem ser divididos em duráveis e não-duráveis.
Sendo os duráveis aqueles que não desaparecem facilmente com o
consumo. Tal fato é relevante, pois os prazos para reclamação de vícios
podem variar de 90 a 30 dias, a contar da tradição (se tratando de vício
aparente) ou do conhecimento do vício (quando se tratar de vício oculto).
Ainda temos a classificação que prevê os bens divisíveis e
indivisíveis (art. 87 C.C.). São indivisíveis aqueles que não podem ser
partilhados comodamente posto que isto acarretaria desvalorização ou
perda das suas qualidades essenciais do todo.
A indivisibilidade pode decorrer da natureza do bem, mas também
de imposição legal ou ainda da vontade do proprietário (convencional).
O típico exemplo de indivisibilidade legal é a de herança que permanece
uma até a partilha (art. 1.784 C.C.) e, o de convencional está presente
no art. 1.320 CC, mas tal estado de indivisão convencional ou voluntária
não poderá exceder a cinco (5) anos.
Quanto à individualidade temos bens singulares ou individuais (art.89
C.C.) e podem ser simples (como um cavalo, por exemplo) ou
compostas (quando a coesão decorre do engenho humano, como por
exemplo, um carro, um avião ou um relógio).
Há ainda, os bens coletivos que são constituídos de vários bens
singulares que estão agregados num todo. Os bens universais decorrem
de uma união fática ou jurídica. Temos as universalidades de fato onde
os bens singulares, corpóreos e homogêneos são ligados entre si pela
vontade humana e possuem utilização unitária.
É o caso do art.90 C.C. É o caso de uma alcatéia, biblioteca,
pinacoteca, etc... Já as universalidades de direito se traduz por ser
conjunto de bens singulares tangíveis ou não, a que uma ficção legal,

74
Teoria Geral do Direito

com intuito de produzir certos efeitos dá uma unidade individualizada.


Exemplos: massa falida e outros entes despersonalizados.
Os bens ainda podem ser principais ou independentes (art. 92 C.C.)
e bens acessórios ou dependentes que cuja existência e finalidade
dependem de um outro bem, denominado bem principal.
Há um vigoroso princípio geral de direito civil15 que se aplica aos
bens acessórios, outrora previsto no art. 59 do C.C. de 1916 e que não
foi reproduzido in litteris no novo codex, mas que continua emergente
e vigente em diversos dispositivos legais.
São bens acessórios os frutos, produtos, pertenças, partes
integrantes, benfeitorias.
Frutos são bens acessórios que têm sua origem no bem principal,
mantendo a integridade desse último, sem diminuição de sua substância
ou quantidade.
E podem ser classificados em: naturais16 (decorrentes da natureza),
industriais (decorrentes da atividade humana) e, frutos civis.
Os frutos civis17 são decorrentes de uma relação jurídica econômica
de natureza privada também chamados de rendimentos. É o caso de
valores recebidos de aluguel, juros de capital, multas e dividendos de
ações.
Quanto ao estado ainda podemos classificar os frutos como
pendentes (ligados ao principal e ainda não colhidos); frutos percebidos
(já separados e colhidos do principal); frutos estantes (colhidos e
armazenados); frutos percipiendos (que deviam ser colhidos mas não o
foram) e frutos consumidos (já colhidos e que já não existem mais).
Produtos são bens acessórios que saem da coisa principal,
diminuindo a substância principal.
Benfeitorias são bens acessórios introduzidos em um bem móvel
ou imóvel sua classificação remonta ao direito romano (art. 96 do C.C.
de 2002). Temos as necessárias são essenciais ao bem principal e visam
conservá-la ou evitar sua deterioração.

75
Gisele Leite

As úteis são as que aumentam ou facilitam o uso da coisa e as


voluptuárias são as de mero deleite, de mero luxo apenas tornam mais
agradável o uso da coisa.
A classificação das benfeitorias pode efetivamente variar conforme
a destinação ou localização do bem principal. Não se pode confundir o
conceito de benfeitorias com o de acessões conforme os termos do
art. 97 do C.C. que são incorporações introduzidas em outro bem, seja
pelo proprietário, possuidor ou detentor.
Com relação ao titular do domínio, os bens podem ser particulares
(ou privados) e públicos (ou do Estado). Pablo Stolze e Rodolfo
Pamplona conceituam os bens privados por exclusão como aqueles
que não pertencem ao domínio público, e sim, a iniciativa privada.
Já os bens públicos pertencem à entidade de direito público interno
(União, Estados, Distrito Federal, Municípios, entre os outros previstos
no art. 98 C.C.). E podem ser classificados:
Bens de uso geral ou comum do povo (previstos no art. 99, I C.C.)
são destinados à utilização do público em geral, sem permissão especial.
È o caso das praças, jardins, ruas, estradas, mares, lagos, rios, praias,
golfos entre outros.
O meio ambiente ou bem ambiental é espécie do gênero bem
público de uso geral do povo, mas com natureza difusa e não pública.
Os bens de uso especial são previstos no art. 99, II do C.C. são os
edifícios e terrenos utilizados pelo próprio Estado para execução de
serviço público especial, havendo uma destinação especial, que é
chamada afetação. São bens de uso especial os prédios e repartições
públicas.
Os bens dominicais ou dominiais são previstos no art. 99, III do
C.C. são partes do patrimônio disponível e alienável da pessoa jurídica
de direito público incluindo móveis quanto imóveis. São exemplos, os
terrenos de marinha, as terras devolutas, as estradas de ferro, as ilhas
em rios navegáveis, os sítios arqueológicos, as jazidas minerais, o mar
territorial e outros (art. 66, III, art. 9, III C.C.).

76
Teoria Geral do Direito

Odete Medauar adverte que “o ordenamento brasileiro inclina-se


à publicização do regime dos bens pertencentes às empresas públicas,
sociedades de economia mista e entidades controladas pelo Poder
Público”.
Cumpre destacar a mensagem contida no parágrafo único do art. 99
do C.C. que dispõe, “não dispondo a lei em contrário, consideram-se
dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público
a que se tenha dado estrutura de direito privado”.
Por exclusão, o que não pertencer ao domínio federal, estadual,
ingressa no patrimônio público municipal.
Os direitos da pessoa jurídica de direito público sobre seus bens
são imprescritíveis. Daí, impossível usucapi-los conforme prevê o art.
191 da CF, art. 102 do C.C.
Por derradeiro, temos o bem de família inspirado no homestead18
existe em duas modalidades: a de forma convencional que é o chamado
bem de família voluntário decorrente da vontade dos chefes da família
conforme o procedimento previsto nos arts. 260 a 265 da Lei 6.015/
1973 (Lei de Registros Públicos), ou seja, por meio de escritura pública
ou testamento e com a devida publicação em imprensa oficial.
Tal modalidade terá que respeitar o limite máximo de 1/3 de todo
patrimônio líquido familiar e sua impenhorabilidade, inalienabilidade
durarão enquanto viverem os cônjuges ou até que os filhos atinjam a
maioridade( 18 anos).
Tal proteção é aplicável a qualquer entidade familiar seja esta oriunda
de casamento, união estável, concubinato, família monoparental ou por
adoção.
A impenhorabilidade in casu não trata a lei da inalienabilidade do
bem abrange além do imóvel residencial, também as construções,
plantações, benfeitorias de qualquer e todos os equipamentos, inclusivo,
de uso profissional, ou móveis que guarneçam a casa, ressalvados, os
veículos, obras de arte e adornos suntuosos.

77
Gisele Leite

Discute-se se a impenhorabilidade do bem de família se estende


até os bens móveis. Têm sido tidos também como impenhoráveis por
força da Lei 8.009/90, incluindo a garagem do apartamento residencial.
O norte hermenêutico indica que a qualificação de bem de família
não deve se restringir ao apenas indispensável para a subsistência, mas
sim, ao necessário para uma vida familiar digna.
A impenhorabilidade conferida pelo art. 3º, da Lei 8.009/90 é
oponível a qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária,
trabalhista, ou de outra natureza, salvo se movido por créditos
trabalhistas, títulos de créditos decorrentes do financiamento ou
aquisição do imóvel; do crédito relativo a pensão alimentícia, para
cobrança de impostos predial ou territorial, taxas condominiais e outras
devidas em função do imóvel familiar.
Portanto, a impenhorabilidade não é absoluta. Impostos como o IR
e o ISS não autorizam a Fazenda Pública solicitar penhora do bem da
família. Também são exceções à impenhorabilidade do bem de família:
para a execução de hipoteca sobre imóvel oferecido como garantia real;
ou por ser o imóvel produto de crime ou execução de sentença penal
condenatória de ressarcimento ou perdimento de bens. E ainda, a Lei
8.245/91 correlaciona outra exceção relativa à obrigação decorrente
de fiança no contrato locatício.
Já o bem de família legal por força da Lei 8.009/90 é automático
não possui limitação patrimonial. Existindo entendimento simulado que
o devedor poderá invocar a proteção legal, mesmo que a penhora ocorra
antes de 1990 (Súmula 205 STJ).
Outro fato relevante que a instituição do bem de família visa proteger
mesmo o patrimônio da pessoa solteira, casada, viúva, desquitada e
divorciada. E nesse sentido já opinou o Ministro Luiz Vicente
Cernicchiaro.
Coisas ou bens fora do comércio19 ou inalienáveis consistentes
naqueles que podem ser negociados. Podem ser inapropriavéis pela
própria natureza (tais como o mar, ar e a luz solar) são conhecidas como
res communes omnium (coisas comuns a todos). Não são exatamente

78
Teoria Geral do Direito

coisas por lhe faltarem o requisito de ocupabilidade.


Bens legalmente inalienáveis embora materialmente apropriáveis,
possui sua comercialização vedada por lei para proteger interesses
econômico-sociais e promover a escorreita proteção das pessoas. É o
caso dos bens públicos de uso comum do povo, dos bens dotais, terras
ocupadas por índios e o bem de família.
Há bens inalienáveis pela vontade humana, por atos jurídicos
gratuitos, gravando o bem com a cláusula de inalienabilidade e
impenhorabilidade.
Por fim, temos a res nullius, coisa de ninguém que não pertence a
nenhum titular, mas poderá pertencer, por exemplo, através da ocupação.
E, ainda temos a res derelictae20 que á coisa abandonada, decorrente
do abandono voluntário de seu titular. Sendo distinta da res desperdita
ou a coisa perdida (involuntariamente) que continua abstratamente a
pertencer ao patrimônio de seu titular.

Referências

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Moraes. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da
República. Volume I Parte Geral e Obrigações (art. 1º. a 420),
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República. Volume II (arts 421 a 965), Rio de Janeiro, Editora
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Rio de Janeiro, Editora Lúmen Juris, 2005.

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Gisele Leite

CAMPOS, Paulo Antônio de Lara. Comentários à parte geral do Código


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WALD, Arnoldo. Direito civil. Introdução e parte geral. 9ª. Edição
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: parte geral,
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GIORDANI, José Acir Lessa. Curso Básico de Direito Civil Parte Geral
3ª. Edição Rio de Janeiro, Editora Lúmen Iuris, 2004.
GAGLIANO, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de
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COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, volume1, São Paulo,
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LEITE, GISELE. Considerações sobre caso fortuito e força maior. Jus
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doutrinas_e_pecas/ver/20117>
__________. Considerações sobre ato ilícito. Jus Vigilantibus.
Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/19847>
__________. Considerações de extinção dos contratos Jus
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ver/20560.
__________. Alguns Principais Conceitos em Direito. Jus
Vigilantibus. Disponível em: <http://jusvi.com/
doutrinas_e_pecas/ver/2744>

80
Teoria Geral do Direito

__________. Os princípios cardeais que regem o Registro de Imóveis.


Jus Vigilantibus. Disponível em: //http//jusvi.com/
doutrinas_e_pecas/ver/2173>
__________. Roteiro sobre o princípio da boa fé objetiva. Jus
Vigilantibus. Disponível em: http:// jusvi.com/doutrinas _ e_
pecas/ver/223634>

Adendos sobre o texto de bens

1. Coisa ou cousa é tudo quanto existe na natureza sensível ou nosso


pensamento isola no mundo das idéias (Bonfante, Corso di Diritto
Romano II, p.3 e Girard Droit Romain, p. 260).
Só interessa ao Direito as coisas como objeto dos direitos.
O termo latino para designar coisa é res ou pecunia, mas res tem
sentido mais amplo do que pecunia, pois abrange também as cousas
que estão fora do patrimônio, ao passo que pecunia (pecunia
numerata), mas também os móveis e os imóveis e até os direitos
correlatos.
Coisas corpóreas segundo Zenão e os filósofos estóicos não é só
o que se pode ver e tocar, mas também o que se pode sentir, como a voz
humana. Sêneca chama as coisas incorpóreas de intelectuais.
Gaio transportou para suas Institutas que distribuem coisas em
corpóreas e incorpóreas e dizem que as primeiras são coisas tangíveis,
exemplo: terreno, escravo, ouro, prata.
As coisas intangíveis consistente em direitos como a sucessão (in
successionis), o usufruto, as obrigações. As Institutas de Justiniano e o
Digesto perfilham essa classificação estranha ao antigo direito romano.
Materialmente todas as coisas são divisíveis, porque se pode levar
a divisão delas, pelo menos teoricamente, além do átomo. A
divisibilidade que cogita o direito é sob aspecto econômico. São

81
Gisele Leite

divisíveis as coisas que se podem dividir em partes distintas e


homogêneas, conservando cada uma, valor mais menos proporcional
com o todo. Indivisíveis são as coisas em que isso não se verifica: um
terreno, uma barra de metal, uma peça de fazenda são coisas divisíveis;
Já um escravo, uma estátua, um moinho são coisas indivisíveis.
Rigorosamente todas as coisas são consumíveis pois o tempo tudo
gasta ou destrói. O conceito jurídico de consumibilidade é inspirado
no fato de que as coisas se destroem com o uso normal delas. Exemplos:
os alimentos, as bebidas, o óleo, a lenha (consumibilidade física) ou
que se destinam à alienação, como dinheiro, os livros e as mercadorias
expostas à venda (consumibilidade jurídica) porque, uma vez alienadas,
de certo modo, se extinguem para o proprietário.
As coisas fungíveis são aqueles que não se avaliam individualmente,
mas genericamente, contando, pesando ou medido. Os romanos
chamavam-nas res quae pondere numero mensurave constant;
expressão exata porém prolixa, vindo um jurista alemão do tempo da
Renascença Ulrico Zásio criou para substituí-la a locução bárbara res
fungibilis tirado de um texto de Paulo, onde se diz, com referência as
coisas que se pesam, se contam ou se medem que, quando são da mesma
espécie, fazem as vezes uma da outra; in genere suo functionem
recipiunt.
A expressão coisas fungíveis apesar de criticada pro sua origem
espúria sob ponto de vista filológico, teve fortuna brilhante, pois se
perpetuou na doutrina e legislações modernas.
As coisas consumíveis coincidem com as fungíveis (cereais, vinho,
óleo, dinheiro) e essa coincidência tem induzido a erro dos conceitos
que tais expressões traduzem. Mas as coisas consumíveis e
inconsumíveis, de um lado, e as coisas fungíveis e infungíveis de outro
lado, discriminam-se por caracteres bem nítidos:
a) a fungibilidade é como bem ensina Clóvis Beviláqua, uma idéia
de relação, é o resultado da comparação de duas coisas que se
consideram equivalentes, ao passo que consumibilidade das coisas é
uma qualidade própria delas (consumo natural) ou decorrente do seu
destino (consumo jurídico); são, pois, predicados diferentes que se

82
Teoria Geral do Direito

atribuem às coisas por motivos diversos: não há coincidência teórica


entre as duas categorias;
b) as coisas fungíveis, visto serem consideradas no seu gênero, são
imperecíveis; ao passo que as coisas consumíveis são perecíveis por
definição;
c) a distinção entre coisa consumível e fungível ressalta nítida,
quando uma coisa desta última qualidade se infungibiliza, exemplo:
quando o ato jurídico tem por objeto vinho de certo tonel: nesse caso o
vinho é coisa fungível, mas consumível; inversamente, os exemplares
da mesma edição de um livro, numa biblioteca, são fungíveis, mas
inconsumíveis.
2. Bem é tudo aquilo que nos traz uma satisfação. Temos bens
jurídicos, isto é, aqueles que são efetivamente protegidos pela lei, e
bens não jurídicos, ou seja, aqueles que, em razão de sua pouca
importância, não são tutelados pelas normas jurídicas. Os bens jurídicos
podem ser econômicos ou não econômicos.
3. Relações jurídicas relações jurídicas possuem elementos
constitutivos: elementos subjetivos (sujeitos de direito, credor e o
devedor); elemento objetivo e imediato que é a prestação; elemento
imaterial, virtual ou espiritual: (vínculo existente entre as partes).
Todas as vezes em que uma relação social é especialmente
qualificada pela norma jurídica, chamamos de relação jurídica. No seio
da relação jurídica, pode se estabelecer, francamente, uma dependência
qualquer, entre uma coisa e a vontade de uma pessoa, mas esta
dependência, esse interessem que pode prender a coisa ao homem, não
faz parte da relação jurídica.
Na relação jurídica temos sempre em vista dois homens ou
pluralidade destes. Encontram-se dois elementos: um direito e um dever.
O dever contido nesta está qualificado por uma norma de comando. O
dever é o elemento fundamental e básico da relação jurídica.
4. Direitos de personalidade vide o artigo no link: http://jusvi.com/
doutrinas_e_pecas/ver/22594

83
Gisele Leite

(direito à vida, direito à integridade física, direito à integridade


psíquica, direito à vida e o direito à morte digna).
5. Direitos sobre direitos, por exemplo: legado de alimentos,
usufruto de crédito, penhor de créditos.
6. Só uma coisa permite que o patrimônio se separe do homem
enquanto titular e, esta é, para pessoa natural, a morte.
7. Indivisibilidade natural ou física e a indivisibilidade jurídica. A
rigor, todas as coisas e bens são divisíveis, é critério da economicidade
e da utilidade que vai decretar a classificação de divisíveis e indivisíveis.
Há também a chamada indivisibilidade convencional que só pode durar
no máximo 5 (cinco) anos.
8. Na universitas iuris temos coisas e direitos, mas mesmos as
coisas corpóreas são consideradas sob o ângulo dos direitos que se
tem, sobre elas. Não se considera o bem, mas o direito à propriedade
que se tem sobre estes.
9. Teoria do patrimônio mínimo da pessoa Luiz Edson Fachin – vai
ao encontro dessas tendências: põe em primeiro plano a pessoa e
suas necessidade fundamentais.
Caio Mário “Não se pode admitir pessoa humana sem patrimônio”.
Exemplos contundentes da adoção dessa teoria:
a) bem de família;
b) óbice à prodigalidade (vedada a doação da totalidade do
patrimônio, sem que seja resguardado um mínimo );
c) impenhorabilidade de determinados bens (CPC 648 e 649).
10. Vige tormentosa discussão apesar da Lei de Biossegurança se o
embrião criogenizado é objeto de direito ou sujeito de direito. A maioria
da doutrina entende que é objeto de direito. No entanto, se implantado
no útero materno, após a nona semana, se torna nascituro e já goza de
expectativa de direito e de direitos futuros, e da tutela de seus direitos
potenciais.

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Teoria Geral do Direito

11. Pertenças (têm existência própria) - bens que não constituem


partes integrantes destinam-se de modo duradouro ao uso, serviço, ou
aformoseamento de outro.
Ex: art. 93 C.C. - tapetes de um prédio; máquinas e ar-condicionado
de uma fábrica – não seguem a sorte do principal – art. 94 C.C.
12. De acordo com Maria Helena Diniz são bens acessórios que
estão unidos ao bem principal, formando com este último um todo
independente. As partes integrantes são desprovidas de existência
material própria, mesmo mantendo sua integridade. Exemplo: a lâmpada
em relação ao lustre.
13. Diz-se da coisa animada que, movimentando-se por si só, é
suscetível de afastar-se de determinado lugar. São bens móveis.
14. Consumíveis (bens cujo uso importa destruição imediata da
coisa- alimentos) e inconsumíveis (livro- bens que admitem uso
constante).Consuntibilidade natural e consuntibilidade jurídica ou
de direito (parte final do art. 86- roupa colocada à venda na loja).
O exemplo melhor de coisa consumível é o alimento. Só há uma
maneira de usá-lo que é consumi-lo. O dinheiro, por exemplo, questiona
com vigor San Tiago Dantas, é consumível ou inconsumível? Se
considerá-lo , tendo em vista o patrimônio daqueles que o gastam, pode-
se dizer que é consumível, mas, se o considerar-se como coisa em si,
ele é inconsumível porque em torno das transações, este apenas se
desloca, de mão em mão sem perder sua integridade e seu valor.
15. Os acessórios seguem o principal embora não repetido no C.C.
de 2002, está presente em muitos outros dispositivos legais do mesmo
diploma legal.
16 e 17. Frutos – utilidades produzidas com periodicidade pelo
principal e sua percepção não altera a substância do bem.
Espécies: civis (rendimentos); naturais (provêem da força animal
ou vegetal); industriais (decorrem da ação humana)/ pendentes (ainda
unidos à coisa); percebidos ou colhidos ( já separados da coisa, mas

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Gisele Leite

ainda existentes); estantes (já separados e estocados); percipiendos


(deveriam ter sido separados e não foram); consumidos (frutos que
não mais existem).
Atenção art. 1215 C.C.! Frutos naturais e industriais são
percebidos com a separação da coisa e os civis dia-a-dia (sem
necessidade de ato material).
18. Bem de família – Princípio da responsabilidade patrimonial
do devedor- art. 591 CPC - o devedor responde com o seu patrimônio
presente e futuro. Exceções (bens excluídos do cumprimento das
obrigações: 648 e 649 CPC e bem de família)
=>preserva bens do patrimônio do devedor = valor mais elevado:
proteção da pessoa humana, art. 1, III, da CF (teoria do patrimônio
mínimo).
Dualidade de regimes: a) Bem de família convencional (arts. 1711
a 1722 CC).
Pressuposto: solvência do instituidor => ineficaz em relação aos
credores que tenha no momento da instituição
Características:
.Impossibilidade de ter o prédio destino diferente, não podendo
nem mesmo ser alienado sem consentimento dos interessados;
.Instituição mediante testamento ou escritura pública,
constituindo-se pelo registro no Cartório de Imóveis (RGI);
.Não pode ultrapassar um terço do patrimônio líquido do instituidor;
.Só admite a penhora em casos restritos: tributo devido em razão
do próprio bem (IPTU, p. ex) e dívidas de condomínio;
.Efeito de impenhorabilidade e inalienabilidade (art. 1714)
.Novidade arts. 1712 e 1713: abranger valores mobiliários
(créditos por dinheiro, ações, debêntures, obrigações, títulos
negociáveis, etc) cuja renda venha a ser aplicada na conservação do
imóvel e no sustento da família.

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Teoria Geral do Direito

.Legitimação para instituição: casal e terceiro- art. 1711 caput e


par. único e art. 1714;
.Duração: não há extinção pela dissolução da entidade familiar
(1721); extingue com a morte de ambos os cônjuges e maioridade dos
filhos desde que não estejam sob curatela (art. 1722). E se morrer só
um cônjuge? Art. 1721, par. único.
.Intervenção do MP => Novidade (arts. 1717 e 1719) Não precisa
existir incapaz ou ser disposição de última vontade.
.Intervenção obrigatória do MP em questões de ALIENAÇÃO,
EXTINÇÃO OU SUB-ROGAÇÃO do bem de família (no bem da família
legal a intervenção é tb. obrigatória – velar pela fiel efetivação da lei)
=> falta de intimação = nulidade obrigatória (art. 246, CPC)
.b) Bem de família legal ou obrigatório (Lei 8009/90)
art. 1º., da lei 8009/90=> garantia do domicílio: direito social (art.
6, CF).
Características:
.Se possuir mais de um imóvel o bem de família é o de menor valor,
mesmo que resida no mais valioso;
.Independe da vontade do titular => traz o benefício apenas da
impenhorabilidade (não só do imóvel, móveis que guarnecem o lar,
desde que quitados, plantações, benfeitorias, etc);
.Súmula 205 STJ = entendeu-se que não viola o direito adquirido
do credor exeqüente, aplicando-se à penhora realizada antes de sua
vigência;
.Art. 2 não são alcançados pela impenhorabilidade: veículos de
transporte, obras de arte e adornos suntuosos;
.Exceções à regra da impenhorabilidade: art. 3. Observação: Inciso
IV inclui taxa de condomínio (STJ); Inciso VII - permite a penhora do
imóvel que serve de moradia para o fiador STF - reconhece a
constitucionalidade apesar da doutrina criticar (viola isonomia:trata
diferente duas obrigações com igual fundamento).

87
Gisele Leite

.Ampla compreensão de família: irmãos, tio e sobrinho, avós e netos,


uniões homoafetivas, etc.
.Momento adequado de alegação: embargos do devedor. A qualquer
tempo até nas instâncias extraordinárias e ex officio pelo juiz (ordem
pública).
Jurisprudência selecionada:
Agravo de Instrumento. Ação de execução. Penhora. Bens que
guarnecem a casa do devedor solteiro e que mora sozinho. Inviabilidade.
A lei 8009-90, além de proteger a família do devedor, destina-se,
também, a resguardar a dignidade da moradia deste (TJ-RS, Ac. 2 Cam.
Especial Cível, j. 28.06.01)
19.Coisas extra commercium são insusceptíveis de apropriação
particular ou alienação; coisas in commercio são aquelas a respeito das
quais não se verifica essa impossibilidade. As coisas da primeira
categoria dividem-se em res divini iuris e res humani iuris.
A res divini iuris subdividem-se em res sacrae, res religiosae e
res sanetae.
A res sacrae eram coisas sagradas (templos e objetos do culto)
consagradas aos deuses superiores considerados seus proprietários, na
época pagã e a Deus, na época cristã, em que pertencem às igrejas.
A res religiosae eram coisas deixadas para os manes ou deuses
inferiores, que eram as almas dos defuntos divinizadas pela morte, a
quem se acreditava que essas coisas pertenciam. Consistem
praticamente nas sepulturas, onde se acreditava que os manes moravam
e que por isso se subtraíam ao comércio dos vivos.
Na época cristã não havia essa crença, mas, no entanto, a sepultura
não perdeu o caráter religioso e inalienável, decorrente agora do
respeito aos mortos. Era res religiosa tanto a sepultura do cidadão
romano como a de um escravo, pois a morte dizia Cícero apaga as
diferenças que a fortuna estabelece entre os homens. Mas esse
nivelamento post mortem não se estendia ao estrangeiro cuja sepultura
poderia ser profana e podia ser impunemente violada.

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Teoria Geral do Direito

Quanto ao cadáver se fosse despedaçado, as diversas partes


enterradas em lugares diversas, somente ficava sendo religioso o lugar
onde se achava inumada a cabeça.
Outra coisa religiosa é o cadáver humano que podia ser objeto de
relações jurídicas patrimoniais, é o que nos indica Scialoja.
No Oriente tolerava-se uma prática abusiva onde cabia o seqüestro
de cadáver do devedor pelo credor. Não significa penhora do cadáver,
mas apenas um recurso indireto para constranger os herdeiros a pagarem
ou garantirem a dívida, pois se acreditava que enquanto não sepultassem
o devedor, eles seriam perseguidos pelos seus manes e não teriam paz.
Justiniano condenou, proibiu e puniu tal praxe bárbara.
Res sanctae diziam-se daquelas que estavam sob a proteção especial
dos deuses; eram os muros, portas das cidades, e, provavelmente, no
direito antigo, os limites dos agrilimitati, isto é, dos campos
demarcados por agrimensores oficiais.
As coisas extra commercium humani iuris dividem em comuns (res
communes omnium) e públicas (res publicae).
As coisas comuns são as que estão à disposição de todos os homens
(ominibus patent) ou, como, diz Perozzi pertencem ao gênero humano:
o ar, água corrente, por ser tal inapreensível, o mar, o solo submarino e,
por serem acessório do mar, as suas praias, até onde chegam as mais
altas marés.
Tais coisas são em conjunto insusceptíveis de propriedade
particular, entretanto, sendo comum a todos o seu uso, desde que
respeitados os regulamentos administrativos, utilizando-se delas, como
exemplo, temos tirar da água corrente, edificar no mar ou no seu litoral,
tornando-se dono não só do edifício, mas também do solo
correspondente na praia ou terreno submarino; mas uma vez destruída a
construção, o solo readquire, por uma espécie de posliminium, o caráter
de coisa comum.
Curial esclarecer que em nosso direito, as praias são terrenos de
marinha e pertencem a União até 33 metros para a parte da terra,

89
Gisele Leite

medidos do ponto a que chegava o preamar médio em 1831(Instruções


de 14 de novembro de 1832, art. 4 Dec. 4.105 de 22.02.1868, art. I,§
1º., decretos-leis 2490, de 16.08.1940, art. 3 e 3438 de 17 de julho de
1941, art. 1).
(In Curso de Direito Romano, Tomo I, José Carlos de Matos
Peixoto, 4ª. edição,1997, Editora Renovar, Rio de Janeiro)
Coisas públicas são as destinadas ao uso comum do poço quer as
pertencentes ao Estado, como portos, rios perenes, os uso das suas
margens e grandes estradas públicas, quer em linguagem menos própria,
mas usual, as pertencentes às cidades, como praças, ruas, estádios,
teatros e as basílicas. Frise-se que essas se distinguem das que
constituíam o patrimônio do Estado, como terrenos, os edifícios, os
escravos, os dinheiros públicos, as minas, o território a presa de guerra,
correspondentes, salvo diferenças intuitivas, ais bens públicos de uso
especial e dominicais.
As coisas supramencionadas são extra commercium em sentido
absoluto, há porém, coisas extra commercium em sentido relativo e
são coisas pertencentes a particulares e cuja alienação, por motivos
especiais, é proibida, por exemplos, as coisas litigiosas, os imóveis
dotas sitos na Itália, os prédios pertencentes aos menores sob tutela.
A res in commercio susceptíveis de propriedade particular e de
alienação, dividem-se em res extra patrimonium e res in patrimônio:
estas últimas são coisas alienáveis componentes do patrimônio de
alguém; as primeiras são as coisas susceptíveis de propriedade
particular, mas que não estão no patrimônio de alguém, ou porque
ninguém delas se apropriou (res nullius), ex: a ave ou peixe em liberdade
no ar ou no mar, ou porque o dono as abandonou (res derelictae).
O Novo Código Civil diferentemente do anterior não cogitou
expressamente sobre as coisas fora do comércio, embora seja tema de
interesse doutrinário.
De modo em geral, todos os bens podem ser apropriados e
alienados, tanto a título oneroso como a título gratuito. Existem
exceções a essa regra, constituindo-se o que se convencionou a chamar

90
Teoria Geral do Direito

de bens fora do comércio ou inalienáveis, consistente naqueles que


não podem ser negociados.
A expressão “comércio” é usada no sentido da possibilidade de
circulação e transferência de bens de um patrimônio para outro
(susceptibilidade de apropriação), mediante compra e venda, doação
etc.
Tais bens se classificam em:
a) inapropriavéis pela própria natureza: bens de uso inexaurível
como mar, ar e luz solar. São conhecidas como res communes omnium
(coisas comuns a todos) que não podem ser chamadas propriamente de
coisas, pois falta o requisito de ocupabilidade. Nesta classificação
enquadram-se, também os direitos personalíssimos, uma vez que são
insusceptíveis de apropriação material, havendo também norma legal
que embase tal circunstância (art. 11 do Código Civil).
b) legalmente inalienáveis: bens que, embora sejam materialmente
apropriáveis, têm sua livre comercialização vedada por lei para atender
a interesses econômico-sociais, de defesa social ou proteção de
pessoas. Só excepcionalmente podem ser alienados, o que exige lei
específica ou decisão judicial (alvará). É o caso dos bens públicos de
uso comum do povo, bens dotais, terras ocupadas pelos índios, bem de
família, etc. São também chamados de bens com inalienabilidade real
ou objetiva, ou absoluta;
c) inalienáveis pela vontade humana: são aqueles que por ato de
vontade, em negócios gratuitos, são excluídos do comércio jurídico,
gravando-se a cláusula de inalienabilidade/impenhorabilidade. Admitem-
se a relativização de tais cláusulas, pela via judicial, em situações
excepcionais, como moléstias graves, para garantir a utilidade do bem,
mas, nesse caso, o sentido da jurisprudência é na busca da prevalência
do fim social da norma. Também são chamados de bens como
inalienabilidade pessoal, subjetiva ou relativa.
Res para os romanos designava tudo quanto existe na natureza,
presentemente ou de futuro, animado ou inanimado, produto material ou
ideal da inteligência Tudo que está sujeito à ação dos nossos sentidos, é

91
Gisele Leite

coisa, Não exprimia apenas uma entidade objetiva e real, uma


representação viva da matéria, como pensa Bonfante, com base no corpus,
portanto visível, tangível. Entretanto, não só a materialidade caracteriza a
coisa, como exemplo, a honorabilidade do indivíduo (existimátio).
O termo coisa compreende também uma parte da coisa (Paulo,
Digesto 50, 16, 72). Entre os filósofos a coisa (res) é tudo o que existe,
tanto as materiais como as puras concepções de espírito. (In Dicionário
de direito Romano, V. César da Silveira, 2º. Volume (K a Z), José
Bushatsky, Editor, São Paulo, 1957).
As coisas fora do comércio não admitem relação jurídica entre
particulares, porque são inapropriavéis e inalienáveis. Trata-se de
inalienabilidade real objetiva, declarada em lei como a dos bens públicos.
A inalienabilidade pessoal ou subjetiva, que melhor se chama
indisponibilidade, e é por natureza e essência, transitória, não atribui
ao bem à condição de res extra commercium, porque em última análise,
consiste numa limitação de dispor.
Os bens extra commercium são inidôneos para integrar qualquer
patrimônio. A coisa extracomércio é subtraída, na totalidade de suas
relações, ao regime jurídico privado (Ferrara).
As coisas que estão fora do comércio são completamente estranhas
ao domínio do direito civil, não podendo ser objecto de apropriação,
nem pelo modo originário da ocupação, nem pelo derivado dos
contratos ou disposições de última vontade.
[...] Estão fora do comércio por disposição da lei as coisas
destinadas ao uso público.
Não difere, neste aspecto, o entendimento de Cabral de Moncada:
Coisas fora do comércio são aquelas que, de facto, não estão
apropriadas por ninguém, nem o poderiam estar, por serem
insusceptíveis de apropriação e das relações jurídicas daí provenientes
[...] não podem ser objecto de direitos privados .’
Também Manuel Andrade diz que as coisas públicas, além de
inalienáveis e imprescritíveis, não podem ser objecto de quaisquer

92
Teoria Geral do Direito

outros negócios jurídicos de direito privado, regime este que vale em


princípio para as coisas comuns.
Sintetizando e atendo-nos ao que nos interessa salientar para o caso
em apreço, conclui-se: coisas fora do comércio são aquelas que, por
natureza ou por disposição da lei, são insusceptíveis de serem objecto
de direitos e relações jurídicas de natureza privada, não podendo,
nomeadamente, ser objecto de negócios jurídicos de direito privado.
Numa palavra: consideram-se fora do comércio todas as coisas que
não podem ser objecto de direitos privados
Ora, os terrenos baldios, por força do preceituado no art. 2.° do
Dec.-Lei 39/76, encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo
ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título.
Os baldios são propriedade comunal dos moradores de determinada
freguesia ou freguesias ou de parte delas, que exerçam a sua actividade
no local, pelo que estão fora do comércio jurídico, sendo inalienáveis.
Em conseqüência, um baldio não pode ser objecto de expropriação
por utilidade pública, em que o objectivo seja um arranjo urbanístico e
um loteamento, envolvendo a construção de habitações por particulares.

Data de Criação: 21-04-1998


Data de Actualização: 21-04-1998
Decreto-Lei n.º 39/76 de 19-01-1976 Documento (Versão: 30-
09-1976 Final) Portugal.

20. EMENTA - Furto. Coisa fora do comércio. Res nullius.


Atipicidade da conduta.
O tipo penal de furto protege o bem jurídico patrimônio e, não
havendo afetação de tal bem jurídico, é impossível cogitar-se em
tipicidade da conduta. Assim, é atípica a conduta de quem subtrai bens
que foram enterrados com sal para que se deteriorassem mais

93
Gisele Leite

rapidamente, uma vez que está evidenciado não haver mais qualquer
interesse na tutela patrimonial daqueles bens. Irrelevante a existência
de obstáculo físico para se alcançar o bem abandonado, pois a intenção
de quem se desfez da coisa de mantê-la inacessível a outrem não tem o
dom de tornar inapropriável a res, pois, se assim fosse, haveria uma
clara ofensa ao princípio da função social da propriedade, consagrado
constitucionalmente. Se ilícita a posse da coisa, responderá o réu tão-
somente nas sanções previstas pela sua posse, nunca por furto.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal Nº
328.096-0 da Comarca de PIRANGA, sendo Apelante (s): 1º) EDSON
ASSIS ROSA e 2ºs) HÉLIO GONÇALVES MACIEL, HÉRCULES
REZENDE MILAGRES e MAURÍCIO REZENDE MILAGRES e
Apelado (a) (os) (as): A JUSTIÇA PÚBLICA,
ACORDA, em Turma, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de
Alçada do Estado de Minas Gerais, DAR PROVIMENTO AOS
RECURSOS.
Presidiu o julgamento o Juiz ERONY DA SILVA (Relator) e dele
participaram os Juízes ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO
(Revisor) e MARIA CELESTE PORTO (Vogal).
O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos
demais componentes da Turma Julgadora.
Belo Horizonte, 23 de outubro de 2001.
JUIZ ERONY DA SILVA
Relator
VOTO
O SR. JUIZ ERONY DA SILVA:

94
Teoria Geral do Direito

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais denunciou, na


Comarca de Piranga, Hélio Gonçalves Maciel, Edson Assis Rosa,
Hércules Rezende Milagres e Maurício Rezende Milagres como
incursos nas sanções do art. 155 § 4º, I e IV do CP, por terem, na noite
de 10 de março de 1999, por volta das 23h00, subtraído para si as
ferramentas, armas e demais objetos descritos no auto de apreensão à
f. 23, que haviam sido enterrados em um buraco de, aproximadamente,
2 (dois) metros de diâmetro, por 2 (dois) metros de profundidade,
localizado no terreno do Ginásio Poliesportivo Hélio de Araújo Dias.
Consta ainda da exordial acusatória que tais bens pertenciam ao
Estado de Minas Gerais, e por tratar-se de instrumentos de crimes foram
enterrados por determinação das autoridades locais para não se correr
o risco de caírem em mãos criminosas, diante da pouca segurança do
fórum da comarca.
A sentença monocrática às f. 238 e seg. julgou procedente os
pedidos articulados na denúncia e condenou os réus a 2 (dois) anos de
reclusão e 10 (dez) dias-multa com valor fixado no mínimo legal. Aos
quatro foi concedido o benefício do sursis.
Inconformado, apelou Edson à f. 250, pugnando pela absolvição ao
argumento de que o fato é atípico, uma vez que a res estava abandonada.
Hélio Gonçalves Maciel, Hércules Rezende Milagres e Maurício
Rezende Milagres apelaram à f. 255 apresentando suas razões nos
termos do art. 600, § 4º, do CPP à f. 268 também argumentando pela
atipicidade da conduta.
As contra-razões ministeriais ao primeiro apelo podem ser
encontradas às f. 258 e seg. e ao segundo recurso às f. 272 e seg.,
sendo ambas pelo improvimento do recurso.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer às f. 278 e seg.,
opinou pela improcedência dos apelos.
Em suma, é o relatório.
Estando presentes os pressupostos de admissibilidade dos recursos,
deles conheço.

95
Gisele Leite

O douto Promotor de Justiça da comarca assim descreve o fato:


“Trata-se de fato delituoso com grande repercussão na comarca de
Piranga, eis que os agentes nele envolvidos, desafiando a autoridade do
Poder Judiciário local, subtraíram armas, moto-serras (sic), foices, e
vários outros objetos, coisas estas utilizadas por terceiras pessoas para
a prática de vários crimes anteriores (todos com sentenças transitada
em julgado), que foram mandadas soterrar pela autoridade judiciária,
exatamente para não se correr o risco das mesmas caírem em mãos
criminosas, diante da pouca segurança do fórum local” (o destaque
consta no original).
Tal descrição me faz lembrar das lições de Miguel Reale aos alunos
de Introdução à Ciência do Direito:
“Na Idade Média era freqüente o caso de se processar um animal,
ou de se apurar a responsabilidade das coisas, o que pareceria absurdo
ou aberrante a qualquer homem do povo, em nossos dias. Os processos
de feiticeiras muitas vezes envolviam as vassouras, às quais se atribuíam
qualidades ou aptidões que somente poderiam ser purificadas através
de um julgamento especial” (In Lições Preliminares de Direito 11ª ed.
rev. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 226-227.).
Impossível deixar de contrastar com a situação dos autos.
Certamente, estivéssemos na Idade Média a denúncia seria nas iras do
art. 351 do CP, com pena prevista de seis meses a dois anos de detenção,
mas como estamos no 3º milênio, respondem os réus pelo crime do
art. 155, § 4º, I e IV, como pena de dois a oito anos de reclusão.
Difícil é acreditar...
ZAFFARONI e PIERANGELI explicam o porquê das penas
medievais a coisas e animais:
“As sanções a coisas e animais têm por objeto fortalecer a ética
social até o limite de convencer a população de que ninguém, nem
sequer as coisas e os animais, nem tampouco os mortos, escapa à sanção
penal, todos respondendo à mesma lei penal que a tudo governa” (In
Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 2ª ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 187.).

96
Teoria Geral do Direito

Nem se diga que tais objetos não foram vítimas de qualquer tipo de
pena. Qual outro motivo justificaria o enterro de uma moto-serra avaliada
em R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais)?
Se se presumir que uma moto-serra causa risco à população tão-
somente por ter sido instrumento de um crime e, por tal razão deva ser
enterrada, certamente não sobrarão facas de cozinha e automóveis nesta
comarca.
Impressionou-me o ritual descrito pela testemunha Carlos de Araújo
Silva:
“foram cavados aproximadamente um metro e meio a dois metros;
a largura do buraco foi de aproximadamente quatro metros quadrados;
para enterrar os objetos, foi utilizado areia, cimento e sal.”
Incrível, havia até um relógio Orient dourado sem pulseira avaliado
em R$ 5,00 (cinco reais) lá enterrado...
É até justificável o sepultamento da espingarda e das munições,
mas de machados, foices, cutelos, canivetes, chuchos e, em especial,
moto-serras, realmente é lamentável.
Esses últimos, pela mais simples presunção de boa-fé, são meras
ferramentas que, ainda que bastante velhas ou mesmo estragadas,
poderiam ser reaproveitadas por pessoas que não tivessem condições
de adquirir utensílios novos.
Rogata maxima venia, enterrá-las para não permitir seu uso sobre
o singelo argumento de que já foram utilizadas na prática de crimes e,
por isso, são perigosas é retornar ao Direito Penal Medieval.
As mais de trezentas laudas deste processo certamente poderiam
ter sido evitadas se as autoridades locais tivessem se dado ao trabalho
de perguntar aos “coveiros” se algum deles se interessaria em ficar
com qualquer das ferramentas, em especial com a moto-serra.
Edson Assis Rosa afirmou à f. 79 que:
“o que mais interessou aos companheiros do depoente foi a moto-
serra”.

97
Gisele Leite

Hélio Gonçalves Maciel declarou à f. 82 que:


“o depoente ajudou a cavar e procurar a moto-serra; somente achou
a moto-serra velha”.
É bom frisar que todos os acusados são primários e é muito mais
plausível que se interessassem pelas ferramentas do que pelas armas e
munições.
Ora, se não interessava mais ao Estado a posse de tais produtos,
certamente aos acusados havia profundo interesse, tanto é que foram
ao local à noite e “exumaram” as velhas ferramentas e a cobiçada moto-
serra.
Se alguma reprovação há que se cogitar aqui, certamente é quanto
às lamentáveis condições econômicas em que vive grande parte da
população brasileira que obriga muitas pessoas a procurarem nos bens
abandonados - conhecidos por lixo, por quem os abandona - algum
utensílio capaz de ser recuperado e aproveitado.
Evidentemente não pode a lei proibir que alguém se apodere do
lixo alheio, ainda que, por qualquer motivo, quem o abandonou não
deseje que outrem dele se apodere.
O Código Civil Brasileiro ( de 1916) estabelece em seu art. 592:
(hoje corresponde ao art. 1.263 do Código Civil de 2002)
“Quem se assenhorear de coisa abandonada, ou ainda não
apropriada, pra logo que lhe adquire a propriedade, não sendo essa
ocupação defesa por lei.
Parágrafo único. Volvem a não ter dono as coisas móveis, quando
o seu as abandona, com intenção de renunciá-las.”
A defesa está repleta de razão. Não vejo como querer tipificar tal
conduta como crime de furto.
Nunca é demais lembrar que a existência de todo e qualquer crime
fundamenta-se na proteção de um bem jurídico que a sociedade elege
como de fundamental importância.

98
Teoria Geral do Direito

O furto baseia-se na proteção do bem jurídico patrimônio e é óbvio


que, se alguém tem interesse na proteção deste patrimônio, não o enterra
e manda salgá-lo.
A questão é patente. Se não houve qualquer prejuízo patrimonial,
impossível cogitar-se na existência de furto, pois não houve a necessária
afetação do bem jurídico patrimônio para a ocorrência da tipicidade da
conduta.
O fato não é típico, pois falta-lhe o elemento normativo. Os bens
não eram coisa alheia, mas sim, res nullius.
Completamente irrelevante estarem soterrados em local cercado
de arames e porteiras ou a utilização de concreto para a criação de
obstáculo a subtrações.
A objetividade dos fatos é que o Estado não tinha qualquer interesse
naquele patrimônio, tanto é que mandou salgá-lo para que se aniquilasse
mais rapidamente.
Veja-se o trato pretoriano:
“Para efeitos penais, constitui res derelicta o objeto abandonado
pelo dono e por ele expressamente afirmado sem valor, ainda que possa
ser valioso para terceiros e ainda que deixados, por comodidade, no
próprio imóvel” (TACRIMSP - JUTACRIM 82/253).
Por fim, vale lembrar sempre o texto da nossa Carta Magna que em
seu art. 5º, XXIII, afirma que:
“a propriedade atenderá a sua função social”
Não havendo mais qualquer interesse patrimonial de alguém em
relação a determinada coisa e estando isso claro e sem sombra de
dúvidas é perfeitamente legítimo que outrem se apodere daquele bem.
Desnecessário se faz perquirir a intenção de quem abandona a coisa.
Ainda que desejasse impedir que outra pessoa se apossasse do bem
abandonado, tal vontade não tornaria intangível a coisa, pois seria
incompatível com a função social da propriedade que um bem,

99
Gisele Leite

potencialmente útil, pudesse permanecer abandonado e ao mesmo


tempo impedido de uma nova apropriação.
Evidentemente que tais argumentos não são válidos quando o objeto
é ilícito, como seria em tese, o caso de entorpecentes, ou mesmo de
armas. Assim, poderiam em tese os agentes serem condenados por porte
ilegal de armas, mas nunca por furto.
Por todo exposto, absolvo os quatro apelantes das imputações que
lhes foram feitas, determinando ainda a devolução dos bens a seus
legítimos “achadores “, excetuando-se as armas e munições, salvo se
comprovarem a devida habilitação legal.
Custas pelo Estado.
É como voto.
JUIZ ERONY DA SILVA

100
Teoria Geral do Direito

Unidade VI: Apreciações sobre o fato e o direito

A autora traça algumas linhas de um controvertido tema da teoria


geral do direito.
Gisele Leite

Do brocardo jus ex facto oritur sublinha-se a relação de criação


existente entre direito e fato. Nas palavras de M. Virally há entre eles
uma relação dupla. Também há entre eles uma relação de aplicação: o
direito se realiza nos fatos. É mais evidente ao observarmos a atuação
do juiz que aplica aos fatos as regras de direito que os regem.
Deve-se investigar como pode passar de uma certa situação fática
para a regra de direito, ou vice-versa. Há um constante vaivém do direito
aos fatos, registre-se a vocação dos fatos para serem regidos pelo direito
e sendo este destinado a reger os fatos.
É justificável, portanto que quando o direito e o fato sejam isolados
um do outro em numerosos mecanismos jurídicos, como a prova, o
princípio do dispositivo, o controle de constitucionalidade e, etc e que
sejam muito freqüentemente confundidos na realidade, quando se trata
de apreender situações concretas no sistema jurídico.
Na via traçada e consagrada pelos juristas desde da Antigüidade
continuando adentro da Idade Média, o raciocínio jurídico continua
baseado no silogismo sendo este um suporte genérico para qualquer
aplicação do direito.
Segundo o Dicionário Básico de Filosofia de Hilton Japiassú e
Danilo Marcondes in litteris: o silogismo (do latim syllogismus, do

101
Gisele Leite

grego syllogismós) Método de dedução de uma conclusão a partir de


duas premissas por implicação lógica.
Para Aristóteles, considerado o primeiro formulador da teoria do
silogismo, “o silogismo é um argumento em que, estabelecidas certas
coisas, resulta necessariamente delas, por serem o que são, outra coisa
distinta do anteriormente estabelecido.”(Primeiros analíticos, I, 24).
Ex: “Todos os homens são mortais, todos os gregos são homens, logo,
todos os gregos são mortais”.
A conclusão se obtém assim por um processo de combinação dos
elementos contidos nas premissas através do termo médio (no exemplo,
“homens”), que permite relacionar os outros termos (no exemplo;
“gregos” e “mortais”) aí contidos formando uma nova proposição.
Segundo as regras do silogismo não é possível que as premissas sejam,
verdadeiras e a conclusão seja falsa.
Aristóteles classifica todos os tipos possíveis de silogismos válidos
em três figuras ou esquemas. Na primeira figura, o termo médio é sujeito
na premissa maior (a que contém o termo de menor extensão); na 2ª, o
termo médio é predicado em ambas as premissas; na 3ª,o termo médio
é sujeito em ambas as premissas.
Atribui-se ao filósofo e médico Claudico Galeno (c.130-c. 200)
uma 4ª, figura em que o termo médio é predicado na premissa maior e
sujeito na menor.No exemplo acima, temos um silogismo categórico,
em que as premissas as asserções, isto é, proposições que afirmam ou
negam algo.
Podemos ter também silogismos modais cujas premissas são
proposições que envolvem modalidade e silogismos hipotéticos, cujas
premissas incluem proposições hipotéticas.
A teoria do silogismo de Aristóteles sofreu uma série de
modificações e desenvolvimentos na escola aristotélica e na
escolástica. No período moderno sua importância vai sendo
progressivamente menor até dar lugar no séc. XIX à lógica matemática
e aos cálculos proposicional e dos predicados formulados inicialmente
por Frege.

102
Teoria Geral do Direito

A premissa maior é a regra de direito e, a menor o caso concreto. A


conclusão oriunda da comparação; constitui a sentença pela qual se
aceita ou se rejeita a aplicação, no caso concreto, do efeito jurídico
implicado pela maior.
A determinação de quais as regras jurídicas aplicáveis aos fatos
pressupõe que tais fatos estejam estabelecidos e qualificados para que
possam ser apreendidos pelo sistema jurídico. E seus efeitos jurídicos
expressam a reação do direito positivo à situação que eles representam.
A dificuldade essencial reside na determinação das premissas, a lei
leva em consideração um fato, um leque de circunstâncias no qual é
colocado o homem, para daí se extrair as conseqüências jurídicas.
O fato primeiro é o ato humano que se prende por causalidade ao
efeito jurídico que, conforme os casos, foram deliberadamente
buscados ou, ao revés, não foram desejados.
Se for estabelecido o homicídio, seu autor é passível de pena de
reclusão criminal.
Diferentemente do que acontece, por exemplo, com uma lei física,
a realização de um efeito jurídico supõe a reunião de várias e complexas
condições. Com os fenômenos físicos, o efeito é automático já o
vínculo de causalidade entre o fato e o direito opera-se somente no
plano das representações intelectuais.
Na órbita jurídica, o efeito não segue inevitavelmente a causa, o
homicida nem sempre é descoberto, preso e condenado, apesar do fato
ser absolutamente punível.
Ademais, o fato não produz sozinho, os efeitos de direito. È curial
que exista uma regra jurídica que se aplique a tais fatos, e então tais
efeitos e assim se construa a premissa maior do silogismo.
É necessário também que a autoridade determine a regra aplicável
á esses fatos e extraía dele suas conseqüências.
Com as premissas, erguem-se duas principais dificuldades: uma
para determinar a menor, a situação de fato que tem de ser estabelecida.

103
Gisele Leite

E para detectar a maior, identificar nessa situação, noções, regras e


instituições jurídicas, ou seja, conceituá-las.
A prova, a priori, parece ser um mecanismo lógico de verificação
da realidade de um fato ou de uma alegação. Tal concepção de prova
despreza o contexto e a objetividade da prova judiciária e que a diferencia
da prova científica.
Na Ciência do Direito, a investigação da verdade é muitas vezes
ocultada por imperativos da segurança jurídica.
O objetivo da prova é maior que convencer o juiz do que o de
estabelecer a verdade objetiva. A verdade é investigada na paixão do
processo que se traduz num processo dialético. E não na serenidade
fria de um laboratório.
A prova é administrada dentro dos limites de um prazo razoável
necessário à intervenção de uma decisão e para qual deve ser
considerada suficiente ou insuficiente. Já que ao juiz não é permitido
sob pena de denegação de justiça, abster-se de julgar.
A prova judiciária não é como a científica obra de um pesquisador
que a concebe e testa. A prova judiciária é resultado do concurso de
várias pessoas, o juiz e as partes.(Lévy-Bruhl Aspects sociologiques
du droit, M. Rivière et Cie, 1955).
Uma análise crítica do direito da prova baseada no efeito das técnicas
jurídicas da prova e não nas finalidades do direito da prova que se
concentra mais na legitimidade dos mecanismos de prova do que
propriamente na investigação da verdade real e objetiva.
A existência de provas pré-constituídas e a determinação do ônus
da prova servem para legitimar decisões judiciais ainda que a verdade
processual ou judiciária seja tão-somente uma verdade relativa e
condicionada.
A prova com o objetivo central a criação de uma convicção no juiz
foi por muito tempo uma “prova mística” notadamente em matéria penal.
Nas sociedades primitivas a prova era um apelo aos deuses, aos
poderes sobrenaturais para lhes pedir que apontassem o culpado;
104
Teoria Geral do Direito

consistente nas ordálias, nos juízos de Deus, onde as provas eram


impostas aos suspeitos para se conhecer a verdade.
Nos julgamento de Deus aquele que triunfar nessas provas, é porque
Deus assim o designou como quem diz a verdade ou defende uma causa
justa. Tais julgamentos foi praticados até o Concílio de Latrão (1215)
e até hoje as ordálias são praticadas em algumas sociedades primitivas.
E o juramento se inspira no mesmo espírito.
Nas ditas sociedades evoluídas, o sistema de provas racionais
substituiu progressivamente o sistema de provas místicas. O progresso
culminou ou com a abolição da tortura e a rejeição da soberania absoluta
da confissão (regina probatorum) em direito penal.
Os progressos tecnológicos e científicos demonstraram que tanto
na seara cível como a penal, a fragilidade dos depoimentos, o valor dos
indícios, a qualidade de novos meios de prova que já não visam apenas
a convencer o juízo, mas também estabelecer a realidade objetiva.
Duas concepções de provas persistem possíveis conforme nos
atermos à convicção do juiz baseado (no conjunto das informações que
lhe puderam ser dado) ou exigimos verdadeiras provas materiais, diretas
e objetivas conforme os moldes pré-constituídos.
Em toda matéria, não basta ter razão, ser titular de um direito ou
estar em certa situação jurídica; é curial prová-lo; na ausência de provas,
tudo passa como se o direito ou a situação invocada não existisse ou
como se a pessoa estivesse errada.
Alegado e não provado; tratar-se-ia de mera alegação infundada. As
noções distintas de direito e prova cuja independência se firma na
proporção da liberdade de prova.
Portanto, quanto maior for a maleabilidade do direito da proba, sendo
maior liberdade de prova, mais a prova se aproximará da verdade. Porém,
a liberdade favorece aos excessos, atrasos e falsas provas; falso
testemunho e outras falsificações.
Conforme o particular das matérias, cumpre o direito modular as
provas levando em contra a aptidão ou a resistência dos fatos à prova,
conforme a natureza deles.

105
Gisele Leite

Certos fatos se furtam à prova, à míngua dos meios de investigação


suficientemente seguros.Outros fatos escapam, pois ocorrem sem
testemunhas, e não deixam vestígios, são cobertos pelo sigilo
profissional ou técnico, e não se prestam bem a uma estimativa ou ainda,
colidem com a consciência individual.
De certo quando a prova é dificílima ou impossível o direito
renuncia à prova e recorre a presunções cuja utilidade depende do objeto
da prova.
Para melhor identificarmos a presunção na sistemática cível
brasileira, analisemos os arts. 8, 212, v, 1598, 1597 CC/2002 e, ainda
o art. 335 do CPC.
É clássico o busilis do objeto da prova.A prova versa somente sobre
os elementos de fato. As partes não precisam provar a existência ou o
mesmo o alcance das regras jurídicas aplicáveis a tais elementos, supõe-
se que o juiz conhece o direito, e a invocação das partes sobre certas
regras é apenas para sugerir aplicação delas e, não para provar-lhes a
existência. A indicação é meramente elucidativa e não forçosamente
obrigatória a sua aplicação. Tanto que o juiz com seu livre convencimento
pode extrair diverso entendimento da pretensão exposta.
Do brocardo “Da mihi factum, dabo tibi jus”, incumbe às partes
estabelecer na justiça os fatos necessários ao sucesso de suas
pretensões. E nisto, o Código de Processo Civil francês em seu art. 9º
e 6º, menciona expressamente.
A princípio, o juiz não pode fundamentar sua decisão nos fatos que
não estão em debate, ao menos no sistema acusatório.
É o juiz que diz o direito (art. 12 do CPC francês) e dispõe de
lautos poderes de iniciativa e de qualificação.
As pretensões das partes se fundamentam em dois tipos de
elementos, os de fato correspondente ao “edifício do direito”,
dependem das partes, com uma participação maiôs ou menos ativa do
juiz, seguindo os sistemas.
Os elementos do fato são constituídos pelos fatos e atos jurídicos que
servem de base a uma pretensão, e deles depende o desfecho do processo.

106
Teoria Geral do Direito

Já os elementos do direito são as regras jurídicas suscetíveis de


serem aplicadas, a esses fatos. A distinção entre o fato e o direito fica,
porém, abalada quando se trata de aplicar as leis estrangeiras, regras
consuetudinárias ou usos.
Quanto ao direito estrangeiro compete às partes que os invocam
estabelecer a existência e o conteúdo deles.
Os fatos que se devem provar são somente os contestados. Um fato
reconhecido ou não contestado não necessita de ser provado, pois é tido
como verdadeiro. E nesse sentido corrobora o art.334 do CPC Brasileiro.
O que pode acarretar deformações da realidade objetiva, mas
admite-se, em geral, que as partes devem ter o domínio do “edifício de
fato” de seu processo. Exceto no caso de fraude processual engendrada
pelos litigantes, o juiz cível não tem de controlar de ofícios as situações
de fato sobre as quais estão de acordo as partes.
A prova de direito pode somente versar sobre fatos pertinentes e
admissíveis. E a admissibilidade da prova depende de sua conformidade
com o sistema de direito.
De um lado o sistema jurídico às vezes proíbe certas provas em
nome de valores essenciais ou de ordem pública. Como, por exemplo,
a autoridade da coisa julgada que proíbe contestar o que foi
definitivamente julgado.
De outro lado, o direito da prova pode tanto se reportar a um sistema
de liberdade no qual as partes possuem sem hierarquia de princípio
livre escolha de procedimentos de prova, quanto a um sistema de prova
legal que limita a prova a certos procedimentos e lhe impõe o alcance;
já outros modos de produção de provas são inadmissíveis.
O direito anglo-saxão comporta várias exclusionary rules, apesar
de reconhecerem a importância dos depoimentos. Ele reserva ao direito
de prova (evidence law) um lugar considerável que se deve a razões
históricas e técnicas a um só tempo.
Foi perante o juiz que o direito inglês conquistou muito das
liberdades e forjou o sistema jurídico. Onde o adjective law (a lei

107
Gisele Leite

adjetiva) conserva uma importância preponderante. E isto repercute nos


países de direito misto como no Canadá.
A prova só deve ser produzida, caso revelar-se útil ao desfecho
processual. A pertinência da prova é medida de economia processual e
supõe uma adequação de seu objeto da prova ao objeto do litígio.
Os fatos alegados devem ter relação direta com que está sendo
julgado e a prova deve obter uma demonstração apropriada.
O juiz só admite prova dos fatos nos quais as partes fundamentam
suas pretensões e dos elementos aptos para justificá-los.
Nos países da América do Sul especialmente os tribunais se omitem,
de controlar a pertinência da prova, o que só avoluma o processo e
favorece as manobras protelatórias.
A pertinência da prova depende do vínculo entre os fatos alegados e
os fatos cuja prova é oferecida. Também se deve saber se é possível
substituir uma prova direta por presunções.
A presunção é um modo de raciocínio jurídico em virtude do qual
se induz, do estabelecimento de um fato, um outro fato que não resta
privado.
Há uma distinção entre as presunções legais e as de fato (ou de
homem). Legais ou de fato, as presunções correspondem a situações
de resistência dos fatos à prova. Inferem-se fatos desconhecidos através
de fatos conhecidos.
Algumas delas como a presunção de boa fé impõe a quem alega,
prová-la nem que seja por exclusão. A presunção de inocência em direito
penal proteger, as pessoas contra a arbitrariedade; a presunção de
legalidade da coisa decidia pela administração pública facilita o
exercício da função pública.
A presunção legal concede a uma das partes em nome de
considerações de política jurídica e de certos valores que se tende a
proteger. As presunções interessam tanto ao fundo do direito quanto ao
direito de prova.

108
Teoria Geral do Direito

Quando a lei presume que a criança nascida durante o casamento


tem como o pai o marido da mãe, labora uma dispensa à criança de
estabelecer sua filiação, o que seria muito difícil de fazer.
Desloca assim o objeto da prova, pois em vez de ter de estabelecer
a filiação da criança, ela só impõe estabelecer o nascimento durante o
casamento da mãe daí deduz-se a filiação a propósito do pai. Enfim tal
presunção favorece a família legítima. Apesar de que tais adjetivos não
mais se compadecem face ao texto constitucional brasileiro vigente.
As presunções simples ou juris tantum podem, contrariamente às
presunções irrefragáveis, chamadas também de presunções absolutas,
ou juris et jure.
Quanto maior o progresso técnico facilita a prova, mais fácil é o
restabelecimento da verdade. Os progressos da genética permitem hoje
estabelecer com quase exatidão a uma filiação colocando em xeque a
presunção de paternidade.
A melhoria dos meios de provas atenua proporcionalmente o
artifício das presunções simples. As verdadeiras presunções absolutas
que não podem ser infirmadas nem mesmo pela confissão ou juramento,
são fundadas em considerações de ordem pública.
É o caso da presunção da autoridade da coisa julgada que garante a
segurança jurídica necessária à decisões judiciais definitivas.
Em compensação, as presunções de fato apenas são meros meios
de prova. No terreno probatório, o juiz utiliza-as somente para forjar
sua convicção. São, pois inumeráveis e aplicáveis a todos tipos de fatos,
ao passo que as presunções legais devem ser especialmente previstas.
E se apóiam em diversos indícios que vão desde as constatações
materiais, perícias até pareceres jurídicos. O juiz dispõe de plena
liberdade de apreciação no tocante as presunções de fato. Em alguns
casos, somente admissíveis nos casos em que a lei acolhe a prova
testemunhal.
Em síntese, o estabelecimento dos fatos embora se procure atingir
a realidade sobre a qual se deva aplicar-se a regra jurídica, é enquadrado

109
Gisele Leite

pelo sistema jurídico que leva em conta as necessidades ou


impossibilidades materiais e outros princípios de direito, considerações
de políticas jurídicas e exigências puramente técnicas que acabam por
deformar ou deturpar a imagem da realidade.
Tais diversos fatores de distanciamento são cada vez maiores uma
vez que a apreensão do fato pelo direito pressupõe que, uma vez
estabelecidos os fatos e consumada a descrição deles, eles recebem
uma qualificação jurídica.
Um fato não pode galgar efeitos jurídicos por suas qualidades
intrínsecas, é preciso que uma norma jurídica lhe atribua uma qualidade
que lhe falta, ou seja, um significado particular.
O direito contemporâneo reconhece importantes efeitos jurídicos
ao concubinato, que continua, porém, uma simples situações de fato, com
exceção dos direitos reconhecidos ao concubinos por diversos textos
legais recentes e da provável consagração próxima de um estatuto jurídico
específico; ele aproxima a união livre do matrimônio quando lhe toma as
aparências mais peculiares que são a estabilidade e a notoriedade.
Assim as exigências da proteção jurídica conduzem a fazer o fato
triunfar sobre o direito, portanto, a corrigir os efeitos normais deste,
em circunstâncias em que a ordem social o exige.
Mas acontece também que para sua coerência técnica ou para
proteção de certos valores ou de certas instituições, a ordem jurídica
em vez de acatá-las, rejeite as realidades concretas.
É comum o direito substituir a realidade pela ficção que
corresponde a um procedimento de técnica jurídica pelo qual se
considera como existente uma situação manifestamente contrária à
realidade e que permite deduzir dela conseqüências jurídicas diferentes
daquelas que resultariam da simples constatação dos fatos.
No direito sucessório temos a ficção da continuação da pessoa do
falecido pela dos herdeiros que permite evitar toda a ruptura na
propriedade dos bens sucessórios.

110
Teoria Geral do Direito

Assim também o filho natural legitimado ou mesmo o filho adotado é


apresentado como filho legítimo. Destaque-se que a Constituição Federal
Brasileira equiparou todos os filhos suprimindo os adjetivos
discriminatórios e os equiparando em direitos e deveres para todos os fins.
Portanto, a ficção consiste em submeter uma realidade social ao poder
da mente, absorvendo-a num conceito de maior ou menor artificialidade.
É uma alteração voluntária do real, um artifício jurídico destinado
a produzir resultados úteis.
François Geny bem assevera que falseando deliberadamente a
realidade das coisas, as ficções redundam em sujeitar a vida social a
preceitos julgados desejáveis.
As funções das ficções jurídicas nos mais variados sistemas jurídicas
e, principalmente pela larga utilização feita pelo direito romano.
Classicamente é reconhecidas uma função histórica e uma
dogmática. Na primeira, a ficção teria permitido introduzir na vida social,
regras jurídicas novas.
Seria assim uma extensão do direito existente. O direito une assim
o futuro ao passado com a vantagem de manter o estatismo do direito.
Pela ficção da personalidade moral das sociedades, a propriedade
dos bens pertencentes À sociedade pôde ser considerada uma
propriedade individual.
A ficção é uma homenagem prestada aos princípios jurídicos
servindo para enquadrar as soluções jurídicas nos sistemas do direito
positivo fechado. Assim as ficções teriam, portanto, uma ficção
dogmática permanente.
Também cumprem funções de técnica jurídica por sua utilidade dogmática
e mecânica conforme os casos de naturezas histórica e teleológica.
Por sua função teleológica as ficções tendem proteger ou promover
certas instituições, certos princípios, certos valores. A adoção ou a
naturalização são bons exemplos dessas ficções.

111
Gisele Leite

As ficções podem, assim, contribuir para represar a derivada dos


fatos sociais e para salvaguardar valores julgados essenciais.
A doutrina alemã mostrou com Savigny e Ihering os preciosos
serviços que as ficções prestaram ao direito romano. Também o direito
inglês mostra tal importante contribuição.
Importantes autores como Ihering e Windscheid, os franceses, como
Saleilles e Demogue reconheceram-lhe um lugar importante na
elaboração do direito.
Gény mostrou que, embora a ficção deva ser rejeitada quando se
trata de descobrir”dado”, ela conserva um papel importante de
instrumento terminológico e deve-se mesmo conservá-la no terreno
conceptual.
Ripert sustentou também que é preciso desconfiar de uma habilidade
técnica grande demais que permite dissimular a violação dos princípios
e introduzir no direito, elementos artificiais que lhe modificam o
sentido e o alcance.
As ficções não podem ser aprovadas, se são apenas um
procedimento contrário ao bom senso.
A factividade material do direito sua, praticabilidade pressupõem
evitar um sério divórcio entre direito e os fatos. Nossa era vivencia a
revolta dos fatos contra o direito que arruína a efetividade do direito e
consagra a anarquia ou provoca o autoritarismo.
Mas na indispensável continuidade do direito no ajuste que se impõe
entre o positivismo sociológico e o idealismo e dentro da perspectiva
da coerência dos sistemas jurídicos, as ficções continuam sendo uma
preciosa ferramenta e o que melhor opera a conjunção harmônica do
fato com o direito.
A distinção entre o fato e o direito é, porém, artificial em alguns
casos como na interpretação dos contratos. Ou em casos de lei
estrangeira é uma questão de fato, o que é contestável.
Tal artifício talvez ateste a indissociabilidade essencial entre o fato
e o direito.
112
Teoria Geral do Direito

A confissão é o reconhecimento que uma pessoa faz, quanto ao


fato alegado pela outra, e, em benefício desta. Pode ser judicial ou
extrajudicial, conforme se realize no curso do processo ou fora dele.
No primeiro caso, constitui prova plena para todos os atos cuja validade
não seja dependente de requisito formal.
É, sem dúvida, a mais convincente das provas daí reputar-se como
probatio probantissima, pois que a adesão da parte à veracidade do fato
invocado contra ela própria é em si mesmo a negação da contradita e da
controvérsia. Deve ser pronunciada pela própria parte, mas vale também
a que é efetuada por seu procurador ou representante desde que munido
de poderes especiais.
A confissão uma vez feita em juízo, reputa-se indivisível, no sentido
de que a parte que invoca a confissão do adversário tem de aceitá-la por
inteiro. Não lhe é lícito cindi-la e, aproveitar o que lhe convém,
repudiando-a na parte que lhe seja desfavorável.
Não obstante o peculiar valor da confissão há fatos que a lei não
admite que se provem por meio desta. Assim, nas ações de divórcio e
anulação de casamento, como nas de nulidade de testamento, não pode
o juiz proferir sentença baseada em confissão real ou ficta do fato
alegado, porque há aí um interesse público em jogo, insuscetível de
transação privada.
Ao lado da confissão, admitia o direito o juramento sendo um meio
probatório solene e consistente numa afirmação ritual da veracidade
do fato invocado, era existente em nosso direito positivo anterior
(Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850), e guarda reminiscência
da era medieval, quando o utilizava com freqüência e proveito em razão
do fervor religioso e podia-se realizar em Juízo em caráter supletivo.
Todavia, este mesmo caráter religioso perdeu sua razão de ser com
a laicização do direito ainda que existe excepcionalmente em algumas
legislações.
A presunção segundo o grande mestre Caio Mário da Silva Pereira
é a ilação que se tira de um fato certo, para prova de um ato desconhecido
inspirado em Clóvis Beviláqua. Não é propriamente uma prova, e, sim

113
Gisele Leite

um processo lógico por via do qual a mente atinge a uma verdade legal.
Na base de uma presunção há de estar sempre um fato, provado e
certo; não tolera o direito que se presuma o fato, e dele se induza a
presunção, nem admite que se deduza a presunção da presunção.
Segundo a tradicional divisão, estas podem ser comum (praesumptio
homins) aquela que a lei não estabelece, mas funda-se no que
ordinariamente acontece, de outro lado, as presunções legais, criadas
pelo direito positivo para valerem como prova do fato, ou da situação
jurídica.
Resultam as presunções legais da experiência e correspondem
àquilo que normalmente acontece, e assim tem-se erigido em técnica
legal probatória.
As presunções legais, a seu turno se subdividem em absoluta e
relativa. As primeiras são aquelas que não se admite prova em contrário.
É uma dedução que a lei extrai, necessariamente, de um fato certo, e
que não comporta contradita, ainda mesmo no caso de não corresponder
à verdade.
Há um interesse de ordem pública em que seja tido pro veritate, e
impede apareça o interesse privado fundado na prova de que não é
verdade.
Já a praesumptio iuris tantum (relativa) pode ser ilidida, e só
prevalece enquanto não contraditada por outra prova. Vigora muito
freqüentemente a presunção relativa em matéria de interesse privado
(como no caso de remissão de dívida decorrente da devolução do título
ao devedor).
Entre as irrefragáveis presunções se inscreve a coisa julgada que na
definição da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, art. 6º, §3º,
é a decisão judiciária de que já não caiba recurso. Compete ao processo
civil formular os requisitos da res iudicata, cabe ainda à Ciência do
Direito processual definir o que é coisa julgada material e formal, sendo
do campo do direito judiciário a incumbência de precisar as condições
subjetivas e objetivas da res iudicata, e, ainda a lei processual estabelecer
quando a sentença não é mais atacável.

114
Teoria Geral do Direito

O civilista estuda a res iudicata dentro da escala de provas, e, estatui


que importa numa presunção de verdade. O fato afirmado, ou a relação
jurídica declarada pela decisão definitiva, não comporta contradita.
Assim, não pode a coisa julgada ser altera nem sequer por norma
legislativa porque na sistemática brasileira é defeso ao legislador votar
leis retroativas e, a Constituição Federal em art. 5º, XXXVI, assenta
expressamente que a lei não prejudicará a coisa julgada.
Não pode nem mesmo ser alterada por outra sentença, porque a
exceptio rei iudicate, levantada como prejudicial, requer a apreciação
liminar do juiz e constitui obstáculo a novo iudicum de mérito.
E não pode ser negada pela parte a quem é oponível, porque é uma
garantia oferecida pela ordem jurídica ao indivíduo, no sentido de
facultar-lhe a dispensa de comprovar, em Juízo ou fora dele, aquilo que
constituiu objeto da parte dispositiva do julgado.
A autoridade da res iudicata reside perante as partes ou seus
sucessores, enquanto o mesmo objeto, e pela mesma causa petendi por
traduzir a presunção de verdade inexorável, significando que o que foi
decidido é verdade – res iudicata pro veritate habetur.
Não cabe argumentar erro judiciário, e nem mesmo a falibilidade
do homem que sentenciou porque, não se pode ambicionar a construção
da verdade absoluta ou verdade ideal.
Deve se contentar com a verdade legal ou judicial que é a resultante
do que ficou apurado no processo e proclamado pelo juiz, e é esta a
verdade que é tida como insuscetível de alterada, acrescentando in verbis:
“A coisa julgada faz, do branco, preto, e do quadrado, redondo”. Para
acentuar-se a ineficácia de qualquer tentativa em contraditá-la
dispensado de dar outra prova em cujo favor milita.”
Modernamente se reflete sobre a apreciação de processos técnicos
como meio probatório, a reprodução de voz por gravadores eletrônicos,
a exibição de película cinematográfica, a fotografia, o video-tape e o
videocassete.

115
Gisele Leite

Em princípio seu valor probante é inegável. A gravação de som e


mesmo de imagens se pode fixar as conversas e depois reproduzi-las
na vivacidade dos diálogos, presta-se, entretanto, a deturpações,
supressões de trechos, enxerto de declarações e, uma série de edições
que podem produzir sem deixar o menor vestígio.
Por tal fato, não é tão possível aceitá-la como meio probatório,
senão com o máximo de cautela. Também a filmagem e a fotografia são
suscetíveis de alterações. Todavia, a quem tiver de fazer uso desses e
de outros processos técnicos, agir com moderação e prudência, e,
sobretudo não se impressionar com sua aparente exatidão, pois podem
facilmente ocultar manipulações e fraudes.
Tanto assim que o Anteprojeto de Código de Obrigações laborado
pelo brilhante professor Caio Mário e outros doutrinadores insignes
em seu art. 19 previa “que a prova resultante da reprodução mecânica
de som e imagem, admitida como plena, somente se confirmada pela
confissão”
Fora daí, recebe-se tais meios probatórios com extrema cautela, e
o CPC neste assunto inferiu expressamente que se admitindo a
reprodução mecânica da imagem e do som, ressalvando que, se for
impugnada à autenticidade o juiz ordenará perícia (ex vi art. 383 do
CPC).
De todo jeito, enfim, o direito e o fato se entrelaçam e justificando
sua missão maior de propiciar a pacífica convivência social..

Referências

Roger, J.C. La preuve civile. 2ª.ed.,Y Blais, 1995.


Lévy-Bruhl, H. Aspects sociologiques du droit, ed. M. Rivière et Cie,
1955.
Motulsky, H. Príncipes d‘une réalisation méthodique du droit prive,
Lyon, 1948

116
Teoria Geral do Direito

Virally, M. La pensée juridique., ed., L.G.D.J, 1960.


Marty, G. La distinction du fait du droit, Toulouse, 1929.
Gény, F. Sciense et technique en droit privé postif, tomo III, 1955
Perelman, Chaim Le fait est le droit, 1961; Logique juridique – nouvelle
rhétorique, 1965.
Japiassú, H., et Marcondes, Danilo. Dicionário básico de filosofia 3ª,
edição ver.ampliada, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1996,
págs 247,248.
Pereira, Caio Mário da Silva Instituições de direito civil. Rio de Janeiro.
Forense. 2000.

117
Gisele Leite

118
Teoria Geral do Direito

Unidade VII: Alguns principais conceitos em Direito:

Da idéia do direito deduzimos que ele de um lado é facultas agendi


(faculdade de agir), ou seja, a possibilidade legal de cada indivíduo
mover-se na prossecução de seus deveres; e do outro lado, norma
agendi (norma de agir), ou seja, regra de conduta e organização
coativamente imposta.
A idéia do direito liga-se portanto a idéia de conduta e organização.
O direito valoriza, qualifica, atribui conseqüências a um comportamento.
O direito não se limita a constatação material dos atos ou
acontecimentos. Trata também de regular e disciplinar condutas (que é
uma relação de pessoas), por isto denominamos o direito como norma
de controle social. Ao direito, antes de tudo, importa a ordem e a
segurança da sociedade.
Direito positivo é, pois, o conjunto de regras de organização e
conduta que, consagrados pelo Estado, se impõe coativamente , visando
a disciplina da convivência social. Ou seja, é o ordenamento jurídico
em vigor – Ubi societas, ibi ius (onde há sociedade, há também o
direito).
Direito Natural é a idéia abstrata do direito, é o conteúdo filosófico-
ideológico do ordenamento jurídico, corresponde a uma justiça superior.
Costuma-se dizer que o direito positivo se opõe ao direito natural,
aquele representando o regime de vida social corrente este, o conjunto
de princípios ideais pré existentes e dominantes.
Enquanto o direito positivo é nacional e contingente, o direito natural
é universal e eterno.

119
Gisele Leite

Não há contra posição e nem antinomia, pois que, se um é fonte de


inspiração do outro, não exprimem idéias antagônicas, mas ao revés,
tendem a uma convergência ideológica a procura de aperfeiçoar o direito
positivo.
Para o fundador da escola de direito natural, Hugo Grócio, no séc.
XVI, direito natural é o paradigma da lei mutável e humana, e por isto,
as leis não têm base na vontade do legislador, que é apenas o intérprete
ou veículo da lei natural.
Tanto o Direito como a moral, representam-se por normas de
conduta, possuindo sanções diferentes, em âmbitos diversos, e
coercibilidade diversa, sendo que para uns só as normas de direito é
que são dotadas de coercibilidade, o que já não existe nas normas morais
ou éticas;. Diferem também pela bilateralidade e exigibilidade. Enquanto
que a moral pronuncia-se unilateralmente pela informação cultural-
ideológica-religiosa de cada povo.
Ou seja, a moral não possui nem a coerção, nem a bilateralidade e
nem a mesma exigibilidade das normas de Direito.
Direito Objetivo é o comando estatal, é a norma ditada pelo poder
público, é a norma agendi – corresponde em síntese precária a lei
propriamente dita.
Direito subjetivo é o poder de ação contido na norma, é faculdade
de exercer em favor do indivíduo o comando emanado do Estado (é
facultas agendi), está diretamente relacionado com o sujeito do direito
(ou agente).
Direito subjetivo e direito objetivo são aspectos de um conceito
único, compreendendo a facultas e a norma, os dois lados de um mesmo
fenômeno, os dois ângulos de visão do jurídico. Um é o aspecto
individual, outro o aspecto social.
Direito subjetivo é o meio de satisfazer os interesses humanos e
deriva do direito objetivo, nascendo com ele.
Há teorias negativistas (como as Teorias de Duguit e de Kelsen)
que não admitem a existência do direito subjetivo.

120
Teoria Geral do Direito

Aliás, para Kelsen, a obrigação jurídica é senão norma jurídica, ou


seja, o direito subjetivo só existe em função do direito objetivo.
Baseia-se na idéia que a lei é a mãe de todos os direitos, inclusive o
direito de ação.
Há, contudo as teorias afirmativas que se desdobram em: teoria da
vontade, teoria do interesse e a teoria mista.
As teorias afirmativas são as que entre nós prevalecem.
Para a teoria da vontade (Windscheid) o direito subjetivo existe e
é constituído do poder da vontade.
Para a teoria do interesse, de Ihering, o direito subjetivo é o
interesse juridicamente protegido.
Para a teoria mista (é “mistureba”) alia o elemento vontade com o
elemento interesse. Jellinek define o direito subjetivo como interesse
protegido que a vontade tem o poder de realizar.
O direito subjetivo, é fruto da vontade individual enquanto o direito
objetivo é a expressão da vontade geral, da lei.
É óbvia a interdependência destes conceitos!

Direito Público
Os princípios jurídicos se agrupam em duas categorias, constituindo
o direito público e o direito privado.
O direito público era o direito do Estado romanos; o direito privado,
a disciplina dos cidadãos, critério utilitário que o Digesto e as Institutas
assentaram como elemento diferenciados.
Direito público é o destinado a disciplinar os interesses gerais da
coletividade. Compete a organização do Estado (Direito Constitucional);
a disciplina de sua atividade na consecução de seus fins políticos e
financeiros, cuidando da hierarquia (Direito Administrativo); a
distribuição da justiça (Direito Processual ou Judiciário); a repressão
aos delitos (Direito Penal).

121
Gisele Leite

Direito privado é o que regula as relações entre os homens, tendo


em vista o interesse particular dos indivíduos, ou a ordem privada. Ele
disciplina as relações humanas no âmbito familiar, obrigações que se
estabelecem de indivíduo para indivíduo, quer oriundas de um contrato,
quer derivadas do delito, quer provenientes da lei, os direitos reais (o
Direito Civil).
O Direito Civil possui características próprias, donde destacou-se
um ramo que foi constituir o Direito Comercial. Obs. Orlando Gomes,
observa que ultimamente a divisão entre direito público e privado tem
sido objeto de fortes críticas. Há a tendência de absorção do direito
privado pelo direito publico.
Direito Consuetudinário é onde predomina os usos e tradições
segundo os quais os homens regulam suas relações. No mundo romano,
o costume tinha importância como fonte de direito: mores e consuetudo
são palavras constantes no Corpus Iuris.
Na Idade Média floresce o direito consuetudinário e contra ele lutam
legistas e canonistas, no afã de consagrar a unidade do poder em face
dos particularismos locais.
No mundo ocidental moderno, só na Inglaterra o direito, costumeiro
conserva grande importância . Entre nós, o Direito Comercial e o
Direito Civil ainda consagra a aplicação subsidiária do costume.
O costume, esclarece FERRARA, é um ordenamento de fatos que
as necessidades e as condições sociais desenvolvem e que, tornando-
se geral e duradouro, acaba impondo-se psicologicamente aos
indivíduos. O costume é um fenômeno pré-jurídico ou extrajurídico.
A supremacia hoje pertence ao direito positivo, tanto assim que só
em virtude de outra lei pode ser modificado ou substituído. Se praeter
legem, o costume suprirá as lacunas da lei. Se secundum legem, opera-
se como uma segunda lei, ou como extensão da primeira lei.
A posição do direito positivo quanto aos costume é prevista no art.4
da L.I.C.C., e ainda invoca expressamente em seu art.1192 CC, II e
art.1210 CC (usos locais). Observe o esquema:

122
Teoria Geral do Direito

Público
Internacional
Privado

Constitucional
Público Administrativo
Eleitoral
Tributário
Direito Positivo Nacional Ambiental
Trabalhista
Processual
Penal
Econômico

Privado Civil
Comercial
Obs: A divisão em público e privado do direito não possui caráter
científico e sim meramente didático.

Fontes do Direito: São o meios técnicos de realização do direito


objetivo. Podem ser históricas (como o Digesto, as Institutas do Direito
Romano, as Ordenações do Reino). Podem ser atuais que correspondem
àquelas as quais o indivíduo se reporta para afirmar o seu direito, e o
juiz para fundamentar a sentença.

123
Gisele Leite

As fontes formais do direito são: a lei, a analogia, o costume e os


princípios gerais do direito.
As fontes não-formais correspondem à doutrina e jurisprudência.
A mais importante fonte formal do direito á a lei que é a fonte
principal e as demais são consideradas como fontes acessórias.
Costume é a reiteração constante de uma conduta, na convicção de
ser obrigatória.
A analogia é instrumento técnico ou método de interpretação, que
visa suprir a falta de disposição legal, empregando preceito disposto
em caso semelhante. Diz-se analogia interna, quando o preceito, é
extraído do próprio contexto legal, em análise. Diz-se externa, quando
é extraída em outra lei do mesmo sistema jurídico.
Doutrina é a interpretação da lei pelos estudiosos da matéria, é a
análise filosófica-científica dos conceitos e da aplicação da lei. É o
estado das concepções sobre o direito.
Jurisprudência é o estado atual do direito, tal como é revelado, pelo
conjunto das soluções que sobre certa matéria; é consagrada pelas
decisões judiciárias.
Obs. Ferrara entendia que a doutrina não é fonte de direito; no
direito romano todavia era assim considerada, pois os jurisconsultos
gozavam de ius publice respondendi, o direito de emitir regras
obrigatórias para o juiz, para o index privatus (processo).
Também não considera Ferrara a jurisprudência como fonte de
direito esclarece que a função do juiz não é criar direito e, sim, aplicá-
lo ao caso concreto, Contudo, sofre severas críticas, afirmando a
jurisprudência como fonte do direito.
A jurisprudência corresponde a uma série de acórdãos dos tribunais
sobre a interpretação do mesmo preceito jurídico e sua aplicação em
face de casos análogos.
Em sentido abstrato, é a própria Ciência do Direito. Pode-se dizer,
contudo, que a jurisprudência é a fonte de normas individuais para cada

124
Teoria Geral do Direito

caso. O sistema de Súmulas, que com base nos julgados, fixam critérios
de decisão que visam uniformizar o entendimento da lei, é adotado no
Brasil.
Observe: Fontes

Direito Romano
Históricas Ordenações do Reino
Cód. Napoleônico, Cód.Alemão (BGB)

lei
Fontes de Direito Formas costumes
(diretas) princípios gerais do direito
analogia
Não formais doutrina
(indiretas) jurisprudência
Lei:

a) generalidade
b)imperatividade cogentes; dispositivas
Características

c) autorizamento perfeitas e imperfeitas


d) permanência
e) emanação de autorização
substantivas
125
Gisele Leite

lei (natureza)
adjetivas
constitucionais

leis complementares
Lei (hierarquia)
ordinárias
delegadas

elaboração cabe ao Poder Legislativo

Vigência da lei promulgação começa com sua publicação em D.O.

Publicação

Início começa publicação ou após 45 dias de publicada

Vacatio legis significa vacância da lei

Total (ab-rogação) e parcial (derrogação)

Revogação Expressa
Tácita

126
Teoria Geral do Direito

Efeito respristinatório é aquele que ocorre quando a lei revogada


se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Obrigatoriedade das leis


Representa a lei uma ordem dirigida à vontade geral, uma vez em
vigor, torna-se obrigatória, nem mesmo a ignorância pode servir de
escusa para não cumprí-la.
Tal princípio, visa garantir a eficácia global da ordem jurídica.
A existência da norma não se faz necessário provar, três teorias
justificam o preceito:
a) a da presunção – que consagra a presunção que a lei uma vez
publicada, torna-se conhecida por todos. É do domínio público. É
criticada por basear-se em inverdade;
b) a teoria da ficção – pressupõe que a lei publicada torna-se
conhecida de todos, muito embora não seja verdade;
c) A teoria da necessidade social é mais aceita, porque sustenta
que a lei é obrigatória e deve ser cumprida por todos, não por motivo
de conhecimento, presumido ou ficto, mas elevadas razões de interesse
público ditado pela sociedade.

Interpretação da norma jurídica


Denomina-se Hermenêutica Jurídica a ciência da interpretação, pois
sendo a norma geral e abstrata, tem de ser adequada ao caso concreto.
Espécies:
doutrinária
Interpretação três espécies judicial
legislativa ou autêntica

127
Gisele Leite

Interpretação doutrinária é uma atividade científica em geral


elaborada pelos doutrinadores, juristas e magistrados, procuravam a
inteligência da lei. Apreciam os conceitos e os fundamentos lógicos-
cientificos que amparam o direito.
A interpretação judicial é feita pelos Tribunais, com a firmeza da
jurisprudência.
A interpretação autêntica, é discutível, se temos aí uma verdadeira
interpretação, visto que se impõe quase como uma lei nova, embora
reproduzindo ou explicando lei anterior.
O objeto da interpretação é, pois a mens legis (a mensagem legal),
não a mens legislatoris (a vontade do legislador), mas a objetiva
finalidade, teleológica da lei.
A lei não contém uma verdade, porém um querer cujo endereço
será determinado pelas circunstâncias sociais e políticas do meio.
O que se há de procurar na lei é um poder normativo capaz de
permitir a superação do conflito pelo processamento pacífico das
relações e dos negócios.
Denomina-se analogia legis quando baseada em disposição singular
da lei; analogia iuris quando baseada em princípio do direito positivo.

Princípios gerais do Direito


Correspondem a ratio iuris, que por meio da abstração, das
disposições particulares da lei e construções e num processo de
generalização crescente chega a se integrar na esfera do direito, são
aqueles princípios em que se assenta a legislação positiva, sua expressão
doutrinária caracteriza suas causas econômicas, históricas e sociais que
acabam por determinar as leis.
O princípio seria um foco de luz para iluminar o texto ou aplicação
do mesmo.
Entre os princípios temos: o princípio do respeito aos direitos
adquiridos, o princípio proibitivo do enriquecimento ilícito, o princípio
128
Teoria Geral do Direito

condenatório do abuso do direito, o princípio da igualdade perante a


lei, o princípio que veda às autoridades administrativas abusarem de
seu poderes.
São os princípios, portanto, orientações normativas integrantes da
lei ou de seu espírito e que ajudam a expansão lógica do direito.
Os princípios gerais do direito consagram as verdades filosóficas perenes.
Objeto dos direitos: coisas e bens
Patrimônio é o complexo das relações jurídicas de uma pessoa,
apreciáveis economicamente.
Na idéia de patrimônio incide os resultados positivos e negativos
sobre o complexo econômico da pessoa.
A doutrina tradicional diz que o patrimônio é uno e indivisível no
sentido de que não é possível conceber a sua pluralidade da
personalidade.
Partindo da noção de que é uma decorrência da personalidade, todo
indivíduo tem um patrimônio. Um só, diz Clóvis Beviláqua.
Nem todos os direitos integram o patrimônio, entre eles existem
os direitos de família puros (ex. pátrio poder, poder marital, filiação e
etc...), também os direitos de ordem política, e a da própria pessoa, são
direitos não-patrimoniais.
Os direitos patrimoniais são aqueles de expressão econômica,
passíveis de transmissão inter-vivos, graciosa ou onerosa.
Teoria da afetação (se concebe uma espécie de separação ou divisão
do patrimônio pelo encargo imposto a certo bens).
A afetação implica na saída do bem dentro do patrimônio.
Esta teoria é uma reação contrária a doutrina tradicional da unidade
do patrimônio.
Bem, é tudo que é capaz de suprir uma necessidade humana, mas
nem todos os bens são jurídicos.

129
Gisele Leite

Nesta categoria, a dos bens jurídicos encontram-se aqueles que


satisfazem a nossa exigência e de nossos desejos, quando amparados e
protegidos pela ordem jurídica.
Bem jurídico possui uma natureza essencialmente patrimonial, é
tudo aquilo que se pode, integrar ao nosso patrimônio, é objeto de direito
subjetivo.
São objetos de direito: os bens que podem compreender tudo que
pode ser objeto da relação jurídica, sem distinção da materialidade ou
da patrimonialidade .
Os bens distinguem-se das coisas em razão da materialidade destas:
coisas são concretas e materiais , enquanto bens poderá designar também
os imateriais ou abstratos.
Mas nem tudo que é corpóreo e material é coisa: o corpo humano
não é, apesar de sua materialidade , porque o homem é sujeito dos direitos
e não é possível separar a pessoa humana, dotada de personalidade, de
seu próprio corpo – então, coisas são objetos corpóreos.
Toda relação jurídica tem um objeto (que pode ser um bem ou uma
coisa), que como objeto do direito sofre a dominação do sujeito.
No entanto, existem coisas que não são objeto de direito ou porque
são insuscetíveis de apropriação ou porque ainda não foram apropriadas.
As primeiras são chamadas coisas comuns (ar atmosférico, o mar,
as águas correntes, dos rios públicos).
No estado de coisas comuns, o ar, o mar, os rios, embora não
pertençam a ninguém, podem ser subordinados a regulamentação de
uso, de forma que a utilização por um não embarace o tráfego aéreo,
fluvial ou marítimo.
Coisas, há que embora suscetíveis de dominação acham-se
desassenhoreadas, ou porque nunca foram objeto de apropriação, ou
porque foram abandonadas pelo dono. A coisa sem dono ou coisa de
ninguém, é chamada de res nullius, acha-se à disposição do primeiro
que a tomar.

130
Teoria Geral do Direito

A coisa móvel abandonada é a chamada de res derelicta, é aquela


que era objeto da relação de direito, mas deixou de sê-lo, porque o seu
dono a lançou fora, com a intenção de renunciar.
O mesmo que ocorre com a res nullius se dá com a res derelicta,
pode ser apropriada pelo primeiro que chegar, salvo se a sua ocupação
for proibida por lei.
Mas a coisa perdida não é res derelicta , porque o elemento
caracterizador do abandono, é a intenção de renunciar a coisa, a
propriedade.
Também os fatos humanos podem ser objeto de relação jurídica,
chamados de “prestações”, pode ser o resultado desta (trabalho),
podendo ser de ordem física ou intelectual, contando que sejam lícitas,
possíveis, determinadas ou pelo menos determináveis.
Pode a relação jurídica ter, por objeto direto uma faculdade de agir
sobre um bem , como por exemplo, o usufruto de um crédito.
Os direitos possíveis de serem objeto de direitos ou da relação
jurídica devem ser suscetíveis de alienação ou transferência.
Bens corpóreos - são bens físicos, de existência de corpo
juridicamente reconhecido. Ex. uma mesa.
Bens incorpóreos - são bens abstratos. Ex. direitos de crédito.
O interesse prático da distinção das coisas em corpóreas e
incorpóreas, que no direito romano, se situava na forma de transmissão,
de vez que as corporales res, deviam obedecer ao ritual da mancipatio
ou da traditio; enquanto que a res incorporales eram transferidas por
outra forma, como in iure cessio (cessão).
É propriedade incorpórea, a propriedade literária, científica e
artística do direito do autor sobre sua obra.
Os bens considerados em si mesmo abrangendo a classificação em
móveis e imóveis; fungíveis e infungíveis; consumíveis e inconsumíveis;
divisíveis e indivisíveis; singulares e coletivos.

131
Gisele Leite

Exemplos:
Bens móveis - uma cadeira
Bens imóveis - (não podem ser transportados sem afetar
sua substância)
uma casa
Bens semoventes animais, telefone
5 ovos/R$50,00 (podem ser substituídos por
Bens fungíveis 10 metros de tecido
outro da mesma espécie, qualidade e finalidade)
1 saca de milho
tela de Picasso
Bens infungíveis (valem por sua individualidade)
Escultura de Rodin
alimento em geral
Bens consumíveis (se destroem quando usados)
cigarro
livro
Bens inconsumíveis (de natureza durável)
óculos
Bens divisíveis (sua natureza comporta
divisão sem afetar sua essência)
um terreno
apartamento
Bens indivisíveis (não admitem divisão)
um cavalo
um relógio
Obs. O Código Civil reconhece os: bens imóveis – por natureza (a
terra de um terreno inclui as árvores, plantações, frutos pendentes,
espaço aéreo e subsolo), (por acessão física e por acessão intelectual)

132
Teoria Geral do Direito

Por natureza – Na época do CC as massas minerais e fósseis eram


parte integrante dos bens imóveis, passaram a constituir propriedades
distintas, integrada da União Federal, que outorga mera concessão para
sua exploração.
O Cód. de Minas as considera imóveis por natureza. O curso d água
é imóvel. A rigor, por natureza, imóvel é apenas o solo.
Os imóveis por acessão física - compreendendo tudo quanto o
homem incorpora permanentemente ao solo; construções, edifícios,
benfeitorias em geral. Também é imóvel o material de construção que irá
ser utilizado nas benfeitorias, serão aderidos permanentemente ao solo.
Acessão intelectual - abrangendo bens que por natureza são móveis,
mas que a vontade humana imobiliza, mantendo intencionalmente
empregados na exploração industrial, aformoseamento ou comodidade
do imóvel.
Há um vínculo meramente subjetivo, como na relação das máquinas
agrícolas a propriedade agrícola.
Imóveis por determinação legal são bens que a lei trata como
imóveis, são os direitos reais sobre imóveis (uso, usufruto, habitação,
renda, enfiteuse, penhor agrícola, anticrese, servidões prediais).
As ações reais também são classificadas como bens imóveis por
determinação legal, as apólices de dívida pública (oneradas com cláusula
inalienabilidade), o direito à sucessão aberta.
Bens móveis por natureza ou por determinação legal.
Caracterização do gás (é coisa corpórea, é coisa móvel) e da
corrente elétrica (é incorpórea, é coisa móvel por determinação de lei
e seu desvio irregular é furto).
O navio é coisa móvel embora que sejam suscetíveis de hipoteca; o
mesmo se aplica à aeronave.
Móveis por determinação legal - os direitos das obrigações (ou
direitos pessoais); direitos autorais, propriedade industrial, os direitos
do inventor, de marcas e patentes, o fundo de comércio.

133
Gisele Leite

Móveis incorpóreos - cotas de capital ou ações de sociedade


mercantil (S/A, Ltda., em nome coletivo).
Bens fungíveis é aquele que podem ser substituídos por outros da
mesma espécie, qualidade e finalidade.
A fungibilidade é própria dos bens móveis.
Os imóveis são sempre infungíveis.
Bens consumíveis são destruídos na sua substância pelo uso normal e
os não-consumíveis são aqueles cuja utilização não atinge a sua integridade.
A noção se prende a consumibilidade material e, não a
deteriorabilidade a que as coisas estão sujeitas, que podem até serem
consideradas como inconsumíveis . Há ainda as juridicamente
consumíveis, os bens que não são destruídos pelo uso, mas cuja
utilização não pode ser renovada, porque implica na sua alienação.
A consumibilidade jurídica pode atingir bens materialmente
consumíveis (como se dá com os víveres nos armazéns) que são
destinados à venda, e, portanto, juridicamente consumidos no ato de
disposição pelo vendedor.
Podem ser juridicamente consumíveis, bens que são materialmente
não-consumíveis, como os livros em uma livraria, onde a
disponibilidade em que se encontram traduz a sua consumibilidade
jurídica, embora não seja destruída pelo seu uso natural.
Podem ainda a vontade das partes determinadas a consumibilidade
jurídica do bem.
Bens divisíveis – A divisibilidade é qualidade física de qualquer
corpo e toda matéria, no terreno da ciência jurídica, exige que a
fragmentação respeite as qualidades essenciais do todo.
Diz-se que são divisíveis, as coisas que comportam e as indivisíveis,
as que não comportam a divisão em porções reais ou distintas, por tal
sorte que cada uma das frações seja um todo perfeito.
A idéia de indivisibilidade assenta-se na desvalia econômica.

134
Teoria Geral do Direito

As coisas podem ser indivisíveis por natureza, determinação legal


ou por vontade das partes.
É naturalmente, indivisível tudo que não se pode partir sem alteração
de sua substância , afeta tanto os móveis como os imóveis.
A indivisibilidade jurídica decorre as vezes da lei.
A Lei 4591/64 disciplina a divisibilidade dos prédios por planos
horizontais, independente do número de andares e do material de
construção associada a unidade autônoma ‘a fração ideal do solo e das
coisas comuns.
A divisibilidade em regra, é própria dos bens corpóreos, mas o
direito estende a idéia aos incorpóreos (obrigações divisíveis e
indivisíveis).
A hipoteca é bem corpóreo, a que se atribui a condição legal de
indivisibilidade (art.757 CC.).
As servidões são bens indivisíveis (art.707 CC.)
Indivisibilidade convencional é a que resulta da vontade das partes,
que tornam indivisíveis coisas naturalmente divisíveis e a que não
imponha a lei a indivisibilidade coativa, ajustando conservá-la pro
indiviso, por tempo determinado ou não.

Observe: PATRIMÔNIO = BENS + DIREITOS

BENS
satisfazem as nossas exigências e
JURÍDICOS
protegidos pela ordem jurídica

NATUREZA PATRIMONIAL

135
Gisele Leite

implica Objetos de direito


Objetos da relação jurídica

RES NULLIUS
BENS ¹ COISAS RES DERELICTA
inclui as
imateriais MATERIAIS
CORPÓREOS
TRABALHO
FATOS HUMANOS
DIREITO DE CRÉDITO
CORPÓREOS ® TRADIÇÃO ® MESA
BENS direito de
crédito
INCORPÓREOS ® CESSÃO direito do
autor
Propriedade
científica
Por natureza ® solo
IMÓVEIS Por acessão física ® árvore, tijolos,
plantações
Por acessão intelectual ® benfeitorias,
direito reais sobre
BENS bens imóveis, direito
a sucessão
aberta,
servidões prediais
MÓVEIS
navios, corrente elétrica, gás, direito obrigacionais,

136
Teoria Geral do Direito

direito autorais, fundo de comércio,


cotas de soc. mercantis
SEMOVENTES Animais telefones
FUNGÍVEIS ® ovos, dinheiro, trigo, milho,
substituíveis pelo
BENS o mesmo da espécie, qualidade e
quantidade
INFUNGÍVEIS ® tela de Picasso, escultura de Rodin,
valem
sua individualidade
CONSUMÍVEIS ® alimentos, cigarro
BENS
INCONSUMÍVEIS ® livros, óculos apartamentos,
casa
DIVISÍVEIS ® terreno, bloco de
apartamentos
BENS
INDIVISÍVEIS ® cavalo, relógio
SINGULARES ® uma casa
BENS
COLETIVOS ou UNIVERSAIS ® herança
(universitas iuris)
Sub-rogação pessoal – uma pessoa natural ou jurídica substitui outra
na relação de direito.
Sub-rogação real – um bem toma o lugar de outro bem, como objeto
de direito.
PRINCIPAIS ® contém a substância em si

BENS

137
Gisele Leite

ACESSÓRIOS ® existem sobre a principal e


dependem da outra
accessorium sequitur principale
acessório segue o principal
NATURAIS – aderem espontaneamente ao
principal
frutos da árvore, ilha fluviais
ACESSÓRIOS INDUSTRIAIS – nascem do esforço humano
trabalho gráfico, benfeitorias
CIVIS – ônus reais em relação a coisa
gravada
juros com relação ao capital

Benfeitoria necessárias são as que têm por fim conservar a coisa


ou evitar que se deteriore – são indenizáveis.
Benfeitorias úteis são as que aumentam ou facilitam o uso da coisa.
São indenizáveis ao possuidor de boa fé, com direito de retenção. Ao
possuidor de má fé não se reconhece a faculdade de reembolsar o seu
valor.
Benfeitorias voluptuárias ou de mero deleite não são indenizáveis
e permitem levantá-las.

pendentes
Naturais percebidos
percepiendos
FRUTOS Industriais - utilidades que provém da coisa com
contribuição do
trabalho humano

138
Teoria Geral do Direito

Civis - rendimentos e benefícios (juros)


Frutos ¹ produtos da coisa

Bens públicos pertencem a pessoa jurídica de direito público.


Bens privados a todos os demais.

Bens Públicos – bens de uso comum do povo, inalienáveis e


imprescritíveis (ruas, estradas, praça, monumentos); bens de uso
especiais, inalienáveis e imprescritíveis (edifícios ou terreno aplicados
ao seu funcionamento); bens dominiais, compõe o patrimônio da União,
dos Estados ou dos Municípios.
– Naturalmente indisponíveis (pela própria natureza), o ar é
legalmente indisponível (não podem ser objeto de comércio), bens
públicos, o corpo, o cadáver, a liberdade, o parentesco.
Bens inalienáveis pela vontade humana: testamento, doação ou
instituição de bem de família).

Bem de família – É um caso especial de inalienabilidade voluntária


de origens norte-americana (homestead), permitindo que tal bem ficasse
isento de penhora por força de sua destinação à residência da família.
A inalienabilidade é relativa, pois que temporária, somente subsiste
enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos completem
maioridade; exime o bem da execução por dívidas posteriores à
constituição do bem de família, é requisito de sua validade a solvência
do pater familias, tal isenção não se aplica aos impostos incidentais
sobre o imóvel.
A cláusula de inalienabilidade somente poderá ser levantada por
mandado do juiz se for requerido por instituidor, que o justifique por

139
Gisele Leite

motivo relevante plenamente comprovado, ou por qualquer interessado


que demonstre desvirtuamento de seu destino.
Marques Reis, considera o bem de família como uma transmissão
de domínio do chefe da família para a família; Serpa Lopes, é a
transformação do domínio pessoal em um singular condomínio, sem
que seus membros possua cota pro indiviso.
Clóvis Beviláqua limita seu efeito à isenção de penhora sobre o
bem destinado ao domicílio da família.
Caio Mário, entende que é uma forma de afetação de bens a um
destino especial que é de ser a residência da família (é impenhorável).
Tombamento artístico e histórico – Uma vez inscrito o bem,
conforme o Decreto-Lei número 25, de 30/11/37, interesse público,
restringe a alienabilidade.
Não podem ser destruídos, demolidos ou mudados, os proprietários
não perdem o domínio, porém tem seu exercício subordinado a um
regime de restrição.
facto ius oritur
O direito origina-se do fato.
O fato é o elemento gerador do direito subjetivo.
A lei comumente define uma possibilidade, um vir a ser, que se
transformará em direito mediante a ocorrência de um acontecimento
que converte a potencialidade de um interesse, em direito individual.

nascimento
Pressupostos implicam em direito subjetivo maioridade
relação jurídica
materiais morte

140
Teoria Geral do Direito

São pressupostos fáticos abrigados pela ordem legal considerada


como determinantes dos efeitos jurídicos.
Fato jurídico é o acontecimento que impulsiona a criação da relação
jurídica.
Savigny: fato jurídico é o acontecimento em virtude do qual
começam ou terminam as relações jurídicas.
Fatos jurídicos são os acontecimentos em virtude dos quais
começam, se modificam ou se extinguem as relações jurídicas.
Fatos jurídicos implicam em atos jurídicos (atos lícitos, atos ilícitos,
princípio da liberdade individual) e fatos jurídicos naturais.

Fatos: simples significa uma só eventualidade


complexo significa necessária a intercorrência de
mais de um fato simples (contrato, aquisição por usucapião)
de execução momentânea Þ efeito imediato
de execução deferida (ou futura) Þ testamento
de execução pretérita Þ casamento (legitima a prole preexistente)
negócio jurídico
fatos humanos voluntários significam em conformidade com a
ordem jurídica

O ato jurídico (lato sensu) é uma das fontes criadoras de direitos


implicam ações humanas que possuem consequência ex lege.
Foi a doutrina alemã que elaborou o conceito do negócio jurídico,
é um pressuposto de fato, pela vontade, e reconhecido como base do
efeito jurídico perseguido. É espécie do gênero ato jurídico.
Todo ato jurídico origina-se de uma emissão de vontade, mas nem
toda declaração de vontade constitui um negócio jurídico.
No negócio jurídico há de estar presente uma finalidade jurídica,
que o distingue do ato indiferente, ou de mera submissão pacífica e
passiva ao preceito legal.

141
Gisele Leite

Sobre o elemento vontade capaz de gerar efeitos jurídicos,


denomina-se autonomia da vontade que enuncia por dizer que o indivíduo
é livre de, pela declaração de sua própria vontade, em conformidade
com a lei, criar direitos e contrair obrigações.
No negócio jurídico há a convergência da atuação de vontade e do
ordenamento jurídico.
É a mais alta expressão do subjetivismo.
A vontade jurídica possui 3 momentos: o da solicitação, da liberação
e da ação.
O negócio identifica-se com a declaração de vontade.
Condições de validade: subjetivas – capacidade plena ou
devidamente complementada quando for o caso. Não deve haver nem
mesmo impedimentos ou incapacidades especiais. Objetivas Þ é o objeto
lícito, possível, determinado ou pelo menos determinável.
A forma é a terceira condição de validade, em princípio vigora a
liberdade da manifestação da vontade, vindo só excepcionalmente a lei
exigir determinada forma
Deve conter tais requisitos ou elementos essenciais havendo ainda
elementos acidentais não determinados por lei, mas introduzidos pela
vontade das partes.
Negócios jurídicos (tipos):
· unilaterais – uma só declaração de vontade
· bilaterais
· onerosos
· gratuito
· inter vivos
· mortis causa
· principal
· acessório
142
Teoria Geral do Direito

Defeitos do negócio jurídico Þ atingem a emissão de vontade. Há


negócio jurídico, porém defeituoso, e nisto difere daquelas hipóteses
em que há ausência de vontade relativamente ao resultado, casos em
que ante um negócio inexistente, tal deve ser nulo.
Duas categorias de defeitos, uns só atingem a própria manifestação
da vontade, perturbando a elaboração da declaração de vontade.
Chamados de vícios de consentimento, são os que provocam distorções
sobre a vontade ou sobre a declaração.
Outros, afetam o ato negocial salientando a desconformidade do
resultado com o imperativo da lei.
Com razão, Clóvis Beviláqua os denomina vícios sociais, pois
manifestam uma insubordinação da vontade às exigências legais, no que
diz respeito ao resultado querido.
Vícios de consentimentos são: o erro, o dolo e a coação.
Vícios sociais são a simulação e a fraude. Também a lesão aproxima-
se dos vícios de consentimentos.
Quando é rompido o binômio vontade-norma legal, o ato se forma,
porém inquinado de um defeito.
O traço de comunicação entre estes vícios (quer os sociais como o
do consentimento) é que atingem o ato negocial, situa-se na ruptura do
equilíbrio de seus elementos essenciais.
Erro de fato Þ ignorância, ou falsa percepção dos fatos substânciais
(atua sobre a causa determinante do negócio).
in pessona
error in corpore
in substantia
in quantitate
erro acidental Þ error
In qualitate

143
Gisele Leite

boa fé
Erro de direito
obrigatoriedade da lei
dolus malus
dolo
dolo principal
vis absoluta - física
coação
vis compulsiva - moral/psicológica
requisitos – ameaça séria e injusta ¹ temor reverencial - perigo
iminente e real

Simulação não há vício de consentimento, trata-se de vício social,


é positivado na desconformidade entre a declaração de vontade e a ordem
legal por causa da relação ou de técnica de sua realização.
Simulação absoluta é quando o ato encerra confissão, declaração,
condição ou cláusula não verdadeira.
Simulação relativa = dissimulação (um ato tem por fim envolver
outro)
Reserva mental ou reticência – ocorre quando o agente faz a ressalva
de não querer o ato que é objeto de declaração. A doutrina aceita como
sendo extensão da simulação.
Equivalente conceitual da reticência é a declaração de vontade feita
por pilhéria, produz efeitos se é emitida para a outra parte que a tome a
sério, e não produz nenhum efeito quando a intenção é conhecida.
Fraude contra credores Þ fraus = procedimento malicioso, a
manobra engendrada com o fito de prejudicar terceiro e tanto se insere
no ato unilateral, como no ato bilateral.

144
Teoria Geral do Direito

Presente está o propósito de levar os credores ao prejuízo,


perfazendo-se uma insolvência.
Seus requisitos são a má fé do devedor, e a intenção de impor
prejuízo a terceiro.
Basta que o devedor tenha a consciência de produzir o dano.
Na simulação, o ato pode resultar em dano, porém na fraude, sempre
resultará em dano a terceiro. Na fraude, o ato é real e a declaração de
vontade está de acordo com o querer íntimo do agente, tendo como
efeito o resultado prejudicial a terceiro.
A fraude leva a diminuição maliciosa patrimonial.
Os atos fraudulentos são atacáveis pela ação denominada pauliana
ou revocatória (ou rescisória).
Fraude à execução - lesão e estado de perigo = o prejuízo que
uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial resultante da
desapropriação existente entre as prestações das duas partes.
Corresponde a crime contra Economia Popular (Decreto-Lei 869/38,
modificado pela Lei 1.521. Elementos: Objetivo, subjetivo
(desproporção entre as partes, dolo de aproveitamento).

Atos Jurídicos

O artigo esmiúça os atos jurídicos traçando o fundamento e os


principais defeitos.
Dentre os fatos humanos, há os que são voluntários e os que
independem do querer individual. Sendo os voluntários, caracterizados
por serem ações resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos
jurídicos desde que se revestirem de certas condições impostas pelo
direito positivo.
Porém nem todas ações humanas se constituem em atos jurídicos,
porém apenas as que traduzem a conformidade com a ordem jurídica,

145
Gisele Leite

esclarece o brilhante professor Caio Mário da Silva Pereira.


Define o Código Civil, que ato jurídico é todo o ato lícito que tenha
por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, ou extinguir
direitos (vide o atual art. 185 do NCC ou o antigo art. 81 do CC de 1916).
Para ser válido o ato jurídico, para ser ato jurídico perfeito requer
agente capaz, objeto, lícito, possível, determinado ou determinável e,
ainda prescrita em lei ou não vedada em lei (art. 82 do CC de 1916 ou
art. 104 do NCC).
Pela sistemática brasileira, o ato jurídico e negócio jurídico são
expressões equivalentes, alguns servem esta última para significar o
ato especificamente decorrente de declaração de vontade partida do
agente.
O ciclo vital do direito à guisa do ciclo da própria vida prevista na
natureza que nos cerca, também nasce, desenvolve-se e extingue-se,
essas fases ou momentos decorem de fatos que são denominados fatos
jurídicos, exatamente por produzirem efeitos jurídicos.
Fatos jurídicos são, na definição de Savigny, são acontecimentos
em virtude dos quais as relações de direito nascem e se extinguem.
Os fatos (lato sensu) podem ser classificados em: fatos naturais
(fatos stricto sensu) e fatos humanos (atos jurídicos lato sensu).
Os fatos naturais se dividem em ordinários (nascimento, morte,
maioridade, decurso do tempo) e extraordinário (terremotos, raio,
tempestades e outros fatos que em geral incluídos nos casos fortuitos
ou força maior).
Os fatos humanos dividem-se em lícitos e ilícitos.
Os lícitos são os que a lei defere os efeitos almejados pelo agente.
Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem
os efeitos jurídicos voluntários, desejados pelo agente.
Ilícitos ainda que contrários ao ordenamento jurídico, repercutem
na esfera jurídica produzindo efeitos involuntários (quando não dolosos)
impostos por esse ordenamento.

146
Teoria Geral do Direito

Aliás, o Novo Código Civil Brasileiro traz novidade muito curiosa


no que tange ao art. 185, responsável pela inclusão dos atos jurídicos
lícitos, resultado da vitória de Miguel Reale sobre Caio Mário da Silva
Pereira, na acirrada polêmica sobre o correto sentido do conceito de
“ato jurídico”.
A boa parte da doutrina não considerada como jurídico o ato ilícito,
embora este produza efeitos como a responsabilidade civil.
Hoje, se admite que os atos ilícitos integram a categoria dos atos
jurídicos, pelos efeitos que produzem (geram a obrigação de reparar o
prejuízo) vide o antigo art. 159 do CC de 1916 ou o art. 186 do NCC.
Os atos lícitos ainda dividem-se em: stricto sensu (ou meramente
lícitos) e o negócio jurídico. Ambos existem uma manifestação volitiva
amparada pela lei e capaz de gerar efeitos (jurígeno).
No ato jurídico, o efeito da manifestação de vontade está
predeterminado em lei (como por exemplo, a notificação que constitui
em mora o devedor, notificação para rescisão contratual).
Porém, às vezes o efeito do ato jurídico não é buscado e nem
imaginado pelo agente, mas decorre de uma conduta que sofre uma
sanção pública.
Ato jurídico é potestativo é imposto inderrogável, pois que engendra
efeitos na esfera de interesses independentes de sua vontade.
O fundamento do ato jurídico é a vontade real do sujeito que se
declarou nas condições definidas em lei capaz de produzir imediata ou
futuramente, determinado efeito, como criar, conversar, alterar,
transferir ou extinguir direitos ou obrigações.
Desse modo, vontade e declaração integram o ato jurídico, porque
vontade indeclarada, de propósito oculto, e irrelevante para o direito, e
declaração sem vontade real, como a resultante de dolo ou do erro, não
cria vínculos jurídicos.
Correm no campo da doutrina duas teorias são capazes de justificar
continuamente o ato jurídico: a teoria da vontade e a da declaração.

147
Gisele Leite

A teoria da vontade, liderada por Savigny, diz que a declaração é


simples sinal exterior da vontade real, devendo, portanto ser pesquisada,
nos seus verdadeiros propósitos, através dos disfarces ocorrentes e
possíveis das palavras e dos símbolos.
Tal pesquisa da vontade seria assaz auspiciosa e dificílima.
A teoria da declaração rebela-se porque se substitui a vontade
psicológica pela vontade formal jurídica que na declaração se concretiza,
eliminadas, desse modo, as auspiciosas sondagens da vontade real de
caráter interno e subjetivo. Também levada ao extremo, a teoria da
declaração desfecharia num literalismo grosseiro e não aceitável.
Por agente capaz entende-se é aquele que se encontra perante a lei
em condições de declarar sua vontade. A capacidade exigida aqui não é
só a geral mas também a especial. Ressalte-se que a capacidade civil
desceu para 18 anos.
Além dos tipos clássicos de capacidade, a de direito e a de fato, há
também a capacidade negocial e a especial. A capacidade negocial é
aquela exigida como plus, além da genérica, para realização de atos
jurídicos específicos. O referencial não é etário, as vezes são
circunstâncias culturais tais como saber ler e escrever, ouvir, e, etc.
Capacidade especial é a aquela exigida para a realização de
determinados atos, normalmente fora da esfera do Direito Privado. Aqui,
o referencial será a idade que pode ou não coincidir com a maioridade
civil. Assim, para votar e casar é 16 anos, para movimentar contas
bancárias é 16 anos, para o serviço militar é 17 anos, e, etc.
Pessoas existem porém, a quem a lei não reconhece a capacidade
de agir ou de exercício.
São os absolutamente incapazes, a saber: (art.3.do NCC)
Os menores de 16 anos , os que por enfermidade ou deficiência
mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses
atos, os que, mesmo por causa transitória não puderem exprimir sua
vontade (como o surdo-mudo inexpressivo, ausentes).

148
Teoria Geral do Direito

Os relativamente incapazes são (a saber previsto no art. 4.do NCC)


os maiores de dezesseis e menores de 18 anos; os ébrios habituais, os
viciados em tóxicos, (pelo Decreto 891, de 25 de novembro de 1938,
e os psicopatas pelo art. 26 do Dec. 24.559, de 3 de julho de 1934),
art.1.185 do CPC.
Os toxicômanos pela Lei 4.294/21, foram equiparados aos
psicopatas, criando o Dec-
Lei 891/38, no art.30,§ 5o., duas espécies de interdição, conforme
o grau de intoxicação(limitada, que é similar à interdição dos
relativamente incapazes, e a plena, semelhante à dos absolutamente
incapazes), e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento
reduzido; os excepcionais, os pródigos. Ressalva ainda em parágrafo
único que a capacidade dos índios será regulada por legislação especial.(
Lei 6.001, de 19/12/73 Estatuto do Índio, CF/88, arts.22, XIV, 49, XVI,
129, V, 210 §2o., 232, 109, XI, 231, 176 §1o).
É importante frisar que no direito pátrio não existe incapacidade de
direitos, porque todos se tornam, ao nascer com vida, capazes de adquirir
direitos. Existe tão-somente incapacidade de fato ou do exercício,( art.
2o., do NCC). A capacidade é a regra e a incapacidade a exceção.
A incapacidade descrita nos incisos II e III,do art. 3o., mister se faz
que haja manifestação judicial a respeito.
Ratifica o novo codex civil que ao nascituro possui uma expectativa
de direito. Ocorrendo a personalidade jurídica, a pessoa torna-se sujeito
de direito, transformando-se em direitos subjetivos as expectativas de
direito que a lei lhe havia atribuído na fase de concepção. Inclusive
Para Arnold Wald, o nascituro teria personalidade condicional.
Correspondendo a incapacidade numa restrição legal ao exercício
de atos da vida civil, restrição de caráter protetora pois que a vontade
dos incapazes nem sequer é autêntica às suas necessidades.
Em diversos dispositivos na sistemática civil brasileira demonstram
o sistema de proteção aos incapazes, como por exemplo, o poder
familiar (ex-pátrio poder), a tutela, curatela, à prescrição e outros.

149
Gisele Leite

Nesta proteção não está incluída a restitutio integrum ( benefício


de restituição) pois se o negócio jurídico for validamente celebrado
(com observância de todos os requisitos de representação, e da
assistência) não se poderá anulá-lo, mesmo que posteriormente,
demonstre ser prejudicial ao menor.
Incorporou-se o instituto da lesão enorme e enormíssima como
causa invalidante do negócio jurídico, o que já havia sido feito pelo
CDC o Código de Consumidor, explicitou-se a representação, a reserva
mental, o abuso de direito e da prova dos fatos jurídicos. Manteve-se a
influência pandectista para a conceituação do negócio jurídico.
As incapacidades podem ser supridas por meio da representação
que ocorre quando alguém autorizada pela lei, pratica os atos jurídicos
em nome do incapaz.
São representantes legais:é o pai e a mãe dos filhos menores de 16
anos, é o tutor dos órfãos menores impúberes, é o curador, dos insanos
com maioridade, os surdos-mudos, e etc. Os poderes de representação
conferem-se por lei ou pelo interessado.
É anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse
ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.(ex vi art.117 NCC).
O representante é obrigado provar às pessoas, com quem tratar em nome
do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena
de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.
É anulável o negócio concluído em conflito de interesses com o
representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem
com aquele tratou.
O prazo a contar da conclusão do negócio ou da cessação da
incapacidade, é de 180 dias, o prazo de decadência para pleitear-se a
anulação prevista neste artigo.(ex vi art. 119 do NCC).
Os relativamente incapazes têm a incapacidade suprida ou pela
assistência ou pela autorização(ato pelo qual o relativamente incapaz
obtém a autorização de quem legalmente pode concedê-la para realizar
certo ato jurídico).

150
Teoria Geral do Direito

Ao declarar sua vontade, o agente dá seu consentimento ao negócio,


que não pode ser prejudicado por nenhum dos defeitos do ato jurídico
tais como o erro, dolo, coação, e a simulação.
No dizer de Fiúza defeito é todo vício que macula o ato jurídico,
tornando-o passível de anulação. Os mais graves defeitos, viciam o ato
de forma definitiva e os menos sérios podem ser remediados pelas
partes interessadas.
São previstos no art. 166 do NCC, in verbis:
“É nulo o negócio jurídico quando:
I celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II for ilícito,
impossível ou indeterminável o seu objeto; III o motivo determinante,
comum a ambas as partes, for ilícito; IV não revestir a forma prevista
em lei; V for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial
para a validade; VI tiver por objetivo fraudar a lei imperativa; VII a lei
taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar
sanção.”
São defeitos relativos ou leves os listados no art.171 do NCC, a
incapacidade relativa doa gente do agente, os vícios do
consentimento(erro, dolo, coação) o estado de perigo, a lesão e a fraude
contra credores, além de outros, previstos na legislação de maneira
difusa.
Por objeto do ato jurídico deve ser lícito, possível(ou seja ter
natureza e existência judicialmente reconhecida). Se for impossível o
objeto, seja física ou juridicamente, dar-se-á a nulidade absoluta do ato
jurídico.
E em boa hora, o Código Civil de 2002 acrescenta o que já ermitava
consagrado em doutrina, há de ser o objeto lícito, possível, determinado
ou determinável que atende à clareza do negócio.
Quanto a forma dos atos jurídicos convém ressaltar os que integram
a substância do ato(a forma ad solemnitatem) tais como a escritura
pública para a alienação de bem imóvel, o testamento; e os que se

151
Gisele Leite

revestem de formalidade ad probationem tantum que é exigida apenas


como prova do ato, por exemplo, o assento do casamento no livro de
registro art. 1.536 do NCC.
Todavia, existem os atos ditos não solenes ou de forma livre, não
reclama nenhuma formalidade para seu aperfeiçoamento podem ser
inclusive celebrados pela forma verbal.
Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à
validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência,
modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor
superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.(art.108
NCC). Continua a ser a forma livre do ato a regra, e a exceção a forma
especial ou solene que a lei ou o próprio negócio jurídico exigir.(ex vi
art. 109 NCC).
Algumas vezes, a forma é essencial à validade do ato e em outras é
simplesmente um meio de prova, se a formalidade é da essência do ato,
este não valerá, por exemplo, quanto aos débitos inferiores a dez vezes
o salário mínimo, o CPC admite a prova exclusivamente testemunhal(
art.401 CPC), mas a existência do contrato independe da forma escrita
e desde que as partes cumpram as suas obrigações o contrato mesmo
de valor superior a dez salários mínimos será perfeito e acabado, embora
não tenha a forma escrita.A nova legislação trazida distinção entre as
formalidades exigidas pelo ato para sua existência e as que são exigidas
para prová-lo.
O NCC traz dois novos institutos como causa de invalidação do
negócio jurídico, o estado de perigo (art. 156 NCC) e a lesão
(art.157NCC). Configura-se o estado de perigo quando alguém, por
exemplo, vende um bem imóvel por preço vil, em razão de premente
cirurgia de uma pessoa de sua família. Tal venda poderia ser anulável
por se encontrar o vendedor em estado de perigo.
Já a lesão à pessoa assume uma prestação desproporcional em
função de premente necessidade ou inexperiência. Tal instituto tende a
evitar negócios jurídicos onde impera a má fé de uma das partes, onde
não ocorre a observância do princípio da boa-fé objetiva. O negócio,

152
Teoria Geral do Direito

contudo, pode ser convalidado e for ofertado suplemento suficiente,


ou se a parte favorecida estiver de acordo com a redução do proveito.
Unidade VIII: Domicílio: um complexo conceito do Direito Civil.
O direito romano já delineava de forma clara e precisa de domicílio,
era simplesmente o lugar onde a pessoa se estabelecia permanentemente.
Informa Pablo Stolze foram os franceses que complicaram a noção
de domicílio, pois imaginavam haver relação jurídica entre a pessoa e o
lugar que habitava. Domicílio, corresponde, em última análise, à
projeção da proteção constitucional da própria pessoa humana. A
disciplina jurídica do domicílio visa a preservação da vida privada da
pessoa humana, garantindo a dignidade humana afirmada
constitucionalmente.
Por imperativo da segurança jurídica, toda pessoa deve ter um lugar
que seja considerado a sede central de seus negócios. Neste local, salvo
disposição especial em contrário, a parte com quem contratamos poderá
ser demandada, uma vez que o foro do domicílio do réu fixa a regra
geral de competência territorial (art. 94 CPC).
A noção de domicílio pertence ao direito material onde é
devidamente disciplinada e sistematizada, a LICC adota o sistema de
territorialidade moderada e dispõe em seu art. 7º. Toda a relevância do
conceito de domicílio e seus efeitos.
No direito das obrigações serve o domicílio para firmar a regra
geral de que o pagamento deve ser efetuado no domicílio do devedor (é
a chamada dívida quesível ou querable), se o contrário não resultar do
contrato, das circunstâncias ou da natureza da obrigação, bem como da
própria lei.
Referente ao domicílio político este é relevante para o Direito
Constitucional e ao Direito Eleitoral. Mesmo na seara processual penal,
desconhecido o local onde se consumou o crime, a competência para
julgar o réu poderá ser determinada por seu domicílio ou residência
(art. 72 do CPPC).

153
Gisele Leite

Domicílio civil é o lugar onde a pessoa natural estabelece residência


com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal
de seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional.
É o local onde reside sozinho ou com seus familiares. É o local
onde reside sozinho ou com seus familiares. É o lugar onde se fixa o
centro de seus negócios jurídicos ou de suas ocupações habituais. O
Código Civil Brasileiro de 2002 abarcou todas as hipóteses de
domicílios nos arts. 70, 72 e em seu parágrafo único.
Morada é mera relação de fato sem o ânimo de nela permanecer, é
lugar onde a pessoa natural se estabelece provisoriamente. Estadia
descreve Ruggiero que pode ser definida como “a mais tênue relação
de fato entre uma pessoa e um lugar tomada em consideração de lei”, é
de importância mínima, não produzindo em regra qualquer efeito, senão
quando se ignora a existência de uma sede mais estável para a pessoa.
O mesmo doutrinador aponta que residência pressupõe maior
estabilidade, mas é bem, mas complexa a noção de domicílio posto que
abrange a residência e, por conseguinte, a morada. Mas, há sobretudo,
o animus manendi, ou seja, o ânimo definitivo de fixar-se.
Pondera Pablo Stolze que a fixação de domicílio tem natureza
jurídica de ato jurídico não-negocial ou ato jurídico stricto sensu
segundo a escola alemã. E, como tal exige-se a capacidade de agir.
Exceto para os chamados domicílios originários
A pluralidade de domicílios é orientação advinda do direito alemão
a qual seguimos. Inovou, outrossim, o legislador pátrio, ao substituir a
expressão “centro de ocupações habituais” por outra expressão mais
abrangente “quanto as relações concernentes à profissão, o lugar onde
esta é exercida”.
A mudança de domicílio opera-se com a transferência da residência
aliada à intenção manifesta de alterá-lo. Que se constata da análise
objetiva das circunstâncias fáticas.
Para as pessoas que não tenham residência certa ou domicílio,
elaborou-se a tese ou teoria do domicílio aparente ou ocasional criada
por Henri De Page segundo a qual àquele que cria as aparências de um

154
Teoria Geral do Direito

domicílio em um lugar pode ser considerado por terceiro como tendo


aí o seu domicílio.
Aplicação desta teoria assenta-se no teor do art. 73 do CC onde se
reputa o domicílio, o lugar onde a pessoa for encontrada (é o caso dos
nômades, andarilhos, ciganos, profissionais ambulantes e, etc...).
O vigente CPC em seu § 2º do art. 94 utilizar-se tal teoria quando
aduz que sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, este será
demandado aonde for encontrado ou no foro do domicílio do autor.
Já o domicílio de pessoa jurídica de direito privado é normalmente
indicado em seu estatuto ou contrato social, é o chamado domicílio
especial. E se não houver tal indicação expressa, considerar-se-á como
domicílio, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e
administrações, ou então, se possuir filiais em diversos lugares, “cada
um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados” (art.
75, IV, § 1º do CC de 2002).
O domicílio voluntário é o mais comum e decorre de ato livre, da
vontade do sujeito de direito. O domicílio legal ou necessário, é fruto
de determinação legal e, em atenção a condição especial de certas
pessoas. É o caso do incapaz, do servidor público, do militar, do
marítimo e do preso (art. 76 do C.C.).
Já quanto ao domicílio de eleição ou contratual este é fruto de mútua
vontade das partes contratantes, porém na seara do direito do
consumidor é curial relatar que nos contratos de consumo, considera-
se ilegal e abusiva a cláusula contratual que fixar o foro de eleição em
benefício do fornecedor do produto ou serviço, em prejuízo do
consumidor (art. 51, IV do CDC).
Também adverte Amauri Mascaro Nascimento que também não é
admitido nos contratos de trabalho em face da notória hipossuficiência
do trabalhador (art. 9 da CLT). E na maioria dos contratos de adesão,
também não tem prevalecido, quando importar em prejuízo ao
contratante aderente.
A noção de domicílio tem enorme relevância para o direito e,
particularmente no âmbito processual. Legou-nos o direito romano

155
Gisele Leite

noção bastante nítida do instituto, embora contenha uma referência


incompleta.
A teoria romana partia da idéia de casa ( domus) e fixava o conteúdo
jurídico em razão do estabelecimento ou permanência do indivíduo naquele
lugar “ubi quis larem rerunque ac fortunarum suarum summan cosntituit”.
A definição romana é parcial pro abranger tão-somente o domicílio
voluntário, relegando ao esquecimento o domicílio legal. O domicílio
consiste no fato singelo na sua materialidade: estabelecimento do lar e
da constituição do centro de interesses econômicos.
Aubry e Rau pautaram a noção, segundo a qual o domicílio é uma
relação jurídica existente entre uma pessoa e um lugar. Tal raciocínio
seduziu muito a doutrina francesa da escola exegética conquistando a
Itália que também enxergou no domicílio num vínculo de direito havido
entre lugar e pessoa.
Coube, porém, à doutrina alemã restaurar o conceito na sua acepção
originária, os pandectistas reafirmaram a idéia romana retomando a
noção de centro das relações e atividades, moradia habitual.
O BGB em seu §7º, não cuida de imaginar qualquer vinculação
jurídica entre pessoa e o lugar em que se encontra e permite a definição
de domicílio como centro de relações jurídicas de uma pessoa.
Os modernos doutrinadores franceses criticam a noção de vinculum
iuris entre pessoa e o lugar e ratificam que não se trata de conceito
abstrato e sim, de concreto ( De Page). O que é positivado francamente
no art. 102 do Código Francês é aquele onde a pessoa tem o seu principal
estabelecimento.
Aliás, refutando veemente a idéia de vínculo jurídico entre lugar e
pessoa, temos as idéias de Kant que aponta só ser possível relações
jurídicas entre sujeitos de direito.
O Código Civil Brasileiro definiu (o que normalmente não o faz)
domicílio em seu art. 70 e atestou expressamente os dois elementos
essenciais: a residência com ânimo definitivo provenientes de duas
ordens distintas (uma externa e, outra interna).

156
Teoria Geral do Direito

A residência é o lugar de morada normal, onde a pessoa estabelece


sua habitação.
Ruggiero estabeleceu gradação entre os conceitos de morada,
residência e domicílio, Na residência existe a morada de quem chega e
fica não é a pousada eventual. O quem aluga uma casa de praia ou de
campo para passar o verão ou inverno, tem ali sua morada, mas não tem
a residência (que pressupõe estabilidade que pode ser maior ou menor).
Também os irmãos Mazeaud procuraram delinear a distinção entre
os referidos conceitos. Ponderam que a residência se coloca a meio
caminho entre a morada e o domicílio, mas não podemos aderir a essa
doutrina por pressupor no conceito de domicílio a vinculação jurídica
e abstrata entre a pessoa e o lugar do estabelecimento principal dos
negócios jurídicos da pessoa.
Clóvis Beviláqua define domicílio da pessoa natural como “o lugar
onde esta, de modo definitivo, estabelece a sua residência e o centro
principal da sua atividade”.
É, sem síntese, a sede jurídica da pessoa, onde esta se presume
presente para efeitos de direito e onde pratica habitualmente seus atos
e negócios jurídicos.
Carlos Roberto Gonçalves identifica os dois elementos
componentes do conceito do domicílio, sendo o primeiro de caráter
objetivo que é a residência; e correspondendo a mero estado factual
material, e o segundo elemento de caráter subjetivo de natureza
psicológica e íntima consistente no ânimo definitivo de fixar-se de
modo permanente.
Da conjunção desses dois elementos que nasce o conceito de
domicílio civil.
A residência é elemento mais amplo que o domicílio e, com este
não se confunde. É simples estado de fato, enquanto que domicílio é
uma situação jurídica.
Para o direito brasileiro, o domicílio não é fato material de ser
permanente que transforma a residência em domicílio, mas o fator
psicológico, ou seja, o ânimo definitivo de fixar-se.
157
Gisele Leite

Todos os sujeitos de direito devem ter, pois um lugar certo, no


espaço, de onde irradiem sua atividade jurídica. È ponto de referência
protegido constitucionalmente como recinto inviolável.
Para o codex civil brasileiro a noção de domicílio assenta-se na
idéia de residência, enquanto que para a escola francesa domicílio e
residência são noções dissociadas (pois a residência é fato, e domicílio
é de direito, assim um indivíduo pode ter tranqüilamente várias
residências, mas em princípio, um único domicílio).
A residência como habitação efetiva, perde-se naturalmente quando
é deixada enquanto que o domicílio como sede jurídica da pessoa, pode
subsistir ainda que ali não resida nunca a pessoa. De certa forma, segue
essa orientação do art. 77 CC. Ao prevê o domicílio do agente
diplomático.
É óbvio que não é qualquer residência que faz o domicílio para o
direito pátrio, pois seria total a insegurança depender de elemento
anímico de apuração subjetiva, isto é, a definitividade da residência.
Desta forma, a equação sábia elaborada por Pothier que reúne os dois
elementos, morada habitual ou residência.
Um estudante que passa dois anos na Europa cumprindo bolsa de
estudos, não tem ali seu domicílio, embora lá fixe sua residência. Um
funcionário enviado para exercer temporariamente no exterior, tem
residência, mas lá não se domicilia, tanto assim que a lei substantiva
não permite a fluidez do prazo prescricional contra este.
O que falta é o animus manendi que se torna incompatível com a
temporariedade da missão ou da estadia para estudos.
A melhor doutrina alemã oferece a contraprova na evolução moderna
da doutrina francesa reconhecendo a complexidade conceitual de
domicílio, criando a teoria da eleição tácita de domicílio e a teoria do
domicílio aparente.
Vigora a presunção de que, para efeito de fornecimentos, trabalhos,
locações, as ações podem ser ajuizadas, na falta de eleição de domicílio
expressa, no lugar em que o negócio foi ajustado ou executado (eleição

158
Teoria Geral do Direito

tácita); ou então, no que se refere aos fornecimentos correntes, aceitaram


os tribunais a competência do juiz do lugar da residência aparente.
O domicílio aparente se funda na intensa necessidade de fixar-se
uma sede para as pessoas que tenham várias residências, ou que se
deslocam constantemente, e assenta-se como domicílio a aparência
criada que fora construída em benefícios de terceiros, o que acarreta
ser possível a invocação a seu favor do domicílio aparente.
Saliente-se que a citação editalícia é ultima ratio pois só aplicar-
se-á quando constatada por meio de contrafé de oficial de justiça que o
réu se encontra em lugar em incerto e não sabido.
Da fixação do domicílio decorrem certas conseqüências que
atingem as relações jurídicas projetando-se nos seus efeitos por
diversos ramos jurídicos.
Domicílio importa em traduzir a fixação espacial do indivíduo, o
fator de sua localização para efeito das relações jurídicas, a indicação
de um lugar onde o indivíduo está ou se presume que esteja, dispensando
aos interessados o esforço e a incerteza de andarem à sua procura por
caminhos instáveis.
No aspecto civilístico resume o domicílio, o lugar de exercício de
direitos, cumprimento de obrigações no sentido de sua exigibilidade
(vide a questão de dívida portable e dívida querable).
É o domicílio que concentra o eixo principal de interesses
pecuniários da pessoa, fixando o lugar, portanto, da atuação relativa a
esse complexus econômico. É no lugar do domicílio que se publicam
os editais relativos aos direitos obrigacionais e ainda ao direito de
família (proclamas). Também é em razão do domicílio que se caracteriza
a ausência.
Quanto ao âmbito processual civil, é o domicílio que fixa a regra
geral de competência (art. 94 e seguintes do CPC).
A polivalência conceitual de domicílio nos conduz a vários tipos de
domicílio como o político, fiscal, eleitoral que ora nos interessa quanto
ao direito público e, ora ao direito privado.

159
Gisele Leite

A doutrina moderna pontifica as diferenças entre: morada, é o lugar


onde a pessoa se encontra de forma fugaz, sem qualquer vínculo de
permanência. É, na realidade, o local onde a pessoa se encontra
estabelecido naquele momento de forma absolutamente temporária, sem
que haja qualquer vínculo que a ligue ao lugar. É a hipótese, por exemplo,
do hotel onde o sujeito se hospeda durante as férias ou simples pernoite.
Residência é o local onde a pessoa estabelece sua habitação normal,
de forma estável mesmo que sua permanência seja relacionada a
períodos do mês ou da semana.
O elemento residência é primordial para caracterização do bem de
família legal (Lei 8.009/90) que é impenhorável se for o único imóvel
urbano ou rural utilizado como residência da entidade familiar.
Há residência no local onde a pessoa permanece, geralmente em
virtude de alguma atividade ou de algum vínculo que a liga ao lugar,
como por exemplo, um imóvel alugado ou de sua propriedade que utiliza
para passar finais de semana e férias. Trata-se de uma relação de maior
estabilidade que a mera morada.
Domicílio segundo traduz o próprio texto legal codificado é a
residência com ânimo definitivo (art. 21 do CC/1916 e art. 70 do C.C.
/ 2002). É o local que a pessoa elege como sede de suas atividades
principais e de sua morada de forma duradoura e não temporária.
O mais interessante dos elementos componentes do conceito de
domicílio é o subjetivo ou psíquico e é apreciado à luz de um
comportamento objetivo da pessoa, já que não podemos avaliar
subjetivamente o animus do sujeito.
Ademais, o simples desejo de viver ou morar em outro lugar, não
descaracteriza o domicílio da pessoa. Se a pessoa aluga um apartamento
e se muda, levando seus pertences, demonstra objetivamente o animus
de transferir seu domicílio para aquele local, mesmo que se desejo de
fato fosse morar em um apartamento maior e melhor localizado.
A sistemática do direito francês, prevista no Código de Napoleão
de 1804, é inviável a pluralidade ou a inexistência de domicílio para
determinada pessoa. Assim, o domicílio sob a ótica do direito gaulês, é

160
Teoria Geral do Direito

uma relação de direito que se estabelece entre a pessoa e o local de seu


principal estabelecimento, sendo inaceitável a completa inexistência
deste, ou a pluralidade de relações desta natureza. A pessoa deve ter um
domicílio, obrigatoriamente (art. 102 do Código Civil francês).
Seguiu o direito brasileiro o direito alemão pois é admissível tanto
a inexistência, como a unidade bem como a pluralidade de domicílios
da pessoa. Assim poderá o sujeito ter um ou vários domicílios, ou até
mesmo não ter nenhum domicílio.
A inexistência de domicílio se tipifica no caso dos nômades, artistas
circenses, caixeiros-viajantes, e etc. Neste caso, considerar-se-á
domicílio o local onde a pessoa se encontrar, não significa que aquele
local seja de fato o domicílio da pessoa, mas tão-somente que, pra fins
jurídicos, deve-se aplicar àquele local.
Uma ação proposta em face de uma pessoa que não tenha domicílio,
a competência segue a regra geral do domicílio do réu, deve ser o local
onde quer que se encontre. O que não significa, contudo, que aquele
seja efetivamente o seu domicílio.
Ocorre a pluralidade de domicílio quando há mais de um centro de
atividades habituais, ou quando além de um domicílio voluntário, possui
um domicílio necessário. O art. 72 do CC estabelece que cada local
onde a pessoa natural desempenhe sua atividade profissional é também
considerado seu domicílio.
Há duas espécies distintas de domicílio: voluntário e o necessário.
O primeiro é aquele que decorre da escolha de seu titular, o qual fixa
residência com ânimo definitivo por ato de vontade própria.
O necessário ou legal é decorrente da norma jurídica, ou seja, aquele
que decorre da lei. E são várias as hipóteses, como:
a) domicílio dos incapazes é o mesmo de seus representantes legais
(quer sejam pais, tutores ou curadores);
b) domicílio dos funcionários públicos reputa-se o local onde
exercerem suas funções efetivas.

161
Gisele Leite

c) domicílio do militar na ativa reputa-se no local onde estiver


servindo, sendo que o militar for da Marinha ou da Aeronáutica, seu
domicílio será a sede do comando a que se encontrar imediatamente
subordinado (art. 76, parágrafo único do C.C.);
Os domicílios dos oficiais e tripulantes da Marinha Mercante têm
domicílio no local onde o navio estiver matriculado;
Outras hipóteses de domicílios especiais é o caso dos domicílios
eleitorais, e domicílio contratual (art. 78 do C.C).
Em virtude da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei do país em
que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o
fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família (
art. 7º., Dec. Lei 4657/1942). E, adiante, em seu art. 10 estabelece que
a sucessão causa mortis ou por ausência obedecerá à lei do país em
que foi domiciliado o defunto ou o desaparecido qualquer que seja a
natureza e a situação dos bens deixados.
Em relação às pessoas jurídicas o domicílio da União é o Distrito
Federal (é área geográfica erigida em unidade da federação, onde está
situada a capital da República brasileira, na cidade de Brasília) e o dos
Estados, as suas respectivas capitais, o do município, o lugar onde
funciona a administração municipal, o das demais pessoas jurídicas, o
lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações ou
onde elegerem domicílio especial nos seus estatutos ou atos
constitutivos devidamente registrados.
Autarquias (são instituições autônomas criadas por lei e dotadas de
personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executarem
atividades típicas da administração pública) têm seu domicílio
determinado pela lei que a criaram, em qualquer um destes em relação
aos atos nestes praticados. Se a administração ou a diretoria tiver sede
no exterior, o domicílio da pessoa jurídica para as obrigações contraídas
por qualquer uma de suas agências no Brasil será reputado no referido
estabelecimento fixado no território nacional para fins de direito, deve-
se aplicar àquele local o que se determinar quanto ao domicílio das
demais pessoas.

162
Teoria Geral do Direito

Quanto às ações propostas pelas autarquias ( como por exemplo, o


Banco Central), determina a Lei 2.285 de 1954 que serão ajuizadas no
foro do domicílio do réu, cabendo a representação das mesmas nas
comarcas do interior dos Estados e dos Territórios a procuradores
especialmente nomeados para essa missão.
Para ações contra as sociedades de economia mista é competente a
Justiça Estadual (Súmula 517 do STF). As ações decorrentes de atos da
mesa da Câmara de Deputados são de competência do juiz da Fazenda
Pública da Capital Federal ( Lei 2.664/1955).
O Código Civil ainda admite o domicílio especial, também
denominado de domicílio de eleição ou foro do contrato. O art. 846
em seu parágrafo único estabelece que o credor, além do seu domicílio
real, poderá designar outro, onde possa também ser citado. O atual
Código Civil Brasileiro de 2002 excluiu em boa hora o domicílio da
mulher casa do rol dos necessários (art. 76) até em respeito a
proclamada paridade constitucional dos cônjuges em face da sociedade
conjugal. Além disso, a fixação do domicílio do casal deverá ser em
escolhido por ambos os cônjuges, que podem ausentar-se pata atender
a encargos públicos, ao exercício de sua profissão ou a interesses
particulares relevantes, sem prejuízo da opção feita anteriormente (art.
1.569 do C.C.).
Em alguns casos de domicílio necessário em particular, mas não
apenas, o dos funcionários públicos, a constituição de um novo
domicílio, legalmente imposto, não forçosamente acarretará o
desfazimento do anterior, que poderá ser conservado na vida prática.
Caio Mário da Silva Pereira é pragmático a este respeito: “nos
sistemas de unidade domiciliar, o indivíduo perde instantaneamente o
domicílio que antes tinha, e recebe por imposição legal o novo, que
durará enquanto persistir a situação que o gerou. Mas nosso sistema, da
pluralidade, não se verifica a perda automática do anterior. Pode,
verificar-se, no caso de o indivíduo estabelecer-se com residência
definitiva no local do domicílio legal; mas pode não se verificar, se a
pessoa conserva ainda o antigo, o que terá como conseqüência a
instituição de domicílio plúrimo: o legal, decorrente do fato que o

163
Gisele Leite

impõe, e aquele onde aloja a residência com ânimo definitivo”. A nossa


sistemática quanto ao domicílio muito se afasta do modelo francês que
admite com ortodoxia a unidade domiciliar e, repudia a ausência de
domicílio bem como a pluralidade. Esse entendimento é mais coerente
com as inovações do Código Civil de 2002 em matéria de pluralidade
domiciliar (art. 72, caput).
Como já explicamos a doutrina civilista franco-italiana tende ao
princípio da unidade domiciliar, posto que o conceba como abstração
e, portanto, não tolera que vigore vários vínculos simultâneos. Também
o direito suíço propugna pela unidade domiciliar mitigada, pois aceita
que o comerciante ou fabricante possa ter um domicílio pessoal e, um
ou vários domicílios negociais.
No direito inglês e no norte-americano, o domicílio é um só,
mesmo que o indivíduo tenha mais de uma residência, pois que o
primeiro adquirido tem precedência e predominância para fins jurídicos.
A idéia de multiplicidade de domicílios é aceita pelo BGB tendência
a qual se filiou o Código Civil Brasileiro de 2002 ( art. 71 e seguintes)
retomado destarde a tradição romana.
Assim quando pessoa natural tem diversas residências, onde
alternadamente viva, ou vários centros de ocupações habituais, cada um
destes ou daqueles será considerado domicílio.
Quanto às atividades profissionais, considera-se domicílio para
efeito destas, o lugar onde são exercidas.
Sustentam com vigor a doutrina e a jurisprudência francesa, a italiana
e a suíça, em geral bem como a maiores dos autores, a necessidade
imperiosa de se ter obrigatoriamente um domicílio, lutando às vezes
com maiores dificuldades para explicar casos em que concretamente
este falte.
Retomando a tradição romana, o BGB e na sua esteira no código
pátrio admitem que uma pessoa não tenha domicílio certo: aquele que
não tenha residência habitual ou empregue sua vida em viagens, sem
ponto central de negócios, terá domicílio o lugar onde for encontrado
(art. 73 C.C.).

164
Teoria Geral do Direito

A mudança de domicílio compulsório ou legal exige maior atenção,


pois que decorre da remoção da pessoa e, em razão dela, seja no que
diz respeito à oportunidade, como ao local, como ainda à intenção, que
no caso é presumida da aceitação da transferência.
Já quanto à mudança voluntária de domicílio requer-se maior
cautelar, pois que ocorre quando da transferência da residência com
intenção de mudar. Contendo dois elementos fundamentais: a
transferência material do centro de negócios de um lugar para outro; e
o segundo elemento que é a intenção de fixar-se neste, a própria sede
jurídica.
É tranqüila a prova do primeiro elemento que se perfaz pela
materialidade da transferência, quanto ao segundo elemento pela
comunicação às autoridades de onde sai, e para onde vai, ou na falta de
uma outra, como inferência da própria mudança com as circunstâncias
que a acompanharem: montagem de casa, aquisição de bens,
estabelecimento profissional.
Problema correlato à mudança de domicílio é o abandono deste. O
direito francês e o suíço somente admitem que alguém abandone seu
domicílio pela constituição de um outro, e o direito inglês
automaticamente restaura o antigo domicílio, se não houver a criação
de um novo.
O primeiro domicílio da pessoa natural é que se prende ao seu
nascimento, é chamado de domicílio original ou de origem (que é em
geral oi domicílio de seus pais ou de seus representantes legais),
também é modalidade de domicílio necessário em face da condição de
incapaz do recém-nascido.
Mais tarde, com a maioridade (hoje fixada aos 18 anos) ou um ato
de escolha soberana, a pessoa pode mudar de domicílio ou simplesmente
conservar o de origem.
O domicílio resultante de ato de vontade, ou de deliberação livre, é
o chamado domicílio voluntário. Alguns autores enunciam que a regra
é o chamado domicílio voluntário. Não apenas no sentido de que as
demais formas de domicílio se apresentam como excepcionais ou

165
Gisele Leite

derrogatórios da regra geral, como ainda na acepção de ser em princípio


livre ao indivíduo fixar-se onde lhe apraza, e exercer suas atividades e
negócios onde lhe convenha.
Às vezes, o domicílio não traduz exatamente esta liberdade de ação
do indivíduo, mas provém diretamente de sua condição individual, e em
razão da dependência em que se encontre relativamente a outra pessoa.
É assim com o menor sob o poder familiar, cujo domicílio é do genitor
sob cujo poder se encontre; é o do tutelado e curatelado quanto ao
tutor e curador; e também do interdito, sem falar do preso.
Modalidade de domicílio necessário é o chamado domicílio legal,
que surge por imposição de profissão ou atividade. Ademais nos sistemas
de unidade domiciliar, o indivíduo perde instantaneamente o domicílio
que antes tinha, e recebe por imposição legal o novo que perdurará
enquanto persistir a situação que o gerou,
Nesse sentido é pertinente comentar o art. 77 do C.C. que prevê o
domicílio para os agentes diplomáticos que gozam de imunidade
internacional de jurisdição e embora residentes no estrangeiro, consideram-
se domiciliados em seu país de origem. Esclarece Haroldo Valadão que tal
prerrogativa surgiu com o fito de garantir a independência e a segurança
dos representantes diplomáticos, amparada na ficção da extraterritorialidade
e remonta à Convenção de Havana de 1928, sendo posteriormente ratificada
e regulamentada pela Convenção de Viena de 1961.
Há três hipóteses de renúncia à esse privilégio que prefiro chamar
de prerrogativa, é mediante autorização do governo; se autorizado,
comparece perante os tribunais estrangeiros, ou, por fim, caso a
controvérsia gire em torno de bem imóvel localizado em território
alienígena. Não se registrando tais exceções, e não designando o agente
diplomático onde tem, no Brasil, seu domicílio, deve ser demandado
no último ponto do país onde o teve ou no Distrito Federal.
Em nosso sistema, ou seja, o da pluralidade domiciliar, não se
verifica a perda automática do domicílio anterior.
O domicílio legal é, por exemplo, o domicílio do condenado, que é
o lugar onde este cumpre a sentença (art. 76 do C.C.). Isso se for

166
Teoria Geral do Direito

encarcerado por mais de 180 dias (art. 1.570 C.C.); outro fato é que a
pena superior a dois anos suspende automaticamente o poder familiar,
o que poderá alterar o domicílio dos filhos menores do sentenciado.
Não é idêntico o tratamento positivado pelos vários sistemas
legislativos. O direito norte-americano determina o domicílio da
execução das penas apenas ao condenado a prisão perpétua. O direito
francês reconhecia domicílio especial no lugar do cumprimento de pena
para o exercício dos direitos adquiridos na colônia penal. Houve abolição
desses dispositivos legais pelas Leis de 1938 e 1942.
No direito alemão o condenado à reclusão não tem por domicílio o
lugar de cumprimento da pena, porém conserva o seu primitivo. Cogita
ainda, o direito francês da fixação domiciliar em razão da domesticidade,
estabelecendo que os empregados e criados adquiram o domicílio por
empréstimo, de seus patrões a quem servem.
O direito pátrio não adota o princípio equivalente, seja nas relações
empregatícias domésticas, seja no contrato de trabalho amparado pela
legislação especial. Segue-se a regra geral que é a do local escolhido
como residência definitiva. Sendo proibida a cláusula contratual que
eleja o domicílio do trabalhador em seu franco prejuízo.
É de se assinalar o busilis quando ocorrer o caso de o empregado
trabalhar habitualmente em casa dos patrões, lá também residindo. Mas,
como nosso sistema admite com facilidade a pluralidade domiciliar,
nada impede que seja o domicílio laboral considerado como domicílio
legal ou necessário e, o domicílio voluntário aquele eleito pela vontade
do empregado e, aonde se abriga sua família, pertences e centro de
negócios.
Também se comenta sobre domicílio geral e o especial. O primeiro
tanto pode ser domicílio voluntário como necessário. Contrapõe-se ao
domicílio especial que é fixado para sede jurídica para cumprimento
de certa obrigação. Em geral é resultante da avença e é chamado de
domicílio contratual (art. 78 do C.C.).
Acautelem-se os contratantes, pois nem sempre a eleição de
domicílio fulcrada em contrato poderá prosperar, ainda que seja feita
de modo expresso e inequívoco, e, ainda que aceita por ambos.

167
Gisele Leite

O domicílio por eleição, contratual ou especial é restrito ao


cumprimento obrigacional e não prejudica o domicílio geral que
subsiste para toda relação jurídica afora do contrato.
Há mesmo, quem sustente doutrinariamente que, não existe
domicílio de eleição, visto que não possui poder derrogatório sobre os
efeitos normais do domicílio real (Planiol, Ripert e Boulanger) o que
não é acolhido pelo direito pátrio e permite francamente a configuração
do domicílio especial.
Cumpre distinguir com exatidão a configuração do domicílio
especial, do domicílio real porque objetivamente se situa em
determinado lugar, é ostensivamente o local da fixação residencial do
indivíduo. Ademais, como é óbvio, o domicílio de eleição é fictício.
A domicílio de eleição não pode alterar a competência ex ratione
materiae dos juízes e, nem atingir princípios de ordem pública (como
por exemplo, os que proteger o trabalhador, o consumidor, o idoso, o
incapaz , as pessoas jurídicas de direito público e, etc.).
Quanto a cláusula de eleição de foro muito comum nos contratos
bancários e, também no contrato de consumo tem sido considerada
como abusiva tendo em vista o art. 101, I do CDC e art. 51, IV e XV do
mesmo diploma legal. (vide também julgamento pelo STF da ADI dos
bancos e também a Súmula 297 do STJ).
Há muito que se discute na jurisprudência pátria sobre a eficácia
dessa cláusula quando se tratar de contrato de adesão mesmo quando
este não assume a forma de contrato de consumo.
Vige a cláusula de eleição de fora nos contratos locatícios em razão
do art. 58, II da Lei 8.245/91 voltada para locação de imóveis urbanos
precipuamente para fins residenciais, comerciais ou industriais, e não
sua localização restrita ao perímetro urbano.
É reconhecido ao devedor a possibilidade de ser demandado no
foro de seu domicílio, segundo consta do art. 94 CPC, certamente para
lhe facilitar a adimplir a prestação devida. Em regra geral, a obrigação
deve ser cumprida no domicílio do devedor tendo, portanto, de natureza

168
Teoria Geral do Direito

quérable (art. 327 do CC) salvo previsão em contrário em contrato


paritário.
Há, portanto, renúncia ao esse direito, o que pode acarretar a
nulidade de tal cláusula se inserida em contratos de adesão tendo em
vista os termos do art. 424 do CC e, ainda a hermenêutica recomendável
que é sempre em prol do aderente.
A fixação do domicílio das pessoas jurídicas obedece critério
diverso do que preside a determinação domiciliar da pessoa natural.
Tem seu domicílio, sua sede no centro de sua atividade dirigente. E
em geral a sede social é fixada livremente de forma explícita no ato
constitutivo e deve ainda constar do Registro Público.
Mas é possível existirem vários domicílios da pessoa jurídicos e
todos dotados de relativa autonomia. Onde surge a faculdade de
considerar como sede social para o negócio realizado o
estabelecimento ( departamento, filial ou agência) que nele tiver tomado
parte (art. 75,§ 1º CC).
No direito francês, a regra da unidade domiciliar constitui como
domicílio o local do estabelecimento principal da entidade. A
jurisprudência francesa mitigando o rigor da regra admite a eleição tácita
do domicílio reconhecendo também como domicílio as sucursais e
outras filiais e agências da referida pessoa jurídica.
Cristiano Chaves aponta ser impossível dissociar o domicílio da
dignidade da pessoa humana, o que reforça sobremaneira a importância
do tema inclusive no nível constitucional, sendo o “refúgio dos refúgios”
que é acobertado pela inviolabilidade, um verdadeiro templo de coisas
íntimas, daí ligado também ao direito à privacidade e à intimidade.
O presente artigo naturalmente é apenas um pequeno approach
sobre tema que nos revela ser um complexo conceito.

169
Gisele Leite

Referências

DANTAS, San Tiago. Programa de Direito Civil 2ª. Tiragem Parte Geral,
Rio de Janeiro, Editora Rio, 1979.
TEPEDINO, Gustavo, Heloisa Helena Barboza, Maria Celina Bodin
Moraes. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da
República. Volume I Parte Geral e Obrigações (art. 1º. ao 420),
Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2004.
DE FARIAS, Cristiano Chaves. Direito Civil – Teoria Geral. 2ª. Edição,
Rio de Janeiro, Editora Lúmen Juris, 2005.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de
Janeiro. Editora Forense, 2004.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: parte geral,
v.1, São Paulo, Editora Saraiva, 2003
GAGLIANO, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de
Direito Civil, Parte Geral, 5ª. Edição, São Paulo, Editora Saraiva
2004
TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Série Concursos Públicos volume 1,
2 e 3 São Paulo, Editora Método, 2005/2006.
LEITE, Gisele. Considerações sobre o contrato de adesão. Jus
Vigilantibus, Vitória, 8 out. 2006. Disponível em: < http://
jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22678> Acesso em 9.out.2006.
____________. Considerações sobre a personalidade, pessoa e os
direitos da personalidade no Direito Civil Brasileiro. Jus
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____________.O contrato contemporâneo. Jus Vigilantibus, Vitória 4
ago. de 2005. Disponível em: < http://jusvi.com/
doutrinas_e_pecas/ver/16891>.

170
Teoria Geral do Direito

Defeitos dos negócios jurídicos em face do Código


Civil de 2002.

É a lesão que transformou o famoso “negócio da China” em negócio


jurídico anulável.
Ocorrem defeitos do negócio jurídico quando surgem imperfeições
decorrentes de anomalias na formação da vontade ou em sua declaração.
Deixando claro que nosso direito pátrio prestigia com maior vigor a
intenção das partes do que exatamente a declaração da vontade destas,
ou seja, a linguagem com qual está vestida.
Há seis defeitos do negócio jurídico e que o torna anulável, a saber:
o erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.
É curial observar o prazo decadencial de 4 (quatro) anos para se
anular o negócio jurídico defeituoso conforme expõe o art. 178 do
C.C.
Não se confunde vício de consentimento com vício social. A vontade
viciada sempre acarreta o negócio anulável. O vício de consentimento
impede que a vontade seja livre, espontânea e de boa fé, o que fatalmente
prejudica a validade do negócio jurídico. Para a vontade ser jurígena
(gerar os efeitos jurídicos desejados) é imprescindível que seja
livremente manifestada, de forma espontânea e de boa fé.
Por outro lado, o vício social contém a vontade manifestada que
não tem realidade, a intenção pura e de boa fé que enuncia. De fato,
para a sociedade, a vontade tem aparência enquanto que para as partes,
notadamente àquela que age com má fé, a mesma vontade ganha outro
significado. Entre os vícios sociais temos a simulação (que causa a
nulidade do negócio jurídico) e a fraude contra credores.

171
Gisele Leite

No defeito social, assevera Ulhoa há uma intenção subsidiária. O


mesmo doutrinador propõe distinguirmos os defeitos internos do
consentimento onde a vontade não se constrange como nos casos de
erro e da lesão. Dos defeitos externos que, na maioria das vezes, a
vontade é constrangida por ato de pessoa plenamente identificável. São
três os defeitos externos do consentimento: o dolo, a coação e o estado
de perigo.
O erro é a falsa representação da realidade, o sujeito engana-se
sozinho. Já a ignorância é o completo desconhecimento da realidade,
embora tanto o erro como a ignorância acarrete efeitos iguais, quais
sejam, a anulabilidade do negócio jurídico, não obstante possuírem
conceitos distintos.
Não é qualquer erro que é capaz de anular o negócio jurídico, há de
ser erro substancial ou essencial e escusável conforme prevê o art.
139 do C.C.
O erro substancial abriga umas sub-espécies tais como: o error in
negotio (incidente sobre a natureza do negócio); o error in corpore
(no objeto principal do negócio); o error in substantia or in qualitate;
o error in persona (na pessoa) e, por fim, o error iuris .
O erro de direito (error iuris) é o falso conhecimento, ignorância
ou interpretação errônea da norma jurídica aplicável ao negócio jurídico.
Ocorre quando o agente emite a declaração de vontade no pressuposto
falso de que procede de acordo com o preceito legal. O erro de direito
era admitido como substancial quando fosse o motivo principal do
negócio jurídico e não houvesse a intenção, por parte doa gente, de
descumprir a lei.
O art. 3º da LICC diz que a alegação de ignorância da lei não é
admitida quando apresentada como justificativa para seu
descumprimento. Significa dizer, ao revés, que pode ser argüida se não
houver tal nefasto propósito.
Além de ser essencial e escusável conforme o padrão do homo
medius, e o caso concreto, há ainda de ser efetivo e real, sendo a causa
do negócio jurídico.

172
Teoria Geral do Direito

Há a possibilidade de convalescimento do erro conforme se prevê


o art. 144 do C.C. em razão do princípio da conservação dos atos e
negócios jurídicos (pás de nullité sans grief) e ainda pelo princípio da
segurança jurídica.
Às vezes o erro surge devido ao meio de comunicação empregado
para a transmissão de vontade negocial, assim diante de mensagem
truncada, há o vício e, ipso facto, a possibilidade de anulação do negócio
jurídico.
Outras vezes o erro decorre de culpa in eligendo ou in vigilando
de quem escolhe o mensageiro para levar a declaração de vontade. Não
raro encontram-se discrepâncias graves entre a declaração de vontade
emitida e a vontade finalmente comunicada.
O segundo defeito do negócio jurídico é o dolo que é cometido,
por exemplo, por quem induz alguém a erro. O dolo é definido como
ardil, artifício ou expediente usado para induzir alguém à prática de um
ato que o prejudica e aproveita o autor do dolo ou a terceiro. Na verdade,
o dolo é causa do vício da vontade.
O dolo no âmbito civil não se confunde com aquele previsto no
âmbito penal ( art. 18, I do CP onde agente atua com a vontade
predestinada a causar o delito ou assumiu o risco de produzi-lo.
A grande maioria das ações anulatórias em geral é mesmo com base
no dolo em face da grande dificuldade de se provar processualmente o
erro. O dolo anulador do negócio jurídico é sempre o dolo principal, é
o dolo malus. Porque o dolus bônus é moderadamente aceitável, embora
o CDC condene explicitamente a propaganda enganosa.
Registre-se que o dolus pode ser comissivo ou omissivo (chamado
de dolo negativo), pois fere frontalmente o princípio da boa fé objetiva
presente tanto no C.C. como no CDC.
É possível ainda, o dolo de terceiro (art. 148 C.C.) como o do
representante (art. 149 C.C.). Porém, o dolo bilateral (art. 150 C.C.)
pode não gerar a anulabilidade do negócio jurídico, pois prevalece o
princípio de que ninguém poder valer-se da própria torpeza para auferir
vantagens.

173
Gisele Leite

O terceiro defeito é a coação que representa toda ameaça ou pressão


exercida sobre a pessoa para obrigá-la, contra sua vontade, a praticar
ato ou realizar negócio jurídico. Há a coação física (vis absoluta) e a
coação psicológica (vis compulsiva) que diferem não só pelo meio
empregado, mas sobretudo, por seus efeitos.
Vejamos que a coação é o mais grave dos defeitos dos negócios
jurídicos e especialmente na coação física temos na verdade a
inexistência do negócio jurídico, pois não há manifestação de vontade
livre, espontânea e de boa fé. Não há vontade jurígena.
Já na coação psicológica há a manifestação de vontade, embora não
corresponda à intenção real do coacto, o que certamente redunda num
negócio anulável.
Exigem-se certos requisitos para tipificação da coação (art. 153
do C.C.) e para ser considerada como defeito: deve ser determinante
do negócio; deve ser grave e injusta; deve dizer respeito ao dano atual
ou iminente e deve ameaçar a pessoa, bens da vítima ou pessoas de sua
família (essa tomada na acepção lato sensu , art. 151 C.C.).
É possível que a coação seja exercida por terceiro sem que a parte
a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento, mas nessa
hipótese prevista no art. 155 do C.C., o negócio subsistirá não sendo
anulado. Não se considera coação a simples ameaça , o exercício normal
de direito e nem temor reverencial.
Estado de perigo é uma inovação trazida pelo Código Civil de 2002
juntamente com a lesão, embora já fossem defeitos dos negócios
jurídicos conhecidos tanto pela doutrina como pela jurisprudência.
Enquanto na coação a violência decorre de pessoa interessada na
prática do negócio jurídico, no estado de perigo a violência decorre
das circunstâncias de fato, que exercem forte influência na manifestação
de vontade do agente.
O estado de perigo é espécie de estado de necessidade e constitui
uma situação de extrema necessidade que conduz a pessoa a celebrar
negócio jurídico que assume obrigação desproporcional e excessiva.

174
Teoria Geral do Direito

Os exemplos clássicos temos o náufrago que promete pagar uma


fortuna a quem lhe salvar de afogamento, ou ainda, dentro da famosa
literatura inglesa em Shakespeare quando Ricardo III brada aos berros:
“Meu reino por um cavalo!”.
No estado de perigo a pessoa é compelida a efetivar depósito ou
prestar garantia (caução) sob forma de emissão de cheques ou notas
promissórias (ou outros títulos cambiais) para, por exemplo, prover
atendimento clínico-hospitalar emergencial ou ainda para obter
internação de paciente que corre grave perigo de vida.
Nem sempre a extrema necessidade produz negócios anuláveis, pois
temos outros exemplos como a passagem forçada, a gestão de negócios,
o casamento nuncupativo, o depósito necessário (do hóspede de sua
bagagem nos hotéis) e o pedido de alimentos.
Mas, se essa extrema necessidade é conduzida por outrem, para
provocar a chamada usura real, temos aí, outro tipo de defeito de negócio
jurídico, a lesão.
A lesão pode decorrer também da inexperiência do declarante e, se
caracteriza pelo desequilíbrio das prestações assumidas pelas partes.
Admite a lesão, a bem do princípio da conservação dos negócios
jurídicos a suplementação da contraprestação, tornando assim sanado
o vício do consentimento.
O estado de perigo é previsto no art. 156 do C.C. e o dano não precisa
ser inevitável para sua caracterização. Para haver os efeitos anulatórios
do estado de perigo é necessário conhecimento da outra parte contratante
das circunstâncias sofridas pelo declarante da vontade negocial.
Para Flávio Tarturce o estado de perigo é forma especial de coação,
pois o negociante temeroso de sofrer grave dano acaba por celebrar
negócio jurídico mediante prestação exorbitante. Assim, a venda
celebrada e motivada pelo desespero da pessoa que quer, por exemplo,
salvar o filho, é negócio jurídico anulável.
A lesão é prevista no art. 157 e, possui espécies como a lesão
enorme (superior a metade do valor da coisa) e a lesão enormíssima

175
Gisele Leite

(de origem canônica que corresponde a superior a 2/3 do valor da coisa).


Além da desproporção das prestações assumidas, vale-se o sujeito da
inexperiência ou da premente necessidade do outro.
É a lesão que transformou o famoso “negócio da China” em negócio
jurídico anulável.
Aliás, é possível que ao revés de anulação negocial, se obtenha uma
revisão contratual. Embora que a lesão ela se caracteriza por ser
contemporânea ao momento da celebração do negócio jurídico
comutativo, enquanto que a revisão contratual pressupõe onerosidade
excessiva percebida no momento da execução do contrato.
A consagração do instituto da lesão dentro da sistemática privada
deve-se pelos princípios da boa fé objetiva e do equilíbrio econômico
das prestações e, mitiga o princípio da força obrigatória dos contratos.
A autonomia privada constitui-se em princípio para a promoção dos
valores sociais segundo a ordem pública constitucional, sendo assim
não se pode dar guarida a contraprestações injustas, portanto, a lesão
está subjacente à idéia de justiça contratual.
A fraude contra credores é vício social e corresponde a todo ato
suscetível de diminuir ou onerar seu patrimônio, reduzindo ou
eliminando a garantia que este representa para o pagamento de suas
dívidas, é praticada pelo devedor insolvente ou por este ato reduzido à
insolvência.
Há dois elementos característicos: eventus damni (a insolvência)
e o consilium fraudis (conluio fraudulento).Podemos ao analisar certo
contrato presumi-lo como fraudulento, por exemplo, se este ocorre na
clandestinidade, se há continuação da possa de bens alienados pelo
devedor; se há falta de causa do negócio; se há parentesco ou afinidade
entre o devedor e o terceiro; se ocorre a negociação a preço vil; e pela
alienação de todos os bens.
A ação que pode socorrer os credores em caso de fraude é a ação
pauliana ou revocatória e, pode incidir não só nas alienações onerosas,
mas igualmente nas gratuitas (doações). Há o ônus de se provar o
consilium fraudis e eventus damni (art. 158 do C.C.).

176
Teoria Geral do Direito

Há a tipificação de fraudes aos credores também quando ocorre a


remissão de dívidas (perdão) ou a concessão fraudulenta de garantias
tais como penhor, hipoteca e anticrese.
(art. 1563 do C.C.) ou pagamento antecipado de dívidas
Somente nas alienações onerosas se exige provar o consilium
fraudis ou a má fé do terceiro adquirente.
A ação pauliana visa prevenir a lesão aos direitos dos credores, e
acarreta anulação do negócio. Embora maior parte da doutrina defenda
que ocorra ineficácia relativa do negócio se demonstrada a fraude ao
credor, então a sentença declara a ineficácia doa to fraudatório perante
o credor, permanecendo o negócio válido entre os contratantes.
No entanto, na opinião do grande processualista Cândido Rangel
Dinamarco, tal sentença tem cunho constitutivo negativo e decreta
ineficácia superveniente.
É curial esclarecer que a ação pauliana não é ação real, nem quando
referir-se aos bens imóveis; trata-se de ação pessoal, pois visa anular o
negócio fraudulento restaurando o status quo ante do patrimônio do
devedor.
Não se pode confundir de modus in rebus a fraude aos credores
com fraude à execução. Posto que essa última, é instituto do direito
processual, pressupõe a demanda em andamento e devedor devidamente
citado, também por ter requisitos o eventual consilium fraudis e o
prejuízo do credor.
A fraude à execução independe de ação revocatória e, apenas é
aproveitada pelo credor exeqüente. E, por fim, acarreta a nulidade
absoluta onde a má fé é presumida ( in re ipsa). Ao passo que a fraude
aos credores acarreta a nulidade relativa do negócio jurídico e, é
aproveitada indistintamente por todos credores.
Apesar da controvérsia, prevaleceu no STJ o entendimento que não
é possível a discussão de fraude aos credores em sede de embargos de
terceiro, sendo necessário, portanto, o ajuizamento da competente ação
pauliana ( Súmula 195 do STJ de 1997).

177
Teoria Geral do Direito

Conclusão

É certo que haveria hoje uma Teoria Geral do Direito? Existem


concepções sobre o Direito que seriam comuns a todos os ramos do
Direito? É possível reconstruírem-se princípios gerais que se aplicariam
a todos esses direitos?
Ou cada ramo de Direito é tão específico e insulado que chegam a
ser, antes que Direito, ser Civil, Penal ou Administrativo?
Bem, seria como subverter as normas de gramática, da classe de
palavras, invertendo, fazendo do substantivo (que é o Direito) o adjetivo,
e do adjetivo (civil, penal, tributário ou administrativo) o substantivo.
Qual é em verdade a qualidade fundamental dessa ciência que é o
Direito? Que é ciência humana, social e normativa. Toda essa discussão
remonta da tradição positivista enquanto Teoria Geral semântica do
Direito.
A velha, ultrapassada e macróbia noção positivista de Teoria Geral
do Direito e que se liga inicialmente à chamada jurisprudência
pandectista dos conceitos onde a Teoria Geral do Direito seria um
sistema de conceitos fundamentais subjacentes à Dogmática Jurídica.
A Dogmática Geral do Direito positivo de qualquer direito positivo
ou ramo desse Direito Positivo quer seja então chamado Direito do
Estado (Staatsrecht), quer seja do Direito Privado (romano atual).
Embora fosse antes de tudo, romântico, conservador e, até mesmo
reacionário, em face da Grande Revolução, a Escola Histórica, romano-
germânica (de início e meados do século XIX), não escapara à
concepção típica do Iluminismo, do conhecimento científico redutível
a um sistema de conceitos abstratos.

179
Gisele Leite

Se bem que perde um pouco seu peculiar lado abstrato por ser o
Direito, uma ciência social, comportamental e política. A Teoria Geral
do Direito de raiz positivista conflita-se, contrasta-se com o enfoque
analítico da chamada Enciclopédia Jurídica que buscava especificidades
dos diversos ramos, áreas ou classes do Direito.
São esforços antagônicos pois enquanto a TGD esmera-se para
construir um sistema de conceitos comuns, de lógica e dialética comuns
a todo o Direito.
A Enciclopédia Jurídica procurava classificar, erigir distinções,
identificar peculiaridades e diferenciações no interior do Direito.
Enquanto que a TGD operaria por condensação, por amalgama enquanto
que a Enciclopédia Jurídica operaria por desmembramento, dispersão.
Como cenário há a crítica transição das sociedades liberais do
século XIX para as chamadas sociedades de massa dos Estados Sociais
do século XX. E, nisso reside uma mudança de paradigmas causando
profundas releituras de institutos e relações jurídicas típicas do Direito.
Paradigma segundo o Dicionário Básico de Filosofia de autoria
Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, da Jorge Zahar Editor “vem do
grego (paradeigma), segundo Platão, as formas ou idéias são
paradigmas, ou seja, arquétipos, modelos perfeitos, eternos imutáveis
dos objetos existente no mundo natural que são cópias desses modelos
e que de algum modo participam deles. As noções de paradigma e
participação, ou seja, de relação entre modelo e a cópia levam, no
entanto, a vários impasses que são discutidos por Platão sobretudo no
diálogo Parmênides.”
O proprietário não pode tudo, a empresa em prol da livre iniciativa
e do lucro também não pode tudo, os contratantes também não podem
pactuar tudo ao seu bel prazer. A família e as entidades familiares
concebem novas uniões, interesses e tutelas (família monoparental,
união estável, união dos homossexuais, família adotiva e família afetiva).
O Estado também não mais é o todo-poderoso! Conhece limitações
que devem existir no Estado Democrático de Direito que pauta a
cidadania principalmente no princípio da dignidade da pessoa humana.

180
Teoria Geral do Direito

Kelsen esclarece que pretende construir uma TGD, uma Teoria


Geral de Direito Positivo, e de qualquer direito positivo, refutando
criticamente a tradição do chamado positivismo jurídico.
Perdoem-me pela metáfora chula, mas o positivismo jurídico mais
se parece com aquele velho jargão do jogo do bicho: “só vale o escrito”.
Partindo desta perspectiva doutrinária, analisa Kelsen como sendo
autoritária, anticientífica e ideológica da Escola Histórica. Pretendeu
Kelsen isolar matematicamente o fenômeno jurídico, e como herdeiro
de Laband e Jellinek buscou superar toda Teoria Geral do Estado de
cunho ético-político, organicista ou mesmo sociológica, baseada
inclusive numa divisão de trabalho científico segundo a qual o Direito
se poderia diferenciar em Público e Privado.
Nada mais artificial! E que é apenas tolerável para fins meramente
didáticos.
Na perspectiva kelsiana de Teoria Pura, todo o Direito é público,
todo Estado é de Direito e todo Direito é Estado, e toda Teoria do
Estado é Teoria do Direito.
Com a Teoria Pura haveria uma redefinição dos conceitos laborados
pela jurisprudência tradicional do século XIX, apresentando-se: norma,
norma jurídica, licitude e ilicitude, sanção, imputação, fato e atos
jurídicos, direito subjetivo, dever jurídico, relação jurídica e pessoa.
Além da caracterização dinâmica do ordenamento jurídico, do
escalonamento de normas, a produção e aplicação normativas, da
coincidência Estado/Direito, Legislativo/Jurisdição/Administração,
Direito/Processo.
Onde todas as antigas distinções laboradas pela teoria geral, ao longo
do século XIX, vão sendo suprimidas e condensadas em torno de uma
concepção paradoxalmente normativista (estática jurídica) em face da
dinâmica jurídica.
A norma de direito material e a norma de direito processual não se
antagonizam, pelo contrário se complementam e, se influenciam
mutuamente.

181
Gisele Leite

Bobbio irá dividir sua Teoria Geral do Direito em Teoria da Norma


Jurídica, e Teoria do Ordenamento Jurídico. Ou seja, a teoria “da parte”
e a teoria “do todo”.
Também Herbert Adolphus L. Hart, no direito anglo-americano
irá propor um conceito de Direito, com o propósito de reconstruir a
tradição da Escola Analítica.
Pensar numa teoria geral de direito, é sobretudo ponderar sobre
questionamentos que ainda hoje perambulam pelas cabeças dos
principais doutrinadores da matéria.
Qual a similitude existente entre a norma matemática e a norma
jurídica? Qual a exatidão ou precisão dos juízos produzidos pela Ciência
do Direito? Certeza científica é fenômeno encontrado em ramos de
conhecimento como Direito?
Enfim, quais as verdades que alimentam a Dogmática Jurídica?
Curial é nitidamente distinguir o que é regra, capaz de disciplinar,
reger, do que é norma que se traduz pela soma do preceito com a sanção,
princípio que é norma em abstrato, e se traduz como vetor axiológico
(valor) e vetor ideológico (filosofia).
Bobbio baseado em sua visão neopositivista de ciência, com
discurso rigoroso passa a exigir a precisão das regras do uso dos termos
da linguagem técnica, como forma de redução da discricionariedade
jurídica.
Hart ao propor a regra de reconhecimento como critério de
distinção das regras jurídicas das demais normas sociais e a assumir a
tese da textura aberta da linguagem como forma de justificação de uma
pretensa discricionariedade judicial, àquela correlata.
Isso nos faz identificar a origem de nossas “cláusulas gerais”
inseridas no ordenamento jurídico brasileiro e, particularmente, no C.C.
de 2002. Na verdade nem Kelsen, nem Bobbio, nem Hart romperam
decisivamente com a jurisprudência tradicional, mas empreenderam
teorias semânticas do Direito (segundo a dicção de Ronald Dworkin).
Após apresentarem critérios epistemológicos fortes para a

182
Teoria Geral do Direito

conceptualização do que seja o Direito, sua dinâmica e constroem suas


Teorias Gerais.
A TGD teoria semântica do direito revela-se como sistema de
conceitos fundamentais à Dogmática Jurídica do Direito positivo, de
qualquer direito positivo. Ainda que reconheçamos seu caráter
interpretativo às convenções de toda as correntes do Positivismo Jurídico.
A Teoria do Direito e mesmo o neopositivismo pressupõe uma
determinada compreensão paradigmática do conhecimento jurídico, uma
TGD onde a teoria e a práxis mais uma vez cindidas, não assumem atitude
auto-reflexiva, mas que uma pudesse iluminar a outra. Uma pudesse
mostrar o caminho ou os caminhos à outra.
Passando da estrutura à função, mesmo os neopositivistas apresentam-
se como ápice e crise de uma Teoria Geral, semântica do Direito.
Questiona-se novamente: “O Estado-juiz só deve intervir mediante
o conflito, e mediante provocação? Ou deve, mesmo preveni-lo?”
A Teoria Jurídica enquanto Teoria semântica do Direito passa a ser
profundamente questionada com o desenvolvimento da Tópica Jurídica,
quanto da Hermenêutica Jurídica e, mais ainda pelas Teorias de
Argumentação Jurídica, marcando um giro lingüístico, hermenêutico e
pragmático na Teoria do Direito.
E ainda, sem mencionar as correntes neo-realistas (de Holmes,
Frank, Kenedy, Ross e Unger) e institucionalistas como Hauriou,
cabendo apresentar teorias ou compreensões diferentes do direito,
rompendo com o positivismo clássico ou com neopositivismo jurídico.
A Tópica Jurídica se apresenta como conhecimento problemático,
problematizante, assistemático das questões jurídicas. Onde as
categorias e conceitos são, grosso modo substituídos por topoi e
ganham sentido particular nos problemas jurídicos concretos. É a
valorização do caso concreto!
Enquanto que a hermenêutica considera que o Direito e as questões
jurídicas só ganham sentido à luz de contextos culturais, históricos e
sociológicos que informam os operadores jurídicos.

183
Gisele Leite

O Direito é prática social, interpretativa. E a norma jurídica é a


chave de poder a ordenar valores e práxis. Já a Teoria da Argumentação
Jurídica, a chamada “Nova Retórica” (Perelman) dá versões discursivas
às argumentações jurídicas e, pressupõe a complexidade das questões
jurídicas que passam a elaborar a reabilitação da racionalidade prática.
O Direito ressurge como prática social argumentativa apropriando-
se de uma forma crítica de suas tradições e de seus contextos
interpretativos. Para aonde não faz sentido uma teoria geral eivada de
positivismo ou da estática ou dinâmica.
A Teoria Geral do Direito pós-positivista calca-se na própria unidade
do sistema jurídico, fulcrando princípios aplicáveis á teoria do discurso
e ao atual paradigma de ciência.
Vivenciamos essa reconstrução paradigmática onde é necessário
reaprender os conceitos fundamentais do direito e a nova dinâmica da
lógica jurídica contemporânea.
Os problemas relativos ao caráter científico da teoria geral do
Direito. Muitos negam a cientificidade ao Direito sob a argumentação
de que bastaria a aprovação de uma nova lei para que bibliotecas inteiras
ruíssem abaixo, perdendo seu valor.
Isto é em verdade um problema de perspectiva e que a Ciência do
Direito não pode ser entendida como uma autodescrição do Direito.
Ao trabalhar com o sistema de regras, Kelsen não conseguiu a almejada
pureza, até por causa da indagação sobre a legitimidade do Direito.
Na verdade conhecimento, fenômeno e questões do pensamento
jurídico são padrões valorativos e, fazem parte da teoria. Já a
fundamentação, classificação e hierarquias incorporam a Dogmática
normativa compondo a práxis.
Outra tormentosa questão é a identificação do fenômeno jurídico,
para alguns é a relação jurídica, para outros é a normatização. De qualquer
maneira, a normatização é subseqüente à relação social e jurídica. O
socius no plano jurídico é pungente de forma, que não se pode ignorá-
lo a bem de se propiciar a convivência social.

184
Teoria Geral do Direito

Outra discussão acirrada é a relação entre indivíduo/ sociedade e,


sociedade/Estado, pois precisamos medir até aonde a lei enquanto
vontade do Estado o transforma em arbitrário e, não discricionário. O
panteão do Estado de Direito é delicado pois os contornos
contemporâneos de cidadania e sujeito de direito se pautam
predominantemente pelo princípio da dignidade da pessoa humana, por
vezes em sacrifício de outros valores e princípios como a livre iniciativa,
da autonomia da vontade e, da proteção constitucional a propriedade
em geral.
Não que tais valores ou princípios tenham sido revogados, ao revés,
são mitigados diante do peso axiológico da dignidade da pessoa humana.
Curial, é deduzir que para ser plenamente cidadão, é indispensável antes
ser, ente humano e ter suas necessidades basilares ortodoxamente
respeitadas.

A Teoria Geral do Direito vem pouco a pouco fornecendo o perfil


do Estado Social onde o princípio da função social irradia-se em todos
os ramos do Direito indistintamente, homogeneizando os principais
conceitos de direito positivo. É verdade que a ditadura na norma jurídica
arrefeceu, e a doutrina e jurisprudência como fontes de direito vem
ganhando terreno, colmatando as principais lacunas, dubiedades e
contradições que trafegam no sistema jurídico.
Também o grande impasse ideológico e filosófico do direito
positivo brasileiro é ser de origem francesa, filhote espúrio do Código
de Napoleão, e ser amante inveterado do BGB (Código Alemão). Somos
desejosos em ter a preciosa técnica alemã, sintética e pragmática com
o conteúdo avantajado do código francês eivado de suas descendências
romanas e canônicas.
Atingir esse meio-termo tem sido o desafio diário de todos, sejam
doutrinadores, sejam magistrados, sejam advogados e seja o Estado.
Atingir esse meio-termo é uma proposta constante do direito
contemporâneo.

185
Gisele Leite

Há temas jurídicos comuns tanto à parte geral do direito civil como


à teoria geral do direito e, em geral estudados nos cursos de graduação
na disciplina de “Introdução ao Estudo do Direito, ou à Ciência do
Direito”. Fábio Ulhoa Coelho nos ensina que assuntos como lacuna,
conflitos de normas, sujeitos de direito e outros são o objeto de direito.
Essas duas disciplinas contudo não são redundantes e nem há
superposição, posto que o enfoque e os objetivos são diferentes.
Enquanto o direito civil, em razão de sua natureza de conhecimento
tecnológico, deve oferecer meios para solução de conflitos sociais, a
teoria geral do direito pode-se permitir reflexões descompromissadas,
de natureza filosófica.
O art. 4º da LICC nos aponta que há instrumentos conferidos ao
julgador ante o caso de omissão da lei e são estes: analogia, costumes,
princípios gerais de direito. No entanto, a teoria geral de direito
problematiza a questão, e chega identificar a lacuna de lei não exatamente
com a falta, mas revés com a abundância de normas jurídicas (Bobbio,
1960:148/157).
O Direito Civil não pode perder-se em reflexões filosóficas pois
se espera que a técnica jurídica ofereça as soluções hábeis a superação
dos conflitos de interesses. Já a teoria geral do direito se mantém mais
afastada da técnica jurídica e procura refletir sobre os limites e as
características do complexo mecanismo de solução dos conflitos
sociais. É óbvio que a tecnologia civilista deve abarcar em sua essência
as elucubrações da teoria geral do direito, até para manter a evolução
do direito viva e atual, capaz mesmo de não perder a historicidade de
seu tempo e nem a praticidade dos meios capazes de perpetuar e
propiciar a convivência pacífica e construtiva dos homens.

186
Teoria Geral do Direito

Referências

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, volume 1(um). São


Paulo, Editora Saraiva, 2003.
DE FARIAS, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. Direito Civil –
Teoria Geral, 6ª edição, Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2008.
ADEODATO, João Maurício e Alexandre da Maia. Dogmática Jurídica
e Direito Subdesenvolvido. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris.
GIORDANI, José Acir. Curso Básico de Direito Civil. 4ª edição, 2ª
tiragem. Rio de Janeiro, 2008.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica de Direito Civil. Rio de Janeiro,
Editora Renovar.
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. São Paulo. Editora Martins
Fontes.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil Série Concursos Públicos (volumes
1,2,3,4,5, e 6) Editora Método, São Paulo.
CHAMON JUNIOR, Lucio Antônio. Teoria Geral do Direito Moderno.
Por uma Reconstrução Crítico Discursiva na Alta Modernidade.
Editora Lumen Juris.

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Teoria Geral do Direito

Exercícios de Teoria Geral de Direito

1. A norma jurídica é também criada para valer no futuro, não apenas


para o passado. Eventualmente, pode determinada norma atingir fatos
pretéritos, desde que sejam respeitados os parâmetros que constem da
LICC e da Constituição Federal. Em face disso, responda:
a) Qual é a regra nesse sentido, a irretroatividade ou a retroatividade?
b) Esclareça o conceito de direito adquirido, ato jurídico perfeito
e coisa julgada.
c) É absoluta essa proteção mencionada no art. 5º, XXXVI da CF/
1988 e também no art. 6º da LICC?
d) É possível cogitar-se sobre a relativização da coisa julgada?

2. Diferencie: Começo de exercício de direito, expectativa de


direito, e o conceito de direito adquirido frente ao advento de: a)
emenda constitucional; b) lei complementar; c) normas de ordem
pública e de ordem pública.

3. Diferencie lacuna legal de lacuna axiológica.

4.Tendo em vista as inovações introduzidas pelo atual CC, escreva


sobre a boa fé como cláusula geral das obrigações, enfocando sua
relação com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana
e sua importância no processo de construção de decisões justas. Tendo
em vista o princípio da boa-fé objetiva, comente a afirmação do

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Gisele Leite

Professor Nelson Rosenvald: “Os três grandes paradigmas do NCC são


a eticidade, a socialidade e a operabilidade”. De qual forma esses
paradigmas alteraram as concepções privadas do CC de 1916?

5. A modelagem denominada sistema aberta é francamente utilizada


no atual CC de 2002, nessa ótica, identifique qual é a importância desse
paradigma utilizado pelo recente legislador do CC vigente, dando sua
opinião sobre a eficácia ou não desse sistema na busca da justiça.
Exemplifique casos caracterizadores desse “sistema aberto”

6. A tese do diálogo das fontes é muito profícua. No caso de contrato


de plano de saúde onde vigem coberturas obrigatórias e exclusões
permitidas em lei. Quais as regras a serem obedecidas nas cláusulas
restritivas contratuais e na interpretação dos contratos em geral?
Justifique e fundamente.

7. Diferencie legitimação e capacidade. Quais as características


do direito ao nome e a imagem?

8. A constitucionalização e personalização do direito civil é efetiva


no atual sistema vigente. Quais são as fontes normativas do direito geral
da personalidade?

9. O nascituro pode ser considerado pessoa à luz do Código Civil


de 2002?

10. Caio transexual veio a realizar cirurgia médica para a modificação


de sexo. Após a intervenção, procurou a Defensoria pretendendo alterar
seu registro civil quanto ao nome e sexo. Sendo certo que pretende

190
Teoria Geral do Direito

guardar sigilo quanto aos seus dados anteriores.


Pergunta-se:
a)Qual ou quais as medidas judiciais que podem ser tomadas em
favor de Caio?
b)E quanto ao sigilo no registro civil da alteração dos seus dados,
quais os dois princípios jurídico-constitucionais que se contrapõem
nessa hipótese?

11. Capacidade pode ser entendida como maior ou menor extensão


dos direitos de uma pessoa. Definir a capacidade de gozo ou de direito
e as restrições impostas, e a capacidade de fato ou de exercício.

12. O CC aduz que se pode exigir que cesse a ameaça ou a lesão a


direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei. Em se tratando de lesão a interesse
econômico ou em caso de dano moral, quem será considerado o lesado
indireto?

13.O SPAM é abuso de direito?

14.Escreva sobre a reserva mental na manifestação de vontade para


a formação de um contrato. Conceitue e explique suas conseqüências.

15.Definir dolo negativo, exemplificando-o e discorrendo sobre


seus requisitos.

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Este livro foi composto na fonte Times New Roman, teve seu
miolo impresso em Papel Pólen Fine 80g e capa em Duo Design
250g.

Impressão e Acabamento
LivroPronto Gráfica
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