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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO

MOVIMENTOS SOCIAIS E ORGANIZAÇÃO POPULAR EM


NATAL-RN: ENQUANTO MORAR FOR PRIVILÉGIO...

MARIA CLARIÇA RIBEIRO GUIMARÃES

NATAL – RN
2013
MARIA CLARIÇA RIBEIRO GUIMARÃES

MOVIMENTOS SOCIAIS E ORGANIZAÇÃO POPULAR EM NATAL-


RN: ENQUANTO MORAR FOR PRIVILÉGIO...

Dissertação de mestrado apresentada ao


PPGSS/UFRN para a obtenção do título de
Mestre em Serviço Social.
Profa. Orientadora: Dra. Eliana Costa Guerra
Linha de Pesquisa: Estado, Sociedade,
Políticas Sociais e Direitos

NATAL – RN
2013
Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Guimarães, Maria Clariça Ribeiro.

Movimentos sociais e organização popular em Natal-RN: enquanto morar for privilégio.../ Maria Clariça
Ribeiro Guimarães. - Natal, RN, 2013.
202 f.: il.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eliana Costa Guerra.


Dissertação (Mestrado em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de
Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço social.

1. Movimentos sociais – Natal/RN - Dissertação. 2. Questão urbana – Dissertação. 3. Direito à cidade -


Dissertação. I. Guerra, Eliana Costa. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 323.3(813.2)


À militância e ao pulso que ainda pulsa;
Aos desejos de liberdade e às pelejas
cotidianas;
Aos que seguem na resistência às forças
contrarrevolucionárias;
À mística que move lutadores e lutadoras do
povo em busca da construção interminável da
utopia.
AGRADECIMENTOS

[...] Vida,
és uma máquina plena,
felicidade, rumor de tempestade,
ternura de delicado azeite.
Vida,
és como uma vinha:
amealhas a luz e reparte-la em
cacho transformada.
Aquele que te renega
que espere um minuto,
uma noite,
um ano curto ou longo,
que saia da sua mentirosa solidão,
que indague e lute,
junte as suas mãos
a outras mãos [...]
(Pablo Neruda)

Lições diárias de diversas pessoas estiveram presentes perpassando todos


os momentos da minha vida. O momento do Mestrado marcou uma fatia importante
do meu tempo, do meu percurso, da minha trajetória. Apressados vinte e quatro
meses de leituras e elaborações, feitas muitas vezes no limite da exaustão,
chegaram a nos fazer pensar em entregar os pontos. Entretanto, para a
concretização deste trabalho, não faltaram outras mãos que se juntaram às minhas.
E a muitas mãos esta Dissertação foi escrita. Minha gratidão em especial:
À minha mãe, por ter se reinventado após a minha saída de casa. Por
acreditar em mim, muito mais do que eu mesma era capaz de acreditar. Por não
medir esforços para alimentar meus sonhos, mesmo quando isso significava
enfrentar tudo praticamente sozinha e se dividindo em mil outras mulheres. E, ao
mesmo tempo, por nunca ter desistido de ficar, namorar, beijar, amar.
À minha vó, pelos cuidados, preocupações e mimos desde que nasci até hoje.
Por entender que a conclusão da faculdade, tão ansiosamente esperada, ainda não
significava meu retorno a Limoeiro e à sua casa.
Ao Jeferson, meu irmão mais querido, pelas cócegas, risos e gargalhadas,
pelos abraços apertados e por saber como ninguém manter a tristeza bem longe de
mim. Ainda hoje, estranho muito não ter te acompanhado crescer de um jeito mais
próximo, mas o pouco tempo passado juntos em Natal foi maravilhoso para mim.
Amo-te demais!
Ao Thiago, pelas carícias, carinhos e amor sem pudores, por nada ter para
guardar a não ser a sensação pregada na pele que você deixa depois de amar. Pelo
companheirismo e o esforço para tudo dar certo. Pela paciência e compreensão em
cada momento de chegada e de partida, guardando os beijos para depois. Por
estarmos aprendendo a lidar com as nossas diferenças teóricas, políticas,
ideológicas. Sim, eu quero casar contigo!
À Bruninha, por me receber com um belo sorriso no rosto e facilitar meu
caminhar em Natal, quando esta ainda era para mim uma terra um tanto quanto
desconhecida. Pela contribuição teórica de sua monografia, a facilitar minha
aproximação com a temática “questão urbana”. Sua coragem e ousadia para encarar
a vida encantam e inspiram.
À Eliana Guerra, “minha nobukinha”, pela disposição para ser minha
orientadora e por todo o seu rigor teórico-metodológico. Pela alegria com a qual
move céus e terras para realizar os sonhos e devaneios daqueles que lhe cativam o
espírito e, especialmente, por me permitir estar entre estas pessoas. Pelas vezes em
que, até sem saber, sua casa foi a única proteção encontrada.
À Rita, pela acolhida, pelas saias e vestidos e, principalmente, pelos abraços
de urso em meus momentos de fraqueza e desalento.
Às professoras Severina Garcia e Maria Lúcia Duriguetto pelas contribuições
desde a banca de qualificação, despertando em mim uma imensa necessidade de
mais e mais leituras e aprofundamentos teóricos. À Irís, pela confiança que
transparece, pelo abraço forte e.pelas aulas que me deixaram a certeza do quanto
ainda preciso estudar. À Celinha por me acompanhar durante o percurso do
mestrado, com disciplinas ricas em aprendizagem, e ser a responsável por despertar
meu interesse para o estudo dos fundamentos do Serviço Social (costumo dizer que
foi nas suas aulas que minhas lacunas de formação nessa área foram resolvidas). À
professora Regina Ávila por aceitar de modo tão acolhedor compor também a banca
examinadora de qualificação da dissertação.
Ao MLB, à APAC e ao Levante Popular da Juventude, não apenas por
aceitarem participar da nossa pesquisa, mas principalmente por transparecerem o
compromisso com os sonhos coletivos e a indignação com a barbárie.
Às colegas de sala de aula, pelos debates travados e preocupações
compartilhadas no decorrer do mestrado, de maneira especial à Sarah, Nestor,
Raquel, Alane, Lucília, Kleylenda, Joana, Késsia, Mariana, Albertina, Annamaria e
Helizama.
Àquelas pessoas com as quais, em momentos diferentes, pude compartilhar
debates e aperreios do processo da vida e do mestrado: Raquel Cardozo (com seu
sorriso encantador), Elizângela (com sua força), Leidiane (com o companheirismo) e
Fátima, minha irmã “mais velha” em Natal, sempre carinhosa e dedicada. Com muito
carinho, agradeço também a Hiago Trindade por ser meus ouvidos de todas as
horas. Pelas inúmeras ligações e mensagens que me possibilitaram senti-lo tão
pertinho. Foi uma alegria descobrir o imenso leque de identidades que temos um
com o outro! Como diria Eliana, você é o meu queridinho preferido.
À Ilena, pela mística e pela alegria. Por aceitar ser minha companheira de
estudos cotidianos e tornar estes momentos menos cansativos. Por não me deixar
esmorecer e acompanhar-me nas batalhas da vida. Foi uma imensa alegria
encontrar em você alguém para compartilhar dúvidas, aperreios, risos e esperanças.
À Ilana, pelo carinho imediato e por tanto me colocar para cima.
Aos que construíram comigo a dor e a delícia das diversas experiências de
moradia que tive por Natal: Cícero, Deyse, Janaína, Hígor e, por tabela, Alice, que
tanta saudade deixou em meu peito com sua ida para Cajazeiras-PB.
À dona Help, pela delícia do seu almoço, pela sopa reconfortante e pelas
histórias contadas. Pelo carinho com o qual sempre se referiu a mim e pela torcida
sincera por novas conquistas em meu caminho.
À dona Conceição, pela confiança que transpareceu logo em nosso primeiro
contato. Nunca esquecerei o quanto foi delicada e atenciosa comigo no momento
em que, aflita, procurava um canto para dormir e sonhar. Na Vila de Ponta Negra
encontrei meu lugar em Natal e somente em Nosso Lar descobri a paz que
precisava para revigorar minhas forças.
À Irê, pela forma prestativa e atenciosa com a qual me recebeu em sua casa.
Pelo floral e pela torcida, no momento em que eu arriscava mais um passo nessa
vida.
À Lailsa e Karina, companhias certas para meus passeios noturnos por
Limoeiro. Pelas conversas, risos e gargalhadas dadas em praça pública. Por sempre
me acompanharem nos deliciosos sorvetes e coberturas, com sabor de
cumplicidade, irmandade e confidências.
À Vanessa e Luciana, pelos seus ouvidos sempre atentos e ávidos para
entenderem o que se passava por minha cabeça e coração. Por sempre
encontrarem uma forma, por mais singela que fosse, de erguer minha autoestima e,
com ela, minha capacidade de perceber a beleza de ser quem sou.
Às companheiras e companheiros da Consulta Popular/RN, fundamentais
para o meu processo de maturação política, desde meados de 2007 até aqui. Por
terem despertado em mim a necessidade da organização e da construção de um
instrumento político de novo tipo. Por me fazerem entender a afetividade como um
princípio revolucionário e a ternura como um valor fundamental para lutadores e
lutadoras do povo. A vocês, dedico a poesia que traduz as respostas que encontrei
na Consulta Popular:

Mas quem é o partido?


Ele fica sentado em uma casa com telefones?
Seus pensamentos são secretos, suas decisões desconhecidas?
Quem é ele?
Nós somos ele.
Você, eu, vocês – nós todos.
Ele veste sua roupa, camarada, e pensa com a sua cabeça
Onde moro é a casa dele, e quando você é atacado
Ele luta.
Mostremo-nos o caminho que devemos seguir, e nós
O seguiremos com você, mas
Não siga sem nós o caminho correto
Ele é sem nós o mais errado.
Não se afaste de nós!
Podemos errar, e você pode ter razão, portanto
Não se afaste de nós!
Que o caminho curto é o melhor que o longo,
Ninguém nega
Mas quando alguém o conhece
E não é capaz de mostrá-lo a nós, de que nos serve sua sabedoria?
Seja sábio conosco!
Não se afaste de nós!
(Bertold Brecht).
O elemento popular “sente”, mas nem sempre
compreende ou sabe; o elemento intelectual “sabe”, mas
nem sempre compreende e, muito menos, “sente” [...]. O
erro do intelectual consiste em acreditar que se possa
saber sem compreender e, principalmente, sem sentir e
estar apaixonado (não só pelo saber em si, mas também
pelo objeto do saber) [...]. Não se faz política/história sem
esta paixão, isto é, sem esta conexão sentimental entre
intelectuais e povo-nação.

Gramsci
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social


AMB – Articulação das Mulheres Brasileiras
APAC – Associação Potiguar dos Atingidos pelas obras da copa
CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CCSA – Centro de Ciências Sociais Aplicadas
CDM - Conselho de Desenvolvimento Municipal
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CEI – Comissão Especial de Inquérito
CEPAU – Câmara de Estudos e Pesquisas em Arquitetura e Urbanismo
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social
CME – Conselho Municipal de Educação
CMS – Conselho Municipal de Saúde
COMDICA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONCIDADE – Conselho das Cidades
CRDH – Centro de Referência em Direitos Humanos
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
CSU – Centro Social Urbano
ENPESS – Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social
FECEB – Federação de Entidades Comunitárias e Beneficentes
FETAC – Fundação Estadual do Trabalho e Ação Comunitária
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
FNRU – Fórum Nacional de Reforma Urbana
IDEC – Instituto de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados
LPJ – Levante Popular da Juventude
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MESS – Movimento Estudantil de Serviço Social
MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas
MMC – Movimento de Mulheres Camponesas
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MS – Movimentos Sociais
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MSU – Movimentos Sociais Urbanos
NMS – Novos Movimentos Sociais
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OEA - Organização dos Estados Unidos Americanos
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONGS – Organizações Não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCR – Partido Comunista Revolucionário
PDS – Partido Democrático Social
PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNCSU – Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos
PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária
POSDR – Partido Operário Social-Democrata Russo
PPGSS – Programa de Pós Graduação em Serviço Social
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PSOL – Partido Socialismo e Liberdade
PT – Partido dos Trabalhadores
PV – Partido Verde
SEMURB - Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Urbanismo
SETURN – Sindicato das Empresas de Transporte Urbano do Rio Grande do Norte
SINTRO – Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário
SP – São Paulo
SUS – Sistema Único de Saúde
UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Militantes do MLB promovem Marcha em Defesa da Moradia Digna e da


Dignidade Humana.................................................................................................. 101
Figura 02 – Mulheres do MLB protestam na prefeitura pela construção de creches
nos bairros periféricos de Natal............................................................................... 101
Figura 03 – Reunião de mobilização, organizada pelo Comitê Popular da Copa, na
zona oeste da cidade.............................................................................................. 106
Figura 04 – Ato realizado pelos atingidos(as) pelas obras da copa em Natal contra
as desapropriações e remoções............................................................................. 106
Figura 05 – Intervenção urbana da APAC nas casas que serão desapropriadas
pelas obras da copa................................................................................................ 118
Figura 06 – Intervenção urbana da APAC nas casas que serão desapropriadas
pelas obras da copa................................................................................................ 118
Figura 07 –Ocupação em terreno abandonado realizada pelo MLB...................... 123
Figura 08 – Assembleia realizada durante ocupação liderada pelo MLB.............. 123

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 – Mapeamento das residências construídas a partir das ações do


MLB......................................................................................................................... 148
Quadro 02 – Mapeamento das Organizações Comunitárias existentes em
Natal........................................................................................................................ 160
RESUMO

Na medida em que a expansão das cidades ocorre cada vez mais empurrando e
segregando a classe trabalhadora para as áreas periféricas, destituídas de serviços
e de infraestrutura, o espaço urbano se constitui também como um espaço
importante na luta de classe e, nessa direção, o presente trabalho visa analisar a
organização política dos movimentos sociais urbanos e organizações populares
existentes em Natal-RN, na contemporaneidade, nos seus processos de luta por
direitos sociais, com ênfase no direito à cidade. Com essa dimensão, nos
apropriamos das contribuições do materialismo histórico-dialético por entendermos
que este referencial viabiliza a compreensão dos processos de organização coletiva
numa perspectiva crítica e de totalidade, indo para além do seu aspecto imediato.
Para a produção dos dados realizamos pesquisa bibliográfica, documental e de
campo, por meio de entrevistas gravadas semi-estruturadas com os(as) dirigentes
das organizações mapeadas em nossa pesquisa. Os resultados do estudo nos
permitiram caracterizar a ação política dos movimentos urbanos de Natal na luta
pelo reconhecimento e garantia do direito à cidade e apreender os avanços e
entraves no processo de intervenção dos movimentos sociais e organizações
populares existentes em Natal, evidenciando dilemas e contradições que perpassam
os processos de organização e mobilização no período contemporâneo. Com isso,
concluímos que no território natalense, tal como no Brasil contemporâneo, a questão
urbana e a ação política dos movimentos que a evidenciam na cena pública se
entrelaçam e necessariamente se relacionam com a tendência histórica que vem se
apresentando desde os anos 1990, quando o país adentrou num período marcado
por uma nova ofensiva burguesa.

Palavras-chave: Movimentos Sociais. Questão Urbana. Direito à cidade.


ABSTRACT

To the extent that the expansion of cities is increasingly pushing and segregating the
working class to outlying areas, devoid of services and infrastructure, the urban
space is also important as a space in the class struggle, and in this direction, the this
study aims to analyze the political organization of urban social movements and
popular organizations existing in Natal-RN, nowadays, in their process of struggle for
social rights, with emphasis on the right to the city. With this dimension, we
appropriate the contributions of historical and dialectical materialism because we
believe that this benchmark enables the understanding of the processes of collective
organization and a critical perspective of totality, going beyond its immediate
appearance. For production data conducted literature, documentary and field,
through semi-structured interviews recorded with (the) mapped leaders of
organizations in our survey, as well as advisory bodies to the movements studied.
The results of the study allowed us to characterize the action of the political
movements in urban Christmas struggle for recognition and guarantee of the right to
the city and seize the advances and obstacles in the process of intervention of social
movements and popular organizations existing in Natal, highlighting dilemmas and
contradictions underlie the processes of organization and mobilization in the
contemporary period. Thus, we conclude that the Natal territory, as in contemporary
Brazil, the urban and political action movements that show the public scene and
intertwine necessarily relate to historical trend that has been performing since the
1990s, when the country entered a period marked by a new bourgeois offensive.

Keywords: Social Movements. Urban Question. Right to the City.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 17

2 A QUESTÃO URBANA NA DINÂMICA DE REPRODUÇÃO CAPITALISTA ....... 36

2.1 A lógica do capital na produção do espaço ......................................................... 37

2.2 O urbano, a moradia e as desigualdades sócio-espaciais .................................. 47

2.3 O direito à cidade: projetos em disputa no espaço urbano.................................. 56

3 AÇÃO POLÍTICA DOS MOVIMENTOS URBANOS EM NATAL: a que será que


se destina?............................................................................................................... 66

3.1 Organização política nos marcos da luta de classe ............................................ 67

3.2 A cidade de Natal como cenário de lutas e de disputas políticas ........................ 72

3.3 Quem traz na pele essa marca: caracterização dos(as) dirigentes ..................... 89

3.4 Bandeiras de luta e frentes de atuação dos movimentos sociais em Natal ......... 98

4 O FAZER POLÍTICO PELO DIREITO À CIDADE NA REALIDADE LOCAL ...... 110

4.1 Se a gente se acovardar agora, a gente vai viver pelo resto da vida de joelhos....
Estratégias de organização e mobilização .............................................................. 111

4.2 Para o indivíduo sozinho é mais difícil, mas de forma coletiva fica mais fácil...
Avanços e entraves no cotidiano das lutas ............................................................. 139

4.3 Quando a sociedade clama por uma resposta é toda a sociedade que tem que
participar... Aliados e opositores no processo da ação política ............................... 153

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 174

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 184

APÊNDICES ........................................................................................................... 196


A – QUESTIONÁRIO DE PERFIL DOS(AS) DIRIGENTES
B – ROTEIRO DA ENTREVISTA
C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO
D – TERMO DE AUTORIZAÇÃO DA GRAVAÇÃO
E - CARTA DE ANUÊNCIA DO CRDH
17

Introdução

... O curso da viagem e as trilhas


metodológicas no processo de
pesquisa...
18

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico introdutório da Dissertação, apresentamos nossas motivações para a


realização da pesquisa, bem como sua relevância social e acadêmica, em particular,
para o Serviço Social, no atual tempo histórico. Detalhamos a concepção de
produção científica que permeou o trabalho, o percurso metodológico adotado e a
forma como este está estruturado. Entretanto, não o queremos fazer como mero
atendimento às requisições acadêmicas e, por isso mesmo, procedemos a seguir, a
um exercício de reflexão e exposição dos processos que, em ritmos diferenciados,
ora mais acelerados, ora mais lentos foram gestando o presente trabalho.

Por que pesquisar? Quando a indagação começa a se delinear...

“Em verdade, fenômenos, fatos, situações,


circunstâncias, representações que interpelam o/a
pesquisador/pesquisadora estão entrelaçados,
imbricados nesta trama histórica da vida, embora
possam aparecer separados”.
(Alba Maria Pinho de Carvalho)

Os problemas de pesquisa se apresentam inicialmente no cotidiano da vida


prática, para só então passarem a constituir questões de investigação teórica
(MINAYO, 1994), ou seja, têm sua origem na realidade concreta, em circunstâncias
socialmente determinadas e essas circunstâncias instigam e motivam a opção por
determinado objeto de estudo.
Assim, as vivências e reflexões construídas durante o período da nossa
graduação, especialmente a partir da militância política no movimento estudantil e da
aproximação teórica com a discussão de movimentos sociais, nos despertaram
diversos questionamentos e inquietações que contribuíram para a maturação do
nosso objeto de estudo. A experiência de monitoria na disciplina Serviço Social e
Movimentos Sociais e o estágio em docência em Capitalismo e Questão Social
(durante a pós-graduação) contribuíram com o nosso acúmulo teórico-metodológico.
Foi também fundamental para a constituição do nosso problema de pesquisa
a experiência de estágio supervisionado no Conselho Regional de Serviço Social
(CRESS)/Seccional de Mossoró e a participação na direção da Associação Brasileira
19

de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), na condição de representação


discente da regional Nordeste.
Essas experiências – articulando formação profissional e militância política –
possibilitaram-nos apreender as implicações políticas que permeiam a profissão
do(a) assistente social e a perspectiva renovadora fomentada no interior do Serviço
Social, a partir do Movimento de Reconceituação latino-americano, cunhado no
rompimento com a suposta neutralidade e na construção do compromisso da
categoria com a classe trabalhadora.
A “opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de
uma nova ordem social, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero”, bem
como a “articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que
partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores”
(CFESS, 1993), figuram dentre os elementos fundamentais da ética profissional do/a
Assistente Social.
Este redirecionamento da profissão provocou expressivo interesse dos(as)
assistentes sociais pelos estudos sobre a organização política das classes
subalternas1. Nessa perspectiva, a temática dos movimentos sociais foi sendo
incorporada ao Serviço Social na formação profissional, nas pesquisas e na
produção acadêmica da área, ao passo em que também ocorreu a inserção do
trabalho profissional do(a) assistente social nas instituições de organização
autônoma da classe trabalhadora (CARDOSO; LOPES, 2009). Todavia, trata-se de
um tema com pouca literatura produzida pelos estudiosos(as) do Serviço Social e
que encontra ainda dificuldades para ter sua relevância reconhecida no âmbito da
intervenção profissional.
A nossa chegada à cidade de Natal e o fato de termos aqui não apenas fixado
residência, como também construído novas experiências de militância política,
suscitaram outras tantas questões que se somaram às reflexões anteriores sendo,
por isso mesmo, fundamentais para o delineamento de nosso objeto de estudo.

1
“A categoria ‘subalterno’ e o conceito de ‘subalternidade’ têm sido utilizados, contemporaneamente,
na análise de fenômenos sociopolíticos e culturais, normalmente para descrever as condições de vida
de grupos e camadas de classe em situações de exploração ou destituídos dos meios suficientes
para uma vida digna. No pensamento gramsciano, contudo, tratar das classes subalternas exige, em
síntese, mais do que isso. Trata-se de recuperar os processos de dominação presentes na sociedade
[...]” (SIMIONATTO, 2009, p. 42). Desse modo, a luz da elaboração de Gramsci, sempre que nos
referirmos às classes subalternas no presente trabalho estamos entendendo as reflexões sobre
subalternidade como dialeticamente articuladas ao Estado, à sociedade civil e à hegemonia.
20

Dentre as novas vivências, merece destaque o acompanhamento do


Movimento Fora Micarla2, articulado por uma diversidade de forças políticas. As
primeiras expressões deste movimento vêm à tona com as mobilizações contra o
aumento da passagem de ônibus na cidade, articuladas pelo movimento estudantil.
Embora, em sua origem, seja composto predominantemente por estudantes
universitários, articulados, sobretudo, através de redes sociais, como facebook e
twitter, a pauta do movimento Fora Micarla vai agregando também o movimento
sindical – e mais adiante o movimento de bairro – além de outros movimentos.
Consegue, assim, mobilizar a população e organizar grandes atos públicos,
obtendo, inclusive, visibilidade na mídia nacional. Este movimento culmina com a
ocupação da Câmara Municipal de Natal por onze dias, período em que conquista a
instauração de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) para apurar possíveis
irregularidades em contratos firmados pela atual gestão3.
Ao desocupar a Câmara Municipal, segmentos do movimento fizeram a opção
política por investir no trabalho de base. O desenrolar do trabalho nos bairros
populares de Natal – atividade na qual nos envolvemos - , o contato direto com o
povo, os inúmeros depoimentos da população que denunciavam a constante
negação de seus direitos, despertaram nosso interesse para a questão do direito à
cidade, coligada à apreensão das condições e possibilidades de organização dos
moradores(as) da periferia urbana de Natal.
Parafraseando Lefébvre (2001), entendemos que os bairros não são um
aspecto secundário, mas a própria essência da realidade urbana, a expressão mais
concreta da vida nas cidades; exatamente por este motivo, aparecem agora como
um aspecto fundamental para nossas análises.
Nesse sentido, o estudo ora apresentado objetiva analisar a organização
política dos movimentos sociais urbanos e organizações populares existentes em
Natal-RN e suas lutas para o reconhecimento e garantia do direito à cidade. Assim,

2
Prefeita de Natal, eleita pelo Partido Verde (PV), para o período 2008-2012, apoiada por José
Agripino Maia (DEM) e tendo atualmente como principal aliado político Henrique Eduardo Alves
(PMDB).
3
Uma das principais acusações à prefeita Micarla de Sousa que passou a ser objeto de investigação
da Câmara Municipal refere-se à opção por alugar imóveis – preferencialmente grandes hotéis – para
serem ocupados por órgãos públicos. Exemplos disso são facilmente visualizados pela cidade,
incluindo também o aluguel, por parte da prefeitura, de uma casa de três andares, com piscina e
sauna, em um bairro nobre, para ser a sede da Secretaria do Meio Ambiente e Urbanismo
(SEMURB). Micarla é acusada de ter feito contratos de aluguel até mesmo em prédios ainda em
construção (MENEZES, 2011).
21

se inscreve no campo das elaborações que reforçam a importância de investigações


contemporâneas acerca das classes e lutas sociais, no âmbito do Serviço Social.
Compartilhamos da inquietação apontada por Iamamoto (2010, p. 461), com
base na categorização dos eixos temáticos dos projetos de pesquisa dos Programas
de Pós-Graduação em Serviço Social. Segundo a autora, tem se verificado que “[...]
a área temática com menor investimento na pesquisa refere-se aos conflitos e
movimentos sociais, processos organizativos e mobilização popular -, o que é motivo
de preocupações”.
Ora, considerando o compromisso ético e politico do Serviço Social brasileiro
com a luta dos trabalhadores, tal temática desponta como um desafio político e
teórico. Cabe nuançar que, pesquisas relativas aos movimentos sociais podem
figurar nos campos temáticos de questão urbana; agrária e ambiental, gênero, raça,
etnia e diversidade sexual; trabalho e questão social, dentre outros, tornando difícil a
tarefa de precisar melhor a produção da área neste campo temático.
No que se refere especificamente às dissertações de mestrado produzidas no
programa de pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), identificamos, no período de 2005 a 2011 4, a realização
de apenas 03 (três) trabalhos cujo objeto de estudo central é a organização da
classe trabalhadora; todos eles priorizaram dimensões da organização da própria
categoria dos(as) assistentes sociais5.
Nesse sentido, a presente pesquisa vem contribuir para suprir a lacuna de
produções acadêmicas sobre o universo dos movimentos sociais urbanos presentes
na realidade local e, em particular, aquelas fundamentadas na perspectiva da
totalidade, que pretendem investir no fortalecimento dos sujeitos coletivos.
O enfoque dado ao urbano se justifica por este ser um dos espaços que tem
se revelado de importância fundamental para a luta de classes, nas últimas décadas.
Ao expandirem-se empurrando segmentos das classes subalternas para as áreas

4
De acordo com o conteúdo disponibilizado na página do Programa de Pós Graduação em Serviço
Social/Centro de Ciências Sociais Aplicadas (PPGSS/CCSA):
http://www.sigaa.ufrn.br/sigaa/public/programa/defesas.
5
Os trabalhos a que nos referimos são: Serviço Social e Política: uma análise da participação dos
a
assistentes sociais no Conselho Regional de Serviço Social – 14 região, de autoria de Josiane
Rodrigues da Silva; A organização sindical dos assistentes sociais no Brasil: dilemas e desafios
contemporâneos, de autoria de Tássia Rejane Monte dos Santos e Movimento Estudantil e Serviço
Social no capitalismo contemporâneo: tendências e particularidades, de autoria de Maria Lenira
Gurgel Cavalcante. Não incluímos em nossa categorização àqueles trabalhos que embora não tendo
os movimentos sociais e processos organizativos como questão central, em alguma medida
perpassam essa discussão.
22

periféricas, destituídas de serviços, de infraestrutura urbana e de equipamentos


coletivos, as cidades brasileiras têm se configurado como espaço de grande
segregação sócio-espacial. A dinâmica de produção e de reprodução do espaço não
pode ser pensada excetuada de sua intrínseca relação com os processos de
acumulação capitalista e de exploração da força de trabalho.
No caso da região Nordeste, é oportuno chamar atenção para a
predominância de uma imagem política na qual o campo, a estrutura fundiária, a luta
pela terra, a dominação oligárquica, ocupam, senão toda a cena, ao menos os
lugares privilegiados para uma possível explicação da realidade. Entretanto, com a
expulsão do trabalhador do campo para a cidade, a partir de sucessivos processos
de expropriação, da repercussão do processo de industrialização, agora, o urbano
pode ser visto, sem grandes dificuldades, como um espaço de luta das classes
subalternas nordestinas na defesa de seus interesses.
A apreensão das contradições urbanas e da ação coletiva de sujeitos sociais
no sentido de lutar contra condições degradadas de vida na cidade e de garantir
seus direitos interessa ao Serviço Social, especialmente, pelo fato da questão social
ser considerada o solo de inserção do trabalho dos(as) assistentes sociais.
Considerando que o Serviço Social se institucionaliza, nos anos 1930, tendo
como alvo para sua atuação o proletariado6 urbano e o exército industrial de reserva
– visando atenuar as sequelas materiais e morais decorrentes do trabalho
assalariado (IAMAMOTO e CARVALHO, 2012) – percebemos que a relação do
Serviço Social e com a Questão Urbana constitui um dos traços marcantes da
origem da profissão.
Além disso, no atual cenário de regressão de direitos, uma atuação
profissional pautada na perspectiva da racionalidade crítico-dialética (Cf. GUERRA,
2004) e em consonância com o projeto profissional, tem como premissa de relevo a

6
“Para Marx, o proletariado é a classe daqueles que vivem unicamente da venda de sua força de
trabalho (ver mais-valia) por um salário, e que encontram-se, deste modo, submetidos à exploração
pelo capital. A oposição entre burguesia e proletariado é, segundo o Manifesto do partido comunista
(1848), a principal manifestação da luta de classes na época moderna, ou seja, na sociedade
burguesa. “operários”, “trabalhadores” e “proletários” são termos equivalentes, senão idênticos e,
encontra-se, em Marx e Engels horas um, horas outro destes conceitos [...] Segundo certos marxistas
– como Nicos Poulantzas – apenas o trabalhador produtivo, ou seja, aquele que produz mais-valia
para um capitalista, faz parte do proletariado; para outros como Ernest Mandel, o conjunto daqueles
que vendem sua força de trabalho por um salário pertencem ao proletariado; incluindo a massa de
empregados e de trabalhadores intelectuais” (DUMENIL, 2011, p. 99, tradução livre). Corroboramos
com a concepção de Mandel, ampliando-a no sentido de incorporar ainda a massa de trabalhadores
desempregados.
23

necessidade de conhecer os movimentos sociais que atuam naquele contexto, bem


como pressupõe “[...] ações voltadas ao fortalecimento dos sujeitos coletivos, dos
direitos sociais e a necessidade de organização para a sua defesa, construindo
alianças com os usuários dos serviços na sua efetivação” (IAMAMOTO, 2010, p.
199-200).
A presente pesquisa nos permitiu, assim, traçar um panorama crítico acerca
das lutas e contradições em torno do direito à cidade em Natal do ponto de vista dos
sujeitos coletivos que se organizam politicamente no espaço urbano. Constitui-se,
portanto, como uma pesquisa essencialmente reveladora das relações estabelecidas
entre Estado e sociedade na realidade local, considerando as particulares condições
políticas, econômicas e sociais do município, o que atesta a relevância social da
nossa investigação e as contribuições significativas que pode apresentar para
desvelar a materialização (ou a negação) dos direitos sociais no contexto potiguar,
seus limites e tensões.
Dialeticamente, a pesquisa em questão é ainda passível de contribuir para os
próprios movimentos sociais, objetos de nosso estudo, ao proporcionar a estes um
maior conhecimento do solo histórico em que se materializam suas lutas,
colaborando para a (re)construção de sua ação política. Doravante, nada poderia
dotar de maior sentido os resultados de nossa pesquisa do que o retorno das
reflexões por eles gestadas àqueles que constroem cotidianamente os movimentos
sociais urbanos e a organização popular em Natal.
Registramos que o termo “movimentos sociais urbanos”, cunhado na década
de 1980, não se refere à totalidade dos movimentos organizados na cidade (o que
compreenderia também a diversidade dos movimentos feminista, negro, LGBT,
estudantil, sindical, etc). Diz respeito, na origem do termo, àqueles movimentos
articulados a partir das questões de conformação/apropriação do espaço urbano,
desde o acesso à habitação, até os serviços e bens coletivos e a gestão da cidade.
Como estamos trabalhando com movimentos mobilizados a partir dessas mesmas
questões e bandeiras de luta e, na falta de outra nomenclatura passível de
contemplar-nos, optamos por adotar também este termo em nosso trabalho para,
por vezes, nos referirmos aos movimentos pesquisados.
24

Percursos e percalços metodológicos

“Sem descobrir os fundamentos reais da


situação histórico-social,
não há análise científica possível”
(Lukács)

Enveredamos pelo caminho da pesquisa científica por sabermos que a


histórica preocupação do ser humano com o desvendar da realidade encontra no
fazer científico uma de suas expressões mais contundentes, pois nenhum corpo
sistematizado de conhecimentos se sustenta sem ser objeto de pesquisa.
Entretanto, apesar desta constatação, cabe adiantar que entendemos ser
necessário não apenas conhecer a realidade, mas também contribuir para alterá-la,
afirmando, junto com o marxismo, a dimensão transformadora do fazer científico,
consoante com a XI tese sobre Feuerbach: “Os filósofos nada mais fizeram que
interpretar de diverso modo o mundo; mas trata-se, antes, de transformá-lo” (MARX;
ENGELS, 1952, p. 378).
A referência a esta finalidade do conhecimento e do fazer científico demarca,
desde logo, porque dispomos enquanto assistentes sociais de um projeto de
formação no qual a dimensão investigativa constitui condição central para o
exercício profissional, que não dicotomize teoria e realidade, no qual o(a) assistente
social seja capaz de desvendar possibilidades de intervenção que permitam
respostas qualificadas às demandas das classes subalternas. Tal ação profissional,
desta forma vislumbrada, ficaria comprometida se não lançamos mão da pesquisa
científica.
Nessa direção, nosso objeto de estudo foi construído paulatinamente a partir
de determinadas preocupações que nos levaram a formular uma sequência de
interrogações iniciais, que nortearam a realização de nossa investigação e, de modo
mais geral, do mestrado, contribuindo para um maior entendimento do movimento do
real.
A abordagem do problema sob este ângulo teve como decorrência a evidente
necessidade de traçarmos um percurso investigativo mais amplo e complexo, ao nos
colocar diante de aspectos da realidade que mereciam serem analisados mais de
25

perto. Encontrávamo-nos diante da necessidade de desvendar o aparente e lançar


luz sobre as interrogações iniciais concernentes ao nosso problema de pesquisa, as
quais podiam nos guiar na explicitação de seus determinantes fundamentais.
O campo teórico no qual situamos a nossa compreensão do problema, nos
serve de pano de fundo para que não tenhamos dúvidas em afirmar que a
perspectiva de totalidade inscrita no método em Marx nos pareceu a via possível
para apreender o real em suas múltiplas determinações, articulando aparência e
essência em sua relação dialética, especialmente porque parte da preliminar de que
“[...] a realidade, os fatos, os acontecimentos, precisam ser desmascarados,
desvendados. Daí esse percurso entre o que é a aparência e a essência, entre a
parte e o todo e o singular e o universal” (IANNI, s/d, p. 03-04).
Em outras palavras, significa que a realidade se constitui de modo
contraditório, complexo e heterogêneo e, portanto, não se dá a conhecer de modo
imediato. O processo de desvendar o objeto em estudo pressupõe: o levantamento
de questionamentos constantes acerca dos fatos; a articulação presente-passado
numa relação de superação das visões a-históricas do real e o considerar da
ideologia na qual o objeto está imbricado (IANNI, s/d) para, neste processo, decifrar
e articular as múltiplas determinações que constituem o concreto, ou seja, as
relações, processos e estruturas que constituem a realidade em estudo.
Coerente com este percurso metodológico, adotamos, para a realização deste
estudo, a abordagem qualitativa, considerando que este tipo de pesquisa:

[…] responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências


sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja,
ela trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p. 21-22).

Nessa perspectiva, em nosso processo de investigação, inicialmente


realizamos uma revisão bibliográfica levantando a produção teórica existente sobre
o tema, particularmente no que se refere às categorias Movimentos Sociais,
Questão Urbana e Direito à Cidade. Acreditamos que a leitura dos diversos materiais
já produzidos nos permitiu uma análise dos dados mais coerente e fundamentada.
Para nossa pesquisa de campo, no intuito de melhor aprofundarmos as
questões que nos interessavam investigar, optamos metodologicamente por
26

delimitar regiões e movimentos. Priorizamos a zona oeste de Natal por ser esta uma
das que apresenta organizações e lutas mais expressivas, considerando ainda que a
zona Leste, especialmente no que concerne o bairro Mãe Luiza, embora com uma
trajetória de luta significativa, já constituiu objeto de inúmeras investigações e
análises acadêmicas.
Nesta região – zona oeste de Natal – delimitamos ainda para nossa amostra
de pesquisa aqueles movimentos com atuação mais orgânica na cidade.
Privilegiamos, desse modo, a análise de três movimentos organizados, sobretudo,
nesta região: o Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), a
Associação Potiguar dos Atingidos pelas Obras da Copa (APAC) e o Levante
Popular da Juventude (LPJ).
Tal recorte foi necessário tendo em conta a densidade das questões que
estamos nos propondo a analisar, processo este, sem dúvidas muito mais
complicado, em um universo amplo e diversificado7, tanto mais se atentamos para o
tempo que dispomos para a realização de uma pesquisa de mestrado.
Realizamos também uma pesquisa documental por meio da análise de
estatutos, regimentos, notas e textos produzidos por estes movimentos sociais (MS),
e diversos outros materiais que, no decorrer da pesquisa, se mostraram relevantes
para o alcance dos objetivos delineados.
A partir desse enfoque, realizamos entrevistas gravadas semi-estruturadas
com os(as) dirigentes das organizações e movimentos, sujeitos privilegiados de
nossa pesquisa. De fato, na acepção gramsciana, estes se constituem intelectuais
orgânicos que, vinculados a uma determinada classe social, se tornam responsáveis
pela organização e divulgação do conjunto dos interesses político-ideológicos
compatíveis com sua classe, assumindo o duplo papel de educar e auto-educar-se.
Igualmente fundamentada na acepção gramsciana, Ramos (2005) discorre
acerca da importância assumida pela direção na construção da ação política no que
se refere à elaboração de estratégias e encaminhamentos das lutas. Dentro dessa
perspectiva: “[...] não existe organização sem intelectuais, sem organizadores e
dirigentes. Os intelectuais são os representantes permanentes de um projeto político
de resistência ou de manutenção do poder e, como tais, assumem um papel

7
Lembremos que Natal é hoje uma cidade com 803.811 habitantes, tendo seu território organizado
em 36 (trinta e seis bairros) e 70 (setenta) favelas distribuídas nas quatro regiões administrativas
(Norte, Sul, Leste e Oeste).
27

determinante no plano da ação política” (RAMOS, 2005, p. 153). Nesse sentido, tais
lideranças apresentam e sintetizam o conjunto das experiências e expressões que
nos interessa analisar.
De cada movimento social ou organização popular articulada em Natal em
torno do direito à cidade e elencada para nossa pesquisa de campo, entrevistamos
uma ou duas lideranças, num total de 05 (cinco), assim distribuídas: duas lideranças
do MLB; duas lideranças do Levante Popular da Juventude e uma liderança da
APAC.
Face todo o percurso metodológico apontado, não nos parece demasiado
lembrar que os depoimentos dos(as) militantes que nos foram fornecidos por
ocasião das entrevistas foram imprescindíveis para tornar nossa análise possível.
Porém, ressaltamos mais uma vez não terem as 05 (cinco) entrevistas mencionadas
se constituído únicas e exclusivas fontes para as análises aqui tecidas.
Ademais destas e dos documentos consultados, recorremos também a
anotações de nosso caderno de campo, com registros a partir de nossa participação
em muitas reuniões, encontros, atos públicos, visitas e conversas nas casas dos
moradores, que compõem a lista daqueles que serão atingidos pelas obras da copa,
diálogos informais; em tantas outras situações, o dito e o não dito se revelou recurso
de inesgotável valor para a elaboração das reflexões e conclusões a que chegamos.

O processo de construir-se pesquisadora

“A coisa não está nem na partida


e nem na chegada, mas na travessia...”
(Rubem Alves).

A produção desta dissertação, desde a escolha do seu tema até a última linha
de sua elaboração, perpassou também valores, prioridades, interesses, diretamente
relacionados com as vivências construídas em nosso processo de formação
profissional e política. Por isto, torná-la pública a partir deste momento significa
também revelar todas as diversas facetas de uma pesquisadora em formação,
encantos e desencantos no processo de delineamento de meu objeto de estudo.
Ao mesmo tempo, possibilita expressar um pouco do que tem sido – até aqui
– o processo de construir-me pesquisadora e registrar o quanto é significativo para
28

mim submeter seu resultado final a olhares críticos, a diversos entendimentos sobre
percursos a trilhar na pesquisa na área de Serviço Social.
Com relação ao tema objeto do nosso estudo, o que podemos dizer é que o
próprio caminho trilhado foi redimensionando o meu modo de caminhar e, assim, se
antes me dedicava ao estudo do Movimento Estudantil de Serviço Social, agora
passo a me debruçar sobre os Movimentos Sociais Urbanos, como resultado-síntese
de novas experiências, reflexões, leituras e muitas conversas com a professora
Eliana Guerra, orientadora da pesquisa, que foram complexificando e alterando
significativamente o projeto inicial.
Antecipo: o trabalho em apreço é resultado de um processo relativamente
curto, se pensamos na dimensão do tempo. Todavia, este tem a marca da
intensidade de estudo e dedicação que exigiu de mim. Especialmente, porque
muitos desafios me foram apresentados.
Primeiramente, se impôs para mim a tarefa de apropriar-me da história e das
lutas de um lugar que não é o meu espaço de origem e apenas recentemente
tornou-se meu local de moradia; Logo de início, as poucas vivências e reflexões
maturadas apareceram de forma um tanto quanto assustadora e, por isso mesmo,
nos desafiavam, por terem nos indicado não ser a cidade de Natal simples de ser
estudada, especialmente quando se trata da análise de seus movimentos sociais. Ao
contrário, marcada por complexidades, nos parece estar Natal situada dentre as
cidades mais conservadoras do país.
Em segundo lugar, escrever sobre avanços, entraves, dilemas e contradições
que perpassam processos de organização dos quais eu não sou sujeito, por não ter
trajetória de militância construída por dentro dos movimentos sociais urbanos; Ao
mesmo tempo em que este foi um fator passível de facilitar o distanciamento com
relação ao objeto de estudo que, em certo grau, a pesquisa científica nos demanda,
para resguardar a apreensão e análise das informações; este também foi um
elemento que me gerou dúvidas e me provocou certo receio de cair em um mero
olhar academicista e apartado da realidade dos sujeitos que estão na construção
cotidiana destes movimentos.
Finalmente, desenhou-se como desafio discutir a chamada Questão Urbana,
solo histórico do qual emerge a necessidade da organização coletiva dos
movimentos sociais, objeto de interesse particular de nossa análise. Durante a
realização do curso de Serviço Social na Universidade do Estado do Rio Grande do
29

Norte (UERN), em nenhum momento, foram oferecidas disciplinas abordando a


questão urbana. Posso afirmar que começo a me aproximar dessa temática agora e,
portanto, não tenho uma base anterior de estudos acerca do tema. Entretanto,
construí uma trajetória de estudos e vivências na área dos movimentos sociais e da
organização política a qual situa a presente dissertação em uma linha tênue entre
mudança e continuidade, em meu percurso de pesquisa.
Outros desafios e alguns impasses nos chegaram como dificuldades
inerentes ao percurso da pesquisa de campo. A primeira delas foi justamente em
relação ao processo de inserção em campo e diálogo com as lideranças dos
diferentes movimentos sociais, pois se para alguns dos movimentos pesquisados
nossa presença nos seus espaços de organização interna não causava nenhum
estranhamento por representar a presença de mais uma companheira de luta que
chegava para se somar aos seus processos de mobilização, para outros
movimentos nossa figura representava a presença de uma ilustre desconhecida,
gerando num primeiro momento algumas desconfianças e receios.
Em contato direto com as lideranças e com a base dos movimentos
pesquisados, por recorrentes vezes, a primeira pergunta a nós dirigida foi: “Você é
da Prefeitura?”. Da resposta a essa pergunta, dependia a disposição ou não dos
sujeitos a se abrirem ao diálogo conosco e contribuírem em nosso processo de
pesquisa. Demonstrarmos nossa identidade com as lutas dos movimentos foi
fundamental não apenas para desfazer receios iniciais, como também para que
tenhamos conseguido construir com estes sujeitos – ouso afirmar – uma relação de
companheirismo, amizade, respeito e admiração recíproca.
Uma outra questão que nos colocava um impasse na pesquisa de campo
referia-se a própria forma como os sujeitos pesquisados percebiam o fato deles
estarem sendo objeto de pesquisa da universidade. Para alguns movimentos, esta
iniciativa era totalmente bem-vinda, sendo entendida mesmo como algo que
contribuiria para sua ação política, inclusive porque ao se dar visibilidade aos
resultados da nossa pesquisa estaríamos com isso reforçando e legitimando as
denúncias realizadas pelos movimentos locais em termos da negação do direito à
cidade na capital potiguar.
Contudo, outros movimentos demonstravam certa resistência a ideia de
estarem sendo objeto de pesquisa acadêmica, por razões bastante justas. Uma
delas o fato de muitas dessas pesquisas – ainda que “bem intencionadas” – acabam
30

por produzirem argumentos favoráveis aos opositores do movimento e passam a ser


por eles utilizados, em geral, para fundamentar a criminalização dos movimentos.
Isso quando não acontece de tratar-se de pesquisador que se apresenta
como estudante universitário, mas que na realidade é representação da imprensa
dominante, a fim de “validar” determinadas teorias que muito pouco ou praticamente
em nada correspondem ao que acredita e ao que faz o próprio movimento.
De fato, no processo de pesquisa, nos deparamos com informações passíveis
de deturpações. Nossa opção, porém, foi pelo máximo de cuidado possível em
relação ao que iríamos escrever e expor neste trabalho. Evidenciamos as
contradições, mas as situando sempre do ponto de vista dos movimentos.
Outrossim, todo o processo de realização da presente pesquisa esteve
inscrito no contexto de minha vida cotidiana (dimensão insuprimível da existência
social), o que não é isento de implicações. O percurso investigativo e analítico,
sendo parte do meu cotidiano, sofreu também as determinações deste, a exemplo
da heterogeneidade, da imediaticidade e da superficialidade extensiva (LUKÁCS,
1966) que constituem ontológica e estruturalmente a vida cotidiana.
Se é verdadeira a assertiva do próprio Lukács, segundo o qual não existe
uma muralha chinesa separando os comportamentos cotidianos dos que não o são,
posso afirmar ter sido uma das dificuldades presentes na construção deste trabalho
a (in)capacidade de conseguir suspender-me do plano da cotidianidade por alguns
momentos.
Ademais, não constitui tarefa simples insistir na filiação à tradição marxista na
análise dos movimentos sociais, no atual tempo histórico. De fato, revela-se um
desafio tecer análises ancoradas nesta perspectiva em um contexto em que o
pensamento social brasileiro se defronta com convites constantes para a
fragmentação da realidade e a negação de sua totalidade, oscilando entre o
catastrofismo fatalista, o esquerdismo pós-moderno e a cultura do possibilismo: ora
afirma-se não haver o que fazer, ora se dilui a luta de classes em múltiplos
particularismos ou ainda se aposta na colaboração de classes como alternativa
(BRAZ, 2011).
Com a crescente ampliação das interferências do pensamento pós-moderno e
neoconservador, a produção de uma dissertação de mestrado ancorada nas
categorias de totalidade, contradição e mediação, se apresentou como mais uma
dificuldade presente em nosso percurso.
31

Em que pesem todos os desafios elencados e as dificuldades vivenciadas em


alguns momentos para saber lidar com eles, a produção de um trabalho com tal
nível de exigência constituiu para mim oportunidade de descoberta de novas leituras
e de apropriação de novos conhecimentos, ou ainda, ocasião para descortinar tantas
outras questões até então intangíveis em meu universo de estudo e de militância.
A principal questão que estava explicitamente colocada era a necessária
capacidade de seguir adiante, me auto-desafiando, procurando enfrentar todas as
dificuldades inerentes ao percurso da pesquisa e próprias das minhas limitações
teórico-metodológicas.
Em nenhum momento escrever foi tarefa simples; ainda mais porque essa
escrita exigia pensar criticamente objetos e sujeitos do tempo presente, com sonhos,
angústias, incertezas e possibilidades atuais. Mas isso em nada alterou meu desejo
de imprimir na pesquisa realizada um pedacinho de mim e do meu jeito de estudar
fenômenos e processos em curso, circunscritos no tempo histórico, na dinâmica do
real e inscritos no espaço em produção.
Construímos este trabalho assentado na concepção que reivindica a realidade
como base material. Foi exatamente esta realidade que nos despertou questões e
nos forçou a pensar sobre elas e a partir delas. Por isso mesmo, as perguntas e
demandas teóricas e políticas que este trabalho possa ter suscitado são, para nós,
muito mais instigantes e significativas do que quaisquer respostas que
pretendêssemos encontrar. Eis aí a essência do movimento dialético de um
processo de pesquisa.
Por fim, não é demais lembrar o caráter preliminar desta elaboração, escrita
por alguém que ainda se considera muito jovem em termos de vivências e,
principalmente, acúmulo teórico. Nesse sentido, o trabalho ora apresentado é,
evidentemente, passível de adendos, críticas, sugestões e reformulações e está, por
isso mesmo, suscetível a contribuições a serem refletidas e trabalhadas
posteriormente. Desse modo, não me resta, senão assumir as responsabilidades
pelas lacunas existentes.
32

Por onde caminha nossa pesquisa?

“[...] a realidade social não se dá a conhecer a


não ser pela reflexão demorada, reiterada, obstinada [...]
sobre o objeto para desvendar, no objeto, dimensões
que não são visíveis, que não são dadas”
(Otávio Ianni)

Do momento em que chegamos a UFRN para iniciarmos nosso mestrado ao


momento em que finalmente entregamos a versão dita “final” da nossa dissertação
para a banca examinadora, uma das lições que nos pareceram mais verdadeiras é
aquela segundo a qual, na perspectiva inscrita em Marx, o método de investigação é
distinto do método de exposição. Aprendemos isso nas aulas que tivemos durante a
disciplina Seminário de Dissertação, mas somente entendemos o que realmente
queria dizer tal afirmação quando passamos a fazer constantes e contínuas
reformulações na versão escrita de nosso trabalho. Construímos, abandonamos,
deslocamos de um lugar para outro, reconstruímos muitas formas que tornariam
possível a exposição dos resultados a que chegamos, até finalmente optarmos por
estruturar o presente trabalho em três partes, além desta introdução e das
considerações finais.
No primeiro capítulo, procuramos traçar algumas características e tendências
constitutivas da questão urbana brasileira, a partir da análise das imposições e
requisições da lógica de acumulação capitalista. Destacamos especialmente as
dinâmicas urbanas contemporâneas e suas incidências sobre as cidades, e as
condições de vida e moradia da classe trabalhadora, procurando demonstrar seus
efeitos destrutivos, conjunturais e duradouros.
Ao abordar o contexto da luta de classes e sua repercussão no âmbito do
Estado, este capítulo busca também explicitar a condição da política pública no
enfrentamento das distintas manifestações da questão urbana nos dias atuais, em
que coexistem de forma tensa e contraditória o reconhecido avanço representado
pela inscrição da Política Urbana na Constituição Federal de 1988 e os
desdobramentos da ofensiva neoliberal e da contrarreforma do Estado. Delineamos
a partir disso a concepção de cidade como um território de luta política.
No segundo capítulo, passamos a recorrer aos recursos da análise
documental e dos depoimentos das lideranças políticas entrevistadas e, com isso,
33

elucidamos o terreno sócio-histórico no qual os movimentos e organizações


populares pesquisadas se articulam, o que caracteriza e configura o perfil dos
dirigentes e lideranças dos movimentos pesquisados, suas bandeiras e frentes de
luta, as quais expressam a síntese das necessidades, interesses e objetivos
almejados pelos sujeitos que constroem o movimento popular em Natal.
No terceiro capítulo, também especialmente a partir dos depoimentos dos
sujeitos entrevistados e da análise documental, caracterizamos de forma mais
precisa a ação política dos movimentos sociais de Natal na luta pelo reconhecimento
e garantia de direitos sociais, com ênfase no direito à cidade. A partir deste enfoque,
discutimos as principais iniciativas/ações realizadas pelos movimentos sociais, os
avanços/conquistas e dificuldades/entraves encontrados pelos movimentos na
intervenção face à questão urbana em Natal.
Problematizamos, ainda, os desafios postos para os movimentos sociais e
centramos nossa discussão em torno das estratégias adotadas por estes em Natal,
seus processos de organização e mobilização, evidenciando dilemas e contradições
que perpassam suas lutas no período contemporâneo. Ademais, abordamos os
principais aliados com que os movimentos sociais de Natal se articulam na defesa
de suas propostas e contra que se confrontam diretamente. Nessa direção,
problematizamos também como vem ocorrendo a relação entre os referidos
movimentos com outros movimentos sociais, com a mídia e com o poder local, pois
tanto a apreensão das alianças realizadas quanto a identificação de interesses
opostos aos movimentos são dimensões importantes para a análise da ação política.
A perspectiva teórico-metodológica adotada dá sustentação ao conjunto das
formulações, análises e construções tecidas ao longo de nossa dissertação. Nos
diferentes capítulos, assim como na introdução e nas considerações finais
buscamos a apropriação de dimensões do real a partir de categorias e conceitos do
legado marxiano e de elaborações de autores marxistas. Utilizamos o recurso à nota
de rodapé, quando julgado necessário, para explicitar polêmicas e evidenciar nosso
posicionamento acerca de determinada categoria, ou para aportar informações
complementares. Chamamos aqui a atenção para a construção da categoria
movimentos sociais, a qual não figura em um capítulo específico, mas cujo conteúdo
e sentido aparecem de modo transversal no decorrer de nosso trabalho. Em
momento algum, a particularidade das lutas urbanas em Natal apareceu de forma
34

isolada. Ao contrário, veio sempre acompanhada do debate acerca da organização


política sob o signo da divisão da sociedade em classes antagônicas.
Por fim, explicitadas nossas considerações finais, listamos as referências
bibliográficas as quais recorremos para a elaboração desta Dissertação, como modo
de evidenciar o cuidado em mencionar autores e obras de grande relevância para a
maturação intelectual de nosso objeto de pesquisa. Esta nos pareceu ainda uma
forma de fazer referência às longas madrugadas de estudo, horas e horas –
exaustivas, mas agradáveis – de leituras e fichamentos que nos possibilitaram o
exercício da crítica e, sem dúvida, da escrita mais minuciosa, potencializada nos
repetidos processos de releitura e reescrita.
Os capítulos expostos a seguir permitirão apreender o modo como
articulamos e trabalhamos cada leitura realizada, embora nem de longe nos
pareçam suficientes. Ao contrário, ressinto-me das leituras não realizadas, a
despeito do investimento e da vontade; dos autores cujas elaborações não foram
suficientemente apropriadas; das indicações e sugestões não contempladas neste
trabalho; das obras que não cheguei a discutir e, por decorrência, ressinto-me do
fôlego que me faltou em alguns momentos e das reflexões em que não consegui
avançar um pouco mais. Não por acaso concluo este trabalho com clareza dos
limites do meu conhecimento e surpreendida com a imensa possibilidade de novas
apropriações sobre o tema.
Esta pesquisa nos apresentou em seu processo a imensa possibilidade de
aproximação ao nosso objeto de estudo, além de novas elaborações e reflexões,
partindo da realidade concreta dos sujeitos sociais que estão inseridos naquele
contexto, e nos direcionando assim para muito além da mera validação dos
conhecimentos que já tínhamos construídos. Afinal, o que nos propomos a pesquisar
foram justamente “[...] os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de
vida, tanto aquelas por eles já encontradas como as produzidas por sua própria
ação” (MARX, 2009b, p. 86-87).
Porém, consideramos importante destacar que o produto final da análise de
uma pesquisa deve ser visto em sua dimensão de resultado provisório e
aproximativo, absolutamente passível de ser superado por afirmações futuras, assim
como é próprio do exercício da ciência. Tal concepção do fazer científico vem de
encontro à abordagem histórica, dialética e de totalidade que nos esforçamos para
desenvolver no decorrer de todo o processo investigativo tendo em vista os objetivos
35

traçados. Processo investigativo este que também expressa nossa construção


enquanto ser social...

“Mesmo quando eu sozinho desenvolvo


uma atividade científica etc,
uma atividade que raramente posso levar a cabo
em direta associação com outros,
sou social, porque é enquanto homem [e mulher]
que realizo tal atividade [...]
A minha própria existência é atividade social.
Por conseguinte, o que eu próprio produzo
é para a sociedade que o produzo
e com a consciência de agir como ser social”
(Karl Marx).
36

Capítulo 1

A Questão Urbana na dinâmica


de reprodução capitalista
37

2 A QUESTÃO URBANA NA DINÂMICA DE REPRODUÇÃO CAPITALISTA

Nesta parte do trabalho, nos esforçamos para adentrar nos meandros da


questão urbana, partindo de uma análise da lógica capitalista de produção do
espaço, objetivando compreender como os mecanismos de reprodução do capital
configuram e delineiam expressões da questão urbana. Para apreender como se
materializa essa lógica, discutiremos as desigualdades sócio-espaciais, buscando
enfatizar a realidade do Brasil. Por entendermos a cidade como espaço de disputa
entre projetos políticos, priorizamos a análise da materialização (ou não) do direito à
cidade no contexto neoliberal, sem descolar esse debate do caráter do direito na
sociabilidade capitalista.

2.1 A lógica do capital na produção do espaço

Retomamos aqui a reflexão de David Harvey para integrá-la à nossa análise


da lógica capitalista de produção do espaço, mas também procuramos incorporar
contrapontos, debatendo argumentos e textos contemporâneos. Com isso
pretendemos sublinhar elementos teórico-conceituais, para, nos próximos itens,
conectá-los com alguns elementos do processo histórico que desemboca na
materialização (ou não) do direito à cidade, peculiarizado na lógica capitalista e no
contexto das novas determinações incorporadas a esta dinâmica.
Isto porque a Questão Urbana é uma dimensão envolta em uma totalidade
maior de (re)produção das relações sociais. Daí não ser possível compreendê-la
sem antes desvendar as engrenagens e mecanismos por meio dos quais o capital
se articula e se expressa no processo de produção do espaço urbano. Ao mesmo
tempo e dialeticamente, a questão urbana é reveladora das contradições imersas na
produção do espaço e o papel que é a este atribuído pela lógica capitalista.
Ao nos propormos a enveredar por este caminho, aproveitamos para sinalizar
que o eixo estrutural das condições da reprodução capitalista – as imposições
lógicas da acumulação do capital, às quais também está submetido o espaço urbano
– não pode aparecer de modo natural ou descolado de seu sentido histórico e
dinâmico, uma vez que essa estrutura existe e se organiza mediada pela luta de
classes. Portanto, embora a lógica dominante seja real, conforme e molde a
38

produção do espaço, enquanto seres sociais e históricos que somos, não estamos
destinados a viver perpetuamente em função dela.
Ao afirmamos que há uma lógica de organização do espaço imbuída no modo
de produção capitalista estamos, implicitamente, chamando atenção para o
entendimento de modo de produção. Este, da forma como o estamos abordando,
não se restringe à atividade econômica imediata, e sim remete à totalidade da vida
social ou, em outros termos, ao conjunto das relações sociais que sustentam o
capitalismo.
No seio da teoria da acumulação de Marx revela-se também a presença de
uma dimensão sócio-espacial no modo capitalista de produzir e nisto reside o
grande mérito teórico da elaboração de David Harvey 8. De acordo com seus
estudos, Marx não desconsidera que a acumulação de capital ocorre em um
determinado contexto histórico e geográfico. Aliás, não apenas reconhece este
aspecto da dinâmica do capital, como demonstra que a lógica capitalista engendra
formas específicas de estruturas geográficas, em cada formação sócio-histórica.
O modo capitalista de produção é inevitavelmente expansível na proporção
em que “[...] expressa-se a ‘missão histórica da burguesia’ na fórmula ‘acumulação
pela acumulação, produção pela produção’” (HARVEY, 2005, p. 41-42). Daí se
relacionar amplamente com as estruturas espaciais. O caráter expansível do
capitalismo também está contemplado na afirmação de Marx em O Manifesto do
Partido Comunista ao apontar que “[...] a necessidade de mercados sempre
crescentes para seus produtos impele a burguesia a conquistar todo o globo
terrestre. Ela precisa estabelecer-se, explorar e criar vínculos em todos os lugares”
(MARX; ENGELS, 2008, p. 11).
O espaço como produto da atividade humana e da relação homem-natureza
faz parte do processo de reprodução geral da sociedade e, tendo sua produção
assentada nas necessidades impostas pelo desenvolvimento da acumulação
capitalista, é também mercadorizado, tal como a cidade e a própria moradia que
passam a ser concebidos como mercadorias necessárias à viabilização da
produção, circulação, distribuição e troca, condição para a realização do ciclo de
acumulação de capital. Afinal, sendo o espaço urbano moldado essencialmente para

8
Para Harvey (2005) o fato de por muito tempo se ter ignorado a dimensão espacial presente na
teoria da acumulação de Marx no modo de produção capitalista se explica, em parte, pelo fato dos
seus escritos sobre o assunto serem fragmentados, mas também por uma certa negligência teórica
quanto ao fator mediador da teoria de localização de Marx.
39

potencializar a acumulação do capital, sua formatação articula as diferentes esferas


do modo capitalista de produzir. Exatamente por isso, no capitalismo, na produção
do espaço há a vitória do valor de troca sobre o valor de uso, haja vista o núcleo
urbano tornar-se objeto de um duplo papel: lugar de consumo e consumo do lugar
(LEFEBVRE, 2001), em um processo no qual o valor de troca prevalece a tal ponto
sobre o valor de uso que praticamente suprime este último. Com isso, “[...] o valor de
troca e a generalização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, a
subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana, refúgios do valor de uso [...]”
(LEFEBVRE, 2001, p. 14).
O espaço, apesar de socialmente produzido pela atividade humana, - por
meio do trabalho percebemos a realidade social como criação do homem, num ato
de transformar a natureza e a si mesmo - é apontado ainda como exterioridade e
percebido com estranhamento, ou seja, a alienação também está expressa no
processo de produção do espaço e das cidades. Para compreendermos a
articulação do processo de produção do espaço urbano na sociedade capitalista,
segundo Milton Santos, faz-se necessário entender que:

[...] a forma como atualmente se distribuem as infraestruturas, os


instrumentos de produção, os homens – enfim, as forças produtivas –
possui até um certo ponto um caráter de permanência, isto é, de reprodução
ampliada, amparadas, exatamente, pela longevidade de um grande número
de investimentos fixos. Tudo, pois, conspira para que a organização do
espaço se perpetue com as mesmas características, favorecendo o
crescimento capitalista e suas distorções (1980, p. 41).

Tal relação não somente impõe uma determinada configuração ao espaço


urbano, como também é indicativa da sua forma de ocupação pela sociedade.
Desse modo, “[...] a cidade e a realidade urbana seriam, nesta hipótese, o lugar por
excelência e o conjunto dos lugares onde se realizam os ciclos de reprodução, mais
amplos, mais complexos [...] a reprodução das relações (capitalistas) de produção
[...]” (LEFEBVRE, 2001, p. 23).
Ademais, as relações socialmente estabelecidas são também relações
espaciais, haja vista serem circunscritas no espaço em produção. É neste,
precisamente, onde estão concentrados todos os recursos explorados pelo capital
para acumular, como são exemplares a força de trabalho e o próprio meio ambiente.
Desse modo, apreender os mecanismos de reprodução do capital, a partir de sua
lógica de acumulação, concentração e expansão nos permite perceber
40

determinantes para entender a dinâmica urbana, no seio da qual se produz, a um só


tempo, expressões da questão urbana e da questão ambiental.
Nas elaborações de Harvey (2005), encontramos análises sugerindo ser a
acumulação capitalista desenvolvida via articulação de quatro elementos, dentre os
quais figura a expansão geográfica e a produção do espaço. Os outros três
elementos referem-se à intensificação da atividade social, quais sejam: a penetração
do capital em novas esferas de atividade; a criação de novas necessidades,
desenvolvendo novos produtos; a facilitação e o estímulo para o crescimento
populacional.
O aspecto da expansão geográfica – para o qual chamamos especial atenção
no presente trabalho – precisa, por conseguinte, ser entendido não somente como
condição prévia para a acumulação capitalista, e sim como sendo simultaneamente
condição e decorrência deste processo, se revelando também como contraface
necessária da acumulação capitalista; somado a outros aspectos inerentes à lógica
do capital, contribui para aprofundar as desigualdades. Nesse sentido, se traduz em
profundas transformações nos entornos físicos – nas cidades, no meio ambiente – e
nas relações sociais. Transformações que, em última instância e sem desconsiderar
o próprio teor da luta de classes, não visam outro objetivo senão amoldar a cidade
às exigências do domínio do capital. Mas de que modo a teoria da acumulação se
relaciona com a produção das estruturas espaciais? Sobre essa questão, Harvey
(2005) levanta uma gama de indicações teóricas encontradas na literatura marxiana.
Inicialmente, destaca que a acumulação do capital requer a necessidade
imperativa de superação das barreiras espaciais e a criação de novos espaços para
a acumulação capitalista. Ora, pela lei geral da acumulação, somente quando está
no mercado o produto encontra-se finalmente acabado. Deduz-se dessa lógica, que
quanto mais se puder encurtar o tempo necessário para tanto (tempo de circulação),
mais vantajoso será para o capital. O esforço do capital, em seu processo de
acumulação, gira, portanto, em torno da possibilidade de agilizar as condições
físicas da relação de troca, buscando para isso abater todas as barreiras espaciais e
ampliar incessantemente o mercado. Como decorrência desse esforço para criar
novas oportunidades à acumulação de capital, ocorre não apenas a expansão
geográfica, mas também a concentração geográfica. Ou seja, a concentração da
produção em grandes aglomerações urbanas, visando justamente a referida
anulação do espaço pelo tempo, conforme Harvey (2005, p. 50) nos indica:
41

A necessidade de minimizar o custo de circulação e o tempo de giro


promove a aglomeração da produção em alguns grandes centros urbanos,
que se tornam as oficinas da produção capitalista (MARX, 1967, vol. 1: 352;
MARX, 1973: 587). A ‘anulação do espaço pelo tempo’ se realiza, nesse
caso, pela localização ‘racional’ das atividades, umas em relação às outras,
a fim de reduzir, em particular, os custos de movimentação dos produtos
intermediários [...] Essa tendência à aglomeração em grandes centros
urbanos pode se reduzir ou se ampliar mediante circunstâncias especiais.
Por um lado, verificamos que ‘a divisão territorial do trabalho [...] confina
setores especiais da produção em regiões especiais de um país’ (MARX,
1967, vol. 1: 353). Por outro lado, ‘todos os setores da produção, que, pela
natureza dos seus produtos, são essencialmente dependentes do consumo
local, como cervejarias, são [...] desenvolvidos ao máximo nos centros
populacionais’ (MARX, 1967, vol. 2: 251)

A este movimento, Harvey (2005) designou racionalização geográfica do


processo produtivo. Nesse processo, a estrutura espacial engendrada,
representação do capital em forma de paisagem física, ao mesmo tempo expressa a
coroação dos fins capitalistas, e traz, igualmente, em si fatores passiveis de inibir o
processo de acumulação.
Dessa feita, no que se refere à produção do espaço, o desenvolvimento
capitalista ocorre tensionado por duas tendências contraditórias, ficando entre a
conservação do investimento anterior na produção de determinado ambiente e o
aniquilamento desses investimentos para lançar mão de novas possibilidades para a
acumulação. Este constitui o primeiro indicativo apontado por Harvey (2005) acerca
da relação da acumulação com a produção das estruturas espaciais.
O segundo indicativo, apreendido na leitura de Harvey (2005), refere-se ao
fato de que o capitalismo somente pode atingir a proeza de escapar desta
contradição por meio da expansão, seja através da intensificação de necessidades
sociais e ampliação do consumo ou, seja de algum modo por meio da expansão no
sentido geográfico, criando novos espaços para a acumulação.
Para elucidar a forma como se processa e se caracteriza esta acumulação,
Harvey (2004) chama a atenção para a retomada, na contemporaneidade, com
distinções, de uma forma arcaica de acumulação que volta a expandir-se e é por ele
denominada de acumulação por espoliação. Seguindo na mesma reflexão, o
geógrafo marxista sugere ainda a existência de fontes de espoliação que seriam
externalidades ao capital. Trabalha assim com a dialética interior-exterior, segundo
suas próprias palavras, para afirmar que “[...] o capitalismo pode tanto usar algum
exterior preexistente (formações sociais não capitalistas ou algum setor do
42

capitalismo – como a educação – que ainda não tenha sido proletarizado) como
produzi-lo ativamente” (HARVEY, 2004, p. 118).
No debate teórico, Virgínia Fontes (2010) polemiza com o termo Acumulação
por espoliação, forjado por Harvey (2004), por entender que, apesar de
extremamente sugestiva, sua tese incorre em algumas dificuldades, na proporção
em que incide no deslize de relegar o tema das expropriações à condição de
acumulação primitiva, levando à suposição de que, no amadurecimento do
capitalismo, desapareciam as expropriações bárbaras de sua origem. A discordância
de Virgínia Fontes reside, sobretudo, no tema da produção de externalidades e na
própria contraposição que Harvey (2004) realiza entre espoliação e expropriação.
Com propriedade e domínio teórico, Virgínia discute o teor contemporâneo das
expropriações produzidas - termo que a historiadora considera mais adequado para
tratar o fenômeno do que o conceito de espoliação - e seu papel na dinâmica
capitalista. Apresenta, assim, as duas faces da tendência à expansão do capital: a
concentração de recursos sociais e a recriação permanente das expropriações:

Expandir relações sociais capitalistas corresponde, portanto, em primeiro


lugar, à expansão das condições que exasperam a disponibilidade de
trabalhadores para o capital, independentemente da forma jurídica que
venha a recobri a atividade laboral de tais seres sociais. A expropriação
primária, original, de grandes massas campesinas ou agrárias, convertidas
de boa vontade (atraídas pelas cidades) ou não (expulsas, por razões
diversas, de suas terras, ou incapacitadas de manter sua reprodução plena
através de procedimentos tradicionais, em geral agrários) permanece e se
aprofunda, ao lado de expropriações secundárias [...] (FONTES, 2010, p.
44).

No debate em curso e aqui parcialmente reproduzido, tendemos a corroborar


com a posição de Fontes (2010), considerando que a dinâmica de expropriações
que Harvey demonstra é por ele apresentada como pertencente aos primórdios do
capitalismo, uma característica externa a este modo de produção e que, nesse
sentido, não é reconhecida por Harvey como parte de seu desenvolvimento. Intriga-
nos bastante a dualidade com que o geógrafo marxista trabalha a questão,
distinguindo características inerentes ao capitalismo e outras supostamente
estranhas e externas à sua dinâmica.
No que se refere especificamente à dualidade apontada e à própria categoria
espoliação, a dificuldade presente na elaboração de Harvey encontra-se, em nossa
concepção, sobretudo, no fato de ser uma tese que abre margem para afirmar a
43

espoliação – ou, melhor dizendo, expropriação – não como decorrente da dinâmica


de desenvolvimento capitalista e sim, própria a um estágio de acumulação
(primitivo). Em nossos estudos, temos maturado o entendimento de que embora seja
um processo diferenciado, nem por isso deixa de ser parte intrínseca e imbricada na
natureza do capitalismo. Interessa-nos, então, saber por meio de que mecanismos
as expropriações subjacentes à lógica capitalista se traduzem em profundas
transformações nas cidades e nas relações sociais aí estabelecidas.
Até porque as contradições do Brasil contemporâneo se expressam como
contradições do processo de produção do espaço, com outras determinações
históricas do momento atual agregadas à questão urbana, a partir de modernas
questões, gerando e alimentando uma nova lógica de reprodução do espaço urbano,
ao qual Harvey (2004) se refere como sendo a constituição de um novo
imperialismo.
Virgínia Fontes, de certo modo, também se ocupa deste tema ao retomar as
análises fundamentais de Marx, Lênin e Gramsci acerca do imperialismo,
reconhecendo que nas elaborações de cada autor, inscritas em contextos históricos
distintos, novas determinações históricas se apresentam; isto também é válido para
análises no atual tempo histórico. O intuito de Lênin, naquele momento, em
contribuir para que os trabalhadores e seus partidos compreendessem as novas
condições sob as quais deveriam enfrentar o domínio do capital permanece válido e
merece atualizações constantes, dada a complexidade da luta de classes.
A autora retoma, nesse sentido, algumas das mais importantes características
assinaladas por Lênin para o imperialismo: a constituição dos monopólios, a fusão
entre capitais industriais e capitais bancários, a tendência a uma unificação nacional
dos países dominantes e a partilha econômica e territorial do mundo entre os países
exportadores de capitais. Entretanto, alerta que a atualidade da caracterização de
Lênin não deve obscurecer a necessidade de se identificar novas configurações do
imperialismo, reflexão que Fontes (2010) desenvolve melhor a partir da sua
argumentação sobre o porquê da adoção do termo capital-imperialismo.
Para ela, teórica e analiticamente este termo contempla a caracterização
histórica contemporânea da dinâmica do capital, em seus processos de continuidade
e aprofundamento, tendo o final da II Guerra como demarcação temporal para a
conversão do imperialismo em capital-imperialismo. Assim, o conceito “capital-
imperialismo” incorpora as definições clássicas propostas por Lênin. A ressalva diz
44

respeito apenas às três principais características do capital-imperialismo (o


predomínio do capital monetário, a dominação da pura propriedade capitalista e o
seu impulso expropriador), por estas aprofundarem a necessidade imperativa de
reprodução ampliada do capital e sua expansão em todas as dimensões da vida
social, traço intrínseco e permanente desta lógica societária.
Portanto, falar em capital-imperialismo significa fazer referência a uma forma
de capitalismo, já impregnada de imperialismo. Esta exacerba a concentração de
capitais e impulsiona, mais do que nunca, intensas expropriações de populações
inteiras, tanto no que se refere às próprias condições de existência social, ambiental
e biológica, como também à ampla expropriação de direitos historicamente
conquistados pelas lutas da classe trabalhadora. Pretende-se com este conceito
(que sendo teórico traz em si desdobramentos políticos) evidenciar que a expansão
capitalista sob a forma do imperialismo não ficou estanque no tempo, mas, ao
contrário, agregou novas determinações e expressões. Ademais, significa dizer que
a dinâmica de concentração de capitais promove e aprofunda amplamente novos
processos de expropriação. Entender o caráter de tais expropriações e seu papel na
dinâmica capitalista atual é uma preocupação importante. Com efeito, a
expropriação da classe trabalhadora, nessas condições, se apresenta e se expressa
na separação desta classe das condições e dos recursos sociais de produção,
fazendo com que a lógica dominante nesta sociedade seja de submissão real do
trabalho ao capital, ou seja, além da produção não ser voltada para a satisfação das
necessidades sociais, a necessidade de venda da força de trabalho, em quaisquer
condições, é naturalizada e legitimada. A lógica da expropriação é, desse modo,
basilar e permanente, haja vista a necessidade de generalizar a expansão
capitalista.
O esforço teórico de Virgínia Fontes, a rigor, é singular e bastante significativo
na medida em que provoca o retorno a um debate adormecido há até bem pouco
tempo, com a problematização do papel exercido pelas nações intermediárias – nem
centrais nem tão periféricas – na dinâmica geral de reprodução do capital. Retomar
esta discussão constitui, sem dúvidas, um mérito importante da elaboração de
Fontes (2010). Além disso, sua obra é também singular por provocar um retorno a
esta problemática a partir de elaborações de alguns intelectuais e sujeitos políticos,
datadas dos anos 1960, as quais posicionaram os termos do debate dentro da lógica
de reprodução do capital. Daí ser imprescindível recuperar o pensamento de Ruy
45

Mauro Marini – tal como o fez Virgínia – como um dos primeiros intelectuais a fazer
alusão ao papel particular de algumas economias latino-americanas na conexão
com o restante do continente.
Não temos, todavia, acordo com relação à tese central apresentada pela
autora, segundo a qual o Brasil, nesse processo, se caracterizaria como país a
desempenhar um papel imperialista, ainda que de forma subordinada. Ora, sob esta
ótica podemos incorrer no risco de velar o real processo internacional que rege as
relações econômicas entre capitalistas do centro e da periferia, anuviando com isso
a tensão entre o local (em suas particularidades) e o internacional.
A inserção do Brasil no jogo geral de reprodução do capital, neste contexto de
financeirização da economia9 e do imperialismo, em sua fase de intensificação da
integração dos territórios, explica-se, a nosso ver, por meio dos conceitos chaves de
subimperialismo e de superexploração (MARINI, 1974). Estes conceitos nos
parecem melhor apropriados para captar a consolidação, no cenário internacional,
de papéis distintos no mesmo processo geral da dinâmica capitalista a serem
exercidos por parte das nações hegemônicas e das nações periféricas e, dentre
estas, de algumas intermediárias.
Para o caso brasileiro, a questão da organização espacial em geral – e da
urbana em particular – exige reflexão (e esforço de pesquisa) a partir do
entendimento da condição de subdesenvolvimento e de dependência que cria (e
recria) formas urbanas particulares.
Superexploração e subimperialismo são conceitos elaborados, por dentro da
teoria marxista, com destaque para a formulação de Ruy Mauro Marini, intimamente
relacionados à realidade periférica. Objetivam explicar o caráter particular das
nações subdesenvolvidas, em sua vinculação complementar e contraditória com
relação aos países imperialistas centrais. Ambos os conceitos, logicamente, não
podem ser entendidos descolados da teoria acerca do imperialismo.
Ao definir subimperialismo, Marini (1974, p. 07) o fundamenta em duas
características essenciais:

9
Trata-se de um regime de acumulação mundial predominantemente financeiro. De acordo com
Chesnais (1996) é uma nova configuração do capitalismo mundial, bem como dos mecanismos que
comandam seu desempenho e regulação; um posto avançado da mundialização do capital, situado
no quadro do prolongamento direto do estágio imperialista. As contribuições de Husson (1999)
também são fundamentais para o desvendamento de determinações e processos presentes na
mundialização da economia, nos levando a crer tratar-se certamente de uma dominação ainda maior
que em períodos anteriores.
46

a) a partir de la reestructuración del sistema capitalista mundial que se


deriva de la nueva división internacional del trabajo, y
b) a partir de las leyes propias de la economía dependiente, esencialmente:
la superexplotación del trabajo, el divorcio entre las fases del ciclo del
capital, la monopolización extremada en favor de la industria suntuaria, la
integración del capital nacional al capital extranjero o, lo que es lo mismo, la
integración de los sistemas de producción (y no simplemente la
internacionalización del mercado interno) [...].

Isto reforça nosso entendimento do subimperialismo não como uma condição


estrutural do capitalismo dependente, mas como uma dinâmica determinada pela
conjuntura e correlação de forças na luta de classes nacional e internacional.
Acreditamos, desse modo, que permanece em vigor a capacidade explicativa dos
conceitos de superexploração e subimperialismo para a realidade brasileira,
considerando que o atual período histórico parece sustentar, em novas bases, as
características subimperialistas apontadas originalmente por Marini.
Está, assim, evidente para nós que a referência à dinâmica de reprodução do
capital necessariamente deve ser feita referindo-se também ao território concreto de
sua atuação, pois isto traz e evidencia particularidades para o processo. Ao
fazermos alusão ao território de atuação do capital, ponderamos com base em
Santos (2006), que entendemos o território para além do conjunto de sistemas
naturais e de sistemas de coisas superpostos. Território é empregado, nesta
acepção, como o fundamento do trabalho, o lugar de residência, das trocas
materiais e espirituais e do exercício da vida, daí a denominação de território usado,
atribuída pelo autor.
Neste sentido, tal debate teórico nos parece fundamental para apreender as
novas dinâmicas urbanas em tempos de mundialização financeira, com suas
incidências sobre as cidades e, em particular, sobre as condições de moradia e de
vida da classe trabalhadora. Ora, considerando as expropriações – primárias e
secundárias – inerentes à dinâmica de reprodução do capital, em sua busca
incessante de enfrentar suas crises de acumulação, na fase atual de acumulação, o
espaço, constitui um fator essencial; nele ocorrem as expropriações e a re-
apropriação de parcelas a serem “re-funcionalizadas” pelo capital.
Faz-se necessário, portanto, estabelecermos mediações a partir do
movimento geral do capital (e do desenvolvimento do capitalismo no espaço) para
47

atingir formas concretas de organização sócio-espacial, necessariamente,


portadoras de especificidades não encontradas alhures.

2.2 O urbano, a moradia e as desigualdades sócio-espaciais

Para o estudo da forma como se processa e se materializa o fenômeno de


amoldamento da cidade às exigências do domínio do capital, reivindicamos, dentre
as obras clássicas e referências obrigatórias das ciências sociais, sobretudo, a
elaboração de Friedrich Engels em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra,
dada a relevância desta obra para o entendimento da urbanização capitalista como
instrumento particular de segregação social.
Para Engels, a questão urbana e os processos sociais por ela engendrados
devem ser entendidos como decorrentes da moderna industrialização capitalista:

Tudo o que nos horroriza e nos indigna é de origem recente e data da


época industrial [...] foi a indústria que fez com que fossem ocupadas pela
massa de operários que hoje moram nelas; foi a indústria que cobriu de
construções cada espaço livre entre as velhas casas, a fim de abrigar aí as
massas que compelia a abandonar os campos e a Irlanda; foi a indústria
que permitiu aos proprietários desses estábulos alugá-los a altos preços,
como se fossem habitações humanas, explorando a miséria dos operários,
minando a saúde de milhares de pessoas e enriquecendo-os apenas a eles,
os proprietários; foi a indústria que fez com que o trabalhador, recém-
liberado da servidão, pudesse ser utilizado novamente como puro e simples
instrumento, como coisa, a ponto de ter de se deixar encerrar em cômodos
que ninguém habitaria e que ele, dada a sua pobreza, é obrigado a manter
em ruínas. Tudo isso é obra exclusiva da indústria, que não poderia existir
sem esses operários, sem a sua miséria e a sua escravidão (ENGELS,
2010, p. 96)

É neste terreno histórico que Henri Lefebvre também situa suas análises.
Enquanto processo, em larga escala, motor das transformações societárias, a
industrialização é, para o autor, processo indutor de diversas questões referentes à
cidade e ao desenvolvimento da realidade urbana. Isto não significa, todavia, negar
que, obviamente, a cidade preexiste à industrialização; aliás, quando nasce o
capitalismo concorrencial com a burguesia especificamente industrial, as cidades já
se constituíam como centros da vida social e política nos quais se acumulavam
riquezas. Porém, a ampla expansão das trocas e do “mundo da mercadoria”
resultantes da industrialização implica uma mudança radical do ponto de vista da
concentração urbana, fazendo com que a cidade adquira feições diferenciadas. Daí
48

Lefebvre (2001) qualificar a industrialização e a urbanização como resultante de um


duplo processo ou, melhor dizendo, um processo com dois aspectos, conflitantes e
complexos. Afinal, não apenas a industrialização traz impactos para a cidade, como
a cidade desempenha um papel importante na arrancada da indústria; por certo, tal
como a fábrica, a cidade possibilita a concentração de instrumentos e de força de
trabalho em um mesmo espaço e, assim, as concentrações urbanas acompanham
as concentrações de capitais, permeadas pela estrutura de classes e pelos
mecanismos de poder.
Por isso mesmo, o próprio Lefebvre esclarece que esta análise não deve
deixar margem para se acreditar tratar-se de um processo natural, ausente de
sujeitos, uma vez que neste processo intervêm ativamente, de um lado, as classes e
frações de classe dominantes, detentoras dos meios de produção e, de outro, e
antagonicamente, a classe operária, o proletariado. A preocupação de Engels
(2010), dessa feita, volta-se centralmente para a apreensão das condições de vida e
de trabalho da parcela da sociedade referida, em alguns momentos de sua reflexão,
como a “classe que nada possui”.
Almejando culminar em seu objetivo central, Engels, como suposto teórico-
metodológico, adota, como ponto de partida, a apreciação crítica das condições de
Habitação em que está submerso o proletariado das grandes cidades, por entender
que o modo como a necessidade concreta de “se ter um teto para morar” é
materializada, constitui critério a partir do qual se pode deduzir como seriam então
realizadas às demais necessidades sociais. Mais do que isso, o padrão de moradia
(ou ausência desta, sobretudo) resulta também de todo um processo complexo de
segregação e de discriminação presente numa sociedade plena de contrastes
acirrados.
Os relatos descritivos-analíticos e documentais reunidos em sua obra são
reveladores da tensão que perpassa a (re)produção da classe trabalhadora no
âmago do cotidiano da vida urbana, a evidenciar que, sob hegemonia das relações
capitalistas, a questão da moradia nunca será resolvida:

Todas as grandes cidades têm um ou vários ‘bairros de má fama’ onde se


concentra a classe operária [...] Na Inglaterra, esses ‘bairros de má fama’ se
estruturam mais ou menos da mesma forma que em todas as cidades: as
piores casas na parte mais feia da cidade; quase sempre, uma longa fila de
construções de tijolos, de um ou dois andares, eventualmente com porões
habitados e em geral dispostas de maneira irregular [...] Habitualmente, as
49

ruas não são planas nem calçadas, são sujas, tomadas por detritos vegetais
e animais, sem esgotos ou canais de escoamento, cheias de charcos
estagnados e fétidos. A ventilação na área é precária, dada a estrutura
irregular do bairro e, como nesses espaços restritos vivem muitas pessoas,
é fácil imaginar a qualidade do ar que se respira nessas zonas operárias [...]
(ENGELS, 2010, p. 70).

O relato supracitado é ilustrativo das diversas narrativas de Engels, ao


explicitar as condições de existência social da classe trabalhadora, as quais se
materializam sob o tensionamento de obter, no melhor dos casos, condições de vida
momentaneamente suportáveis ou, no pior dos casos, encontrar-se na miséria
extrema (ENGELS, 2010), realidade particularizada ainda pelo fato de se tratar de
trabalhadores desempregados ou não.
Kowarick (1979) ressalta que uma grande oferta de força de trabalho constitui
elemento de fundamental importância para a realização de uma acumulação
amplamente expansiva do capital. O autor entende haver uma relação direta entre
condições de alojamento e precariedade dos salários da parcela da sociedade
abrigada em favelas, casas precárias da periferia e cortiços. Em outras palavras, a
hipótese com a qual trabalha Kowarick (Op. Cit) supõe que “[...] o desgaste de uma
força de trabalho submetida a jornadas de trabalho prolongadas e as espinhosas
condições urbanas de existência tornam-se possíveis na medida em que a maior
parte da mão de obra pode ser prontamente substituída” (p. 42). Interessante
observar o quanto é notório, guardadas as devidas proporções decorrentes do
espaço e tempo histórico em que se processam as elaborações de Engels, a
expressiva similaridade tranquilamente encontrada por nós com a realidade urbana
de nosso país, especialmente porque, como bem nos lembra Lefebvre (2001, p. 17),
“[...] este processo dialético (industrialização e urbanização, produção econômica e
vida social), longe de estar elucidado, está também longe de ter terminado. Ainda
provoca situações problemáticas”.
Em Lefebvre (Op. Cit), o drama da cidade (como assim o denomina) adquire
novos contornos, nos quais se aprofunda um processo induzido que se pode
denominar “implosão-explosão” da cidade. O referido drama é apresentado por
Lefebvre em três atos ou períodos. No primeiro momento, a indústria e o processo
de industrialização assaltam e saqueiam a realidade urbana preexistente e, desse
modo, o social urbano é negado pelo econômico industrial. No segundo momento,
em parte justaposto ao primeiro, a urbanização se amplia e a sociedade urbana se
50

generaliza. O terceiro ato é expresso e sintetizado por uma verdadeira crise


habitacional, decorrência também de um descaso por parte do poder público, bem
como do fato de “[...] a questão da moradia, ainda que agravada, politicamente
desempenha apenas um papel menor. Os grupos e partidos de esquerda
contentam-se em reclamar ‘mais casas’ [...] é simplesmente o projeto de fornecer
moradias o mais rápido possível pelo menor custo [...]” (LEFEBVRE, 2001, p. 26).
Ao drama da cidade acrescentamos a predominância dos interesses das
elites. Ainda mais no caso da urbanização brasileira, em que desde os primeiros
momentos o interesse predominante voltou-se para a construção de uma nova
imagem da cidade, produzida por meio de grandes intervenções urbanas que
visavam afastar e esconder a pobreza do horizonte dos outros países e do seu
próprio olhar. Nesta lógica, o fator localização aparece de modo central, na
proporção em que:

A cidade se caracteriza por ser um ambiente construído, ou seja, seu


espaço é produzido, fruto do trabalho social [...] o solo urbano tem seu valor
determinado por sua localização. Esta se caracteriza pelo trabalho social
necessário para tornar o solo edificável (a infra-estrutura urbana), as
próprias construções que eventualmente nele existam, a facilidade de
acessá-lo (sua ‘acessibilidade’) e, enfim, a demanda. Esse conjunto de
fatores é que distingue qualitativamente uma parcela do solo, dando-lhe
certo valor e diferenciando-o em relação à aglomeração na qual se insere
(FERREIRA, 2005, p. 5-6).

Decorrente dessa dinâmica sócio-espacial, produz-se um verdadeiro


distanciamento entre a vida urbana em bairros privilegiados – pensados
exclusivamente para as classes dominantes tanto em termos de acesso, como de
infraestrutura – e o cotidiano da vida urbana em bairros populares, o que tem se
traduzido, por conseguinte, na existência de uma cidade apartada.
A configuração do espaço expressamente organizado como cidade
apartada/segregada foi designado por Engels como nada mais, além de uma
disposição urbana hipócrita, verificada e expressa da seguinte forma: “[...] tanta
sistematicidade para manter a classe operária afastada das ruas principais, tanto
cuidado para esconder delicadamente aquilo que possa ofender os olhos ou os
nervos da burguesia” (2010, p. 90).
Exemplar deste fenômeno, no caso brasileiro, são os primeiros planos
urbanísticos elaborados, amplamente difundidos na época como planos de
embelezamento das principais metrópoles do país. Estes planos explicitavam as
51

dinâmicas de urbanização da cidade a partir da premissa do controle sanitário,


argumento que legitimava a famigerada higienização de bairros centrais por meio de
uma verdadeira expulsão da população mais pobre destes locais.
O evidente contraste entre uma parte da cidade que possui alguma condição
de urbanidade, uma amostra pavimentada, ajardinada, arborizada, com
infraestrutura completa – a despeito da predominantemente baixa qualidade desses
elementos – e, outra parte, em geral, duas a três vezes maior, cuja infraestrutura é
incompleta ou mesmo inexistente constitui característica comum a todas as cidades
brasileiras, independente de sua região, historicidade, economia ou tamanho
(ROLNIK, 2002).
Ademais, para a parcela da sociedade moradora da cidade pobre, precária e
ilegal, este quadro de contraposição implica dificuldades ainda maiores de
efetivação do direito ao trabalho, à cultura e ao lazer, a título de exemplo.
Corresponde, portanto, ao que, para Rolnik (Op. Cit), configura um quadro de
sobreposição das diversas dimensões da exclusão territorial10 incidindo sobre a
mesma população.
A imensa desigualdade sócio-espacial que se desenhou no cenário das
metrópoles brasileiras constituiu uma realidade expressa em uma “cidade para
poucos” (FERREIRA, 2005), o que nos remete a uma contradição fundamental do
capitalismo. A cidade, tal como toda a riqueza dessa sociabilidade, embora seja
socialmente produzida e fruto do trabalho social, é apenas privadamente apropriada.
O reconhecimento dos processos que escondem e/ou revelam as contradições da
produção do espaço são de suma importância para entender a cidade para além de
sua condição de “mero” assentamento populacional e a urbanização como muito
mais do que seu crescimento quantitativo.
Por isso mesmo a questão urbana não pode ser tomada genericamente,
descontextualizada de um espaço e de um tempo determinados e, nisto temos
acordo com a crítica de Danilo Volochko (2008) à concepção stricto sensu de
urbanização. Ou seja, uma abordagem que adota como premissa teórica conceitos
como linearidade, equilíbrio, modelos e índices, raramente consegue construir uma
10
Temos, porém, restrições quanto à adoção do termo exclusão para explicação do fenômeno citado,
pois consideramos este conceito impreciso, por ocultar o processo econômico, político e social que o
gera, ou seja, a raiz da questão social, na medida em que estes sujeitos destituídos dos seus direitos
mais básicos e elementares não se encontram fora desta sociabilidade. Ao contrário, suas condições
de vida e trabalho são produto e decorrência da forma de organização capitalista, do processo de
reprodução e acumulação do capital, particularizado em cada contexto sócio-histórico e geográfico.
52

análise para além da somatória e descrição de tudo o que há no interior da cidade


ou da metrópole e, com isso, dificilmente ultrapassa o plano da materialidade
aparente.
Crítica da mesma natureza, em outros termos, foi tecida por Harvey (2005) ao
elucidar que a abordagem marxista é muito diferente do característico referente à
análise econômica burguesa do fenômeno da localização, pois enquanto a primeira
abordagem parte da dinâmica da acumulação e entende a paisagem criada pelo
capitalismo como lugar de contradição e tensão, na análise burguesa, a dinâmica
aparece como uma reflexão tardia e a paisagem criada pelo capitalismo é entendida
como expressão de um equilíbrio harmonioso.
No que diz respeito à questão da reflexão urbanística e das diversas
tendências teóricas e analíticas existentes, Lefebvre (2001) reforça o pensamento de
Volochko (2008) e Harvey (2005) ao distinguir três tendências gerais dentre aquelas
que se ocupam com o urbanismo. A primeira tendência - o urbanismo dos homens
de boa vontade (arquitetos, escritores), na melhor das hipóteses, resulta ou no
formalismo da adoção de modelos que não têm nem conteúdo nem sentido ou no
esteticismo da adoção de modelos antigos pela sua beleza. Na segunda tendência –
o urbanismo dos administradores ligados ao setor público estatal – projeta-se o
primado da técnica sobreposto às necessidades sociais da cidade. Uma terceira
tendência é aquela do urbanismo dos promotores de venda, cuja prioridade volta-se
para o mercado, visando o lucro.
De acordo com Ester Limonad (2004), os estudos urbanos têm feito referência
à presença no território nacional do que tem sido denominado, em distintas
elaborações de:
 Extensão e expansão das malhas urbanas das grandes cidades,
conformando cidades-regiões;
 Urbanização dispersa, em diversos pontos no território, conformando
uma rede urbana como se fora um tecido esgarçado (LEFEBVRE, 2001);
 Urbanização extensiva, como forma de caracterizar a espacialidade do
fenômeno;
 E, ainda, a intensificação de uma suburbanização, ideia que procura
explicitar, primeiro, o caráter periférico dessa urbanização em relação às diversas
aglomerações existentes e, em segundo, o caráter carente dessa urbanização que,
53

muitas vezes, não é acompanhada por uma expansão das redes de infraestrutura e
serviços, o que acaba por lhe conferir certa precariedade.
Na atualidade, aguçam-se também outras contradições, uma vez que
diversas pesquisas vêm indicando a existência, em média, de 40% a 50% da
população das grandes metrópoles, vivendo na informalidade urbana, sendo 15% a
20% desta população moradora de favelas, cortiços e loteamentos
clandestinos (FERREIRA, 2005). Vale ressaltar, todavia, no sentido de avançarmos
para além da visão metropolitana da questão urbana, que desde os anos 1980, as
cidades médias do interior têm crescido significativamente, em função do modelo
primário-exportador do país11, generalizando desse modo a questão urbana para
todo o território. Embora com características próprias, a informalidade urbana sem
dúvidas está também presente nas cidades médias brasileiras.
O conceito de informalidade urbana procura dar conta da realidade de
inadequação físico-construtiva e ambiental das condições de habitação em que vive
a classe trabalhadora brasileira. Trata-se, em síntese, de uma realidade na qual
predominam construções precárias, terrenos em áreas de risco ou de preservação
ambiental e habitações com área útil insuficiente para a quantidade de moradores,
dentre outras características.
Mas, além disso, também estão abarcadas no conceito de informalidade
urbana as moradias localizadas em espaços onde prevalece, muitas vezes, a
ausência de equipamentos e serviços fundamentais de infraestrutura urbana, a
exemplo de saneamento, água tratada, luz e acessibilidade. Isto sem mencionar a
própria ilegalidade da posse da terra ou a ausência do contrato de uso.
Na raiz da informalidade urbana, inegavelmente encontra-se a questão da
terra, pois no campo ou na cidade, a propriedade da terra no Brasil costuma
constituir um nó (MARICATO, 2011) nas relações sociais, alimentando a profunda
desigualdade e a tradicional relação entre propriedade, poder político e poder
econômico.
A tendência não poderia ser outra, considerando o incremento do
agronegócio, baseado no latifúndio, responsável por intensificar a expulsão de
camponeses do meio rural em uma verdadeira “marcha para as cidades”, com

11
Conferir os resultados da pesquisa “Cidades Médias: agentes econômicos e reestruturação urbana
e regional”, desenvolvida por diversas instituições universitárias, reunindo investigadores do Brasil, do
Chile e da Argentina. Em parte, os resultados da referida pesquisa estão publicados em Sposito; Elias
e Soares (2010).
54

efeitos indeléveis sobre a dinâmica urbana, nas pequenas, médias e grandes


cidades. Nestas, centenas de trabalhadores passam a se amontoar em favelas sem
água, esgotos, transporte, emprego, escolas e hospitais, dada a dificuldade de
acesso à terra regular para habitação (uma das principais responsáveis pelo
explosivo crescimento de favelas e de “loteamentos ilegais” nas periferias das
cidades) e/ou a reduzidos investimentos públicos em moradia social. Tal fenômeno,
todavia, nem de longe, constitui uma novidade na história da urbanização deste
país, em que as chamadas “marchas para as cidades” vêm ainda sendo aceleradas
pela construção de barragens hidrelétricas, geradoras também de significativa
quantidade de pessoas despejadas de seus territórios de moradia.
Acrescenta-se ainda o aprofundamento de características desiguais e
intensamente combinadas do processo brasileiro de urbanização, que tornam
inegável que as grandes intervenções urbanas promovidas pelo Poder Público
foram, excetuando-se raros casos, destinadas exclusivamente à promoção de
melhorias nos bairros das classes dominantes. Isto vem ocorrendo desde as
primeiras ondas de crescimento das cidades até a atualidade.
Em um quadro no qual o acirramento da exploração do trabalho e a expansão
capitalista tomam feições extremante violentas sob a ótica do trabalho e da vida
urbana – expressas nas condições de transporte, habitação, saúde, saneamento e
outros componentes básicos e elementares para a reprodução da força de trabalho
– a classe trabalhadora tem encontrado a “solução” para seu problema de moradia
na autoconstrução de suas residências (KOWARICK, 1979). Isto é, a classe
trabalhadora constrói, ela mesma, sua casa própria, nas horas de folga, com a ajuda
gratuita de parentes, vizinhos e conterrâneos, ou por formas de cooperação como o
mutirão, construção que frequentemente perdura por anos, quiçá gerações.
A autoconstrução das casas, em muitos casos, percebida como única
possibilidade de alojamento para os trabalhadores, resulta na maioria das vezes
numa moradia desprovida de infraestrutura básica e rapidamente deteriorada, dada
a qualidade da construção, dos materiais utilizados, sua localização em áreas
alagáveis e/ou não saneadas. Prover esta necessidade fundamental exige das
famílias um esforço intenso e praticamente permanente de restauração, reformas
e/ou ampliações, que pode durar o tempo de vida de um trabalhador ou de várias
gerações de trabalhadores da mesma família; de trabalhadores cujos rendimentos
salariais são insuficientes e/ou irregulares para, inclusive, assegurar o pagamento de
55

aluguel de habitações, ainda que deterioradas ou mesmo para serem beneficiários


de programas governamentais de Habitação.
No processo de produção da sua própria moradia, outra alternativa que tem
restado à classe trabalhadora tem sido a construção de barracos em favelas. Esta
aparece como a solução de sobrevivência mais econômica, mas também a mais
drástica, para onde são drenados os segmentos mais pobres da classe trabalhadora
muitas vezes única alternativa para aqueles que querem permanecer na cidade.
Como aponta KOWARICK (1979):

Tradicionalmente a favela apresenta-se como fórmula de sobrevivência para


a população pobre em pelo menos dois aspectos. Em primeiro lugar, por
significar uma economia nos gastos de habitação que representam pouco
menos da quarta parte do orçamento de uma família típica da classe
trabalhadora. Em segundo lugar, na medida em que as favelas tendiam a se
localizar próximas aos centros de emprego, levariam a uma redução nos
dispêndios com transportes [...] como meio de deslocamento entre a
moradia e o trabalho (p. 87).

Na concepção do autor, a questão habitacional para ser equacionada,


depende do preço da terra urbana, das características do setor imobiliário-construtor
e do papel do Estado, mas não somente. Ora, na condição de um dos elementos
básicos da reprodução da força de trabalho, a questão habitacional também decorre
do conjunto da composição social do capitalismo e do modo como se organiza o
processo de trabalho nesta sociabilidade, processos que estão na raiz do
acirramento das contradições urbanas.
Assim, a questão da habitação e da moradia explicita-se somente ao
considerarmos dois processos interligados: o primeiro refere-se às condições de
pauperização absoluta ou relativa, decorrentes da exploração do trabalho, a que
estão sujeitos os diversos segmentos da classe trabalhadora e, o segundo,
denominado por Kowarick espoliação urbana ou, mais precisamente, o “[...]
somatório de extorsões que se opera através da inexistência ou precariedade de
serviços de consumo coletivo que se apresentam como socialmente
necessários [...]” (1979, p. 59).
Embora esta compreensão corresponda à base de nosso entendimento sobre
a questão urbana, este não é uma concepção unívoca acerca das desigualdades
existentes nos espaços produzidos e, menos ainda, no que se refere à dinâmica de
segregação sócio-espacial urbana. Para as correntes teóricas de viés liberal, por
exemplo, a cidade nada mais seria que o reflexo da lógica da “mão invisível”, que tal
56

qual estaria presente para autorregular o mercado, também é invocada pelos


teóricos liberais (dentro do urbanismo, leia-se: Escola de Chicago) para explicar a
produção do espaço urbano. Sob essa perspectiva de análise, as cidades teriam a
capacidade de crescer e de organizarem-se espontaneamente sob o pilar da lei da
oferta e da demanda, equilibrando-se naturalmente. Desse modo, a explicação
admitida para a produção da diferenciação espacial e do valor fundiário urbano
reside no fato de que, “naturalmente”, os mais privilegiados encontrariam seus
espaços na cidade, do mesmo modo que os mais pobres acabariam encontrando o
seu.
Ora, na atualidade, as contradições fundamentais seguem opondo o capital
ao trabalho; por conseguinte, as mesmas contradições constitutivas da sociabilidade
capitalista que produzem a questão social são intrínsecas à questão urbana.

2.3 O direito à cidade: projetos em disputa no espaço urbano

A configuração do espaço urbano brasileiro, notadamente marcado por


expressivas desigualdades sócio-espaciais, foi (e ainda o é) caudatário da luta por
inscrever na legislação brasileira instrumentos de viabilização do direito à cidade. O
processo constituinte de 1988 refletiu este interesse, ainda que naquele momento o
tema da questão urbana não tivesse adquirido ainda status de relevância suficiente
para aglutinar a mobilização necessária de todos os setores presentes no interior
das forças progressistas (SILVA, 2002). Em que pese esta dificuldade restritiva das
possibilidades de evidenciar o debate da questão urbana na cena pública, durante a
Constituinte:

[...] 130.000 eleitores subscrevem a Emenda Constitucional de Iniciativa


Popular pela Reforma Urbana, e com isso conseguiram inserir na
Constituição os artigos 182 e 183, que estabeleciam alguns instrumentos
para o controle público da produção do espaço urbano e introduziam o
princípio da chamada ‘função social da propriedade urbana’ [...] Porém, a
regulamentação desses artigos só viria a ocorrer 11 anos depois, com a
aprovação definitiva do capítulo da reforma urbana da nossa constituição,
em uma tramitação que contou com a pressão constante do Fórum Nacional
de Reforma Urbana, e que culminou com a aprovação da Lei 10. 257, o
Estatuto da Cidade, em julho de 2001 (FERREIRA, 2005, p. 16).

Embora a Emenda Popular de Reforma Urbana, em sua totalidade, não tenha


sido incorporada à Constituição, dada a correlação de forças estabelecida no
57

processo constituinte, não podemos negar a importância histórica do fato de pela


primeira vez se constar na Constituição brasileira um capítulo específico sobre a
Política Urbana. Do mesmo modo, o Estatuto da Cidade – projeto de lei cujo
principal objetivo é regulamentar o capítulo de Política Urbana contido na
Constituição – constitui um instrumento significativo para o desenrolar das lutas
urbanas, por indicar que as cidades cumpram sua função social e promovam o bem-
estar de seus habitantes.
Todavia, no Brasil contemporâneo, a questão urbana se entrelaça e
necessariamente se relaciona com a tendência histórica que vem se apresentado
desde os anos 1990, quando o Brasil adentrou num período marcado por uma nova
ofensiva burguesa, em resposta à crise do capital iniciada nos anos 1970.
As transformações políticas e econômicas, em curso neste contexto
direcionaram o Estado brasileiro a uma refuncionalização sintonizada com o
contexto de um novo quadro do capitalismo mundial, provocando a hegemonia do
projeto neoliberal12 no país, expresso, sobretudo na desresponsabilização do
Estado, na desregulamentação do mercado de trabalho e no retrocesso no campo
dos direitos e das políticas sociais, exaltando o individualismo e a liberdade
econômica. Nesse processo, o projeto neoliberal se expande no Brasil, fortemente,
ainda, ao impor orientações para uma contrarreforma do Estado13, dada a sua
direção numa perspectiva antipopular e de adaptação passiva à lógica do capital,
possibilitada no país por diversos fatores e elementos da realidade concreta.
Este cenário tem sido determinante para o uso espacial do território urbano,
na medida em que acirra as expressões da questão social e limita avanços em
relação ao direito à cidade. Isto não somente por incidir no modo de organização das
cidades, mas também porque, em total coerência com os postulados neoliberais
para a área social, a própria condição da política pública pensada para as cidades,
neste contexto, e da legislação que a instrumentaliza é uma ilustração particular da
contrarreforma do Estado brasileiro.

12
Para um estudo acerca das origens do neoliberalismo, do processo e dos mecanismos mobilizados
para a construção da sua hegemonia, indicamos a leitura de Sader e Gentili (1995) e Harvey (2008).
13
Em Behring (2003) encontramos algumas determinações relevantes e transformações de longo
prazo que permitem caracterizar quais razões socioeconômicas e políticas estão na base do
processo de contrarreforma do Estado - tais como as mudanças no mundo da produção e a
mundialização do capital - e como se deu o processo de implementação da contrarreforma, entendo-a
como estratégia fundamental do ajuste neoliberal. A argumentação desenvolvida nesta obra
caracteriza bem os processos em curso no âmbito do Estado brasileiro.
58

Apesar do reconhecido avanço que representou a inscrição da Política


Urbana na Constituição Federal de 1988, os desdobramentos que se seguiram no
plano econômico e político obstacularizaram a sua real efetivação, explicitando
assim uma verdadeira tensão entre o marco legal e a decorrente abertura de um
campo importante para a luta política em prol do direito à cidade e as condições
postas à política pública pelo ideário neoliberal. Condições estas nas quais o que
vem prevalecendo é a restrição e redução de direitos, com base no trinômio
estruturante da ofensiva neoliberal: a privatização, a focalização/seletividade e a
descentralização, face o processo de desresponsabilização do Estado para com a
área social (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
No caso das políticas urbanas, é ilustrativo da lógica de privilégio do capital e
do mercado o expressivo poder dos empreendedores e/ou das empreiteiras como
orientadoras dos investimentos públicos urbanos. A visibilidade das obras consiste
em um critério extremamente forte para as decisões sobre investimentos públicos
(ou privados) nas cidades brasileiras. Ainda mais no que diz respeito às metrópoles.
Dimensão esta sintomática também do quanto prevalece a lógica do uso dos fundos
públicos como subsídio para a produção de novas localizações que possam
contribuir e atender à finalidade de expansão do mercado imobiliário e de expansão
do capital. Para Maricato (2011) outros fatores interferem na dinâmica de
investimento público nas cidades brasileiras:

O capital imobiliário mantém profissionais para o acompanhamento do


orçamento público e da legislação urbanística já que eles incidem nos
preços das localizações e, portanto, na valorização ou desvalorização de
terrenos. Mas as empresas de construção pesada também exercem forte
influência nas decisões sobre as obras de infraestrutura urbana. A relação
entre empreiteiras de construção, a visibilidade de grandes obras viárias
(cujo prazo deve manter uma lógica em relação aos prazos eleitorais) e as
doações para o financiamento de campanhas eleitorais parece ser uma
chave que explica muito do investimento público nas cidades (p. 81).

Este representa, para a autora, um dos impasses14 postos à política urbana


face às questões conjunturais e estruturais do capitalismo brasileiro, impactando
fortemente no campo e na cidade, muito embora não se restrinja a este aspecto.

14
Ponderamos, entretanto, que tratar a dinâmica do investimento público nas cidades brasileiras
como um impasse pode soar falsamente, dando a impressão de que resolver esta questão bastaria
para a ruptura com as desigualdades sócio-espaciais. Ledo engano. Lembremos que o caráter
eminentemente desigual da vida nas cidades está inscrito no ordenamento capitalista e naturalizado
em sua lógica.
59

Para além do poder das empreiteiras como orientadoras e definidoras dos


investimentos públicos nas cidades, vale atentar para a tendência em curso no
âmbito do Estado brasileiro no tocante à própria condição da política pública
pensada para as cidades.
Com efeito, como tem discutido Raquel Rolnik (2002), é inegável a relação
entre a estrutura profundamente excludente da cidade brasileira e a política urbana a
ela, vinculada; Aliás, alerta a urbanista, parte importante do funcionamento das
cidades é a própria política urbana que, no Brasil – não destoante da tendência geral
– foi intensamente responsável pelos processos de exclusão e pela perpetuação de
privilégios e desigualdades.
Em 2003, com a criação do Ministério das Cidades, por ocasião do primeiro
mandato do presidente Lula, havia uma expectativa por parte de muitos movimentos
sociais progressistas, lideranças sociais e profissionais de diversas áreas e origens,
de efetivação de um órgão de caráter estatal que retomasse para a agenda política
nacional a social e institucionalmente ignorada questão urbana. Naquela conjuntura
até mesmo as políticas setoriais de habitação, saneamento e transporte haviam sido
abandonadas ou minimizadas.
A expectativa era maior pelo fato da primeira equipe chamada à frente do
Ministério das Cidades representar uma convergência de militantes sindicalistas,
profissionais e acadêmicos com participação anterior em experiências de
administração pública e atuação prestigiada no meio técnico e acadêmico, além de
forte inserção nos movimentos sociais urbanos. Mais tarde, porém, o Ministério das
Cidades teve sua composição sacrificada em nome da ampliação do apoio ao
governo no Congresso Nacional (MARICATO, 2011).
Para Ermínia Maricato, urbanista e responsável pela formulação da proposta
de criação do Ministério das Cidades, embora caiba reconhecer que o governo Lula
retomou investimentos em habitação e saneamento após, aproximadamente, 25
(vinte e cinco) anos de descaminhos da administração federal em relação a essas
áreas, a questão urbana ou metropolitana não está entre os avanços do governo
Lula, inclusive porque a questão da terra, verdadeiro nó social no Brasil, não foi
tocada, nem no campo nem na cidade.
60

Na realidade, seguindo seu caráter ambíguo, “[...] o Governo Lula respondeu,


de certo modo, com o FNHIS15 para os movimentos sociais e com o PMCMV16 para
os empresários [...]” (MARICATO, 2011, p.56). Uma avaliação geral do Programa
Minha Casa Minha Vida tecida por Maricato (Op. Cit) indica: um impacto negativo
sobre as cidades devido à localização inadequada de grandes conjuntos
habitacionais e ao aumento do preço da terra e dos imóveis; a maior parte da
localização das novas moradias é definida por agentes do mercado imobiliário, sem
obedecer a uma orientação pública e sim à lógica do mercado.
Além disso, ao atender as demandas dos empresários do setor, incluindo as
faixas de renda entre 07 (sete) e 10 (dez) salários mínimos, o PMCMV pode repetir
aspectos negativos de programas habitacionais antigos, privilegiando a classe média
em detrimento das rendas mais baixas. É provável (hipótese que se baseia na
observação empírica da autora) que a localização das moradias não se dê nas
regiões que concentram o déficit habitacional do país; o PMCMV , enfim, retoma a
política habitacional com interesse apenas na quantidade de moradias, e não na sua
fundamental condição urbana.
Face às contradições explicitadas na realidade, importa ressaltar que,
enquanto ator político, a cidade – longe de ser um ator unificado em consensos – é,
na verdade, território plural de luta entre diferentes sujeitos e projetos políticos,
espaço de disputas e tensionamentos, expressão do defronto entre classes sociais,
ponto de partida para a articulação de diversos movimentos urbanos reivindicando
melhores condições de vida nas cidades.
A realidade urbana brasileira é, assim, permeada por complexas
contradições, conflitos, lutas, em que estão presentes diferentes sujeitos que se
mobilizam e agem na defesa de propostas para enfrentar uma série de problemas
vivenciados no cotidiano da vida social. Nessa perspectiva, os movimentos sociais
constituem-se importantes vias de ação político-coletiva que se organizam para
reivindicar determinados interesses.
Nos anos 1960, em um contexto marcado por grandes lutas, estes se tornam
objeto de estudo acadêmico, nas mais diversas abordagens teórico-metodológicas.

15
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. Sendo gerido por um conselho que tem a
participação de representantes da sociedade, maneja recursos bem menos significativos que o
PMCMV.
16
Programa Minha Casa Minha Vida, lançado em 2009, desenhado por uma parceria entre o governo
federal e as 11 (onze) maiores empresas construtoras de moradia.
61

Isto indica, a nosso ver, que a realidade define, em grande medida, a agenda de
pesquisa da universidade, mas segue as escolhas políticas e teórico-metodológicas
dos sujeitos pesquisadores.
Chamamos especial atenção para as teorizações de maior influência na
produção teórica brasileira acerca dos movimentos atuais, também designados
“novos” movimentos sociais, a exemplo do paradigma europeu, com destaque para
três principais vertentes: a abordagem culturalista-acionalista, o pensamento pós-
moderno e o paradigma marxista.
A teoria culturalista-acionalista tem por horizonte a construção de um modelo
teórico baseado na cultura. Daí, a ênfase dispensada por este paradigma às
dimensões de cultura, identidade e solidariedade entre as pessoas de determinado
movimento social. Segundo esta perspectiva, os movimentos contemporâneos
apresentam interesses difusos e não classistas. Por isso mesmo, há um
redirecionamento do eixo central das demandas postas na esfera pública, as quais
são deslocadas do campo da economia para o campo da cultura. Nesta abordagem,
a ênfase está no papel dos indivíduos e não da classe social e, na mesma lógica, os
movimentos são vistos muito mais como agentes de pressão do que de
transformação societária (Cf. TOURAINE, 1989; EVERS, 1984). Trata-se, portanto,
de uma teoria que procura explicar a ação coletiva em uma perspectiva subjetivista
dos fenômenos.
No campo teórico e prático, ampliam-se ainda as interferências do
pensamento pós-moderno e neoconservador, a exemplo do que ocorre com a
perspectiva acionalista. Aqui também, os “novos movimentos sociais” são analisados
como distantes e apartados da contradição capital-trabalho. Tal vertente pós-
moderna não apenas afirma a perda da centralidade dos conflitos de classe no
processo de organização e de ação política dos movimentos sociais, como assegura
mesmo a inexistência de tais conflitos na contemporaneidade (LACLAU e MOUFFE,
1988).
Dentre os elementos que constituem a base de sustentação da leitura pós-
moderna dos movimentos sociais destacamos a descrença em qualquer perspectiva
de contraponto aos interesses do capital e de emancipação do trabalho, em uma
total negação das bases teóricas clássicas do marxismo.
Boaventura de Sousa Santos (1999; 2005), expoente da intelectualidade pós-
moderna, talvez seja a melhor tradução que poderíamos encontrar neste momento
62

para ilustrar o descrédito tão amplamente difundido quanto às possibilidades de


transformação societária radical. Na expressão deste autor:

[...] a primazia explicativa das classes é muito mais defensável que a


primazia transformadora. Quanto a esta última, a prova histórica parece ser
por demais concludente quanto à sua indefensabilidade. Dando de barato
que é fácil definir e delimitar a classe operária, é muito duvidoso que ela
tenha interesse no tipo de transformação socialista que lhe foi atribuído pelo
marxismo e, mesmo admitindo que tenha esse interesse, é ainda mais
duvidoso que ela tenha capacidade para o concretizar. Essa indicação que
parece hoje indiscutível tem levado muitos a concluir pela impossibilidade
ou pela indesejabilidade de uma alternativa socialista (SANTOS, 1999, p.
41).

Afirmamos peremptoriamente: o fim de qualquer possibilidade de construção


de alternativas a esta sociabilidade está longe de constituir indicação indiscutível,
dado o caráter histórico e criador da práxis humana. Reproduzir o discurso
generalizado de impossibilidade de transformação societária significa contribuir para
a produção de uma cultura de passividades e conformismos, diretamente incidente
no cotidiano da classe trabalhadora, resultando em um evidente reforço da
alienação, em detrimento de projetos de natureza coletiva.
Atualmente, defrontamo-nos, portanto, com duas grandes tendências teóricas
que vêm incitando a batalha das ideias: uma vinculada ao conservadorismo -
inspirada nas tendências pós-modernas – a compreender a realidade social como
um campo de fragmentos e os movimentos contemporâneos como espaços de
interesses difusos e não classistas; outra, vinculada à tradição marxista, a entender
a realidade a partir de uma perspectiva histórico-ontológica, buscando abranger as
determinações objetivas e subjetivas dos processos sociais17.
Nesse sentido, ainda que tal abordagem questione e nivele os referenciais
marxista e positivista, não temos nenhuma dúvida de que o principal embate
empreendido mesmo é contra a teoria social de Marx, cuja novidade na literatura
contemporânea é a introdução dos recortes de gênero, etnia e geração, sem
abandonar a perspectiva de classe. Afinal, sob a ótica do marxismo, as novas
manifestações e expressões das lutas sociais na cena política contemporânea não
representam absolutamente qualquer negação da contradição capital-trabalho como

17
Afirmamos tratarem-se de duas grandes tendências teóricas porque, especialmente, no que se
refere ao debate acerca dos movimentos sociais no Brasil, concordamos com a análise de Duriguetto
e Montaño (2010), segundo a qual as vertentes acionalista e pós-moderna parecem hoje estar
fundidas num verdadeiro “rearranjo culturalista”.
63

sendo fundante desta lógica societária, mas, ao contrário, reafirmam tal contradição
(LOJKINE, 1981) e confirmam a centralidade da luta de classes.
Consideramos de suma importância a análise das linhas gerais que
fundamentam o universo teórico e político das diferentes abordagens explicativas
adotadas nos estudos dos movimentos sociais18. Todavia, dado os limites do
presente trabalho, privilegiamos a abordagem marxista por a tomarmos como
referência para a compreensão desta sociedade.
Esta abordagem, cuja matriz situa-se no conflito capital-trabalho, privilegia o
processo de luta histórica das classes subalternas. Isto não significa limitar-se à
análise do movimento operário, relegando a um segundo plano outros movimentos
políticos; tampouco implica em trabalhar com determinações exclusivamente
econômicas, pois a opressão-dominação capitalista perpassa as mais diversas
dimensões da existência social. O grande diferencial do paradigma marxista na
análise dos movimentos sociais consiste em possibilitar apreender, para além dos
aspectos imediatos, a essência dos fenômenos e a contraditória relação entre
essência e aparência. Nesta teoria, há também a preocupação frequente em
subsidiar a ação política destes movimentos e, assim, contribuir para a práxis
revolucionária. Resulta daí o fato de tal paradigma ter provocado e impulsionado, ao
longo da história, não somente o desenvolvimento de um amplo universo teórico e
analítico em torno do processo revolucionário e das estratégias de transição
socialista, como também suscitado e fundamentado a construção de diversos
instrumentos político-organizativos da classe trabalhadora.
Fundamentalmente, como destaca Gohn “[...] as teorias marxistas sobre os
movimentos sociais não abandonaram a problemática das classes sociais. Ela [a
problemática das classes] é utilizada para refletir sobre a origem dos participantes,

18
Para um estudo comparativo entre estas teorias, pondo em evidência diferenças e semelhanças, a
fim de explicitar os termos do debate estabelecido entre as principais abordagens, indicamos a leitura
de Touraine (1989) e Evers (1984) como expoentes da teoria acionalista; Laclau e Mouffe (1988) e
Santos (1999; 2005) como um dos representantes da abordagem pós-moderna; Manuel Castells
(1974) e Jean Lojkine (1981) como autores que figuram dentre os primeiros estudiosos a empreender
esforço teórico na análise dos movimentos sociais atuais, em uma perspectiva marxista. Uma
sistematização acerca do conjunto destas teorias pode ser encontrada nas obras de Gohn (2007) e
Scheren-Warren (1987). Entretanto, contrariamente à análise de Gonh (Op. Cit), consideramos que o
nominado “Paradigma dos Novos Movimentos Sociais” (NMS) não pode ser reputado como
exclusivamente pós-moderno ou acionalista. Na verdade, há autores marxistas, a exemplo de
Lefebvre (1968) e Birh (1998), que também utilizam a mesma denominação - NMS - para se referir a
alguns movimentos sociais, sem necessariamente despi-los do caráter classista. Contudo,
reconhecemos que, a partir dos anos 1990, há crescente influência pós-moderna na concepção dos
“novos” movimentos sociais.
64

os interesses do movimento, assim como o programa ideológico que fundamenta


suas ações” (2007, p. 173).
No caso dos movimentos sociais urbanos, a tese de que estes movimentos
são incapazes de ultrapassar o imediato das reivindicações urbanas tem sido
sustentada por autores como Antônio Ivo de Carvalho (1978), devido especialmente
dois aspectos: o caráter policlassista destes movimentos e o fato de se
desenvolverem “a margem da produção”. Isto porque, na sua concepção, as
contradições urbanas são de caráter conjuntural e, portanto, solúveis nos marcos do
sistema capitalista.
Com efeito, somente ao compreendermos a categoria classe social, um dos
temas fundantes e polêmicos da teoria de Marx, é que se torna possível
aprofundarmos nossa compreensão acerca do papel dos(as) movimentos urbanos
organizados, no interior da luta de classes.
Iasi (2007a) chama atenção para o fato de que diferentes determinações
particulares constituem a definição de classe, para além da posição no interior das
relações sociais de produção, apesar deste aspecto ter praticamente se
generalizado como se fosse o único conceito para classe social.
A análise do conjunto da obra de Marx aponta que a definição de classe
envolve: a posição diante da propriedade ou não propriedade dos meios de
produção; a consciência que se associa ou distancia de uma posição de classe e a
ação dessa classe nas lutas concretas no interior de uma formação social. Ilustrativo
dessa afirmação é que:

Quando pegamos um estudo concreto como o 18 brumário, por exemplo,


Marx chega a definir os diferentes grupos atuantes naquela intrigante
conjuntura muito mais decisivamente pela ação que desempenham e pelas
concepções de mundo que representam, do que mesmo pela sua posição
no interior das relações sociais ou diante da propriedade. Não que essa
dimensão tenha deixado de atuar, mas que, limitando-se a essa
determinação, seria impossível desvendar a trama dos acontecimentos. Isso
significa dizer que para Marx a forma com que as classes atuam no campo
concreto da história, a consciência que representam em cada momento, são
fatores determinadores de seu caráter (IASI, 2007b, p. 108).

Nessa perspectiva, apenas a posição dos(as) sujeitos no interior das relações


sociais é insuficiente para definirmos a classe a que estão vinculados. Para além
disso, devemos considerar especialmente como se conforma e se posiciona a sua
fração organizada, no caso os movimentos urbanos e organizações populares.
65

Independente da sua base social de composição, as posições político-


ideológicas que o movimento assume, as lutas encampadas e as alianças que
constrói, necessariamente, acumulam forças para determinada classe, seja a classe
trabalhadora ou a classe dominante, fazendo com que o movimento urbano se
posicione, também, no seio da luta de classes. Até porque nada mais falso do que
afirmar estarem estes movimentos a margem da produção e da lógica própria à
sociabilidade capitalista.
Não podemos, todavia, perder de vista que as condições objetivas das
cidades brasileiras, expressão do modelo de desenvolvimento urbano em curso,
demandam intensos processos de luta por direitos sociais, com ênfase no direito à
cidade, tendo como horizonte aquilo que Kowarick (1979) denominou de a conquista
do espaço. Processo este condicionado pela capacidade de luta e organização dos
diversos movimentos, pela capacidade destes se desatrelarem das esferas
dominantes e conseguirem um mais sólido enraizamento nas bases.

A conquista de espaço supõe debate e confronto, organização e


reivindicação coletiva, que constituem a matéria-prima da qual se deverá
construir um povir efetivamente democrático e sem relativismos. A
construção de um projeto democrático implica uma prática política que
aposte na capacidade das classes ainda subalternizadas em modelar seu
destino histórico e que abra caminhos, necessariamente conflituosos,
debastados por processos de participação e reivindicação vigorosos e
autônomos em relação aos centros de Poder (KOWARICK, 1979, p. 202).

Resta-nos saber por meio de que mecanismos e transitando sob qual solo
histórico tem se materializado as lutas urbanas na capital potiguar. Como as
determinações sócio-conjunturais dos anos 2000 inflexionam e caracterizam a
organização política dos movimentos sociais urbanos (MSU) em Natal? Que tipo de
problemas urbanos tem levado a população dos bairros populares de Natal a se
organizar? E, do mesmo modo, como essa população manifesta a sua
contraposição em relação aos mesmos?
66

Capítulo 2

Ação política dos movimentos


urbanos em Natal: a que será que
se destina?
67

3 AÇÃO POLÍTICA DOS MOVIMENTOS URBANOS EM NATAL: A QUE SERÁ


QUE SE DESTINA?

Neste capítulo discutimos a organização política sob o signo da divisão da


sociedade em classes antagônicas. Em seguida, contextualizamos a cidade de
Natal, destacando o cenário sócio-político que instiga e confere sentido à
organização popular local. Ainda no intuito de desvendar elementos importantes
para a análise da atuação dos movimentos sociais urbanos em seus processos de
organização e luta, caracterizamos o perfil dos(as) dirigentes, sujeitos da pesquisa e,
em seguida, apresentamos e discutimos as principais lutas e frentes de atuação dos
movimentos locais, identificadas em nossa pesquisa de campo. Com isso
pretendemos desvendar aspectos fundamentais que direcionam e sinalizam
horizontes e perspectivas para a luta pelo direito à cidade em Natal.

3.1. Organização política nos marcos da luta de classes

Embora as questões políticas tenham sido quase sempre enfocadas num


prisma que privilegia a dimensão institucional há, na realidade, uma multiplicidade
de facetas atribuídas à Política. Nessa perspectiva, longe de definições imprecisas,
reiteramos nossa compreensão de política para além da esfera institucional, postura
que atribui profundo sentido politico às relações sociais que estabelecemos.
Entendemos que somente o ser social possui a capacidade de agir
politicamente. Este é compreendido, de acordo com Netto e Braz (2007), como único
ser que se particulariza porque é capaz de: realizar atividades teleologicamente
orientadas; objetivar-se material e idealmente; comunicar-se e expressar-se pela
linguagem articulada; tratar suas atividades e a si mesmo de modo reflexivo e
consciente; escolher entre alternativas concretas; universalizar-se e sociabilizar-se.
Ademais, as determinações históricas que singularizam o ser social são
resultado não apenas da escolha motivada pelo intento e/ou pela necessidade do
sujeito, mas condicionadas pela causalidade, parte concreta da totalidade histórica.
A causalidade se impõe ao desejo do ser, ainda que este possa tensioná-la na
perspectiva de enfrentá-la.
Na relação dialética entre o ser social e a história, o sujeito dota-se da
inteligibilidade de captação do real, isto é, desenvolve a consciência, ainda que na
68

sua forma mais imediata. O nível de complexidade atingido nesse processo é


determinado pelo conjunto das necessidades do ser social e pelo modo através do
qual engendra as condições de sua superação. Não por acaso, nas formulações de
Marx e Engels, a compreensão teórica do movimento histórico reivindica que, até
hoje, a história da humanidade é a história da luta de classes. A constituição das
classes sociais, medular e historicamente, está implicada na forma com a qual os
sujeitos organizam-se, para e pelo trabalho, e garantem a (re)produção social de
uma determinada sociedade.
Na sociabilidade capitalista, a condição social sob a qual o trabalho é
realizado traz em si o germe da estrutura de classes. Portanto, a contradição central
que particulariza essa sociabilidade está referenciada nas necessidades de classes
antagônicas, isto é, trabalhadores e capitalistas. Esse antagonismo, estabelecido em
condições históricas determinadas, se manifesta e se traduz em relações sociais,
ainda que apareça como produção e reprodução de coisas. Nessa direção, a análise
marxiana, na medida em que desvela o processo de produção do capital, evidencia
a dinâmica da questão social como estando determinada pela lei geral da
acumulação capitalista e pelo caráter da exploração característica da relação capital
x trabalho, numa sociabilidade que potencializa significativamente tais antagonismos
e desigualdades.
Em que pese a generalização acentuada e a dinâmica radicalmente nova da
pobreza que então se espraiava pela Europa Ocidental, a partir do século XVIII, a
alcunha desse pauperismo pela expressão ‘questão social’ diz respeito certamente
às manifestações sócio-políticas nas quais desembocou, por meio das lutas
desencadeadas em prol dos direitos concernentes ao trabalho (NETTO, 2004;
IAMAMOTO, 2004), ou seja, a questão social conforma-se e constitui-se mediada
pela relação capital x trabalho e, indissociavelmente, pela dimensão política da luta
de classes:

As múltiplas expressões da “questão social” tornam-se um problema a ser


enfrentado pelas classes dominantes quando sua antípoda, a classe
trabalhadora, organiza-se em torno de sujeitos coletivos que dão voz,
expressão e ação aos interesses proletários, demandando e exigindo
reformas no sistema capitalista, ganhos econômicos parciais, plenos direitos
de cidadania e, num sentido mais radical, a supressão do capitalismo por
uma nova ordem social, o socialismo (CASTELO, 2006, p. 17).
69

Na lógica societal inerente à sociedade capitalista, a realização do trabalho e


as relações sociais por ele suscitadas, se materializam no real e idealmente de
forma alienante. Ao não se reconhecerem como sujeitos de seu trabalho e
estabelecerem uma relação de estranhamento para com o conteúdo de sua ação, os
próprios indivíduos são coisificados e a alienação19 se faz presente nas mais
diversas dimensões da existência social. Dentre os principais aspectos por meio dos
quais a alienação da humanidade se manifesta estão: a alienação dos seres
humanos em relação à natureza; à sua própria atividade produtiva; à sua espécie,
como espécie humana; e também de uns em relação aos outros (MÉSZAROS,
2006).
Daí, a categoria alienação ser hoje indispensável para a compreensão crítica
da realidade, em suas multifacetadas questões e impasses da atualidade, tendo em
vista sua intensa presença no âmbito das relações socialmente estabelecidas.
Ao se tornar um ser alienado, o ser humano, afasta-se da realidade a qual
deveria conhecer para intervir e, com isso, se camufla seu papel de construtor da
história. Por isso, os processos de alienação são vitais para a dominação dos
indivíduos pelo capital. No entanto, isso não quer dizer total ausência de mediações
e possibilidades emancipatórias que proporcionem condições para os indivíduos
superarem a alienação. A organização política numa perspectiva crítica e totalizante
destaca-se como uma das dimensões da existência social capaz de desmistificar as
formas reificadas de ser e de pensar20, inclusive porque a própria condição de
exploração suscita as possibilidades de rebeldia.
Em uma perspectiva de classe, a práxis política tem o papel essencial de
fazer a crítica consistente aos pilares valorativos de sustentação do capital e de
19
“Com o nascimento da propriedade privada, o produto do trabalho se separa do trabalho, se
converte em objeto alheio, em propriedade de outro; o objeto e o resultado da atividade se aliena do
sujeito ativo. Sobre essa base se produz o fenômeno geral da alienação, pelos quais as forças e os
produtos sociais da atividade humana se subtraem do controle e da força dos indivíduos;
transformam-se em forças a eles contrapostas” (MARKUS, 1974, p. 61). A alienação refere-se ainda
ao fato dos indivíduos não reconhecerem a sua ação na realidade social e, do mesmo modo, não se
reconhecerem como sujeitos históricos. Pelos mecanismos da alienação, a realidade – mesmo sendo
fruto da intervenção humana – aparece para os indivíduos como algo estranho e hostil. Sobre a
concepção marxiana de alienação indicamos consultar Marx: 1993; Mészáros: 2006; Netto: 1981 e
Frederico: 1995.
20
Barroco acrescenta, além da política, algumas outras atividades que permitem uma ampliação da
relação consciente do individuo com a genericidade, quais sejam: o trabalho, a arte, a ciência, a
filosofia e a ética. Segundo a autora, “as atividades propiciadoras da conexão dos indivíduos com o
gênero humano explicitam capacidades como: criatividade, escolha consciente, deliberação em face
de conflitos entre motivações singulares e humano-genéricas, vinculação consciente com projetos
que remetem ao humano-genérico, superação de preconceitos, participação cívica e política. Todas
elas estão vinculadas com valores” (2007, p. 42).
70

subsunção do ser humano ao mercado, reafirmando valores e princípios construídos


na direção da emancipação humana. Podemos afirmar, então, que a política
proporciona uma revalorização do coletivo, ao potencializar o enfrentamento da
ideologia dominante, realizando-se no campo contraditório da luta de classes. Dessa
forma, a reflexão e a ação política constituem possibilidade de objetivação da
dimensão humano-genérica do indivíduo.
Não por acaso, a tradição marxista atribui significativa importância à ação
coletiva da classe trabalhadora por meio dos diversos instrumentos político-
organizativos. Em O Manifesto do Partido Comunista21, Marx e Engels destacam
que, em uma sociedade marcada pela divisão de classes, são os interesses
antagônicos que impulsionam a política, por meio do enfrentamento de forças entre
as classes. Discorrem, ainda, sobre as diversas etapas do desenvolvimento do
proletariado em sua luta contra a burguesia, bem como sobre o processo de
construção da identidade coletiva, transitando da consciência em si à consciência
para si.
A política, portanto, não se realiza exclusivamente no Estado, mas no
processo da luta de classes e, nesse ponto, Marx é categórico e elucida bem esta
dimensão:

Uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no


antagonismo entre as classes [...] Entretanto, o antagonismo entre o
proletariado e a burguesia é uma luta de uma classe contra outra, luta que,
levada à sua expressão mais alta, é uma revolução total. Ademais, é de
provocar espanto que uma sociedade, fundada na oposição de classes,
conduza à contradição brutal, a um choque corpo-a-corpo como derradeira
solução? Não se diga que o movimento social exclui o movimento político.
Não há, jamais, movimento político que não seja, ao mesmo tempo, social
(MARX, 2009a, p. 191-192).

Importante ter sempre em mente que as elaborações de Marx são construídas


tendo como aparato basilar o desvendamento dos mecanismos próprios da
sociabilidade do capital. Assim, na abordagem marxista, a política é determinada
pela formação econômica da sociedade e, estando presente nas mais diversas
21
“A síntese de seu pensamento e a visão mais precisa, do que foi e de qual deve ser o papel da
classe trabalhadora na história da humanidade, apareceu em O Manifesto do Partido Comunista,
elaborado, em Londres, em fins de novembro e começo de dezembro de 1847 [...]. A contribuição que
o Manifesto deu naquele momento para a organização política da classe trabalhadora foi imensa,
porque, em meio às revoluções burguesas, não havia clareza do que fazer, tampouco se sabia qual
deveria ser o papel dos trabalhadores. Foi dessa forma que o texto passou a correr o mundo levando
idéias que elevavam o conhecimento dos revolucionários e estabeleciam ligações profundas entre os
trabalhadores” (BOGO, 2005, p. 72-73).
71

esferas da vida social, constitui lócus privilegiado para o exercício do potencial


revolucionário da classe proletária, por meio dos diferentes instrumentos político-
organizativos, no que se refere à elaboração de um projeto de emancipação
humana.
Nessa perspectiva, compreendemos os movimentos sociais como um dos
sujeitos coletivos presentes na arena política, com forte potencial de mobilização e
articulação da classe trabalhadora e, da mesma forma, entendemos que a
historicidade e as tendências recentes quem vêm sendo processadas no campo das
lutas sociais somente podem ser apreendidas nos marcos da análise da realidade
concreta. Desse modo, analisar as relações entre Estado, classes e movimentos
sociais no Brasil, desvelando suas particularidades, pressupõe considerar as
mediações estabelecidas na sua formação econômica, política, social e cultural.
Considerando a complexidade da formação de um país, seus múltiplos
processos sociais não podem ser reduzidos à hegemonia de determinado modo de
produção. Todavia, este é um elemento que de forma alguma pode ser
menosprezado, por constitui determinante fundamental (BEHRING, 2003), base
material das relações sociais que nos interessam apreender.
Traços e tensões da formação social brasileira evidenciam as interfaces desta
formação com o desenvolvimento e consolidação da dinâmica capitalista. Aliás, a
literatura marxista neste campo analisa a história do país articulando movimentos
internos com a lógica de subordinação ao mercado mundial.
O caráter de construção histórica da organização política nos confronta à
necessidade de estarmos atentos(as) para a importância da análise crítica concreta
da atuação dos movimentos sociais em cada conjuntura para compreender os
diferentes conteúdos e formas que assumem suas mobilizações e lutas. Isto implica
em não atribuir aos movimentos sociais ações e táticas políticas únicas e imutáveis,
independente do contexto histórico no qual estão situados (Cf. GUIMARÃES,
2011b), e, principalmente, com base em qual programa, ideologia e projeto está
conformada sua organização e direção, elementos fundamentais para a
compreensão de todo e qualquer movimento social.
Assim, em uma perspectiva de totalidade importa circunscrever a ação dos
sujeitos sociais nos marcos da formação social na qual se articula e se desenvolve.
No caso em tela, compete-nos proceder à critica dos movimentos sociais em luta no
contexto urbano no âmbito da sociedade brasileira. Por certo, a formação social
72

brasileira confere particularidades às relações entre Estado e classes sociais no


país. Temos, assim, o entendimento de que não é possível falar de movimentos
sociais e lutas urbanas sem fazer referência ao Estado, pois ambos se influenciam
mutuamente e estão em constante relação - relação complexa e dialeticamente
contraditória. Também julgamos absolutamente necessário evitar tratar os
movimentos sociais linearmente e de forma parcial ou com estereótipos, por
constituírem fenômenos históricos, cuja existência compreende diferentes aspectos
e configurações.
Percebemos, além disso, não ser redundante falarmos em um movimento dos
movimentos sociais (DURIGUETTO; MONTAÑO, 2010), por se tratar antes de um
fenômeno a ser pensado e analisado como um processo, que, por isso mesmo,
contém em si uma dinâmica que articula passado, presente e futuro. Desse modo,
não constitui um fenômeno fechado ou circunscrito a si mesmo, mas encontra-se em
constante relação, fato decorrente não apenas de pressões externas, mas também
da sua própria dinâmica interna.
As concepções teóricas e conceituais sintetizadas até aqui demonstram uma
multiplicidade de questões que caminham junto ao debate dos movimentos sociais e
dificilmente poderão ser totalmente contempladas no presente trabalho – tampouco
temos tal pretensão - no entanto, são também reveladoras da necessidade de
voltarmos mais ainda nossa atenção para a configuração dessas lutas no território
urbano natalense. Afinal, acreditamos que os movimentos sociais ainda são os
principais protagonistas no encaminhamento das lutas que os reivindicam, porém,
não podemos apreender sua ação política senão situando sob qual pano de fundo e
cenário suas lutas se constroem, se articulam e se materializam.

3.2 A cidade de Natal como cenário de lutas e de disputas políticas

Os movimentos sociais das classes subalternas são considerados aqui como


sujeitos coletivos que, no cotidiano da sua organização, conferem densidade política
à questão social. Assim, não nos parece possível tecer elaborações sobre estes
sujeitos sem nos apropriarmos das necessidades e demandas sociais que buscam
evidenciar na cena pública por meio de reivindicações dirigidas ao Estado e da
disputa entre projetos societários.
73

Apreender a questão social, com ênfase na forma como ela se materializa no


urbano, envolve, assim, um duplo movimento que consiste em, de um lado, captar
os antagonismos e desigualdades presentes na realidade local – com ênfase na
reprodução da pobreza e na forma como ela se constitui – com base na
caracterização da cidade, tanto em seu aspecto sócio-histórico, como econômico e
político e, de outro, evidenciar as lutas, dilemas e contradições dos movimentos
sociais que se encontram organizados naquele espaço22.
De tal modo, a análise do processo de constituição do urbano, na cidade de
Natal, a partir de aspectos do seu crescimento demográfico e de sua estrutura
econômica, enfatizando a condição da pobreza e da desigualdade social, nos
possibilita uma melhor apreensão da organização política dos movimentos urbanos
na realidade estudada, por significar, também, adentrar nos meandros da questão
urbana, enquanto expressão da questão social, explicitando os mecanismos que a
constituem e os sujeitos sociais e os interesses em disputa.
Com esse horizonte, sem a pretensão de recuperar toda a formação política,
social e econômica de Natal, sinalizamos a seguir alguns traços da sua formação e
do modo como o poder público tem enfrentado a questão da pobreza,
indispensáveis para compreender como tem se conformado a questão urbana e os
movimentos sociais da cidade. Ademais, elementos da história de mobilização e luta
dos trabalhadores e da população em geral, não somente da cidade isoladamente,
mas no estado do Rio Grande do Norte como um todo, contribui para que possamos
entender melhor a história da organização popular em Natal.
Fundada em dezembro de 1599, como parte da política urbanizadora de
Portugal para a Colônia, visando povoar a costa atlântica brasileira, Natal
interessava ao reino praticamente apenas devido sua localização geográfica
estratégica que a colocava em condição de se constituir ponto militar de defesa do
território.
Em grande parte, esta função irá determinar sua ocupação até a atualidade,
haja vista que, excetuando-se este aspecto, Natal pouco representava para a
colônia, dada a inexpressividade econômica da capitania onde se localizava
(CASCUDO, 1984). Além disso, vale lembrar que o Rio Grande do Norte foi criado

22
Sinalizamos, desde já, que a primeira parte deste duplo movimento a que nos referimos no
desvendar da questão social funda o intuito do presente tópico. A segunda parte, por sua vez, será
objeto de discussões futuras deste trabalho, subsidiado pela nossa pesquisa de campo.
74

para cumprir com o objetivo exclusivo de produzir carne para alimentar a capitania
de Pernambuco. Assim, ao tentar desenvolver seu mercado, foi coibido,
permanecendo por bastante tempo praticamente apenas como uma grande fazenda
de gado.
Com uma população muito pobre devido a inexistência de qualquer atividade
econômica formal para além da pesca, da pequena agricultura e da criação de gado,
a cidade de Natal se desenvolve a passos lentos e, por isso mesmo, até o século
XVII, nos termos de Souza (1978), será cidade apenas no nome, dada as inúmeras
dificuldades para garantir o seu próprio povoamento. Com efeito, “[...] ao contrário de
outras cidades, Natal não se originou de uma vila e não havia uma atividade
econômica, que aglutinasse seus moradores” (LIMA, 2002, p. 33).
Apenas a partir da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que é transformada
em base militar dos norte-americanos, provocando com isto a vinda de um grande
contingente de militares para a cidade, além da migração da população, Natal
apresenta um crescimento populacional mais significativo. Na verdade, a
implantação da base militar na cidade cria demanda por serviços e mercadorias,
atraindo comerciantes e trabalhadores que progressivamente vieram se instalar na
capital potiguar.
Este contexto representa para Natal um índice migratório altíssimo naquele
momento (1940/1950). O crescimento da sua população urbana está igualmente
associado a outros fatores, diretamente relacionados à presença no Rio Grande do
Norte, como ademais em toda a região Nordeste e no Brasil, de uma estrutura
fundiária marcada pelo predomínio do grande latifúndio. Somam-se isto os longos
períodos de estiagem23, com a decorrente expulsão dos trabalhadores rurais do
campo para a cidade, também responsáveis pela constituição de boa parte da
população de Natal que, no desenrolar da história, adensa a pobreza na cidade. Na
análise de Souza:

[...] o processo de concentração de população no urbano devido a migração


campo-cidade, é no caso de Natal, acrescido de outra característica. Aqui
além do crescimento real da população, deve-se considerar também a
absorção da área rural do município de Natal à área urbana [...] Essa
situação se explica pelo fato de que a expansão da malha urbana se dá

23
Ressalte-se que não concordamos com as concepções que restringem a seca no Nordeste e suas
consequências a meramente um fenômeno climático. Para muito além disso, esta questão e, do
mesmo modo, a realidade vivenciada por Natal neste contexto, é sintomática da concentração da
terra e da água no Nordeste brasileiro, raiz da qual emerge este problema.
75

pela incorporação dos conjuntos habitacionais construídos entre os anos


1970/1982, localizados, em sua maioria, em áreas concentradas,
anteriormente, como áreas rurais. No entanto, grande parte do aumento
populacional da cidade deve-se a intensificação dos fluxos migratórios que
se destinam a Natal a partir de 1960 [...] quase a duplicação do fluxo
migratório em relação à década anterior [...] (1978, p. 17).

A chegada de grande contingente de camponeses miseráveis em Natal, força


os governantes a elaborar respostas face a pobreza que então se generaliza na
cidade, ao mesmo instante em que caracteriza o início da trajetória de uma das
lideranças políticas do Rio Grande do Norte: Aluízio Alves, representante dos
interesses da industrialização e da modernidade, a quem coube a coordenação da
assistência aos flagelados da seca. Esta liderança se constrói também como
principal representante da oligarquia Alves no estado, contando para isto com o
apoio de uma fração da oligarquia agrária do Rio Grande do Norte.
Durante sua gestão no governo do estado, mesclou políticas modernizadoras,
a exemplo do investimento em transporte, eletrificação e telecomunicações, com
uma política clientelista, conservadora e repressiva, marcas que caracterizam
notadamente o padrão de assistência social predominante em Natal até os anos 90
do século XX, de acordo com a formulação de Oliveira (2005). Um aspecto
importante a ser observado na trajetória da oligarquia Alves: esta não foi moldada e
conformada pelo poder agrário, e sim pelo poder dos veículos de comunicação, uma
vez que Aluísio Alves destaca-se no cenário local como proprietário de veículos de
comunicação como jornal, rádios e emissoras de televisão.
Neste contexto, as primeiras tentativas de organização dos trabalhadores no
estado do Rio Grande do Norte serão esboçadas a partir dos anos 1920 e 1930,
respectivamente por meio de entidades associativas num primeiro momento e
posteriormente via organizações sindicais.
Aliás, em larga medida, toda a atividade organizativa da população de Natal
em sua origem concentra-se na organização sindical, responsável por toda a
movimentação política da cidade, apesar dos movimentos sindicais mais expressivos
do estado encontrarem-se mais organizados nas cidades de Mossoró, Macau e
Areia Branca.
Importante registrar ainda como parte constitutiva da história das lutas sociais
em Natal a localização do movimento comunista de 1935 no estado do Rio Grande
do Norte e, em particular, na capital, viabilizando assim a constituição do chamado
76

Comitê Popular Revolucionário. Dentre suas principais iniciativas, destacam-se a


elaboração e apresentação do decreto destituindo o governador e a Assembleia
Legislativa, além da publicação do jornal revolucionário A Liberdade.
Embora tenha durado apenas três dias, com a ampliação do movimento e a
sua chegada ao interior do estado, o levante comunista de 1935 é sintomático da
presença, em Natal e no Rio Grande do Norte, de no mínimo, uma proposta
administrativa a partir da classe trabalhadora.
Dessa feita, seria coerente dizer que no Rio Grande do Norte e, neste
contexto, Natal, a organização popular nas áreas urbanas até a década de 1950, vai
se limitar ao movimento sindical. A partir de então, tem início o movimento de bairro
na cidade. A articulação do movimento de bairro em Natal encontra seu ponto de
partida na ação da Igreja junto à periferia da cidade, via Ação Católica, objetivando a
implementação de uma política de ação para atender a população dessa área de
Natal.

A ação da Igreja chega assim aos bairros periféricos de Mãe Luiza, Bom
Pastor, Nova Descoberta, Dix-Sept Rosado e outros [...] o trabalho se situa
numa linha bem assistencialista [...] onde passam a funcionar cursos de
alfabetização de adultos, cursos profissionalizantes, cursos de educação
política assim como grupos de discussão nos bairros para debate do
chamado Movimento de Natal [...] Este é um movimento pioneiro no Brasil e
o Movimento de Natal passa a ser encarado como semente de uma nova
ação social da igreja. O fim dos anos 1950 assiste também ao surgimento
de um movimento de certa envergadura na cidade, que tem como bandeira,
a luta contra o imperialismo, e que tem no seu líder Djalma Maranhão, a sua
força máxima (CEPAU, 1987, p. 61-62).

Com o golpe de 1964, o trabalho popular que vinha sendo realizado até então
se depara com uma forte repressão que leva a um processo de desmantelamento,
pondo fim às experiências de trabalho de bairro durante os primeiros dez anos de
governo militar. Posteriormente, já em uma conjuntura de desgaste do regime militar
e de hegemonia da oligarquia Maia - e sabendo-se ser necessária a contenção e
amenização dos métodos repressivos para elevar a legitimidade do governo, o
Estado reconfigura sua política, adotando como objetivo a promoção da “integração
social” das cidades via desenvolvimento comunitário.
Esta Política tem como carro-chefe o Programa Nacional de Centros Sociais
Urbanos (PNCSU), desenvolvido em Natal, a partir de 1976, como experiência
77

pioneira no contexto brasileiro24. Durante anos, alvo de investimentos por parte dos
governantes do Rio Grande do Norte e mais precisamente de Natal, apesar do
projeto de participação comunitária implementado por intermédio do Centro Social
Urbano (CSU) ter sido apenas o ponto de partida para uma política muito mais
agressiva e ousada por parte dos governantes do grupo Maia nos anos seguintes.
Especialmente no que diz respeito ao aspecto da relação povo-governo, sintetizada
em um intenso trabalho de envolvimento e manipulação política nos bairros,
envolvendo entidades comunitárias.
Estes investimentos não acontecem por acaso, de forma desinteressada. Ao
contrário, para o poder local, o PNCSU se revela excelente oportunidade de
fortalecer a política clientelista, por dentro da lógica que transforma a prestação de
serviços em relação de favor, como sinaliza Nicolau (1984) ao se referir às práticas
desenvolvidas pelas unidades de Centros Sociais Urbanos:

[...] o Estado e os grupos dominantes desempenham sua prática


clientelística assumindo, diante da população, no interior da Sociedade Civil,
o papel de benfeitor. Como retribuição ao serviço prestado, os grupos
oligárquicos esperam que a população, transformada em clientela, expresse
seu agradecimento através do voto (p. 45).

Aliado a esse interesse de fortalecimento do clientelismo, identificamos ainda


como parte importante dos objetivos da então política de “integração social” das
cidades, uma atuação direta, quando não o controle, do Estado sobre as
organizações de moradores. Tal controle pode ser facilmente percebido pelo fato de
se condicionar, então, a implementação do Centro Social Urbano na cidade à
existência de um Conselho Comunitário, enquanto entidade representante dos
interesses da comunidade. A partir de então, o Conselho e toda e qualquer outra
entidade existente no bairro deveria atuar não apenas de modo estreitamente
atrelado ao CSU, como preferencialmente funcionar nas próprias instalações físicas
da unidade do Centro Social Urbano ali localizado.
Mais do que isso, o Estado, via PNCSU tinha como perspectiva, em casos de
inexistência de organização comunitária nos bairros, promover a sua criação através

24
A primeira unidade do CSU foi instalada no conjunto habitacional Cidade da Esperança, na zona
Oeste de Natal. Na análise de Fausto Neto (1993) a implantação de programas deste tipo em uma ou
outra localização dependia de um critério fundamental: o potencial de conflito representado pelos
usuários que não fossem atendidos ou a força social e política que poderia ser incorporada com seu
atendimento.
78

e em decorrência imediata da ação do Centro Social Urbano, ao qual a entidade já


nascia atrelada. Para nós, esta postura demonstra visivelmente a preocupação do
Estado em se antecipar à população, se julgado necessário, desde que pudesse
garantir, desse modo, seu controle e ação direta sobre as entidades de bairro
existentes. Nesse contexto, emerge a maior parte dos conselhos comunitários e
associações de moradores em Natal, denotando desde sua origem o controle ao
qual serão submetidas.
Este processo de criação de entidades “populares” pelo alto, através da
intervenção direta do Estado acontece no marcos do processo de intenso
crescimento urbano de Natal e de sua área metropolitana, com a constituição das
periferias urbanas, os processos de desfavelamento e de “modernização” da cidade.
Até o atual momento, em termos de sua urbanização, Natal vivenciou três momentos
históricos demarcados por Felipe (2010). Em sua abordagem, o geógrafo assegura
que o primeiro grande marco da modernização de Natal ocorre no final do século
XIX e início do século XX, quando políticas urbanas dotam a cidade de ruas
calçadas, saneamento, quando se verifica a chegada do bonde e da luz elétrica.
O segundo momento da modernização urbana de Natal ocorreu a partir de
1942, durante a Segunda Guerra, momento de sua história ao qual já fizemos
referência. E o terceiro momento desse processo de urbanização, ainda de acordo
com Felipe (Op. Cit), teve início no final dos anos 1960, com a chegada de recursos,
oriundos de programas de investimento urbano em capitais e cidades de porte
médio, destinados, em sua maioria, a projetos de transportes e de redes viárias.
As décadas de 1960 e 1970 são singulares para Natal. Neste período, a
cidade apresenta um crescimento de todos os indicadores utilizados para medir o
desenvolvimento dos centros urbanos no Nordeste, ao contrário da realidade que se
verificava nas demais cidades do estado do Rio Grande do Norte. Essa situação se
explica, em parte, pelo privilégio que Natal tem em relação aos demais centros
urbanos do estado (FELIPE, 2010), na absorção de recursos de programas
governamentais e de políticas voltadas para criar uma infraestrutura necessária à
industrialização. Este privilégio decorre não somente por ser Natal o centro
administrativo do estado, mas também pela presença de funcionalismo público
estadual e federal e das repartições militares.
A política de modernização conservadora da agricultura (mas não somente),
implementada pelos governos militares, figura como um dos principais
79

determinantes desse crescimento populacional. Com efeito, esta política privilegia


grandes latifúndios e grupos econômicos ao expropriar milhares de camponeses que
lutavam no pré-1964. Importante destacar: “[...] essas duas décadas [1960 e 1970]
prepararam o caminho para o crescimento, mas também para as dificuldades e os
problemas sociais de Natal na atualidade” (FELIPE, Op. Cit, p. 63).
Particularmente, a partir da segunda metade dos anos 70, do século XX,
ganharam mais visibilidade nas práticas e nos discursos dos governantes de Natal
as formas tradicionais de fazer política, baseadas na troca de favores e no
autoritarismo, assumindo, porém, uma forma renovada (OLIVEIRA, 2005), traduzida
e expressa, dentre outros aspectos, pelo início de um período marcado pela
hegemonia da família Maia – vinculada, enquanto força política, à oligarquia agrária
algodoeiro-pecuária. Esta assume a prefeitura de Natal e o governo do Estado do
Rio Grande do Norte, inicialmente por influência e indicação do Governo Militar, em
197525.
No início dos anos 1980 – mais precisamente em 1982 – ocorre a eleição
para governador do estado do Rio Grande do Norte, em um contexto nacional
marcado pela abertura democrática, em um momento de intensa disputa política no
estado. Por um lado, se configurava o retorno de Aluízio Alves ao cenário político do
Rio Grande do Norte, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e,
por outro, José Agripino Maia se consolidava como uma das maiores lideranças da
direita potiguar, pelo Partido Democrático Social (PDS), contando com o apoio das
organizações comunitárias (TRINDADE, 2004) e tendo vencido as eleições
estaduais de 1982.
Nesta mesma década, o governo do estado do Rio Grande do Norte cria a
Fundação Estadual do Trabalho e Ação Comunitária (FETAC) para assumir, além da
atividade de coordenação dos centros sociais, a atividade de “orientar e assistir” às
instituições sociais e a população despojada do atendimento às suas necessidades
mais básicas.
A Federação de Entidades Comunitárias e Beneficentes (FECEB) é
constituída igualmente para funcionar como entidade centralizadora da atuação dos
conselhos e associações comunitárias. Tem, então, sua sede no CSU e representa
a expressão mais concreta neste período do controle e da manipulação – inclusive

25
Vale lembrar que os prefeitos das capitais, nesse período, eram escolhidos pelos Governadores e,
estes, nomeados pelo Presidente.
80

formalizados – sobre o movimento e a organização de bairro em Natal. Como


destaca Andrade, tratava-se de promover a “organização” e a participação popular,
contudo, sem a presença dos moradores:

A tática da Federação [FECEB] era visitar os bairros, entrando em contato


com algumas lideranças comunitárias, principalmente aquelas que poderiam
ter possibilidade de envolvimento político. Nestas visitas, colocava-se a
necessidade de criar no bairro o Conselho Comunitário, marcando para
breve uma reunião para escolher a diretoria. A reunião era feita de imediato,
de forma a não dar espaço de tempo para ser difundida, no bairro, a notícia
da criação da entidade. Na reunião, geralmente com as poucas pessoas
que tinham sido contatadas anteriormente, eram indicados os nomes para
compor a diretoria e, através da coleta de assinatura dos presentes,
considerava-se a diretoria eleita. Os moradores do bairro, portanto, não
participavam do processo de criação do conselho e da eleição dos membros
da diretoria, e a grande maioria ignorava a existência da entidade (1996,
p. 146).

Com a intervenção mais explícita do Estado nessas entidades, começam a se


construir movimentos de oposição e de resistência a essa postura, datados deste
mesmo período histórico, aguçados a cada processo de eleição para a diretoria das
organizações, a exemplo das associações e dos conselhos de moradores. Estes
aspectos são importantes para a compreensão dos conflitos e caminhos percorridos
pelos movimentos urbanos de Natal.
Nacionalmente – de meados da década de 1970 até metade dos anos 1980 –
a arena política se complexifica à medida que novos sujeitos coletivos surgem e
apresentam demandas e reivindicações múltiplas e plurais. Neste momento, ocorre
um processo de “ressurgência da sociedade civil”. Vale ressaltar que tal processo de
ressurgimento de múltiplos movimentos sociais e de formas de organização26 se dá
imerso numa conjuntura de transição democrática lenta e gradual.
Assim, a década de 1970 e a metade da década de 1980 ficam marcadas
pelo ressurgimento dos movimentos sociais no cenário político nacional. Tais
processos se desenvolvem “[...] em concomitância com uma grande ‘crise’ expressa
pela recessão econômica, desemprego e agravamento da deteriorização das
condições de vida da maioria da população” (DURIGUETTO, 2007, p.170), levando
muitos analistas a classificar a década de 1980 como ‘a década perdida’.

26
Entre as amplas expressões de mobilização e organização popular deste período, tiveram
destaque as mobilizações promovidas pelos metalúrgicos do ABC paulista e a pluralidade de
reivindicações pautadas pelo movimento feminista, movimento homossexual, movimento negro, além
de diversos outros movimentos populares que emergiam naquele momento.
81

Porém, do ponto de vista das mobilizações sociais, esta foi uma década de
destaque, com amplas mobilizações e variadas manifestações democráticas e
populares. Nesse sentido, especialmente este período compreendido entre a
segunda metade da década de 1970 e os anos 1980 se constituiu, no Brasil, como
períodos de redemocratização e de ruptura com o regime estabelecido com o golpe
de 1964.
A segunda metade dos anos 1980 – se destaca como uma fase institucional
da participação popular. A sociedade brasileira vivenciava nesse momento, um
contexto de consolidação democrática27, no qual com uma crescente aproximação
dos movimentos sociais aos aparatos político-institucionais. O maior indicativo dessa
reorientação política no campo da ação coletiva foi o conjunto de esforços
empreendidos no processo de elaboração da Constituição 28 Federal de 1988,
através de abaixo-assinados, mobilizações, articulações nacionais e movimentos de
pressão popular para inscrever no texto legal todos os direitos negados durante os
governos militares.
As novas práticas coletivas são definidas por Luchmann e Sousa (2005) como
sendo os “novos instituintes” no contexto da luta pela consolidação democrática. O
termo é adotado pelas autoras no sentido de explicitar que o reconhecimento e
institucionalização do Estado de direito consistia na pauta central das lutas sociais,
na segunda metade dos anos 1980. Porém, para além da efetivação dos direitos
instituídos, a pressão popular objetivava também o estabelecimento de novos
direitos e a via percebida, para tanto, era a ampliação dos espaços de participação
social junto aos aparatos político-institucionais, possibilitando a intervenção direta
nas definições e encaminhamentos das demandas por políticas públicas.
Nessa fase, a perspectiva assinalada representa um forte indicativo na
redefinição da relação entre Estado e sociedade civil no Brasil, ao mesmo tempo em
que marca um momento de redimensionamento das ações e iniciativas dos
movimentos sociais. Anteriormente, tais ações eram reivindicativas ou ‘de rua’ e
passam a ser traduzidas em propostas políticas e encaminhadas aos espaços
institucionais.

27
Contexto iniciado a partir da eleição direta para presidente da República, em 1989, após décadas
de ditadura.
28
Embora a Constituição de 1988 decorra de uma década marcada pela transição dos regimes
autoritários para os governos ditos democráticos, seu processo de construção de forma alguma se
deu isento de grandes embates políticos.
82

Não obstante, Weffort29 (1984, p. 97) faz uma importante ponderação ao nos
lembrar que, apesar das tensões existentes entre estes diferentes modos de
participação popular, todos constituem parte essencial do jogo democrático e, em
muitos momentos, a articulação entre a participação popular direta nas ruas e
praças, e a participação popular em eleições, pode ser uma articulação decisiva
para os rumos do processo político, aliás, “[...] elimine-se um dos lados e todo o jogo
democrático acabará sendo suprimido”.
Nos anos 1990, diante do cenário da ofensiva neoliberal, no campo das lutas
sociais, configura-se um quadro de “descenso” e de crise, com relativo esfriamento
da atuação dos movimentos sociais, que anteriormente haviam crescido e chegado
ao auge em 1989, com a possibilidade das esquerdas vencerem as eleições
presidenciais, tendo Lula à frente de seu projeto político.
Não obstante, a vitória de Collor de Mello e a subsequente implantação das
políticas neoliberais, causando desemprego em massa na cidade e no campo e
abortando o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e, logo em seguida, o
governo de FHC representando a continuidade dessa política, de forma planejada e
convincente, provocaram entraves à ação dos movimentos sociais.
O governo Collor e os dois mandatos de FHC, marcados por políticas
regressivas e pelo desenvolvimento de ações de repressão às lutas sociais e a suas
representações mais fortes, a exemplo dos bancários e dos petroleiros, podem ser
vistos como grandes determinantes para o enfraquecimento dos movimentos
sociais, quiçá constituintes da mola-mestra a partir da qual desembocou a inflexão
dos movimentos sociais, neste período.
Duriguetto (2007) nos lembra que a noção de “refluxo” ou “crise” dos
movimentos sociais foi interpretada sob diferentes óticas. Para algumas leituras, a
ênfase dada aos canais institucionais implicou em uma gradativa adesão da
perspectiva reformista por parte de movimentos que antes tinham ideais
revolucionários; outras leituras apontam como determinante para a crise um
processo de submissão dos princípios democratizantes que caracterizaram as lutas

29
Sob pena de comprometermos a coerência teórica de nosso raciocínio, não poderíamos deixar de
registrar que no que se refere à abordagem de Weffort, embora este seja um autor bastante citado
quando se trata de elaborações sobre a democracia no contexto da transição, em suas formulações
não se faz presente a defesa de um projeto societário contra-hegemônico. Isso porque, para Weffort,
a possibilidade de uma suposta revolução estaria justamente (e estritamente) na ocupação dos
espaços institucionais democráticos, perspectiva da qual não compartilhamos.
83

nas décadas de 1970 e 1980 às reminiscências populistas como clientelismo,


corrupção e burocratismo.
Ainda de acordo com Duriguetto (Op. Cit), outras perspectivas entendem
como determinantes para a citada “crise dos movimentos sociais” tanto fatores
externos, como a ofensiva neoliberal, por exemplo, como também fatores internos,
tais como a dependência gerada em relação às assessorias e a
institucionalização/onguização gradativa das ações dos movimentos.
Há também outras análises, distintas destas, presentes na literatura
especializada sobre o tema, a exemplo das elaborações de Dagnino (1994), para as
quais na realidade houve uma redefinição da ação política dos movimentos diante
da nova conjuntura instaurada. Assim, “Nessas redefinições teóricas, estratégicas e
políticas, parece consensual a constatação de que o que está em ‘refluxo’ não são
os movimentos, mas suas expressões públicas de massa e reivindicativas mais
tradicionais” (DURIGUETTO, 2007, p. 168), embora não neguemos os novos
desafios de cunho teórico e prático postos atualmente à ação política dos
movimentos sociais, com base em novos determinantes presentes na cena política.
No contexto do final dos anos 1980 e inícios dos anos 1990, em Natal, há
continuidade ao estilo de governar de José Agripino Maia. O clientelismo e certo tipo
de populismo constituem a base da relação estabelecida com as lideranças e
organizações comunitárias: Vilma Maia – hoje chamada Vilma de Faria – segue
investindo no usual atendimento às demandas mais imediatas e à troca de favores
tanto com lideranças comunitárias quanto com representantes do legislativo.
Assume, então, a prefeitura de Natal (1989-1993), como legítima representante da
oligarquia Maia.
No âmbito do governo estadual, bem como no âmbito da gestão municipal da
capital potiguar, a oligarquia Maia opta pela realização de obras de grande impacto
como ação prioritária. O projeto de construção da Via Costeira 30, realizado pelo
Governo do Estado, e as obras de infraestrutura viária efetivadas pelo governo
municipal são exemplares deste período.
30
A Via Costeira é uma avenida beira-mar, com 12km de extensão, que liga a praia de Ponta Negra
às praias do Centro e ao bairro de Petrópolis. Representou um dos maiores investimentos públicos na
questão do turismo, o que na época de seu projeto inicial, provocou a reação de ecologistas,
moradores de conjuntos residenciais da zona Sul e diversos outros setores da cidade, gerando um
amplo movimento de repercussão na imprensa. Apesar disso, para construir esta avenida foi cortada
toda uma área de dunas e, atualmente, a grande parte dos hotéis da cidade estão localizados nesta
área, à beira-mar, o que tem gerado uma verdadeira privatização das praias ali situadas (DUARTE,
2011).
84

A política desta oligarquia se caracteriza, especialmente, pelas práticas


participacionistas, visando legitimar e consolidar o poder e o controle sobre as
organizações populares exercido por esta oligarquia, no sentido de reproduzir
amplamente a subalternidade da classe trabalhadora via prestação de serviços
precários, negação de direitos, cooptação e uso eleitoreiro de suas organizações,
incorporando e aprofundando a cultura política e as práticas predominantes na
história de atenção à pobreza de Natal.
O governo de Vilma Maia também cumpre com o papel de atualizar e adequar
as práticas políticas da oligarquia Maia ao contexto democrático. Para tanto, mescla
práticas autoritárias e discurso de defesa da participação popular. Expressão
autoritária de sua gestão a frente da prefeitura foi, segundo Oliveira (2005), o
ocorrido na política de saúde. Ao assumir a prefeitura em seu segundo mandato
(1997-2001), Vilma Maia proíbe a realização de eleições diretas para diretores de
unidades de saúde, substituindo os diretores diretamente eleitos por usuários e
servidores, por outros de sua confiança e predominantemente alheios à realidade da
unidade de saúde que passam a dirigir a partir de então.
No que diz respeito à relação estabelecida com as organizações comunitárias
dos bairros de Natal, são os próprios dirigentes comunitários do período que
costumam ressaltar a facilidade de acesso ao Executivo durante a administração de
Vilma Maia:

Com Vilma funciona normalmente, sem problema nenhum. Até porque, o


pessoal de Vilma, o staf de Vilma é um pessoal muito ligado às
organizações comunitárias [...] Todo o pessoal que trabalha com Vilma é
político. E Vilma já leva uma vantagem que foi ter sido secretária do
trabalho e bem estar social desse estado, tem um conhecimento. Vilma
conhece todas as lideranças comunitárias [...] Ela dá muito apoio às
lideranças comunitárias. Vilma talvez, em termos de políticos hoje no
estado, seja o político que dê mais condições de viabilizar projetos dentro
da comunidade. Apoio no sentido de facilitar acesso, o comunitário tem
mais acesso na administração de Vilma. Ela procura realmente entre os
membros do seu secretariado, procura que eles atendam às lideranças
31
comunitárias (OLIVEIRA, 1997 apud OLIVEIRA, 2005, p. 153) .

Por sua vez, Aldo Tinoco (PSB) à frente da prefeitura de Natal (1993-1996),
apesar de ter tido o apoio da então prefeita Vilma Maia à sua candidatura, não adota
a mesma relação no trato com as organizações comunitárias, numa tentativa de

31
Trecho transcrito da entrevista de Valdefran Pereira Câmara, concedida à autora em 19/02/1977,
durante a pesquisa de mestrado (OLIVEIRA, 1997).
85

ruptura com a prática anterior (OLIVEIRA, 2005). Chama-nos especial atenção,


dentre as ações que integraram a assistência social no município de Natal neste
período (diga-se de passagem: momento no qual Natal dava os primeiros passos no
processo de municipalização da política de assistência social), a chamada
“humanização e urbanização das favelas”, ação que consistiu no desenvolvimento
de dois projetos: “[...] um, a remoção de 60 famílias da favela bem-te-vi localizada no
centro da cidade para novas moradias na zona norte de Natal. A outra foi a
execução do projeto Habitar Brasil na favela da África [...]” (OLIVEIRA, Op. Cit, p.
162-163).
Dentre os aspectos importantes que caracterizam a Natal do início do século
XXI, Duarte (2011) destaca a consolidação da sua inserção – como núcleo central -
na complexa realidade metropolitana. Embora o processo de metropolização da
cidade e dos municípios do entorno tenha avançado significativamente desde os
anos 1980, somente no início da década de 2000 consolida-se uma situação de
verdadeira conurbação de Natal com o município de Parnamirim e o
transbordamento, em diferentes intensidades, no sentido de Macaíba, São Gonçalo
e Extremoz.
Configuram-se, assim, novos arranjos espaciais, redobrando a importância de
Natal no plano econômico e social no território potiguar. Atualmente, Natal possui
uma área territorial de 169, 9 Km2 e 803.811 habitantes. Seu território é organizado
politicamente em quatro regiões administrativas (Norte, Sul, Leste e Oeste) e 36
(trinta e seis) bairros.
Registramos ainda, nessa década, de acordo com Clementino e Pessoa
(2009), o surgimento de uma nova tipologia habitacional e de uma nova dinâmica de
produção imobiliária em Natal, inaugurada em um contexto de expansão do turismo,
atividade estimada como capaz de alavancar novos espaços e dinâmicas
econômicas.
As marcantes iniciativas governamentais deste período em termos de
infraestrutura, a exemplo da construção da nova ponte sobre o rio Potengi, da
duplicação da via costeira, da ampliação do porto de Natal, da reforma do aeroporto
para receber vôos internacionais e de outros investimentos públicos que
impulsionaram o crescimento metropolitano crescimento relacionam-se
notadamente, com a consolidação do turismo “sol e mar”, em Natal, a qual tem
efeitos visíveis sobre a ampliação do setor de serviços e do comércio. Para tanto, a
86

articulação das forças políticas locais no comando da capital e do estado, além do


apoio do governo federal constituem aspectos determinantes, como destaca
Duarte (2011):

Frise-se que a configuração política da época favoreceu esse movimento,


vez que os titulares dos Executivos da União, do Estado do RN e do
município de Natal, se encontravam do mesmo lado. Lembre-se que em
2001 ocorreu uma mudança de titularidade no Executivo Municipal, em face
do afastamento da então prefeita (Vilma Maia de Faria) para concorrer ao
cargo de Governadora, assumindo o município o vice-prefeito, Carlos
Eduardo Nunes Alves, que, após completar esse período de governo (2002-
2004), elegeu-se para uma nova gestão (2005-2008). No governo do
Estado, em 2002, Vilma de Faria elegeu-se governadora, se reelegendo
para um novo período (2006-2009); tendo, em seus dois períodos de
governo, o apoio do presidente Lula da Silva, também eleito e reeleito nas
mesmas ocasiões (p. 357).

Além de destacar-se como um dos fortes vetores que determinam a expansão


metropolitana de Natal, a partir de 2004, o turismo passa também a se associar
fortemente ao mercado imobiliário e à construção civil (SILVA, 2010). Produz-se,
então, uma dinâmica explicitada por “[...] processos de segmentação social que
separam as classes e grupos sociais em espaços de abundância e da integração
virtuosa e em espaços de concentração da população vivendo em múltiplos
processos de exclusão social” (CLEMENTINO, 2009, p. 07).
A reprodução da pobreza e da desigualdade social em Natal é abordada em
estudos do Grupo de Pesquisa Trabalho, Ética e Direitos (Departamento de Serviço
Social da UFRN), que chamam a atenção para o perfil da população atingida pela
desigualdade social nessa cidade. Esta conta com forte presença de crianças e
jovens e apresenta uma pobreza articulada à discriminação por raça/etnia, gênero,
condição física, local de moradia e diversas outras formas de negação de direitos.
Os dados da pesquisa supracitada Ilustram bem essa realidade, ao
apontarem que, dentre a população pesquisada, 71,27% afirmaram desconhecer
qualquer ação de governo na localidade e em 54,06% dos domicílios as pessoas
asseveraram não receber nenhum serviço ou benefício do governo; dentre os que
recebem algum benefício, o Programa Bolsa Família destaca-se como mais citado.
Do ponto de vista dos sujeitos pesquisados, destacam-se em Natal duas
grandes questões que deveriam ser objeto de maior atenção por parte do poder
local: a violência, o consumo e o comércio de drogas e ainda a falta de segurança
pública. No tocante às demandas direcionadas aos governos, a prioridade da
87

população concentrou-se principalmente sobre a infraestrutura urbana, assistência à


saúde, geração de emprego e políticas públicas.
Apesar das desigualdades e das demandas identificadas, dados oficiais do
Instituto de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte (IDEC) evidenciam
a realidade de um município com expressivo crescimento econômico, com destaque
para a atividade turística, ao ponto de ser considerado “o tigre nordestino”, em
alusão aos países asiáticos que se destacaram por um crescimento expressivo na
economia mundial.
Na análise do Grupo de Pesquisa Trabalho, Ética e Direitos, o processo de
urbanização de Natal, no caso específico das áreas periféricas, “[...] caracteriza-se
por um urbanismo sempre incompleto e marcado pela 'inseguridade', seja do
terreno, da construção ou da condição jurídica da posse do território” (OLIVEIRA;
MOREIRA, 2010, p. 236).
O processo de urbanização e de empobrecimento urbano em Natal se
explicita também na existência de 70 (setenta) favelas distribuídas em suas regiões.
A quantidade de favelas existentes não tem se alterado no último período, porém,
verifica-se que há um gradativo crescimento do número de pessoas vivendo nesses
espaços e dos casos de coabitação, assim como o número de loteamentos
irregulares presentes na cidade.
Ademais, a distribuição das favelas segundo as regiões da cidade expressam
que as regiões Norte e Oeste são as que possuem o maior número de favelas, o que
corresponde, respectivamente, a 20 (vinte) e 22 (vinte e duas) favelas, isto é, 60%
do total. Enquanto a região Sul possui 11 (onze) favelas e a região Leste 17
(dezessete) favelas (OLIVEIRA, 2005).
A condição da pobreza em Natal não é dissonante do elevado índice de
pauperização existente na região Nordeste, em sua conhecida maior concentração
de pobreza em relação às outras regiões do país. Insistimos, porém, que a realidade
social de Natal, em seu complexo quadro de desigualdades explicitadas nos dados e
nas condições de seus bairros periféricos é, em larga escala, invisibilizada. Em
verdade, como assegura França (2012, p. 01), “[...] não estão ao alcance dos olhos
dos seus visitantes nem dos nativos mais segregados”. Especialmente porque, na
categorização do autor, em Natal, coexistem três cidades: a cidade dos pobres, a
cidade dos arremediados e a cidade dos ricos.
88

Nessa mesma direção, Pedro Lima (2002, p. 149) entende Natal como uma
cidade dividida a partir do estuário do Rio Potengi, posto que “[...] enquanto Natal se
desenvolvia como uma cidade legal e provida de serviços e equipamentos urbanos,
em ambas as margens do rio Potengi uma outra cidade clandestina e pobre também
se desenvolveu”, revelando também que as contradições do espaço urbano de Natal
se expressam e se particularizam em determinadas regiões e bairros.
Nestes espaços está colocado de forma evidente o cotidiano da pobreza
constituída nesta cidade e, como não poderia deixar de ser, demanda processos
organizativos e de mobilização popular, nos quais e a partir dos quais haja mais
visibilidade da principais questões que afetam a população urbana da cidade,
necessitando, portanto, serem problematizadas e politizadas, questões estas
intrinsecamente ligadas ao seu território.
Neste quadro, precisamente, tem lugar a emergência dos movimentos sociais
com seus diferentes sujeitos, a partir dos quais se adensam as lutas urbanas em
Natal, objeto de reflexão e de análise no presente estudo.
Buscamos em nosso processo de pesquisa discutir o fenômeno das lutas
urbanas particularizado nas experiências organizativas do Movimento de Lutas nos
Bairros, Vilas e Favelas (MLB), da Associação Potiguar dos Atingidos pelas Obras
da Copa (APAC) e do Levante Popular da Juventude32 (LPJ), organizados,
sobretudo, na zona oeste da cidade de Natal-RN, entendido como uma das faces
que constituem a questão urbana.
O caminho adotado para tanto pressupõe que “[...] a compreensão dos
projetos político-ideológicos dos movimentos passa pelo entendimento da
composição de seus quadros dirigentes” (GOHN, 2005, p. 39-40), bem como supõe
certamente a apreensão das bandeiras de luta que têm se constituído como frentes
de atuação dos movimentos locais.

32
Em específico com relação ao Levante Popular da Juventude, importante dizer que este movimento
não é exclusivamente da cidade, na medida em que se organiza a partir de três campos de atuação:
a) no meio estudantil secundarista e universitário; b) nas periferias dos centros urbanos e c) nos
setores camponeses. Em Natal, o Levante Popular da Juventude está presente na UFRN, nas
faculdades privadas (em ambos os casos atuando no movimento estudantil) e no bairro de Felipe
Camarão. Esta forma de organização demonstra a concepção do movimento em relação ao trabalho
com a juventude, para o qual embora existam especificidades que particularizam a organização da
juventude no movimento estudantil, na periferia e no campo, estas se complementam e devem ser
construídas de forma articulada, concepção com a qual temos total acordo. Entretanto, dado nosso
objeto de estudo e as finalidades da presente pesquisa, no que se refere ao Levante Popular da
Juventude, nossa investigação se concentrou junto à célula Peixe-Boi (bairro de Felipe Camarão), por
esta aglutinar e organizar a juventude da periferia urbana de Natal.
89

3.3 Quem traz na pele essa marca: caracterização dos(as) dirigentes


entrevistados(as)

Muitas das construções políticas dos movimentos sociais e das suas ações
cotidianas são impressas e influenciadas diretamente também pelo perfil assumido
pelos seus dirigentes, não apenas no que se refere às suas posições político-
ideológicas, mas também à própria realidade de vida na qual este dirigente está
inserido, relacionadas, por exemplo, ao gênero, à faixa etária, à raça/etnia,
escolaridade, religião, trabalho, tempo de militância em espaços coletivos, filiação
partidária ou não e as condições e motivações que proporcionaram sua aproximação
ao movimento.
Implica considerar a ação política dos movimentos sociais e das organizações
populares de Natal como uma realidade que é vivenciada e apresentada na
consciência de seus militantes e, por isso mesmo, expressa no perfil de seus
dirigentes e nos seus discursos teóricos e ideológicos.
Implica igualmente ter a clareza de que tal ação política é socialmente
determinada pelas circunstâncias sociais objetivas, que independem da vontade ou
da consciência de seus dirigentes e militantes individuais, podendo inclusive ocorrer
um desencontro entre as intenções dos dirigentes, a ação realizada pelos
movimentos e os resultados produzidos, especialmente porque a organização
política, tal como os demais processos desta sociabilidade, é necessariamente
polarizada pelos interesses das classes sociais, não podendo ser apreendida fora
desta trama.
Como decorrência deste entendimento, é possível afirmar que os rumos da
ação política dos movimentos urbanos em Natal não decorrem exclusivamente das
intenções dos militantes uma vez que suas intervenções sofrem condicionamentos
objetivos do contexto onde atuam. No entanto, isso não significa que estes se
coloquem passivamente diante das situações sociais e políticas que configuram o
cotidiano do movimento social. Ora, eles podem perfeitamente definir estratégias e
táticas políticas no sentido de reforçar os interesses do projeto ao qual defendem e
se opor a projeto e ações que contrariem os interesses de sua classe, procurando
incidir na realidade.
90

Assim, no esforço de caracterizar quem são os sujeitos dirigentes dos


movimentos e das organizações objetos de nosso estudo, nos deparamos com uma
realidade na qual, dentre os sujeitos de pesquisa, três das lideranças entrevistadas
são homens e duas lideranças são mulheres, uma realidade não tão destoante do
que se verifica comumente nos movimentos populares: a grande parte dos
cargos/tarefas de direção em movimentos e organizações populares é ocupada por
homens, enquanto as mulheres estão exercendo cargos de direção na minoria dos
casos. As exceções acontecem principalmente quando se tratam de mulheres
jovens, de uma nova geração de militantes (18 a 25 anos)33.
Esta dificuldade ou muitas vezes a ausência total de mulheres compondo a
diretoria e especialmente o cargo de presidente das organizações, é sintomático da
manutenção de interdições à participação política das mulheres, expressa na
pequena inserção destas nos espaços políticos de decisão e nas direções de
movimentos sociais. Tal aspecto permanece sustentando a reprodução da
dominação patriarcal, no reforço às relações desiguais de gênero.
Uma iniciativa importante é encontrada na Associação Potiguar dos Atingidos
pelas obras da Copa (APAC), uma das entidades que conta com uma mulher no
cargo de presidente. Neste caso, seus dispositivos estatutários tratam da paridade
entre homens e mulheres na composição da diretoria da organização. Participamos
da Assembléia de moradores que deu origem a APAC, realizada em 10 de dezembro de
2011 (em referência ao Dia Internacional dos Direitos Humanos), no bairro Bom Pastor,
ocasião na qual nos foi possível observar o quanto a presença do movimento feminista da
cidade nesse espaço foi fundamental para que o estatuto da entidade incorpore esse
aspecto da dimensão de gênero, proposta, aliás, originária das feministas ali presentes,
organizadas no Coletivo Leila Diniz/Articulação das Mulheres Brasileiras (AMB).
A ausência ou participação limitada das mulheres no exercício da política e da
militância decorre, em grande medida, dos estigmas e estereótipos criados em torno
da mulher, na visão tradicional e conservadora de sua inserção na sociedade,

33
O fetiche da quantificação (como resolvemos denominar aqui) poderia nos levar ao equívoco de
querer transformar todas as informações do perfil das lideranças em dados a serem expressos em
gráficos e tabelas, supondo com isto tornar a análise “objetiva” e “observável”. De fato, chegamos
bem perto de cedermos aos encantos de tal concepção positivista de fazer pesquisa e nisto reside
nossa autocrítica. Contudo, considerando que estamos trabalhando com um número bastante
pequeno de entrevistados (apenas cinco) nos convencemos do contrário a tempo e optamos por
discutir o presente item sem recorrer ao uso dos gráficos e tabelas. Não por uma recusa formal. Mas
de compreensão teórico-metodológica: entendemos – agora sim – a incoerência de mobilizar tais
recursos quando estes não trazem nenhum acréscimo ao que o texto já demonstra. Em outros
momentos de nosso trabalho, por sua vez, quando julgado necessário, adotamos os recursos citados.
91

profundamente enraizados na nossa realidade social. Assim, no cotidiano da


organização política, as mulheres se defrontam com os denominados tetos de vidro
que, embora não sejam de todo perceptíveis, se materializam e se apresentam, sob
distintos formatos, no intuito de bloquear o movimento de atuação das mulheres nos
espaços públicos e no mundo da política.
No caso dos movimentos urbanos, particularmente, a reduzida presença de
mulheres na direção dos movimentos não corresponde à participação majoritária
que estas apresentam em relação aos homens no que diz respeito às atividades e
lutas organizadas pelo movimento, conforme têm indicado pesquisas como a de
Calió e Lopes (1993) e Lavinas (1997).
Afinal, analisam as pesquisadoras, as mulheres além de responsáveis pela
reprodução da força de trabalho no que diz respeito especialmente à criação dos
filhos e à manutenção da casa, é ainda tida como a responsável pela participação da
família nas lutas do bairro, haja vista tais lutas pautarem predominantemente
questões tradicionalmente entendidas como de responsabilidade da mulher por se
tratarem de reivindicações relacionadas diretamente com a sobrevivência da família
no espaço privado e no limite do bairro. A obtenção de água, por exemplo, facilitará
o trabalho de lavagem de pratos e roupas; a conquista de escolas e creches,
equipamentos coletivos básicos, destaca-se como uma preocupação importante
para efetivação do direito à educação das crianças, etc. Estes e tantos outros
exemplos fazem com que algumas estudiosas desse temário compreendam o bairro
como uma espécie de lar expandido para as mulheres:

Envolvidas com a sobrevivência do cotidiano da família (as mulheres)


acabam se convertendo em gestadoras da configuração urbana. Reunindo
as famílias, as vizinhanças, estabelecendo relações de solidariedade mútua,
convertem o bairro no espaço ampliado de trabalho doméstico,
coletivizando carências e necessidades. Dessa forma, elas têm estado
presentes nos momentos-chave dos chamados processos de consolidação
urbana; na luta pela moradia, pelos serviços básicos, pelos equipamentos
sociais, pela melhoria do meio ambiente. Organizadas reivindicam-se
autoras e produtoras do seu entorno físico, social, ambiental. Trazem à
ordem do dia a importância de políticas públicas que incorporem suas
necessidades cotidianas [...] (CALIÓ e LOPES, 1993, p. 16).

No que diz respeito à escolaridade dos(as) dirigentes, é predominante


aqueles com nível médio e/ou superior, o que demonstra como o processo de
escolarização tem, de alguma forma, influência na formação das lideranças dos
movimentos sociais. De modo geral, há uma tendência a que as lideranças dos
92

movimentos urbanos tenham maiores níveis de escolarização, de formação e


também de informação, o que em grande medida justifica a escolha destes e parte
da legitimidade adquirida no seio de sua comunidade. Trabalhamos ainda com a
pressuposição de que, dialeticamente, o envolvimento político e a militância também
são fatores que incentivam e potencializam a preocupação com os estudos e a
decorrente escolaridade.
Importante ressaltar, entretanto, que este perfil não corresponde a uma
realidade passível de ser estendida ao contexto nacional, pelas particularidades
próprias dos movimentos com os quais estamos trabalhando (históricas e sócio-
espaciais). Algumas pesquisas, tendo por objeto de estudo a realidade dos
movimentos urbanos de outras cidades, têm constatado um perfil similar, no qual a
maioria das lideranças apresenta escolaridade entre o nível médio e superior (Cf.
SANTOS, 1995). Outras pesquisas, por sua vez, têm indicado, em outros contextos
sócio-territoriais, a existência de um perfil diferenciado de lideranças e dirigentes de
associações comunitárias. Neste último caso, a constatação é da existência de um
nível de escolaridade baixo, predominando o ensino fundamental incompleto (Cf.
DURIGUETTO et all, 2009).
Ao colocarmos em evidência as informações referentes à
profissão/ocupação, procurando relacioná-las com a renda mensal da família,
identificamos elementos da caracterização dos dirigentes dos movimentos sociais
urbanos que vêm de encontro ao alerta de Kowarick (1979), para o qual ao contrário
do que muitos pensam, os bairros mais pobres da cidade ou mesmo as favelas, não
concentram uma população com característica de lumpen34.
Dentre as lideranças entrevistadas, predomina a presença de estudantes e de
trabalhadores assalariados, com uma renda familiar mensal entre três e quatro
salários mínimos. A deterioração salarial é um dos componentes que expressam as
feições assumidas pela exploração capitalista, acrescida das condições e

34
Seguem alguns trechos e passagens nos quais Marx esboça uma definição para lumpen: 1)
“Lumpenproletariat: Ao pé da letra: proletariado em farrapos. Elementos desclassificados, miseráveis
e não organizados do proletariado urbano” (MARX e ENGELS, 2001, p. 108); 2) “Lado a lado com
roués decadentes, de forma duvidosa e de origem duvidosa, lado a lado com aventureiros rebentos
da burguesia, havia vagabundos, soldados desligados do exército, presidiários libertos, forçados
foragidos das galés, chantagistas, saltimbancos, lazzarani, punguistas, trapaceiros, jogadores,
maquereaus (alcoviteiros), donos de bordéis, carregadores, literati, tocadores de realejo, trapeiros,
amoladores de faca, soldadores, mendigos – em suma, tôda essa massa indefinida e desintegrada
[...]”(MARX, 1986, p. 71) e 3) “Abstraindo vagabundos, delinquentes, prostitutas, em suma o
lumpemproletariado propriamente dito (..)” (MARX, 1988b, p.199).
93

possibilidades de acesso aos demais componentes básicos para a reprodução da


força de trabalho, embora seja verdade que não acreditamos em nenhuma
linearidade e relação imediata entre precariedade das condições de vida e o
surgimento de movimentos e lutas sociais.
Os resultados da nossa pesquisa reforçam, nesse sentido, a intrínseca
relação entre condições de vida na cidade e precariedade dos salários da parcela da
sociedade que habita os bairros populares de Natal. Condições de vida estas que,
não por acaso, apesar de dependerem de uma série de fatores, têm na dinâmica
das relações de trabalho um aspecto primordial.
Daí considerarmos absolutamente coerente a perspectiva que entende que os
novos eixos de conflito e suas novas formas de organização e expressão sociais,
dentre as quais estão situados também a questão urbana e os movimentos sociais
urbanos, nada mais são do que distintas manifestações da contradição capital-
trabalho. Aliás, contradição fundante desta sociedade, reafirmada pela pobreza
urbana e por seus desdobramentos. Pouco importa que as lutas urbanas estejam
organizadas em torno de demandas pontuais, se na realidade isto não nos permite
negar a vinculação de tais demandas à lógica de produção capitalista. Outrossim, tal
vinculação quer dizer também quão indispensável se coloca a articulação entre
movimentos urbanos e os movimentos sociais ligados à produção, tendo em vista a
ampliação do horizonte político destes movimentos. Com efeito, a questão urbana e
todos os elementos básicos para a reprodução da força de trabalho que a envolvem
“[...] terá um encaminhamento na medida em que movimentos populares urbanos
conectados à luta que se opera nas esferas do trabalho35 puserem em xeque a
forma do domínio tradicionalmente exercido [...] (KOWARICK, 1979, p. 74).
Os dados referentes ao tempo de participação no movimento e à participação
em algum outro espaço de organização coletiva, anterior ao movimento urbano, por
parte dos(as) militantes pesquisados(as), revelam não apenas o quanto estes
movimentos são recentes na história da organização popular da cidade de Natal – a
maioria existe há menos de 02 (dois) anos – como também quão jovem a militância
organizada nestes movimentos; são, em sua maioria, sujeitos que apenas
recentemente passaram a intervir no mundo da política, tendo os movimentos

35
Grifo nosso.
94

urbanos aqui estudados como seu primeiro canal de participação coletiva, o que
certamente influi no nível de politização destes dirigentes.
Nos casos em que foram citadas esferas de ação coletiva anteriores,
destacou-se a experiência construída no movimento estudantil (ME) secundarista e
universitário, via participação em grêmios estudantis e centros acadêmicos de suas
respectivas unidades de formação. De fato, o movimento estudantil possui
inegavelmente um caráter de espaço formador de militantes; a condição transitória
de estudante possibilita aos militantes do ME, posteriormente, desenvolverem suas
potencialidades de atuação política, em outros espaços e segmentos organizados
(Cf. GUIMARÃES, 2011a). Aqui, porém, chamamos ainda a atenção para a
especificidade dos movimentos estudados. Pesquisas sobre movimentos de bairro
ou comunitários, distintas da que ora apresentamos, destacam principalmente a
Igreja Católica como a sendo a primeira esfera de participação coletiva para a
maioria das lideranças de movimentos urbanos e organizações populares, seguida
pelos partidos políticos e, em menor proporção, os sindicatos e o movimento
estudantil (Cf. SANTOS, 1995).
Doravante, em nossa pesquisa de campo constatamos que dos 05 (cinco)
dirigentes entrevistados, 03 (três) deles possuem filiação a Partido Político, com
destaque para o Partido Comunista Revolucionário36 (PCR) e o Partido dos
Trabalhadores (PT). Este é um dado que nos parece importante principalmente
porque pode sugerir influência de partidos políticos nas práticas dos movimentos e
organizações populares de Natal, cabendo-nos problematizar esta relação, entre
estas duas categorias de sujeitos coletivos, embora a vinculação de dirigentes de
movimentos urbanos a partidos políticos não seja de forma alguma uma
particularidade da organização política local. Ao contrário, entre as principais
especificidades dos movimentos sociais latino-americanos está justamente o fato
dos partidos políticos terem clara atuação junto aos movimentos sociais em geral,
até porque muitos militantes dos movimentos são, também, militantes partidários
(GOHN, 2007).
Diversos estudos têm apontado para a presença dos partidos políticos no
cotidiano dos movimentos sociais e das organizações populares, com ênfase para o

36
O PCR é um partido ainda não legalizado que foi fundado em 1966, por um grupo de militantes
egressos do PCdoB que divergiam dos rumos que o partido trilhava. Seus princípios ideológicos
baseiam-se no marxismo-leninismo e, atualmente, a atuação do partido divide-se entre movimento de
bairro, sindical e estudantil (PCR, 2013).
95

movimento sindical e para o movimento estudantil, considerados prioritários pelos


partidos de esquerda (SANTOS, 1995). Tal prioridade deve-se ao fato desses
movimentos constituírem espaços estratégicos para a intervenção dos partidos
políticos, haja vista a capacidade que possuem para organizar respectivamente a
classe trabalhadora e a juventude. Não podemos olvidar que os movimentos sociais,
assim como os partidos, constituem espaços de formação e de organização política,
certamente de natureza diferente, mas de importância inconteste.
Nessa perspectiva, as diferentes correntes partidárias da esquerda brasileira
têm priorizado a aproximação com os movimentos sociais, ao mesmo tempo em que
muitos militantes de movimentos sociais são, também, militantes partidários, o que
faz com que se estabeleça uma relação extremamente dinâmica e, em vários
momentos, também tensa, entre movimentos sociais e partidos.
No caso particular do PT, sua relação histórica com os movimentos sociais é
amplamente conhecida. Com efeito, o partido se construiu e cresceu no diálogo
frequente com os segmentos organizados na sociedade, produto do próprio contexto
político da década de 1980 - período em que este foi criado – apresentando
características de um partido que se diferenciava da esquerda tradicional. Todavia,
pesquisas recentes37 têm indicado, por exemplo, a existência de pelo menos duas
avaliações diferenciadas dessa relação, atualmente, por parte dos movimentos
sociais: uma que defende ter havido maior abertura democrática na relação entre o
governo (PT) e as instâncias coletivas e outra argumenta que somente àquelas
entidades/organizações em sintonia com o projeto político do governo têm espaços
e financiamentos garantidos.
Não consideramos, apesar disso, ser o dado de filiação ou não a partidos
políticos suficiente para caracterizar a relação destes com os movimentos
pesquisados. Principalmente porque a não filiação das lideranças, por si só, não
significa ausência de influência da linha político-ideológica dos partidos na atuação
dos movimentos sociais e também porque, além disso, a vinculação partidária da
militância dos movimentos sociais nem sempre é publicamente explicitada.
Ao nos remetermos às motivações dos dirigentes entrevistados para a
participação e a construção do movimento urbano, nos foram apresentados distintos

37
Como exemplo de uma investigação local sobre o tema, podemos citar a pesquisa “O perfil ético-
político dos Movimentos Sociais e das Organizações Não-Governamentais em Mossoró-RN”.
Resultados publicados em: QUEIROZ, F.M de; RUSSO, G.H.A; RAMOS, S.R (orgs). Serviço Social
na contra corrente: lutas, direitos e políticas sociais. Mossoró-RN: Edições UERN, 2010.
96

processos de inserção no campo da ação coletiva, nos induzindo a conceber o


fenômeno da consciência como um movimento e não como algo dado. Com efeito,
em meio a impasses e superações, a consciência vai amadurecendo e transitando
por diversos momentos, o que atesta a não linearidade característica deste
fenômeno:

No decorrer da luta, umas vão desistindo, por seus motivos vão


abandonando a luta, mas tem muitas que ficam... e outras que vão se
chegando depois, pra se somar com a gente... (MLB 2).

Podemos, assim, entender que o processo de construir-se sujeito político


militante apresenta-se ceifado de contradições e movimentos nem um pouco
retilíneos ou mecanicamente definidos. É por partirmos deste entendimento que nos
posicionamos em desacordo com as conclusões expressas por Jacob Gorender
(1999). O “seu” marxismo sem utopia situa a classe trabalhadora como sendo
ontologicamente reformista, isto é, aos trabalhadores interessaria o recebimento de
seus salários e o pagamento de suas contas, mas não uma revolução socialista.
Por outro lado, também reconhecemos uma boa dose de exagero na
afirmação de Lukács (2005), segundo a qual todo trabalhador é, em si mesmo, um
marxista ortodoxo. No que diz respeito ao processo de consciência, corroboramos
com o entendimento de Iasi (2011, p. 126) para quem “[...] os trabalhadores não são
em si mesmos nem reformistas natos nem revolucionários por natureza” isto é,
sendo a consciência política construída e reconstruída, não pode ser previamente
categorizada como ontologicamente revolucionária ou, na mesma lógica, como
ontologicamente reformista.
Entender os mecanismos através dos quais os sujeitos explorados-dominados
se constroem e se apresentam como sujeitos históricos conscientes da necessidade
da ação coletiva e, principalmente, como se colocam em luta a partir disso, é
fundamental para todos aqueles(as) que se ocupam das questões referentes à
transformação da sociedade.
Nossa pesquisa de campo indicou principalmente a necessidade como um
elemento indispensável para viabilizar a construção coletiva, evidenciando que a
busca por suprir as necessidades humanas, nas mais diversas dimensões da vida,
97

apresenta-se como uma das determinações fundamentalmente capazes de levar os


indivíduos a se agruparem coletivamente para a luta política:

Sou atingida pelas desapropriações que serão promovidas para a


execução das obras de mobilidade para a copa 2014 (APAC).

Pela minha vivência... eu morar na periferia, isso me faz sentir a


necessidade de estar organizada, de tá construindo isso com a juventude...
e também foi o compromisso com os jovens que são filhos da classe
trabalhadora, que serão futuramente classe trabalhadora, que hoje têm
diversas dificuldades dentro da sociedade... (LPJ 2).

Por eu morar numa casa, mas eu ter a necessidade de garantir que ela
fosse minha, eu precisei morar numa ocupação, em um barraco de taipa,
porque aí eu tinha certeza que ia lutar e que quando a casa fosse
conquistada eu ia parar de ter que pagar pra cuidar de uma casa que era de
outra pessoa. Porque esse é o objetivo do aluguel: a gente pagar pra tomar
conta de algo que não é nosso. Era pra ser o contrário. Se o proprietário
não quer que ninguém deprede, ele pague a uma pessoa pra morar na casa
dele (MLB 1).

O motivo pelo surgimento do MLB se deu pela necessidade das famílias


conquistarem uma moradia digna, já que por sua vez esse é um direito
garantido pela constituição brasileira. Mas só que a gente não tem visto no
dia-a-dia um esforço de nossos governantes pra que essa vontade política
saia do papel. Então, a partir daí, o movimento surgiu né? E as articulações
foram surgindo cada vez mais forte. Hoje é um movimento nacional que tem
12 anos de luta em todo o país. Temos trabalho em 14 estados do nosso
país (MLB 2).

Os estudos de Ramos (2002) consideram ainda, para além da necessidade, a


consciência e a vontade como elementos indispensáveis para viabilizar a construção
coletiva. A consciência, que projeta e constrói alternativas para tal objetivo, figura
como elemento importante neste processo, respeitados aí os diversos momentos do
processo de sua elaboração, vivido subjetivamente por cada indivíduo na trama de
relações em que constrói sua concepção de mundo. A vontade destaca-se como
outro elemento capaz de impulsionar a ação coletiva, embora obviamente não se
trate de uma vontade desconectada das condições materiais concretas em que o
indivíduo está inserido. Estes três elementos (necessidade, consciência e vontade)
constituem, dentre outros, grandes impulsionadores da ação coletiva e do processo
de consciência de classe, ainda que tais elementos reunidos não indiquem
necessariamente e imediatamente a pronta mobilização para a ação coletiva.
Finalmente, podemos dizer que os perfis e trajetórias das lideranças de
movimentos sociais são bastante distintos, posto tratar-se de um perfil que vai
socialmente e historicamente se modificando, inclusive variando de território para
98

território, ainda que datado de um mesmo tempo histórico. No esforço de analisar o


perfil encontrado em Natal, compreendido em suas particularidades, mas também de
nos apropriarmos de outros estudos que também caracterizam as lideranças dos
bairros, identificamos um traço em comum fundamental, presente nos mais
diferentes perfis que tivemos acesso: predomina, sem dúvidas, uma renda familiar
baixa (em geral de até três salários mínimos) e, em larga escala, estes sujeitos estão
precariamente inseridos no mundo do trabalho.
Assim, é preciso ultrapassar a análise do perfil dos dirigentes em si mesmo
para situar a ação política dos movimentos urbanos no contexto de relações mais
amplas que constituem a sociedade capitalista 38, particularmente, no âmbito das
desigualdades e resistências expressas na Questão Social e suas manifestações,
em múltiplas dimensões. Essas dimensões estão presentes no cotidiano dos
movimentos sociais, condicionando-os e atribuindo-lhes particularidades ao seu
modo de organização, mobilização e atuação.
A ação política dos movimentos sociais e organizações populares somente
pode ser desvendada em sua inserção na sociedade, ou seja, a caracterização e
análise do perfil dos(as) dirigentes, em si mesmas, não permitem desvendar a lógica
no interior da qual demandas, bandeiras de luta e posições e ações políticas
ganham sentido.

3.4 Bandeiras de luta e frentes de atuação dos movimentos sociais em Natal

Apreender a atuação política de movimentos como o MLB, a APAC e o


Levante Popular da Juventude requer entendermos o momento em que estes são
articulados e organizados, e a dinâmica das lutas que realizam a partir daí.
Entender, portanto, em torno de quais pautas estes movimentos se encontram
organizados na atualidade significa apreender um dos aspectos que conformam os
seus projetos de ação, na medida em que estas pautas direcionam e sinalizam
horizontes políticos para a atuação dos movimentos. Requer assim, entendê-los
circunscritos em um contexto sócio-histórico determinado, com características mais

38
Toda a discussão que temos construído no presente trabalho acerca dos fundamentos teórico-
analíticos para a compreensão dos movimentos sociais e em relação à questão urbana na dinâmica
de reprodução capitalista, bem como a caracterização da cidade de Natal enquanto cenário na qual
se materializam as lutas urbanas que estamos analisando pretendem cumprir este papel.
99

gerais, no caso, da realidade brasileira, e particularidades próprias à realidade


potiguar e natalense.
As relações de poder econômico e político-cultural estabelecidas em Natal
não apenas reafirmam a existência e radicalidade da forma que têm assumido as
desigualdades sócio-espaciais no âmbito desta cidade, mas também cedem lugar a
um cenário de luta e resistência no qual a bandeira de luta pelo direito à cidade se
destaca como representativa.
Na realidade local, esta luta assume uma dimensão de centralidade na
reivindicação pelo direito à moradia, conforme atesta a atuação do Movimento de
Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), articulado em Natal desde abril de 2004 39,
especialmente na região oeste da cidade, sinalizando a partir daí para novas
dimensões na trajetória de luta e organização popular relativas à questão urbana.
Pautar centralmente a questão da moradia em Natal configura-se como uma
forma de reação às condições de moradia, ou mesmo à ausência total destas, objeto
de denúncias dos movimentos locais, da qual é ilustrativa a ‘Carta de
Esclarecimento à Luta’ divulgada pelo MLB, em abril de 2012:

[...] No Rio Grande do Norte, temos hoje cerca de 130 mil famílias sem-
teto, onde 70 mil só na grande Natal e na Capital dos Magos temos 30 mil
famílias sem teto. Mesmo com essa realidade o governo do Estado esse
ano deixou de construir 1.200 casas em Natal com o argumento de que não
tinha terreno. Na verdade o governo do Estado não vem priorizando a
construção de moradia, pois dinheiro para garantir a construção do Estádio
Arena das Dunas não só teve recursos como empenhou vários bens do
Estado, inclusive terrenos em áreas consideradas de classe média [...]
Enquanto isso a prefeitura de Natal vem tratando o assunto sem
compromisso, pois há 3 anos 350 famílias estão acampadas na Ocupação
Anatália de Sousa Alves um terreno da Prefeitura e só dependemos de uma
carta de anuência para o MLB dar inicio a construção de 750 unidades
habitacionais, até a data de hoje nada foi feito [...] Temos um déficit de 30
mil famílias que corresponde hoje a cerca de 120 mil pessoas numa cidade
de 900 mil habitantes. Falta uma política de habitação séria comprometida
com o povo pobre de nossa cidade (MLB, 2012, s/p).

O foco na questão da moradia posto pelas reivindicações e lutas urbanas não


consiste em acaso. Afinal, de fato o universo da moradia precária – ou da ausência
mesmo de moradia – figura como dimensão estratégica das condições de vida dos
trabalhadores tomada como representativa da produção da cidade no capitalismo e

39
Nacionalmente, porém, o MLB surgiu em 1999, originalmente organizada na região Nordeste do
país e hoje se encontra articulado em 13 (treze) estados brasileiros.
100

das especificidades do processo de acumulação, tal como expressam as distintas


formas de provisão da moradia das camadas urbanas pauperizadas: casas
inacabadas, insalubres, congestionadas, localizadas em favelas, em loteamentos
ilegais, em áreas de risco geotécnico ou sujeitas a enchentes, ainda que seja bem
verdade esta não se restringir somente à denominada periferia urbana, tendo em
vista a moradia precária assumir outras localizações na cidade, a exemplo dos
cortiços das áreas urbanas centrais.

Aqui a gente chama que as favelas de Natal são cobertas, a gente não
enxerga. A cidade tem 72 favelas, elas não aparecem, não são visíveis. Se
chega em Recife, sobe um morro e você ver logo uma favela, no Rio de
Janeiro a mesma coisa. Aqui em Natal.... favela do Cambuim, ninguém sabe
onde fica, ela fica por trás do cemitério do Bom Pastor. A favela do Detran,
só via quem passava de trem, quem passava disso não via a favela do
Detran. A favela do Jacó, perto do hospital universitário, a gente não vê ela.
E hoje não temos, uma coisa que travou, infelizmente a prefeitura não
retomou... brigamos com Carlos Eduardo e conseguimos implantar o
Conselho Municipal de Habitação, que agora a atual gestão fechou, não
temos mais debates sobre isso (MLB 2).

Referindo-se à realidade brasileira, Maricato (2003) chama a atenção para a


dimensão da questão habitacional enquanto particularidade da questão urbana e
ambiental. Para a autora, qualquer análise ainda que superficial das cidades
brasileiras revela essa relação direta entre moradia pobre e degradação ambiental.
Isto não quer dizer que a produção imobiliária privada ou que o Estado, ao promover
a produção do espaço, não causem danos ao meio ambiente. Os exemplos de
aterramento de mangues em todo o litoral do país para a construção de condomínios
de veraneio e de áreas de lazer são fartos. A autora cita ainda as indefectíveis
avenidas de fundo de vale com canalizações de córregos tão ao gosto dos prefeitos
municipais e de certa engenharia “das empreiteiras”.
Grande parte das áreas urbanas de proteção ambiental encontra-se
ameaçada pela ocupação, com uso habitacional, por trabalhadores pauperizados,
por absoluta falta de alternativas. As consequências de tal processo atingem toda a
cidade, mas especialmente os trabalhadores pauperizados que encontram em áreas
de proteção ambiental, espaços públicos não urbanizados e/ou protegidos,
alternativa para abrigar-se com suas famílias.
No processo de construção da luta pela garantia do direito à moradia, a
necessidade de políticas públicas e serviços sociais básicos aparece como
fundamental. Ora, o próprio entendimento de direito à moradia assinalado pela
101

legislação brasileira e nos tratados e pactos internacionais dos quais o Brasil é


signatário aparece como elemento fundamental. Nesse sentido, significa ter acesso
não apenas a infraestrutura, a água, luz, esgoto, coleta de lixo, mas também à
educação, à saúde, às possibilidades de trabalho e de renda.
Com essa perspectiva, a ação política dos movimentos sociais urbanos em
Natal, traduzida em bandeiras de luta e frentes de atuação, revela também limites e
contradições no acesso da população às políticas sociais, uma vez que “[...] em
Natal, a criação e garantia dos serviços e equipamentos urbanos não acontecem na
mesma proporção em que o crescimento da cidade, nem com a mesma prioridade
que essa cidade se prepara para a atividade turística” (OLIVEIRA; MOREIRA, 2010,
p. 238).

Figura 01 – Militantes do MLB promovem Marcha em Figura 02 – Mulheres do MLB protestam na prefeitura
Defesa da Moradia Digna e da Dignidade Humana pela construção de creches nos bairros periféricos de
Fonte: Tribuna do Norte (2011). Natal Fonte: Tribuna do Norte (2012).

Numa realidade na qual a responsabilidade pela garantia de serviços e


equipamentos urbanos é transferida, ora para instituições de caridade, ora para a
própria classe trabalhadora por meio das denominadas “estratégias de
sobrevivência", as experiências de organização e o direcionamento das
reivindicações de muitas das lutas empreendidas na cidade aparecem, de forma
evidente, como sendo produzidas a partir da precariedade e/ou inexistência de
serviços básicos, a exemplo do serviço de creche nos bairros periféricos. Daí porque
a própria relação entre Estado e movimentos sociais tem, por ponto de partida, a
larga distância estabelecida entre o que é pedido e o que é dado (BARREIRA,
1991).
102

O Levante Popular da Juventude também se insere na luta pelo acesso a


serviços e bens públicos e pela mobilidade urbana40, sendo esta uma das bandeiras
de luta pautadas em sua atuação na cidade de Natal. Isto ficou evidente em ocasião
da greve dos rodoviários, em maio de 2012, na qual o Levante Popular da Juventude
manifestou apoio à ampliação e fortalecimento da luta dos trabalhadores rodoviários
de Natal para que esta fosse também uma luta pelo transporte público, enquanto
direito social, e contra o aumento no valor da passagem de ônibus:

[...] E para o desfecho deste impasse, PASMEM, os empresários alegam


que a solução é o aumento da passagem. Nós perguntamos então: “E O
NOSSO DIREITO DE IR E VIR?”. Se “ir e vir” é um direito, então porque
pagamos tarifas pela utilização de transporte? Se todos(as) nós já pagamos
impostos, que deveriam ser revertidos em direitos, então, CADÊ O MEU
DIREITO DE IR E VIR ASSEGURADO? Logo concluímos, que o transporte
deveria ser PÚBLICO E GRATUITO! A sociedade precisa apoiar a luta e
fazê-la crescer ainda mais. Se os trabalhadores estão reivindicando
melhores salários, nós também temos motivos para reivindicar: tarifa
absurda, insuficiência de linhas e veículos para atender aos usuários,
veículos lotados, em péssimas condições, insegurança gerada devido aos
assaltos, nossas vidas em risco devido as empresas colocarem um
motorista para dirigir e ser cobrador, dentre outros abusos aos nossos
direitos [...] (LPJ, 2012, s/p).

A luta pelo direito ao transporte público e à mobilidade urbana está


diretamente relacionada com o direito à cidade, sendo mesmo parte intrínseca
deste, até porque outra forte marca da urbanização brasileira é a sua orientação
pensando a cidade para o automóvel e não para o transporte público, como
decorrência da construção de toda uma cultura e um universo simbólico
relacionados à ideologia do automóvel, presente em cada poro da existência urbana
(MARICATO, 2011). É o chamado modelo americano de urbanização, no qual a
maior parte dos investimentos públicos destina-se ao alargamento de vias para o
automóvel, bem como para subsidiar a redução do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) para a compra e venda de carros.
A indústria automobilística segue, assim, tendo centralidade na preocupação
dos governos por meio da prioridade atribuída à concessão de subsídios para seus
produtos, ao mesmo tempo em que se propaga o argumento da inexistência de

40
É válido questionar aqui o conteúdo das discussões oficiais em torno da questão da mobilidade
urbana, que enfatiza aspectos relacionados com o transporte individual e privado, a fluidez do transito
para permitir o acesso a locais de lazer e de serviços e comércio por parte, sobretudo, de visitantes e
turistas mobilizados pelos eventos esportivos ou de outra natureza que, espera-se, afluam nas
cidades brasileiras.
103

recursos públicos para investimento em transporte coletivo, notadamente


precarizado, superlotado e com áreas da cidade não atendidas.
Com efeito, os orçamentos públicos – principalmente os municipais –
privilegiam os investimentos relacionados ao automóvel ou sistema viário, também,
devido ao forte apelo eleitoral que estas obras detêm; relaciona-se, evidentemente,
com os financiamentos das campanhas eleitorais, com a visibilidade notável de seus
produtos, “[...] mas também [tais obras viárias] se prestam muito ao jogo clientelista.
A periferia desurbanizada é uma fonte inesgotável de dependência política que
afirma a relação de clientela” (MARICATO, 2011, p. 182).
A realidade de Natal não é de forma alguma distante e apartada de todos os
impactos que vêm sendo operados no tocante aos direitos sociais no Brasil. Ao
contrário, a análise da particularidade da cidade evidencia, nesse mesmo sentido, a
realidade de políticas de proteção social que, sob o recorte neoliberal e processos
contrarreformistas, são sobretudo paliativas e emergenciais, se configurando de
acordo com uma lógica que privilegia o capital e o mercado, tanto no que diz
respeito às políticas de habitação e infraestrutura, como em relação às demais
políticas públicas.
Neste contexto, a Saúde, por repetidas vezes, tem sido objeto das lutas e
ações articuladas pelos movimentos urbanos em Natal, sendo apontada como uma
das bandeiras de luta empreendidas pelo Levante Popular da Juventude no bairro
de Felipe Camarão:

Felipe Camarão é um bairro muito populoso da cidade de Natal. Há muitas


promessas em época de campanha e essas melhorias prometidas não
chegam ao bairro. A Saúde fica sucateada, a Educação fica sucateada [...]
Estamos focando agora principalmente na questão da Saúde. Tinham três
unidades de saúde aqui no bairro e uma foi fechada depois que se abriu o
processo de investigação dos contratos de aluguel da prefeitura. A Saúde
tem sido um dos principais problemas no bairro (LPJ 1).

Percebemos, com isso, que a (re)produção das desigualdades urbanas têm


desembocado também nos serviços públicos de saúde, não sendo possível
menosprezar as inquietações acerca das grandes questões que envolveram e
seguem envolvendo o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Seguridade Social. Por
ser oriundo de reivindicações e lutas, o SUS segue condensando uma parcela
importante das expectativas populares.
104

Na medida em que o projeto original (mesmo com limites, dada a correlação


de forças presente no contexto dos anos 1980) foi seguidamente sendo restringido e
amputado do rumo inicialmente proposto, novas expressões de luta têm se
articulado em torno da pauta da Saúde. Movimentos e organizações populares de
Natal têm se somado e se articulado no contraponto à lógica predominante, a qual,
por um lado, destina à classe trabalhadora e aos moradores da periferia urbana da
cidade uma saúde pública pobre, de urgência, com escassos recursos, com
funcionários precarizados e temerosos (BRAVO; MENEZES, 2012) e, por outro, à
uma minoria da população, em condições de acesso via mercado, destinam-se os
serviço de melhor qualidade com equipamentos de ponta e instalações luxuosas,
assegurados em grande medida graças à ação cotidiana de centenas de
trabalhadores das periferias da cidade.
Esta tem se configurado a tônica exigida pela conjuntura à ação dos
movimentos urbanos, considerada a importância de tais serviços públicos e desafios
postos para o acesso da população à atenção de saúde, em particular, no contexto
dos bairros populares e periféricos. Ademais, se levamos em conta a precariedade
da infraestrutura destes bairros, que incide sobre a proliferação de doenças e
epidemias em determinados períodos do ano (geralmente nas estações chuvosas),
a questão da saúde pública torna-se calamitosa, ao mesmo tempo em que revela
uma das dimensões mais cruéis da vida nas cidades brasileiras: a desigualdade no
acesso a serviços de saúde.
Com efeito, a luta pelo direito à cidade, em Natal, tem sido construída
referenciada principalmente em reivindicações em torno de bens e equipamentos
coletivos necessários à reprodução da força de trabalho, com destaque para as
demandas relativas à habitação, transporte e saúde pública. Todavia, no contexto da
Copa 2014, novas demandas e consequentemente bandeiras de luta se articulam,
especialmente, em contraste com a perspectiva de expropriação e de “renovação”
urbana de áreas que se consubstancia em muitos casos na expulsão de moradores
de bairros onde residem há décadas.
As intervenções que vêm sendo implementadas nas cidades brasileiras, na
preparação para a realização de megaeventos esportivos no país (a Copa do Mundo
de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016), têm sido exemplares da complexificação da
questão urbana no Brasil, no atual momento histórico. Tais intervenções e obras
previstas nos projetos dos citados megaeventos têm sido alvo de denúncias
105

constantes de violação aos direitos humanos. A edição número 462 do Jornal Brasil
de Fato, publicado em janeiro de 2012, trouxe em uma de suas matérias título
revelador do tensionamento vivido pelo país, que se encontra entre o ufanismo com
os eventos esportivos e o apelo do ideal de desenvolvimento e a preservação de
direitos humanos fundamentais: ‘Por trás dos investimentos, famílias atingidas e
trabalhadores precarizados’.
A matéria supracitada relata que diversos integrantes dos Comitês Populares
da Copa, formados por estudantes, moradores de comunidades, movimentos e
organizações populares, construíram um dossiê sobre os megaeventos e violações
de direitos humanos no Brasil, entregue no mês de dezembro de 2011 às prefeituras
das 12 (doze) cidades-sede da copa, na Câmara dos Deputados, no Senado, em
diversos ministérios e órgãos federais, além de entidades internacionais, como a
Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Unidos
Americanos (OEA) e Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Segundo o
relatório, organizado em diferentes eixos – moradia, trabalho, acesso à informação e
participação, meio ambiente, mobilidade e segurança pública – pelo menos 170 mil
pessoas serão expulsas de suas casas”, diz a matéria do Jornal Brasil de Fato.
Como relatora especial da ONU para o direito à “moradia adequada”, Raquel
Ronilk assegura que a questão dos megaeventos surge na Relatoria muito antes da
questão da Copa e das Olimpíadas no Brasil. De fato, denúncias de violações ao
direito à moradia adequada são recorrentes, nos contextos em que as cidades se
preparam para esses eventos, a exemplo da olimpíada de Beijin, da copa do mundo
da África do Sul, de Atenas e de vários outros lugares. No centro da questão da
violação, que se repete agora no Brasil, em várias cidades, incluindo Natal, na
preparação das cidades para a copa e para as olimpíadas, a violação ao direito à
moradia tal como está estabelecido nos tratados, pactos e legislações nacionais e
internacionais destaca-se como questão central. Nesse contexto, a atuação da
APAC centra-se, sobretudo, no direito à moradia e no direito ao acesso à
informação, participação e representação popular, especialmente, com relação a
assuntos que lhes digam respeito e que afetem diretamente suas vidas.Com vistas à
realização de grandes projetos urbanos para os jogos, o direito à moradia vem
sendo sistematicamente violado via remoção em massa por parte do poder público.
Estas remoções combinam “limpeza social”, assentadas na reatualização do
106

discurso higienista, agora acelerada em nome dos megaeventos esportivos – com


propostas de realocações em locais onde inexiste cidade.
Ora, a realocação em local totalmente exilado das possibilidades de cidade é
uma séria violação aos direitos humanos, justamente porque a moradia adequada
não é restritamente a casa em si. O elemento localização é fundamental e central
nesse caso, porque permite ou, ao contrário, compromete a qualidade de vida,
facilitando ou dificultando o acesso aos bens e serviços socialmente produzidos.

Figura 03 – Reunião de mobilização, organizada pelo Figura 04 - Ato realizado pelos atingidos(as) pelas
Comitê Popular da Copa, na zona Oeste da cidade. obras da Copa em Natal contra as desapropriações e
Fonte: Tribuna do Norte (2011). remoções. Fonte: Diário de Natal (2012).

Estes elementos compõem o direito à moradia e, portanto, quando não respeitados


configura-se claramente uma violação a este direito.
No âmbito dos projetos relacionados com os eventos esportivos, sequer as
reivindicações de informação e de participação nesse processo estão sendo
atendidas. Em Natal, o projeto inicial das obras previa a demolição de casas de
1.200 famílias. Com a pressão popular exercida via ação política da APAC, estão
hoje programadas 429 desapropriações de imóveis residenciais, 119 imóveis
comerciais e 41 terrenos particulares e públicos. Para a realização de tais obras de
“mobilidade urbana” não houve qualquer debate público prévio. Ademais, órgãos de
controle social legalmente constituídos, como o CONCIDADE e os Conselhos de
Habitação e Transporte e Trânsito Urbano, sequer foram consultados, como
demonstra a “nota à população” divulgada pelo Comitê Popular da Copa e pela
APAC, bem como o depoimento dos moradores cujas casas serão atingidas pelas
obras da Copa:
107

Sem qualquer debate público quanto à necessidade e importância desses


projetos (especialmente os de mobilidade urbana) para a cidade e seus
habitantes, como também uma total ausência de transparência quanto à
questão das desapropriações que irão ocorrer para a viabilização das obras,
estamos tomados de uma situação de grave angústia e desassossego. Num
total desrespeito às leis, a Prefeitura de Natal e o Governo do Estado
elaboraram os projetos referentes à COPA 2014 sem nenhuma participação
da sociedade em sua discussão prévia; participação essa exigida pela
legislação municipal, com amparo em normas federais, em especial o
Estatuto da Cidade (COMITÊ POPULAR DA COPA; APAC, 2012, s/p).

A prefeitura não tem a transparência e não tem dado resposta aos


moradores. A gente imagina que o projeto da copa... a gente é favorável à
copa, a gente quer a copa... favorável a melhoria do trânsito da cidade, à
mobilidade.... mas a gente não quer que isso aconteça desapropriando mais
de quatrocentos imóveis que somando dá mais de duas mil famílias que são
desalojadas né? Se não houver redimensionamento da Prudente de Morais
e da Salgado Filho.... o problema vai continuar existindo (Marcos Reinaldo,
41
coordenador adjunto da APAC) .

O pior de tudo é que a gente não sabe pra onde vai, nem o que vai
acontecer. Se essa casa vai ser sorteada, se vai, o que que a gente vai
ganhar, ninguém sabe. E ninguém tem nada, só tem esse ranchinho pra
morar. Aí, ficar sem ele, vamo pra onde? Vamo ficar no meio da rua com os
42
troços na cabeça é? (Maria Luísa, moradora) .

Direito à informação e direito à participação não somente fazem parte do


direito à moradia, de acordo com os tratados e acordos internacionais, como
também é um direito que em sua amplitude ultrapassa a política habitacional e
estende-se às outras políticas públicas. Quando se trata de uma intervenção no
espaço onde se vive, os moradores daquele espaço têm antes de tudo o direito de
serem informados com a devida antecedência e, mais do que isso, têm o direito a
participar do processo de decisão das alternativas a essa remoção, pois sempre os
projetos são passíveis de alterações. Assim, para remoções podem ser pelo menos,
minimizadas, quando não evitadas totalmente. Garantir a informação e a
participação das comunidades atingidas direta e indiretamente pelas obras, inclusive
discutindo possibilidades de projetos alternativos, não é tão somente uma questão
de opção e vontade política dos gestores públicos. Trata-se de evidente obrigação
legal do ponto de vista dos direitos humanos. E nisto têm se pautado as denúncias
da APAC, em Natal, como relata um de seus representantes:

41
Depoimento cedido ao Documentário “Copa 2014 em Natal: para quem?” produzido pelo Centro de
Referência em Direitos Humanos (CRDH) e UFRN.
42
Depoimento cedido ao Documentário “Copa 2014 em Natal: para quem?” produzido pelo Centro de
Referência em Direitos Humanos (CRDH) e UFRN.
108

A luta da APAC hoje é conseguir que essas pessoas que não vão conseguir
se realocar com o dinheiro que vão receber, tenham uma situação
confortável, mesmo não tendo hoje... uma situação que eles vivem hoje não
é confortável pra mim, mas pra eles é uma situação confortável, e com o
que eles vão receber eles não vão consegui uma situação daquela. Pra
mim, o plano de realocação acontecer, a gente consegui realocar pessoas,
legalizar fundiariamente a propriedade dessas pessoas é o que precisa... é
o que a gente tem de principal desafio, é garantir que isso aconteça
(APAC).

Os movimentos urbanos de Natal são, desse modo, sujeitos coletivos que


atuam na perspectiva de politização da questão urbana e de afirmação do direito à
cidade, o entendendo, com base nas concepções do Fórum Nacional de Reforma
Urbana (FNRU) – articulação, criada nos idos da década de 1980, integrando grande
variedade de sujeitos que se organizam em torno de carências vividas no espaço
urbano ou que têm vinculações com essa temática - como:

[...] a participação dos habitantes das cidades na condução dos seus


destinos. Inclui o direito à terra, aos meios de subsistência, à moradia, à
educação, à saúde, ao transporte público, à alimentação, ao trabalho, ao
lazer, à informação. Inclui também o respeito às minorias, a pluralidade
étnica, sexual e cultural e ao usufruto de um espaço culturalmente rico e
diversificado, sem distinções de gênero, etnia, raça, linguagem e crença;
Gestão democrática da Cidade, entendida como a forma de planejar,
produzir, operar e governar as cidades submetidas ao controle social e à
participação da sociedade civil; Função social da Cidade e da Propriedade,
como prevalência do interesse comum sobre o direito individual de
propriedade. É o uso socialmente justo do espaço urbano para que os
cidadãos se apropriem do território, democratizando seus espaços de
poder, de produção e de cultura dentro dos parâmetros de justiça e da
criação das condições ambientalmente sustentáveis (FNRU, 2012, p. 01).

O sentido do direito à cidade no atual debate político da sociedade urbana


brasileira, enquanto necessidade humana elementar, apresenta-se hoje totalmente
diluído nas lutas por direitos sociais básicos para a classe trabalhadora e reflete os
rumos da questão urbana no país e, por isso mesmo, abrange distintas bandeiras de
luta históricas e envolve diversos sujeitos coletivos. Daí porque o Conselho Federal
de Serviço Social (CFESS), na condição de membro do FNRU, defende a efetivação
do direito à cidade por meio da garantia do: direito ao trabalho e à seguridade social
pública; direito à moradia com condições dignas; direito à terra; cidade sem
homofobia, racismo e sexismo; direitos sexuais e reprodutivos das mulheres;
acessibilidade e direitos das pessoas com deficiência; direitos da pessoa idosa, da
juventude, de crianças e adolescentes; direito à organização política e à não-
criminalização dos movimentos sociais e de suas lideranças; direito à diversidade
109

humana; gestão democrática; e demais ações estratégicas que favoreçam a plena


implementação da Política Nacional de Reforma Urbana (CFESS, 2010).
Investigar as principais bandeiras de luta dos Movimentos Sociais Urbanos e
Organizações Populares de Natal, na contemporaneidade, é, nessa perspectiva,
uma expressiva possibilidade para apreendermos o sentido e a ideologia presente
em suas reivindicações, bem como fomentarmos a reflexão acerca da natureza
política das mesmas.
Ora, para além do conteúdo imediato das bandeiras de luta dos movimentos
sociais urbanos, consideramos que estas expressam a síntese das necessidades e
interesses dos sujeitos que constroem o movimento popular, o que está diretamente
relacionado com o lócus de sua atuação – o bairro e a cidade – e dão sustentação
prática ao movimento, alimentando a sua ação política, na construção de suas lutas,
alianças e estratégias de organização e mobilização. Do mesmo modo que Gramsci
(2000a) afirmava ser a história de um partido a própria história da sociedade na qual
este partido se insere, assim também o é no caso dos movimentos sociais.
110

Capítulo 3

O fazer político pelo direito


à cidade na realidade local
111

4 O FAZER POLÍTICO PELO DIREITO À CIDADE NA REALIDADE LOCAL

Neste capítulo evidenciamos a ação política dos movimentos urbanos que


atuam em Natal na luta pelo reconhecimento e garantia do direito à cidade,
apreendendo avanços e entraves em seus processos de organização e mobilização.
A análise aqui tecida toma por base os depoimentos dos militantes entrevistados em
nossa pesquisa de campo e, ao se deter na análise de movimentos urbanos e em
suas estratégias de organização e mobilização em Natal – o sujeito e a ação
privilegiados de nossa pesquisa – acompanha e se fundamenta em um amplo
debate acerca das tendências postas à organização popular na contemporaneidade.
Pretendemos, deste modo, identificar como o particular se articula com o geral e faz
referência a este, no interior de uma totalidade historicamente construída. Para
tanto, a problemática abordada neste capítulo circunscreve-se nos marcos da
formação econômica, social e política do país, evidenciando alguns dos principais
elementos de sua constituição histórica.

4.1 Se a gente se acovardar agora, a gente vai viver pelo resto da vida de
joelhos... Estratégias de organização e mobilização

Deteremos-nos aqui à análise das principais estratégias de mobilização,


organização e luta dos movimentos estudados, circunscrevendo-as na reflexão
teórico-política mais ampla acerca da relação entre consciência política, organização
de massas e natureza dos processos de luta.
Assim, para delinearmos reflexões em torno dos processos de organização e
mobilização e das estratégias adotadas na ação política dos movimentos sociais em
Natal, destacamos, dentre as elaborações marxistas clássicas, as contribuições de
Rosa Luxemburgo, que enfatizam a ampla participação das massas no processo de
transformação social. Na abordagem de Luxemburgo (1991; 2005), o fator
espontaneidade assume um importante papel nos processos de luta, constituindo
um dentre tantos fatores passiveis de desencadear a consciência de classe das
massas, construída no cotidiano do movimento real.
A imensa confiança depositada na capacidade de organização das massas
aparece de forma explícita nas formulações desta autora. A Rosa vermelha do
socialismo (LOUREIRO, 2005) ou a águia polonesa, como se referiu Lênin em
112

homenagem póstuma a Luxemburgo, defendia a inexistência de qualquer dicotomia


entre a ação espontânea e a ação consciente.
Ora, a autora acreditava residir o nascedouro da consciência na própria luta
concreta, moldada e construída a partir da experiência das massas. Somente no
processo de experimentar-se na ação, e não de maneira preliminar, podem ser
forjadas as tarefas postas para a luta de classes, em determinado momento histórico
e a melhor forma de organização para aquele contexto.
Essa defesa fundamentava-se, primeiro, na concepção de Rosa Luxemburgo,
para quem não são as organizações que desencadeiam o processo revolucionário, o
qual requer a conjugação de uma complexa série de fatores econômicos, políticos e
sociais; segundo, na sua compreensão, não há uma única forma de organização
posta para a classe trabalhadora.
Desse modo, as experiências vividas – as derrotas ainda mais do que as
vitórias da própria classe – são determinantes para a passagem do elemento
espontâneo ao elemento consciente, presente na ação política da classe
trabalhadora, materializada e condensada nos mais diversos movimentos sociais,
políticos e culturais circunscritos no campo popular.
Implica, na concepção luxemburguiana, que a iniciativa de ruptura com a
dominação-exploração capitalistas se inscreve no campo de luta das próprias
massas e não nas decisões do partido e de sua vanguarda. A realização do
socialismo seria, portanto, uma tarefa a exigir:

[...] uma completa transformação do Estado e uma completa mudança nos


fundamentos econômicos e sociais da sociedade [...] só a própria massa
popular pode empreendê-las e realizá-las [...] A massa do proletariado é
chamada não só para fixar claramente o objetivo e a orientação da
revolução, mas também para que ela mesma, passo a passo, através da
sua própria atividade, dê vida ao socialismo [grifos nossos] (ROSA
LUXEMBURGO, 1991, p. 63).

Às massas, organizadas e mobilizadas, cabe realizar as mudanças e


transformações societárias. A ênfase, proclamada por Rosa Luxemburgo, na
importância da experiência das massas na sua própria conscientização, não nos
autoriza, contudo, a atribuir ao seu pensamento qualquer princípio anarquista. Para
esta autora, não há uma rejeição à organização. Há uma concepção de partido,
distinta daquela de Lênin. Para Luxemburgo, embora o partido não tenha o papel de
desencadear a ação revolucionária, ele cumpre o papel de vanguarda, na medida
113

em que detêm a percepção do movimento de (re)produção capitalista e do lugar


ocupado pela classe trabalhadora neste processo.
No entender de Rosa Luxemburgo, o partido não pode em nenhuma ocasião
substituir as massas; ele deve ser porta-voz de seus anseios, intérprete de suas
vontades. A autora fortalece, nesse sentido, não apenas o debate acerca dos
princípios partidários, mas principalmente a discussão em torno dos métodos
organizativos para mobilizar as massas à participação e ao envolvimento com os
processos de luta revolucionários, e é nesse sentido que nos remetemos às suas
elaborações.
No plano da política, é preciso considerar de modo especial àqueles
elementos fundamentalmente constitutivos e norteadores da atuação cotidiana dos
movimentos sociais, a exemplo da práxis, do projeto, da ideologia, da direção e
organização43 (SCHERER-WARREN, 1987), abordadas numa perspectiva histórica
na qual homens e mulheres são os sujeitos capazes de materializar as articulações
políticas nas distintas esferas sociais.
A práxis é entendida como a prática refletida, não-alienada, crítica, a
intervenção prática consciente. Ao mesmo tempo em que supõe uma projeção
anterior em termos de objetivos e métodos, da práxis também decorre a objetivação
de uma nova situação, a criação de novas alternativas e possibilidades ou, se assim
preferirmos designar, a materialização de projetos. A depender do solo histórico e
das condições dele provenientes nas quais a práxis é desenvolvida, este campo de
possibilidades pode ser ampliado ou reduzido.
Contudo, importa distinguir as formas de práxis voltadas para a exploração da
natureza – como é o caso do trabalho (base ontologicamente primária da práxis) –
de formas de práxis baseadas nas relações entre sujeitos, que visam influir na ação
de homens e mulheres (VÁZQUEZ, 1977), a exemplo da práxis educativa e da
práxis política. É, sobretudo, a esta última que estamos nos referindo quando
concebemos a práxis como um dos componentes dos movimentos sociais.

43
Chamamos atenção, contudo, para o risco de incorrermos em um engessamento da realidade ao
tentarmos enquadrar a dinâmica dos movimentos sociais nestes quatro elementos citados. Afinal, não
podendo ser nenhum destes componentes (práxis, projeto, ideologia, direção e organização) tomados
isoladamente, também não podemos deixar de perceber o quanto estes elementos atuam em perfeita
interseção um com o outro, sendo sempre um risco – muitas vezes até mesmo um equívoco – afirmar
que determinado aspecto de um movimento social pode ser caracterizado como um elemento e não
como outro.
114

Nessa lógica, a luta política para o enfrentamento das contradições e


antagonismos inerentes a esta sociabilidade, impõe aos movimentos sociais a
projeção do que se tem a pretensão de transformar, sob qual direção e por quais
vias, afirmações contidas em seu Projeto.
A própria construção de um Projeto no marco dos movimentos sociais está
vincada especialmente no imperativo destes sujeitos coletivos afirmarem o que
querem alterar na realidade, com base em necessidades e interesses. A experiência
histórica nos tem demonstrado, aliás, que estes interesses estão imbricados e
diretamente articulados com projetos de classe. Assim, este caráter de classe
constitui seu núcleo fundamental.
Entretanto, no contexto da sociedade do capital, aqueles projetos
correspondentes aos interesses da classe trabalhadora têm diante de si uma
realidade adversa que impacta sobre suas possibilidades e condições para
efetivação. Quando se tratam de projetos que correspondem aos interesses da
classe politicamente dominante não ocorre o mesmo.
Neste sentido, o Projeto de um movimento social representa também um
campo de tensões, lutas e disputas societárias. E mais: para os movimentos da
classe trabalhadora, perspectiva com a qual trabalhamos no presente texto, estão
postos múltiplos desafios. Tais desafios não invalidam a pertinência e viabilidade
concreta destes movimentos, pois nas contradições da realidade também residem
suas possibilidades históricas.
Assim, compreender tanto a práxis como o projeto político de um movimento
social implica, ademais, na apreensão da ideologia que conforma os valores e
princípios que atribuem sentindo e direção ao movimento. Ora, a ideologia pode
tanto ser construída no sentido de enfrentamento à ordem vigente, como também na
perspectiva de sua legitimação, especialmente quando a situamos no âmbito da
sociedade de classes.
A ideologia e o projeto assumido pelo MLB e pelo Levante Popular da
Juventude parecem-nos estar inscritos na ordem da primeira perspectiva aqui
assinalada, como expressam depoimentos e documentos:

Ideologicamente nós defendemos o socialismo, porque entendemos que é a


única forma de regime econômico que daria condições para o povo pobre
ter moradia, saúde, habitação, saneamento, escola e emprego, porque nós
vivemos num regime onde a minoria é que domina a maioria, aqueles que
115

produzem, produzem tudo, a riqueza, e não têm nenhuma casa pra morar.
Então, nós temos como identificação o socialismo (MLB 1).

Enxergamos um mundo dividido entre aqueles que exploram, e as


trabalhadoras e os trabalhadores que têm o fruto de seu trabalho roubado.
Esse é o sistema capitalista-patriarcal-racista, que mundialmente estabelece
as formas de organização da sociedade na sua forma imperialista [...] Aos
trabalhadores, restaram somente as periferias das grandes cidades, as
encostas de morro e as beiradas de rio, extensas jornadas de trabalho e
salários miseráveis [...] (LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE, 2012, p.
01).

As palavras de ordem sustentadas e defendidas pelos movimentos aqui


pesquisados e os princípios com base nos quais se organizam, revelam o tom da
ideologia44 afirmada em seus processos de organização e de mobilização, como
bem ilustra o lema aclamado pelo MLB (“Lutar pela reforma urbana e pelo
socialismo!”), assim como expressa a carta compromisso do Levante Popular da
Juventude, produzida e socializada nacionalmente em ocasião do I Acampamento
Nacional do movimento, realizado no Rio Grande do Sul, com a participação de
1.200 jovens de 17 (dezessete) estados brasileiros:

[...] Nos comprometemos: com a luta pela construção de uma democracia


popular, que socialize com qualidade as terras, a água, a energia, os meios
de comunicação, o acesso à saúde, à educação, à moradia, ao transporte;
com a luta pela soberania, porque os povos devem tomar seu país e sua
história nas mãos, sem serem sujeitados pelo imperialismo ou outros
poderosos. O desenvolvimento deve ser ambientalmente sustentável e estar
voltado aos interesses do povo; com a prática permanente de
solidariedade com todos os povos que sofrem e lutam, com atenção
especial para nossos hermanos latino americanos, que carregam a mesma
história de opressão e luta que nós [...] (LEVANTE POPULAR DA
JUVENTUDE, 2012, p. 01).

A tradição marxista já nos demonstrou que a burguesia, classe dominante por


deter os meios de produção, finda também, por decorrência, dominando o
conhecimento produzido e, com isso, difundindo suas idéias de tal forma que estas
nos parecem universais e são reproduzidas no conjunto da sociedade. Contudo,
este “amoldamento” à ideologia dominante não é algo dado. A ideologia contra-
hegemônica tem sido construída pelos movimentos sociais da classe trabalhadora e
representado um contraponto, sobretudo, quando expressa uma consciência de
classe, semeada a partir da vivência de contradições particulares.

44
Aqui pode-se visualizar perfeitamente a observação que fizemos em nota anterior, pois a “luta pelo
socialismo”, por exemplo, não é apenas parte da “ideologia” dos movimentos estudados, mas
também parte de seu projeto, sua práxis, sua direção, etc.
116

Sob a ótica da luta social da classe trabalhadora, a ideologia se contrapõe às


ideias, valores e projetos da classe dominante, que se apresentam principalmente
como instrumentos para difundir as desigualdades como determinações naturais e
ocultar/dissimular a dominação e a própria luta de classes. Nessa perspectiva, não
se trata apenas de moradia, assim como não são somente melhores condições
econômicas e sociais almejadas pelos movimentos analisados. O projeto destes
movimentos (MLB e LPJ) inscreve-se dentre aqueles que visam “mudar o modelo de
sociedade”, inclusive evidenciando em seus depoimentos uma perspectiva para
além das reformas:

As famílias são sabedoras, têm essa compreensão de que é importante


lutar e mudar. Não reformar. Porque quando a gente reforma, tá dizendo
que concorda com o que tem de ruim. Então, a gente prefere mudar,
transformar, o velho pelo novo, e o novo é construir uma luta comunitária,
uma luta organizada, uma luta pra frente (MLB 2).

Não significa, da parte do MLB, nenhum estrito contraponto à luta por


reformas, mas construir sua ação política tendo a clareza de que não se deve
permanecer limitado a estas. Logicamente, o movimento percebe a importância da
defesa de quaisquer melhorias na condição das massas, ainda que sejam mínimas.
Sua ressalva é para a necessidade de se fazer a articulação com a luta
anticapitalista e com a revolução proletária, conforme nos foi possível verificar:

Há séculos que sucessivos governos em nosso país governam somente


para as classes ricas. Nós lutamos pela reforma urbana e pelo socialismo
porque acreditamos que o capitalismo tornou impossível a construção de
cidades justas e democráticas por meio de uma simples reforma. Só o
socialismo é capaz de garantir aos trabalhadores o direito humano de morar
dignamente [...] aí nossas reivindicações podem parecer que ainda é pouco,
como a busca de infraestrutura no bairro e contra o aumento do custo de
vida, mas só que na verdade nós utilizamos estas reivindicações para fazer
uma luta mais geral, uma luta que beneficie os interesses coletivos (MLB 2).

Não temos dúvidas de que as reformas estruturais representam uma bandeira


necessária ao proletariado em sua constituição como classe em si. A tarefa consiste
em converter a revolução dentro da ordem, nos termos de Florestan Fernandes
(2005), ou seja, o processo a partir do qual o proletariado se organiza ainda
reivindicando os indicadores de transformação que são possíveis ao padrão de
acumulação burguesa no Brasil, em revolução contra a ordem.
117

Dito de outra forma, o processo a partir do qual o proletariado percebe que a


concretização daquelas tarefas – as chamadas reformas estruturais – depende da
tomada revolucionária do poder.
A respeito do referido movimento de constituição do proletariado em classe,
no Brasil, face às críticas das quais o pensamento de Florestan Fernandes tem sido
alvo constantemente por parte de setores da esquerda45, consideramos não há nada
mais revestido de atualidade do que a resposta a estes setores encontrada na
própria elaboração de Florestan:

Os que repudiam tais tarefas históricas do proletariado por temor do


oportunismo e do reformismo ignoram duas coisas. Primeiro, que sem uma
maciça presença das massas destituídas e trabalhadoras na cena histórica,
as possibilidades nacionalistas e democráticas da ordem burguesa não se
libertam e, portanto, não podem ser mobilizadas na fase em transcurso de
organização do proletariado em si. Segundo, que o envolvimento político
das classes trabalhadoras e das massas populares no aprofundamento da
revolução dentro da ordem possui consequências socializadoras de
importância estratégica. A burguesia tem pouco que dar e cede a medo. O
proletariado cresce com a consciência de que tem de tomar tudo com as
próprias mãos e, a médio prazo, aprende que deve passar tão depressa
quanto possível da condição de fiel da ‘democracia burguesa’ para a de
fator de uma democracia da maioria, isto é, uma democracia popular ou
operária (2005, p. 60-61).

Ora, a própria classe trabalhadora vive no cotidiano de sua existência a


miséria gerada pelo capitalismo dependente, expressa na concentração fundiária, na
superexploração, na falta de acesso a direitos humanos e sociais básicos, dentre
tantos outros aspectos. É partindo das contradições reais vivenciadas pela classe
trabalhadora que se constrói uma plataforma de mudanças e bandeiras de luta.
Identificamos, assim, dentre os movimentos pesquisados, duas tendências
vinculadas a projetos políticos diferentes: enquanto o MLB e o Levante Popular da
Juventude demonstram intenções de rompimento com o que está posto, apontando
para a perspectiva de construção de uma nova sociabilidade, a APAC sinaliza estar
muito mais próxima a uma ideologia da participação, pautada na lógica do
associativismo, em que a sociedade precisa organizar-se para procurar os meios
necessários à resolução dos seus problemas mais imediatos. Configura, portanto, o

45
Uma das críticas mais comuns que temos tido conhecimento nos debates com as forças de
esquerda dos quais participamos quanto à atualidade do pensamento de Florestan Fernandes é a
tese de que a revolução burguesa no Brasil já teria chegado ao seu término. Seja porque já
contaríamos com suficiente desenvolvimento das forças produtivas, não cabendo mais tarefas em
atraso, seja porque a dominação burguesa já teria consolidado sua forma mais acabada de
democracia.
118

que José de Souza Martins (1973) denomina consciência ambígua, conformada no


seio dessa sociabilidade.
É ambígua porque embora se paute pela recusa de determinada situação ou,
ao menos, de parte dela, não propõe rupturas radicais e, por vezes, embora se
contraponha, consegue também a justificar, em geral com base em noções extraídas
do senso comum. Mobilizam-se forças e ação política para negar a situação vivida,
mas sem superar o plano da ordem estabelecida. Consideramos, assim, que a
Associação dos Atingidos pelas obras da Copa possui uma ideologia e um projeto
político críticos à atual lógica societária, mas não incorporam a perspectiva de
superação desta ordem em sua proposta política.

Figuras 05 e 06 – Intervenção Urbana da APAC nas casas que serão desapropriadas pelas obras da Copa.
Fonte: Arquivos do APAC (2012).

O conjunto dessas questões alicerça nossas reflexões e nos permite


identificar os elementos centrais para a compreensão da ação política dos
movimentos urbanos em Natal, em um processo no qual a mediação da ação
política, com maior frequência, tem se construído de modo que são utilizadas como
estratégias as reuniões e visitas de rua em rua, casa em casa. Tem sido comum a
adoção de abaixo-assinados, manifestos ou mesmo atos públicos na busca do
comprometimento dos políticos locais com programas e ações que venham atenuar
ou mesmo resolver, em alguns casos, os problemas que os afetam:

A gente fez um pacto, construiu um pacto para os candidatos [à prefeitura


de Natal], certo? Esse pacto, ele prevê, dentre outras coisas, a garantia da
não violação dos direitos humanos nesse contexto [da copa do mundo
119

2014]. E de todas as formas. Desde o trabalhador informal até a


desapropriação. Esse pacto ele foi assinado pelo futuro prefeito, que prevê
diversas coisas de garantia dos direitos, inclusive zero desapropriações,
revisão total do projeto. Eu não vou dizer a você que eu ache que vai ser
fácil, porque quando o novo gestor assumir ele vai ouvir ‘ó, você tem esse
prazo aqui pra providenciar essa obra da copa’. Mas no primeiro momento
ele se mostrou muito disposto já a sentar com a gente, pra gente sentar e
conversar a respeito do que pode ser feito [...] Então, a ideia é que com
essa primeira gestão, tendo em vista que é o primeiro momento, a gente
consiga sentar e encaminhar, e dar prosseguimento ao que vem sendo feito
pelo menos nessa parte de realocação das pessoas e de algumas áreas
que podem diminuir as intervenções... é manter essa luta (APAC).

Nos momentos em que se faz necessário grande número de pessoas


envolvidas para viabilizar atividades e lutas, a APAC utiliza também instrumentos de
comunicação de massas, a exemplo dos carros de som, e principalmente da
comunicação verbal, dotada de uma capacidade de mobilização muito maior. Como
afirmara Gramsci (2007, p. 67) “[...] a comunicação falada é o meio de difusão
ideológica que tem uma rapidez, uma área de ação e uma simultaneidade emotiva
enormemente mais amplas do que a comunicação escrita”.
Assim sendo, de modo geral, nos depoimentos dos(as) militantes
entrevistados(as) percebemos, especialmente, o diálogo e as conversas individuais
com os(as) moradores como uma das estratégias mais presentes no cotidiano da
organização e mobilização dos movimentos sociais e organizações populares em
Natal. Fica explícito, dessa forma, que os movimentos vêm adotando, no cotidiano
da organização política, o diálogo como expressão de um processo pedagógico para
potencializar o desenvolvimento de uma consciência política contra-hegemônica.
Daí a importância de situamos as estratégias dos movimentos sociais no
contexto de luta pela hegemonia, questão central quando nos referimos ao processo
de organização e mobilização popular.
Significa, por um lado, o processo de empreender a crítica teórica e prática à
dominação capitalista e, por outro lado, construir as possibilidades de alteração
desta realidade. Para Gramsci (2001, 2000a, 2000b, 2001b e 2002), a construção de
uma hegemonia das classes subalternas requer uma intensa “preparação ideológica
das massas”, um trabalho de construção de uma nova concepção de mundo e,
nessa direção, o exemplo assume a dimensão de estratégia de mobilização
pedagógica na construção de uma contra-hegemonia, como evidenciam os
depoimentos de lideranças entrevistadas:
120

Temos mobilizado muito pelo exemplo. Não é o discurso que diz se a


prática é válida. É a prática que diz se o discurso é válido ou não. Quem
mobiliza mesmo, de verdade, é muito mais a prática do que o discurso. O
trabalho concreto pra mobilizar exige isso (LPJ 1).

Tem uma companheira nossa que sempre diz ‘os nossos discursos eles
podem até convencer, mas os nossos exemplos, estes sim arrastam’. Então
se a gente for pra comunidade fazer o discurso bonito que eles têm que
lutar, que eles têm que se organizar e na hora que esse momento chegar, a
gente querer ficar em casa e mandar eles, não vão resolver. Então a gente
tem que começar, participar do meio e ir até o fim [...] (MLB 2).

Para o pensador italiano Antonio Gramsci, a organização e a luta política são


pensadas na perspectiva de superação da sociedade de classes e da construção de
outra sociabilidade radicalmente diferente. Assim, a reflexão sobre a organização
política não pode prescindir da discussão sobre a divisão da sociedade em classes
antagônicas46.
Neste sentido, Gramsci refere-se à necessidade de organização da classe
para a construção de uma nova hegemonia, entendida aqui como direção/domínio e
consenso ideológico (mas não somente) exercido por uma classe sobre a
sociedade. Para tanto, indica estratégias anticapitalistas com o objetivo de levar a
classe trabalhadora a ascender ao poder político, a exemplo, da guerra de
movimento e da guerra de posição47. A primeira constitui uma forma de
enfrentamento direto com o poder do Estado, enquanto a segunda se caracteriza por
conquistas contínuas de espaços de direção ideo-políticos.
A construção da hegemonia é, assim, um processo pedagógico que se efetiva
no próprio modo dos movimentos atuarem, utilizando uma pedagogia do
convencimento:

Hegemonia é um modo bem específico de poder. Mas não qualquer tipo de


poder. É o poder de expressar, aprofundar, organizar e interpretar um
querer coletivo. É um poder que se legitima pelo consentimento e não pela
força. A hegemonia se contrapõe, então, ao poder de mandar, decretar,
punir, premiar, decretar. Quem exerce a hegemonia é dirigente. Quem
exerce a dominação é ditador ou algo da mesma ordem. Não se trata
também de qualquer pequeno exercício de convencer ou obrigar. A

46
Com efeito, [...] governados e governantes, dirigidos e dirigentes existem realmente. Toda ciência e
arte da política se baseiam nesse fato primordial, irredutível (em determinadas condições gerais) [...]
a seguinte premissa é fundamental: queremos que governados e governantes existam sempre ou
queremos criar condições para que a necessidade dessa divisão desapareça? Partiremos do
princípio de que a perpétua divisão do gênero humano é inevitável ou acreditaremos que ela seja
apenas um fato histórico que responde a determinadas condições? (GRAMSCI, 2005, p. 11-12).
47
Em alguns momentos, a exemplo de Lênin, Gramsci compara luta política e arte militar, mas
reconhece que: “[...] a luta política é enormemente mais complexa” (2005, p. 68).
121

hegemonia é o processo de construção e afirmação de um modo de sentir,


pensar, querer, agir em todas as dimensões da vida. É a construção de uma
concepção de mundo pensada e exercitada. Tem, portanto, uma dimensão
cultural e uma dimensão prática (SALES, 2002, p. 16).

Dessa forma, a partir de determinada compreensão do processo de


transformação social, Gramsci amplia, consideravelmente, a noção de política ao se
preocupar com os elementos de preparação das condições ideológicas da práxis
revolucionária, sem perder de vista a importância da articulação e
complementaridade dos processos cultural e econômico, entendendo este último
como determinante para a compreensão da realidade social e para sua
transformação.
Distingue duas formas de política: a grande política – ações que intencionam
modificar ou preservar a ordem social – e a pequena política, ações vinculadas a
questões parciais e cotidianas, como a política parlamentar. No complexo processo
de passagem da pequena para a grande política ou ainda da consciência e da
prática egoístico-passional para a ético-política se constitui a esfera da política em
Gramsci (DURIGUETTO, 2007).
O pensador italiano ressignifica, ainda, o conceito de sociedade civil, tornando
o debate mais complexo. Em contraponto às posições que consideram a sociedade
civil funcional ao projeto capitalista, a acepção gramsciana a concebe como a esfera
em que as classes organizam e defendem seus interesses e disputam hegemonia.
A sociedade civil passa a ser, portanto, “[...] palco de um pluralismo de
organismos coletivos ditos ‘privados’ (associações e organizações, sindicatos,
partidos, atividades culturais, meios de comunicação, etc), é a nova configuração da
dinâmica social, na qual se precisava repensar a política”
(DURIGUETTO, 2007, p. 55). Assim, Gramsci demarca uma diferença radical de
posição com relação a acepções dominantes de sociedade civil e,
consequentemente, defende a construção de projetos políticos a partir deste
entendimento.
Nessa direção de construção da hegemonia, a retórica das lideranças do MLB
no que concerne às estratégias adotadas pelo movimento no seio da luta política
inspiram e sugerem ainda ação imediata e confronto direto. Na trajetória particular
deste movimento, estratégias como ocupação/acampamento foram sendo
construídas como ações intrínsecas à sua atuação política, a partir da realização de
122

discussões periódicas nas comunidades sobre a situação daqueles que não


possuem casas, seguido de levantamento das pessoas dispostas a integrar e
realizar a ocupação, isto é, concordando em ocupar e acampar, literalmente, em
alguma área da cidade como meio de pressionar e agilizar a conquista de casas,
como expressa o fragmento a seguir de entrevista cedida por uma das lideranças do
MLB:

Isso aqui era um terreno público, que estava abandonado. Que o governo
do Estado inclusive tinha o recurso pra construir 105 casas e perdeu esses
recursos. Um absurdo nós termos hoje uma falta de moradia grande na
cidade e dinheiro voltar para Brasília por incompetência do governo do
Estado! Por isso que o MLB tomou a decisão de ocupar essa área, pra
pressionar o governo do Estado e a prefeitura pra que aqui seja construído,
futuramente, um conjunto habitacional. Hoje somos 200 famílias que
entramos no terreno. A tendência nossa é aumentar, porque a comunidade
vizinha que vive de aluguel, que vive em co-habitação, tá nos procurando
pra entrar também nessa luta (MLB 1).

O momento do acampamento tende a constituir a ocasião na qual as


discussões políticas mais específicas das propostas do MLB são travadas. Os
barracos de lona preta, moradia por um tempo incerto e provisório, são fixados no
período da ocupação, juntamente com as bandeiras e simbologias do MLB,
deixando espaço reservado para as assembleias do movimento, nas quais são
debatidos os próximos passos a serem dados, incluindo as questões do
acampamento, especialmente no que diz respeito à distribuição de tarefas.
Afinal, a necessidade de organização do acampamento apresenta novas
exigências e demandas internas para o movimento e para o processo de
organização das famílias. Existe, assim, todo um conjunto de normas e disciplinas a
serem seguidas, conforme identifica a pesquisa de Marques e Medeiros (2012): as
chamadas regras de convivência, sendo parte da necessidade de auto-gestão do
movimento, devem ser seguidas por todos(as) participantes da ocupação.
Caso contrário, são acionadas sanções definidas previamente de forma
coletiva e legitimadas pelo consenso da comunidade. Referindo-se às ocupações
urbanas do MLB, a pesquisa supracitada destaca três formas de pena: a
advertência; a perda do direito de voto nas assembleias do movimento e, nas
situações mais graves e/ou reincidentes, há ainda a possibilidade do membro
infrator ser expulso da comunidade. De acordo com o caráter de uma ou outra
situação, a avaliação do caso e a adoção de seu conseqüente encaminhamento
123

caberá ora à direção do movimento, ora à assembleia constituída pelo conjunto da


comunidade ocupante.
Durante o período do acampamento, a organização interna do MLB
compreende o direito ao voto nas assembleias gerais por parte de todos os(as)
ocupantes; a necessidade de contribuição financeira das famílias para a
sustentabilidade material do movimento e suas ações; a proibição de roubo, passível
de conduzir à expulsão do acampamento, assim como igualmente o é o caso de
identificar-se ocorrências de agressão e violência contra as mulheres da ocupação.
Para exemplificar e melhor caracterizar a estratégia em questão, o próprio

Figura 07 – Ocupação em terreno abandonado Figura 08 – Assembleia realizada durante ocupação


realizada pelo MLB. Fonte: Arquivos do MLB (2012). liderada pelo MLB. Fonte: Arquivos do MLB (2012).

MLB faz referência ao lugar e ao sentido dessas ações de ocupação para o


Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), haja vista anteriormente
este trabalho ser feito quase que exclusivamente pela militância deste movimento:

Somos parecidos com o MST, que segue essa mesma linha, a luta deles é
no campo e a gente na zona urbana (MLB 2).

A relação entre a ação política do MST e do MLB, como sinalizado pelo


dirigente deste último movimento, não se restringe apenas ao uso de uma estratégia
comum, e isto fazemos questão de enfatizar. Trata-se, na realidade, de uma relação
bem mais profunda, na medida em que constitui uma relação estrutural, entendida
dessa forma porque em momento algum perdemos do horizonte a estreita
vinculação campo e cidade.
124

Neste sentido, a reforma agrária – principal bandeira que move as


reivindicações dos Sem-Terra – revela-se como uma dimensão da questão também
urbana; quiçá seja a reforma agrária a principal questão urbana (SILVA, 1996), ou
seja, componente fundamental da reforma urbana e da materialização do direito à
cidade. Nessa perspectiva, a respeito da legitimidade da estratégia de ocupação,
José Gomes da Silva, ex-presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), assevera:

As ocupações existem porque, no contexto social que vivenciamos, o


ocupante procura por trabalhos em espaços vazios, abandonados, sem
destinação, empurrado pela necessidade de fome, de trabalho, como
imperativo de emergência. Assim, em razão de ser famélica esta ocupação,
ela não pode ser punível. Ocupar terra para plantio [e para moradia] não é
delito; delito é o estoque especulativo de terras. Merecem punição, de
acordo, com a lei, os proprietários que mantém a terra ociosa, sem
destinação social (SILVA, 1996, p. 02).

Duas preocupações aparecem implícitas na nota supracitada: insistir na


defesa das ações do movimento, reafirmando a legitimidade da estratégia de
ocupação, e demarcar enfaticamente uma diferença radical entre ocupação e
invasão. Esta preocupação em diferenciar bem estas duas noções decorre
especialmente do fato de invasão ser tipificada no Código Penal como “esbulho
possessório visando à obtenção de vantagens econômicas ou financeiras” e, não
correspondendo, portanto, de forma alguma ao que fazem os movimentos sociais
urbanos e rurais.
Dada a imensa desigualdade sócio-espacial, geradora também de
significativa quantidade de pessoas despejadas de seus territórios de moradia, não
resta a estas famílias qualquer alternativa legal, a não ser a estratégia legítima de
ocupação da terra para morar. Mas, neste percurso entre a ilegalidade e a
legitimidade da ocupação, também novas formas e conteúdos de segregação sócio-
espacial vão se consolidando, sob a marca de uma onda de larga estigmatização da
pobreza urbana, via ampla disseminação da “cultura do medo” e conseqüente
isolamento da elite em verdadeiros guetos de luxo.
Nada mais do que um reforço à dualidade entre cidade dos ricos e cidade dos
pobres, ou mesmo, entre cidade legal e cidade ilegal (BONDUKI, 2010),
aprofundando as contradições e desdobramentos da questão social na atualidade,
bem como a criminalização da pobreza com base na noção de “classe perigosa”.
125

Aqui, cabe atentar para o alerta de Ermínia Maricato (2011) ao ressaltar sobre a
ilegalidade da propriedade da terra urbana não se referir somente aos pobres, haja
vista serem também ilegais os loteamentos fechados – alguns bastante famosos –
que se multiplicam nos arredores das grandes cidades, na proporção em que estes
usufruem privadamente de áreas verdes e também vias fechadas de trânsito
intramuros48.
Outrossim, impera no cotidiano da atuação política dos movimentos sociais o
largo quadro de dificuldades contemporâneas de organização e mobilização das
massas, adensado em um cenário de ampliação do desemprego, precarização do
trabalho e agravamento da pobreza.
Por certo, reconhecemos que a realidade está prenhe de focos de resistência
classista, com diversos sujeitos coletivos empreendendo lutas concretas em prol dos
interesses das classes subalternas. Todavia, não podemos negar que as
transformações ocorridas no mundo do trabalho e na dinâmica de produção
capitalista, nas últimas décadas, operaram alterações substantivas no seio da classe
trabalhadora e produziram um cenário de inúmeras dificuldades para a organização
política crítica e combativa, como atestam os depoimentos dos(as) dirigentes dos
movimentos sociais em Natal:

Acho que o principal desafio é a pouca mobilização da juventude. É muito


forte o pensamento de que os problemas devem ser resolvidos de cima,
pelos outros [...] uma grande dificuldade é conseguir trazer os jovens para o
movimento social. Muitos até apóiam, não criticam, mas não querem se
envolver. Porque não é só uma questão dos jovens não quererem se
mobilizar, é também porque é muito difícil mesmo pro jovem se envolver
com a militância e dedicar seu tempo a isso, quando já tem que se
desdobrar entre os estudos e entre o trabalho (LPJ 1).

[...] o trabalho da APAC com o Comitê, de mobilização, é um trabalho de


formiguinha. Apesar das pessoas terem consciência hoje (isso já devido o
nosso trabalho), apesar das pessoas terem consciência dessa necessidade
de participação e dos direitos, as pessoas são muito pacatas ainda. Acho
que essa parte de mobilizar pras pessoas participarem é o mais difícil
(APAC).

É possível transformar essa sociedade. Agora, o povo é que é muito


receoso, porque vê os acontecimentos mundiais e acha que isso não é
possível na nossa cidade. Tivemos exemplo aí com a juventude quando a
política da nossa cidade quis impor um aumento de passagem e o resultado
foi esse. Pra transformar a sociedade, não há outro caminho, tem que ir por
esse caminho, do enfrentamento; do debate, da discussão e do

48
Do ponto de vista legal, o parcelamento da terra nua é regido pela Lei Federal 6.766 de 1979 e não
pela que rege os condomínios, a Lei 4.591 de 1964.
126

enfrentamento. Se a gente se acovardar agora, a gente vai viver pelo resto


da vida de joelhos (MLB 1).

Reaparecem, nos depoimentos dos dirigentes de movimentos e organizações


populares de Natal, preocupações antigas e bastante caras aos movimentos
urbanos no que diz respeito à participação, organização, mobilização e
conscientização, conforme atestam os debates realizados nos Encontros de
Movimentos Populares, sistematizados por Ana Maria Doimo:

a) há muita dificuldade em mobilizar a população. É preciso descobrir meios


para motivar à participação; b) há falta de líderes e os que existem têm
muitos compromissos assumidos; c) a televisão é a maior rival; d) faltam
recursos financeiros para o incremento de meios de divulgação e
mobilização. Por outro lado, os meios de comunicação pouco apoio dão; e)
a investida do poder público é muito grande e a maneira como ele se
apresenta torna difícil entender se ele é adversário ou protetor; f) as
pessoas querem resultado a curto prazo e não têm um objetivo maior para
lutar; g) o povo não acredita na sua força e nem na política; h) é preciso
integrar mais os movimentos de bairro e não ficar só a nível das
reivindicações, mas promover o lazer e a cultura (teatro, cine-clube, etc)
(1984, p. 37).

Verificamos com isso que preocupações da década de 1980 permanecem na


ordem do dia no que se refere à ação política dos movimentos populares de Natal no
período recente. Entendemos que dois aspectos são especialmente centrais para
engendrar e atualizar de modo permanente tais dificuldades de mobilização, a saber:
o peso da formação sócio-histórica brasileira e, nos dizeres de Ivo Tonet (2009), as
expressões socioculturais da crise capitalista na atualidade, que traz como uma de
suas manifestações o alargamento da ideologia individualista.
A interlocução com o pensamento social brasileiro nos permite assinalar,
dentre os aspectos da formação do Brasil, alguns que merecem maior atenção
quando se trata de articulá-los com a realidade atual dos movimentos sociais. A
noção de desenvolvimento desigual e combinado, bem como a idéia de
modernização conservadora, adotadas para explicar o processo de transição do
capitalismo competitivo ao capitalismo monopolista se situam nessa direção, por
serem conceitos que expressam o descompasso verificado entre o desenvolvimento
econômico e o desenvolvimento social. Ora, na formação social e econômica do
Brasil, a pobreza e a desigualdade crescem de forma relativa, na proporção em que
ocorre a expansão das forças produtivas e a concentração do capital.
127

Outro elemento refere-se à marca da heteronomia e da dependência na


formação social brasileira, a qual não apenas mantém e aprofunda as disparidades
econômicas e sociais no país, como também engendra um modo particular de
dominação política e de subsunção ao capital internacional.
Por fim, um aspecto presente e de natureza duradoura na formação social
brasileira, igualmente relevante para considerarmos em nossas análises, refere-se à
incongruência entre as normas legais e as normas práticas. Explica-se este aspecto
da nossa formação histórica pela acentuada especificidade do liberalismo no país
em relação ao padrão europeu.
Ao se construir ora com caráter de um liberalismo heróico no qual convergiam
e mesmo se confundiam as aspirações da elite com os demais grupos sociais, ora
com caráter de um liberalismo regressista, distante e apartado das pressões
democráticas, como destaca Iamamoto (2010, p. 139), “[...] o liberalismo no Brasil
não se constrói sobre a universalidade da figura de cidadão”. Ao contrário, no caso
brasileiro, a cidadania se constrói sob o signo das relações de favor e de
dependência, muitas vezes combinada com o assistencialismo e a repressão.
Com efeito, marcas de nossa herança colonial se atualizam e se transformam
ao mesmo tempo, se reapresentando sob novas condições históricas e a produzir
novos elementos para pensarmos os processos político-organizativos
contemporâneos. Nesse contexto, como assinala Iamamoto (Op. cit) o desafio é
compreender o modo como o capital articula essa multiplicidade de relações,
trazendo para as determinações do tempo presente a incorporação de outras tantas
diferentes lógicas e relações que produziu no passado.
Essas considerações parecem-nos imprescindíveis a qualquer abordagem
teórico-metodológica coerente com a perspectiva de totalidade, pois, sem dúvidas, a
particularidade do desenvolvimento brasileiro repercute, em diversas outras
dimensões da realidade atual, mais ainda na forma como os movimentos sociais se
organizam no país. Ademais, para além do exercício retrospecto do passado,
reconhecendo as reedições reproduzidas nos tempos atuais, consideramos
indispensável, da mesma forma, pensar as novas determinações que se apresentam
neste contexto.
Não nos surpreende, assim, os depoimentos das lideranças dos movimentos
sociais em Natal a reiterar constantemente que “é muito forte o pensamento de que
os problemas devem ser resolvidos de cima, pelos outros”; “as pessoas são muito
128

pacatas ainda” e, na mesma lógica, “o povo é que é muito receoso”, como transcrito
em página precedente.
Sabemos que o desenvolvimento capitalista brasileiro foi conduzido de forma
elitista e anti-popular, marcado por apoios e negociações entre as classes
dominantes, que, estrategicamente, antecipavam as reivindicações da classe
trabalhadora ou, a depender da conjuntura, recorriam à repressão via Estado, como
se verifica no caso da prática dos golpes de Estado. Importa, sob a ótica da classe
dominante, pacificar a classe trabalhadora e evitar grandes pressões populares em
direção a uma ruptura radical com a ordem vigente. Prova disso é que “[...] todas as
opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição
para o capitalismo (desde a independência política ao golpe de 1964, passando pela
proclamação da República e pela Revolução de 1930), encontraram uma solução
pelo alto” (COUTINHO, 1988, p. 106 – 107).
Vale ressaltar que Carlos Nelson Coutinho (Op. cit) chama de “solução pelo
alto” o fato de historicamente os rumos dos processos políticos no país serem
resultado da conciliação entre as frações das classes economicamente dominantes
com a exclusão forçada das forças populares, ao invés de serem resultado de
movimentos verdadeiramente populares, o que não significa ausência de
reivindicações, protestos e lutas das forças democráticas.
Em linhas gerais, fica evidente na leitura do autor o quanto a noção de
“revolução passiva” problematizada tanto por Florestan Fernandes quanto por
Gramsci constitui pressuposto indispensável para a construção de uma “imagem do
Brasil” (COUTINHO, 2013), isto é, de uma formulação não restrita à determinada
questão específica da vida social do país. Se é verdade que nas elaborações de
Gramsci encontramos apenas breves referências literais ao Brasil, também é
inegável a contribuição ao entendimento da realidade brasileira fornecida pelas
categorias teórico-analíticas com as quais o marxista italiano trabalha.
Em Florestan Fernandes (2005), contudo, a “imagem do Brasil” aparece de
forma ainda mais explícita e sob uma ótica fundamentalmente marxista e
revolucionária. A rigor, sua obra articula passado – presente – futuro ao processo de
apreensão da sociedade e da vida política brasileira, contribuindo para uma leitura
acertada e atual do movimento do real em curso. Presumimos assim ser o seu
pensamento uma bússola indispensável para todo aquele que, em uma perspectiva
129

marxista, opte por dedicar-se à compreensão e enfrentamento dos dilemas postos à


revolução brasileira.
Doravante, é praticamente consensual entre os diversos analistas da
perspectiva histórico-dialética que as profundas transformações societárias em curso
a partir da década de 1970, momento em que a crise capitalista irrompeu de forma
mais acentuada, redesenharam amplamente o perfil do capitalismo contemporâneo.
Tais transformações têm estreita conexão tanto com a materialidade da vida dos
sujeitos quanto com a sua subjetividade (TONET, 2009), dimensões de profundo
imbricamento entre elas. Ambas vêm sendo cada vez mais degradadas, como
decorrência inevitável da reprodução do capital.
No âmbito das necessidades materiais, as manifestações da crise atual do
capital têm posto em evidência um imenso cortejo de negação de condições de vida
dignas, dado o não acesso ou acesso extremamente precário a direitos sociais
básicos e elementares, acompanhado de políticas públicas predominantemente
emergenciais e focalizadas. O resultado disso é um quadro de desmobilização da
organização dos(as) trabalhadores(as) e despolitização das políticas públicas, “[...]
visto que não é necessária nenhuma reivindicação ou organização dos
trabalhadores para ser ‘beneficiário’ da política social focalizada, mas sim ser e
manter-se pobre ou miserável” (DURIGUETTO, 2009, p. 59).
Ademais, em que pese a classe trabalhadora nunca ter sido uma classe
homogênea, é inegável que as transformações societárias recentes comprometeram
também o grau de unidade e de identidade no interior da classe. Com efeito, dentre
outros mecanismos, a própria “[...] focalização divide os trabalhadores em diferentes
categorias (miseráveis, pobres) e estimula a disputa no âmbito interno da classe
trabalhadora para a entrada nos programas de transferência de renda”
(DURIGUETTO, 2009, p. 59), dificultando sobremaneira o processo de mobilização e
organização da classe trabalhadora.
No tocante às manifestações da crise do capital no âmbito da subjetividade
dos indivíduos, dimensão de necessário enfrentamento, o professor Ivo Tonet nos
ajuda a elucidar o debate por meio da explicitação das expressões socioculturais
que marcam a crise da sociabilidade capitalista atual, ao fazer referência à
efemeridade e a perenidade; ao desmesurado aumento do fundamentalismo
religioso e do salvacionismo; e ao individualismo exacerbado. Ora, muitas vezes as
dificuldades dos movimentos para mobilizarem suas bases são atribuídas por suas
130

lideranças ao perfil que particulariza os sujeitos que estão na composição social do


movimento, seja a juventude ou a terceira idade, como nos foi possível constatar:

No contexto geral, a maioria das pessoas que vão ser atingidas [pelas obras
da copa] são idosos, entre adultos e idosos. E pra você levar as pessoas
pras ruas, é difícil. Não é fácil você tirar uma pessoa de 60 anos de casa.
Graças a Deus, nas audiências públicas a gente vai. É meio que um
trabalho de formiguinha, eu mesma já fui diversas vezes de porta em porta
batendo ‘e aí, a audiência pública, tal dia, vamo lá, é interessante...’ Nas
audiências públicas a gente sempre conseguiu lotar a casa. Nos atos, na
rua, a gente não conseguiu muita projeção. Se de 449 desapropriados
fossem um de cada casa já era 449 pessoas, mas a gente conseguia nos
atos só umas 60 pessoas na rua (APAC).

Entretanto, apesar disso e considerando tais elementos, pensamos ser


importante situar as dificuldades de mobilização enfrentadas hoje pelos movimentos
e organizações populares de Natal circunscritas à esfera do modo de ser e pensar,
amplamente difundido, segundo o qual ao mesmo tempo em que parece nada existir
de estável, também se tem a convicção de que esta sociabilidade atingiu um
patamar insuperável. Diante da aparente ausência de soluções para o lastro de
problemas cotidianos com os quais os indivíduos se deparam, “[...] o indivíduo,
desconhecendo a lógica que levou a esse resultado [...] sente-se impotente (para
compreender e para intervir e mudar) e desvalido. Sua reação é buscar soluções
para além desse mundo, em poderes fora da realidade humana ou natural” (TONET,
2009, p. 119), o que tem provocado o desmesurado aumento do misticismo e da
religiosidade mais primária.
À lógica salvacionista como fator que contribui para a desmobilização,
agrega-se a convicção individualista, em um evidente reforço às análises que
advogam não serem viáveis as soluções coletivas e que, portanto, a solução dos
problemas somente pode ser encontrada no plano individual. Nesta concepção, os
sucessos ou fracassos na vida dependem dos próprios indivíduos, considerados
isoladamente. Reeditam, assim, o liberalismo e atuam no sentido da verdadeira
legitimação da barbárie.
Além dos fatores já delineados, em nossas leituras de conjuntura,
acrescentamos, ainda, novos elementos e determinantes que merecem ser
considerados. Referimo-nos a elementos integrantes do contexto particular dos anos
2000, período marcado pela ascensão de um partido de esquerda ao governo
brasileiro, imprimindo particularidades à atuação dos movimentos sociais nesse
131

período e, por decorrência, à sua capacidade de mobilização e de organização para


as lutas.
A partir da eleição de Luís Inácio Lula da Silva49, em 2002, havia uma
expectativa no campo democrático-popular de ruptura com a diretiva burguesa que
hegemonizava as decisões no âmbito do Estado, conduzindo o processo de
contrarreforma. Afinal, tratava-se do “início de um governo de origem operária e
popular, eleito, dentre outros elementos, com base na insatisfação com as
conseqüências do projeto da contra-reforma [sic] no país, e que mobiliza a
esperança de milhões de brasileiros” (BEHRING, 2003, p. 283).
Não por acaso, a candidatura de Lula conta, então, com amplo apoio de
vários movimentos sociais. Desta afirmação podemos apreender a historicidade na
qual o fenômeno do lulismo está imerso, haja vista que desde o final dos anos 1980
a esquerda brasileira se organiza e se unifica centralmente em torno de um único
projeto: a eleição de Lula para presidente do Brasil, expresso na meta-síntese “Lula
lá”.
Dados dos pleitos eleitorais de 2002 e 2006, analisados por Singer (2009),
demonstram que o lulismo configura-se como expressão de uma camada social
específica: eleitores de baixíssima renda ou, em outras palavras, o subproletariado 50
brasileiro. Segundo Singer, a reeleição de Lula, no pleito de 2006, (Ibid), não
constitui mera repetição do resultado do pleito eleitoral de 2002, na proporção em
que este último representa um importante realinhamento político de estratos
decisivos do eleitorado: o subproletariado, que até então se mantinha distante de
Lula, adere em massa à sua candidatura, após o primeiro mandato, ao mesmo
tempo em que a classe média, estudantes universitários(as) e intelectuais se
afastam51.

49
Ex-sindicalista e co-fundador do PT, Lula assumiu a presidência do Brasil, por este partido, de 1º
de janeiro de 2003 a 1º de janeiro de 2011. Tornou-se o primeiro presidente desde Getúlio Vargas a
fazer o seu sucessor nas urnas e fez com que o PT se tornasse o primeiro partido desde a
democratização a ficar no governo federal por três mandatos consecutivos.
50
“Subproletários são aqueles que oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar
quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais.
A menos que organizado por movimentos como o MST, tende a ser politicamente constituído desde
cima, como descobriu Marx a respeito dos camponeses da França em 1848. Atomizados pela sua
inserção no sistema produtivo, necessitam de alguém que possa, desde o alto, receber a projeção de
suas aspirações” (SINGER, Op. Cit, p. 98-99).
51
Na tese de Singer (Op. Cit), dessa forma, a eleição de 2006 é que teria sido decisiva. Ousamos
supor, entretanto, que é possível tal realinhamento já vim se desenhando um tanto antes disso,
principalmente nas camadas populares da região Nordeste. Possibilidade que mais tarde – em
publicação recente – será reconhecida pelo próprio autor (Cf. SINGER, 2012).
132

Múltiplos fatores têm sido apontados, por diversos estudos, numa tentativa de
explicar o porquê das preferências ideológicas de brasileiros e brasileiras, no
período pós-redemocratização, serem marcadas por certo ‘conservadorismo
popular’, no sentido da expectativa por um Estado suficientemente forte para
diminuir a pobreza, sem ameaçar, todavia, a ordem estabelecida, como destaca
Singer:

Os eleitores mais pobres buscariam uma redução da desigualdade, da qual


teriam consciência, por meio de uma intervenção direta do Estado, evitando
movimentos sociais que pudessem desestabilizar a ordem. Para eleitores
de menor renda, a clivagem entre esquerda e direita não estaria em ser
contra ou a favor da redução da desigualdade e sim em como obtê-la.
Identificada como opção que colocava a ordem em risco, a esquerda era
preterida em favor de uma solução pelo alto, de uma autoridade já
constituída que pudesse proteger os mais pobres sem ameaça de
instabilidade. Esse seria o sentido da adesão intuitiva à direita (2009, p. 87-
88).

Percebemos ser grande a legitimidade de Lula durante os seus governos,


junto ao subproletariado, parcela da sociedade que a esquerda sempre teve
particular dificuldade para organizar. Ademais, a eleição, em 2010, da ex-ministra
Dilma Rousseff52 (PT) representou mais uma expressão da legitimidade do
fenômeno do lulismo e da ideologização nele contida.
No período de campanha eleitoral, foi possível notar que na medida em que o
eleitorado adquiria a informação de que ela era “a candidata do Lula”, mais cresciam
suas chances de vitória nas urnas, com base no apoio do subproletariado brasileiro,
mesmo perfil do eleitorado de Lula; Parece-nos, aliás, contrariando muitas das
expectativas primeiras, que a presidente Dilma Rousseff conseguiu manter viva a
reprodução do lulismo em sua lógica, ideologização e popularidade, mesmo sem
contar com os mesmos atributos carismáticos da figura de Lula, como demonstram
os índices de popularidade e aprovação do governo Dilma, noticiados pela imprensa,
estipulados em torno de 50%, no primeiro semestre de 2012 53. Também se verifica
na realidade de Natal expressões da legitimidade dos governos Lula e Dilma:

52
Economista, filiada ao Partido dos Trabalhadores e eleita para presidente do Brasil no período de
2011 a 2015, sem nunca antes ter disputado uma eleição.
53
Disponível em: http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,EMI232968- 16418,00-
POPULARIDADE+DE+DILMA+DEVE+RESISTIR+A+INFLAÇÃO+EM+ALTA.html. Acesso em: 15 de
agosto de 2012.
133

O governo federal, se diga de passagem, mudou a política. Lula disse para


nós: ‘eu posso até não ter resolvido todos os problemas de vocês, mas eu
digo a vocês, nós conversamos’ (MLB 1).

Apoiamos o Lula e apoiamos a Dilma. Entendemos que é uma etapa da


luta, vai chegar o momento que vamos dizer: Lula não resolveu tudo, vamos
votar na Dilma, mas ela também não vai resolver. Vai chegar o momento em
que a gente tem de ter outro caminho. A gente votou num operário, não
resolveu tudo, fez alguns paliativos, algumas reformas. Votamos na mulher
que ele mandou. Etapas são importantes para a democracia, no nosso
sistema democrático, mesmo sendo burguês [...] existe uma questão
econômica por trás disso (MLB 2).

Todavia, inexistem análises uníssonas a respeito. Ao contrário. A


caracterização dos até então dez anos de governo do PT constitui objeto de debates
e polêmicas constantes no seio da intelectualidade e da militância política.
Identificamos pelo menos três grandes tendências que vêm abrigando análises
acerca dos governos Lula e Dilma, as quais oscilam entre caracterizar estes
governos como neoliberais e/ou de direita (quiçá centro-esquerda); como governos
neodesenvolvimentistas ou ainda como governos marcados pelo denominado
“reformismo fraco”. Isso para ficarmos apenas no campo das posições explicitadas
por dentro da esquerda brasileira.
Na análise de significativa parcela da esquerda, o governo seguiu não só
mantendo e sustentando a lógica neoliberal, como, também, aprofundando muitos
de seus aspectos, dada a radical mudança de direção do PT. Asseguram, desse
modo, ter sido a continuidade ao modelo neoliberal uma opção feita pelo Partido dos
Trabalhadores na medida em que este passou a assumir as reformas orientadas
para o mercado, anteriormente combatidas pelo partido (GALVÂO, 2006). Para
estes setores, a chegada do PT ao governo constitui, portanto, a ascensão de um
governo supostamente de esquerda, notadamente atuando no sentido de
implementação e avanço das políticas neoliberais e das contrarreformas do Estado.
Em tais análises constitui tendência predominante atribuir ao governo petista
a condição de inimigo principal da classe trabalhadora e/ou ao PT a condição de
aliado do imperialismo e do grande capital, sem sombra de dúvidas, estes sim, os
verdadeiros inimigos da classe. Por vezes, situa-se os governos Lula/Dilma como
governos de direita a serem combatidos, afirmando ser constitutivo do modo petista
de governar “[...] ações de extrema direita que fazem o governo FHC parecer de
extrema esquerda e revolucionário” (GARCIA, 2013, s/p).
134

Entretanto, especialmente a partir do segundo mandato do governo Lula


(2007-2010), ganha fôlego uma nova expressão teórica de análise do governo: a
tese do neodesenvolvimentismo. Tal caracterização do governo:

[...] supõe crescimento econômico, ampliação e formalização do emprego,


intervenção do Estado, dentre outros aspectos que, pelo menos em tese,
rechaçam medidas neoliberais [...] podemos afirmar que a era Lula é palco
da conciliação de iniciativas aparentemente contraditórias: as diretrizes do
receituário liberal e a pauta desenvolvimentista. Note-se que na primeira
etapa do seu mandato foram realizadas as contrarreformas da previdência e
da educação, concomitante ao aumento das taxas de juros; enquanto que
no mesmo período era expandida a assistência social, o crédito ao
consumidor, os empréstimos populares e os aumentos do salário mínimo
(MOTA, 2010, p. 19-21).

O governo do PT atenderia, assim, a interesses muito distintos, respondendo


as reivindicações das classes subalternas e, ao mesmo tempo, assegurando as
exigências das classes dominantes. A caracterização do governo petista como
neodesenvolvimentista é, sem dúvidas, polêmica. A própria parcela da
intelectualidade e da militância da esquerda brasileira que sustenta a tese em
questão, parte do pressuposto que em comparação ao período de 1930 a 1980, há
diversos limites e aspectos que diferenciam este primeiro momento do período atual
(décadas de 2000 e de 2010).
Na análise de Armando Boito Júnior (2012), essa política é o
desenvolvimentismo possível para uma economia que não rompeu – e para um
governo que não quer romper – com o modelo capitalista neoliberal. Apresenta,
nesse sentido, um crescimento menor que o do velho desenvolvimentismo; uma
menor capacidade de investimento do Estado; uma importância menor do mercado
interno e do desenvolvimento da indústria e menor capacidade de distribuição do
patrimônio e da renda.
Note-se que a caracterização do governo como neodesenvolvimentista
apresentada aqui não supõe de forma alguma qualquer ruptura ou superação do
neoliberalismo. Sob esta ótica da análise, este permanece extremamente atual e
condiciona os limites e desvantagens da política econômica e social atual frente à
velha política desenvolvimentista, aliás, vivenciada pelo Brasil de modo bastante
particular.
Outros setores da esquerda têm chamado atenção para o equívoco de se
estabelecer o neodesenvolvimentismo como expressão característica do governo
135

petista, embora existam diversos pontos de acordo com a análise realizada pelos
setores que apostam nesta caracterização. Para este último campo teórico e político,
constitui análise mais acertada a leitura do governo PT como sendo um reformismo
fraco (Cf. SINGER, 2012) e, por isso mesmo, desmobilizador. A perspectiva em voga
não nega a atualidade da polarização PT x PSDB (os dois principais partidos
políticos que encontramos atualmente na cena política brasileira), inclusive a
reconhecendo como fundamental no âmbito da luta de classes. Contudo, o conteúdo
desta polarização já não é mais o mesmo há algum tempo.
Para a perspectiva do governo petista como “reformismo fraco”, o fenômeno
da legitimação destes governos na sociedade brasileira pode ser explicado, em
síntese, porque na raiz da formação do lulismo encontram-se o discurso e a prática
que unem a manutenção da estabilidade e a ação distributiva do Estado, articulando
elementos de direita e de esquerda.
Nessa lógica, ao incorporar pontos de vista conservadores,
“[...] principalmente o de que a conquista da igualdade não requer um movimento de
classe auto-organizado que rompa a ordem capitalista, como progressista [...] de
que o Estado fortalecido tem o dever de proteger os mais pobres [...]” (SINGER,
2009, p. 102), Lula consegue adesão e legitimidade significativa entre o
subproletariado, aliado a um crescente abandono do programa político original do
Partido dos Trabalhadores (PT).
Desse modo, o governo petista tem contado não apenas com o apoio da
burguesia, mas também, de bases de apoio na classe média e em setores populares
e, nesse processo, tem disposto da confiança e do apoio de parcela significativa dos
movimentos sociais, colocando novas dificuldades para o cotidiano da mobilização
popular.
Disso deduzimos ser a análise e caracterização dos governos Lula e Dilma
parte de um imenso debate em aberto, ao qual sinalizamos neste trabalho de forma
ainda muito tímida. Mas se optamos por não deixar de minimamente esboçá-lo aqui,
foi por entendermos que tais análises estão inscritas e diretamente vinculadas à
ação política e atuação de importantes centrais sindicais, movimentos camponeses,
movimentos populares por moradia e também – importante atentar – estão
relacionadas com as posições que tomam imensas parcelas da classe trabalhadora,
não organizada em movimentos, seja pelo voto ou por outras formas de
manifestação.
136

No que diz respeito às dificuldades de mobilização sinalizadas pelas


lideranças dos movimentos organizados em Natal, evidente que a própria dinâmica
da sociabilidade do capital é determinante, muitas vezes, para a geração de
processos de acomodação à ordem - amparados na apatia e no imobilismo - e
entender esta dinâmica contribui para compreendermos o porquê da expressiva
quantidade de sujeitos que não se inserem ou participam de algum espaço político e
tampouco acreditam nas possibilidades da organização coletiva, atitudes
extremamente difundidas pela lógica desta sociabilidade.
Ao mesmo tempo, as contradições, produzidas no cotidiano das relações
sociais, possibilitam que, ao elevarmos nosso nível de consciência, nos percebamos
como sujeitos das alterações históricas. Nessa dialética, “[...] a acomodação do
proletariado à lógica do capital não é a negação da luta de classes, mas uma das
formas de sua manifestação” (IASI, 2007a, p. 114).
À mobilização, entretanto, precede trabalho de base contínuo, pois embora
aparentemente – dadas as suas péssimas condições de vida - possamos logo
pensar que o morador vai se envolver em qualquer tipo de luta, visto não ter nada a
perder, não é de modo tão mecânico e imediato que este processo se delineia.
Predominantemente, é tão grande o seu nível de desilusão, medo e descrédito
diante de todas as agruras vividas, que para ele parece indiferente qualquer ação. À
medida que vai sendo chamado, ele vai se recusando e, certo dia, acaba indo a uma
das reuniões ou alguma manifestação pública e acaba se envolvendo (SILVA, 1992),
como ilustram bem os depoimentos a seguir:

Nós saíamos panfletando e batendo de porta em porta, sem discriminar


casa alguma, falando com todos, perguntando se moravam de aluguel,
chamando para reunião. A grande maioria das pessoas ficavam
desconfiadas, achando que era algum tipo de golpe, e outras tinham medo
ou até discordavam da ocupação. Íamos preparados para argumentar e
convencer essas pessoas e, na maioria dos casos, conseguíamos (MLB 1).

A primeira reunião que fizemos [na origem do movimento] contou apenas


seis pessoas. Explicávamos sobre a necessidade de organizar a ocupação,
falávamos da experiência do MLB em outros estados e todos saíam com o
compromisso de trazer mais pessoas nas próximas reuniões. Em pouco
tempo, tivemos que conseguir uma sala numa escola, porque já não cabia
mais tanta gente onde fazíamos a reunião. Depois, a gente viu que várias
pessoas tavam vindo (MLB 2).

Logo, para mobilizar para as lutas, o movimento necessita que seus militantes
estejam cotidianamente trabalhando junto às bases e mostrando aos sujeitos os
137

desafios e perspectivas das lutas. Trabalho de base, compreendido aqui como o


desafio de despertar nos indivíduos o encanto pelo movimento político, com
esperança na organização coletiva e na possibilidade de construção de ações
políticas democráticas:

[...] nós temos um trabalho de ir até os bairros mais carentes né? Nós
visitamos as famílias, fazemos o levantamento de quem mora em área de
risco, casa de parente, de aluguel.... então nós convidamos essas famílias
pra participar das reuniões do MLB. A partir dessas reuniões, a gente
começa a expor pra elas que não é justo que poucas pessoas tenham tanto
durante uma vida e tantas tenham tão pouco (MLB 2).

A gente primeiro tem que compreender que essa juventude, ela estuda,
trabalha, e tem toda uma vida privada que não a deixa estar nos espaços
organizativos políticos. Então, o que é que a gente tenta fazer pra que essa
juventude sinta um gozo né, sinta uma vontade de querer tá em algum
espaço, né? Primeiro, acho que uma característica importante que o
Levante vem trazendo é a animação. E aí, pra mobilizar a juventude, a
gente às vezes traz pautas que não parecem ser importantes pra alguns
setores políticos, que às vezes é o simples fato de mobilizar a juventude pra
tirar o lixo do bairro, da rua... e aí se isso mobiliza, é uma estratégia
importante pra gente pautar outras coisas, como a saúde, a educação... pra
tá depois pautando lutas concretas e massivas (LPJ 2).

Percebemos, a partir dos depoimentos das lideranças entrevistadas, ser o


trabalho de base visualizado pelos movimentos sociais como uma das melhores
formas de comunicar às pessoas o projeto político e a concepção de mundo que
orienta a ação do movimento. Tomado concretamente, o trabalho de base assume
diferentes formas, a depender do setor ou segmento da sociedade com o qual o
movimento está lidando, mas em todos os casos pressupõe a necessidade de traçar
pontes de diálogo e conversação entre o movimento e àqueles sujeitos que
potencialmente constituem a sua base.
Fundamental para o processo de mobilização popular, o trabalho de base
revela-se também como uma estratégia importante para a luta política, em que
pesem as diferentes perspectivas e métodos a partir dos quais pode vir a ser
materializado:

Um dos jeitos é quando o povo tem que descobrir, com a ajuda do


formador, o que ele precisa fazer e combinar como deve ser feito [...] Só
assim ele se sentirá como sujeito do processo, da luta, e assumirá as
consequências de suas decisões [...] Outro jeito é quando o formador passa
a dizer o que e como o povo deve fazer. Não basta apenas contar ou relatar
o que foi decidido. Se o povo se sentir mandado não lutará de forma
apaixonada, não se sentirá parte interessada, e colocará a culpa nos outros
quando algo sair errado (PELOSO, 2009, p. 47).
138

Trabalho popular que possui caráter educativo, revelando-se fundamental no


processo de sensibilização para as lutas, como ressalta PELOSO (2009, p. 49):
“Quando se fala que em um lugar tem trabalho de base se está dizendo que ali há o
surgimento de novos militantes, à altura, para dirigir uma parte, um setor ou uma luta
dos trabalhadores”.
Desse modo evidencia-se nitidamente outra dimensão presente no trabalho
de base: seu caráter formador de quadros para os movimentos. Afinal, para que os
movimentos não percam sua capacidade de mobilização para as lutas, a formação
política de seus militantes revela-se fundamental.
Compreendemos formação política como um processo no qual o indivíduo se
percebe como ser histórico capaz de intervir na realidade. Entende-se por formação
política a apropriação de conhecimentos teóricos e da prática política que
instrumentalizem o sujeito para a análise da realidade e para a elaboração de
alternativas visando sua contestação e alteração.
Portanto, a formação política constitui um aspecto complementar e
indissociável do exercício da militância, justamente por ser indispensável à luta
política. O papel da formação no processo de construção da consciência é
demonstrado pelo fato da formação significar um momento teórico da prática
política, que consiste na socialização da teoria acumulada, relacionando-a com um
contexto concreto e, desse modo, incorporando como um novo horizonte para
futuras ações do movimento:

A formação política é muito importante pra gente porque sem formação a


gente não consegue se organizar. A gente tem que saber o porquê tá
lutando.... ter uma mínima compreensão do que tá acontecendo no Brasil
(LPJ 2).

O estudo da teoria e a formação política são responsáveis pelo conteúdo


dado às reivindicações dos movimentos, bem como por orientar as táticas e
estratégias a serem adotadas. Quando a formação política encontra-se fragilizada,
por conseguinte, as ações perdem a radicalidade e seu potencial de intervir
qualitativamente na realidade; um aspecto não se dissocia do outro. Ao contrário,
trata-se de uma relação intrínseca e direta.
139

Certamente, por mais profunda que seja a formação política, ela é incapaz de
gerar, por si mesma, a ação. Na realidade, a formação política acontece, sobretudo,
na prática concreta, na ação política, na práxis. Contudo, a mediação da prática
concreta pela teoria reveste-se de fundamental importância. Caso contrário, não
teremos nada além de um ativismo inconsequente e estéril, alimentando
intervenções políticas com base na “boa vontade” e na espontaneidade.
Em síntese, apreende-se, no tocante ao cotidiano da ação política dos
movimentos e organizações populares de Natal, que dentre as estratégias tomadas
pelos movimentos pesquisados, organizados na cidade, no contexto da luta pela
hegemonia, é comum a adoção de abaixo-assinados, manifestos ou mesmo atos
públicos e, com maior frequência, são utilizadas como estratégia o diálogo e a
comunicação verbal e, por vezes, instrumentos de comunicação de massas. Ao
mesmo tempo, a ação política destes movimentos também inspiram e sugerem ação
imediata e confronto direto, com destaque para as estratégias de
ocupação/acampamento.
Tais formas de atuação, compreendidas como parte do trabalho de base
realizado por estes movimentos, inscrevem-se como expressões diversas do
processo pedagógico de sensibilização e desenvolvimento de uma consciência
política contra-hegemônica.
Todavia, deparam-se estes movimentos com um largo quadro de dificuldades
contemporâneas de organização e mobilização das massas, adensado em um
cenário de ampliação do desemprego, precarização do trabalho e agravamento da
pobreza, pois não podemos negar que as transformações ocorridas no mundo do
trabalho e na dinâmica de produção capitalista, nas últimas décadas, operaram
alterações substantivas no seio da classe trabalhadora e produziram um cenário de
inúmeras dificuldades para a organização política.

4.2 Para o indivíduo sozinho é mais difícil, mas de forma coletiva fica mais
fácil... Avanços e entraves no cotidiano das lutas

Os avanços e entraves nas lutas dos movimentos sociais em Natal são


analisados nesta seção à luz das formulações teóricas de autores clássicos da
tradição marxista, privilegiando a discussão a partir das contribuições leninistas
sobre a teoria da organização. Contribuições estas que trazem imbricadas em si as
140

necessidades expressas pela luta de classes, no contexto em que este autor


exerceu, ao mesmo tempo, a atividade de pensador e militante, teórico e dirigente
político. Não obstante, discutir os processos de transformação societária e a
concepção de revolução nessa perspectiva contribui para apreendermos melhor o
movimento político das massas em seus avanços e recuos, dimensão importante do
nosso objeto de estudo.
Ora, tal como aprendemos com Lênin, uma revolução é feita por uma série de
batalhas. Perceber a revolução como uma série de batalhas constitui um evidente
contraponto à noção ingênua de revolução como um ‘ato único’, ou uma ‘única
batalha’, facilmente desenvolvida e sem grandes contratempos. Em Lênin, a
revolução pressupõe uma nova concepção de história, capaz de percebê-la como
um processo complexo e contraditório, jamais linear ou passível de se realizar
somente em condições totalmente favoráveis (LENIN, 1961; 1979). Na leitura de
Lênin, encontra-se também a ideia da vanguarda do partido na condução do
movimento político das massas. Na ótica leninista, cabe ao partido de vanguarda
fornecer em cada etapa uma palavra de ordem adaptada à situação objetiva e ainda
reconhecer o momento oportuno para a insurreição.
Todavia, isto não representa negação da dimensão política presente na
prática dos movimentos sociais, dimensão amplamente reconhecida pelo autor.
Aliás, por diversas vezes, Lênin admite que a revolução depende, em primeiro lugar,
da classe e não do partido. Como podemos verificar em sua Carta ao Comitê Central
do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR): “[...] para ter êxito, a
insurreição deve se apoiar não numa conjura, não num partido, mas na classe
avançada. Isso em primeiro lugar. A insurreição deve se apoiar no ascenso
revolucionário do povo [...]” (LÊNIN, 1980, p. 308).
Tal afirmação é feita por Lênin em um contexto de insurreição, não podendo,
nesse sentido, ser descontextualizada e interpretada desconsiderando as
determinações histórico-conjunturais em que foi forjada. Caso contrário, poderíamos
incorrer em um deslize autonomista que não corresponde ao pensamento de Lênin.
Ora, para o autor, o partido político é condição e instrumento sem o qual não há
revolução; é a partir dele que as massas articulam seu projeto de libertação para
avançar.
Nesta acepção, uma revolução política constitui também e, sobretudo, uma
revolução social, uma mudança na situação das classes que compõem a sociedade,
141

especialmente porque é síntese de múltiplas contradições acumuladas durante um


longo período histórico. Traduz o fim de uma superestrutura que já não mais
corresponde às relações de produção estabelecidas. A revolução – expressa Lênin
de modo contundente, em muitos momentos – por isso mesmo não pode nem ser
‘provocada por encomenda’, tampouco ser indefinidamente protelada 54. Do mesmo
modo, a ocorrência da revolução proletária não representa de forma alguma uma
verdade dada, pré-determinada e inquestionável. Ao contrário, Lênin sempre se
preocupa em alertar sobre a influência de diversos outros elementos da conjuntura
social e política – para além do esgotamento das condições do desenvolvimento
econômico e social face à superestrutura vigente.
Elementos como a própria força e o nível de consciência e organização do
proletariado cumprem papel importante no desencadeamento dos processos
revolucionários, na concepção do autor. Contudo, a luta estabelecida entre os
interesses do capital e do trabalho,

[...] antes de ser sentida por ambos os lados, percebida, avaliada,


compreendida, confessada e proclamada abertamente, manifesta-se
previamente apenas por conflitos parciais e momentâneos, por episódios
subversivos [...] As condições econômicas, inicialmente, transformaram a
massa do país em trabalhadores. A situação do capital cria, para essa
massa, uma situação comum, de interesses comuns. Essa massa, pois, é já
frente ao capital uma classe, mas não o é para si mesma. Os interesses que
defendem se tornam interesses de classe. Mas a luta entre classes é uma
luta política (MARX, 1982, p. 117-119).

Sabemos que incidir na luta de classes em favor dos interesses do trabalho


requer capacidade de conquistas e vitórias, mas também, muitas vezes, os
movimentos se defrontam com derrotas e entraves. Historicamente as reivindicações
do movimento popular - ao proclamarem abertamente sua luta - têm como primeiro

54
Não por acaso, o Prefácio de Marx à Contribuição à crítica da Economia Política é bastante
reforçado por Lênin: “[...] na produção social da própria existência, os homens entram em relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção
correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A
totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real
sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida
social, política e intelectual [...] Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas
materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que
não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se
haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações
convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social. A transformação que se
produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal
superestrutura” (MARX, 2008, p. 45).
142

interlocutor as estruturas governamentais, na condição de formuladoras e


implementadoras de políticas públicas, sendo muitos os dilemas e desafios que
permeiam essa interlocução com o poder público, como bem expressam os
depoimentos dos sujeitos de nossa pesquisa:

Sem organização, sem luta concreta, sem massificar, as políticas públicas


(principalmente dentro dos bairros de periferia) elas não serão trazidas pra
população. A população marginalizada, pobre, ela só tem direito, se ela
buscar esse direito. Não tem como você ter um posto de saúde sem
material básico de trabalho, sem ter um profissional... a política pública ela
não vem de graça, de jeito nenhum! Então, se a gente não se organizar ela
não vai vim da forma que nós queremos (LPJ 2).

Eles [o poder público] não esperavam que a gente se articulasse tanto. A


gente teve uma relação deles nos receberem num primeiro momento muito
bem, (com caras e bocas, mas receberem) e quando a gente efetivamente
começou a encher o saco, a cobrar esse é meu direito, eu tenho esse
direito, a gente começou a ser extremamente maltratado, de ter audiência
pública da gente ter chegado e ter voltado sem ter podido dizer nada, tendo
que fazer confusão pra poder apresentar as outras possibilidades. A relação
com a atual gestão é uma relação muito difícil [...] a gente tem 1 ano de
APAC e 1 ano e meio do Comitê em Natal e a prefeita nunca recebeu a
gente. Sempre é um secretário adjunto, um assessor, um num sei o quê....
(APAC).

Talvez a relação estabelecida com o Estado sempre tenha variado, dentre


outros fatores, em função dos objetivos estratégicos dos próprios movimentos
(GOHN, 2007) e das condições em que operam os processos de negociação, da
correlação de forças, dentre outros aspectos.
Indubitavelmente relaciona-se também às diferentes configurações assumidas
pelo Estado no devir histórico, donde decorre somente ser possível entender o
Estado – transvertido de poder público – pelas suas interdependências, em especial
as que mantêm com a sociedade, haja vista esta ser o seu principal oposto, mas
também principal termo de complementação (IANNI, 1986):

O movimento encara o diálogo com os órgãos públicos como importante por


vários motivos: em primeiro lugar, porque as famílias não possuem recursos
para a construção das casas pretendidas, em segundo lugar porque o
governo administra o que de fato pertence ao povo, os recursos advindos
dos impostos, e, em terceiro lugar, os mecanismos desenvolvidos pelo MLB
qualificam o debate. Porque se antes o déficit habitacional e as
reivindicações populares eram resolvidas com muitas promessas e entrega
de algumas casas, em situações muito específicas, funcionando mais como
‘um cala a boca’, hoje em dia o uso do mecanismo de diálogo e
intermediação de conflitos junto aos órgãos públicos promove uma maior
participação dos movimentos nas decisões (MLB 1).
143

O processo de diálogo com o poder público nem sempre funciona, diante da


necessidade das famílias, resultando, muitas vezes, num processo de
morosidade excessiva dos agentes públicos, e uma das consequências é a
atuação mais forte do movimento; passeatas, ocupação de prefeituras,
organização de barricadas e bloqueio de vias, reuniões, entre outras formas
de reivindicação (MLB 2).

Daí a necessidade de superação dialética de uma concepção restrita de


Estado e a formulação de novo conceito capaz de contemplar as exigências postas
pelo movimento do real, como nos indica Coutinho (1987). Consideramos que a
noção de Estado Ampliado cunhada por Gramsci nos permite uma análise da
dinâmica do real na qual se articula economia (domínio crescente do capital) e
política (espaço legítimo de luta).
Exatamente por isso “[…] cuando hay oposición entre Estado y sociedad civil
se trata más de una oposición entre proyectos e interesses organizados disímiles y
no de esferas o âmbitos de vida de la sociedad – la sociedad civil no es una esfera
orgánicamente diferenciada del Estado [...]” (OLIVER, 2009, p. 103), afinal, sob esta
ótica, ambas são um espaço social organicamente integrado.
Em que pesem as tensas relações com o poder público, a Associação dos
Atingidos pelas obras da copa, na visão da liderança entrevistada, tem,
efetivamente, uma história muito mais marcada por conquistas do que por não
conquistas, quais sejam: a conscientização, a redução das desapropriações, a
mudança do projeto original de mobilidade urbana e a possibilidade de realocação
das pessoas de áreas de interesse social. Como destaca uma das lideranças
entrevistada:

[...] além dessa conscientização, a gente primeiro conseguiu diminuir as


desapropriações de 600 pra 449 e hoje, não oficialmente, 264, porque tem
uma mudança proposta no projeto [...] a gente elencou assim possibilidades
e começou a bater nessas possibilidades nas secretarias e sempre a gente
levando porta na cara, “não tem condições de mudar o projeto, o projeto
não é discutível, não é discutível”.... e de repente a gente recebe, numa
segunda-feira, no Diário de Natal, “Prefeitura municipal diz que vai mudar o
projeto de mobilidade diminuindo as desapropriações em 200”. Duzentas
desapropriações a menos! E mesmo não sendo oficial, mesmo a gente não
tendo acesso ao projeto, isso é uma vitória. Você chegar pra’quela pessoa
que não tá mais dormindo há 2 anos e dizer “olha, sua casa não vai mais
sair” é uma vitória (APAC).

Sobretudo a redução das desapropriações previstas no projeto inicial das


obras da copa representa um avanço para a APAC, na medida em que possibilita a
permanência destas famílias em espaços urbanos relativamente bem localizados na
144

cidade. O avanço se caracteriza e acentua-se sobremaneira por tratar-se não de


uma concessão “espontânea” dos grupos dominantes, mas uma evidente
consequência de lutas populares protagonizadas pela Associação.
Ademais, esta não é tão somente a luta por um espaço físico e sua conquista.
A mudança do projeto original de mobilidade urbana e a redução das
desapropriações expressam a conquista de uma determinada condição para o
exercício de direitos sociais e humanos no espaço urbano.
Nesse sentido e, no que concerne ao MLB, as conquistas coletivas do
movimento ora expressam demandas essencialmente jurídicas e institucionais, ora
se confundem com os processos de luta gerados, ponto de encontro/confronto de
interesses distintos e antagônicos na condução da política pública urbana, como
podemos observar no depoimento de uma das lideranças:

O que eu poderia destacar foi o que a gente conseguiu nesses últimos 4


anos, 8 anos, que foi o ministério das cidades, a criação do plano diretor,
todos esses segmentos que envolvem a reforma urbana, mas infelizmente
eles não conseguem sair do papel rápido. Aí por causa dessa morosidade
da Justiça, da legalidade, o recurso finda tendo que retornar pra Brasília,
porque o ministério das cidades é muito rígido em relação ao tempo [...] e
quem sofre com isso é a população, que sabe que tem um plano diretor,
sabe que existe um orçamento participativo onde ela discute onde vai ser
gasto o seu próprio dinheiro, mas que não sai do papel (MLB 2).

Embora não tenha deixado de ocupar imóveis ociosos que descumprem a


determinação constitucional de atendimento à função social da cidade e, ao mesmo
tempo, continue organizando amplas manifestações de rua, a lista de conquistas
destacadas pelo movimento possui caráter demasiadamente jurídico e institucional.
Esta percepção fica ainda mais explícita quando a confrontamos com outra listagem
de conquistas dos movimentos urbanos, dessa vez, encontrada em Maricato (2011).
A pesquisadora contabiliza, entre as conquistas dos últimos vinte anos:
 Alguns capítulos da Constituição Federal de 1988;
 A Lei 10.257/01;
 O Estatuto da Cidade, em 2000;
 A medida provisória 2.220/01;
 A criação do Ministério das Cidades, em 2003;
 A realização da Conferência Nacional das Cidades em 2003, 2005 e 2007;
 Um Programa Nacional de Regularização Fundiária inédito em nível federal,
em 2003;
145

 O Conselho Nacional das Cidades, em 2004;


 A Lei Federal 11.445/07, que institui o marco regulatório do Saneamento
Ambiental;
 A Lei Federal 11.107, de 2005, dos Consórcios Públicos;
 A Lei Federal 11.124/05, do Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social;
 A instituição, em 2006, deste Fundo;
 A Campanha Nacional do Plano Diretor Participativo, dentre outras.
Incitando reflexões sobre os movimentos sociais urbanos, Maricato (2011) já
alertava – com base na relação supracitada - para o quanto se tornou remota a
possibilidade dos movimentos urbanos debaterem temas estruturais, em um
contexto no qual a preocupação central tem sido a busca por melhores condições de
vida.
Ora, não é fácil conciliar a urgência no atendimento às necessidades
imediatas relacionadas com a sobrevivência do núcleo familiar com a disposição e
disponibilidade para participar de lutas coletivas que podem demandar tempos mais
largos. Ademais, também é bastante forte o apelo ao individualismo e às soluções e
isoladas em contraposição a construção de vias coletivas, o que constituem entraves
à organização dos movimentos sociais urbanos.
Maricato (Op. Cit) preocupa-se ainda com a condução da luta política na
proporção em que esta vem sendo cada vez mais impactada pela forte atração para
o espaço institucional. A crítica da autora parece não se estruturar no sentido de
ignorar a luta por espaços institucionais, seja pela via eleitoral ou por outra qualquer,
mas como um indicativo da necessidade imperativa de atribuirmos à luta institucional
a sua devida dimensão.
Não há, em sua elaboração, uma negação do quanto as conquistas das
reivindicações concretas imediatas constituem alimento essencial para qualquer
movimento reivindicatório de massas. Ao contrário. Apenas reitera a necessidade de
entendermos o Estado em sua complexidade, especialmente considerando as
marcas patrimonialistas e desiguais presentes e atuantes na sociedade brasileira.
Ora, é sintomático das contradições postas o fato de, desde a aprovação da
Constituição Federal em 1988, muitas legislações municipais terem entrado em vigor
– até porque o Estatuto das Cidades determina a elaboração de planos diretores
para municípios com 20 mil habitantes ou mais – e são numerosos também os
146

tratados e convenções assinados pelo governo do Brasil, muitos com força de lei.
Todavia, prevalecem ainda imensas desigualdades sócio-ambientais e
particularmente a crise da moradia no país. Como explicar tanta sofisticação nos
aparatos jurídicos e, ao mesmo tempo, todo este descompasso com a realidade?
Para o professor Edésio Fernandes, este descompasso explica-se por três
vias: 1) pela falta de informação e pelo desconhecimento do Estatuto da Cidade,
tanto por parte dos juristas como da sociedade em geral; 2) pela precariedade da
formação jurídica no país, pois os cursos de Direito em grande parte têm currículos
defasados e com pouquíssima ênfase no Direito Público e na questão urbana; 3)
pelas disputas em torno das questões centrais postas no Estatuto da Cidade, que
têm a ver com as condições de interpretação e efetividade da lei em seus aspectos
centrais, quais sejam: o paradigma do direito de propriedade como central, a função
social da cidade e a responsabilidade territorial do poder público55.
A nosso ver neste último aspecto reside os principais determinantes para
entender o descompasso entre avanços jurídicos e uma debilidade de concretização
no âmbito da realidade social.
Ora, a função social da propriedade expressa na constituição federal e
reforçada pelo estatuto da cidade, como condição sine qua non para a efetivação da
função social da cidade e, logo, para que o direito à cidade se universalize colide
com o paradigma do direito à propriedade que deve ser assegurado pelo Estado; o
primado do direito à propriedade no âmbito das sociedades capitalistas contrapõe-se
a uma possível materialidade da função social da propriedade. Esta segue como
horizonte de lutas para os trabalhadores, justamente aqueles moradores das
cidades em condições precárias de moradia, que permite tensionar a ação do
Estado com vistas ao desenvolvimento de políticas urbanas e de moradia com
dimensão social.
Diferente da concepção do professor Fernandes, adotamos, porém, como
chave explicativa, a concepção de que o direito, na sociedade capitalista, atravessa
diversas tensões e expressões contraditórias, pois “[...] o direito surgido porque

55
[informação verbal] palestra proferida em 29 de março de 2012 em ocasião do debate “A nova
ordem urbanística a partir da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade”, promovido pela Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), em Natal-RN. O professor Edésio Fernandes está entre aqueles que
iniciaram uma corrente de novos estudiosos e operadores do Direito que deu sequência ao esforço
de produção teórica sobre a questão urbana no âmbito da área jurídica, embora trabalhe a questão
da incongruência verificada entre a legislação e a realidade sob uma perspectiva distinta da que
adotamos em nossas análises.
147

existe a sociedade de classes é, por sua essência, necessariamente um direito de


classe: um sistema para ordenar a sociedade segundo os interesses e o poder da
classe dominante” (LUKÁCS, 1981, p. 208).
Do mesmo modo, o direito também apresenta limites e potencialidades que
somente podem ser definidos no interior da luta de classes e, por isso mesmo,
apesar de reconhecermos as suas contradições, apostamos na luta por direitos
como uma necessidade extremamente atual, no âmbito da qual os sujeitos coletivos
podem ser fortalecer.
Igualmente, sendo a posse ou propriedade expressão da conquista de uma
posição na hierarquia urbana (SANTOS, 1987), não nos surpreende que dentre as
principais conquistas apontadas pelas lideranças do MLB encontre-se a comunidade
de Leningrado, fruto de um processo de ocupação e de luta coletiva, tornando-se
mais tarde Conjunto Habitacional ao ter culminado com a construção de unidades
habitacionais para cerca de 1.500 famílias, como relata uma liderança entrevistada:

Para nós, o símbolo maior e de nível nacional, podemos dizer assim, é a


comunidade de Leningrado aqui em Natal, no bairro do Planalto. Foi a
primeira conquista executada pelo MLB por moradia... nós temos outras,
mas o expoente, o símbolo é Leningrado. Nós começamos a organizar as
famílias em 2003, e em 2004 nós decidimos no feriadão da sexta-feira da
Semana Santa a gente ocupar o terreno que ficava ali no Planalto, na divisa
dos Guarapes e que tinha uma disputa entre Nelson Paiva e a família do
deputado federal Carlos Alberto de Sousa. Quem era o dono de quem, a
gente descobriu isso e ocupamos. Quando veio a ordem de despejo, nós
perguntamos para a juíza: ‘bem, que é o dono?’ Ai a gente conseguiu
retroceder a ordem de despejo, até saber quem era o dono, que de fato era
Nelson Paiva. Depois, o prefeito Carlos Eduardo desapropriou o terreno e
fomos juntos para Brasília onde conseguimos os primeiros recursos em
nível nacional para o movimento construir casas (MLB 1).

Hoje aqui na nossa cidade, em Natal, nós temos seis principais conquistas e
a mais importante delas – a gente vai dizer em todos os lugares – é a
conquista do Conjunto Habitacional Leningrado, que foi a nossa primeira
ocupação aqui em Natal, na zona oeste da cidade, num bairro que hoje é
conhecido como Planalto, mas geograficamente é nos Guarapes né? Então
ali chegou a morar mais de 1.500 famílias e, no decorrer da luta, umas
foram desistindo, por seus motivos foram abandonando a luta, mas ainda
conseguimos fazer um conjunto habitacional com 520 famílias. Então a
partir do Leningrado, aí sim, as outras famílias viram que é possível
transformar um terreno sem nenhuma função social em um conjunto
habitacional, pra gerar uma melhor renda pras famílias e continuar sua vida
um pouco mais digna (MLB 2).

Ainda segundo informações de lideranças do movimento, foi somente


decorridos cinco anos da ocupação que os órgãos públicos viabilizaram a
construção de 445 (quatrocentos e quarenta e cinco) imóveis em Leningrado.
148

Destes, 400 (quatrocentos) foram destinados às famílias do MLB e 45 (quarenta e


cinco) direcionados ao atendimento do cadastro da Prefeitura de Natal.
A ocupação de Leningrado foi inclusive considerada pelo MLB, à época, como
uma das maiores ocupações do Norte-Nordeste, o que denota muito do peso e do
sentido (material e simbólico) que esta conquista tem para a trajetória do movimento.
Importante lembrar ainda que outras ocupações recentes encontram-se em
processo de negociação do terreno, busca de recursos para a construção dos
imóveis ou mesmo em processo de construção, entre às quais se destacam as
ocupações Luiz Gonzaga, 8 de outubro, Anatália de Souza Alves e Ernesto Che
Guevara.
O processo de ocupação e de construção das unidades habitacionais do
Conjunto Habitacional Leningrado resultou no fato de, hoje, esta ser considerada
uma das maiores expressões da luta pelo direito à moradia em Natal, ao lado de
outras ocupações/comunidades que compõem atualmente o leque de conquistas do
movimento, conforme pode ser visualizado no quadro a seguir.

QUADRO 1
Mapeamento das Residências construídas a partir das ações do MLB
OCUPAÇÃO/COMUNIDADE RESIDÊNCIAS LOCAL
Emanoel Bezerra 280 unidades Planalto – zona oeste
Leningrado 445 unidades Planalto – zona oeste
Santa Clara 190 unidades Planalto – zona oeste
Praiamar 205 unidades Bom Pastor – zona oeste
Nova Esperança 117 unidades Cidade da Esperança – zona oeste
Djalma Maranhão 130 unidades Jardim Progresso – zona norte
TOTAL 1.367 unidades
Fonte: MLB/Natal-RN

A construção das casas, sem dúvidas, materializa importante conquista na


luta pelo direito à cidade, mas também suscita novos questionamentos na
perspectiva de analisar os movimentos urbanos e a organização popular em Natal,
na sua dinâmica e contraditoriedade. Afinal, mais do que um ponto de chegada, a
ocupação e sua posterior transformação em Conjunto Habitacional não consistiriam
senão o início de novas experiências, sinalizando a partir daí para novas dimensões
na trajetória de luta e de organização popular relativas à questão urbana?
149

Considerando que direito à moradia anda longe de restringir-se a quatro


paredes e um teto ou mesmo a um depósito de gente onde se empilham as pessoas
e as guardam na hora de dormir (RONILK, 2011), então, não seria pertinente
indagarmos como tem se dado o acesso aos serviços sociais públicos e aos
equipamentos urbanos na comunidade de Leningrado? Como tem se configurado a
pobreza e a desigualdade social no Leningrado, sobretudo no que se refere às
condições de vida e às necessidades sociais de seus moradores, pós-processo de
mobilização e ocupação?
A pesquisa de diagnóstico social do conjunto Leningrado, realizada pelo
Programa Lições de Cidadania/UFRN, em 2010, já sinalizava esta preocupação. E,
indo além, a referida pesquisa demonstrou o quanto esta é uma comunidade
bastante marcada pela negação de direitos e pela invisibilidade. Distante e afastada
do centro urbano da cidade e, por isso, mesmo praticamente invisível aos olhos da
população natalense, ao Leningrado também tem sido negado o acesso a direitos e
equipamentos sociais básicos e elementares, como é o caso do transporte,
iluminação, segurança, educação, saúde, lazer e trabalho.
Ademais, dados da própria prefeitura de Natal demonstram que atualmente o
Conjunto Leningrado figura como uma das áreas mais frágeis no que diz respeito a
aspectos sócio-econômicos e ambientais da cidade, haja vista sua localização em
área considerada insalubre ou de risco. Seu perfil populacional é constituído
predominantemente por famílias detentoras de renda inferior a um salário mínimo,
com elevado índice de analfabetismo e que realizam principalmente serviços ligados
à reciclagem de resíduos sólidos e ao comércio informal. Conforme veiculado pelo
jornal Tribuna do Norte:

Cerca de 500 integrantes do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e


Favelas (MLB) saíram em passeata pelas avenidas do centro de Natal na
tarde desta quarta-feira (22) para reivindicar melhorias à Prefeitura de Natal
e à Assembléia Legislativa. A mobilização, denominada pelo grupo de
Marcha em Defesa da Moradia Digna e da Dignidade Humana, reuniu
famílias sem teto de 14 comunidades em Natal e na região metropolitana,
entre elas Planalto, Leningrado, Emanuel Bezerra, Cidade Nova e
Ocupação oito de outubro. O presidente estadual do MLB, Wellington
Bernardo, destacou ainda que a mobilização tem a finalidade de alertar a
administração municipal sobre o abandono atual dos planos habitacionais
de Natal. Segundo ele, as pessoas beneficiadas pelas casas entregues por
essa gestão sofrem sem a infra-estrutura [sic] necessária. “Os moradores
têm as casas, mas não tem transporte, saúde, educação... como viver
150

56
dignamente diante destas condições? ”, indagou (TRIBUNA DO
NORTE, 2011, p. 03).

Com infraestrutura básica e os serviços urbanos essenciais praticamente


inexistentes, após algum tempo de permanência nos conjuntos habitacionais, a
tendência maior tem sido a da não permanência de grande parte dos moradores e a
tentativa de retorno às favelas de onde aquelas família são originárias ou ainda a
implantação em outras áreas de favela melhor localizadas. Afinal, não tem se
verificado alterações significativas das condições de vida e de trabalho desses
sujeitos, decorrentes da mudança radical do local e do tipo de moradia. Ao contrário.

Tem casos em que as pessoas vendem a casa depois, mas temos de ir na


raiz do problema. Não podemos só acusar. Se você pega uma comunidade,
que mora aqui no Maruim, que ninguém vê essa favela, mas existe, que é
insalubre, precária, joga ela lá no Planalto, sem escola, sem creche, sem
trabalho.... O cara do Maruim vive do peixe, da reciclagem, não passa fome,
fica no barraco, mas está dando de comer aos filhos... na casa vai ter de
pagar água e luz, que na favela não pagava e ficava perto de tudo, no que
chamamos do “lixo rico”. Não paga ônibus, tem a carroça dele para ir catar
lixo... O que ele catava para comer... No Leningrado e no Emanoel Bezerra
onde temos um levantamento mais preciso, hoje nós temos um déficit de
venda de casa de 20% (MLB 1).

Fecha-se, com isso, um verdadeiro círculo vicioso, que vai da favela ao


conjunto habitacional, e de volta à favela, em um percurso no qual o conjunto
habitacional – fruto de intenso processo de luta e de mobilização – representa uma
“área de passagem” ou “área de trânsito” (VALLADARES, 1980) na trajetória dessas
famílias. A “solução”, para muitos tem se revelado, deste modo, parcial, limitada e
provisória.
Em tempos adversos para as lutas do trabalho em contraponto aos ditames
do capital, os ganhos e avanços destacados pelos movimentos urbanos, com
atuação na cidade de Natal, têm se caracterizado por serem muito mais de cunho
político e ideológico (no sentido de avanço no processo de consciência coletiva e de
disposição para organizar-se politicamente), do que propriamente concretos. Ainda
que sejam ganhos circunscritos à determinadas regiões da cidade com lutas
particulares mais amplas, a exemplo da luta contra o aumento das passagens de
ônibus, não podemos menosprezar o processo de formação e de sensibilização para

56
Grifo nosso.
151

a luta política em curso, sobretudo, em tempos de exacerbação do individualismo,


como confirmam os depoimentos a seguir:

O Levante preencheu uma lacuna que havia no bairro em termos de


organização política da juventude e esse foi um passo muito importante,
conseguir organizar jovens que antes estavam desorganizados (LPJ 1).

Primeiro, o trabalho de conscientização. Isso pra mim é primordial, a gente


conseguiu conscientizar as pessoas de que essa história de que a prefeitura
vai vim, vai derrubar sua casa e você não vai poder dizer nada não existe.
Você é cidadão, você elegeu aquela gestão, então você tem direito à
participação. Essa foi a primeira vitória da APAC. A gente conseguiu. Hoje
em dia a gente tem muitas pessoas envolvidas, mesmo que não participem
ativamente do processo, elas têm essa consciência. Tanto que quando elas
foram abordadas outras vezes pelas secretarias municipais elas foram bem
enfáticas: “olha, esse é meu direito, eu não vou sair da minha casa, eu não
vou lhe dar nenhuma documentação” e isso foi excelente (APAC).

Uma conquista importante é fazer com que as pessoas passem a entender


que somente juntas poderão lutar contra suas dificuldades, porque para o
indivíduo sozinho é mais difícil, mas de forma coletiva fica mais fácil... por
que as pessoas sempre passaram fome de certa forma individual, elas
sempre viveram em barracos, em favelas, debaixo das pontes, de maneira
individual. Na ocupação, elas passaram a viver de forma coletiva [...] quer
dizer coletivizando a miséria. Lógico! Coletivizando a miséria... incentivou o
povo!l lutou pra vencer. Então elas começaram a ter uma perspectiva: ‘bom,
se eu ficar aqui eu sei que futuramente eu vou sair desse barraco de lona,
desse barraco de chão batido, pra uma casa de alvenaria, vou ter outra
qualidade de vida (MLB 1).

A vitória mais importante que conseguimos foi a expansão do movimento e


o aumento da consciência dos nossos militantes. A cada luta que fazemos,
nossas famílias ficam mais unidas e decididas a lutar por seus direitos e
pela sociedade socialista [...] nas lutas do MLB, eu aprendi o sentido da
palavra companheiro: em qualquer lugar que houver injustiça, somos todos
companheiros e amigos. Tudo foi tão rápido nos cinco anos de luta em
Leningrado que hoje parece que foram apenas alguns meses. Tive tantas
descobertas desde o início da ocupação, que parece que foi ali que minha
vida começou (MLB 2).

O lugar de destaque atribuído pelas lideranças dos movimentos sociais de


Natal à incidência da organização popular no processo de construção e de
reconstrução da consciência política indica o reconhecimento da natureza do avanço
presente no cotidiano da ação política destes movimentos, aquilo que parte
expressiva da literatura especializada tem denominado de caráter educativo dos
movimentos sociais.
Como elucida Kowarick (1985) existe, nos chamados grupos populares, uma
consciência crescente em construção, denominada pelo autor de desnaturalização
dos problemas sociais. Tal desnaturalização pode ser identificada na medida em que
as condições de vida e trabalho nas quais estão imersos os sujeitos que compõem
152

tais grupos passam gradativamente a não ser mais vistas como advindas de
fenômenos naturais.
A organização popular possibilita, assim, a estes sujeitos perceber origens e
causas sócio-econômicas e políticas para os problemas com os quais se deparam,
embora muitas vezes esta não passe de uma consciência ainda fragmentada. O
referido processo pedagógico tem “[...] originado aquilo que se poderia chamar de
campo incipiente de organização de reivindicações populares, onde a população se
organiza por meios próprios, com recursos ditos informais que permitem a ela
sobreviver nessas cidades” (KOWARICK, 1985, p. 75).
Nesta linha de pensamento, o exercício da prática cotidiana nos movimentos
sociais gera um processo educativo em seu interior que se constrói de várias formas
e tem dimensões articuladas e não apriorísticas, dentre as quais destacamos:
a) A dimensão da organização política, expressa na consciência processada e
produzida pelos sujeitos inseridos nos movimentos, na medida em que vão
gradativamente adquirindo uma série de conhecimentos relativos às questões
postas na luta, a partir dos interesses coletivos problematizados de modo subjacente
à organização do grupo. Concomitante a isso e como parte desse processo, figuram
a identificação dos interesses opostos ao movimento e a elaboração de táticas para
atribuir visibilidade às demandas do movimento e também para o enfrentamento dos
desafios postos em determinado tempo histórico.
b) A dimensão da cultura política, construída com base na vivência do
passado e o consequente acúmulo de experiências presentes no imaginário coletivo
do movimento como modo de apropriar-se de novos elementos para a leitura do
momento atual. Com isso, uma nova cultura fundamentada e com horizonte na
perspectiva do aprender multifacetado vai sendo construída. Trata-se, por exemplo,
de perder o medo de tudo aquilo que foi historicamente inculcado como proibido
e/ou inacessível ao povo, de elaborar formas criativas e simbólicas de expressar
seus discursos e bandeiras de luta, bem como se relaciona com o processo de
apreensão e construção dos princípios e valores que balizam os interesses do
movimento.
c) A dimensão espacial-temporal, que está presente e é traduzida por meio do
reconhecimento das condições de vida da população e a identificação de datas e
espaços comunitários para atividades grupais, que são fortes representações na
mentalidade coletiva popular. Esta é uma dimensão que esta imbricada ao processo
153

de consciência engendrado pela participação em um movimento social e contribui


para o desenvolvimento do sentido do acesso a serviços e bens públicos como um
dos referentes fundamentais na luta dos movimentos populares.
Face tais avanços e entraves presentes na ação política dos movimentos
urbanos em Natal – em muitos aspectos similares, quando não idênticos – às
tendências que observamos hoje estarem postas para a organização popular, no
plano geral, não podemos olvidar que a luta pela hegemonia de um projeto
societário crítico e radicalmente oposto a esta sociabilidade, exige dos movimentos
sociais a capacidade política de estabelecimento de alianças com outros sujeitos
individuais e coletivos, mas também requer a capacidade de identificar os
mecanismos de atuação dos seus opositores.

4.3 Quando a sociedade clama por uma resposta é toda a sociedade que tem
que participar... Aliados e opositores no processo da ação política

A história dos movimentos sociais não compreende exclusivamente sua


história interna. Constrói-se cotidianamente como resultado de suas próprias ações,
mas também e, especialmente, por meio das relações e interações, tensas ou não,
que estes movimentos estabelecem com outros sujeitos (SADER, 1988). As análises
apresentadas pelos estudos que se lançam em torno da dimensão política dos
movimentos sociais, residem primordialmente na compreensão de que a política não
se limita ao Estado ou meramente à arte de governar e que, ademais, não pode ser
apreendida desconectada do solo histórico da sociedade na qual se desenvolve.
Reconhece, por conseguinte, que os movimentos sociais apresentam
especificidades na constituição de sua dimensão política e esta se realiza em
múltiplos aspectos:
a) no plano da organização interna, estão incluídos linguagens, valores e
reivindicações que visam potencializar e garantir o direito à organização política, o
que implica, por definição, levar em conta a dimensão de classe presente nestes
elementos. Em seu dinamismo e contraditoriedade, a sociedade burguesa comporta,
além, logicamente, da moral dominante, outras linguagens e valores ético-morais,
construídos a partir de projetos sociais em oposição. Os movimentos sociais
classistas, ao negarem a ideologia dominante por meio das suas reivindicações,
evidenciam perspectivas ético-políticas oriundas do processo de lutas da classe
154

trabalhadora; b) no plano social, as reivindicações dos movimentos sociais tomam


forma e se materializam em múltiplas bandeiras de luta; e c) no plano das
articulações com outras instituições e práticas sociais, os movimentos estabelecem
diversas alianças, sendo que historicamente estas vêm priorizando principalmente a
Igreja, os partidos e os sindicatos, mas também setores do Estado, entendido como
espaço contraditório. Afinal, nas palavras de Gramsci (1989, p. 24) um movimento
social – ou qualquer grupo social que seja – “[...] não é isolado; têm amigos, afins,
adversários, inimigos”. Mas, logicamente, uma dimensão histórica e conjuntural
perpassa as articulações e alianças estabelecidas.
Articular e ampliar a luta pelo direito à cidade exige ações imediatas, mas
também a capacidade política de estabelecimento de alianças dos movimentos
urbanos com outros sujeitos individuais e coletivos, elemento fundamental na ação
política dos movimentos sociais, abrindo os horizontes da luta por direitos em
direção a lutas emancipatórias.
Com efeito “um projeto mais global de democratização da sociedade, para se
concretizar, necessita da articulação das diferentes forças organizadas da sociedade
civil e de representação através de partidos políticos” (SCHERRER-WARREN apud
SOUSA; GÓIS e SANTOS, 2010, p. 205).
Os depoimentos a seguir explicitam os principais sujeitos coletivos com os
quais os movimentos e organizações populares de Natal vêm se articulando no
processo de afirmação de seu projeto político e de luta pelo reconhecimento e
ampliação do direito à cidade, em suas diversas dimensões:

O Levante tem um diálogo muito forte com as organizações campesinas,


com os movimentos sociais que compõem a Via Campesina, até porque
nacionalmente o Levante surgiu a partir delas, e as escolas do bairro
também são aliados importantes (LPJ 1).

Nossos principais apoiadores são os sindicatos. A gente identifica quais são


os sindicatos mais combativos, que estão nas ruas mobilizando os
trabalhadores pelas suas reivindicações. Então esses sindicatos mais
combativos contribuem sim com a luta do MLB (MLB 1).

Para os(as) dirigentes entrevistados(as), são exatamente outros movimentos


sociais classistas e combativos os interlocutores privilegiados das organizações
populares articuladas em Natal. O destaque é dado para os movimentos da Via
Campesina e o movimento sindical, sujeitos com os quais se têm concretizado
alianças em períodos de mobilizações, greves, passeatas de protesto, bem como
155

realização de debates e inclusive contribuições financeiras para viabilizar a ação


política dos referidos movimentos.
O reconhecimento da importância e da necessidade de articulação entre as
lutas do movimento sindical e as lutas do movimento popular, na cidade e no campo,
aparece documentado desde, pelo menos, o início dos anos 1980, tendo sido
reafirmado repetidas vezes em encontros, assembleias e espaços diversos dos mais
variados movimentos. Enunciada no âmbito da literatura especializada como
“Triangulação Sindicato/Fábrica/Bairro” (DOIMO, 1984), a busca de articulação entre
o movimento operário e sindical com os movimentos urbanos e vice-versa, constitui
aspecto historicamente presente na configuração da luta de classes no Brasil.
Nesse sentido, o Documento de São Bernardo – construído por dirigentes
sindicais e representantes de movimentos populares de diversos estados do Brasil
em encontro realizado em Taboão da Serra (SP) – é bastante ilustrativo desta
preocupação, ao reforçar a necessidade de interligação do movimento sindical com
outras organizações populares:

a) Dentro do princípio de que o movimento sindical não deve isolar-se dos


outros movimentos populares, mas considerar-se parte dele, existe a
necessidade urgente de rompermos com preconceitos, tanto do movimento
sindical como dos demais movimentos populares, difundidos pela ideologia
dominante e que nada contribuem para a efetivação dessa interligação; b)
Exercitar a solidariedade na cooperação mútua com os sindicatos,
imprimindo e divulgando o material e a prática das organizações populares.
Utilizar a imprensa sindical para divulgar as lutas que estão sendo travadas
nos bairros, ao mesmo tempo em que, nos seus órgãos de divulgação, as
organizações populares façam chegar até o bairro as lutas sindicais do
momento, permitindo, dessa forma, que os trabalhadores que moram no
bairro com as suas famílias participem das lutas das categorias; c) As
bandeiras dos movimentos populares que visam a melhoria das condições
de vida da população (saúde, habitação, educação, transporte, etc) também
devem ser apoiados pelos sindicatos; d) Em resumo, que os sindicatos e os
outros movimentos populares discutam permanentemente entre si todas as
bandeiras comuns e formas de solidariedade” (DOCUMENTO DE SÃO
BERNARDO, 1981, p. 4-5).

Como constatamos, esta articulação se faz presente na realidade


contemporânea local, à qual se somam os processos de alianças políticas
estabelecidas com a Via Campesina, movimento de caráter internacional que, no
Brasil, agrega em especial quatro movimentos: Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA),
dentre outros.
156

[A Via Campesina] coordena organizações camponesas de pequenos e


médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e
comunidades indígenas e negras da Ásia, África, América e Europa. O
principal objetivo da organização é desenvolver solidariedade entre as
organizações de pequenos agricultores; preservação da terra, soberania
alimentar (direito dos povos de decidir sobre sua própria política agrícola e
alimentar); produção agrícola sustentável, entre outros (DURIGUETTO;
MONTAÑO, 2010, p. 298).

Assim, não restam dúvidas de que a articulação dos movimentos populares


com outros movimentos sociais e organizações de esquerda mostra-se
extremamente necessária, principalmente nesse contexto de grandes ofensivas do
capital. Especialmente sobre a fundamental aliança operário-camponesa, ao
ressaltar o papel de grupos sociais urbanos convenientemente desenvolvidos no
campo da produção industrial, Gramsci (1978, p. 08) afirma em seguida: “[...] a
formação de uma vontade coletiva nacional-popular é impossível se as grandes
massas dos camponeses cultivadores não irrompem simultaneamente na vida
política”.
Mas vale ressaltar que as alianças entre os movimentos possibilitam um salto
qualitativo em termos de avanços políticos quando se consegue efetuar uma
verdadeira ruptura com o corporativismo, entendendo a importância de abranger
também, nas lutas e pautas defendidas, os interesses de outros grupos e
organizações da classe trabalhadora, fortalecendo uma luta unitária.
Entretanto, dois sujeitos coletivos tradicionalmente presentes nas articulações
com os movimentos urbanos não foram mencionados. Nenhum dos militantes
destacou a Igreja e/ou os partidos políticos de esquerda como alianças importantes,
quando sabemos ser, na história recente, expressivo o envolvimento da Igreja
Católica com os movimentos sociais do Brasil.
Aliás, diferente do que foi observado na Europa, nos Estados Unidos ou
mesmo no restante da América Latina, o papel de liderança exercida pela Igreja
Católica junto aos movimentos sociais brasileiros, principalmente entre os anos de
1970 e 1980, foi único. Para Evanson (1999) foi inclusive uma instância de alta
improbabilidade histórica, exercendo influência direta particularmente nos
movimentos do campo e nas organizações por local de moradia.
Uma decorrência direta das novas modalidades de intervenção inspiradas nas
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica e da base filosófica-
157

ideológica da teologia da libertação – a “teologia do ponto de vista do oprimido”


(MURRARO, 1999, p. 187) - ainda que não seja menos verdadeiro que o
envolvimento político de determinados setores da Igreja com a organização popular
tenha sido uma resposta à proliferação junto aos setores populares tanto da
umbanda e das seitas pentecostais, como ao espectro do comunismo, que colocava
em risco seu “rebanho” (SINGER e BRANT, 1980).
Face os distintos impasses e ambiguidades da relação da Igreja com os
movimentos populares há, porém, quem suponha que “[...] com o seu trabalho de
base a Igreja estaria não só preparando o povo como força viva nos movimentos,
mas, sobretudo, conferindo a ele o processo de tomada de decisões – de baixo para
cima – inaugurando uma nova fase no caráter dos movimentos sociais [...]” (DOIMO,
1984, p. 35), a partir do trabalho teórico, teleológico e político dos intelectuais
orgânicos da “nova Igreja”.
Sabemos que a presença da Igreja nas ações dos movimentos dos bairros
populares de Natal foi substancial em muitos momentos. Durante muito tempo, aliás,
a Igreja Católica foi o único espaço onde era possível desenvolver um trabalho com
o movimento popular. Mas é possível perceber uma sensível diferença no espaço
que vai sendo ocupado pela Igreja em Natal junto aos movimentos sociais,
acompanhado por alguns deslocamentos quanto ao apoio da Arquidiocese de Natal
às lutas sociais e políticas articuladas na cidade. Uma inclinação que, em Natal, já
vinha sendo esboçada desde os anos 1970/1980 (Cf. CEPAU, 1987).
Destarte, nenhuma das lideranças entrevistadas explicitou também qualquer
aliança com partidos ou fez referência a isso, apesar deste ser um segmento
tradicionalmente presente. Entendemos que a ausência de referências mais
explícitas aos partidos políticos como aliados importantes na luta pela transformação
societária expressa a cultura política brasileira, na qual impera ainda uma visão
negativa dos partidos, além de estar diretamente relacionada com a crise de
representatividade dos partidos políticos da atualidade.

A consequência mais abrangente desta combinação de fatores – práticos e


teóricos – foi a progressiva crise da forma partido como organização política
revolucionária precisamente porque se exauriram (também
progressivamente) as possibilidades objetivas de revolução, e com elas as
condições subjetivas que exigiam o protagonismo político do partido [...] a
crise da forma partido é, antes, uma crise fundada na objetividade da
realidade social do que uma crise teórico-analítica, ainda que esta possa
reforçá-la e que, de alguma maneira, seja ela mesma consequência da
158

dinâmica societal. Ela deita raízes nos modos de ser concretos das classes
trabalhadoras (em especial do proletariado urbano-industrial) que têm
imposto sérias dificuldades de organização política do tipo universal (BRAZ,
2011, p. 304).

Pesquisas precedentes a que ora apresentamos, já identificaram como uma


das tendências presentes nos discursos dos militantes de movimentos sociais a
enorme resistência à presença dos partidos e a negação da necessidade de
articulação com estes (Cf. GUIMARÃES, 2011c; SANTOS, 1995). Tais discursos se
baseiam em experiências de relações dos movimentos sociais com os partidos
políticos de caráter instrumental, que, conforme Santos (1995, p. 55), se caracteriza
por “uma supervalorização dos ensinamentos da vanguarda do partido, a ponto de
minimizar as necessidades e reivindicações concretas dos MS”.
Com base nessa perspectiva, os partidos políticos utilizam os movimentos
sociais, dentre eles o movimento urbano, exclusivamente como espaço para divulgar
suas concepções e para fins políticos definidos pelo partido. Devido a práticas desse
tipo, muitos militantes passam a manifestar grande resistência à presença de
partidos políticos nos espaços dos movimentos e, no cotidiano da organização
política, a satanização das estruturas partidárias implica, também, na negação da
necessidade de qualquer articulação com partidos políticos, numa lógica que
conduz, em última instância, ao isolamento e a um reforço do corporativismo.
Todavia, considerando as contribuições e embates da complexa relação entre
movimentos sociais e partidos, podemos afirmar que acreditamos na possibilidade
de se estabelecer uma relação verdadeiramente democrática entre estes sujeitos
coletivos. Em outras palavras, isso significa a construção de uma relação fundada no
confronto entre saberes, tal como situa Santos (loc. cit).
Sob essa ótica, são consideradas as singularidades de organização e os
interesses tanto do movimento social como dos partidos políticos que nele atuam.
Desse modo, ao mesmo tempo em que os movimentos sociais não se configurariam
como meros transmissores de diretrizes externas, também não estariam construindo
um projeto político de forma isolada.
Importante recordar, nessa perspectiva, que Florestan Fernandes ao discutir
movimento socialista e partidos políticos57 afirma com clareza que há uma relação

57
Conferência promovida em 1978 e publicada em Teoria da Organização Política III, obra
organizada por Ademar Bogo pela Editora Expressão Popular.
159

profunda entre o movimento socialista, o partido e a classe, sendo esta o elemento


central que condiciona e regula o vigor do movimento e do partido.
Assim, evidencia uma relação de interdependência entre movimento e partido,
obviamente mediada pela luta de classes, enquanto realidade histórica
condicionante dessa relação. Assinala que à fragilidade do movimento socialista
corresponde aquela dos partidos socialistas: “Basta que vocês pensem sobre o
Brasil: nós não temos um movimento socialista vigoroso. Qual é a consequência?
Nós não temos também partidos socialistas fortes, que possam exercer funções
agregadoras ou aglutinadoras [...]” (FERNANDES, 2008, p. 391).
Dessa feita, o mapeamento dos conflitos urbanos presentes na capital
potiguar, empreendido pela Câmara de Estudos e Pesquisas em Arquitetura e
Urbanismo (CEPAU) há mais de duas décadas, nos demonstra, entretanto, que não
há nada de inédito neste dado da fragilidade ou ausência de articulação com
partidos e igreja, na história da cidade. Os resultados deste mapeamento permitem
afirmar que, em Natal, as lutas urbanas neste período (1976-1986) se davam
acompanhadas por um baixo nível de politização presente na organização da
população, isto fazia com que houvesse dificuldades para articular as lutas que se
davam no espaço urbano com uma luta que, em última instância, é contra o capital e
à sua lógica de produção do espaço.
O mapeamento realizado revelou ainda que, em Natal, a politização dos
conflitos urbanos ocorreu, sobretudo, quando se contava com a participação dos
chamados agentes externos, a exemplo de partidos políticos, Igreja e Sindicatos.
Entretanto, dos conflitos analisados pela CEPAU em apenas 22,92% dos
casos é visível a participação de partidos de esquerda, enquanto somente em
12,50% deles, a Igreja – expressa na Arquidiocese de Natal – teve participação
registrada, para falar apenas das duas maiores forças que, no Brasil, têm tido papel
importante na organização política popular.
Notamos assim, uma participação reduzida destas forças políticas em Natal,
no período analisado, em atividades de organização e mobilização dos moradores
dos bairros populares da cidade, tendência que parece se estender aos anos 2000.
Outrossim, entre 2008 e 2010, a partir dos registros das entidades
cadastradas na SEMURB, das organizações comunitárias que atuam no Orçamento
160

Participativo e em diferentes conselhos setoriais do município 58, Cunha (2011)


identificou, em Natal, a existência de cento e trinta e uma (131) ONGs, três (03)
movimentos sociais urbanos e 400 (quatrocentas) organizações de bairro, dentre
associações de moradores, conselhos comunitários, clubes de mães e idosos,
conforme evidencia o quadro a seguir:

QUADRO 2
Mapeamento das Organizações Comunitárias existentes em Natal
ORGANIZAÇÕES NORTE SUL LESTE OESTE TOTAL
Conselhos Comunitários 51 20 11 16 98
Associações e Centros 52 44 45 76 217
Clube de Mães 22 16 07 17 62
Grupo de Idosos 03 02 11 07 23
TOTAL 128 82 74 116 400
Fonte: CUNHA (2011).

De acordo com os dados anteriormente indicados, a região Norte é a que


mais comporta organizações comunitárias em Natal, seguida pela região Oeste. Ao
observarmos o quadro acima, lembramos ainda da criação e existência de mais de
uma entidade dentro do mesmo bairro, fenômeno bastante comum que também se
repete em Natal. Nada mais do que um reflexo das diferentes formas e concepções
da ação cotidiana das organizações populares articuladas na cidade.
Em Natal, o caso que veio à tona na cena pública de forma mais evidente foi
em relação ao Bairro de Felipe Camarão, em ocasião do Movimento Fora Micarla.
Enquanto as lideranças do conselho comunitário II de Felipe Camarão estavam,
junto a outros movimentos, presentes na ocupação da câmara municipal, a diretoria
do conselho comunitário I, do mesmo bairro, assinou o documento intitulado “Fica
Micarla”, acirrando ainda mais as diferenças ideopolíticas entre os dois conselhos.
Não obstante, à primeira vista, tais organizações comunitárias nos pareciam
serem potenciais alianças estabelecidas pelos movimentos urbanos locais. Todavia,
na realidade, prevalece uma relação de distância ou de tensa aproximação,

58
Conselho de Desenvolvimento Municipal (CDM), Conselho Municipal de Saúde (CMS), Conselho
Municipal de Assistência Social (CMAS), Conselho Municipal de Educação (CME) e Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA).
161

particularmente entre a militância do MLB e da APAC, em relação aos movimentos


comunitários, como indica o depoimento de um de nossos entrevistados:

Têm três conselhos comunitários, que é o de Bom Pastor, que é Silvino o


conselheiro de lá que é parceiro, muito parceiro da gente, muito parceiro... o
do Bairro Nordeste, apesar de algumas diferenças políticas que a gente tem
com ele... e o conselho comunitário do Km 06 que, de uma maneira menos
participativa, vem ajudando a gente.... e por incrível que pareça a gente não
tem apoio do conselho comunitário do Bairro das Quintas! O conselheiro do
bairro das Quintas nunca participou de uma reunião da APAC a não ser no
dia que tinha o secretário lá e no dia que ele foi pra audiência pública pedir
a George Câmara pra adiar a audiência pública! (APAC).

No que concerne ao MLB, a relação de distância com relação aos conselhos


comunitários decorre da leitura dos integrantes do movimento sobre a realidade
destas entidades, consideradas distantes dos moradores, na proporção em que não
atuam no sentido de mobilizá-los em torno de reivindicações expressivas das
diversas questões e problemáticas existentes nos bairros.
A distância mantida em relação aos conselhos comunitários e Associações de
Moradores é justificada ainda pela crítica segundo a qual, sendo estas entidades
atreladas aos políticos tradicionais, não representam, portanto, os interesses
populares. Entretanto, tal entendimento não indica que o MLB seja um movimento
isolado em si mesmo. Ao contrário, o movimento demonstra reconhecer a
necessidade de se articular ao movimento mais amplo da sociedade:

Hoje aqui na nossa cidade nós não conhecemos um outro movimento que
lute tão continuamente pela reforma urbana da nossa cidade né? Tem
outros movimentos, mas que na nossa cidade não faz esse trabalho. Como
assim esses outros movimentos? Os conselhos comunitários, associações
de moradores... Uma das principais funções delas era resolver essa
questão, da família que tá lá morando num casebre, num barraco que tá
caindo, tem que resolver a situação dela. Mas eles não fazem mais isso
hoje. Então o MLB quando chega até essas famílias, tenta resolver a
situação delas [...] (MLB 1).

[...] Sempre que nós temos atividades que envolvem todos os setores da
sociedade, nós não disputamos espaço com eles, nós apenas ocupamos o
nosso espaço. Então eles respeitam a nossa posição, nós respeitamos a
posição deles. Conseguimos fazer ato unificado com a universidade, com
sindicatos, com movimentos sociais, ONGs... porque quando a sociedade
clama por uma resposta é toda a sociedade que tem que participar.
Nenhuma pessoa que se diz lutador por uma sociedade socialista pode se
esquivar nesse momento (MLB 2).

Dada a diversidade de movimentos sociais existentes, inclusive em relação às


mesmas demandas, por apresentarem diferenciações internas entre si quanto à
162

forma de organização e o projeto político, a construção da unidade tem se


configurado uma das dificuldades mais frequentemente encontradas no âmbito da
ação política.
Mas, sua necessidade e importância estão presentes no alerta de Rosa
Luxemburgo, segundo o qual uma simples luta econômica por salários pode tomar
proporções de um importante fenômeno político. Da mesma forma, a luta política
pode potencializar a luta econômica, em um movimento de relação permanente
entre ambas, resultante do fato de: “[...] as greves gerais em determinadas cidades,
as pacíficas lutas salariais e os massacres nas ruas, as batalhas nas barricadas:
todas se entrecruzam, correm paralelas, se encontram, se interpenetram e se
superpõem [...]” (ROSA LUXEMBURGO, 2005, p. 282), em contínuo movimento.
Além disso, também na concepção gramsciana de hegemonia, identificamos
a preocupação expressa com esta questão, posto que Gramsci (1978) defende a
denominada unidade cultural-social, através da qual seriam solidificados em torno de
um mesmo fim e idêntica concepção de mundo, toda uma multiplicidade de vontades
desagregadas. Este seria para o autor, o processo pelo qual o proletariado
desenvolve a “vontade coletiva”. Todavia, há para tanto um pressuposto: a
construção da vontade coletiva é eminentemente política e, portanto, exige a
formação de alianças, condição fundamental – quiçá decisiva – para a conquista da
hegemonia do proletariado.
Na expressão do próprio Gramsci, “[...] o proletariado pode se tornar classe
dirigente e dominante na medida em que consegue criar um sistema de alianças
de classe que lhe permita mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês a
maioria da população trabalhadora [...]” (GRAMSCI, 1977, p. 22, grifos nossos).
O depoimento a seguir não somente reforça um traço peculiar da organização
popular em Natal - fato das questões que envolvem a Via Costeira serem
historicamente um dos maiores pólos geradores dos conflitos urbanos da cidade
(CEPAU, 1987) - como também figura como um depoimento ilustrativo das alianças
estabelecidas entre os próprios movimentos em Natal:

Um movimento que a gente conseguiu apoio e, assim, vice-versa né? De ter


apoio e de oferecer apoio, foi a ‘Via Costeira é nossa’, porque meio que
ficou uma luta igual, que eles tão lutando pra que a via costeira não seja
devastada pra construção de hotéis pra copa do mundo. Então é a mesma
luta, cada um defendendo o seu, mas todo mundo defendendo o de todos
(APAC).
163

Para além de outros movimentos, as alianças externas à Associação e às


suas lideranças também são buscadas em pessoas “estudadas e de confiança” que
sejam simpáticas às causas das classes subalternas e possam prestar assessoria
ao movimento. Uma das principais alianças da Associação nesse sentido consiste
no Escritório de Advogados Populares e no próprio Comitê Popular da Copa, na
proporção em que este aglutina arquitetos, professores, advogados, moradores e
conselhos comunitários em torno da mesma causa.
Não há como – ou pelo menos, não conseguimos – pensar na aliança com
estes sujeitos profissionais, predominantemente advogados(as) e arquitetos(as),
sem percebê-los na condição de vanguarda, a qual cabe contribuir para a
organização das massas e para o avanço destas em seus processos de luta,
enquanto dirigentes políticos oriundos das massas e construídos numa relação
dialética com elas. Não poderia ser diferente.
A tarefa a ser cumprida por esta vanguarda intelectual exige o permanente
contato com as massas, afinal, segundo a formulação de Gramsci (1978), é
exatamente neste contato que ela encontra a fonte dos problemas a serem
estudados e resolvidos. Aliás, esta vinculação é condição intransferível para que se
efetivem as contribuições da vanguarda ao processo de ação coletiva e, em um salto
qualitativo, esta possa se constituir como uma ação política cada vez mais orgânica.
Evidentemente, não se trata de nenhuma condução arbitrária dos processos
organizativos das massas, tampouco, de substituí-los ou anulá-los, e sim de atuar
dentro das classes como sujeito organicamente vinculado à sua luta. Mas outros
apoios foram também mencionados:

O vereador George Câmara que, por incrível que pareça, foi a única pessoa
que ouviu a gente, que ouviu nossas reivindicações, que veio participando
ativamente. É formado em Direito, então ele não tá lá numa discussão
vazia, ele sabe quais são os direitos. E aí o apoio que a gente conseguiu na
Câmara [Municipal] foi de George. O deputado Fernando Mineiro que,
também, por incrível que pareça, é a única pessoa da Assembleia
[Legislativa] que vem apoiando a gente. É claro que tem aqueles que de vez
em quando vão ali dá uma pintadinha pra se vangloriar, mas o deputado
Fernando Mineiro é uma aliança... que, infelizmente, não conseguiu o pleito
de prefeito, porque senão a gente podia conseguir muito mais coisa
(APAC).

A afirmação da liderança da APAC (“por incrível que pareça”) para acentuar e


caracterizar a aliança da Associação com o deputado Mineiro (PT) e o vereador
164

George Câmara (PC do B) nos parece ser possivelmente sintomática de certa


atitude de desconfiança das massas em relação aos seus “representantes” e aos
seus governantes de modo geral. Os políticos, outrora figuras centrais no
encaminhamento dos problemas urbanos, atualmente perdem sua posição de
relevo, na medida em que os movimentos passam a se reconhecer como força
social, colocando-os num plano secundário, isto é, na condição de elemento
intermediário das reivindicações originárias dos bairros.
Não obstante, demonstram que a intermediação entre povo e poder municipal
permanece sendo feita em Natal, muitas vezes, por vereadores e/ou deputados que
tradicionalmente regionalizam um espaço mais amplo, seja esse uma pequena vila,
a cidade média ou a grande cidade. Com isso, não se pode ignorar a expressiva
participação de políticos tradicionais, que funcionam como uma espécie de
“protetores” das comunidades locais, onde possuem suas bases eleitorais (SILVA,
1992). Assim sendo, a reivindicação popular, no território natalense, continua vindo à
cena acompanhada da ação/articulação com um político local.
Mas recorrer a articulações com os políticos tradicionais não tem sido
impeditivo para que, paralelo a isso, os movimentos sigam articulando e
encaminhando suas reivindicações de forma autônoma, estabelecendo seus
próprios planos de luta e de organização. Não se trata desse modo, de retorno aos
tempos em que os vínculos estabelecidos com os políticos locais eram sintomáticos
de uma situação na qual tudo o que se aspirava alcançar era pela via da articulação
com um vereador ou parlamentar. Com efeito, evidencia-se que muitos movimentos
continuam percebendo estas figuras como canais de acesso aos órgãos públicos e
às instâncias de poder do Estado59, ainda que apostem em uma relação de
autonomia ou que restrinjam tais articulações aos políticos por eles caracterizados
como ‘comprometidos com as lutas populares’ e, predominantemente, demonstrem
resistência ao estabelecimento de qualquer relação. Prevalece, num e noutro caso,
a recusa a um retorno do político tradicional como o dono do bairro, a única fala, a
fala competente (SILVA; AMORIM; MONTENEGRO, 1988). Nesse caso,
especialmente por temer que o movimento se torne dependente e atrelado a estas

59
Argumenta-se, dentre as razões para as organizações populares estabelecerem alianças com as
lideranças da política institucional, o fato delas facilitarem e agilizarem as soluções, conseguirem
recursos, subsídios, melhorias.
165

figuras, bem como por entender que, em troca, tais políticos exigirão do movimento
comprometer os votos da sua militância.
Os núcleos, ocupações e conjuntos habitacionais constituem, sem dúvidas,
um campo extremamente propício para a demagogia eleitoreira e para as disputas
por parte de diversos partidos institucionalizados, especialmente porque nesses
espaços urbanos, mais do que qualquer noutras áreas da cidade, espera-se
encontrar um determinado perfil de eleitor, com base em certa categoria de
problemas urbanos. Problemas estes que os políticos tradicionais reiteradamente
utilizam em suas propagandas eleitorais, com vistas a ampliar suas relações com
esses espaços e com os sujeitos que ali moram, usando o voto como moeda de
troca para barganhar benefícios e serviços para a comunidade.
Isto não significa precisamente o desconhecimento por parte dos moradores
do jogo político do qual estão sendo objeto, muitas vezes até mesmo nele
envolvendo-se propositadamente, como sintetiza Medina (1964, p. 88): “O eleitor diz
que vai votar, mas não vota. O cabo eleitoral finge que acredita, mas não acredita. O
candidato, pelo menos antes da eleição, embora já informado pelo cabo eleitoral,
continua afirmando que conta com o apoio de todos”, todos cúmplices de uma
mesma simulação.
Os depoimentos dos dirigentes do MLB, particularmente, demonstram séria
preocupação com relação a tal jogo político e sinalizam para uma postura de
resistência às alianças e articulações com a política institucional:

O nosso movimento é um movimento auto-sustentável. Ele principalmente


depende da conscientização das famílias, que as famílias do MLB elas tem
que manter a sua política econômica, pra que a gente não tenha que se
articular com políticos. Porque quando a gente tenta se articular com
os políticos, mais cedo ou mais tarde, eles findam cobrando. Então a
gente não aceita isso, a gente não usa as famílias como barganha de troca
(MLB 1).

[...] é na eleição que os políticos, poder público, os vereadores, os


deputados, vão atrás das lideranças [...] nesse momento é que chegava os
cabos eleitorais pra tentar cooptar, e aqueles mais fracos do grupo nosso,
acabavam se iludindo e iam por 200, por 300 reais, mas que ganhavam
pouco. Por exemplo, dessas figuras que foram cooptadas, hoje nenhuma
tem expressão [no movimento], eram lideranças inclusive da ocupação, tipo
João. Cara da ocupação, depois que ele foi cooptado, que a gente
identificou isso, fomos pra assembleia, colocamos em votação e ele foi
afastado. Depois ele se isolou e hoje ele praticamente não existe. O cabo
eleitoral usou ele e depois jogou fora, porque é isso que eles fazem, o que
não serve mais pra eles, eles jogam fora (MLB 2).
166

Todavia, períodos de eleições municipais, como foi o caso do ano 2012, são
em geral excelentes momentos para apreensão da relação estabelecida entre
movimentos sociais da cidade e os sujeitos da cena política local. Dos três
movimentos urbanos objetos de nosso estudo, dois deles – a APAC e o LPJ –
entraram em contato com candidatos para a realização de debates entre eles e o
conjunto da militância organizada naqueles movimentos. No caso da APAC, o
debate se deu com os candidatos a prefeito e, no caso do Levante, o debate
envolveu candidatos à câmara municipal de Natal originários do próprio bairro de
Felipe Camarão.
Nenhum dos dois movimentos se envolveu em qualquer campanha eleitoral
que fosse e/ou elaborou nota pública explicitando a posição assumida em defesa de
uma ou outra candidatura. Entendemos com isso que: ou a postura adotada por
ambos os movimentos foi de promover o debate e deixar seus militantes livres para
se manifestarem individualmente como favoráveis ou contrários às candidaturas em
disputa, ou ainda, que os movimentos optaram por direcionar e definir o voto de
seus militantes apenas internamente. Neste caso, não se tratava de resolução
política que pudéssemos ter acesso enquanto pesquisadora.
A postura do MLB foi, entretanto, diferenciada. Desde o primeiro turno das
eleições municipais60, o movimento já manifestava seu voto para prefeito e para
vereador(a). O trecho a seguir do panfleto distribuído pelo movimento nas ruas da
cidade não deixa qualquer margem para dúvidas acerca da posição assumida:

O Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) decidiu apoiar


Carlos Eduardo para prefeitura de Natal por ele ter demonstrado, em sua
gestão, sensibilidade com os movimentos sociais e em particular com os
sem-teto. Prova disso foi a construção de quase 1.200 moradias, entre elas
o Conjunto Emmanuel Bezerra, Conjunto Leningrado, Conjunto Santa Clara
e Conjunto Esperança quando esteve a frente da prefeitura. No dia 25 de
agosto, Carlos Eduardo participou de uma reunião com membros do MLB e
deu uma nova mostra desse comprometimento, antecipando a proposta de
incorporar sistemas de saneamento básico a todos os projetos de
construção de casas populares que vier a executar num futuro governo.
61
‘Assim como fizemos quando estivemos à frente da Prefeitura , só
entregamos à população casas que tenham sua infra-estrutura [sic]
completa, e nisso está inserido o saneamento básico’. Entretanto temos

60
Foram 06 (seis) os candidatos que concorreram à prefeitura de Natal: Carlos Eduardo (PDT),
Fernando Mineiro (PT), Hermano Moraes (PMDB), Robério Paulino (PSOL), Roberto Lopes (PCB) e
Rogério Marinho (PSDB). A eleição foi definida no segundo turno, entre os candidatos do PDT e do
PMDB, ocasião em que Carlos Eduardo foi eleito prefeito de Natal com 214.687 votos.
61
Em 2000, Carlos Eduardo foi eleito vice-prefeito de Natal na chapa encabeçada por Wilma de Faria
e em 2002 assumiu a prefeitura de Natal com a renúncia da titular para disputar e vencer o Governo
do Estado.
167

certeza que as vitórias só foram possíveis porque nos organizamos e fomos


a luta. Por isso temos que seguir em frente e continuarmos organizados
para continuar a luta até que não exista mais um só sem-teto em Natal. Por
isso o MLB através dos seus diversos núcleos, ocupações e conjuntos
62
habitacionais em Natal, votam em Carlos Eduardo 12 (MLB, 2012, s/p).

As candidaturas postas no centro do embate da disputa eleitoral deste ano de


2012 – Hermano e Carlos Eduardo - mais uma vez, refletiam a realidade de uma
cidade historicamente marcada pela dominação oligárquica, expressa na submissão
dos interesses do povo aos interesses das oligarquias Alves e Maia. Apesar de
amplamente aclamada como “a festa da democracia”, corroboramos com a posição
segundo a qual a luta eleitoral é compreendida como uma tática, e não apenas como
mera fórmula burocrática.
Portanto, não está dado de imediato, na concepção por nós defendida, que
todos os partidos, movimentos e organizações de esquerda devam dedicar-se a ela
do mesmo modo e em toda e qualquer conjuntura sócio-histórica, considerando-se
os limites postos para um real acúmulo de forças da classe trabalhadora na luta
eleitoral.
Assim, o horizonte central para este momento permanece sendo a
organização popular como mediação fundamental para a realização de uma
transformação estrutural nesta sociedade. Nessa direção, diante do processo de
disputa hegemônica, os movimentos populares de Natal demonstram bastante
clareza quanto a que/quem são os opositores à concretização de seu projeto
político:

Nos confrontamos à ideia do sistema capitalista. Temos uma proposta de


construção do projeto popular para o Brasil e construção da revolução
brasileira (LPJ 1).

E contra o que a gente luta hoje? Hoje a gente luta contra o sistema. Não é
contra um político ou outro, é contra o sistema capitalista. Porque a gente
acredita que enquanto existir o capitalismo, jamais a sociedade vai ser
dividida de forma igualitária. Sempre alguém vai querer ficar com mais,
mesmo sem ter trabalhado. Então quando a gente conseguir atingir esse
nível de consciência de nossas famílias, que elas devem lutar por uma
sociedade melhor, mais igualitária e que essa sociedade ela só vai
encontrar dentro do socialismo, aí as coisas vão avançar na nossa luta
(MLB 1).

62
Grifos do próprio documento.
168

Os opositores ao projeto político dos movimentos e organizações populares


de Natal podem ser englobados nos mais diferentes movimentos e sujeitos que
defendem um projeto de direita, atuando a serviço dos interesses do capital. Até
porque, no Brasil contemporâneo, as forças de direita atuam em absoluta
consonância com “a versão moderna das ideologias que alimentaram a perpetuação
do poder das elites e das mentalidades conservadoras e antidemocráticas [...]
Representa hoje a consolidação de uma sociedade de apartação social” (SADER,
1995, p. 193).
Não sem razão, nossa pesquisa de campo indicou que uma análise da ação
política dos movimentos sociais face o atual contexto pressupõe identificar os
mecanismos engendrados pela atuação da direita brasileira na atualidade. Esta,
além de permanecer atuante e com uma agenda própria em defesa dos privilégios e
interesses das elites, tem não apenas operado na contramão à defesa de direitos
sociais historicamente conquistados, como também investido, pesadamente, na
criminalização dos movimentos sociais, conforme atesta o depoimento dos
dirigentes dos movimentos urbanos em Natal:

Nacionalmente o Levante já teve visibilidade midiática por conta dos


escrachos realizados, e como isso mexe na ferida de muita gente, faz com
que a relação com a mídia seja de atritos e de criminalização do
movimento (LPJ 1).

O maior desafio pro movimento hoje é a criminalização. Hoje nós temos


um movimento massivo. Se não for o único, é o principal que consegue
colocar hoje, do dia pra noite, 200, 500 pessoas nas ruas, por elas estarem
organizadas, então por isso a gente sofre represálias né? [...] dizem que nós
somos uma sociedade paralela, um poder paralelo. A gente sabe que isso é
uma forma de criminalizar o movimento. Então nós temos companheiros
que passaram por esse processo de represália... conseguirmos reverter. As
famílias têm essa consciência de que não somos um Estado paralelo [...]
(MLB 2).

Ora, atualmente, a direita brasileira articula e combina muito bem formas de


convencimento e apassivamento das pressões sociais com a truculência peculiar e
histórica com a qual sempre tratou os interesses e os movimentos da classe
trabalhadora. Esta realidade impõe, assim, imensos desafios para a articulação e
materialização das bandeiras de luta da classe trabalhadora, pois o esforço direitista
é justamente na direção de invisibilizar e despolitizar contradições sociais e lutas
políticas.
169

[...] a gente fez um grande ato aqui na nossa cidade em direção ao


ministério público. Então, houve o acirramento Justiça-Movimento [...] e,
com isso, a gente foi processado né? Por depredação ao patrimônio
público, por vandalismo, por organizar as famílias (MLB 1).

Nós tivemos três companheiros processados. Uma companheira foi


considerada culpada pela Justiça por organizar as famílias e a sua pena foi
pagar com serviço social, zelando uma creche durante três meses. E o
outro companheiro, ele ainda não foi julgado, o processo dele ainda está em
aberto. Mas a gente sabe que não vai ser um processo que vai impedir da
gente continuar, que não é o primeiro processo que os companheiros
enfrentam, já é o quarto processo e mesmo assim, por mais que eles
insistam em dizer que é impossível organizar as famílias, é possível sim
(MLB 2).

A criminalização dos movimentos sociais, reeditada e intensificada, em um


contexto de ascensão dos setores conservadores e reacionários, adensa e torna
mais agudos os impasses postos ao avanço das forças populares, nos levando a
crer em uma reatualização das formas de dominação política historicamente
empreendidas pelas oligarquias tão presentes e atuantes na cidade de Natal e no
estado do Rio Grande do Norte.
Por certo, anteriormente, as engrenagens constitutivas do jogo político das
oligarquias Alves e Maia para legitimar-se no poder reproduziram amplamente a
subalternidade das classes populares. Essas se baseavam, especialmente, na
cooptação e no uso eleitoreiro de organizações populares. Nos anos 2000
acrescenta-se de forma mais nítida a estes mecanismos – ainda amplamente
utilizados, como bem atesta a atuação dos modernos representantes destas
oligarquias na cidade – o recurso largamente adotado de não apenas negar direitos
via prestação de serviços precários, como também criminalizar aqueles sujeitos
individuais e coletivos que se contrapõem a essa lógica em suas através de suas
organizações.
Aliás, como já anotara Antonio Gramsci (2002), quando ainda no cárcere, a
dominação capitalista, mesmo que apareça disfarçada sob uma roupagem de
hegemonia, nem por isso passa a descartar as medidas coercitivas de repressão às
resistências populares, embora nem sempre nos sejam nítidos os traços de
continuidades e rupturas entre uma medida e outra. Em geral, o braço coercitivo do
capital se faz presente e atuante justamente nos momentos de eclosão de grandes
acirramentos políticos e de confronto à sua hegemonia, momentos expressos,
sobretudo, nas ocasiões em que os conflitos de classe ganham as ruas em forma de
protestos, reivindicações e politização das demandas e dos interesses do trabalho.
170

Não por acaso, o grau de consenso ou de coerção adotado é definido pelo


nível de acirramento dos conflitos classistas, isto é, quanto maior a capacidade de
dominação ideológica do capital, mais reduzidos são os recursos coercitivos.
Ademais, se por algum momento se intensifica o nível de consciência de classe e se
ampliam as capacidades políticas e organizativas da classe trabalhadora em
confronto com o capital, não tenhamos dúvidas: maior e mais ampla é, neste caso, a
utilização dos mecanismos coercitivos. Isto porque a ação política dos movimentos
sociais – urbanos e/ou rurais – constitui não apenas perigoso exemplo a atuar nas
franjas da ação consciente, como a “[...] influir nesse espírito social disseminado que
faz tantas vezes com que situações aparentemente calmas se vejam de súbito
transtornadas por processos subjacentes em tempestades e tornados” (FON, 2008,
p. 81).
No processo de criminalização dos sujeitos que se opõe e questionam, de
alguma forma, o status quo revela-se o papel coercitivo do Estado na defesa dos
interesses do capital. Quando as disputas entre as classes antagônicas assumem
formatos mais violentos, não é o capital e sim o Estado que conduz os referidos
conflitos, ao mesmo tempo em que aparece disfarçado como Estado autônomo e
neutro (WOOD, 2005), o que não apenas denuncia ser a repressão às classes
dominadas – via exército, polícia, sistema judiciário e penitenciário – uma das
funções do Estado, como também demonstra de modo mais evidente o seu
compromisso com as classes dominantes, se desresponsabilizando para com as
expressões da questão social, em sua dupla dimensão de desigualdade e rebeldia.
Contudo, não se trata de um simples retorno ao passado do tratamento da
questão social como caso de polícia - e nisto temos acordo com Rodrigo Castelo
(2009) - embora esteja constatado o progressivo aumento do exercício da violência
policial, militar e paramilitar na contenção das tensões sócio-políticas. O que temos
é, na realidade, um novo padrão de intervenção na questão social que, ao agregar
elementos consensuais e coercitivos, hegemônicos e ditatoriais, não recorre apenas
aos aparelhos policiais, mas também aos militares. Não se trata, nesse sentido, de
nenhuma particularidade das lutas urbanas em Natal e sim de uma realidade
expressa na organização popular latinoamericana, o fato de estarmos diante de uma
verdadeira militarização da questão social no continente, com os conflitos políticos
sendo gradativamente deslocados para o plano militar, realidade a respeito da qual
exemplos exaustivos podem ser encontrados em Castelo (Op. Cit).
171

Tendo em vista o poder de alcance da mídia, não somente como transmissora


de informações, mas, sobretudo, na condição de formadora de opinião – dada sua
ampla inserção no cotidiano dos indivíduos – ficamos a interrogar em que medida
esta influencia compreensões acerca da questão social e dos movimentos que a
politizam e, subjacente a isso, até que ponto a mídia poderia ser situada como aliada
e/ou opositora à ação política dos movimentos sociais em Natal. Em Natal,
verificamos que os movimentos populares demonstram considerar a mídia um
espaço importante para publicizar questões que lhe são caras. Intencionam utilizar o
espaço da mídia para “mostrar o seu lado”, contar a sua versão dos fatos e
processos sociais e ao mesmo tempo questionar o papel do Estado na reprodução
das desigualdades sociais. Contudo, encontram inúmeras dificuldades para se
inserirem nos meios tradicionais de comunicação existentes na cidade, dado
elucidativo do tratamento dado pela mídia aos movimentos sociais locais:

A mídia ela nos trata de uma forma como se fosse... se a gente tá brigando
contra o governo, só quem aparece é a mídia do município. Se a gente tá
reivindicando contra o município, só quem quer aparecer é a mídia do
governo. A gente acha isso errado. Porque não estamos disputando espaço
político com ninguém, a gente quer que as reivindicações sejam atendidas.
Então nós convidamos toda a imprensa, o jornal, o rádio, a TV, mas
infelizmente eles só vêm quando acham que podem usar essas imagens
pra prejudicar o outro lado e não pra mostrar pra sociedade que existe um
movimento organizado que está reivindicando uma melhoria pra nossa
cidade (MLB 1).

A mídia de Natal, assim, é uma mídia tendenciosa... extremamente


tendenciosa... porque é uma mídia deles né? A TV Ponta Negra é de
Micarla, a Tribuna do Norte é dos Alves... então, a gente conseguir projeção
na mídia local, a gente nunca conseguiu [...] aqui, as poucas vezes que a
gente conseguiu ser entrevistado... sempre é uma coisa bem rápida. Aí
quando você vai ver a entrevista... tem uma entrevista da única audiência
pública promovida pela prefeitura que é duas laudas de Tereza Cristina
mentindo e um parágrafo das reivindicações da APAC. A gente nunca
conseguiu de, por exemplo, no dia em que Demétrios Torres foi dizer no
Diário de Natal que a gente tinha interesses privados nessa construção da
APAC, eu liguei pro Diário de Natal pedindo direito de resposta e me foi
negado! ‘não, vamos deixar isso pra lá...’ mas você não ouviu o outro lado?
Então, você tem que me ouvir... Mas as poucas vezes que eles procuraram
a gente, a gente deu a entrevista, algumas saíram totalmente distorcidas...
você diz A e sai C lá... mas da gente consegui ‘ah! A gente vai fazer um ato
público aqui, vocês podem vim cobrir?’ não, podem não (APAC).

Ratificando o depoimento da liderança da APAC, Marques (2011) afirma que,


no Rio Grande do Norte, grande parte dos políticos são donos ou sócios de canais
abertos de televisão e emissoras de rádio, quais sejam: TV Ponta Negra (Família
Souza, isto é, família de Micarla, prefeita de Natal 2008-2012), InterTV Cabugi
172

(Família Alves, a família de Carlos Eduardo, atual prefeito da cidade, eleito em 2012)
e TV Tropical Natal (Família Maia, do então senador Agripino Maia), o que sugere a
tamanha relevância que tais veículos de comunicação assumem na conquista do
eleitorado e na manutenção dos cargos políticos, assim como o quanto estes
favorecem e impulsionam os interesses econômicos e políticos de grupos sociais
específicos.
Constitui tendência nacional que vem historicamente se delineando, estando
bastante explícita na contemporaneidade, “[...] a concentração dos meios de
comunicação nas mãos de empresários, dublês de políticos, e de algumas poucas
famílias poderosas, os quais fazem desse ofício um negócio lucrativo” (SALES,
2007, p. 99), sem dúvidas em detrimento de qualquer papel social e público que
poderia cumprir.
As intervenções da mídia dominante, ao contrário do que muitos pensam e do
que ela própria proclama, estão longe de serem neutras e imparciais. Desse modo,
embora a mídia anuncie em muitos momentos as demandas sociais das classes
pauperizadas, um exame mais apurado demonstra o quanto esta é perpassada pela
ideologia das classes dominantes. Fragmentos e recortes da realidade são
veiculados como sendo a totalidade do real, sob a ótica das elites políticas
detentoras da mídia local, contribuindo também em muitos dos casos para a
criminalização dos movimentos.
O esforço midiático é por sedimentar consensos, na proporção em que
procura minimizar contradições e antagonismos. Mesmo quando os movimentos
conseguem algum espaço na mídia natalense, as notícias apregoadas são
predominantemente seguidas por análises que culpabilizam os sujeitos, criminalizam
os processos político-organizativos, naturalizam as desigualdades e ocultam suas
determinações.
Ainda que não neguemos a contradição, podemos dizer que a relação dos
movimentos sociais em Natal com a mídia local é expressão dos conflitos e
tensionamentos políticos e ideológicos do território da cidade, denotando um diálogo
desigual, marcado pela unidirecionalidade da comunicação praticada (NOVA, 2000),
mesmo que tal comunicação não esteja isenta dos tensionamentos e das
contradições da dinâmica social.
Identificar aliados e opositores no processo da ação política empreendida
pelos movimentos urbanos em Natal nos remete à lembrança de que, com o avançar
173

do pensamento pós-moderno, tem sido cada vez mais comum afirmações que
negam a validade da distinção entre Direita e Esquerda, para os dias de hoje, tanto
do ponto de vista teórico, como principalmente do ponto de vista prático-político, o
que nos é digno de preocupações. Afinal, até que ponto ocultar ou tentar omitir a
existência de uma real distinção prático-política entre Direita e Esquerda, não seria,
em última instância, uma postura de Direita ou, em outros termos, uma estratégia da
política conservadora?
Temos afirmado que, em uma sociedade marcada pela divisão de classes,
são os interesses antagônicos que impulsionam a política, por meio do
enfrentamento de forças entre as classes e, não nos contempla, portanto, o
argumento da mera insuficiência conceitual de qualquer par ambivalente que se
apresente.
A oposição entre Direita e Esquerda constituiria um maniqueísmo? Estes
seriam os termos de um debate que já não mais interessa? Direita e Esquerda
seriam hoje “nomes sem sujeitos”? A complexificação das relações sociais
impossibilita dizer o que é próprio de um campo político e o que seria de outro? Ora,
se para alguns é preferível falar, por exemplo, em conservadores e progressistas,
tudo bem. Mas essas novas nomenclaturas em nada nos autorizam a considerar
inválida a distinção Direita e Esquerda.
Tendemos a crer que se tomamos como horizonte o solo histórico no qual se
processam as relações sociais concretas – concretude e materialidade da qual as
análises tecidas em nossa pesquisa representam apenas uma pequena parcela -,
teremos mais elementos para afirmar que Direita e Esquerda estão longe de poder
assumir a forma de “dialetos de uma mesma língua”63. Ademais, em ambos os
casos, permanece a existência de sujeitos sociais que as materializam a partir de
interesses em disputa.

63
Conclusão, do nosso ponto de vista bastante equivocada, a que chega parte da literatura
especializada das ciências sociais.
174

Considerações
Finais

... Aquele que parte não é nunca


o mesmo que regressa...
175

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste item nos limitamos a retomar e sintetizar as discussões fomentadas no


decorrer de todo o trabalho, ressaltando, principalmente, os resultados da nossa
pesquisa e as conclusões elaboradas a partir disso, tendo a clareza de que no que
se refere ao campo da produção científica de conhecimento, nenhuma afirmação é
insuperável. Apesar da singela pretensão inicial, não nos omitimos da reflexão
acerca do que foi nosso percurso de pesquisa, destacando especialmente reflexões
acerca do temário aqui discutido e da concepção de intelectual que passa a nos
orientar.

Até onde fomos e aonde chegamos?

“O caminho acabou...
A viagem apenas começa”
(Lukács).

Dando por pressuposto que a reprodução do capital permeia as distintas


expressões da vida em sociedade, o presente estudo demarcou as desigualdades
sócio-espaciais como parte da reprodução ampliada das relações de produção
capitalista. Com essa dimensão, a pesquisa nos permitiu destacar as relações e
processos sociais por meio dos quais a questão urbana se realiza e, nesse sentido,
demonstramos qual a influência da acumulação ampliada do capital sobre a
configuração do urbano, da cidade e da existência social de quem nela vive e
trabalha.
Evidenciamos, assim, que o processo de produção capitalista do espaço é um
processo de relações sociais entre classes. Relações estas engendradas
contraditoriamente e marcadas pelos antagonismos de interesses que as
caracterizam e tendem a se aprofundar, os quais se expressam na luta de classes.
Face o crescimento do capital, do ponto de vista da classe trabalhadora, o que se
tem é um crescente pauperismo, do qual as questões relativas ao urbano e à
moradia representam apenas uma de suas dimensões.
Procuramos, assim, explicitar que os fundamentos que explicam as
contradições particularizadas nos espaços urbanos devem ser buscados na análise
176

rigorosa do processo de produção do capital. O desenvolvimento das forças


produtivas, que conduz à gênese e desenvolvimento do modo capitalista de
produção, apresenta como características imanentes a exploração, a apropriação de
espaços e a destruição de recursos naturais e da força humana de trabalho, com
vistas a assegurar taxas crescentes de lucro.
No contexto de aprofundamento da crise do capital e das formas de
segregação sócio-espaciais, temos assistido o avanço dos processos de
expropriação urbana e das investidas do grande capital transnacional.
Tais dinâmicas sociais inscritas no espaço urbano ocorrem em um momento
histórico em que as cidades se situam ao mesmo tempo como ponta de lança de
grandes investimentos e como sedes das infraestruturas necessárias ao processo
de acumulação e de reprodução ampliada do capital com repercussões graves sobre
as condições de vida e de moradia de segmentos da classe trabalhadora. Desse
modo, a dinâmica de produção e de reprodução do espaço não pode ser pensada
excetuada de sua intrínseca relação com os processos de acumulação capitalista e
de exploração da força de trabalho.
Nesse sentido, o método da economia política se revelou de grande valor
para apreendermos a dinâmica atual da sociedade capitalista, com o agravamento
das desigualdades sociais geradoras de fenômenos como a pobreza urbana e rural,
de situações de pauperismo tanto no campo quanto na cidade, o uso predatório dos
recursos ambientais, mas também as formas de resistência frente às expressões da
questão social e às lutas em defesas de direitos das classes trabalhadoras, no
campo e na cidade.
A luta pela sobrevivência e o confronto direto ou indireto com os interesses do
capital constitui o movimento no qual e através do qual as bandeiras de luta,
reivindicações e frentes de atuação dos movimentos sociais articulados no território
urbano natalense se engendram, se renovam e se peculiarizam.
É neste contexto de reprodução das relações contraditórias entre as classes
que se torna possível apreender o sentido histórico das bandeiras de luta
empreendidas. A centralidade que as pautas em torno da questão da moradia
assumem na ação política dos movimentos sociais urbanos, conforme indicado pela
pesquisa, é sintomática do quanto a habitação constitui uma das necessidades
básicas à reprodução social e da força de trabalho, assim como é o caso também de
177

serviços e equipamentos sociais básicos, igualmente objeto das reivindicações e


demandas construídas pelos movimentos sociais em Natal.
Com ressalvas e receios quanto a generalizações apressadas, podemos
afirmar a partir da pesquisa realizada, que as formas de que se revestem as
reivindicações e lutas dos movimentos e organizações populares em Natal
perpassam por reuniões e visitas de rua em rua, casa em casa, adoção de abaixo-
assinados, manifestos e realização de atos públicos, mas principalmente revelou-se
o diálogo e as conversas individuais com os(as) moradores como uma das
estratégias mais presentes no cotidiano da organização e mobilização dos
movimentos sociais e organizações populares em Natal.
Estratégias como ocupação/acampamento também vão se delineando e
sendo construídas como ações intrínsecas à atuação política dos movimentos
organizados em torno do direito à cidade em Natal. Processo no qual nos foi
possível constatar que, sob a ótica dos movimentos pesquisados, o chamado
trabalho de base se movimenta sob uma dupla perspectiva: a de algo fundamental
tanto para a mobilização popular (no sentido de estratégia importante a ser cultivada
no seio da luta social) quanto para o despertar da consciência e da necessidade de
formação política da militância.
As dificuldades que os movimentos encontram para mobilizar e organizar
suas bases estão inscritas no âmbito das questões advindas de uma série de
mecanismos de reprodução da ordem dominante. Perpassa pela vivência cotidiana
de negação de direitos e está diretamente relacionada à noção amplamente
difundida do ‘triunfo do mais forte ou do mais esperto impondo-se contra a vontade
dos outros’ (SADER, 1989) ou ainda da concepção segundo a qual ‘Estado deu –
Estado tirou’, em analogia ao ‘Deus deu – Deus tirou’ (FAUSTO NETO, 1993).
A ofensiva ideológica e suas implicações no campo da subjetividade humana
– entendida aqui como sendo dialeticamente determinada pelo processo produtivo e
as particularidades da formação sócio-histórica brasileira, mas nem por isso de
menor importância – foi também mencionada em nosso estudo como fator gerador
de parte significativa das dificuldades de organização e mobilização com as quais se
deparam os movimentos sociais na construção da ação política cotidiana, na
proporção em que tal ofensiva ideológica revitaliza o conservadorismo e seus
valores. Torna-se, com isso, o trabalho de mobilização dos moradores da periferia
urbana uma tarefa ainda mais difícil.
178

A pesquisa enfatiza, assim, que há que se considerar, nesse processo, a


correlação de forças estabelecida. Nos momentos de confronto, de enfrentamento
real de forças, a posição que um ou outro setor da sociedade assume pode até
parecer óbvia, mas não o é em muitos dos casos.
De um lado, a aliança construída entre os movimentos e organizações
populares de Natal pesquisados e os movimentos da Via Campesina e o movimento
sindical, bem como com políticos locais tidos como “comprometidos com as lutas
populares” e intelectuais diversos, pode ser uma pista em relação a como superar a
fragmentação ainda bastante forte entre as diferentes lutas. Envolve compreender
que a subsunção do trabalho ao capital não se restringe ao espaço da produção, na
medida em que é extensiva à totalidade da vida social e, nesse sentido, o seu
enfrentamento exige a construção da unidade.
Por outro lado, aqueles setores contrários ao projeto político dos movimentos
e organizações populares de Natal – conglomerados em nossa pesquisa no âmbito
dos mais diferentes movimentos e sujeitos que defendem um projeto de direita – têm
buscado obliterar os antagonismos sociais e despolitizar os conflitos postos na cena
pública pelos movimentos organizados na cidade, atuando a serviço dos interesses
do capital.
É neste intento que diversos recursos vêm sendo utilizados, desde a negação
de direitos via prestação de serviços precários, até a criminalização daqueles
sujeitos individuais e coletivos que se contrapõem a essa lógica em suas formas
organizativas, o que fica expresso também no tratamento dado pela mídia aos
movimentos sociais locais.
Quanto ao embate entre projetos antagônicos, numa perspectiva radicalmente
divergente da linha teórica pós-moderna e neoconservadora, nosso estudo
evidenciou a fragilidade das assertivas que afirmam os movimentos sociais da
atualidade evitarem confrontos com outros sujeitos e construírem sua ação política
diluindo as fronteiras de classe, isto é, desconsiderando divergências em termos de
projetos societários defendidos. Ao contrário, é verdadeiro afirmar que - dando por
reconhecida as imensas dificuldades de resistência enfrentadas pelos movimentos
classistas – alguns movimentos sociais têm (re)inventado importantes formas de
confronto.
179

Todavia, o fazer político na realidade local e os conflitos de classe aqui


gestados estão condicionados por um contexto nacional de “diminuição da pobreza
com a manutenção da ordem”, isto é, sem confrontar os interesses do capital.
Com isso, até se consegue em alguns momentos a atenuação de conflitos (e
sua decorrente despolitização), o que se dá, todavia, às custas de um alargamento
significativo do tempo necessário para arrefecimento da desigualdade social,
fazendo com que esta decaia de modo substancialmente lento, sinalizando novos
desafios postos à organização popular.
Face às análises que nos esforçamos para tecer, nossa insistência é por
reafirmar aquilo que, em nossa concepção, está longe de estar superado: a
necessidade de refundar a esquerda para refundar o Brasil. Necessidade hoje ainda
mais premente, na proporção em que diversas expressões da barbárie se
manifestam acentuadamente e, nesse processo, a história transcorre e nela a ação
política dos movimentos vai se delineando.
Mas qual a validade desta afirmação em um tempo no qual se proclama
amplamente o exaurimento das possibilidades objetivas de revolução? Em um
tempo no qual o anúncio do adeus ao trabalho (GORZ, 1982) é também um anúncio
de fim da luta de classes e um adeus à história e à possibilidade de construí-la?
Ora, é inegável que as transformações ocorridas no mundo do trabalho e na
dinâmica de produção capitalista operaram também alterações substantivas no seio
da classe trabalhadora e produziram um cenário de inúmeras dificuldades, dilemas e
desafios para a organização política crítica e combativa.
Entretanto, a realidade também está prenhe de focos de resistência classista.
Não nos rendamos, portanto, ao status de verdade irrefutável que parece ter
adquirido o pensamento do fim da história. Tarefas primordiais e plenas de
atualidade para a organização da classe nos são impostas.
180

Em busca da utopia nas asas da liberdade

“É hora de voltarmos para casa. Arrumamos nossas


malas, mas podemos perceber que as bagagens
aumentaram, não temos mais o mesmo volume de
quando chegamos, parece que tudo aumentou e as
nossas roupas e objetos não cabem mais em nossas
malas e sacolas. Não é quase sempre assim ao
chegarmos ao fim de uma viagem? Na pesquisa também
[...]”
(Glaúcia Russo).

O tema objeto de nosso estudo chegou a ser recebido com surpresa por
determinados sujeitos, em espaços nos quais o apresentamos. Por vezes, nos
disseram ser absolutamente compreensível a pesquisa de tal temática nos anos
1970/1980, mas o que poderia me provocar esta investigação na década de 2010? A
surpresa nos parece está implicada ao fato de estarmos não em um período de
ascenso das lutas sociais, e sim em tempos definidos por Bertold Brecht como um
período no qual “depois de trabalharmos por tanto tempo parecemos estar em
situação pior que no início”, pois “nossas palavras de ordem estão em desordem”,
chegando até mesmo a ficarem irreconhecíveis.
Nesse sentido, se o tema a ser discutido na Dissertação se constituiu como
nosso ponto de partida para esta investigação, ao final da pesquisa e das análises
dialeticamente possibilitadas e limitadas pelos nossos horizontes teórico-
metodológicos - em um movimento de retorno - nosso objeto de estudo volta a ser o
centro de nossas atenções. Agora, por estarmos já tão perto da “linha de chegada”,
não olhamos mais para nosso tema sob a mesma ótica. Seja no que se refere aos
movimentos sociais, seja no que diz respeito à questão urbana. Especialmente
porque na medida em que pesquisávamos também procurávamos refletir sobre
estas temáticas na condição de objeto de pesquisa do Serviço Social.
Tomar como referência artigos publicados nos anais dos Encontros Nacionais
de Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS) e dos Congressos Brasileiros de
Assistentes Sociais (CBAS), situados dentre os principais eventos da categoria,
foram balizas fundamentais para alimentarmos reflexões e incitarmos
questionamentos a respeito. Para tanto, recorremos especialmente a duas
pesquisas distintas que identificam e apreendem como o tema da questão urbana e
dos movimentos sociais se fazem presentes nos espaços de divulgação e
181

socialização do conhecimento, fomentados pela categoria profissional de assistentes


sociais no Brasil.
A primeira pesquisa a que nos referimos, resultante de esforços de
investigação no âmbito do Projeto: “Questão Urbana, Agrária e Ambiental na atual
fase de acumulação capitalista”, demonstra que há crescente interesse pela
temática da “questão urbana” por parte de pesquisadores, profissionais e estudantes
de Serviço Social e esforços de sistematização e pesquisa, evidenciados no número
de trabalhos e na busca de qualidade dos mesmos. Mas há também necessidade de
aprofundamento teórico-metodológico para uma produção do conhecimento em
consonância com o Projeto Ético-Político (Cf. GUERRA, GUIMARÃES e SILVA,
2012).
No que se refere à produção teórica abordando a relação entre questão
urbana e Serviço Social, a pesquisa citada percebe duas tendências se delineando:
uma primeira, e menos expressiva, de trabalhos publicados, que situa esta relação
no plano da dimensão político-organizativa e, uma segunda tendência, bastante
frequente nos artigos analisados, que problematiza a relação do Serviço Social com
a questão urbana do ponto de vista do exercício profissional.
A segunda pesquisa, do Departamento de Serviço Social da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), revela que apesar do tema “movimentos sociais”
não ter desaparecido por completo dos espaços de produção e socialização do
conhecimento do Serviço Social, a profissão teve no último período um
distanciamento profundo em relação ao mesmo, fruto das referências teóricas que
orientaram as reflexões do tema na profissão, onde informavam o recuo ou simples
desaparecimento dos movimentos sociais da cena política, tendo ainda poucos
trabalhos que mencionam a relação entre movimentos sociais e o Serviço Social.
Entretanto, a ressalva feita por Ribeiro e Schuelter (2011) é elucidadora: as
ações e as conquistas no âmbito do Estado pelos movimentos sociais urbanos
indicam que estes continuam interferindo nas políticas públicas por meio da
formulação de propostas de programas e mecanismos de negociação e pressão,
sendo elementos cruciais para a democratização das instâncias estatais e de acesso
aos direitos urbanos. É urgente, pois, que a profissão tenha um quadro mais amplo e
atualizado acerca das teorias dos movimentos sociais hoje, bem como uma nova
percepção acerca destes.
182

Pequenas demonstrações que nos levam a crer no quanto as transformações


societárias recentes não impactaram somente a ação dos movimentos, mas também
o campo de pesquisa sobre eles, nos possibilitando a visualização de novos
desafios para nossa pretensa condição de intelectual/pesquisadora. Não obstante,
de tudo, fica uma lição a mais que não poderia escapar aos meus registros e foi no
pensamento gramsciano que a encontrei: o papel dos intelectuais em sua atividade
política e ideológica.
Eis a elaboração que melhor contempla o meu entendimento daquilo que me
cabe nesse processo. Ser intelectual, nesta acepção, não significa compor um
restrito grupo de “especialistas” em conceitos e temas, tampouco a criticidade e
capacidade teórica constitui atributo de exclusividade destes afamados
especialistas. Até porque, não existindo atividade humana que dispense o uso do
intelecto, também não existem “não intelectuais”. Pode-se falar, no máximo, em
atividades intelectuais de diversos graus.
Estamos tentando dizer com isso que a formação profissional e o acúmulo
teórico e analítico são fundamentais (e estamos a buscá-los), mas são sem dúvidas
insuficientes para a proposta de intelectual segundo a qual almejamos nos construir
(e contribuir para a sua construção em outros sujeitos).
Mesmo sendo um processo longo, difícil e permeado por muitas contradições,
avanços e recuos, o fundamental aqui é saber não ser possível forjar-se intelectual
sem estar próximo às massas (digo: intelectual orgânico do proletariado), sem
vincular sua formação às experiências concretas de organização da classe.
É inconteste que precisamos romper com o isolamento acadêmico. Já não
nos pode ser mais permitido – se é que algum dia foi – continuarmos a ter como
trilha sonora para nossas vidas acadêmicas o canto que diz “isso tudo acontecendo
e eu aqui na praça, dando milho aos pombos”.... Não transformaremos a sociedade
trancados em gabinetes de estudo, entre livros e computadores.
Tarefas plenas de atualidade e de urgência histórica nos aguardam e, nesse
sentido, se é verdade que ousamos não aceitar a realidade que temos, se não nos
contempla a sociabilidade atual, então ousemos também projetar nossos sonhos. E
mais: façamos isso nos reconhecendo como classe e caminhando, lado a lado, com
a classe trabalhadora.
Não nos distanciemos. Afinal...
183

“Abriu-se para nós nesta fresta de tempo ao fim do século


a possibilidade de dizer: que fome, miséria e tirania não são heranças.
Heranças são as obras, são os feitos, são os sonhos
desenhados pelos pés dos velhos caminhantes
que plantaram na história sementes de esperança
e nos legaram a tarefa de fazer através da luta, o caminho de vencer
[...] E nessas marcas de bravos lutadores
iniciamos a edificação de novos seres construtores
de um projeto que nos levará à nova sociedade.
Marchamos por saber que em cada coração há uma esperança.
Há uma chama despertada em cada peito.
E a mesma luz é que nos faz seguir em frente
e tecer a história assim de nosso jeito.
A dor, a fome, a miséria e a opressão não são eternas.
Eternos são os sonhos, a beleza e a solidariedade, por estarem ao longo do
caminho de quem anda
em busca da utopia nas asas da liberdade [...]”

(Ademar Bogo).
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196

APÊNDICES

A – QUESTIONÁRIO DE PERFIL DOS(AS) DIRIGENTES

1 Sexo:
( ) Masculino ( ) Feminino

2 Faixa Etária:
( ) 18 a 25 anos ( ) 42 a 50 anos
( ) 26 a 33 anos ( ) Mais de 50 anos
( ) 34 a 41 anos

4 Escolaridade:
( ) não alfabetizado ( ) ensino médio incompleto
( ) alfabetização ( ) ensino médio completo
( ) ensino fundamental incompleto ( ) ensino superior incompleto
( ) ensino fundamental completo ( ) ensino superior completo

5 Renda Mensal da Família:


( ) Entre 1 e 2 SM ( ) Entre 7 e 8 SM
( ) Entre 3 e 4 SM ( ) Entre 9 e 10 SM
( ) Entre 5 e 6 SM ( ) Acima de 10 SM

6 Possui profissão/ocupação?
( ) Sim ( ) Não Qual? ____________________

7 Há quanto tempo participa deste movimento social?


( ) menos de 2 anos ( ) 6 a 10 anos
( ) 2 a 5 anos ( ) mais de 10 anos

8 Participa da direção do movimento há:


( ) apenas uma gestão ( ) três gestões
( ) duas gestões ( ) mais de três gestões
197

09 Antes de sua inserção no MLB, participou de algum outro espaço de organização


coletiva?
( ) Sim ( ) Não Qual? ___________

10 É filiado(a) a algum partido político atualmente?


( ) Sim ( ) Não Qual? __________
198

B – ROTEIRO DE ENTREVISTA

1. Fale sobre o surgimento, a articulação deste movimento / organização, o que


motivou a articulação, como vocês decidiram constituir esta organização?
2. Explique a dinâmica de atuação
3. O que te motivou a participar deste Movimento Social?
4. Quais as principais lutas já realizadas e o que conquistaram?
5. Presença dos serviços e politicas públicas e relação com os poderes públicos
(explicitar)
6. Fale das reivindicações atuais e das frentes de luta do movimento
7. Comente as estratégias adotadas no processo de organização e mobilização
do movimento
8. Vocês têm alguns apoiadores, aliados? Com quem o movimento se articula
na defesa de suas propostas e contra quem o movimento se confronta
diretamente?
9. Quais os maiores desafios para o movimento na atualidade?
10. Como se dá a relação entre o referido movimento com outros Movimentos
Sociais
11. Fale das relações com a mídia
12. Quais as principais iniciativas/ações realizadas pelo Movimento no sentido de
defesa e garantia de direitos para os moradores que vocês representam
13. Quais os avanços/conquistas e dificuldades/entraves que o movimento
encontra na sua intervenção?
14. Comentários e questionamentos que o/a entrevistado/a queira acrescentar
199

C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


(TCLE)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

ESCLARECIMENTO

Convidamos você, por meio deste documento a participar da pesquisa “CONTRADIÇÕES URBANAS
E DIREITO À CIDADE: movimentos sociais e organização popular em Natal-RN”. Temos como
objetivo analisar dilemas e contradições que perpassam a organização política dos movimentos
sociais urbanos e organizações populares existentes em Natal-RN. A pesquisa tem como orientadora
a Dra. Eliana Costa Guerra, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.
Os riscos que podem decorrer para os(as) participantes da pesquisa são mínimos. As pesquisadoras
responsáveis estão comprometidas em armazenar sigilosamente todos os dados obtidos, utilizando-
os apenas para fins científicos de análise da realidade social, sem dar margem para pensamentos
preconceituosos nem estigmatizantes. Não explicitaremos a identidade dos(as) informantes. Para
assegurar o sigilo e a segurança, utilizaremos pseudônimos ao nos referirmos às mesmas nos nossos
relatos de pesquisa. As gravações e os formulários serão guardados em local sigiloso e seguro, em
arquivos digitais e impressos na secretaria do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social,
durante um período de cinco anos. Não reconhecemos outros riscos.
Os benefícios da pesquisa para os(as) entrevistados(as) são considerados indiretos, de caráter sócio-
cultural, uma vez que os resultados, quando divulgados amplamente, poderão subsidiar discussões e
práticas no âmbito da organização e ação política no movimento de bairro. Deste modo, os dados e
análises podem nortear ações públicas que busquem a efetivação do direito à cidade em Natal. A
pesquisa em foco poderá ainda subsidiar a análise sobre os avanços e dificuldades dos movimentos
urbanos em Natal, e, do mesmo modo, subsidiar possíveis intervenções/ações do poder público.
Sua participação é importante porque suas respostas às nossas perguntas contribuirão com essa
análise, viabilizando o entendimento da atual situação dos movimentos urbanos que atuam nos
bairros da capital potiguar. Para isso, pedimos seu consentimento para realizar algumas perguntas
sobre o movimento ou associação do qual você é dirigente e/ou coordenador.
Para entender melhor a realidade social e como ela influencia a organização popular em Natal,
necessitamos conhecer a sua experiência visando a ampliação do conhecimento sobre a realidade
dos movimentos urbanos e da luta pelo direito à cidade, contribuindo com a discussão sobre os
movimentos e as lutas urbanas nesta sociedade.
Se você decidir participar, você será submetido(a) ao procedimento de entrevista nos fornecendo
informações importantes sobre as experiências do cotidiano da atuação do movimento social do qual
você faz parte.
200

Sua participação é completamente voluntária, de modo que você tem liberdade para desistir,
retirando seu consentimento em qualquer momento da pesquisa, não tendo com isso prejuízo ou
penalidade. Se sentir-se constrangido(a) de alguma forma, em qualquer momento poderá se recusar
a responder a alguma pergunta ou solicitar a suspensão parcial ou total da gravação por nós
realizada. Obedeceremos critérios técnicos adequados de forma a não prejudicar a qualidade e
autenticidade das informações, utilizando a técnica de análise de conteúdo. Armazenaremos as
transcrições em meio digital nos arquivos do Programa de Pós Graduação em Serviço Social –
PPGSS/UFRN. Garantimos que serão mantidos sigilo e respeito, ou seja, o seu nome ou qualquer
dado que possa identificá-lo não serão expostos nesse trabalho.
Se você tiver algum gasto financeiro comprovado decorrente da sua participação na pesquisa, você
será ressarcido(a).
Se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você terá direito a
indenização. Disponibilizaremos uma cópia deste Termo e as dúvidas que surgirem a respeito desta
pesquisa, poderá perguntar diretamente para Maria Clariça Ribeiro Guimarães, no endereço
eletrônico: clara_ama@yahoo.com.br ou pelo telefone: (84) 8731-1880. Dúvidas a respeito da ética
dessa pesquisa poderão ser questionadas ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN no endereço
eletrônico: email: cepufrn@reitoria.ufrn.br ou o site: www.etica.ufrn.br ou pelo telefone: (84) 3215-
3135.

CONSENTIMENTO APÓS O ESCLARECIMENTO

Eu, __________________________________________________________, declaro que estou


ciente dos objetivos dessa pesquisa e de ter compreendido as informações dadas pela pesquisadora,
e por livre e espontânea vontade, aceito participar da pesquisa intitulada CONTRADIÇÕES
URBANAS E DIREITO À CIDADE: movimentos sociais e organização popular em Natal-RN. Permito
que as informações que prestei sejam utilizadas para o desenvolvimento da mesma.
Natal, ______ de ___________________ de ________

______________________________________________________
ASSINATURA
_____________________________________________________
Maria Clariça Ribeiro Guimarães

Pesquisadora responsável
201

D – TERMO DE AUTORIZAÇÃO DA GRAVAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

TERMO DE AUTORIZAÇÃO

Eu, __________________________________________________________, autorizo a gravação em


áudio das informações que prestarei à pesquisadora responsável durante a entrevista que faz parte
do processo de coleta de informações da pesquisa: CONTRADIÇÕES URBANAS E DIREITO À
CIDADE: movimentos sociais e organização popular em Natal-RN. Permito que as informações que
prestei sejam utilizadas para o desenvolvimento da mesma. Elas poderão ser gravadas em meio
digital, e armazenadas em mídias eletrônicas, transcritas a partir de critérios técnicos adequados de
forma a não prejudicar a qualidade e autenticidade das informações, bem como poderei solicitar a
leitura das transcrições a qualquer momento. Estou ciente de que as transcrições serão armazenadas
em meio digital nos arquivos do Programa de Pós Graduação em Serviço Social – PPGSS/UFRN
durante o período de 5 (cinco) anos.
Se sentir-me constrangido(a) de alguma forma em qualquer momento, poderei me recusar a
responder qualquer pergunta ou solicitar a suspensão parcial ou total da gravação realizada.
Certo de que as informações serão utilizadas apenas para fins científicos de análise da realidade
social, permito que sejam utilizadas para o desenvolvimento da referida pesquisa.

Natal, ______ de ___________________ de ________

______________________________________________________
ASSINATURA

_______________________________________________________
Maria Clariça Ribeiro Guimarães

Pesquisadora responsável
202

E – CARTA DE ANUÊNCIA DO CRDH


203

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