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Motrivivência v. 28, n. 47, p.

226-240, maio/2016

http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2016v28n47p226

PARKOUR E VALORES MORAIS:


ser forte para ser útil

Alessandra Vieira Fernandes1


Lilian Kelly de Sousa Galvão2

RESUMO

Este estudo objetiva apreender os discursos científicos e “populares” divulgados sobre


o Parkour, priorizando a identificação de valores morais relacionados a essa prática
corporal. Para tanto, foi realizada uma revisão sistemática da literatura acadêmica
científica e uma revisão sistemática de reportagens divulgadas em mídias “populares”
através do descritor “Parkour”. Os resultados evidenciaram que características como
companheirismo, respeito, altruísmo, integração social e responsabilidade estão presen-
tes no Parkour; por outro lado, também sugeriram que seu processo de popularização
tem facilitado a divulgação de uma imagem distorcida da prática, supervalorizando
valores morais distantes daqueles preconizados pelos seus idealizadores.

Palavras-chave: Esporte; Parkour; Valores; Desenvolvimento Moral

1 Graduada em Psicologia. UFCG, Campina Grande/Paraíba, Brasil. E-mail: alessandrafernandes.ale@gmail.com


2 Doutora em Psicologia. Professora da UFCG. João Pessoa/ Paraíba, Brasil. E-mail: liliangalvao@yahoo.com.br
Agradecemos ao Professor Dr. Anderson Scardua (UFCG) e ao Professor Me. Jeimison Macieira por terem
contribuído com a revisão deste manuscrito.
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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INTRODUÇÃO com o hebertismo, criado por George Hé-


bert (1875-1957), ex-naval, que viajou por
Desde sua origem, o esporte é re- todo o mundo e se inspirou no desenvol-
conhecido como veículo para o desenvol- vimento físico e na habilidade dos povos
vimento moral (STOVITZ; SATIN, 2014). A indígenas da África para criar o seu método
cooperação, o respeito, a responsabilidade, de treinamento (SOARES, 2003). Presente
a solidariedade e o trabalho em equipe são na erupção vulcânica catastrófica de 1902
valores que fazem parte do espírito espor- em St. Pierre/França, Hébert heroicamente
tivo, facilitam o raciocínio moral, agregam coordenou a fuga e o resgate de cerca de
identidade, e, segundo Weinberg e Gould 300 pessoas. Esta experiência reforçou sua
(2001), ao serem aprendidos pelos atletas, crença de que a habilidade atlética deve
orientam comportamentos e escolhas. combinar bravura e altruísmo e contribuiu
Segundo Schwartz (1992, 2006, para o desenvolvimento do Método Natu-
2012), os valores são objetivos desejáveis ral de Educação Física, caracterizado pela
que variam em importância e que servem síntese do físico e da moral baseado no
como princípios que guiam a vida das ethos “Etre fort pour être utile” (ser forte
pessoas. Para ele, é possível sintetizar os para ser útil).
valores de diferentes culturas em dez tipos O Parkour é definido como uma
motivacionais, a saber: autodireção, esti- prática corporal coletiva que prioriza a
mulação, hedonismo, realização, poder, superação individual (ANDRADE; CUNHA,
benevolência, conformidade, tradição, 2009). Está enraizado em um conjunto
segurança e universalismo. Schwartz, no de princípios associados a uma maneira
entanto, não considerou esses valores particular de mover-se dentro do ambiente
elencados como categorias qualitativas e de superar obstáculos físicos e mentais
independentes; pelo contrário, teorizou (PERRIÉRE; BELLE, 2014). Esses princípios
uma dinâmica entre eles, organizada em incluem, de acordo com Belle (2009), a
duas dimensões básicas bipolares, desig- busca pela melhora de si mesmo, o uso
nadas como “abertura à mudança versus das habilidades desenvolvidas para ajudar
conservação” e “autotranscendência versus os outros e o apropriar-se da prática como
autopromoção” (para uma descrição mais uma ferramenta para atribuir significados à
detalhada, ver Schwartz (2006)). própria vida.
Schwartz e Bilsky (1987) definem O Parkour também pode ser concei-
três tipos de interesses que podem surgir tuado como uma manifestação da cultura
quando uma pessoa adota um determina- corporal, baseada nas capacidades físicas
do tipo de comportamento, relacionado enraizadas em cada ser humano, que tem
a um tipo de valor: individualista (poder, como objetivo as várias possibilidades de
realização, hedonismo, estimulação e au- movimentação ou percursos através de téc-
todireção), coletivista (tradição, conformi- nicas próprias para superação de obstáculos
dade e benevolência) ou misto (segurança em meio urbano e/ou rural apresentados
e universalismo). pela realidade objetiva (LORDÊLLO, 2011;
Especificamente sobre o Parkour, PERRIÉRE; BELLE, 2014; THIBAULT, 2013).
suas raízes retomam a mais de 100 anos Trata-se de uma disciplina não competitiva,
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cuja finalidade é avançar em um percurso movimentos, são técnicas utilizadas para


qualquer utilizando técnicas de desloca- a transposição de obstáculos (REHBEIN,
mento (SILVA, 2012). 2013). Alguns dos movimentos serão ilus-
A maioria dos movimentos do trados na Figura 1. Contudo, vale ressaltar
Parkour é efetivada durante uma corrida. que os nomes técnicos dos movimentos
Os vaults, como são denominados os variam em função de cada país.

Figura 1 – Ilustração de alguns vaults utilizados no Parkour


Fonte: Fotografias da primeira autora, autorizadas pelo fotografando

Desde seu surgimento, a mídia teve informações pela internet, em sites como
grande influência na exposição e difusão o YouTube.
da disciplina, com a divulgação de infor- Semelhante ao que aconteceu em
mações tanto positivas quanto contrapro- outros países, no Brasil o Parkour se po-
ducentes (AMEEL; TANI, 2012). Projetos pularizou através da internet. O primeiro
como Rush Hour (documentário da BBC), grupo da modalidade era conhecido por
Jump London (2003) e Jump Britain (2005), Le Parkour Brasil, composto por jovens de
liderados por Sebástian Foucan, abriram São Paulo. Em razão de suas características
novos públicos para o Parkour (BROWN, e aparente radicalidade, a prática no Brasil
2007). Nos últimos anos, o Parkour tem causou certa polêmica e seus praticantes
se expandido de forma surpreendente, o foram, frequentemente, confundidos como
que é atribuído ao compartilhamento de vândalos por utilizar diferentes ambientes
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urbanos de maneira não convencional abordavam diretamente o tema “Parkour”.


(STRAMANDINOLI; REMONTE; MAR- Dessa seleção permaneceram 20 artigos.
CHETTI, 2012). Atualmente, devido sua
disseminação, o país vive o aumento do
número de praticantes, eventos e projetos Revisão sistemática de jornais eletrônicos
sociais que introduzem o Parkour como “populares”
veículo de socialização e cultura.
Partindo do pressuposto de que os A revisão sistemática foi realizada
veículos de informação, como estudos aca- em agosto de 2014 em 59 jornais eletrô-
dêmicos científicos e reportagens, possuem nicos, sendo 54 estaduais (2 jornais por
uma função primordial na disseminação de Estado) e 5 nacionais. Utilizou-se como
valores, esse estudo objetiva apreender os palavra-chave o termo “Parkour”. Foram
discursos acadêmicos e “populares” divul- encontradas 69 reportagens publicadas no
gados sobre o Parkour, com o foco principal período de 2006 a 2014.
na identificação de valores morais.
ANÁLISE DE DADOS
METODOLOGIA
Os dados obtidos nas revisões siste-
Trata-se de um estudo bibliográfico máticas foram submetidos à análise de con-
descritivo, com a análise da literatura aca- teúdo temática proposta por Bardin (1997),
dêmica e de reportagens eletrônicas. que consiste em um conjunto de técnicas
de análise das comunicações, utilizando
procedimentos sistemáticos e objetivos de
Revisão sistemática da literatura acadêmica descrição do conteúdo das mensagens.
e científica

A revisão sistemática foi realizada RESULTADOS E DISCUSSÃO


no segundo semestre de 2014 nas bases
de dados acessíveis no periódico CAPES, Revisão sistemática da literatura acadêmica
e científica
através do descritor “Parkour”. Foram identi-
ficados 221 textos com publicações entre os
O Quadro 1 apresenta a categoriza-
anos de 2004 a 2014, no formato de artigos
ção dos 20 estudos selecionados na revisão
científicos, artigos de jornal, resenhas e
sistemática realizada, com seus respectivos
recursos textuais. Após avaliação de todos
autores, ano de publicação, metodologia e
os resumos, foram selecionados para uma
temática do estudo.
análise mais pormenorizada os textos que
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Quadro 1 – Caracterização dos artigos científicos analisados

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Conforme pode ser visto no Qua- encontrados pertence ao campo da Sociolo-


dro 1, os estudos acadêmicos analisados gia. O método utilizado é variável, contem-
têm explorado: as implicações sociais da plando pesquisas qualitativas, quantitativas
prática do Parkour (F=7), a personalida- e revisão bibliográfica.
de narcísica e o comportamento de risco
(F=3), a apropriação e reformulação do
espaço urbano (F=3), as lesões decorrentes Revisão sistemática de jornais eletrônicos
“populares”
do treino imprudente (F=2), as emoções
na prática do Parkour (F=1), questões de
A Tabela 1 apresenta a distribuição
gênero (F=1), a produção cinematográfica das publicações por jornal eletrônico. Note-se
e as representações do Parkour (F=1), que o Globo Esporte (F=11) foi o jornal que
a influência das tecnologias (F=1) e o mais publicou sobre a temática, seguido
processo de desportivização (F=1). É rele- dos jornais cariocas O Globo (F=7) e Extra
vante registrar que a maioria dos estudos Globo (F=6).
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Tabela 1 – Frequência de publicações sobre o Parkour divulgadas em Jornais eletrônicos

Fonte: Elaborado pelas autoras.

O Quadro 2 revela os dados apreendidos das reportagens de Jornais disponíveis em


mídia eletrônica, organizados por categorias temáticas, subcategorias e conteúdo abordado.
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Quadro 2 – Categorias, subcategorias e contúdos adordados bas reportagens de jornais


“populares” sobre a prática do Parkour

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Conforme pode ser visto no Quadro competição, a institucionalização da prática


2, existem dois grandes grupos de repor- e a difusão de uma imagem desvirtuada
tagens: as que são fiéis aos fundamentos dos praticantes (super-heróis, vândalos,
históricos do Parkour e que ressaltam seu transgressores). Ao analisar esses resultados
embasamento teórico, filosófico e social, com base na teoria dos valores humanos de
bem como os benefícios relacionadas à Schwartz (1992, 2006, 2012), percebe-se
essa prática corporal; e as que representam que o Parkour é difundido na mídia ora
uma visão mais contemporânea do Parkour, atrelado a valores que representam interes-
embasadas em informações distorcidas por ses mais individualistas (poder, realização,
alguns recursos midiáticos promotores de hedonismo, estimulação e autodireção),
preconceito, os quais supervalorizam a ora ligado a valores mais coletivistas
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(tradição, conformidade e benevolência), Para Ameel e Tani (2012), muitas das


ora relacionado a valores que representam reações negativas referentes ao Parkour são
um interesse misto (segurança e univer- causadas pelo desconhecimento e falta de
salismo). compreensão. Contra os equívocos comuns,
os praticantes expressam o Parkour como
uma prática transformadora e os benefícios
Entrelaçando saberes adquiridos com a disciplina, como confiança
e autoestima, intimidaria qualquer motiva-
Nessa seção será apresentada a ção para ações negativas e transgressoras
articulação de reflexões apreendidas do (ANGEL, 2011). Nas reportagens de SporTV
conhecimento acadêmico científico e das (2011) e Globo Esporte (2012) os praticantes
produções midiáticas “populares” divulga- revelam que abandonaram as drogas para se
das na internet. dedicarem ao treinamento. Portanto, obser-
va-se que a prática não oferece o potencial
transgressor aos praticantes.
O equívoco produzido pelo desconheci-
Os sujeitos inseridos no Parkour são
mento
instruídos a ajudar o próximo. Um exemplo
A popularidade do Parkour não são as ações para arrecadar dinheiro ou bens
materiais para projetos sociais ou associa-
implica em sua compreensão (CARVA-
ções de pessoas em vulnerabilidade social
LHO; PEREIRA, 2008). Parte da sociedade
(CORREIRO BRAZILIENSE, 2010). Nota-se
e da mídia desconhecem os princípios e
que dentro da disciplina, os praticantes
os benefícios do Parkour. Na reportagem
são motivados a contribuir e participar de
de Noronha (2014), publicada no Diário
projetos e ações sociais com a parceria de
do Nordeste, os praticantes relatam que
órgãos públicos e privados e iniciativas que
já foram associados a ladrões, pichadores,
almejem um Parkour melhor para todos.
macacos, entre outros termos dessa nature-
Bombeiros de Paris também percebem
za, que podem se configurar como valores
a importância dessa prática no resgate e
que alimentam um preconceito direcionado
salvamento de vítimas e o incluíram no
à prática e ao praticante do Parkour. Eles treinamento de recrutas (SPORTV, 2011).
sentem que são mal interpretados pelo De acordo com Angel (2011), o Par-
público diante de suas ações consideradas kour pode ser articulado em três vertentes:
destrutivas pela sociedade (ANGEL, 2011). (1) um método de treinamento para superar
Outro argumento contraproducente aponta obstáculos físicos; (2) um método de treinar
o Parkour como um método de treinamento a mente para superar dificuldades cotidia-
de assaltantes do futuro e que as habilida- nas; (3) uma maneira de expressão, culti-
des desenvolvidas poderiam ser usadas de vando a imaginação e gerando emoções.
forma negativa. Essa ideologia é reforçada Essas características potencializam a prática
pelas obras cinematográficas que incorpora- e apontam sua relevância para aqueles que
ram o Parkour com a imagem de praticantes o praticam e os possíveis benefícios de sua
que invadem departamentos, infringem a lei implementação em determinados grupos
e esquivam-se de policiais. sociais em situação de risco.
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Valores morais e habilidades sociais com- timulam a reflexão acerca de suas atitudes.
partilhados pelo Parkour Com frequência são realizados en-
contros regionais ou nacionais de Parkour.
Compaixão, altruísmo e empatia são Esta experiência é muito enriquecedora
características e habilidades importantes para o praticante, porque além de conhecer
para o praticante, que precisam ser traba- novos praticantes ou manter contato com
lhadas além dos saltos, por isso Perriére e outros já conhecidos, ele pode compartilhar
Belle (2014) conceituam o Parkour como pensamentos, inquietudes, aprendizagens
uma forma de construir e avançar em so- e conhecer outras cidades - esta variedade
ciedade. O companheirismo, a afetividade, arquitetônica repercute na exploração pes-
o respeito mútuo, o altruísmo, a integração soal de seus próprios movimentos (CARBÓ
social, a responsabilidade, a convivência e GONZÁLEZ, 2013). Esses eventos também
a solidariedade são aspectos presentes no são importantes para o fortalecimento dos
grupo, refletidos na partilha da água, nos valores morais diante do que é compartilha-
gestos de apoio físico durante os treinos, do entre praticantes de diferentes culturas
nos ostensivos e repetidos aplausos pela e regiões.
superação dos medos ou perfeição de movi-
mentos realizados, na convivência empática
dentro e fora do grupo e no amparo físico A responsabilidade social dos praticantes
ao colega que busca efetivar um movimento
novo com risco maior de acidente (ANDRA- Pesquisa de Guss (2011) e Clegg e
DE; CUNHA, 2009; SILVA, 2012; SILVA; Butryn (2012) apontam que os praticantes
COSTA; CARVALHO, 2011). A prática do reconhecem a atribuição de estereótipos
Parkour pode, portanto, ser um bom facili- negativos e vivenciam conflitos com polí-
tador entre seus praticantes do desenvolvi- cias, instituições, empresas e proprietários
mento do valor da benevolência, definido de imóveis, portanto, os comportamentos
por Schwartz (1992, 2006, 2012) como dos praticantes raramente são impruden-
sendo a preservação e o fortalecimento do tes, assim eles tendem a respeitar, medir e
bem-estar das pessoas com quem se man- gerenciar suas ações e atitudes.
tém contato pessoal frequente. Para manter a boa imagem do
Mulyana (2012) sugere um progra- Parkour, os praticantes são propensos à
ma de educação dos valores morais na área educação e ao respeito, pois sendo uma
da Educação Física Escolar semelhante à disciplina jovem, é compromisso dos
dinâmica dos treinos coletivos de Parkour, praticantes demonstrar maturidade e evitar
que manifesta a demonstração e simulação problemas que possam surgir (THIBAULT,
de valores morais durante a prática. Para 2014). A pesquisa de Clegg e Butryn (2012)
Weinberg e Gould (2001), a efetivação de destaca que as ações do praticante refletem
uma educação moral é possível através de em toda a comunidade, logo, a interação
diálogos interiores e discussões em grupo respeitosa com o meio e com a sociedade
sobre dilemas morais. No Parkour, essas são essenciais para a reputação do Parkour
discussões geralmente acontecem durante o como uma prática pacífica e responsável.
treino, onde os praticantes questionam e es- Na publicação de Diário do Pará (2011),
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preservar o espaço é garantir que os prati- atraente e único em comparação com outras
cantes continuem treinando nele, uma vez práticas esportivas ou estilos de vida. E
que o Parkour é uma força criativa, não como a prática exige pouco em termos de
destruidora. equipamento ou custo, ele tem o potencial
A disciplina desperta a cidadania de se tornar uma atividade muito popular
dos praticantes que ocupam áreas públicas entre todos os segmentos da sociedade,
e aprendem a valorizá-las como um bem especialmente entre jovens urbanos margi-
que dependem para a sua prática (STRA- nalizados (BROWN, 2007).
MANDINOLI et al., 2012). Diante dessas Thorpe e Ahmad (2013) realizaram
características, convém afirmar que o Par- uma análise do desenvolvimento do Parkour
kour pode contribuir para a consciência e a em Gaza e relataram que a prática chegou
formação de um senso de responsabilidade nesta cidade palestina através do documen-
dos seus praticantes com a sociedade, o tário Jump London (2003). Em um contexto
que pode promover a construção ou o cercado por obstáculos e bloqueios, os jovens
fortalecimento do valor intitulado por Sch- descobriram que o Parkour é, para além de
wartz (1992, 2006, 2012) de universalismo um esporte, uma filosofia de vida que enco-
(compreensão, apreciação, tolerância e raja cada individuo a superar os obstáculos
proteção do bem-estar de todas as pessoas em seu caminho, capaz de despertar um
e da natureza). sentimento de esperança para o futuro. Para
evitar conflitos com membros da família,
residentes locais e a polícia, os membros do
Prática corporal acessível e aberta à in- Parkour Gaza procuram espaços despovoados
clusão social para treinar. G1 Rio Preto (2012) informa que
as regras sociais conservadoras do território,
O Parkour incentiva a afinidade controlado pelo Harnas, impedem que os
com a diversidade, onde, por exemplo, únicos praticantes do Parkour Gaza treinem
treina o analista financeiro ao lado dos de- na rua. Então, eles se exercitam em um assen-
sempregados de dezessete anos de idade, tamento judeu abandonado.
o jovem ao lado do idoso, o profissional As redes sociais, onde os praticantes
com o amador, o homem com a mulher, postam vídeos de treinos, como o Facebook
o mulçumano com o ateu (ANGEL, 2011). e o YouTube, são espaços fundamentais de
Por acolher a diferença e incentivar o res- interação e diálogo com a juventude para
peito entre elas, o Parkour é identificado além dos limites da faixa de Gaza. Esses
como um espaço específico em relação às espaços contribuem para a construção de
diversas práticas corporais existentes. Na respeito entre os praticantes de diferentes
perspectiva do desenvolvimento humano, origens socioculturais, religiosas e/ou nacio-
essa inclusão social pode ser considerada nais. Thorpe e Ahmad (2013) identificaram
como um princípio básico para que outros que os vídeos criados pelo grupo Parkour
valores sociais possam ser desenvolvidos Gaza recebem apoio do idioma árabe e
(DACOSTA et al., 2007). inglês por colegas em todo o mundo e
A relação não hierárquica e a dinâ- comentários de desejo de paz pelos prati-
mica de grupo acessível tornam o Parkour cantes israelenses.
236

Competição e mercantilização Essencialmente, o Parkour foi ideali-


zado através de valores não relacionados a
Nos últimos anos foi desenvolvida consumo de bens materiais. Os praticantes,
uma tendência de exibição e competição quando são fiéis aos princípios fundamen-
pelos praticantes e uma maior instituciona- tais do Parkour, valorizam a cooperação
lização do Parkour (CARBÓ GONZÁLEZ, e rompem com a lógica competitiva do
2013). Esta prática foi criada para fins socia- melhor, do mais forte ou do mais veloz,
lizantes e de lazer, todavia ela vem sofrendo que é intrínseco de algumas modalidades
constantes modificações pela sociedade que esportivas e refletem a própria forma de
o cria e o recria ao longo da história. viver da sociedade contemporânea (THI-
Durante a difusão no mundo, atra- BAULT, 2013). A exposição ao risco através
vés da mídia de massa, surge na televisão de um treinamento imprudente, a busca por
programas que utilizam o Parkour em aplausos, visibilidade e competição não
forma de competição (LORDÊLLO, 2011), constituem os fundamentos da prática, e
emergindo fervorosos debates e o mani- representam interesses mais individualistas,
festo “Pro Parkour, Against Competition” associados a valores como poder, realiza-
(À favor do Parkour, contra competições), ção, hedonismo, estimulação e autodireção
numa tentativa de manter a disciplina em (SCHWARTZ, 1992, 2006, 2012).
sua originalidade. Embora os grupos expo-
nham a imagem de um esporte competitivo,
com suas demonstrações de virtuosismo CONSIDERAÇÕES FINAIS
atlético, o Parkour geralmente é praticado
em um espírito de cooperação e não é um O resultado desta pesquisa revela
esporte de competição (ANGEL, 2011; que, ao contrário de informações difundidas
NORONHA, 2014; LORDÊLLO, 2011; por alguns veículos midiáticos que associam
GUSS, 2011). Trata-se de um treinamento o Parkour à imagem contraproducente
para ser melhor, não o melhor (Belle, 2009). e competições, o Parkour possui em sua
Em seu princípio “ser forte para ser útil”, a essência um forte senso de comunidade e
ideia é ser forte, para não ser o mais forte, responsabilidade social, em consonância
mas ser forte a fim de ajudar os outros em com sua máxima original: “ser forte para
seu desenvolvimento (THIBAULT, 2013). ser útil”.
Para Vigroux (2013), há uma divisão A pesquisa realizada nos textos aca-
no Parkour entre as raízes da disciplina e dêmicos junto às reportagens publicadas em
aquilo que hoje se difunde na mídia como jornais divulgados na internet mostrou-se
sendo Parkour. Na atualidade, esta prática um recurso interessante para sistematizar as
tem sido transformada em filmes e comer- imagens que estão sendo difundido sobre
ciais, e, gradativamente, tem se distanciado esta prática corporal. O diferencial deste
dos seus princípios iniciais. Essa apreciação estudo foi a possibilidade de não apenas
estética do movimento é usada para vender considerar as publicações acadêmicas no
sapatos, roupas, aparelhos digitais, jogos de Brasil e no mundo, mas também o que tem
vídeo e divulgar escolas de formação (ATKI- sido disseminado naquilo que se denomi-
SON, 2009; STAPLETON; TERRIO, 2012). nou de mídia “popular”. Ao contrário do
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que era esperado pelas autoras do estudo, prática corporal. Também, declara-se rele-
não é exclusivamente a mídia “popular” vante investigar de que forma os princípios
que contribui para a difusão de imagens morais são internalizados pelos praticantes
distorcidas dos princípios fundamentais do do Parkour. Por fim, sugere-se que projetos
Parkour, como também alguns trabalhos sociais, direcionados a esta prática, sejam
realizados na academia. realizados em contextos de vulnerabilidade
O estudo também evidenciou que social e, principalmente, nas escolas.
os valores associados ao Parkour, através
dos veículos de informações analisados,
estão configurados em dimensões que REFERÊNCIAS
coincidem com as motivações valorativas
preconizadas na teoria de S. H. Schwartz. AMEEL, L.; TANI, S. Parkour: creating loose
Isto denota que o Parkour, como qualquer spaces?. Geog Annaler, v. 94, n. 1,
outra modalidade esportiva, acaba por p. 17-30, 2012.
reproduzir a estrutura global da sociedade, ANDRADE, L. I.; CUNHA, F. P. Esportes
formada por uma diversidade de valores, Urbanos em João Pessoa. 58p. Relatório
que apresentam tanto conflitos, quanto de Projeto de Extensão. João Pessoa:
congruências, associados a todo tipo de Universidade Federal da Paraíba,
interesse (coletivo, individual ou misto). Departamento de Educação Física,
Os resultados do estudo ainda per- 2009.
mitiram refletir que as práticas corporais ANGEL, J. M. Cine Parkour: a cinematic
correm o risco de ter seus princípios valo- and theoretical contribution to the
rativos distorcidos, o que aponta a necessi- understanding of the practice of parkour.
dade de cautela com discursos midiáticos 2011. 235p. Tesis [Doctor of Philosophy]
enviesados. - Screen Media Research Centre, Brunel
Finalmente, convém ponderar que a University, Brighton, 2011.
transmissão dos valores morais nessas prá- ATKINSON, M. Parkour, anarcho-
ticas ou na sociedade, de um modo geral, environmentalism, and poiesis. JSSI,
não ocorre de forma linear: um mesmo valor v. 33, n. 2, p. 169-194, 2009.
pode levar diferentes pessoas a desenvolver BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa:
distintas atitudes, inclusive opostas. Edições 70, 1997.
Por fim, considera-se pertinente BELLE, D. Parkour. França: Intervista, 2009.
apontar alguns estudos que poderão ser Britânico planeja percorrer mais de 1,6 mil km
construídos com intuito de aprofundar no estilo Parkour. Correio Braziliense,
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PARKOUR AND MORAL VALUES: be strong to be helpful

ABSTRACT

This study aims to seize the scientific discourses and “popular” released on Parkour,
prioritizing the identification of moral values related to this practice. To this, it was
performed a systematic review of scientific academic literature and a systematic review of
articles published in media “popular” using the descriptor “Parkour”. The results showed
that characteristics such as companionship, respect, altruism, social integration and
responsibility are presen in Parkour; on the other hand, also suggested that the process
of popularization of Parkour has facilitated the dissemination of a distorted image of
their practice, overvaluing distant moral values that are far from those recommended
by their creators.

Keywords: Sport; Parkour; Values; Moral Development

PARKOUR Y VALORES MORALES: ser fuerte para ser útil

RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo conocer el discurso científico y “popular”, divulgadas
acerca del Parkour, dando prioridad a la identificación de los valores morales. Para tanto,
se realizó una revisión sistemática de la literatura académica científica y una revisión
sistemática de los artículos publicados en los medios de comunicación “popular”,
mediante el descriptor “Parkour”. Los resultados mostraron que características como
el compañerismo, el respeto, el altruismo, la integración social y la responsabilidad
están presentes en Parkour; por otra parte, también se sugirió que el proceso de
popularización de Parkour ha facilitado la difusión de una imagen distorsionada de su
práctica, sobrevalorar los valores morales distantes los recomendados por sus creadores.

Palabras clave: Deporte; Parkour; Valores; Desarrollo Moral

Recebido em: setembro/2015


Aprovado em: abril/2016

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