O futuro é um maratonista: a velocidade quando os sinais e
circuitos se fecham PIMENTA. S.L.N
Velocidade (ve.lo.ci.da.de): s.f. 1. Relação entre o tempo do percurso e o espaço
percorrido.¹ A definição do dicionário para o vocábulo velocidade, ganha aspectos diferentes nas diversas áreas do conhecimento. Na física, por exemplo, dois definidores são aplicados: velocidade escalar média, que segue a mesma definição do dicionário, e velocidade escalar instantânea, que é o limite da velocidade escalar média a partir de um intervalo de tempo zero. No dia a dia, aplica-se o termo como algo positivo e que deve ser conquistado; quanto mais veloz, mais lucrativo e melhor. Este substantivo é imputado como indispensável à vida daqueles que pretendem atingir objetivos financeiros distintos da grande maioria. Por relação metafórica, entende-se que o percurso é a caminho que o indivíduo deve seguir, e o espaço é o aumento dos zeros à direita de um número (até mesmo o um) no saldo de sua conta bancária. Atingir os resultados a partir de um alto índice de velocidade é o que se chama de futuro. Não se faz necessário trazer a definição do dicionário para este termo. Faz-se indispensável a reflexão sobre a luta por ele. O homem tem muita pressa para resolver sua vida. Cada um tem uma idealização diferente para esta resolução, contudo, todos concordam que ‘é pra já’. Em nenhum momento ensina-se a pensar na velocidade escalar instantânea e apresentar uma perspectiva de crescimento que parte do zero, não! O que se quer é uma velocidade escalar média que, como as epopeias, inicia in media res e mantém um padrão. Diminuir não é permitido. As perspectivas apresentadas de inovadoras pouco, ou nada, têm. As artes já denunciam o homem e sua obsessão pelo futuro. O homem e sua tentativa de tornar-se máquina. O músico brasileiro Paulinho da Viola fechou o sinal para mostrar isso. O cantor precisou recorrer a um dos raros momentos em que o ser humano, por força da lei, para. Duas pessoas se encontram, em um sinal fechado, e constrangem-se por estarem sempre apressadas. O constrangimento dura pouco tempo, pois se justifica tal pressa mediante a necessidade de se pegar um lugar no futuro: “Tudo bem eu vou indo correndo/pegar meu lugar no futuro, e você?” A velocidade é, ainda, explorada na construção dos versos. Em sua maior parte terminam por reticências ou sinais de interrogação. As reticências são representativas da pressa que impede os sujeitos da canção de construírem uma oração completa, por não terem tempo suficiente para formulá-las, bem como a interrupção do outro que não tem tempo suficiente para ouvi-las. As alternâncias de interrogações entre os envolvidos na cena denotam as incertezas que a busca pelo futuro gera, pois sabe-se que a busca pelo futuro é frenética, mas não se tem certeza de quando ela será concluída. Esta incerteza é representada pelo “Adeus” que conclui o texto. Comumente usa-se tal palavra em despedidas de pessoas que têm a certeza de que não mais se encontrarão, contudo a reticência, desta vez, é utilizada para marcar a incerteza, ou a possibilidade de um reencontro, trazendo uma ressignificação para a palavra e para o sinal gráfico que facilmente poderia ser substituído por uma interrogação. A mesma velocidade é retratada, com outros artifícios linguísticos, no circuito fechado do escritor Ricardo Ramos. O terceiro conto (gênero que já imprime velocidade se comparado com o romance, por exemplo) desta sequência que compõe o circuito fechado apresenta uma personagem que supostamente chegou ao futuro. Para espanto de alguns, a personagem permanece a correr. A mesma pressa daquele que esperava ansiosamente o sinal abrir, é vista naquele que ao dormir já avisa “Me acorde cedo amanhã, viu?” Observa-se que a preocupação com o futuro não para de perseguir o homem moderno mesmo quando ele está parado. No primeiro texto, a pausa era por força da lei, no segundo, por força fisiológica. Em ambos os casos há a necessidade de ser máquina. O personagem do conto sofre, nitidamente, da doença que é resultado da velocidade desenfreada impressa pelas organizações capitalistas da sociedade contemporânea: ansiedade. Ele representa o futuro daquele que, no texto de Paulinho da Viola, também só anda a cem. O texto explicita a ansiedade da personagem ao fazer a superposição dos acontecimentos. Uma mente ansiosa pensa muitas coisas ao mesmo tempo e, ao tentar organizá-las, falha, pois a ansiedade impede de fazê-lo. Constata-se que durante todo o texto diálogos de interação entre o personagem central e outros secundários são anunciados, mas imediatamente substituídos por outros diálogos, ora internos, ora externos. Assim como no primeiro texto, não há tempo para se ouvir a resposta do outro. Diante disso, entende-se que a busca desenfreada pelo futuro é um tema abordado pelos dois autores que, não afirmando nada, apresentam as reflexões acerca deste futuro inalcançável, alienante e doentio. Desfazendo-se de sua humanidade, a máquina humana se coloca em uma pista de atletismo e tenta alcançar aquilo que ela chama de futuro, sem calma, afinal, como diz o personagem de Ricardo Ramos “Estou com pressa.” Os textos alertam para algo que a humanidade reluta em perceber: o futuro é um maratonista olímpico e, como tal, corre em uma velocidade praticamente inalcançável. Quando este atleta é alcançado, seu nome muda e vira presente. Inicia-se, então, uma nova corrida. Sempre a cem.