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LOCAL DE ENCONTRO
ENTRE AS ESTRELAS
Autor
HANS KNEIFEL
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
O mês de agosto do ano 3.441, tempo terrano, está
chegando ao fim. Perry Rhodan, que regressou há pouco da
galáxia Gruelfin para a Terra, defronta-se com os destroços
daquilo que foi construído em séculos de trabalho duro.
Deixou a valente Marco Polo no porto da frota em Terrânia e
partiu com sessenta companheiros, inclusive Gucky e Atlan,
na Good Hope II, um pequeno cruzador espacial com
equipamentos especiais, para um destino desconhecido.
Perry Rhodan tenta investigar o misterioso Enxame, que
continua penetrando na galáxia. Acredita que deve ser
possível encontrar um meio contra a manipulação da
constante gravitacional causada pelo Enxame, que
transforma a maior parte dos seres inteligentes em débeis
mentais, ou ao menos convencer os que dirigem o Enxame a
não atravessar a Via-Láctea.
A primeira ação de Perry Rhodan é realizada no
“Planeta dos Cavadores”, um mundo situado nos confins da
galáxia, pelo qual o Enxame já tinha passado. Depois das
aventuras excitantes que enfrentou naquele mundo deserto,
passou a examinar um sistema solar e ajudar um mundo que
corre um perigo iminente por causa do Enxame.
Reginald Bell também se encontra nas proximidades do
Enxame. Viaja na Intersolar. Presta ajuda a quem precisa e
ao mesmo tempo descobre novos colaboradores no Local de
Encontro Entre as Estrelas...
Considerada a expectativa de vida dos terranos, Vyrner Rustage com seus 49 anos
podia-se considerar um homem relativamente jovem. Tinha rosto grande e um par de
olhos cinzentos afundados nas covas. O cabelo castanho-escuro, que já começava a ficar
grisalho junto às orelhas, estava em desordem. A barba por fazer cobria o pescoço, o
queixo e as faces. Vyrner tirou devagar a camisa suada, tocando na cicatriz oblíqua
produzida por uma queda. Caíra de uma plataforma antigravitacional juntamente com a
carga. Talvez fosse alguma coisa ligada a isso que o tornava imune aos efeitos das
misteriosas radiações. O comandante sorriu para sua imagem refletida no espelho, pegou
o pincel e o creme de barbear e espalhou espuma pelo rosto. Era o único tripulante que
numa atitude conservadora continuava seguindo o velho costume. Colocou uma lâmina
no aparelho e começou a barbear-se calmamente.
Quando estava enxaguando o rosto, a raiva que sentia da chamada tripulação que
vivia brigando em vez de cuidar da nave voltou a tomar conta dele.
— Eu devia fazer alguma coisa... — murmurou e tirou uma camisa limpa do
armário cuidadosamente arrumado. O sinal da porta interrompeu-o em sua atividade.
Depois de olhar ligeiramente para a arma narcotizante, gritou:
— Entre!
A escotilha deslizou para trás. Argoli Erion apareceu na abertura, fitou-o meio
embaraçada e disse:
— Só conheço um lugar em que se tem um pouco de sossego. É seu camarote,
terrano.
Vyrner fez um gesto e disse em tom calmo:
— Entre.
A face interna da escotilha voltou a aparecer, e com ela a foto tridimensional de
uma beldade escassamente vestida.
Argoli carregava uma bandeja, na qual se via louça de café, copos e uma garrafa.
Colocou-a na escrivaninha sobrecarregada, embaixo do retrato do irmão de Vyrner.
Depois sentou em uma das duas poltronas negras.
— Estou incomodando? — perguntou em voz baixa.
— Não, você nunca incomoda — respondeu Vyrner e abotoou a camisa. — Ou
quase nunca. O que está acontecendo desta vez lá fora?
Vyrner apontou com o polegar por cima do ombro, para a porta.
— Majie Odoardo está brigando de novo com Gooz B — respondeu a moça. —
Cada um acusa o outro pelo que come e pelo comportamento repreensível.
O médico ara, um homem magro, e o bamitense gordo estavam brigando. Era
interessante que numa situação de estresse como esta toda conversa terminasse em briga.
Vyrner Rustage tirou os objetos guardados em cima da outra poltrona e sentou-se.
— Foi muita gentileza sua — disse apontando para a louça. — Dentro de uma hora
voltaremos ao espaço normal.
— Aquele pessoal vai ficar bobo e infantil de novo? — perguntou Argoli assustada.
Rustage encolheu os ombros e disse:
— Não faço ideia. Não sou cientista, mas acho que os raios deixarão de fazer efeito
depois que tivermos saído da galáxia. Tenho uma teoria. Talvez os raios se orientem de
alguma forma por certos sóis manipulados de uma forma misteriosa. Mas tudo isto é
muito confuso e ainda não foi provado. A bordo da nave não existem instrumentos com
os quais se possa fazer uma verificação — afinal, não estamos numa nave exploradora,
mas numa unidade mercante. Além disso não sou cientista, Argoli.
A moça acenou com a cabeça. Distribuiu canecos, colocou café e bebida alcoólica
nos copos. Felizmente as provisões, calculadas para sessenta pessoas, não tinham sido
tocadas durante o caos. Não havia problemas de alimentação.
— Quanto mais tempo durar o voo, pior fica o estado de espírito a bordo — disse a
moça saltadora de repente. — Enquanto tínhamos de cuidar dos débeis mentais, os que
vivem brigando agora tinham com que distrair-se. Agora, que estão no espaço linear e
recuperaram o juízo, resolvem brigar.
Vyrner sorriu com uma expressão malvada.
— O que é uma prova de que a disposição de brigar está estreitamente ligada à
inteligência das pessoas. Mas não se preocupe; vão parar de brigar.
Vyrner fitou a moça.
Argoli Erion era mais parecida com uma moça terrana bonita do que deveria ser. O
que mais chamava a atenção naturalmente eram os longos cabelos ruivos, que caíam
sobre os ombros. O rosto com um par de olhos verdes fascinantes era estreito e exótico.
O corpo era parecido com o da moça que aparecia no pôster. Não fora à toa que Vyrner
mandara colar a ampliação. Argoli trajava uma mistura indefinível de roupas usadas
pelos saltadores e pelos terranos. Vyrner lhe dera peças de roupa tiradas dos camarotes
dos tripulantes desaparecidos. A moça fitou-o como quem espera uma revelação.
— O que vai fazer? — perguntou.
— Tomar medidas radicais! — respondeu Vyrner. — Para começar, vou cuidar
desse aconense que diz ser de sangue azul.
Vyrner mexeu o café. Houve um silêncio embaraçado.
— De onde é você? — perguntou depois de algum tempo.
A moça disse.
Era sempre a mesma história. Sua nave pousara no porto espacial de Orbana.
Quando o pessoal da repartição de assistência social aparecera a bordo para receber o
suborno, a epidemia psíquica começara de repente. Depois disso Argoli levara alguns
dias andando a esmo, à procura de outras pessoas normais. Acabara encontrando o
barnitense. Ele lhe fizera um relato prolixo sobre um terrano que curtia sua ressaca num
hotel barato. Esse terrano continuara surpreendentemente normal depois do colapso,
gabando-se, bebendo e mexendo com as moças, sem perceber que em torno dele todos
passavam a brincar como crianças.
Depois saíram à procura de Vyrner.
— E nós o encontramos. Vyrner sorriu embaraçado.
— Pois é — disse. — Foi isso mesmo. Parece que sou a única pessoa capaz de
conduzir este navio-fantasma cheio de individualistas histéricos e uma perigosíssima
jaula de maahk para a nuvem de Magalhães.
A moça tocou ligeiramente com o dedo em sua mão.
— Não parece — disse em voz baixa. — É. Vai fazer alguma coisa para impedir
essas brigas absurdas?
— Farei ou não quero mais chamar-me Vyrner — respondeu o comandante e
esvaziou o copo. A bebida alcoólica até parecia fogo líquido, mas ajudou a melhorar um
pouco o seu estado de espírito. Levantou, dirigiu-se a uma gaveta embutida e prendeu
uma pequena arma paralisante embaixo do braço esquerdo. Em seguida abriu o armário,
tirou uma jaqueta de linho fina e vestiu-a. Arregaçou as mangas até a metade do
antebraço e sentou-se.
— Que dirão os três indivíduos de sua espécie quando souberem que você está no
meu camarote? — perguntou.
Argoli deu de ombros.
— Parece que fazem questão de não assumir qualquer responsabilidade por minha
pessoa.
— E a responsabilidade coletiva do clã, o interesse pelos compatriotas?
Os lábios da moça crisparam-se num gesto depreciativo.
— Normalmente tudo isso existe. Mas não na situação anormal em que nos
encontramos. Eles perderam tudo, sua nave, sua fortuna e os familiares. Só salvaram a
própria pele e mais algumas preciosidades. Não se pode esperar que assumam sua
responsabilidade com entusiasmo.
Num gesto pensativo, Vyrner bateu com as unhas nos dentes incisivos. Em seguida
levantou o caneco e a moça voltou a enchê-lo com café preto bem quente.
— Está na hora de cuidar da direção da nave — disse.
— Posso ficar aqui ouvindo um pouco de música com a porta trancada? —
perguntou Argoli em voz baixa. — Datras está atrás de mim.
— Pegamoi Datras II atrás de você? — perguntou Vyrner estupefato.
A moça acenou com a cabeça.
Vyrner soltou um estrondosa gargalhada. Antes que acabasse o acesso de riso,
alguém bateu à porta. Rustage parou de rir e gritou:
— Entre!
Eram Ingrain Dulgant, o anti, Gooz B e Aptant Khyn, um médico ara. Entraram
como uma tempestade e começaram a falar todos ao mesmo tempo.
Dulgant gritou:
— Este bamitense gordo afirma ter direito a um tratamento especial por descender
dos terranos. Quando eu lhe disse que estamos todos na mesma canoa, ele respondeu que
esta canoa é uma nave terrana e que, se alguém deve ter certas prerrogativas, este alguém
é ele...
Aptant Khyn gritou com a voz fanhosa:
— Não podemos ser tratados como mendigos. Somos médicos muito conceituados.
Parece que a primeira coisa que teremos de fazer é tratar deste monte de gordura antes
que coma e beba até morrer. E olhe que ele faz isso às nossas custas, pois ele come pelo
menos quatro vezes mais que nós e além disso arrota que nem um animal. Esse cara...
O bamitense estava parado na porta, trêmulo. Levantou os braços curtos e gordos e
gritou em tom choroso:
— É claro que eu tenho razão. Descendo de colonos terranos do sistema de Ricolt.
Meu cérebro não pode ser influenciado. Não sou igual a esses bobalhões. Preciso comer
muito para viver!
— E o senhor não tem o direito de me atacar. Afinal, só foi salvo dessa nave
porque...
Argoli olhou para o terrano.
O navegador Vyrner Rustage estava calmamente apoiado no armário, com os lábios
cerrados e os olhos entreabertos. Mantinha os braços cruzados sobre o peito. Um dos
botões magnéticos da camisa estava aberto. As veias das têmporas eram cada vez mais
salientes. Finalmente abriu a boca, respirou profundamente e gritou com tanta força que
os três homens perderam a fala:
— Silêncio, idiotas!
Os homens assustaram-se e recuaram. Vyrner prosseguiu em voz baixa e áspera:
— Para mim chega!
— Já chega desde que decolamos. Daqui em diante usaremos métodos não-
convencionais e quem não quiser aceitá-los sairá da nave, num jato ou ficando no
próximo planeta que eu descobrir.
— Mas...
A voz do bamitense tremia.
— Não há mas nem porém — disse Vyrner. — Antes de mais nada, cada um de
vocês terá seu trabalho. Gooz B, vá aos porões de carga e confira as provisões com os
conhecimentos de carga. Todas as provisões. Fui bem claro? Ai do senhor se eu descobrir
que esqueceu um saquinho de plástico. Entendeu?
As bochechas flácidas do bamitense tremiam em sinal de protesto.
— Não estou aqui para trabalhar.
Vyrner já gastara o que ainda lhe restava da paciência maltratada. Tirou a mão
direita de debaixo da jaqueta e atirou no braço de Gooz. O bamitense soltou um grito
estridente.
— Depois que a paralisia de seu braço tiver passado, o senhor será bem-vindo de
novo — disse Vyrner. — Dê o fora. Os conhecimentos de carga estão sobre a mesa da
mapoteca, na sala de comando. Rápido!
O bamitense afastou-se gemendo. Desenvolveu uma velocidade considerável.
Vyrner passou a dirigir-se ao médico ara.
— Preste atenção, Aptant Khyn — disse em voz baixa. — Não quero dar uma de
diretor, mas a partir deste momento todos terão seu trabalho a bordo desta nave.
O ara contemplou-o com os olhos arregalados.
— Pois não.
— O senhor vai examinar a enfermaria, bem como os aparelhos e os estoques de
medicamentos. Quero que a enfermaria funcione perfeitamente quando precisarmos dela.
Entendeu?
O ara acenou com a cabeça. Não disse uma palavra.
— Diga a seu amigo Majie Odoardo que deve criar um procedimento para que
possamos comunicar-nos com o maahk.
— Transmitirei isso a ele. Posso retirar-me?
— O senhor deve.
— E eu? — perguntou o anti em tom rebelde. — Devo limpar as toaletes?
O rosto de Vyrner abriu-se num largo sorriso. Nem pensara nisso. Era uma ótima
ideia.
— Isso mesmo! — disse. — O senhor e seus companheiros cuidarão para que a
nave sempre esteja limpa. Os robôs faxineiros e materiais de limpeza estão à sua
disposição. Quando falo em limpeza, refiro-me a ela no sentido mais amplo da palavra.
Inclui as máquinas nas eclusas de hangar. Se tiverem alguma objeção, não se
constranjam. Podem sair da nave.
Parecia que o anti não acreditava no que Vyrner acabara de dizer.
— Sair enfiado num traje espacial? — perguntou sorrindo. — Em queda livre?
— Quando o senhor desejar ou eu julgar necessário. Ou sai da nave, ou comporta-se
de forma sensata. A limpeza será em benefício de todos.
O anti retirou-se em silêncio.
— O senhor está agindo com muita inteligência — observou a moça saltadora.
— A raiva ensina a agir — resmungou o terrano.
Neste instante a nave saiu do espaço linear. O maahk voltou a gritar e a agitar-se,
enquanto dois dos antis balbuciavam coisas sem sentido. De repente o sistema de
rastreamento automático deu o alarme.
Vyrner ergueu o braço para despedir-se, sorriu para Argoli e saiu correndo.
Atrás dele Argoli fechou a escotilha e respirou profundamente algumas vezes.
4
Aptant Khyn experimentara o pavor num lugar que sofria disso mais que qualquer
outro: nos cassinos da capital, onde se disputava no jogo tudo aquilo pelo que costumam
brigar os seres inteligentes.
Ao anoitecer o médico ara avisara seu amigo, vestira-se com esmero e pedira que o
levassem ao distrito de Orbana, que ficava perto das lagunas. Mal chegara lá, a vida
colorida e agitada tomara conta dele, envolvera-o em seu encanto, arrastara-o e não o
soltara antes que se encontrasse num bar. Tomou alguns copos a um preço razoável e em
seguida assistiu durante algum tempo às exibições de luta.
Ficou assustado com a selvageria dos diversos espécimes especialmente criados que
lutavam uns com os outros.
Mais assustado ficou com a selvageria muito mais pronunciada com que as massas
de apostadores instigavam os lutadores e fechavam as apostas... espantou-se com a
ganância e a expressão de brutalidade indisfarçada que viu nos olhos da maioria dos
expectadores. Era médica, sua moral podia ser tudo, menos brilhante, mas naquele
momento deparava com uma muralha de incompreensão.
Aptant voltou e fez alguns jogos de valor reduzido.
Ganhou várias centenas de solares, perdeu metade no jogo e depois comprou uma
refeição sofisticada. Quando estava tomando o café importado, uma moça sentou-se à sua
mesa. Ainda se lembrava perfeitamente da cena. Até parecia tê-la visto centenas de vezes.
— Seus olhos são grandes e inteligentes — disse a moça. — Está assustado,
forasteiro?
— Estou assustado, sim — respondera o médico sorrindo. — Mas meus olhos estão
grandes porque estão vendo uma coisa bonita.
— Nesse caso — respondeu a moça com a voz fria — não serei inconveniente se
pedir que me acompanhe.
— Para onde? — perguntou Aptant Khyn.
— Para qualquer lugar. Quero jogar um pouco sem ser molestada. Há muitos
astronautas mercantes terranos embriagados por aí. Hoje é pior que nos outros dias.
O rosto magro do ara crispou-se num sorriso.
— Minha fama de lutador universal ainda não está consolidada, moça — disse. —
A propósito. Meu nome é Aptant. Aptant Khyn.
— O senhor é mais atraente que seu nome — afirmou a moça. — Já pagou a conta?
Aptant acenou com a cabeça.
— Qual é seu problema? — perguntou.
— Curiosidade. Procuro uma pessoa fora do comum.
— Vamos — disse o médico. — Ainda me restam cento e cinquenta solares que
posso enfiar na boca de um demônio do jogo.
— Será um prazer.
Enquanto caminhavam lado a lado, tentaram descobrir mais um do outro.
Finalmente pararam junto a uma mesa onde se devia fazer o menor número possível de
pontos jogando nove dados. Quem, em cem jogadas, da qual podia participar qualquer
número de frequentadores, alcançasse o número mais baixo, ficaria com dois terços das
apostas. O valor da aposta era de dez solares.
Quando os dados da segunda ronda — a uma delas eles tinham assistido em silêncio
— caiu pela terceira vez sobre a mesa preta redonda, aconteceu.
Uma mulher gorda com cabelos cor de fogo — devia pertencer ao clã dos saltadores
— riu muito alto e começou a brincar com suas moedas de solar. Fazia pilhas e
derrubava-as. O crupiê empurrou furiosamente as fichas e as moedas, e murmurava
palavras curtas num dialeto desconhecido. Os outros frequentadores que estavam perto da
mesma mesa riram, apalparam-se como se fossem cegos e de vez em quando alguém caía
da cadeira. Um robô que passava com uma bandeja cheia de copos de champanha
começou a girar em pirueta. Primeiro um chuvisco de champanhe atingiu as criaturas que
riam e balbuciavam. Depois os copos de champanhe saíram voando como projéteis. Os
frequentadores sentaram em cima dos cacos e soltaram gritos de dor.
— Venha comigo! — disse o ara em tom de alarme e segurou o pulso da moça.
Estava havendo uma coisa que ele não sabia o que era e a melhor saída parecia ser a
fuga.
A moça agarrou-se a ele e disse com uma voz clara e artificial:
— Não vá embora, grandalhão. Brinque comigo! Há tantos discos coloridos por
aqui. E as outras crianças estão tão alegres.
Aptant puxou-a sem dizer uma palavra.
O ara tentou abrir caminho no meio da multidão. Aos poucos os movimentos
isolados foram-se juntando num redemoinho destruidor, que estendia ramificações em
todas as salas, causando estragos em meio às brincadeiras. Parte das luzes se apagaram.
As massas começaram a soltar gritos estridentes. Aptant conseguiu avançar mais dez
metros e pisou na mão de um ancião.
Finalmente, junto aos degraus da escada larga, a moça soltou-se.
Aptant fugiu escada abaixo. Quando virou a cabeça, viu a moça parada no topo,
girando. O ara saiu correndo de novo. Quando chegou ao último degrau e olhou para
cima, a moça tinha desaparecido.
Uma moeda de cinco solares desceu tilintando pelos degraus, caiu na rua e saiu
girando, girando como um pião...
***
— ...e saiu girando, girando como um pião. Que nem um disco de arremesso. O jato
afastou-se da nave com os propulsores chamejando e correu ao encontro das estrelas. Era
parecido com a moeda brilhante.
O ara baixou a cabeça. Seus olhos já não viam o quadro projetado na tela.
Aptant cobriu a cabeça calva e estreita com os braços e gemeu:
— Por que justamente eu continuo normal? Por que não me transformei numa
criança?
Era uma pergunta muito antiga que ele fazia a si mesmo, mas para ele era nova.
***
— Que houve, Khyn? — perguntou um dos homens da nave exploradora.
— Recordações desagradáveis de Orbana, em Lesso — respondeu Aptant Khyn em
voz baixa. — Será que o jato tem uma chance de chegar à galáxia?
Cylvadas entrou na conversa.
— Tem, sim — respondeu em tom áspero. — Trata-se de um modelo especial de
nave exploradora equipado com propulsores de grande alcance para o espaço linear. É
capaz de percorrer pelo menos trinta parseks, e mais ainda se forem usadas as reservas.
— Isso me deixa mais tranquilo — disse Khyn. — O jato será dirigido pelo
psicólogo?
— Será. Só por ele.
Khyn passou a mão pela testa alta, como se quisesse espantar seus pensamentos. Em
seguida perguntou em voz baixa:
— Escute... será que posso falar com o comandante?
— Pode. Fique à vontade. O comandante está em seu camarote.
O ara acenou com a cabeça, levantou e pediu que o outro lhe descrevesse o
caminho. Dali a pouco bateu na escotilha e quando o comandante gritou “entre”, entrou.
— Posso ajudá-lo em alguma coisa?
Khyn sorriu; era um sorriso triste, resignado. Wycliff Calembour percebeu
imediatamente que aquele era um homem velho e experiente, pertencente a um povo
velho e experimentado, que se encontrava na segunda metade de seu longo caminho. Era
bem verdade que os aras geralmente colocavam sua experiência a serviço dos inimigos da
Terra. Mas no caso isto não importava. Na situação horrível em que se encontravam esse
problema não existia.
“Ainda não”, pensou Wycliff.
— Queria mesmo perguntar se posso fazer alguma coisa pelo senhor — perguntou o
ara.
Os dedos de Wycliff tatearam à procura do maço de cigarros.
— Por mim? Será que pareço doente?
O ara sentou-se, pegou o cigarro e disse, enquanto soprava uma nuvem de fumaça:
— Doente de tão preocupado que está. Com seu imediato. Ouvi uma conversa na
sala de comando, enquanto o jato estava sendo preparado. Como médico conheço certos
truques, mas deixei meu estojo na Mercator. Qual é o problema com seu amigo?
O comandante deu uma risada amarga.
— É um caso de quenofobia. Talvez seja cosmofobia. Sei lá.
O médico franziu a testa e murmurou:
— Um momento... a primeira doença que o senhor mencionou é um temor de
qualquer espaço aberto, amplo, inclusive de espaços vazios. A outra é o medo do espaço
ordenado, do espaço cósmico.
— Isso mesmo. Pode ajudá-lo?
O médico levantou os ombros magros e suspirou:
— Precisaria vê-lo, comandante Calembour.
— Deixe o comandante de lado — pediu Calembour em tom cansado. — Se de fato
toda a galáxia ficou mentalmente retardada, então os títulos militares e outros perderam
todo o sentido. Chame-me de Wycliff, ou Why, que é meu apelido.
— Quer levar-me para junto dele, Wycliff? — perguntou o médico. — Preciso vê-
lo.
— Acompanhe-me.
Dois indivíduos de povos diferentes atravessaram lado a lado os corredores vazios
da nave exploradora. Metade da tripulação estava dormindo enquanto a outra metade
estava sentada nos diversos setores, acompanhando a rota do jato, o funcionamento dos
instrumentos e o ajuste preciso das telas do sistema de telerrastreamento. Segundo a
opinião do comandante, Skytho Karrora devia estar dormindo em sua cama sob o efeito
de narcotizantes suaves. A porta abriu-se.
— Está escuro.
— Vou acender a luz.
A luz da sala fora amortecida com uma folha verde-escura cobrindo a luminária. O
interruptor deu um pequeno estalo e a luz verde encheu um quarto vazio. As cobertas
macias sobre a cama só mostravam vagamente os contornos de um corpo humano.
Calembour virou-se abruptamente e abriu a porta de deslizar que dava para a toalete e o
banheiro. Estes recintos também estavam vazios.
— Foi embora?
Calembour acenou com a cabeça.
— Foi. Resolveu esconder-se de novo. Já deve ter feito isso umas cinquenta vezes.
É claro que poderíamos trancá-lo ou amarrá-lo numa cama da enfermaria, mas não vamos
fazer uma coisa destas. Continua sendo nosso amigo. Temos tanta pena dele que sempre
o levamos de volta ao camarote. Será que não deveríamos fazer isto?
— Não sei, Wycliff — respondeu o ara em tom amável. — Nem pude vê-lo. Mas
procurá-lo.
— Acho que é a primeira coisa que devemos fazer.
Wycliff fez uma ligação com a sala de comando. Cerca de trinta e cinco pessoas
saíram à procura do companheiro. As buscas demoraram duas horas. Antes disso o jato
saiu do espaço normal e prosseguia em voo linear em direção à galáxia. Até lá as telas do
sistema de telerrastreamento mostraram uma imagem clara — uma formação penetrando
obliquamente na Via-Láctea.
Ninguém se interessou por isso.
Finalmente Karsola disse:
— Wycliff... tenho certeza quase absoluta de que nosso paciente se encontra no jato.
Médico e paciente voltaram a ficar juntos.
Wycliff gemeu. Esmurrou uma escotilha com a mão direita e pôs-se a praguejar em
voz baixa.
— Era só o que faltava. Vocês poderiam entrar em contato com Wokan?
— No momento não. Ele só voltará ao espaço normal dentro de uma hora. Nem
preciso contar o que vai acontecer depois.
— De fato.
Mais uma vez tinham sido condenados à inatividade. Além da espera desgastante a
incerteza sobre os efeitos que os raios produziriam no psicólogo. E, como se não
bastasse, a preocupação por Skytho. Ele provavelmente faria algum estrago ou ao menos
manteria ocupado o psicólogo. A teoria tão cuidadosamente montada de que a segurança
podia ser alcançada por meio de uma paralisação temporária estava desmoronando.
Finalmente, quando o nervosismo cedeu lugar ao sentimento de impotência e resignação,
o chefe do setor de rastreamento disse:
— O que estão vendo nas telas é aquilo que nas mensagens de rádio é designado
pelo nome de Enxame.
— Nas mensagens recebidas a bordo da Gerardus Mercator — disse o aconense.
Estava muito pálido e tremia que nem vara verde.
Viam a roda de fogo da galáxia em posição inclinada, ultrapassando de ambos os
lados os limites da tela.
Ainda viram, meio apagado, o anel de hidrogênio no centro galáctico.
E, mais apagado ainda, viram uma coisa parecida com uma estrutura alongada, em
forma de bolha. Parecia uma esponja gigantesca obliquamente enfiada na figura elíptica.
Parte dele já se encontrava entre as estrelas onde escapava à observação, mas a outra
parte dessa estrutura que se estendia por muitos anos-luz permanecia suspensa no cosmo,
entre os sóis e a claridade dos grupos de estrelas que cercavam a Via-Láctea.
— O Enxame! — murmurou Calembour. — Já acredito em tudo que Vyrner
Rustage disse.
7
Vyrner, um sujeito rude cuja única paixão eram os negócios, fora atingido no ponto
mais atingível.
E justamente por uma mulher.
Logo ele! Conhecia todos os portos mais ou menos interessantes e os endereços
mais caros e sofisticados. Afinal, ganhava bem e podia dar-se ao luxo de fazer aquilo que
lhe agradasse.
— De repente não há mais nada que esteja certo. Droga! — disse em voz baixa,
para não acordar a moça.
Levantou-se e foi à cabine de banho que ficava ao lado do alojamento. Ainda há
pouco exercera as funções de navegador, e um dos seus privilégios era ocupar instalações
mais luxuosas a bordo da nave.
Vyrner abriu uma minúscula geladeira e tirou um pacote de suco de frutas.
Derramou-o num copo e sentou-se na beira da cama, com um cigarro aceso entre os
dedos. Contemplou o rosto da moça.
Ela acordou e fitou-o.
— Está nervoso? — perguntou.
— Isso mesmo. Estou nervoso — respondeu Vyrner em voz baixa.
A moça colocou a mão sobre seu joelho.
— Por quê?
— Em parte por causa do maahk — mas também por sua causa.
A moça piscou os olhos. Parecia surpresa.
— Por minha causa?
Vyrner acenou com a cabeça. Rugas profundas formaram-se em seu rosto alongado.
— Sim. Por sua causa.
Enquanto o maahk estava encolhido, em silêncio, em seu tanque de sobrevivência,
provavelmente passando fome, enquanto Skytho Karrora e Korvey Wokan corriam no
jato em direção à galáxia, enquanto os tripulantes das duas naves aguardavam
ansiosamente os resultados do voo e olhavam fixamente para a tela que mostrava a
imagem do Enxame, Vyrner Rustage teve de reconhecer que além das experiências
comuns que se referiam a ele, existia uma outra forma de comportamento e
relacionamento humano.
— Encontramo-nos por acaso — disse Vyrner. — Você não deve nem pode esperar
nenhuma vantagem do contato comigo. Mas apesar disso nós nos... beijamos.
A moça afastou lentamente o belo cabelo da testa e levantou. Apoiou-se na parede
junto à cama e pegou o cigarro que Vyrner segurava nos dedos.
— Isso faz alguma diferença?
Vyrner deu de ombros. Não sabia o que responder. Finalmente disse em tom
titubeante:
— É a primeira vez que faço uma experiência como esta. Até hoje só lidava com as
moças que encontrava nos portos mercantes.
A moça sorriu e devolveu-lhe o cigarro.
— Não sou uma dessas moças dos portos mercantes, marujo — disse. — Faço
aquilo de que gosto voluntariamente.
— Você me ama? — perguntou Vyrner em tom de alarme.
— No momento, sim. Mas não pense que isto lhe dá algum direito. Procure
compreender o que quero dizer. Não me julgue muito parecida com o público que
costuma ter pela frente.
Vyrner acenou com a cabeça e respondeu em tom hesitante:
— Acho que é a única coisa que posso fazer, Argoli.
A moça sorriu.
Vyrner não sabia mais o que pensar. Tinham-se visto, encontrado, passado alguns
dias muito desagradáveis a bordo e fazia algumas horas que se tinham beijado pela
primeira vez. E agora ela tentava explicar-lhe que isto era a maneira normal e que ele não
tinha nenhum direito. A que espécie de direito se referia? Era verdade que ele não
comprara uma mercadoria e pagara por ela. E o proprietário ou locatário de uma
mercadoria naturalmente possuía certos direitos, direitos expressos. Será que era a esse
tipo de direito que ela se referia?
— A que espécie de direito você se refere, Argoli? — perguntou Vyrner em voz
baixa.
Argoli respondeu em tom indiferente.
— Não sou uma propriedade sua. Vim porque quis e vai chegar a hora em que irei
embora de novo. Da mesma forma que vim. Quando? Nem eu mesma sei.
De tão embaraçado que se sentiu, Vyrner esvaziou o copo de suco de frutas, vestiu a
camisa e parou perto da porta.
— Aonde vai?
— Vou ver se consigo falar com o maahk — respondeu ele em tom indeciso. Talvez
precise de alguma coisa, talvez haja algo que se possa fazer por ele.
A moça deixou-se cair para trás e puxou o cobertor macio até o queixo.
— Espero você aqui — disse. — Por favor, não fique muito tempo no porão de
carga.
Agora ele estava completamente confuso. Primeiro ela deixara claro que não lhe
concedia nenhum direito, e agora pedia para que não a deixasse só. Nunca vira uma coisa
dessas. Ou será que já tinha visto? Talvez sim, durante a infância, na Terra.
Vyrner sacudiu os ombros e saiu.
Dali a pouco estava de pé junto ao cubo em cujo interior via vagamente os
contornos do maahk. A estranha criatura, que tinha mais de duzentos e dez centímetros de
altura e cerca de um metro e meio de largura nos ombros, estava sentada no tanque, com
as costas apoiadas na parede. O tanque estava equipado com um sistema de renovação. O
corpo compacto estava apoiado sobre pernas robustas e o maahk usava trajes que
pareciam feitos de uma espécie de tecido metálico. A criatura respirava num ambiente de
mais de noventa graus centígrados, inspirando hidrogênio com impurezas que continham
metano e expirando amoníaco. Todas as luzes de controle estavam acesas. Logo, o
sistema de comunicação estava ligado.
Vyrner apertou o botão de chamada, pegou o livro que o médico deixara ali e
procurou as respectivas traduções.
— Faça o favor de acender a luz. Quero falar com o senhor — disse Vyrner.
Os maahks possuíam órgãos de fonação. Não havia nenhuma dificuldade em
comunicar-se com eles por via acústica.
O maahk mexeu-se e esticou o braço.
A parte superior do cubo iluminou-se. Vyrner viu a estranha criatura com uma
nitidez perfeita.
Os braços do maahk eram tão compridos que as mãos chegavam mais ou menos à
altura dos joelhos. Pareciam tentáculos elásticos feitos de tendões e músculos.
Apresentavam grandes saliências nos ombros e terminavam em mãos de seis dedos.
— Que deseja, terrano? — perguntou o maahk. — Como vim parar nesta nave? Até
hoje ninguém pôde explicar.
Vyrner traduziu devagar. Finalmente compreendeu.
— Ninguém sabe quem o colocou nesta nave, maahk. Gostaria que me dissesse se
está com fome, se posso fazer alguma coisa para ajudá-lo.
O crânio da criatura não-humanóide alcançava de ombro a ombro. Era parecido com
uma meia-lua com quatro olhos, que assentavam na crista daquela cabeça sem pescoço
em forma de meia-lua ou de foice. Duas pupilas alongadas garantiam a visão para a frente
e para trás.
— Estava em Lepso tratando de um negócio importante. Neste meio-tempo fiquei
sabendo que uma onda de debilidade mental assola o planeta. Todos se comportam como
crianças.
— É verdade — disse Vyrner.
Depois fez a tradução, o que lhe custou muito trabalho.
— Alguém o colocou nesta nave. Quando entrei nela, o porão de carga estava
aberto, com seu cubo dentro dele. Posso fazer alguma coisa para ajudá-lo?
Quatro olhos fitaram-no prolongadamente, sem mexer-se. Finalmente o maahk
disse:
— Minhas provisões de gases respiráveis são suficientes para um ano e os aparelhos
instalados na parte inferior do cubo funcionam perfeitamente.
A voz transmitida pelos alto-falantes e microfones internos e uma aparelhagem
idêntica na face externa do cubo saía de uma boca de lábios finos, de cerca de vinte
centímetros de largura, que ficava entre a cabeça e o tórax e exibia dentes afiados de
animal selvagem.
As partes visíveis da pele estavam cobertas por escamas do tamanho da unha do
dedo da mão de um ser humano, que emitiam um brilho cinza apagado.
— E a alimentação? — traduziu Rustage.
O maahk voltou a contemplá-lo em silêncio, dando a impressão de que não tinha
certeza se podia confiar no terrano. Depois de algum tempo disse:
— Um de nós que sai de seu planeta praticamente encerra a vida. Não fiz isso
porque teria de voltar. Tenho alimentos para um ano de seu tempo. Mas...
— Estou ouvindo — disse Vyrner.
— Receio que minhas reservas de energia não aguentem muito tempo. Fiz muito
barulho?
— Só disponho da eletricidade gerada na nave — respondeu Vyrner. — É claro que
posso conduzi-la aos seus mecanismos através de um cabo. De fato, o senhor se
comportou como uma criança teimosa e pôs em perigo todo mundo. A atmosfera que
respira para nós é mortal. Eu...
O maahk interrompeu-o.
— Estou preparado para esta eventualidade. Ligue um simples cabo de força. Em
Lepso sobrevivi a esse tipo de equipamento, numa nave dos saltadores. Meu cubo está
equipado com transformadores.
— Farei o que estiver ao meu alcance — disse Vyrner em voz alta. — Deseja mais
alguma coisa?
— Desejo — disse o maahk. — Mas o senhor não poderá satisfazê-lo. Quero voltar
ao meu planeta.
Vyrner levantou a mão.
— O senhor voltou a comportar-se como uma criança teimosa, um ser que perdeu
grande parte da inteligência.
Depois de um minuto o maahk respondeu:
— Antes viver com os membros de minha raça, exibindo um comportamento de
criança, que atravessar a galáxia numa nave estranha.
— Talvez exista uma possibilidade de ajudá-lo — disse Vyrner, embora soubesse
que as chances eram praticamente nulas.
— Fico-lhe muito grato, terrano — disse a estranha criatura.
Vyrner acenou com a cabeça.
Em seguida foi ao depósito da nave e pegou um cabo de alta voltagem. Enfiou uma
extremidade numa tomada que havia na parede e em seguida acendeu a lanterna e
procurou outro contato. Encontrou-o atrás de uma pequena portinhola onde havia três
tomadas diferentes. Uma delas combinava com os padrões da nave terrana.
O pino pesado deslizou pelos contatos.
— Obrigado, terrano! — disse o maahk.
— Por nada.
Vyrner contemplou o cubo iluminado pela metade. Viu a estranha figura no meio da
névoa. Estava pensativo, refletindo sobre o que podia ser feito. Mas por mais que
refletisse não descobriu nenhuma possibilidade.
O planeta de origem da estranha criatura ficava muito longe.
8
Pelo meio-dia de onze de setembro o jato dirigido por Korvey Wokan saiu do
espaço linear.
Wokan estava sentado em sua poltrona anatômica, com o bocal de uma pistola de
injeção semi-automática encostada ao cotovelo do braço esquerdo. Ficou com o dedo
indicador tenso, esperando para ver se o efeito esperado se verificaria. Nas últimas horas
vivia repetindo o que devia fazer.
Mas não houve nenhuma modificação; estava normal.
“Por enquanto faço parte do grupo dos sadios”, pensou.
Guardou a pistola e mexeu numa série de chaves. O aparelho de rádio foi ligado e
um pequeno monitor acendeu-se no console de comando do jato, embaixo da cúpula
grossa da sala de comando. Wokan viu vagamente a imagem do comandante.
— Jet chamando nave exploradora — disse com a voz calma. — Tudo em ordem.
Minha saúde mental continua perfeita. Os controles remotos e o sistema automático de
retorno continuam ligados.
A voz do comandante saída do alto-falante parecia vir do outro lado de uma rua
barulhenta.
— Está normal, Wokan?
— Estou. Não sinto nada. Tudo bem comigo.
De repente o comandante gritou:
— ...na nave? Cuide disso! Nós... preocupações... siga!
O psicólogo girou os botões e sacudiu a cabeça. A comunicação era miserável e só
faltava um salto para alcançar a área que, segundo Vyrner, era infestada.
— Não o compreendo muito bem! — disse em voz alta. — Por favor, fale mais alto.
O psicólogo esperou.
Enquanto examinava as escalas e mostradores da parte dianteira do rádio, viu pelo
canto dos olhos duas lâmpadas vermelhas se acenderem, piscando, para em seguida
apagar-se. Deviam ser as luzes de controle da...
— ...siga! De forma... rápido! Faça alguma coisa! ...as preocupações acabam nos
matando... Espaço normal... Espaço linear... Localizamos o Enxame!
O psicólogo ficou sentado e concentrou-se.
— Compreendi — disse finalmente em voz alta. — Prepararei imediatamente a
etapa seguinte.
Uma suspeita vaga lhe dizia que não havia compreendido tudo. A agitação a bordo
da nave exploradora devia ser muito grande. Além disso ele sabia que a nave não podia
dar-se ao luxo de perder mais um homem, de ter de cuidar de mais um doente mental.
Mexendo em algumas chaves, voltou a aumentar a velocidade do jato. Lamentou
que a comunicação pelo rádio tivesse sido tão ruim e dali a pouco deu início a mais uma
etapa de voo linear.
As estrelas desapareceram atrás da cúpula transparente.
Wokan ouviu o ruído das máquinas vindo de dentro do jato, o clique dos relês, os
ruídos de funcionamento de inúmeras máquinas automáticas pequenas.
Wokan inseriu os dados, fez uma ligação entre seu camarote e o piloto automático e
sabia que seria acordado uma hora antes de o jato voltar ao espaço normal — desta vez
muito além da região periférica da galáxia. Aí ainda teria tempo para preparar-se com
toda calma para o ingresso no estágio da infância.
De repente lembrou-se das luzes vermelhas. Tinham tremido um instante.
Provavelmente a ligação do controle remoto estava tão ruim como a feita pelo rádio.
Mas ele podia contar com o sistema de retomo automático acoplado à calculadora
de rota.
Depois que o jato alcançasse certa posição, seria feita a tomada de posição das
estrelas. Se a constelação desejada ficasse à sua frente, o piloto automático daria início à
manobra de regresso e Wokan voltaria a transformar-se de um indivíduo adulto com
inteligência de criança numa pessoa completamente adulta.
“Mas será que um psicólogo alguma vez pode ser considerado uma pessoa
completamente adulta?”, pensou.
Depois disso adormeceu.
***
Numa raiva impotente, Wycliff Calembour esmurrou o console com os punhos. Mas
logo se acalmou e gritou:
— Será que não podemos mesmo fazer nada?
— Não — disse Karsola com a voz abafada. — Não enquanto o jato não estiver no
espaço normal. Tenho certeza de que não compreendeu o que queríamos dizer-lhe.
— Sem dúvida — confirmou Aptant Khyn, o ara.
As duas naves continuavam à deriva uma ao lado da outra. A vida a bordo se
normalizara um pouco, principalmente porque a tripulação da nave exploradora arranjara
trabalho para todos os outros seres. Ninguém sentia tédio — muito menos depois de uma
mensagem de rádio que os chamara de volta à realidade.
— Que podemos fazer? — perguntou o bamitense enquanto derramava garganta
abaixo um litro de suco de frutas com mel.
Queixara-se de uma irritação da garganta. O ara sorrira e lhe dera esse conselho
pouco digno de um médico.
— Podemos esperar — murmurou o operador de rádio.
De fato podiam, mas isto só serviria para tornar piores as coisas.
— Pois eu posso dizer o que vai acontecer — afirmou Vyrner Rustage, que
acompanhara tudo pelo videofone.
— Deixe para lá — recomendou Calembour. — Nós sabemos.
Dentro de algumas horas aconteceu o seguinte:
Graças aos controles automáticos, o jato retomou ao espaço normal numa manobra
perfeita. As estrelas apareceram, e nesse instante o psicólogo se transformaria numa
criança. Se conseguisse paralisar-se, então haveria alguma esperança para os dois homens
e o objeto voador. Poderia ter certeza de que nenhum comando errado seria acionado.
Não por ele.
Se não conseguisse, poderia desativar tanto o controle remoto como o sistema de
regresso automático. Além disso seria capaz de mexer nos comandos errados, pondo em
perigo sua vida e a de Karrora e arriscando-se até a fazer explodir o jato.
O que estava acontecendo com o rádio?
Mas...
Ainda havia o antigo imediato.
Certamente já se recuperara dos calmantes. Não se podia prever o que faria, mas as
alternativas dentro de um jato eram bem restritas. Talvez voltasse a esconder-se, talvez
morresse por causa disso, mexeria em comandos nos quais nem se devia pensar para não
perder o juízo.
Bastava fazer a conta de cinco mais cinco.
Era o que estavam fazendo os homens que esperavam — e chegaram a uma
conclusão surpreendente que, apesar de correta, possuía sua própria lógica. Era uma coisa
em que ninguém podia pensar.
Pegamoi Datras II perguntou em tom nervoso e com uma expressão afetada no
rosto:
— O que pretendem fazer os terranos que se julgam tão inteligentes? Não querem
trazer o jato de volta ou derrubá-lo?
Datras recuou apavorado ao ver Cylvadas levantar, cerrar os punhos e vir devagar
em sua direção.
— Pelos deuses de Árcon! — balbuciou Pegamoi em voz baixa e nervosa. — Só fiz
uma pergunta. Ainda deve ser permitido fazer uma pergunta inocente.
— É melhor não fazer — aconselhou o homem e ficou mais descontraído.
Todos sabiam que as horas seguintes maltratariam seus nervos até o máximo de sua
capacidade.
Um jato — perdido?
Dois amigos — mortos, loucos, definitivamente perdidos?
O resultado da pesquisa — incerto?
Aos poucos foram-se passando trezentos minutos. Cada minuto parecia passar mais
devagar que o anterior. Ninguém falava, alguns homens saíram da sala de comando, e
dali a alguns minutos, quando o setor de rádio anunciou que dois botões de regulagem se
tinham queimado por causa da fadiga do material e estavam sendo substituídos,
Calembour suspirou. Estas coisas sempre aconteciam na pior hora.
***
Já podia mexer-se de novo.
Era capaz de sentir o corpo, controlar os músculos delgados. A primeira sensação
que experimentou foi a das necessidades de seu corpo. De repente. Irresistivelmente.
Encontrava-se num cubículo em que estavam armazenadas peças sobressalentes
guardadas em caixinhas de plástico. Escondera-se nesse lugar porque os outros amigos do
segundo mundo sempre o procuravam, encontravam e carregavam de volta ao seu
camarote, onde lhe eram aplicadas injeções e medicamentos. Finalmente não parecia ver
ninguém, encontrar-se com ninguém quando abandonava seu esconderijo.
— Penso! — murmurou.
Levantou-se e saiu por pouco tempo do primeiro mundo, onde se encontrava desde
que os nativos lhe tinham mostrado o caminho. Conhecia o caminho que levava ao
primeiro mundo, que até então fora o seu e o de seus amigos. Mas não permitiam que
percorresse todo o caminho de volta — faziam-no parar tranquilizando-o com
medicamentos.
Abriu a porta.
Viu-se numa sala aproximadamente circular, da qual saíam várias escotilhas
estreitas. Já podia percorrer o caminho de volta ao segundo mundo, porque não havia
mais nenhum medicamento que o inibisse. Sentia que ainda havia uma parede densa de
neblina separando-o de tudo, mas era dono de grande parte de suas recordações.
Seguiu adiante, abriu uma escotilha, entrou e apoiou-se, ao balançar, numa coluna
feita de vários aparelhos, dos quais partiam mangueiras curtas e compridas que
desapareciam nas paredes e no teto.
— Não sei — disse em voz baixa.
Quando seus dedos tocaram as teclas e as chaves comutadoras, eles desencadearam
acontecimentos misteriosos. Outra escotilha. Até que enfim — o lavatório, a toalete.
— Eu me lembro — disse e ouviu sua voz, identificada por meio de nuvens e véus
coloridos, que se transportava para o primeiro mundo.
Depois de algum tempo saiu.
— Fome.
Chegou logo à pequena cozinha de bordo. Mexeu nos comandos sem pensar.
Preparou num tempo muito curto uma pequena refeição muito nutritiva, bebeu
algumas rações supercongeladas e descongeladas às pressas e começou a sentir que
estava recuperando as forças.
Já conheço o caminho para o segundo mundo e o caminho de volta para o primeiro
mundo!
Mas havia muitos caminhos que conduziam a outros mundos, e estes ele não
conhecia. Só lhe restava o medo dos espaços abertos e do mundo bem organizado do
cosmo, das estrelas. E ainda havia uma névoa densa como uma parede diante de seus
olhos, que o impedia de enxergar claramente as coisas e conhecer seu sentido.
— Não estou mais com fome.
Acenou com a cabeça para sua imagem refletida num espelho.
Não sabia, por exemplo, que ao mexer em cerca de vinte chaves da sala de
máquinas, alterara completamente o programa de regresso automático. Olhou em volta e
viu que se encontrava novamente num jato espacial.
— Um jato! Nada mais que a nave... — disse.
Seguiu adiante, chegou ao poço do elevador antigravitacional e descobriu certas
coisas em seu arsenal e recordações que o fizeram saltar para baixo da cúpula de
gravitação reduzida. O posto de comando estava vazio.
— Preciso de tempo e sossego — disse em voz baixa.
Saiu do posto de comando, passou devagar pelo corredor circular e acabou entrando
numa pequena cabine escura. Sentou em um dos cantos do leito, encolheu os joelhos e
segurou-os com ambas as mãos. Depois continuou a refletir. A névoa não se abriu, mas
Skytho Karrora conseguiu perceber que em nenhum dos dois mundos se sentia
verdadeiramente em casa.
Todavia...
— Penso, logo existo de verdade — disse. — Se existo, os dois mundos também
existem. Logo, não estou doente.
Dali a trinta minutos o jato saiu do espaço linear. Numa questão de segundos a
névoa desmanchou-se diante dos olhos de seu espírito.
9
Os homens que estavam à frente das telas de imagem da EX 8989, ou Little Crazy
Bird, estavam cada vez mais nervosos e atentos.
Tinham perdido completamente o contato com o jato espacial equipado para voos
de longa distância e missões táticas.
— Pelo menos já temos uma prova de que Vyrner Rustage não inventou nada! —
cochichou o comandante Calembour numa raiva impotente.
— É verdade. Mas isso não nos ajuda em nada — confirmou Rustage, que se
comunicava com eles pelo videofone. As duas naves continuavam vagando pelo espaço
lado a lado, numa região em que a ponte de matéria era pouco concentrada, longe das
estrelas que se espalhavam entre a Via-Láctea e a galáxia menor como bóias luminosas
ou faróis. A espera, a inatividade forçada... só serviam para maltratar ainda mais os
nervos dos homens.
— Só vou esperar mais quarenta e oito horas — murmurou Calembour em tom
abafado. — Depois faremos uma avaliação e entraremos em ação, amigos. Dividiremos
as responsabilidades. Recolheremos parte do pessoal da Gerardus Mercator; a outra parte
ficará a cargo de Vyrner. De acordo?
— De acordo — disse o navegador da nave mercante em tom zangado. — Resta
saber o que faremos. Qual será o destino das naves?
Karsola respondeu por meio de um olhar para o novo arcônida, que estava sentado
nos fundos da sala, lixando uma unha.
— Procuraremos uma colônia terrana que disponha de certos recursos técnicos,
desceremos nela e trataremos de inventar uma maneira de ajudar.
Pegamoi Datras II respondeu sem tirar os olhos da unha:
— Os terranos fariam o grande negócio de sua vida, se descobrissem um meio de
isolar-se do processo de retardamento mental.
Karsola respondeu num tom que quase chegava a ser delicado:
— Faríamos nossos maiores negócios com os aconenses, Pegamoi.
Datras II levantou, fez uma mesura desajeitado e disse em tom de espanto:
— Que quer dizer com isso, terrano?
— Quero dizer simplesmente que sendo um hóspede o senhor deve comportar-se
como tal, arcônida — disse Karsola em tom indiferente. — Tem de ser cortês, discreto,
gentil e prestativo.
Todos olharam para Pegamoi. Este inclinou a cabeça e encarou o terrano com a
maior arrogância de que era capaz.
— Compreendi, mas só aceito em parte — disse em tom delicado. — Quando nós já
desfrutávamos todos os recursos da inteligência e da civilização, os senhores seus
antepassados ainda viviam em árvores, raquíticos, atirando cocos e galhos pequenos uns
nos outros. Que lhe deu na cabeça de dirigir-se a mim nesse tom?
Karsola levantou-se e teve a impressão de não ter ouvido bem.
— Devo ter um problema de audição, arcônida — disse tão baixo que quase não
pôde ser ouvido e piscou os olhos num gesto de confusão. — Acho que não ouvi bem.
— Pois eu acho que ouviu — respondeu Datras II.
— Permite que eu o jogue pela eclusa de ar? — perguntou Karsola ao comandante.
— Fique à vontade — murmurou Calembour.
O arcônida recuou dando alguns passos elegantes para trás, enquanto Karsola ia em
sua direção. Os dois olharam-se nos olhos, mas aos poucos o medo começou a
manifestar-se no rosto do arcônida de cabelos brancos.
— Por que assume um comportamento tão irritante? — perguntou Karsola.
O arcônida esbarrou com as costas na parede e abriu os braços.
— Será que estou fazendo isso? — perguntou Datras.
— Sem dúvida. E vou quebrar-lhe os dentes por isso — disse Karsola com a maior
calma.
— Não! — sussurrou o arcônida assustado e cobriu a cabeça com os antebraços.
Karsola ficou parado à sua frente e sacudiu a cabeça.
— Primeiro abre o focinho e depois se acovarda — disse. — O senhor acha que
vale alguma coisa, Datras? Pode ser útil a alguém?
O arcônida olhou entre os antebraços e sacudiu os ombros.
— Não sei — respondeu. — Mas sei que estou vivo.
— Para alegria dos outros — resmungou o terrano. — Droga! Dê o fora daqui. Vá
para onde quiser. Para o inferno ou para a galáxia de onde veio.
Karsola virou-se e olhou para a tela na qual aparecia o rosto de Vyrner. O
navegador estava tão nervoso quanto os outros e o incidente certamente não serviria para
melhorar o estado de espírito das pessoas.
— Por que Karrora não responde? Está certo. Parece que é um homem corajoso.
Mas poderia dizer-nos o que está vendo, que informações recebe.
Calembour fez um gesto de pouco-caso.
— Talvez os raios o tenham afetado mais do que acreditamos. É mais do que ele
aguenta. Não sabemos. Tudo em ordem a bordo de sua nave, navegador?
— Tudo, Wycliff. Obrigado.
— Inclusive o maahk?
— Sim. Dispõe de alimentos suficientes em seu cubo de sobrevivência. Poderá
aguentar muito tempo. Mas se prosseguirmos pela grande nuvem de Magalhães, a
situação ficará crítica.
— Compreendo.
De repente, sem aviso e sem que se percebesse nenhuma causa, uma forte tensão
começou a espalhar-se a bordo das duas naves. Os homens ficavam nervosos sem motivo,
escorregavam de um lado para outro em suas poltronas. Alguns ficaram irritados e
começaram a discutir.
Talvez fosse a longa espera que tinha irritado os nervos e ameaçava causar uma
explosão. Alguns tripulantes que estavam dormindo ou trabalhando em outros lugares da
nave entraram na sala de comando e ficaram lá.
O rádio não recebia nenhuma mensagem.
As telas de rastreamento mostravam vagamente o Enxame — mas não o jato, que
era um objeto pequeno demais para ser captado.
O controle remoto estava ligado, mas não funcionava.
E o sistema de retorno automático?
***
A paralisação do psicólogo desaparecera em parte; ficara restrita a certos músculos.
O jato completou mais uma curva, os propulsores chamejaram por um instante e um
forte alavanco sacudiu a estrutura. O psicólogo caiu da poltrona, bateu no chão e saiu
rastejando para o corpo do outro homem.
— Ele dorme, ele dorme... que nem uma marmota — disse Wokan com voz de
criança.
Puxou as mãos do homem, tapou o nariz e acabou dando de ombros. Levantou
segurando-se no volante. O movimento giratório do aparelho acentuou-se, a nave
deslocava-se gingando em direção às estrelas e seguia uma rota perigosa que o levaria ao
lugar em que surgira o eco energético.
O psicólogo segurou-se, apertou duas chaves e percebeu que as luzes da cúpula de
comando se tinham apagado.
— Está escuro... — disse.
A respiração do homem deitado no chão começou a ficar ofegante. Mexeu-se. O
psicólogo estava com fome. Desceu pelo poço do elevador antigravitacional, saiu à
procura da cozinha de bordo e acabou encontrando-a.
Examinou as inúmeras gavetas, as latas e embalagens.
Finalmente conseguiu mexer em algumas chaves, apertar alguns botões. Derramou
chocolate quente, queimou os dedos no jato negro que saiu chiando da máquina de café e
começou a chorar. Mas quando tirou um sanduíche meio cru do fogão de radar esqueceu
as dores.
De repente sentiu faltar-lhe o ar. A respiração era pesada. O psicólogo fungou.
Anéis coloridos dançavam à frente de seus olhos.
A comida ficou presa na garganta. O psicólogo tossiu e derramou o conteúdo do
caneco.
O que estava acontecendo?
— Não sei... quero voltar a respirar... — choramingou o homem e saiu balançando
em direção à porta. Abriu-a com um gesto violento e voltou a respirar melhor.
Já não compreendia mais nada.
O jato prosseguia em sua rota agitada. As alavancas da direção mexiam-se devagar
sem que ninguém tocasse nelas.
O homem jogado no chão sacudiu a cabeça, ergueu-se sobre os cotovelos e pôs-se
de pé com uma rapidez surpreendente.
Inflou o tórax e lembrou-se.
— Droga! Devo ter ficado inconsciente — disse em voz baixa.
A primeira coisa que fez foi mexer no interruptor. As luzes acenderam-se. Em
seguida virou a cabeça e viu as luzes de alerta piscando. O sistema de regeneração e
renovação de ar!
— Foi Wokan! — constatou.
Estava com fome, com sede, e sentia um vazio estranho dentro de si.
Dali a alguns segundos as turbinas voltaram a girar e um jato forte e frio de
oxigênio puro saiu dos jatos de emergência.
De repente Karrora viu as estrelas.
Parecia que executavam uma dança louca atrás da cúpula de plexo. O imediato deu
um salto, bateu com o quadril na braçadeira da poltrona e sentou-se. Pôs as mãos na
direção, regulou a força dos propulsores e depois de olhar ligeiramente para as telas fixou
a rota.
O jato voltara a deslocar-se a oitenta por cento luz em direção às coordenadas onde
Karrora notara o eco energético.
— Será que conseguirei encontrá-lo de novo? — perguntou-se.
O estômago roncava furiosamente.
Skytho Karrora ignorou a fome.
Inclinou-se, fez a regulagem do rastreamento e bateu com a palma da mão no
console ao ver o eco mais claro e nítido que algumas horas antes.
— As emissões dos propulsores... — murmurou indeciso.
A julgar pelas especificações, devia ser uma nave terrana. O fato de deslocar-se na
direção do Enxame era um sinal de que estava sendo dirigida. Logo, devia haver pelo
menos uma pessoa “salva” a bordo.
Seria possível comunicar-se pelo rádio.
Skytho orientou-se e adiou a ligação por algum tempo. Levantou e foi à cozinha de
bordo. Wogan estava agachado à frente da escotilha semi-aberta. Mantinha a cabeça
baixa. Havia restos de comida espalhados em torno dele. Estava dormindo e acenava com
a cabeça.
— Bom apetite! — disse Skytho em tom seco.
O psicólogo roncava baixo.
Dali a vinte minutos tinha preparado com as provisões encontradas na cozinha uma
refeição ligeira, mas bastante nutritiva, que encerrou com uma vodca e com um café preto
bem quente. Sem dúvida o ataque que sofrerá fora consequência do estado de debilidade
geral. Atirou os restos da comida no triturador, desligou todas as chaves, inclusive as das
luzes e dos aquecedores e fechou a escotilha. Deixou o psicólogo adormecido onde estava
e voltou à sala de comando.
Ligou o rádio.
— A frequência da frota...?
Skytho colocou o microfone em posição, girou o botão do transmissor e conduziu
toda a energia disponível ao aparelho. Depois começou a falar alto, acentuando cada
palavra:
— Atenção! Chamo a nave terrana que se encontra perto do Enxame.
Esperou impaciente.
— Chamo a nave terrana! Responda, por favor — repetiu.
Observava de vez em quando os movimentos dos mostradores do rádio e da tela de
rastreamento. Teve a impressão de que ia descobrir uma coisa interessante e admirou-se
porque o radioperador da outra nave não respondia aos chamados.
— Aqui fala a Intersolar — disse de repente uma voz em meio ao crepitar das
interferências. — Quem está chamando?
O alívio do imediato foi tamanho que o fez amolecer na poltrona. Por alguns
instantes teve a impressão de que ia desmaiar de novo. Mas acabou sacudindo a cabeça.
Respirou profundamente algumas vezes e imaginou que isto o ajudaria a não perder os
sentidos.
— Aqui fala o imediato Skytho Karrora, da nave exploradora EX 8989. Quero falar
com a Intersolar. Estou numa rota de aproximação. Por favor, tentem localizar-me.
— Espere, por favor. Entendido? — transmitiu o radioperador da outra nave.
Quando pôs a mão no botão para reduzir a potência de transmissão de seus
instrumentos, Skytho percebeu que seus dedos tremiam como se estivesse com febre.
A Intersolar?
A nave-capitânia de Bell? Ou seria uma armadilha dos desconhecidos?
Seu nervosismo aumentou...
11
***
**
*
Deixamos para trás o espaço cósmico e vamos
para a Terra — mais precisamente, para Terrânia City.
Lá, o pequeno grupo exausto e sobrecarregado, dirigido
por Galbraigth Deighton e Roi Danton, não pode cuidar
de tudo. Os problemas a serem resolvidos são muitos.
Um desconhecido tira proveito da situação
precária dos imunes. Quer o poder — e é ajudado pelos
Bandidos de Terrânia.
Os Bandidos de Terrânia — é este o titulo do
próximo volume da série Perry Rhodan.
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?
cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1