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OS GUARDIÕES
DA SOLIDÃO
Autor
WILLIAM VOLTZ
Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA
Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Na Terra os calendários registram princípios de novembro do ano
3.441. Com isso, passou-se praticamente um ano desde o dia em que a
catástrofe atingiu quase todos os seres inteligentes da galáxia.
Ainda continuam reinando a miséria e o caos na maioria dos
planetas ou bases de apoio planetárias e ainda continuam chegando
pedidos de socorro do cosmo. E homens que não foram atingidos pela
radiação de imbecilização continuam realizando trabalhos sobre-
humanos para dominar o caos e para prover as massas de seus
concidadãos, dignos de pena, com o necessário para viver.
Perry Rhodan e sessenta companheiros, entre os quais Atlan,
Gucky e muitos outros velhos conhecidos, porém, colocaram para si
mesmos uma tarefa ainda mais difícil. Apoiado pela Intersolar, a nave-
capitânia de Reginald Bell, o Administrador-Geral tenta investigar o
misterioso “Enxame”, que inexoravelmente penetra cada vez mais na
galáxia, e cujos condutores também misteriosos são responsáveis pela
modificação da constante gravitacional e o retardamento das
inteligências, de âmbito galaxial, originado por isto.
No momento, Perry Rhodan está estacionado com sua pequena
Good Hope II nas proximidades do “Enxame”, para colher mais
informações preciosas.
O quanto um empreendimento destes é perigoso, fica logo
demonstrado. Milhares de gigantescos objetos voadores de repente
irrompem de dentro do “Enxame”, e as ondas estruturais ocasionadas
pela hipertransição quase destroem a nave de Perry Rhodan.
Ainda assim, a Good Hope imediatamente empreende a
perseguição dos objetos de dentro do “Enxame”. Um planeta é
rapidamente escolhido, pois os desconhecidos também voam para ele —
e um pequeno comando de desembarque da Good Hope encontra Os
Guardiões da Solidão.
Era pouco antes das sete horas quando cheguei ao convés-B da Good Hope II, para
visitar Dalaimoc Rorvic em sua cabine. O serviço de Rorvic começava às sete, mas o soar
da instalação de intercomunicação não devia ter sido, absolutamente, suficiente para
acordá-lo. Eu também me havia atrasado e corri pelo corredor, para não chegar tarde, de
modo algum.
Diante da cabine de Rorvic eu parei, para escutar. Estava quieto como numa
sepultura, mas isso não era anormal, pois Rorvic também se destacava em estado
acordado, por absoluto silêncio.
Eu bati com o punho fechado contra a porta da cabine. Vinte metros distante de
mim, uma porta foi aberta, e um astronauta, bêbado de sono, olhou para o corredor.
— O senhor, outra vez! — gemeu ele.
Era evidente que ele deixara o seu serviço há poucos instantes, e tinha sido
acordado pelas minhas batidas na porta. Ele vestia apenas as calças, e logo saiu para o
corredor, indeciso, se devia chegar às vias de fato ou se devia se contentar com alguns
palavrões. Felizmente decidiu-se pela segunda possibilidade.
— Seu anão marciano! — gritou-me ele. — Tem que fazer um barulhão desses,
cada vez?
Eu apontei com o polegar para trás de mim.
— Experimente acordar Rorvic de outra maneira!
Ele pensou nessa sugestão, sacudiu a cabeça, e retirou-se, praguejando, para a sua
cabine.
Eu dei um pontapé na porta da cabine de Rorvic. No interior da cabine, isso devia
parecer uma explosão, mas Rorvic ignorou até mesmo esse barulho.
Lancei um olhar ao relógio.
Faltavam três minutos para as sete!
Eu cometi uma indiscrição não comum a bordo de espaçonaves terranas, e abri a
porta, sem esperar por uma autorização. Era como eu já esperava.
O Capitão Dalaimoc Rorvic estava sentado, de pernas cruzadas, no chão, no meio
da cabine, e meditava. Ele tinha apenas uma toalha enrolada na cintura. Os olhos estavam
abertos, mas olhavam distâncias desconhecidas. Rorvic era um albino de mais de dois
metros de altura, que se dizia a si mesmo ser musculoso, mas que na realidade era
realmente muito gordo.
Eu fechei a porta atrás de mim.
— Dalaimoc! — chamei, suave. — Poderia, por favor, levantar-se daí?
Naturalmente ele não reagiu.
Em cima da mesa havia uma cafeteira. Ela estava vazia. Eu peguei na mesa e bati
com ela na cabeça de Rorvic.
Ele fechou os olhos, o que nele era bom sinal. Depois ele bocejou. Quando começou
a piscar os olhos eu tive esperanças de que acordaria definitivamente. Eu coloquei a
cafeteira de lado, pois temia que um dia ele poderia ficar sabendo por que sempre tinha
galos na cabeça quando eu o acordava.
Ele abriu os olhos. Desta vez seu olhar não estava dirigido a universos distantes,
mas sim a mim. Para mim sempre fora desagradável ter que aguentar o olhar desses olhos
vermelhos, mas neste instante eu temia que ele pudesse me trespassar com os mesmos.
— Bom dia! — disse eu, amigável.
Eu sabia que ele não gostava de minha voz. Ela afirmava que eu berrava. Como,
mesmo sentado, ele era mais alto do que eu, eu sempre me encontrava numa posição um
tanto desfavorável psicologicamente, quando me encontrava diante dele.
— Desapareça! — gritou-me ele.
Não é um exagero quando afirmo que no tempo que ele levou para dizer essa
palavra, eu já dera uma dúzia de pulos. Mas não era a lentidão de seu modo de falar,
sozinha, que cada vez aumentava a minha pressão sanguínea, mas também o tom de sua
voz. Eu poderia jurar que, ao contrário das outras pessoas, Rorvic falava com o peito. Sua
voz vinha das profundezas do seu peito, e quando ele pronunciava um “R”, aquilo parecia
o trovejar de uma tempestade.
Eu olhei, demonstrativamente, para o relógio.
— Já são sete horas, Rorvic!
Ele ignorou-o. Eu gostaria de poder irritá-lo, só uma única vez. Mas ele não se
agitava nunca. Pelo tempo que eu podia lembrar-me, ele não se chateara uma única vez.
Ele era fleumático, um sujeito mal-educado, sem qualquer senso de tato e sem uma
centelha de ambição.
— Dê-me minha camisa! — ordenou ele.
Eu fechei um olho.
— Eu não me lembro de ter-lhe dado essa intimidade, capitão!
Ele levantou-se. Em qualquer outro homem esse seria um processo que não
necessitaria de uma descrição.
Mas não com Dalaimoc Rorvic!
O engenheiro de ultrafrequência fazia do ato de erguer o seu corpo uma cerimônia.
Primeiramente ele flexionava os braços, depois gemia com um fervor, como se tivesse
que suspender objetos de algumas toneladas. Ao mesmo tempo ele girava a cabeça de um
modo que era um milagre que no processo não quebrava uma vértebra cervical. Depois
espichava as pernas, metia a cabeça entre os braços, e nesta posição rolava o corpo para
ficar de barriga para baixo.
Curiosamente as paredes do pequeno recinto não tremiam, com todo esse
procedimento.
Depois dessa demonstração de inacreditável flexibilidade, um espectador
desacostumado talvez esperasse que Rorvic agora começaria a girar sobre sua barriga.
Mas nada disso aconteceu. O próximo ato de Rorvic, entretanto, não era menos incomum.
Flexível, como se o seu corpo estivesse sem peso, Rorvic levantou-se num movimento
ondulante, sacudiu-se uma vez, rapidamente, e depois deixou cair os ombros.
Agora parecia novamente como se ele, no momento seguinte, fosse adormecer outra
vez. Ele arrancou a gigantesca toalha do seu corpo e a jogou sobre minha cabeça.
Ele me sorriu, superior, quando eu comecei a sapatear furiosamente sobre a toalha
no chão.
Ele arrastou-se pela cabine e pescou, de um monte de roupa jogada
desordenadamente, a sua cueca. Eu jamais entenderei como um único homem poderia
preencher uma cueca daquele tamanho, mas Rorvic o conseguia sem grandes esforços.
Depois passou uma camiseta, do tamanho da vela de um barco, pela cabeça, vestiu uma
camisa verde-clara, e depois entrou numa calça, que, ao que diziam os boateiros, dois
alfaiates-robôs tinham levado uma semana inteira para confeccionar. Eram seis minutos
depois das sete.
— Capitão! — implorei-lhe. — Apresse-se um pouco. Nós vamos ser repreendidos.
Esta perspectiva apenas provocou um rosnado de Rorvic, e quem o visse neste
momento seria capaz de jurar que em todo o Universo não havia um só homem capaz de
repreender um homem como ele.
Ele começou, passando óleo na sua careca. Este era outro de seus repugnantes
hábitos. Ele jamais explicou se passava óleo na sua careca para conseguir um crescimento
de cabelos — ainda que rarefeito — ou se gostava de ver a careca brilhando no espelho.
Finalmente ele vestira a jaqueta do seu uniforme.
— Tatcher a Hainu! — disse ele, lentamente. — O que ainda está esperando?
Ele veio ao meu encontro como uma montanha, que repentinamente começara a
andar. Eu corri para o corredor, e me preparei para as coisas desagradáveis que dentro de
poucos minutos passaria a escutar.
Alaska Saedelaere, que a bordo da Good Hope II funcionava como chefe do
rastreamento, geralmente era um chefe tratável, mas ele fazia questão de que os seus
colaboradores fossem pontuais. Mas aquilo que ele teria para dizer me chateava menos do
que a perspectiva da discussão com os dois homens, que Rorvic e eu deveríamos ter
rendido às sete horas.
Diante do elevador antigravitacional parei novamente.
— O senhor novamente vai culpar a mim! — disse eu, com raiva. — Cada vez sou
eu que tenho que escutar os desaforos.
Ele sorriu largamente e deu um pontapé na minha espinha prolongada. Eu dei um
grito e caí dentro do elevador. Os ataques de Rorvic eram pérfidos, porque seus
movimentos nunca podiam ser reconhecidos antes. Ou ele se arrastava como um
hipopótamo cansado, ou ele explodia numa ação bem objetiva.
Eu precisei de alguns segundos para corrigir minha queda sem gravidade. Rorvic
pairou para baixo, do meu lado. Ele cruzara os braços no seu peito enorme. Ele parecia
muito meigo. Pessoas que não o conhecessem poderiam ver nele o protótipo de um
benfeitor.
No convés-E saímos do elevador.
— O senhor me deu um pontapé! — gritei-lhe. — Um dia ainda vou me vingar de
todas as coisas que fez comigo.
A expressão do seu rosto mostrava claramente o que ele pensava a respeito de
sentimentos de vingança. Rorvic sabia, como nenhuma outra pessoa, expressar desprezo,
apenas deixando cair os cantos de sua boca.
Enquanto nós nos aproximávamos da central de rastreamento, Rorvic abriu a bolsa
do seu cinturão, tirou dali um cubo de concentrados e meteu-o na boca.
— Cada vez temos que desistir de uma refeição quente! — resmunguei. — Se o
senhor acordasse mais cedo, como os outros, também poderíamos comer na cantina.
Ele olhou-me, acusador.
— O senhor dá valor demais aos prazeres da carne!
— Seu hipócrita! — gritei-lhe. — Na verdade o senhor é o homem que mais come a
bordo!
— Isso não é verdade — retrucou ele, calmo. — Toronar Kasom come mais que eu.
Eu silenciei, porque na verdade não se podia ganhar dele.
Nós agora nos encontrávamos diante da entrada para a central de rastreamentos. Eu
juro que tentei de tudo, para deixar que Rorvic entrasse antes de mim, porém ele me
agarrou na nuca, levantou-me diante da porta, e me empurrou, com sua barriga, para
dentro do recinto do rastreamento.
— Bom dia! — Alaska nos saudou, no seu modo de falar meio gaguejado.
Eu abaixei os olhos, pois conhecia esse tom de voz.
— Então, Capitão a Hainu? — Saedelaere estava parado diante de uma tela de
vídeo, na qual se podia ver o “Enxame”.
Como se tudo aquilo não lhe dissesse respeito Rorvic passou por mim,
aproximando-se do seu lugar habitual, onde um técnico furioso já o esperava.
— O senhor está vinte minutos atrasado! — gritou-lhe o técnico.
O gigante bateu-lhe tranquilamente no ombro, com o que o homem quase se
ajoelhou, recuando sem maiores protestos.
E então ocorreu um daqueles acontecimentos fenomenais, que sempre despertavam
grande admiração nas redondezas de Rorvic.
O engenheiro de ultrafrequência sentou-se numa poltrona, que havia sido construída
para um homem de compleição normal.
Primeiramente Rorvic estava sentado apenas nos braços, depois escorregou,
milímetro a milímetro, mais para baixo, até finalmente estar encravado na poltrona, e
somente ainda poder mexer a parte superior do seu corpo. Um astronauta certa vez
contara que Rorvic, ao levantar-se, tinha arrancado a sua poltrona da ancoragem,
carregando-a consigo. Eu achei aquilo exagerado, mas quando vi o albino sentado desse
jeito, poderia recear algo muito semelhante.
— Estou esperando! — Isso era novamente Saedelaere.
Eu olhei para ele. Através das fendas dos olhos e da boca da máscara para a luz do
fragmento-cappin. Saedelaere me era sinistro, apesar de nunca ter feito alguma coisa que
me pudesse amedrontar. Eu simplesmente não conseguia abafar o meu mal-estar, quando
me encontrava nas proximidades do lesado por transmissor. Provavelmente muitas outras
pessoas deviam sentir a mesma coisa.
— Eu peço desculpas — disse eu. Depois olhei na direção de Rorvic. — Nós... eu...
eu não o acordei em tempo.
— O Capitão Rorvic não precisa de um despertador — retrucou Saedelaere. — Ele
é responsável por si mesmo.
Eu tinha certeza de que somente o fato de que eu fazia parte dos poucos imunes me
poupava de uma repreensão disciplinar. Desde a modificação da constante gravitacional,
que havia provocado a onda de imbecilização, usavam-se novas medidas. Elas também
eram válidas para Dalaimoc Rorvic, porém Saedelaere provavelmente já notara que não
fazia sentido pedir explicações ao albino.
Antes da catástrofe, Rorvic trabalhara para uma estação de solo, em Tahun.
Provavelmente ninguém teria a ideia de requisitá-lo para servir a bordo de uma
espaçonave, se não se precisasse de todos os mentalmente estabilizados. Eu, ao contrário,
poderia afirmar com orgulho já pertencer à tripulação da Marco Polo, participando do seu
voo para Gruelfin.
Sem dúvida Rorvic era um excelente engenheiro de ultrafrequência, sendo um dos
homens mais capazes da central de rastreamento. Eu, como galato-geólogo, somente
recebera novo treinamento depois da catástrofe, pois precisavam muito de técnicos de
rastreamento. Ninguém, na ocasião, se interessou por um galato-geólogo.
Eu sentei-me na minha poltrona. Ao contrário de Rorvic, não tinha dificuldades
com o assento, pois tenho apenas metro e meio de altura e sou magro. Como todos os
nascidos em Marte, eu tenho um peito abaulado, como um barril. O meu rosto é
entrecortado de milhares de rugas e pregas.
Eu observo os aparelhos que fazem parte do meu âmbito de serviço. Dentro de
pouco tempo eu aprendi a interpretar corretamente amplitudes nos oscilógrafos e avaliar
marcas de impulsos nos monitores de vídeo.
Este trabalho não me agradava muito, mas eu compreendi que as consequências da
catástrofe somente poderiam ser vencidas se cada um desse o melhor de si.
O meu olhar caiu no calendário automático.
Era o dia 5 de novembro de 3.441 — tempo terrano!
Há seis dias atrás eu completara cinquenta e três anos de idade.
Eu esquecera completamente o meu aniversário.
Eu olhei para onde estava Dalaimoc Rorvic. Ainda me lembrava exatamente da
primeira vez em que nos encontramos. Ou seja, eu me encontrei com ele, pois naquela
ocasião ele me ignorou solenemente.
Eu estava embaixo de uma ducha nos banheiros da tripulação, quando Rorvic
entrou, para também tomar um banho. Eu levei um susto quando ele veio ao meu
encontro, através do vapor. A sua pele branca luzia com o suor. Ele me empurrou para o
lado, sem mais nem menos.
— Esta ducha é minha! — chamei-lhe a atenção.
Ele começou a girar embaixo do jato de massagem, parecendo que se sentia muito
bem.
Controle nunca foi uma das minhas maiores forças.
Eu saltei em cima dele. Fui catapultado de volta, como se tivesse batido numa
parede de borracha.
— Ó! — fez Rorvic. — Será que eu pisei no senhor?
Desse momento em diante eu decidi que algum dia eu me vingaria dele. Mas a cada
semana que se passava as minhas esperanças ficavam menores, pois um homem como
Rorvic era invencível — mesmo pelo fato de que lhe era totalmente indiferente se
ganhava ou se perdia.
***
Nós voávamos, com nosso cruzador, a Good Hope II, ao longo do “Enxame”.
Nunca antes nós ousáramos nos aproximar tanto dessa formação exótica. Perry Rhodan
queria, em qualquer circunstância, obter melhores resultados de rastreamento.
Naturalmente o escudo hiperenergético e o escudo paratrônico de nossa nave estavam
ligados, mas a maioria de nós duvidava de que isso era uma proteção suficiente.
Apesar de tudo, tivemos sorte. Nós conhecemos melhor o caráter do escudo
energético que envolvia o “Enxame”. O que da distância parecia uma reunião cristalina e
brilhante de bolhas da sabão era, na realidade, uma formação totalmente alcantilada! Nós
descobrimos que quase todas as unidades que se encontravam dentro do “Enxame”
também eram produtores de energia para a sustentação do escudo de proteção. Entretanto
ninguém sabia o que eram realmente as “unidades” mencionadas. Poderia tratar-se de
sóis, planetas, luas, astronaves, estações e quaisquer outras coisas. Como todos estes
corpos celestes e voadores muito diferentes dentro do “Enxame”, mantinham posições
evidentemente aleatórias, o escudo em volta do “Enxame” tinha esquisitos abaulamentos
para fora e irregularidades.
A estrutura do escudo protetor resultava do posicionamento dos produtores isolados
de energia. Em muitos lugares tinham-se englobado de dez a cinquenta unidades
originadoras de energia. Deste modo tinham sido criadas formações estranhas que,
interligadas, pareciam peças de esferas, ou como picos rochosos erguendo-se no espaço.
Há um par de horas nós estávamos ocupados em goniometrar fragmentos isolados
do escudo, para medi-los e catalogá-los. Deste modo, nós esperávamos poder descobrir se
o escudo era submetido a algumas modificações ou se sua forma se mantinha constante.
Era um empreendimento muito cansativo, mas nós tínhamos que nos ater àquilo que
realmente podia ser medido.
O fato de estarmos voando tão perto do “Enxame” provocou na tripulação muita
tensão e agitação. O exotismo do objeto que nós examinávamos era a mais forte razão
para a situação psíquica da tripulação.
A bordo o assunto era discutido intensamente, apesar de ninguém poder esquecer-se
da situação geral funesta, com todas as adivinhações que se faziam. Como antes, vinham
de todas as partes da galáxia notícias arrasadoras. Da existência do Império Solar só se
podia falar no condicional ainda.
Eu trabalhava oito horas seguidas na central de rastreamento e depois tinha cinco
horas livres. Este ritmo valia para quase todos os membros da tripulação. Somente os
portadores de ativadores celulares ficavam excluídos do mesmo. Eles praticamente não
precisavam de sono.
Pouco antes da meia-noite, contagem de tempo terrano, houve um acontecimento
que nos obrigou a desistir provisoriamente da tarefa que nos havíamos colocado.
Para mim, este acontecimento ainda deveria ser de significação bem maior do que
para a maioria dos outros membros da Good Hope II.
2
Um acaso pouco benévolo quis que Amo Muluren, pouco antes das vinte e três
horas, tivesse um ataque de cólica dos rins, que não foi possível debelar com remédios
comuns. Amo Muluren teve que ser ligado por duas horas no rim artificial de um medo-
robô. Todos que viam um mau presságio neste incidente acabaram tendo razão.
Amo Muluren tinha ordenado as tiras de avaliação da positrônica da central de
rastreamento, passando todos os resultados para o computador de cálculos de bordo. Este
era um trabalho que qualquer pessoa a bordo poderia liquidar.
Porém, apesar de já termos que aturar Dalaimoc Rorvic na central de rastreamento,
ainda nos mandaram Cucula Pampo.
Antes da catástrofe, o músico-favalo tinha trabalhado a bordo de luxuosas
astronaves de passageiros.
Cucula achava que era um grande artista, mas eu afirmo que ele está sozinho com
esse ponto de vista. As pessoas, a quem se apresentava, apenas não encontravam a
coragem de dizer-lhe o que ele era na realidade — um diletante insuportável, com um par
de espantosas capacidades artísticas.
Quando Cucula Pampo entrou na central de rastreamento, para tomar o lugar de
Amo Muluren, eu instintivamente retive a respiração. Pampo tinha a altura de Rorvic e a
magreza de Saedelaere. Esta mistura infeliz era arredondada pior uma cabeça de formato
oval, da qual caíam até o seu traseiro algumas madeixas de cabelos louros desgrenhados.
A principal característica de Pampo, entretanto, era um maxilar superior muito saliente,
do qual sobressaíam dois dentes enegrecidos, da grossura de um dedo, num ângulo de 45
graus. Pampo não conseguia tapar estes dentes com os lábios.
Outras pessoas teriam mandado arrancar dentes como estes; Pampo entretanto os
cultivara, porque precisava deles em seu trabalho de músico-favalo. Com eles, ele
aparava os seus exóticos instrumentos, lançando-os novamente no ar. Cada dente
conseguia tirar um som especial desses instrumentos.
Cucula Pampo ficou parado na entrada da central de rastreamento, olhou em torno,
constrangido, e torceu timidamente o seu corpo. Jamais eu tinha visto um homem mais
feio.
Pampo disse com voz rangente:
— Eu estou aqui no lugar de Amo Muluren!
Qualquer outro teria mandado Pampo de volta, porém Saedelaere levantou-se,
conduziu Pampo para o lugar de Muluren e explicou-lhe o que tinha para fazer. Pampo
começou a trabalhar e depois de algum tempo nós o tínhamos esquecido. A constante
concentração, que era necessária no nosso trabalho, não nos permitia ocupar-nos com
outras coisas por muito tempo.
E então aconteceu.
Repentinamente ocorreram violentos abalos estruturais, que estavam acima da
capacidade de nossos aparelhos. Milhares de unidades, até então membros do gigantesco
“Enxame”, saíram de dentro do escudo protetor e entraram, juntas, em hipertransição.
As ondas de choque pentadimensionais ocorridas com isto teriam destruído a Good
Hope II, se todos os seus escudos de proteção não estivessem ligados.
Apesar disso, a nave foi sacudida violentamente. Todos os sensores estruturais a
bordo foram desligados pelos computadores positrônicos, desta maneira sendo poupados
de uma destruição.
Honrou a tripulação que, mesmo nesta situação muito tensa, ela permaneceu
inteiramente calma, nestes segundos. Ninguém a bordo abandonou o seu lugar, apesar do
cruzador ser violentamente sacudido. Mais tarde verificou-se que os escudos protetores
quase tinham ruído.
Tudo passou tão depressa como tinha acontecido.
Eu estava sentado na minha poltrona, com o coração batendo forte, e segurando-me
firmemente nos braços do cadeirão.
Eu esquecera completamente dos meus instrumentos. Somente agora voltei-me
novamente para eles. Como eu, todos os outros na central de rastreamento também
tinham reagido.
Só Dalaimoc Rorvic não!
Um par de minutos mais tarde, ele nos forneceu todos os dados sobre a zona de
reentrada dos objetos voadores estranhos.
***
Poucos minutos depois que Rorvic entregara todos os documentos a Saedelaere,
Perry Rhodan e Atlan apareceram, para se informarem corretamente.
— O senhor demonstrou uma assombrosa presença de espírito — Rhodan elogiou o
albino. — Estes dados são extremamente valiosos para nós.
— Sim — disse Rorvic, lacônico.
Aparentemente ele estava sentado, indiferente, na sua poltrona, olhando fixamente
para os instrumentos. Sua careca luzia à luz das inúmeras lâmpadas.
— Eu estou certo de que a região-alvo dos objetos voadores estranhos saídos do
“Enxame” não foi escolhida aleatoriamente, mas já estava fixada previamente — disse
Saedelaere. — Alguns milhares de objetos abandonaram o “Enxame”, para executar uma
tarefa qualquer.
— Eu concordo com o senhor — respondeu Rhodan. — Geralmente o surgimento
de objetos voadores de dentro do “Enxame” vem ligado a dificuldades para nós. Pense
apenas nos Manips e nos Discoverers.
— O senhor acha que se trata, novamente, de Manips? — perguntou o Professor
Waringer, que agora também apareceu na central de rastreamento, para o lesado por
transmissor.
Saedelaere encolheu os ombros.
— Parecem ser objetos voadores decisivamente maiores — ouviu-se a voz de
Rorvic.
Rhodan ergueu as sobrancelhas.
— O senhor parece ter certeza de que está dizendo.
Rorvic bateu com a vértebra de um dedo indicador nos instrumentos. Para um
homem como ele, isso já podia ser comparado com um gesto temperamental.
— Eu observei e rastreei essas coisas.
Um dos técnicos do rastreamento trouxe os primeiros resultados dos cálculos e
entregou-os a Rhodan.
O Administrador-Geral olhou para as tiras das avaliações.
— A região da reentrada dos objetos voadores fica nas regiões periféricas do sul da
galáxia. Os objetos formam ali um quarto de círculo imaginário. Nenhum deles afastou-
se mais de três mil anos-luz do “Enxame”
— Eu espero dificuldades — interveio Atlan. — Certamente os habitantes do
“Enxame” pretendem executar novamente algumas manipulações.
— Espero que você esteja enganado — respondeu Rhodan. — De qualquer maneira
precisamos interromper o trabalho que vínhamos fazendo até agora.
Cada um de nós sabia o que Rhodan pretendia fazer.
— Nós vamos avançar, com a Good Hope, para a região de reentrada — prosseguiu
ele. — Talvez possamos entrar em contato com os estranhos, ou então fazermos
interessantes observações.
Eu acredito que ninguém a bordo estava exatamente ansioso para voar para uma
região na qual vagavam muitos milhares de objetos voadores saídos do “Enxame”. Por
outro lado, cada um de nós via a necessidade de um empreendimento semelhante.
— Os documentos, que se baseiam nos resultados das medições do Capitão Rorvic,
permitem-nos reconhecer claramente onde se encontra o sistema mais próximo, que
recebeu uma visita dos objetos do “Enxame”. — Rhodan olhou de modo aprovador para
Rorvic. — Vamos chamar este sistema solar de Estrutura-Alfa. Ele fica a novecentos e
trinta e sete anos-luz daqui. Um objeto voador grande, saído do “Enxame”, está a
caminho de lá. Nós v amos chamar o mundo, pelo qual os estranhos se interessam, de
Teste Rorvic.
Rorvic estava sentado numa poltrona como um sapo gordo e anuiu satisfeito.
Assim que Rhodan e Atlan tinham deixado a central de rastreamento, eu rolei com
minha poltrona para o lado de Rorvic.
— O senhor certamente nunca, nem em sonhos, pensou que um dia pudessem
chamar um planeta com o seu nome.
Rorvic pigarreou repetidamente. As banhas no seu corpo começaram a se mexer.
— Era apenas uma questão de tempo.
Eu o olhei fixamente.
— O senhor agradece este fato assombroso a uma feliz circunstância. Cada um de
nós pensou em fuga, no momento dos pesados tremores, somente o senhor ficou sentado,
olhando fixamente os seus instrumentos, porque sabia que para o senhor não havia
escapatória, caso a nave explodisse.
Rorvic retrucou, calmamente:
— Se quiser, modificamos o nome do planeta em questão para Teste a Hainu.
Talvez se trate de um mundo deserto.
— Eu não estou muito interessado em que um mundo qualquer leve o meu nome —
afirmei.
Neste momento, Saedelaere interveio.
— Por favor volte para o seu lugar, Capitão Tatcher a Hainu. Logo vamos partir
para Estrutura-Alfa.
Só me restou atender à ordem de Saedelaere.
***
Estrutura-Alfa era um sol amarelo pequeno, orbitado por cinco planetas. De acordo
com critérios humanos, somente um desses cinco planetas era interessante. O planeta
número dois era o único que possuía uma atmosfera de oxigênio. Nossos rastreamentos
demonstraram que Teste Rorvic evidentemente ainda era importante por outras razões.
Nas investigações da superfície do planeta nossos sensores de massa e de energia
responderam decisivamente mais que nos outros quatro mundos.
Os valores-padrão eram excedidos em muito, o que podia significar que em Teste
Rorvic existia uma civilização com desenvolvimento técnico. Mas também poderia
significar que estranhos haviam acabado de chegar a este mundo.
Perry Rhodan deu ordens para que se levasse a Good Hope II mais para perto do
planeta. A nave deu início a uma órbita larga, e nós na central de rastreamento agora
tínhamos possibilidade de examinar a superfície do planeta pormenorizadamente.
— Raramente eu vi um mundo que correspondesse tanto a nossas noções ideais —
anunciou Saedelaere, já pouco mais tarde, da central de comando. — Teste Rorvic tem
um diâmetro de vinte e dois mil quilômetros e possui uma gravidade de praticamente um
gravo. A temperatura média é de vinte e nove graus centígrados, e para uma rotação o
planeta necessita de pouco menos de vinte e quatro horas.
As imagens nos nossos monitores ainda contribuíram para reforçar estas
impressões.
Em Teste Rorvic havia imensos mares mornos, dois polos cobertos de gelo,
montanhas, florestas e savanas. Por enquanto, entretanto, não podíamos encontrar
qualquer traço de astronaves grandes pousadas, vindas do “Enxame”. Porém quando
passamos do lado noturno para o diurno, descobrimos uma outra coisa.
Em Teste Rorvic havia inúmeros espaçoportos gigantescos, que davam a impressão
de estarem completamente abandonados. As imensas pistas de pouso estavam vazias. Os
edifícios em volta não pareciam habitados. Mesmo assim, os espaçoportos pareciam
intactos e limpos. Parecia que tinham sido evacuados há muito pouco tempo.
As imagens que nós captávamos eram transferidas para a central de comando.
— Lá embaixo reina uma ordem exemplar — verificou Saedelaere. — Eu apenas
me pergunto a quem devem servir estas condições.
Os espaçoportos abandonados despertaram um mal-estar em mim. Se em algum
lugar houvesse traços de decadência, a explicação seria simples. Deste modo, porém, nós
não sabíamos o que havia acontecido com os donos destas instalações.
— Talvez eles tenham fugido, quando o objeto do “Enxame” chegou aqui —
raciocinou Cucula Pampo.
— Neste caso, nós os teríamos, forçosamente, rastreado — retruquei.
— Hainu tem razão — concordou Saedelaere. — Além disso, nós ainda não
descobrimos o objeto voador que veio do “Enxame”.
A Good Hope II rodeou Teste Rorvic mais algumas vezes, em órbitas diferenciadas.
Foram descobertos ainda outros espaçoportos, todos nas mesmas condições que os que já
haviam sido registrados.
Também na central de comando não se tinha uma resposta para a pergunta que
ocupava a todos nós.
Teste Rorvic, visto do cosmo, parecia um belo quadro a óleo. Somente os
espaçoportos abandonados nos incomodavam naquele quadro paradisíaco.
Finalmente Alaska Saedelaere desenvolveu uma teoria.
— Não é possível que estes espaçoportos foram construídos para mais tarde
poderem receber visitantes?
— O senhor está pensando em visitantes do “Enxame”?
— Por que não? — Saedelaere apontou para as telas de vídeo. — Agora apenas
precisaríamos saber como estão as coisas nos outros mundos, se objetos do “Enxame”
chegaram ali.
Rhodan, que escutou pelo intercomunicador, ponderou:
— Isso significaria que alguém na galáxia sabia da chegada do “Enxame”, e fez
preparativos correspondentes.
— Tem razão — concedeu o homem da máscara. — Porém lembre-se da teoria de
que o Homo superior é uma reação da Natureza à chegada do “Enxame”.
— Eu não acredito muito nisso — declarou Rhodan.
— Mesmo assim — Saedelaere defendeu suas reflexões — Esta ideia vale a pena
uma reflexão. Se os novos homens realmente são uma reação natural, o “Enxame” deverá
surgir em nossa galáxia, em longos espaços de tempo, mas recorrentemente.
Eu olhei para a tela de imagem no alto, onde se desenhava o rosto de Rhodan.
O Administrador-Geral sorria.
— Com essa teoria temos que contar com bilhões de anos. Quem é que poderia
manter em ordem, neste espaço de tempo, instalações como a dos espaçoportos em Teste
Rorvic? Não, eu não acredito numa relação entre estas instalações e os habitantes do
“Enxame”. Provavelmente é um acaso termos topado com estes espaçoportos e com
habitantes do “Enxame”.
Eu vi nitidamente que Saedelaere não estava convencido, ele se apegaria à sua ideia,
até que lhe provassem o contrário.
Havia um outro problema que me preocupava: Onde estava aquele, entre os muitos
milhares de objetos voadores, que penetrara no sistema Estrutura-Alfa?
Rhodan tomou uma nova tática, em minha opinião, ainda mais perigosa. Ele
mandou irradiar mensagens de rádio, todas destinadas a eventuais habitantes de Teste
Rorvic.
Entretanto não recebemos uma resposta, apesar de terem sido empregados símbolos
usuais em toda a parte na galáxia. Rhodan mandou repetir as mensagens de rádio, durante
cinco órbitas, sem que houvesse qualquer reação.
Teste Rorvic parecia abandonado por seus ex-habitantes inteligentes.
Mas por que eles tinham ido embora?
E para onde?
Uma coisa que chamava atenção era a falta de cidades e de campos plantados.
Havia apenas enormes espaçoportos, em volta dos quais se agrupavam inúmeros edifícios
de diversos tamanhos.
Talvez Teste Rorvic era um mundo, no qual as naves de um povo desconhecido
faziam escala. Mas para este fim, um espaçoporto teria sido suficiente.
Quanto mais eu refletia, mais ficava convencido de que ainda estávamos muito
longe da solução do enigma.
Por seis horas orbitamos Teste Rorvic, sem que acontecesse alguma coisa. A
superfície do planeta continuou sem modificações. Nas telas dos monitores nós víamos as
pistas de pouso que pareciam sinistras na sua limpeza esterilizada, e na qual não se via
uma única cosmonave pousada.
Depois de seis horas, Perry Rhodan decidiu mandar uma missão de comando para
Teste Rorvic.
O Capitão Dalaimoc Rorvic apresentou-se voluntariamente, e observou que ele,
como descobridor deste mundo paradisíaco, tinha um certo direito de ser o primeiro a pôr
os pés naquele solo estranho.
Perry Rhodan concordou e recomendou a Rorvic que levasse dois ou três homens de
confiança consigo. Sandal Tolk, o guerreiro bárbaro, que perdera seus pais, seu avô e sua
mulher através dos Pequenos Purpurinos, devia acompanhar Rorvic em qualquer caso.
Nestes últimos dias, Sandal estava ficando cada vez mais rabugento. Rhodan receava que
o jovem acabaria mergulhado em melancolia, se não tivesse uma oportunidade de ocupar-
se com uma atividade qualquer. Sandal não permitia que ninguém o fizesse desistir de
sua ideia de uma vingança. Apesar de já ter várias sessões de hipno-análise atrás de si,
não queria entender que não fazia sentido que ele lutasse solitariamente contra um poder
como o do “Enxame”.
Rhodan tinha esperanças do que, em Teste Rorvic, Sandal encontrasse oportunidade
para se acalmar. Isso o ajudaria por algum tempo.
Eu só ouvia a conversa de Rhodan com Rorvic com meia atenção, pois continuava
atraído pelas imagens da superfície do planeta.
De repente Rorvic estava atrás de mim.
Como sempre ele se aproximara silenciosamente. Eu vi a sua imagem refletida na
tela apagada de um monitor de vídeo.
— Levante-se, capitão! — disse ele.
Eu lancei um olhar por cima do ombro.
— Para quê? Eu estou sentado muito comodamente aqui.
Rorvic olhou para mim como se quisesse me hipnotizar, e dos seus olhos vermelhos
realmente saía uma espécie de força que me impressionava.
— Eu estou reunindo minha equipe — anunciou ele.
— Muito bem! — disse-lhe eu. — Desejo-lhe muita sorte no seu empreendimento.
Ele colocou a mão no meu ombro, e com isso quase quebrou-me a clavícula.
— O senhor vai me acompanhar.
Eu estremeci, como se tivesse sido atingido por um choque elétrico.
— Não vai conseguir nada com isso, Rorvic. Rhodan não vai permiti-lo. O senhor
precisa de Kasom ou Tolot, ou talvez de Fellmer Lloyd.
Rorvic me levantou de dentro da poltrona como outros homens teriam erguido uma
caixa de papelão.
— O senhor vai me acompanhar.
Alguma coisa na expressão do seu rosto me fez reconhecer que eu não tinha
nenhuma chance de lhe escapar. Ele faria a sua vontade. Enquanto eu ainda estava
pensando, cheio de horror, o que vivenciaria com esse gigante gordo, Rorvic me deu o
segundo choque.
— Cucula Pampo também vai me acompanhar — disse ele. Talvez, de vez em
quando, ele poderá nos divertir um pouco.
Eu fechei os olhos e esperei ansiosamente que a voz de Rhodan, pelo
intercomunicador, colocasse Rorvic no seu devido lugar. Mas nada aconteceu. Para
Rhodan parecia que a tarefa que nós teríamos que solucionar não era perigosa, caso
contrário ele teria intervindo neste momento.
Em pensamentos eu já me via a bordo do Special-Space-Jet com oito metros de
diâmetro. Rorvic estaria comigo, o fleumático fatalista. Um homem que não sabia nada
mais do que fazer uma música maluca nos acompanharia. Para completar a catástrofe,
Rhodan nos dava para levar também um guerreiro semi-selvagem, que atirava suas setas
em tudo que era vermelho e se mexia.
Eu repuxei a cara, dolorosamente.
Toda a responsabilidade recairia sobre os meus ombros estreitos.
3
Cucula Pampo entrou no hangar sobre suas pernas finas, como um feio pássaro
gigante e descarregou seu equipamento diante da eclusa. Ele olhou de Rorvic para mim e
sorriu, acanhado.
— Eu estou pronto — grasnou ele.
Eu virei a cara, pois se olhasse para ele mais de um par de segundos, provavelmente
acabaria chorando aos berros. Rorvic parecia não conhecer estas aversões, pois ele
saudou o músico-favalo como a um velho amigo.
Sandal estava acocorado perto da estreita eclusa. Seus olhos dourados brilhavam na
semi-escuridão. Diante dele havia uma aljava oval, para a guarda de cem flechas, que ele
mandara confeccionar a bordo da Good Hope II. As flechas consistiam de uma matéria
plástica que não se deixava dobrar, nem influenciar por quaisquer condições ambientais.
As pontas das flechas consistiam de aço-terconite e tinham o comprimento de um dedo.
Atlan nos contara que Sandal ficava deitado sobre estas flechas, enquanto dormia. O
semi-selvagem não queria perder nenhuma dessas armas, para ele muito valiosas.
Dalaimoc Rorvic coçou-se atrás da orelha.
— Vamos partir — disse ele.
Ele apanhou o amarrado do seu equipamento do chão e arrastou-o na direção da
eclusa. Fascinado, eu fiquei olhando como ele se esgueirou através da eclusa, com o seu
corpo obeso, sem ter dificuldades para isso.
Atlan, que se encontrava no hangar, para se despedir de nós, apontou para um bule
que se encontrava perto do meu traje protetor.
— Isso lhe pertence?
— Sim, sir!
Ele olhou-me, estranhando.
— Para o que o senhor precisa de um bule, nesse empreendimento?
Eu gostaria de poder dizer-lhe a verdade, mas calculei que Rorvic me escutaria,
através da eclusa aberta.
— Eu sempre o levo comigo — declarei, desconversando. — Afinal, cada um tem
consigo alguma coisa da qual não gosta de se separar.
Atlan olhou para o bule. Evidentemente ele estava refletindo que tipo de
especialidade poderia destacá-lo. Felizmente ele não fez maiores perguntas.
Sandal levantou-se silenciosamente, e com passadas oscilantes dirigiu-se para a
eclusa. Ele oferecia uma imagem de força integrada, mas o seu rosto sombrio mostrava
nitidamente em que estado psíquico ele se encontrava.
— Ele vai nos causar dificuldades! — profetizei.
— É bem possível — concordou Atlan. — Mas se ele ficar mais tempo a bordo da
Good Hope, ele criará dificuldades ainda maiores. Rhodan e eu já estamos temendo, há
dias, que Sandal pudesse perder o controle sobre si mesmo. Ele precisa de uma válvula
para o seu ódio represado. Retê-lo a bordo significaria matá-lo espiritualmente.
Eu compreendi. O semi-selvagem nos acompanharia, não importando o que eu
pudesse contra-argumentar. Rorvic meteu a cabeça pela eclusa e nos sorriu.
— Nós estamos prontos!
Eu lancei-lhe um olhar significativo, que ele entretanto não correspondeu. Ele e
Rhodan pareciam achar que Rorvic era um sujeito formidável, porque, por acaso,
rastreara um sistema planetário, no qual penetrara um objeto voador vindo do “Enxame”.
— Está na hora! — disse o Lorde-Almirante.
Hesitante eu entrei no pequeno disco voador espacial. Rorvic se metera dentro do
assento do piloto, e manipulava os instrumentos com seus dedos parecendo salsichas.
— Não vá quebrar nada! — disse eu, venenoso.
Pampo riu melodicamente. Nos bolsos do seu cinturão tilintaram seus instrumentos-
favalo.
Eu senti um frio na espinha.
Sandal estava acocorado junto do assento do navegador e olhava fixamente para
fora da cúpula de plástico blindado.
Eu tomei lugar diante da aparelhagem de rádio. Atlan ainda nos acenou uma vez, e
abandonou o pequeno hangar, no qual havia dois space-jets com um diâmetro de oito
metros.
No mesmo instante foi feita a ligação de rádio com a central de comando. Nos
monitores apareceu o rosto de Perry Rhodan.
— Vamos ficar em constante contato pelo rádio! — ordenou ele. — Os senhores
apenas têm a tarefa de fazer algumas investigações, todo o resto será feito por comandos
que irão mais tarde. Uma câmara-robô, com capacidade de voo, os acompanhará.
Eu fiquei aliviado, porque não esperava coisas impossíveis de nós.
Rorvic estava dependurado molemente no assento do piloto, parecendo dormir.
Com as pálpebras semicerradas ele observava os controles. O músico-favalo Cucula
Pampo ao contrário parecia nervoso demais. Ele tateava nos fechos do seu uniforme.
O jato pairou sobre seus campos antigravitacionais para diante da eclusa do hangar,
que poucos instantes depois se abriu. Como capitão da Frota Solar, Dalaimoc Rorvic
possuía um treinamento completo de piloto, mas mesmo assim eu me perguntava se ele
saberia voar direito aquele jato.
Nós nos afastamos bem da Good Hope II. Não havia razões para reclamações.
Rorvic se mantinha silencioso como uma ostra. Talvez ele voava a micronave meio
que dormindo.
Sandal estava acocorado no chão, abraçado com o seu arco. Os seus músculos se
destacavam sob a sua pele moreno-clara. Os seus antepassados eram saltadores,
ertrusianos, aconenses, arcônidas de Glynth e terranos. Para noções de beleza humanas,
Sandal era um homem muito bonito, e na Terra ele certamente teria atraído muitos
olhares.
Ele pareceu sentir que eu o estava olhando, pois ergueu a cabeça e respondeu ao
meu olhar.
Eu li um ódio indomável, mas também orgulho e uma certa bondade, no seu rosto.
Em outras circunstâncias, Sandal poderia ter-se tornado um bom amigo nosso. Mas o
bárbaro não tinha vontade de fazer amizades. Tudo que o interessava era a sua vingança.
Eu senti pena dele.
Ele era apenas um simples semi-selvagem, sem qualquer chance de encontrar, ou
mesmo justiçar, os assassinos dos seus amigos. Mas seria um esforço inútil querer
explicar-lhe isto. Ele pensava e julgava apenas de conformidade com os valores do seu
povo.
Eu abaixei a cabeça, pois os seus olhos cor de ouro não queriam mais me soltar.
— Eigon! — disse Sandar, no seu idioma.
Ele cuspiu no chão, e jogou a cabeça para trás.
Ninguém perguntou a ele o que esta palavra queria dizer.
Rorvic parecia não notar nada do que acontecia. Ele pilotava o space-jet numa
órbita em tomo do Teste Rorvic.
A voz de Rhodan que saía do alto-falante do rádio normal arrancou-me dos meus
pensamentos.
— Em Teste Rorvic tudo permanece calmo. Prepare tudo para uma aterrissagem.
Já havia sido combinado que devíamos descer na beira de um espaçoporto.
Naturalmente também poderíamos pousar em algum deserto ou nas margens dos grandes
mares, mas ali dificilmente poderíamos descobrir alguma coisa.
Eu olhei para a tela de vídeo do rastreador. Nós sobrevoávamos um dos dois
grandes continentes, no qual tínhamos rastreado três espaçoportos. Dalaimoc Rorvic fez o
jato mergulhar na atmosfera. A nave-auxiliar sacudiu um pouco, mas Rorvic compensou
estes movimentos oscilatórios sem maiores esforços.
Quando pairávamos por cima de um dos espaçoportos, o meu mal-estar
transformou-se numa surda sensação de medo. A visão daquele espaço sem vida, no qual
os construtores do espaçoporto haviam pintado inúmeros lotes, parecia fantasmagórico. A
pista de pouso era de cor cinza-clara, e a pintura dos edifícios agrupados em volta
mudava de um branco brilhante dos pavilhões baixos para um azul-escuro nas torres e
nos edifícios altos. A arquitetura não era especialmente estranha. Podia-se pensar que
antigamente, em alguma ocasião, seres humanos tivessem vivido lá embaixo.
Para onde eles tinham sumido?
Os espaçoportos davam a impressão de que seus construtores voltariam a qualquer
momento.
Existiam entre os habitantes do “Enxame” e os gigantescos espaçoportos de Teste
Rorvic determinadas conexões?
A câmara-robô pairava acima da nacele do space-jet. Suas imagens, junto com
nossa câmara externa de bordo, eram transmitidas para a central da Good Hope II, de
modo que também ali eles podiam ter uma imagem exata dos arredores.
— Tudo permanece calmo! — avisaram da nave-mãe. — Continua não havendo
indícios da existência de seres vivos.
— Continuam vigilantes! — advertiu-nos Rhodan.
O space-jet agora voava numa altura de mil metros acima da beira do espaçoporto.
Entre as edificações do espaçoporto, e uma extensa floresta de árvores imensas com
folhagem marrom-clara, corria um rio para o mar que ficava cerca de mil milhas distante.
Era de manhã cedo, o sol devia ter-se erguido há cerca de uma hora talvez. O céu estava
praticamente sem nuvens.
Mesmo assim, alguma coisa me irritava nessa imagem de completa paz, apesar de
não saber dizer o que era.
Eu olhei para Rorvic, para verificar se ele mostrava alguma demonstração de
nervosismo. O engenheiro de ultrafrequência, entretanto, não mostrava qualquer reação.
Com Cucula Pampo era diferente. Suas mãos estavam constantemente ocupadas
com alguma coisa. Ele olhava, inquieto, de um lado para o outro.
Os meus olhos seguiram adiante e ficaram presos em Sandal. O semi-selvagem dava
a impressão de estar muito tenso.
Eu me recostei na poltrona. Eu esperava que depois do pouso não tivéssemos
dificuldades. Não conseguia imaginar que meus acompanhantes poderiam ser de grande
ajuda.
— Vamos pousar junto ao rio — declarou Rorvic.
Eu transmiti sua resolução aos homens da Good Hope II.
— Uma boa ideia — disse Rhodan. — Então estarão bastante próximos do
espaçoporto, sem pousarem diretamente nas pistas de aterrissagem. Além disso, têm a
possibilidade de investigarem o rio e a floresta próxima.
Eu ergui os ombros, pois não podia imaginar que havia alguma coisa para se
examinar no rio ou na floresta.
O space-jet desceu rapidamente para a superfície do planeta. Eu já estava temendo
que acabaríamos tendo uma aterrissagem forçada, porém Rorvic colocou o disco voador
suavemente na beira do rio. Bem perto do nosso local de pouso havia um declive
íngreme, no qual cresciam gramíneas altas. A floresta, do outro lado do rio, parecia
sombria. Alguns animais, que se adiantavam alternadamente voando e saltando,
chamaram minha atenção por um instante.
Rorvic virou-se para trás.
— Chegamos!
— Vamos desembarcar logo? — quis saber Pampo, agitado.
Sandal ergueu-se do lugar onde estava acocorado para olhar através da cúpula da
nacele. No seu rosto via-se uma notável modificação. A floresta e o rio pareciam lembrar-
lhe a sua pátria. Ele ergueu-se nas pontas dos pés e emitiu um queixume. Depois colocou
um punho fechado junto do peito e pôs-se em movimento na direção da eclusa.
Eu me pus no seu caminho.
— Um instantinho ainda, amigo! Ainda não recebemos autorização para deixarmos
o jato.
Ele empurrou-me para o lado, sem me dar atenção, e quis acionar o mecanismo da
eclusa.
E então Rorvic estava do seu lado. Eu olhei, espantado, para o assento do piloto,
onde o albino há pouco ainda estivera sentado, aparentemente dormitando.
Sandal esticou um braço, querendo empurrar Rorvic para o lado, exatamente como
fizera comigo.
Ele poderia ter tentado, do mesmo modo, empurrar uma montanha para o lado.
Sandal emitiu um som de espanto e olhou para Rorvic. Depois baixou a cabeça.
Parecia que ele ia iniciar um ataque, porém logo relaxou-se e ficou parado ao lado da
eclusa, esperando.
— Vamos esperar até termos certeza de que não haja ninguém nas proximidades —
disse Rorvic, com sua voz arrastada.
— Está havendo dificuldades? — perguntou Rhodan, pelo rádio.
— Não, sir! — respondi. — Está tudo em ordem.
Pampo disse:
— Eu mal posso esperar para chegar lá fora.
Eu olhei através da cúpula. Entre edifícios na beira do espaçoporto, eu podia ver
trechos da pista de pouso abandonada. Chamaram minha atenção algumas elevações
parecidas com pedestais, que surgiam do solo por toda a parte.
— Fellmer Lloyd acaba de me dizer que está captando fracos impulsos mentais —
informou Rhodan, pelo rádio. — Entretanto ele não consegue localizá-los, nem sabe de
onde eles vêm. De qualquer modo devem ter muito cuidado.
Nós fizemos as medições costumeiras. Depois examinamos nossos trajes de
proteção. Os capacetes não precisavam ser fechados, pois o ar do lado de fora do space-
jet era respirável.
— Vamos desembarcar! — decidiu Rorvic.
Eu peguei o aparelho de rádio portátil, com o qual pretendíamos manter contato de
rádio permanente com a Good Hope II.
Rorvic abriu a eclusa. Um ar relativamente fresco penetrou na cabine.
O albino abandonou o jato e foi o primeiro a pôr os pés em solo estranho. Da eclusa
eu pude observar como Rorvic olhava em volta. Eu o segui, fogo depois.
Ele me contemplou com um sorriso fraco.
— Tudo em ordem, capitão!
Eu anuí.
Pampo saiu da eclusa, depois veio Sandal. O bárbaro não nos deu atenção, mas
passou correndo por nós, pelo declive da margem abaixo, jogando-se, junto com as suas
armas, de cabeça no rio.
— Sandal! — gritei.
Eu quis ir atrás dele, porém Rorvic segurou-me pelo braço.
— Deixe-o!
Eu vi Sandal ressurgir das águas. Os seus braços fortes nadavam jogando água para
todos os lados. Ele nadou para a margem que ficava de fronte.
— Ele não pode afastar-se de nós — disse eu, agitado. Eu quis me livrar das garras
de Rorvic, porém suas mãos se fecharam em tomo de meus braços como algemas de aço.
— Ele vai voltar, quando se acalmar — profetizou o engenheiro de ultrafrequências.
— Nós agora temos que nos interessar pelos edifícios na beira do espaçoporto.
Entrementes Sandal alcançara a margem oposta. Ele ficou parado por um instante,
olhando para onde nós nos encontrávamos. Depois ergueu o braço e sacudiu o arco. Isso
podia ser uma saudação, mas também um gesto ameaçador.
Repentinamente Sandal virou-se e saiu correndo para a floresta sombria. Poucos
instantes depois ele tinha desaparecido entre as primeiras árvores.
Rorvic colocou o escudo protetor em tomo do space-jet para que, em nossa
ausência, ninguém pudesse aproximar-se da nave-auxiliar.
— Vamos! — disse ele.
Cucula Pampo lançou-me um olhar infeliz. Eu apontei para Rorvic.
— Pergunte a ele! Ele é o chefe.
Rorvic apenas resmungou e saiu na direção do espaçoporto. Eu olhei
instintivamente para o chão, pois de um homem como Rorvic se esperava que deixasse
rastros profundos.
Os instrumentos-favalo nos bolsos do cinturão de Pampo tilintaram baixinho,
quando nos aproximamos dos primeiros edifícios.
— Não pode dar um jeito de desligar esse barulho? — perguntei a Pampo. — Se
existirem seres viventes aqui, eles poderão nos ouvir a milhas de distância.
— Eu preciso de contato constante com meus instrumentos retrucou Cucula Pampo,
ofendido. — Caso contrário não posso me apresentar, quando for necessário.
Eu fiz um gesto que tudo englobava.
— Ninguém quer ouvi-lo aqui!
Ele repuxou os lábios, e com isso parecia ainda mais feio.
— O senhor não possui nenhum conhecimento básico da música-favalo —
censurou-me ele. — Um bom músico-favalo tem que estar sempre pronto para
apresentar-se. Quem perde o contato com seus instrumentos, mais cedo ou mais tarde
toma-se um remendão. Na música-favalo dificilmente acontece que...
— Silêncio! — interrompeu-nos Rorvic, asperamente. — Eu não tenho nenhuma
vontade de ficar escutando isso.
No silêncio que se seguiu eu me senti inconfortável. O solo mole abafava nossos
passos. Também agora não havia qualquer indício demonstrando a presença de seres
inteligentes. As aberturas das edificações mais próximas estavam trancadas. Mas em
nenhum lugar havia sinais de decadência.
De repente eu ouvi um ruído de água. Eu me virei rapidamente. A superfície do rio
se dividira. Um pedestal faiscante de metal surgiu de dentro da água. Em cima do
pedestal movimentava-se um par de figuras cintilantes de metal, das quais a água
escorria.
— Dalaimoc! — gritei.
A cena era irreal, mas então o pedestal começou a sair de dentro da água. Para isso
servia-se de um dispositivo parecido com pernas, com articulações e pés em forma de
ganchos. Toda a formação balançava fortemente, e eu fiquei espantado em ver que
nenhum dos robôs cintilantes caía de cima do pedestal. Agora pude ver que os autômatos
em cima do pedestal possuíam braços em formato de pás.
O andaime caminhou pelo solo, sem se interessar por nós. Seu destino,
indubitavelmente, era o espaçoporto. Retendo a respiração, ficamos olhando, enquanto o
pedestal se aproximava de um dos pavilhões mais baixos. Ali ficou parado, até que o
portal se abriu. Finalmente desapareceu dentro do pavilhão. O portal deslizou, fechando-
se novamente.
Pampo gemeu baixinho.
Perry Rhodan, que com os outros membros da tripulação da central da Good Hope
II tudo observava através da câmara-robô voadora, chamou pelo rádio.
Rorvic me tirou o aparelho de rádio portátil das mãos.
— Na minha opinião, isso é uma espécie de draga fluvial, sir — disse ele. — Por
que e por ordem de quem essa coisa trabalha dentro do rio, naturalmente é difícil de
adivinhar.
— O senhor acha que foi por acaso, que essa coisa saiu da água, justamente durante
nossa chegada? — perguntou Pampo.
— Espero que sim — retrucou Rorvic. — Pois se houvesse uma conexão, nós
teríamos que... olhem ali!
Um grito desses era incomum para Rorvic. Segundos mais tarde eu vi o que o tinha
levado a este grito temperamental. Por entre os edifícios saía uma coisa que parecia uma
gigantesca grua com muitos braços. Era uma armação metálica de cerca de sessenta
metros de altura, com inúmeras excrescências metálicas móveis. Eu vi braços
agarradores, pás, tentáculos, sensores e outras extremidades, todas elas em movimento.
Toda aquela formação oscilava de um lado para o outro, parecendo que ia ruir a qualquer
instante. Curiosamente esta catástrofe não aconteceu, mas o gigante metálico se
aproximou de nós numa velocidade espantosa.
— Fujam! — gritou Rhodan, pelo rádio.
Pampo já se pusera em movimento. Com seus braços remadores, aquele homem
magro parecia uma edição menor do guindaste.
Eu liguei meu aparelho de voo, mas ele não funcionou.
— A energia foi bloqueada — verificou Rorvic, calmamente.
Ele puxou o seu desintegrador.
Eu não me interessei mais por ele, mas saí correndo na direção do space-jet. A
sombra do guindaste corria diante de mim no chão, depois escutei um ruído estalante.
Duas garras metálicas se fecharam em volta dos meus quadris. Fui arrancado do chão,
para o alto. O chão girava embaixo de mim. Por segundos eu não vi nada mais que braços
metálicos rodopiando entre si. A parte central do guindaste rangia e estalava. Eu passei
pairando por Rorvic, que estava dependurado dentro do aperto de um tentáculo enrolado,
como um inseto gordo, tentando inutilmente fazer fogo com o seu desintegrador.
Em diagonal, abaixo de mim, Pampo corria. Ela caiu ao chão, foi juntado por um
braço semelhante a uma pá da grua gigante e arrancado para o alto. A pá fechou-se com
estrondo, e ele estava trancado dentro de uma prisão de aço. Eu tinha esperanças de que
ele conseguiria respirar.
A grua gigante estacou por um momento. Ou esperava por ordens de uma central
ainda desconhecida para nós, ou precisava desta pausa, para esclarecer a si mesmo acerca
de outras ações. Eu me perguntei por que não tínhamos descoberto essa coisa já mais
cedo. Havia apenas uma explicação: O robô ficara dentro de uma das inúmeras
edificações em formato de torre, ao redor do espaçoporto. Isso podia significar que cada
edifício era o local de estadia de autômatos.
Um solavanco atravessou o guindaste gigante. Ele girou sobre si mesmo, e saiu
marchando na direção do espaçoporto. Eu vi como a câmara-robô, que circulara em torno
da grua gigante até então, foi agarrada e segura por um tentáculo que avançou
rapidamente sobre ela. Ela tentou escapar, mas quando foi envolvida por um segundo
braço de pegar, seus movimentos morreram.
Uma coisa globular, que parecia uma bola de vidro cortada e aberta num dos lados,
e que estava dependurada na extremidade de um braço metálico móvel, pairava para cima
e para baixo diante de mim. Parecia que estava me inspecionando.
— Desapareça! — gritei-lhe.
Ela assobiou, e aproximou-se um pouco mais. A grua oscilava como um mastro que
estivesse em vias de cair, mas as suas articulações centrais, evidentemente eram capazes
de interceptar todos os movimentos laterais e compensá-los. Eu já desistira de qualquer
movimento de defesa, pois quanto mais eu lutava contra as garras, mais elas se
apertavam.
Nosso raptor alcançou as primeiras edificações. Era quase um milagre que ele não
ficasse dependurado em alguma coisa. Nós nos aproximamos de um pavilhão comprido,
que era limitado por torres, nas duas extremidades. Nas laterais podiam ser reconhecidos
prédios menores.
A bola de vidro cortada havia desaparecido novamente, em seu lugar, porém,
encontrava-se nas minhas proximidades um aspirador de pó, que, assobiando e tossindo,
executava uma tarefa incompreensível. Era um braço articulado com extremidade
alargada e diversas aberturas redondas, através da qual era sugado o ar. A sucção era tão
forte que o meu traje de proteção foi negativamente influenciado. Aquela coisa estranha
aproximava-se cada vez mais, e finalmente deslizou por cima de todo o meu corpo. Cada
vez que tinha sugado o meu traje, parava por um instante, cuspindo as partes que havia
sugado. O processo não era doloroso, mas desagradável, e além disso eu não sabia nunca
o que ia acontecer no instante seguinte. A grua gigante parecia ter um repertório
inesgotável à sua disposição, pois enquanto eu ainda concentrava minha atenção no
aspirador de pó, o robô tinha guiado um receptáculo exatamente por cima de minha
cabeça, da qual foi despejado em cima de mim um líquido escuro e malcheiroso. Eu
praguejei e fiquei com falta de ar. Um pouco daquele caldo penetrou no meu nariz, ardeu
terrivelmente, irritando-me e provocando espirros. Aquela coisa começou a secar
imediatamente, mas neste estado fedia ainda mais. Eu tossi. Os meus olhos lacrimejaram.
E então apareceu novamente o aspirador de pó. Entretanto, os reatores haviam sido
invertidos. Em vez de sugarem me sopravam uma poeira avermelhada na cara. A
substância cobriu o meu corpo. Eu não conseguia me livrar da impressão de que, de um
modo bastante robusto, eu estava sendo desinfetado.
De vez em quando eu via Rorvic. Ele estava longe de mim cerca de sessenta metros.
Ele não estava passando muito melhor do que eu. Isso me tranquilizou um pouco, e eu
estava curioso em saber como ele comentaria estes acontecimentos, se algum dia nós
ainda chegássemos a nos reunir.
De Cucula Pampo não se via nada, evidentemente ele ainda estava metido dentro da
pá gigante, que o havia suspenso. Em silêncio, eu felicitei Sandal, que fizera a única coisa
certa, metendo-se dentro da floresta. Talvez ele estivesse observando, da borda do mato,
o que estava acontecendo conosco, e preparava nossa libertação.
Mas o que é que ele poderia empreender com arco e flecha contra o monstruoso
robô?
Nossa única esperança no momento era a Good Hope II, porém eu conhecia Perry
Rhodan muito bem, para saber que ele ainda representaria o papel de observador por
algum tempo. Enquanto a nossa vida não estivesse em perigo iminente, Rhodan não
mandaria nenhuma missão de comando atrás de nós.
Houve um clique atrás de mim. Eu vi uma gigantesca bocarra metálica, que se
atirava na minha direção. Rapidamente meti a cabeça entre os ombros e logo tudo
escureceu à minha volta. Um ruído barulhento indicava a continuação do processo, porém
eu não podia ver mais nada. Eu não era mais seguro, porém me encontrava dentro de um
recipiente metálico, que era tão pequeno que eu mal podia me mexer.
Um forte solavanco demonstrou-me que eu estava sendo colocado em algum lugar.
A grua gigantesca rangia nas suas articulações, e portanto ainda estava ocupada conosco.
Mais uma vez um grande barulho. Perto de mim um segundo recipiente bateu no chão.
— Dalaimoc! — gritei eu, esperançoso.
Eu escutei o tilintar característico dos instrumentos-favalo, depois Pampo perguntou
com voz chorosa:
— É o senhor, a Hainu?
— Sim — respondi, irritado. — Onde está?
— Bem próximo! — retrucou Pampo.
— Muito elucidativo! — zombei. — Controle-se. Temos que refletir como vamos
sair daqui.
— Eu não consigo ver nada! — lamentou Pampo. — Minha Instalação energética
não funciona mais.
Sem dúvida ele se encontrava numa armadilha semelhante à minha.
Um tremor à direita de minha caixa metálica me fez suspeitar que agora também
Rorvic havia chegado.
Eu ouvi o albino bufar. Involuntariamente tive que rir. O gigante gordo, numa caixa
metálica, que não era maior que minha prisão!
— Dalaimoc! — gritei. — É o senhor?
Ele não respondeu, mas eu o ouvi respirar com dificuldade. À minha esquerda,
Pampo começou a usar alguns instrumentos-favalo na sua prisão. Aquilo tinha um som
pavoroso.
— Pampo! — gritei-lhe. — Pare com isso.
Eu procurei pelo meu aparelho de pulso, mas verifiquei logo que o mesmo estava
sem energia.
— Dalaimoc! — gritei. — O que vamos fazer agora?
Eu não recebi qualquer resposta. Talvez o albino estivesse ferido. Apesar da
mobilidade que ele já demonstrara em ocasiões de emergência, afinal de contas ele não
era nenhum homem-borracha. Se os robôs o tivessem metido à força dentro dessa caixa
apertada, talvez ele estivesse meio inconsciente.
Pampo fazia tilintar seus instrumentos. Ele não tinha lugar exatamente para dar um
concerto, mas a coisa já era bastante terrível mesmo assim.
De repente a caixa em que eu estava aprisionado pôs-se em movimento.
Suavemente e quase em silêncio, ela rolou para longe, sobre uma superfície lisa.
A música de Pampo foi interrompida abruptamente.
Depois de algum tempo houve um ligeiro choque. O caixote metálico parou. Eu
imaginei que tínhamos chegado ao nosso destino.
— Nós nos encontramos dentro de um dos edifícios — disse Rorvic, de repente.
Ele falara com total calma, como se quisesse provocar uma discussão, para a qual
ninguém tinha um interesse genuíno.
— Eu pensei que o senhor estava ferido! — gritei, com raiva. — Por que não reagiu
aos meus chamados?
— Eu não posso responder permanentemente à sua verbosidade desqualificada —
revidou ele, amigavelmente. — Além do mais, qualquer discussão não fazia sentido, uma
vez que ainda estávamos sendo transportados. Agora chegamos ao destino.
Eu me ergui, furioso, e bati com a cabeça contra a cobertura de minha prisão.
— Fique sentado! — recomendou-me Rorvic, que classificara corretamente aquele
ruído oco. — Vamos refletir no que podemos fazer. A situação está clara. Para os robôs
deste espaçoporto nós somos objetos estranhos, que eles removeram. Eles, para isso,
apenas seguiram uma ordem que lhes foi dada por alguém. Esta determinação
naturalmente é que eles devem manter em ordem o espaçoporto e as instalações
pertencentes a ele.
— Como sabe disse? — perguntei, espantado.
— Se o fino ar marciano não tivesse ressecado o seu cérebro, o senhor
provavelmente também poderia pensar logicamente — opinou Rorvic.
— Eu ainda o mato, algum dia! — jurei-lhe.
Mas ameaças semelhantes não eram capazes de fazê-lo tremer. Eu comecei a refletir
sobre suas afirmações. Não era de se excluir que ele estava com a razão. A maneira como
os robôs nos tinham afastado me fazia supor que eles avançavam contra tudo que pudesse
afetar a ordem e a limpeza costumeiras no espaçoporto.
Nosso destino, daqui para a frente, era incerto. Ou nós teríamos que permanecer
nestes caixotes e morrer, ou então nos levariam para uma remoção definitiva, jogando-
nos dentro de um conversor de lixo. Ambas as perspectivas eram assustadoras.
— O que mais podemos fazer? — perguntou Cucula Pampo, baixinho.
— Eu estou pensando — declarou Rorvic.
Ele não chegou mais a dar-nos o resultado de suas reflexões, pois poucos instantes
depois a tampa de minha caixa abriu-se. Antes que eu pudesse reagir, fui agarrado por
uma espécie de aranha metálica, que me puxou para fora. Enquanto pairava por cima de
minha caixa, pude reconhecer meus arredores. Eu me encontrava no interior de um
grande pavilhão, que estava cheio até quase o teto de lixo e rejeitos. Havia três grandes
montes, cujas superfícies pareciam vitrificadas. Alguém, provavelmente robôs, tinha
derramado uma massa líquida por cima do lixo, que então tinha congelado. Deste modo
os montes de lixo no interior dos pavilhões eram fechados hermeticamente. Medidos pela
quantidade de lixo, os construtores do espaçoporto já deviam ter desaparecido há muitos
séculos.
Enquanto eu observava, a aranha metálica pôs-se em movimento. Ela estava fixa no
fim de um braço metálico, comprido e provido de articulações, que por sua vez estava
preso a uma aranha móvel, fixada sob o teto. A aranha podia alcançar qualquer ponto do
pavilhão. Eu me mantive bem quieto, para evitar medidas defensivas mais duras do robô.
Atrás de mim, Pampo e Rorvic foram puxados para fora dos caixões por outras duas
aranhas metálicas. Pampo gritava e agitava os braços, sem nada alcançar com isso.
Bem em cima de um monte de lixo que ainda estava crescendo, e não fora ainda
vitrificado, a aranha metálica parou e se abriu. De três metros de altura, eu caí sobre os
detritos e afundei um pouco neles. Rapidamente eu me libertei.
Rorvic caiu barulhentamente perto de mim nos destroços e foi quase que
completamente soterrado por eles. Antes que ele pudesse libertar-se, Cucula Pampo caiu
em cima dele.
— Bem-vindos! — gritei para os meus dois acompanhantes. — Agora devia estar
claro que qualquer tentativa de contato não faz sentido. Estão nos tratando como se
fôssemos lixo.
Rorvic esgueirou-se para fora do ajuntamento de objetos malcheirosos para a
superfície e se sacudiu todo. Depois puxou o músico-favalo pelas pernas.
Por cima de nós pairavam as três aranhas. Eu me perguntei se elas tinham suficiente
juízo robótico para nos atacarem, se fugíssemos do monturo. Provavelmente estávamos
seguros, enquanto permanecêssemos no depósito de lixo. Se abandonássemos o pavilhão,
os comandos de limpeza nos atacariam novamente e nos trariam de volta para cá.
Os olhares de Rorvic rebuscavam as redondezas.
— Um lugarzinho pouco amistoso! — verificou ele. — Vamos desaparecer daqui,
antes que nos cubram de geléia vermelha.
A massa vitrificada por cima dos outros montes realmente se parecia com um
mingau vermelho.
Nós escorregamos e trepamos do monte de lixo abaixo, fazendo tanto barulho que a
cada instante eu contava com um ataque dos robôs.
Mas nada aconteceu.
— Felizmente os robôs neste planeta não se diferenciam das construções de outros
mundos — refletiu Rorvic em voz alta. — Eles estão limitados em sua liberdade de ação
pela sua programação. Esta programação parece limitar-se à manutenção da ordem das
instalações do espaçoporto. Infelizmente estes robôs são muito metódicos neste seu
trabalho.
— Isso significa que vamos ser atacados novamente, logo que abandonarmos este
pavilhão — acrescentei.
Pampo olhou-me, assustado.
— Neste caso é melhor ficarmos aqui, esperando que nos mandem ajuda da Good
Hope.
Rorvic fez uma cara como se quisesse dizer alguma coisa significativa, mas depois
apenas sacudiu a cabeça. Também ele, evidentemente, não sabia o que fazer.
— É importante que não nos comportemos como lixo — disse eu.
— Ó! — fez Rorvic. — A ideia não é má, mas como vamos transformá-la em
realidade?
— Se os robôs acreditam que pertencemos às instalações do espaçoporto, vão nos
deixar em paz.
Pampo rangeu seus dentes feios e fez tilintar seus instrumentos.
— E como vamos fazer isso?
— Esta realmente é a pergunta determinante — concordou Dalaimoc Rorvic. —
Mas precisamos tentá-lo mesmo assim. O mais seguro naturalmente seria se
encontrássemos um veículo que pertence ao espaçoporto. Mas não vamos ter esperança
disso, uma vez que também não temos certeza se somos capazes de dirigi-lo.
Nós nos movimentamos através da parte livre do pavilhão, sem sabermos
exatamente pelo que devíamos procurar. Finalmente Rorvic conduziu-nos até o grande
portal.
— Aqui se coloca mais um problema — disse ele. — Não sabemos como sair daqui.
Nossas armas não funcionam porque a energia está bloqueada. O portal é movimentado
automaticamente.
Ele sentou-se perto da saída no chão e cruzou os braços sobre o peito.
— Vamos ter que esperar até que chegue um novo carregamento de lixo. Então
talvez podemos nos esgueirar para fora. — Ele fechou os olhos. — Me acordem, quando
chegar a hora.
Cucula Pampo olhou primeiro para ele, depois para mim.
— Mas... mas ele não pode dormir agora!
— Ele não dorme, ele medita — disse eu, furioso. — Ele é discípulo de algum
método, que deve ajudá-lo no seu bem-estar espiritual.
A respiração por igual de Rorvic era inaudível. Depois de algum tempo ele puxou as
pernas, cruzou-as e abriu os olhos. O seu olhar, porém, era dirigido à distância.
Eu me virei, fui até o monte de lixo, e peguei uma barra metálica retorcida.
— O que quer fazer com isso? — perguntou Pampo, confuso.
— O senhor não ouviu ele dizer que o devíamos acordar quando chegasse a hora. —
Eu apontei para o albino. — Infelizmente eu deixei o bule a bordo do space-jet.
— Que bule? — Pampo não entendeu nada.
— Não adianta querer explicar-lhe isso.
— E o que é que nós vamos fazer, enquanto isso?
— Esperar? — disse eu.
O que devíamos fazer, se os robôs somente viessem dentro de alguns dias, para
depositar lixo?
Ou se eles apenas aparecessem a cada terceiro ou quarto mês?
***
Depois de algumas horas, Cucula Pampo tirou seus instrumentos-favalo dos bolsos
do seu cinturão. Eram placas e bastõezinhos de metal de formatos diferentes. Pampo
espalhou-os nas palmas de suas mãos e depois jogou-os contra a parede. Os instrumentos
começaram a tilintar compassadamente. Pampo apanhou-os, atirou-os para o alto, para
que se tocassem no ar, e depois apanhou-os novamente com mãos, pés e dentes. Deste
modo, formava-se um constante turbilhão de instrumentos que se chocavam entre si.
A música não me agradava, mas eu admirei Pampo, que dominava a técnica-favalo
como nenhum outro. Ele deixou-se cair ao chão, sem que os seus instrumentos se
detivessem. Certa vez, a bordo da Good Hope II, eu assistira a um espetáculo do artista,
onde ele ainda colocara, por perto, garrafas, recipientes e mesas, contra os quais seus
instrumentos eram lançados.
Cucula Pampo tocava apenas composições próprias, que ele variava durante a
apresentação. Um músico-favalo completo precisava ter dons parapsíquicos, para captar a
multidão de possibilidades que se apresentavam dentro da fração de segundos. Cucula
Pampo conseguia adivinhar seus instrumentos, portanto era um mutante, apesar de sua
capacidade, no melhor dos casos, apenas poder servir para divertir alguns passageiros
esnobes a bordo de astronaves de passageiros de luxo.
Mas, desde o começo da catástrofe, isso também tinha acabado. Eu podia imaginar
que Pampo sofria muito por isso. Certamente o ajudava poder apresentar os seus
instrumentos mais uma vez agora. Eu notei que ele esqueceu-se de tudo que lhe ia em
volta.
Depois de algum tempo os instrumentos se juntaram numa bola no ar e caíram de
volta para as mãos de Pampo. Ele os colocou nos bolsos, limpou o suor da testa, e sorriu
encabulado.
— Formidável! — disse eu. — O senhor realmente é um artista.
— Está brincando comigo.
— Eu o invejo! — retruquei. — Durante alguns momentos o senhor esqueceu-se de
todas as nossas dificuldades. Ele, — e apontei para o albino, — também consegue isso.
Pampo olhou para o gigante gordo, pensativo.
— Quanto tempo ele ainda pretende ficar sentado assim?
Eu ergui os ombros.
— Durante dias, se for o caso.
Rorvic parecia ainda mal respirar.
Eu vigiei a porta. Lentamente comecei a duvidar de que ela se abriria novamente.
Talvez os robôs precisassem de meses até novamente terem enchido três caixas com lixo.
Certamente não acontecia todos os dias que três astronautas cuidavam de sujar os
arredores esterilizados.
Pampo foi até a porta e começou a examinar o mecanismo. Eu não me preocupei
com ele, pois estava convencido de que ele não teria êxito.
Quando fiquei com sono, deitei-me no chão, ao lado de Rorvic.
— Eu vou ficar vigiando — prometeu Pampo. — De qualquer modo, não vou
conseguir dormir.
Também eu não conseguia dormir. Eu me irritei com a capacidade de Rorvic de
poder meditar na situação atual.
De repente escutamos ruídos metálicos. Eles vinham do lado de fora.
Alguma coisa estava do outro lado da porta.
— Atenção! — gritei para Cucula Pampo.
Eu agarrei a barra de metal e bati com ela no crânio sem cabelos de Rorvic.
— O senhor vai matá-lo! — gemeu Pampo, horrorizado.
— Não tenha medo — acalmei-o. — Ele está acostumado a coisa pior.
Rorvic acordou bocejando. Eu levei minha cabeça junto do seu ouvido e gritei:
— A porta vai ser aberta!
Isso ajudou. Ele estremeceu e levantou-se rapidamente. Sua mão direita tateou a
careca, sentindo o galo que crescia rapidamente. Ele franziu a testa.
— O que é isso? — quis ele saber, desconfiado.
Eu tinha colocado o cano de metal contra a parede, atrás dele, de modo que ele não
pudesse vê-lo. Mesmo assim fiquei contente que a porta, deslizando para um lado e se
abrindo, me livrou de uma resposta.
Lá fora estava um veículo em formato de funil, carregado até em cima com raízes
de árvores.
— Para fora, depressa! — gritou Rorvic.
O veículo rolou ao nosso encontro, mas de um lado havia espaço suficiente para
podermos nos esgueirar para fora. Rorvic ficou bem junto da parede do pavilhão. Nós
seguimos o seu exemplo, porque tínhamos que recear um ataque dos robôs, logo que
puséssemos os pés no ar livre.
Atrás de nós a porta se fechou. O veículo robotizado agora estava ocupado em
entregar a sua carga às aranhas metálicas, que por sua vez a jogariam num monte de lixo.
Pampo olhou, amedrontado, para o espaçoporto, que alcançava o horizonte.
— Fiquem sempre logo atrás de mim! — ordenou Rorvic.
Nós nos movimentávamos junto à parede do pavilhão. A cerca de cem metros
distante de nós um enxame de objetos voadores globulares passou em altíssima
velocidade.
— Certamente são robôs de reconhecimento — observou o albino. — Eles
naturalmente estão revistando o espaçoporto à procura de lixo.
Isso significava que nós devíamos prestar muita atenção nesses objetos pequenos.
Com a velocidade que eles mantinham, me parecia impossível escapar deles
continuamente.
Nós chegamos ao fim do pavilhão. Rorvic espreitou pelo canto. Depois tateou
novamente sua cabeça.
— Antes de prosseguirmos, eu gostaria de saber o que significa isso — disse ele,
com uma voz que parecia de alguém adormecendo. — Capitão a Hainu, fale o senhor!
— Por que pergunta a mim? Não tenho a menor ideia. Talvez o senhor tenha um
metabolismo especial. Afinal de contas, não é a primeira vez que o senhor descobre galos
misteriosos nau sua cabeça.
— Antigamente eram apenas galos pequenos — corrigiu-me Rorvic. — Isso eu
ainda podia entender. Mas essa coisa, — ele esfregou o galo com a ponta dos dedos, —
pode arrebentar a qualquer momento.
— Eu disse que o senhor devia ter cuidado! — lastimou Pampo.
O seu medo de que Rorvic pudesse se virar contra ele o transformara num traidor.
Eu lhe joguei um olhar furioso.
— Eu fiz isso no seu próprio interesse — disse eu ao albino. — Se eu não tivesse
batido com força, o senhor agora ainda estaria sentado no pavilhão, meditando.
Felizmente Rorvic decidiu-se a tratar, em primeiro lugar, de nossas dificuldades. Eu
sabia, entretanto, que ganhara apenas um prazo de clemência. Rorvic voltaria novamente
a falar do seu galo.
— Até o próximo edifício são mais ou menos duzentos metros — avaliou o
engenheiro de ultrafrequências. — Nós não temos outra escolha que não recuarmos, de
edifício a edifício, até alcançarmos o space-jet. Ali devíamos ficar mais ou menos em
segurança, pois o toque de ordem dos robôs se limita ao espaçoporto.
Eu me lembrei daquela coisa que tinha saído de dentro do rio. Este acontecimento
foi o que me fez duvidar da convicção de Rorvic. Entretanto não falei nada.
— Não precisamos, todos os três, correr um risco ao mesmo tempo — continuou o
grande terrano. — Eu agora vou tentar alcançar o próximo edifício. Se der certo, vocês
me seguem um pouco mais tarde. Caso contrário, vão ter que pensar em alguma maneira
de como conseguir chegar ao space-jet, por um outro caminho.
Estas eram palavras sem consolo, pois como nossos aparelhos energéticos não
funcionavam, somente havia o caminho sugerido por Rorvic.
Dalaimoc Rorvic saiu correndo.
Apesar de ter que carregar todo o seu equipamento, ele conseguiu uma velocidade
surpreendente e em poucos instantes alcançara o seu destino. Ele nos acenou, da sombra
do próximo edifício. Isso significava que tudo estava em ordem.
— Agora chegou a sua vez, Cucula Pampo — disse eu para o músico-favalo.
Ele me olhou, amedrontado.
— Vamos — eu o estimulei, enquanto os meus olhares procuravam nos céus os
robôs de busca voadores. — O senhor vai conseguir.
Era evidente que ele não dividia comigo a confiança demonstrada, mas verificou
que não tinha outra escolha. Ele saiu correndo, deslocando estranhamente o seu corpo
magro. Ele jogava suas pernas compridas para a frente, para poder dar passadas bem
grandes. Apesar disso, precisou de muito mais tempo que Rorvic, que certamente já
esperava impaciente por nós.
Mal Pampo tinha alcançado o edifício próximo, quando eu também abandonei
nosso esconderijo. O lugar que eu tinha que atravessar me parecia muito grande,
gigantesco. Eu esperava ouvir o ruído característico dos robôs amantes da ordem, porém
consegui chegar, sem ser molestado, junto dos outros dois homens.
Rorvic estava sentado em cima de um dos pedestais, que saíam do chão por toda a
parte.
— Parece que vai dar certo — verificou ele, satisfeito. — Desta maneira poderemos
alcançar nossa nave-auxiliar.
Neste momento ele se dissolveu diante dos nossos olhos. Ele desapareceu como se
jamais tivesse existido. Pareceu-me que sobre o pedestal em que Rorvic estivera sentado
o ar estava cintilando.
Pampo e eu olhamos, horrorizados, para o lugar de onde Rorvic acabara de nos
falar.
Eu estendi ambas as mãos, para verificar se inesperadamente o microdefletor de
Rorvic tinha começado a funcionar, porém minhas mãos não tocaram em nada.
— Ele desapareceu! — gemeu Pampo, respirando com dificuldade.
— Capitão Rorvic! — gritei. — Onde está? Pode me ouvir?
— Pelo amor de Deus! — lastimou-se o músico-favalo. — Se o senhor grita desse
jeito vai chamar a atenção dos robôs para nós.
Eu parei imediatamente.
— Mas isso é impossível! — Pampo girou sobre seu próprio eixo. — Ele não pode
simplesmente dissolver-se no ar.
Eu engoli em seco. Somente agora eu me dei conta de quanto Pampo e eu
confiávamos no Capitão Dalaimoc Rorvic e nas suas decisões.
4
Dados Técnicos:
***
**
*
O comando de reconhecimento da Good Hope
recebeu ordens para regressar, e os homens
obedeceram — exceto um deles.
Este, que tem planos muito especiais, é Sandal, o
Vingador...
Sandal, o Vingador — é o título do próximo
número da série.
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?
cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1