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J .E.S. Soares
Furnas Centrais Elétricas S.A., Rio de Janeiro, Brasil
C.F. Politano
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO: Este trabalho apresenta uma ruptura sucessiva de massa de solo coluvionar, aterro e
solo residual de grandes dimensões (superior a 2.800.000 m3 ) ocorrido em 27 fevereiro de 1985,
em uma encosta da Serra do Mar (costa sudeste do Rio de Janeiro). A principal causa da ruptura
foi a saturação do aterro, associada a elevação do lençol freático dentro da massa de solo
coluvionar/tálus. Os cálculos da estabilidade da encosta, baseados cm levantamentos geológicos e
investigações geotécnicas de campo e de laboratório, anteriores e posteriores a ruptura,
confirmaram a hipótese de ruptura sucessiva.
ABSTRACT: This paper prcsents a sucessive failurc of considerable volume (over 2.800.000m 3 ) in
colluvional, backfill and residual soil mass which occurred in fcbruary 2i1\ 1985 in the "Serra do
Mar•· scarpment (southern coast of Rio de Janeiro state). The major cause of slope failure was the
saturation of backfill, associated to a rise of the water table in the colluvional/talus mantle. The
slope stability analysis, based on geological survey, laboratory and field geotechnical
invcstigations, before and after the failure, corroborated the sucessive failure hypothesis.
475
Foto 1: Encosta de Piraquara antes da ruptura
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chuva no trecho a montante da BR-101. Esta ao terreno natural (solo coluvionan
infiltração foi ocasionada pela drenagem Na zona virgem, identificada pela vege:.:.;.:.:-
pluvial insuficiente da rodovia, agravada pela tropical, encontrava-se o tálus formado pc:
má localização do bueiro transversal, situado a grandes quantidades, de blocos e matacõ--~
160m do talvegue, como observa-se na Figura (rolados das cotas mais altas), principalmente
1. dentro dos talvcgues, envolvidos por solo
O mapeamento geológico efetuado antes da coluvionar argiloso, sobrejacente ao solo
ruptura global (Figurn 1) dividiu a área da residual.
encosta à jusante da BR-l01 cm duas zonas: A montante da BR-101 existia um pequeno
uma zona modi ri cada, que abrangia o trecho talvcgue natural, formado dentro do solo
entre a estrada (elevação + 107111) e à metade residual jovem de gnaisse (solo saprolito),
da encosta (clcva~·ào J 60m), e uma zona limitado por duas formações rochosas. Este
,·irgem, localizada no trecho da meia encosta talvcgue somente apresentava fluxos d'água
até o mar. nos períodos chuvosos, mantendo-se seco nos
A zona modificada, aiterada da sua situação demais dias, devido ao fato da bacia de
natural pela construção da BR-1 O1, contribuição ser relativamente pequena
caractcri.rnva-se pela existência de uma (77.000nl) e da inclinação do terreno acima
camada de material l,ansporlado pelo homem da BR-101 ser bastante íngreme (33º).
(aterro e bola-fora da conslru '.ào) sobre 1osto
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1.1. Histórico Na Figura 5 estão desenhadas as
precipitações pluviométricas mensais no
Em meados de fevereiro de 1980, ocorreram as período de janeiro de 1977 a dezembro de
primeiras movimentações na zona modificada 1987. As precipitações pluviométricas
envolvendo o aterro da rodovia, com o registradas nos meses de janeiro e fevereiro de
aparecimento de inúmeras trincas no terreno e 1985 (611mm e 531mm respectivamente), bem
no asfalto, com desnível de até 10cm. como a precipitação anual (2546mm) foram
A causa principal desta movimentação foi a respectivamente bem acima das médias
obstrução do bueiro, ocasionada pelo mensais e da média anual de 1841mm neste
desprendimento de uma pequena capa de solo período.
saprolítico (com 4m de espessura) à montante
da BR-101, que acarretou a infiltração e
saturação do aterro. A precipitação
pluviométrica neste mês foi relativamente
baixa (320mm), o que confirma a obstrução do
bueiro como sendo a causa principal desta
primeira movimentação.
Nas investigações de campo, realizadas
entre 1980 e 1985, foram observados vários
escorregamentos superficiais ao longo do
talude do aterro e do bota-fora da zona
modificada. Também pode-se concluir que as
movimentações da encosta somente ocorreram ASSOREAMDffD
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478
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Figura 6: Precipitação diária de janeiro de 1985 Figura 7: Precipitação diária de fevereiro de 1985
Na Figura 8 está apresentada o perfil Após a ruptura foram executadas mais 8
geotécnico longitudinal da encosta, com a sondagens mistas para a elaboração do projeto
topografia antes da ruptura. Pode-se observar de um viaduto (Figura 4).
que a espessura máxima da massa de solo Para definir as características gcotécnicas do
rompida era de 55m no trecho da BR-101. aterro, do solo coluvionar e do solo residual
A sondagem mista SM-3 executada no leito foram executados ensaios de caracterização e
do aterro, que terminou com 44,5m sem atingir de cisalhamento cm amostras indeformados,
o critério de impenetrável à percussão, revelou retiradas de poços de inspeção, e cm amostras
a existência de uma camada de aterro com semi-deformadas tipo Denison ..
26m de espessura ( com SPT- 6, praticamente
constante com a profundidade), uma camada 1.4. Litologia e fü·truluras Geológicas
de colúvio com 12m (SPT médio de 17) e solo
residual jovem, muito compacto, com O mapeamento geológico definiu que as
espessura superior a 6,5m (com SPT de 28 a litologias predominantes nesta encosta são o
48 crescente com a profundidade). Com a granito e o gnaisse. O granito em geral não
topografia executada após a ruptura, pode-se possui foliação e o gnaissc apresenta direção
concluir que a espessura deste solo residual, predominante de N50º-60ºW mergulhando 70º-
sob o aterro, era da ordem de 20m. 80ºN. As juntas de alívio de tensão ou
Entre os deslizamentos de encostas de solos dcsplacamcnto estão sempre presentes neste
coluvionarcs com registro de documentação tipo de rocha e ocorrem paralelas à superfície
técnica (Tabela 1), o deslizamento de topográfica.
Piraquara foi o que envolveu maior volume de Secundariamente ocorrem o diorito e o
solo (superior a 2,8 milhões de metros diabásio sob a forma de veios, diques e corpos
cúbicos). A causa principal foi a saturação do intrusivos, diagonalmente a encosta.
aterro, devido a drenagem insuficiente da BR
101, e a elevação do lençol freático dentro da 1.5. Solos
massa de solo coluvionar, num período de
intensa precipitação pluviométrica. Os solos que caracterizam a encosta de
Piraquara são comuns na região e podem ser
1.3. lnvestigaçfh's geotéc11icas divididos cm: solos residuais, solos
coluvionarcs e tálus.
Antes da ruptura da encosta foram executadas Os solos residuais são provenientes da
19 sondagens mistas, sendo 8 ao longo do decomposição química das rochas locais. Na
aterro para o projeto de uma obra de camada superior ocorre o solo residual maduro
contenção, e 11 na parte inferior (zona virgem) (argilo-siltoso ), sobrejacente ao solo residual
para definição das características geotécnicas jovem (silte argiloso ou arenoso), ambos
da massa de solo coluvionar. sobrepostos a rocha alterada.
Cota 95, Via Anch1c1a Vargas (1900) 65 230 3(1 15" E5cavação no
(SP) r,é da t.'"11cosla
Rua Comendador llcmc(l%9) 80 320 20 17"
Marlmclh (R.T)
Angra dos Reis (RJ) Sandroni ( 1982) 90 JJO 120 20 !(,º 800.000 l'sca\'açilono
pé da encoi;;ta
Morro úos Urubus Moreira (1974) 50 220 120 17 17" 450000
(IU)
Fnhurgo (RJ) não publicada 80 300 100 8 16" 250000 Intensa
Precipitação
Puaquara ( RJ ) 185 600 200 40 J Iº > 2.800.000 Intensa
Prccipilaçiio
480
LEGENDA
~ BOTAFORJ.
E3 ATERRO ~
0
~ SOLO COLUVIONAR a:
~ ISO
~ SOLO RESIDUAL
~ SOLO SEOIIIE!IT,U
-
t N • QOLPES / 30 CII
(INOICE OE RESISTtHCIA A ~ENETRAÇ10 MEDIA)
PRC<i-SONOAGEM PROJETA DA
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482
Nos ensaios de cisalhamento direto pode-se surgiram na metade da pista de rolan:e::~
observar uma redução acentuada na ao longo do corpo estradal;
resistência, quando o material passa do estado • a extremidade inferior definida pelas trincas
natural para o saturado. na pavimentação da estrada de acesso a
praia e pelas fendas no terrenos;
Tabela 2: Resultados dos ensaios de resistência Nos levantamentos de campo efetuadas nos
SOLO ENSAIO r.,(kN/mj r(kPa) •ri
aterro (B) eis. direto 17,6 51 29 meses de janeiro e fevereiro de 1985,
aterro (B) eis. direto 17,4 50 34 observou-se surgências ("minas") de água
ah..-rro (lll eis. direto 17,3 70 27
colu\i.onar (l3) eis. direto 18,4 10 32,5 próximas a El. +60m e existência de .águas
coluvtonar (B) eis. direto 18,3 59 33 superficiais percolando entre os matacões do
coluvmnar (R) CIS. direto 18,3 o 36
coluvionar (13) eis. direto 18,3 (19,6) (22) o (39) 41 material de bota-fora, o que indica que o nível
colu,ionar (T3) tria,ialCD 18,2 o 38 do lençol freático estava bem próximo a
aterro \Dl eis. direto • 18,2 [19,9) (38) 23 (39) 30
alCITO (D) eis. direto • 18,3 [19,9) (57) 30 (38) 33 superficie do terreno.
residual (D) eis. direto • 20,0 (20,5] (81) 33 (38) 38 Cabe salientar que, no levantamento
residual (D) eis. direto • 18,8 (19,7) (98) 13 (48) 37
colu'wionar (Dl eis. direto • 16,2 (18,3) (35) 10 (38) 34 geológico efetuado uma semana antes da
coluvionar (Dl eis. direto • 16,5 [18,9) (50) 19 (38) 34 ruptura não foram encontradas trincas ou
residual (O) •eis. direto • 15,2 [18,41 (10) 8 (43) 43
(B): amostra de bloco mdeforrnávcl (D): amostra de Dcnison
fendas no trecho à montante da BR-101 (até a
•: ensaios executados cm 1982. El.+200m) nem no trecho abaixo da El. +30m.
obs.: os parâmetros de resistência e e +entre parênteses correspondem No dia anterior a ruptura o tráfego estava
aos ensaios em amostras naturais (não cmbebidos),e os valores de y
entre colchetes correspondem ao 'Ysai- sendo feito por um desvio mais a montante,
As amoslras de solo residual foram rct1radas d:ls camad:is sur,eficiais
com 12<SPT<28.
porque metade da pista tinha sofrido um
abatimento de 0,60m. Os dados acima
reforçam a hipótese de ruptura sucessiva.
2. RESULTADOS A segunda ruptura, do tipo planar, ocorreu
ao longo do contato solo saprolítico/rocha sã
A retroanálise foi realizada através do deixando a rocha completamente exposta,
programa SLOPE-W, utilizando-se os métodos revelando a esfoliação esferoidal e
de cálculo de estabilidade de taludes de Janbu descascamento superficial.
e Bishop simplificado. A superficie de deslizamento foi
Para o cálculo da estabilidade dos taludes determinada pelo levantamento topográfico
foram --dotados os parâmetros de resistência ao efetuado após a ruptura que definiu com
cisalhamento apresentados na Tabela 3 precisão a inclinação da rocha (41 ° com a
horizontal) e seus limites.
Tabela 3: Parâmetros utilizado!; nas análises O objetivo da retroanálise da primeira
Solo v..,(kNlm'l e (kPa) d,/°l
aterro 19,9 50 34 ruptura foi definir o nível do lençol freático
colu"ionar 18,4 30 36 que correspondesse ao fator de segurança
sanrolilico 20,1 20 45
obs.: para o solo residual Jovem (solo saprolít1co), muito compacto
unitário.
(SPf>>40), foram infendos parümetros de resistência, baseados cm Na Figura 9 estão apresentadas de forma
experiências locais ..
simplificada as superficies de deslizamento das
Para a análise da ruptura sucessiva adotou- duas rupturas e as posições do nível d' água
se duas superfícies de deslizamento distintas, utilizadas nos cálculos de estabilidade
bem definidas pelos mapeamentos geológicos Na Tabela 4 estão resumidos os resultados
efetuados antes e' após a ruptura. das retroanálises efetuadas.
A primeira ruptura ocorreu basicamente Tbl4Rt
a ea e roanaT1se das rup1turas sucessivas
dentro da massa de solo coluvionar/tálus e Posição do NA Fatores de se!!Uranca Observacão
aterro. A superficie de deslizamento foi muito 1 0,.999 -1" ruolura
2 1,131 lª ruplura
bem identificada pelo mapeamento de campo,
3 1,229 1• ruptura
conforme descrito abaixo: 4 1,387 1• ruptura
• a extremidade superior limitada pelas 5· 1,427 1• ruptura
fendas de tração (da ordem de 30 cm) que 6 1,066 2• ruotura
obs.: As posições dos NA estão indicadas na Figura 9
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EL.la5
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LEGENDA
POSIÇÕES 00 NA.
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PROVAVEL SUPERFICIE DA ROCHA
ESTRADA
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