Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
FONTANA
__________ I Bacharel e licenciada em Pedagogia pela UNICAMP
Ç\ ftó^ Mestre em Psicologia Educacional pela UNICAMP
Qt^v\k^ Docente de Prática de Ensino na Escola de 1? grau na
A^ ^ Faculdade de Educação da UNICAMP
r^ ^ MARIA NAZARÉ DA
W CRUZ
Bacharel e licenciada em Psicologia pela FFCL-USP
Ribeirão Preto — SP
Mestre em Psicologia Educacional pela UNICAMP
Docente de Psicologia Educacional na Universidade
Federal de Uberlândia — MG
PSICOLOGIA
í
PEDAGÓGICO
ATUAL
EDITORA
© Roseli A. C. Fontana Maria
Nazaré da Cruz
F679p
Fontana, Roseli
Psicologia e trabalho pedagógico / Roseli Fontana, Maria Nazaré da Cruz. —
São Paulo : Atual, 1997.
240p. cm. — (Formação do educador).
ISBN 85-7056-902-5
Suplementado por manual do professor.
Inclui bibliografia.
1. Psicologia educacional. 2. Psicologia da aprendizagem. I. Cruz, Maria
Nazaré da. II. Título. III. Série.
CDD-370.15
Desenvolvimento de produto
Gerente: Wilson Roberto Gambeta Editora: Vitória
Rodrigues e Silva Assessora editorial: Oscarina Camillo
Editor de texto: Noé G. Ribeiro
Preparação de texto: Célia Tavares
Editora de arte: Thaís de Bruyn Ferraz Pesquisa iconográfico: Cristina
Akisino Projeto gráfico: Irineu Sanches Projeto de capa: Glair Alonso
Arruda Imagem de capa: Criança brincando, 1876, Thomas Eakins
Produção editorial
Gerente: Cláudio Espósito Godoy Coordenador: Milton M. Ishino Assistente:
Márcia Regina Novaes Revisão: Maria Luiza Xavier Souto (coord.) Vera Lúcia
R Delia Rosa Editor de arte: Celson Scotton Chefe de arte: Irineu Sanches
Diagramação: Renata Susana Rechberger Editoração eletrônica: Silvia Regina
E. Almeida (coord.)/Grace Alves Digitação: Rosângela de Oliveira
Vargas/Wagner I. Pin
Produção gráfica
Gerente: Antônio Cabello Q. Filho
Coordenador: José Rogério L. de Simone Filmes
(D.T.P.): Binhos SARAIVA S.A. LIVREIROS
EDITORES
CENTRAL DE DISTRIBUIÇÃO
Av. Marquês de SãoVieente. 1697 — Barra Funda — 01139-904
São Paulo — SP — Caixa Postal 2362 — Telex: 11 26789
Fone: PABX (0**11) 861-3344 — FAX (()** 11) 861-3308 — FAX - Vendas (0**11) 861-3268
ISBN 85-7056-902-5
Todos os momentos do dia de todos os dias da vida eram para aprender e en-
sinar e de novo ensinar e aprender, vivendo e brincando, trabalhando e sendo...
(Carlos Rodrigues Brandão, Lutar com a palavra.)
V 1
»^^ ntendemos assim a educação: algo sempre presente cm nossas vidas. m mesmo
quando não a percebemos no amontoado de fazeres e saberes _JLBMBH
corriqueiros do cotidiano.
Ela está na voz da mãe que acalanta e na mão do avô que ajuda a criança a
segurar a colher e levá-la à boca. Está na birra e na palmada, no traço marcado na
areia ou no papel, no cabo de vassoura que se transforma em cavalinho.
Não é coisa só da escola... Ela se faz também na escola.
Está na amarelinha riscada no pátio, na letra escrita na lousa, na dobradura, no
problema de matemática, no livro de histórias, nas conversas do recreio.
E assim é porque a prática do fazer-se homem dá-se pelo gesto, pelo jogo, pela
palavra, pela mediação de outros homens, entre risos e choros, silêncios, cumplicida-
des, desigualdades. A educação é expressão do humano.
Como vida que vem sendo tecida e transformada de geração em geração, a edu-
cação é o lugar da psicologia — prática humana de teorização sobre o que somos.
Somos nós a matéria sobre a qual a educação e a psicologia se debruçam. A primeira
no esforço do fazer, do "lavrar e plantar no campo do nosso próprio corpo", como diz
Carlos Rodrigues Brandão. A segunda, na busca do entender e do explicar esse
fazer-se humano.
Orientadas por essas concepções, encaramos o desafio de escrever este livro.
Um livro carregado do desejo de manter vivos e próximos os sons e o movimento das
atividades e das relações entre as pessoas, para que, assim sendo, pudesse nos ajudar,
como professores em atuação e em formação, a estudar a criança, descobrindo a
beleza dos seus modos de dizer e de compreender o mundo.
Um livro em que as teorias não ficassem desgarradas dos fazeres e saberes coti-
dianos e em que os psicólogos e seu trabalho não se convertessem num amontoado
maçante de nomes e idéias que a gente não sabe bem por que teve de aprender.
Para isso, procuramos partir sempre das práticas educativas, tal qual se desen-
volvem na escola, e de sua problematização: Como se processam? Que concepções
acerca do homem e de seu desenvolvimento as sustentam?
Delineadas as questões, voltamo-nos para as explicações e análises desenvolvi-
das pelos estudos em psicologia, buscando aí elementos para discutir e refletir sobre
elas.
Procuramos também entretecer as análises e discussões com episódios escolares
e não escolares, envolvendo as relações entre adultos e crianças e entre crianças,
trazendo, através deles, seus dizeres e sua produção gráfica.
Assim, cada uma das unidades deste livro começa na escola, dialoga em seguida
com os psicólogos, olha para as práticas educativas não escolares constitutivas do
desenvolvimento da criança e volta à escola numa tentativa de releitura do trabalho
pedagógico em seus limites e possibilidades.
Na primeira unidade, a relação entre as práticas pedagógicas e as teorias da
psicologia é tematizada a partir das quatro vertentes teórico-metodológicas que mar-
cam as discussões sobre a especificidade do humano no nosso século: o
inatismo-maturacionismo, o comportamentalismo, o construtivismo piagetiano e a
abordagem histórico-cultural.
Nas três unidades seguintes, privilegiamos como foco de discussão e de análise
o desenvolvimento da atividade da criança, tal qual acontece na escola e fora dela.
Nessas unidades, nossos interlocutores no campo da psicologia são Piaget e
Vygotsky, em cujas explicações nos baseamos para examinar as relações da criança
com a palavra, com o jogo, com o desenho e com a escrita.
Ao final de cada capítulo, você encontrará sugestões de atividades e de leituras
variadas, que poderão auxiliá-lo a retomar o estudo do texto e a realizar pequenos
trabalhos de iniciação à pesquisa, constituídos por observações, levantamento de
dados e análise das práticas educativas e da produção cultural relativa ao desenvolvi-
mento infantil.
Se conseguimos estar próximos de vencer o desafio a que nos propusemos,
você, leitor, é quem nos dirá...
Roseli e Nazaré.
Sumário
Bibliografia............................................................................................................... 226
Unidade 1
■|M
Introdução
fI1
anta coisa acontece na escola. Professores e crianças
aprendem e ensinam, participando de uma rede de re-
■JBL» lações: históricas, sociais, econômicas,
pedagógicas,
afetivas, intelectuais... São múltiplos os olhares possíveis na tentativa
de apreender a complexidade dessa instituição.
A psicologia é apenas um deles. Tematizando os processos de de-
senvolvimento e de aprendizagem, analisando a atividade da criança,
ela vem produzindo conhecimentos que nos possibilitam ler e interpre-
tar certos aspectos do ensinar e aprender.
Mas a psicologia não é única. É múltipla. No decorrer deste século,
importantes vertentes teóricas foram construídas e deixaram suas mar-
cas na educação. São elas que abordaremos, nesta primeira unidade,
tematizando, ainda, a relação entre as teorias e a prática pedagógica.
No capítulo 1, apresentaremos um modo de conceber as relações
entre psicologia e educação, trazendo também um pouco da história
social da criança e do estudo científico existente sobre ela.
No capítulo 2, trataremos da abordagem inatista-maturacionista.
No capítulo 3, da abordagem comportamentalista.
No capítulo 4, da abordagem piagetiana.
No capítulo 5, da abordagem histórico-cultural.
Nesses quatro capítulos, enfocaremos os conceitos fundamentais
relacionados a cada uma dessas abordagens, apresentando seus princi-
pais teóricos e uma amostra das pesquisas que as fundamentam, e apon-
taremos as influências que exerceram e ainda exercem na escola e no
trabalho pedagógico.
No capítulo 6, discutiremos as relações entre teoria e prática.
Capítulo 1
A psicologia na escola
• os conteúdos trabalhados;
• os recursos utilizados pela professora;
• as atividades realizadas pelas crianças;
• a movimentação das crianças e da professora;
• acontecimentos "não previstos":
a) interrupções da aula;
b) situações de briga, choro, doença, falta de material;
c) situações em que a professora perdeu a paciência;
d) assuntos sobre os quais a professora e os alunos falaram que vo-
cê considera não pertinentes aos conteúdos trabalhados;
• reação das crianças à sua presença.
Problematizando a observação
Sugestão de leituras
A abordagem
inatista-maturacionista
Binet concebia a inteligência como uma aptidão geral que não de-
pende das informações ou das experiências adquiridas no decorrer da 13
vida do indivíduo. Segundo ele, as principais características da inteli-
gência seriam as capacidades de atenção, de julgamentos de adaptação
do comportamento a objetivos:
Mas, se as pessoas são diferentes umas das outras nas suas apti-
dões, traços de personalidade ou de inteligência, existem também mui-
tas semelhanças entre elas. A maioria dos bebês, por exemplo, torna-se
capaz de se sentar antes que possa se arrastar, engatinhar e depois andar.
Do mesmo modo, quando começa a falar, a criança primeiro diz apenas
palavras isoladas, e só depois junta duas ou mais palavras, formando
frases. Ou, então, antes de desenhar casas, animais ou carros, a criança
rabisca traços e círculos.
Essas seqüências parecem se repetir sempre em relação à maioria
das crianças, o que sugere a existência de certo padrão de desenvolvi-
mento humano. Esse fato tem chamado a atenção de muitos pesquisa-
dores desde as primeiras décadas deste século. Um dos primeiros psicó-
logos a se interessarem por essa questão foi Arnold Gesell, nos Estados
Unidos. Ele se preocupou com a evolução da criança, do nascimento
aos 16 anos, e estudou as formas que seu comportamento vai tomando
no decorrer dessa evolução.
Quem foi Gesell?
Pesquisador norte-americano que viveu entre 1880 e 1961, Gesell
foi o principal expoente das teorias do desenvolvimento que dão maior
ênfase ao papel da maturação. Desde muito cedo, logo que
formado na Escola Normal (Magistério), dedicou-se à
carreira de professor. Foi diretor de colégio e escreveu sua
primeira tese sobre um assunto ligado à pedagogia. Depois
de doutorar-se em psicologia, Gesell retomou o seu trabalho
como professor em uma escola primária. Alguns anos depois,
decidiu-se por fazer o curso de Medicina e assim que o
concluiu foi nomeado professor de Higiene da Criança na
Escola de Medicina de Yale, cargo que ocupou até a sua
aposentadoria.
Em 1915, Gesell passou a empregar a psicologia com
vistas a proporcionar ajuda pedagógica às crianças
desadaptadas. Ele é, por isso, considerado o primeiro
psicólogo escolar norte-americano.
Preocupado com a criação de uma ciência do
desenvolvimento humano que integrasse todos os recursos da psicologia
experimental, da biologia evolutiva e da neurofisiologia, de 1920 a
1961 Gesell dedicou-se à pesquisa científica e à publicação de livros e
artigos.
Pode-se dizer que Gesell foi o primeiro teórico da maturação, uma vez
que defendia a prioridade dos fatores de maturação sobre os fatores de
aprendizagem, ou de experiência, na evolução do comportamento da criança.
Para ele, o que explica a existência de um padrão de desenvolvimento comum
à maioria das crianças é o processo de maturação biológica inerente às
transformações por que passa o comportamento da criança.
Assim, a evolução psicológica da criança seria determinada
biolo-gicamente, do mesmo modo que o crescimento do feto no útero mater-
no. Seus comportamentos e formas de pensar tornam-se mais complexos à
medida que ela cresce, que seu sistema nervoso, sua estrutura muscular, etc.
se desenvolvem. O ambiente social e as influências externas, de modo geral,
limitam-se a facilitar ou dificultar o processo de maturação. Por exemplo, uma
criança que raramente é tirada do berço e deixada à vontade no chão,
certamente vai demorar mais para engatinhar ou andar. Em condições
adequadas, seu desenvolvimento se processaria no ritmo e na seqüência
determinados pela maturação.
Tanto Binet quanto Gesell, acreditando que a inteligência e o desenvolvi-
mento psíquico da criança são biologicamente determinados, preocuparam-se
em descrever comportamentos e habilidades típicos de cada faixa etária.
Binet estava interessado, como já dissemos, em medir e comparar a
inteligência das pessoas. Mas, se podemos medir a altura ou o tamanho
!o dedo de uma criança simplesmente usando uma fita métrica, medir a
ntehgência é bem mais complicado. Enquanto aptidão geral do indiví-
du
o, a inteligência não pode ser medida diretamente, mas apenas atra- 15
vés de algumas de suas realizações. Por isso, para construir um teste de
inteligência, Binet precisava conhecer o que crianças s|o capazes de
fazer em cada idade.
Essa também foi uma necessidade experimentada por Gesell. Preo-
cupado em compreender a evolução da criança, ele procurou estabele-
cer escalas de desenvolvimento que permitissem comparar os compor-
tamentos de uma criança com aqueles que eram esperados, ou conside-
rados "normais", para sua faixa etária.
Mas como foram criados os testes de inteligência e estabelecidas as
escalas de desenvolvimento?
Essa é uma pergunta importante, porque sua resposta nos mostra um
pouco como o conhecimento é produzido na área da psicologia. Partindo
do princípio de que a hereditariedade e a maturação são os fatores mais
decisivos na determinação da inteligência e na evolução do comporta-
mento da criança, tanto Binet quanto Gesell dedicaram-se a pesquisas.
Primeiras 4
semanas de vida: o Entre 4 e 6
dorso do bebê é semanas o bebê
uniformemente tem o dorso
arredondado, arredondado e a
havendo falta de cabeça é erguida
controle da cabeça. por alguns
momentos.
.
Sugestão de atividades
Organizando as informações do texto
Trabalho de campo
1. Para realizar esta pesquisa, cada aluno deverá entrevistar uma pessoa
que tenha filhos (mãe ou pai) e uma professora (de pré-escola ou de
1? a 4? série). Explique à pessoa que você está realizando um trabalho
escolar e precisa da ajuda dela.
• Pergunte à mãe (ou ao pai) sobre o que se lembra a respeito do
desenvolvimento dos filhos. O que mais lhe chamou a atenção
nesse processo? O que foi motivo de encantamento e o que foi
motivo de preocupação? Por quê? Registre ou grave as respostas
obtidas. Caso a pessoa queira lhe mostrar fotos da criança ou anotações
sobre ela, observe-as atentamente e sintetize as informações
proporcionadas por esses materiais.
. Pergunte à professora quais são as situações a que ela presta atenção para
analisar o desenvolvimento de seus alunos. Procure saber o que a
encanta e o que a preocupa em seus alunos. Peça a ela que descreva
algumas situações ou experiências que foram marcantes em seu trabalho
com as crianças. Registre as respostas obtidas.
Exercitando a análise
Sugestão de leituras
A abordagem
comportamentalista
, •» Wm £m
■?;i^' '***//*/
As crianças,
a princípio,
não têm medo
dos
Exercitando a análise
Módulo Instrucional 1
Introdução
JZ i.
Discuta com uma colega
Estude o texto n. 1: sobre Ciência e Tecnologia:
Ciência e Tecnologia Ou
conceitos, diferenças,
interligações.
Resolva o exercício
do Módulo 1.
NÃO
SIM 35 WÊÊÊ
Exercício n? 1, Módulo 1
Isto é urna avaliação. Você deverá realizar o exercício proposto
e, a seguir, verificar suas respostas no gabarito, ao final deste
módulo. O desempenho desejado é o acerto de todas as questões.
Boa sorte!
Marque o que melhor completa cada afirmação:
1. Ciência cuida
(a) da aplicabilidade dos fenômenos físicos, biológicos e químicos.
(b) do estudo dos fenômenos físicos, biológicos e químicos.
(c) da evolução do homem através dos tempos.
36 (d) dos principais fenômenos físicos.
2. Tecnologia cuida
(a) da aplicabilidade dos fenômenos físicos, biológicos e químicos.
(b) dos estudos dos fenômenos físicos, biológicos e químicos.
(c) da evolução do homem através dos tempos.
(d) dos principais fenômenos físicos.
a A Tecnologia é essencialmente utilitária porque
(a) depende do resultado das pesquisas científicas.
(b) estimula a pesquisa dos fenômenos científicos.
(c) completa o estudo dos fenômenos científicos.
(d) aplica os resultados das pesquisas científicas.
Objetivo 2, Módulo 1
Atenção: Se você tiver acertado a questão II da pré-avaliação, está dispensado
deste objetivo. Siga para o objetivo 3, na página 40. Caso contrário, siga o
fluxograma abaixo.
NACk
SIM
Exercício n? 2, Módulo 1
Isto é uma avaliação. Você deverá realizar o exercício proposto
e, a seguir, verificar suas respostas no gabarito, ao final deste
módulo. O desempenho desejado é o acerto de todas as questões.
Boa sorte! ____________________________________
1. Marque apenas as afirmações corretas:
(a) A curiosidade da criança se manifesta a partir de seu ingresso na
escola.
(b) As perguntas infantis demonstram interesse da criança por si pró-
pria e pelo mundo que a cerca.
(c) Dentre as inúmeras perguntas infantis, grande parte reflete curio-
sidade eminentemente científica.
(d) A curiosidade científica infantil se limita aos fenômenos da natureza.
2. Marque'o que melhor completa a afirmação:
Ciências é uma disciplina automotivada porque:
(a) desperta a curiosidade infantil.
(b) aumenta a curiosidade infantil.
(c) opõe-se à curiosidade infantil.
(d) responde à curiosidade infantil.
3. Coloque C ou G conforme as perguntas reflitam curiosidade científi
ca ou geral da criança.
( ) Por que você está de vestido novo?
( ) Por que a água do mar é salgada? '
( ) Afinal, de onde vêm os bebês?
( ) Para que as pessoas pintam o cabelo?
( ) Por que eu tenho que lavar as mãos tantas vezes?
( ) Quando é que começam as férias?
**• Faça a correspondência:
(a) perguntas de resposta imediata
(b) perguntas que favorecem estudos mais profundos (
) quantas patas tem a mosca?
( ) o que é esturjão?
( ) por que as folhas são verdes?
( ) e verdade que a baleia é mamífero?
Objetivo n? 3, Módulo 1
Atenção: Se você tiver acertado as questões III e IV da pré-avalia-ção,
está dispensado deste objetivo. Consulte seu professor. Caso contrário, siga o
fJuxograma abaixo.
Entrada
\k
Resolva o exercício 3, do Módulo 1.
4. ^Y
Consulte seu professor.
NAO
SIM
Texto n? 3, Módulo 1
Exercício n? 3, Módulo 1
Isto é uma avaliação. Você deverá realizar o exercício proposto
e, a seguir, verificar suas respostas no gabarito, ao final deste
módulo. O desempenho desejado é o acerto de todas as questões.
Boa sorte!
1. Marque o que melhor completa a afirmação:
A criança, ao entrar na escola, já apresenta uma base de experiên-
cias científicas e tecnológicas. Isto acontece porque:
(a) as crianças possuem curiosidade científica.
(b) os interesses infantis são muitos e diversificados.
(c) desde que nasce, a criança está em contato com Ciências e Tecno-
logia.
(d) toda a vida social depende, atualmente, da Ciência e da Tecnologia.
2. Marque as afirmações que refletem a base de experiências científicas
e tecnológicas que precede o estudo de Ciências:
(a) Bota a roupa no sol que ela seca depressa.
(b) Estou cansado de tanto correr!
(c) Mamãe, bate as claras na batedeira que é mais rápido e você não
se cansa.
(d) Vou abrir a gaiola pro passarinho ficar livre.
(e) Papai, me compra uma bicicleta de corrida?
(f) Não preciso dar corda no meu relógio porque ele é automático.
Gabarito dos exercícios, Módulo 1
Exercício n? 1
1 —b
2 —a
3 —d
Exercício n?2
\ 1 —b, c \2 —
d
13 — (G), (C), (C), (G), (C), (G) |4
— (b), (a), (b), (b)
Exercício n?3
1 —C
2 — a, c, f.
(Joullié, V. & Mafra, W. Didática de Ciências através de módulos
instrucionais. 2! ed. Petrópolis: Vozes, 1980.)
Trabalho de campo
Sugestão de leituras
A abordagem piagetiana
"Papai, por favor, corte este pinheiro — ele faz o vento. Depois que você
cortar ele, o tempo vai ficar bom e a mamãe me leva para um passeio."
"Mamãe, quem nasceu primeiro, você ou eu?"
(Helen Bee, A criança em desenvolvimento.)
.
Só assim o texto tem algum sentido para você.
Mas, ao mesmo tempo que as idéias e os conceitos do texto são
incorporados ao sistema de idéias e conceitos que você possui, essas
idéias e conceitos já existentes são modificados por aquilo que você leu
(assimilou). Esse processo de modificação que se opera nas estruturas
de pensamento do indivíduo é chamado por Piaget de acomodação.
Tal modo de conceber o funcionamento cognitivo é decorrente do
modelo biológico em que Piaget se baseou. Segundo esse modelo, a
inteligência é um caso particular de adaptação biológica. Um organis-
mo adaptado ao meio é aquele que mantém um equilíbrio em suas tro-
cas com o meio. Ou seja, é aquele que interage com o ambiente manten-
do um equilíbrio entre suas necessidades de sobrevivência e as dificul-
dades e restrições impostas pelo meio. Essa adaptação torna-se possível
graças aos processos de assimilação e de acomodação (que, juntos,
constituem o mecanismo adaptativo), comum a todos os seres vivos.
Assim, a inteligência é assimilação por permitir ao indivíduo incor-
porar os dados da experiência. É também acomodação, pois os novos
dados incorporados acabam por produzir modificações no funciona-
mento cognitivo da pessoa. Logo, "a adaptação intelectual, como qual-
quer adaptação, é exatamente o equilíbrio progressivo entre o mecanis-
mo assimilador e a acomodação complementar" (Azenha, 1994: 26JT
Segundo Piaget, Ao mesmo tempo que, por meio do processo de assimilação/acomoda-
os reflexos, como ção, o indivíduo adapta-se ao meio (elaborando seu conhecimento sobre
o de preensão,
possibilitam ao ele), o seu próprio funcionamento cognitivo vai se estruturando, se organi-
bebê lidar com zando. Uma das primeiras formas de organização cognitiva é o esquema.
elementos do
ambiente,
assimilando-os. A noção de esquema
A criança, ao nascer, é dotada de reflexos que são
reações automáticas desencadeadas por certos estímu1-los.
Esses reflexos (como o de sucção e o de preensão)
possibilitam ao bebê lidar com o ambiente. É através
deles que elementos do meio ambiente (como a chupeta, o
seio materno, a mamadeira, o patinho de borracha, etc.)
vão sendo assimilados pela criança. A assimilação, como
vimos, provoca uma transformação dos reflexos, que
gradativamente vão se diferenciando e se tornando mais
complexos e flexíveis, deixando de ser simples respostas
estereotipadas a estímulos determinados. Esse processo
dá origem a esquemas de ação, tais como pegar, puxar,
sugar, empurrar, etc.
Para entender o que é um esquema de ação, pensemos
no esquema de preensão. Um bebê pode pegar;— por
exemplo, um pequeno cubo de madeira, uma boi a mamadeira ou o dedo
de alguém. Relativamente a cada um desses objetos, a ação de pegar
apresenta pe quenas diferenças quanto aos movimentos que a criança
46 realiza. No entanto, em todas essas situações a ação da criança apresenta
determina-
das características que permitem chamá-la de pegar e que a diferenciam He
outras ações, como puxar, balançar ou empurrar. O esquema de ação t
A organização do
justamente, o que é generalizável em uma ação, o que permite reconhecê-la e real, por meio da
diferenciá-la de outras ações, independentemente do objeto a que se aplica. ação, marca o
É por meio dos es- È j início do
quemas de ação que a criança
começa a conhecer a
realidade, assi-milando-a e
atribuindo-lhe
significações. Quando pega
a mamadeira, ela a
relaciona a seu esquema
"pegar" e atribui-lhe o
sentido de um objeto "que
se pega". Mas a criança
também aplica à mamadeira
o esquema "sugar". Essas
assimilações provocam
transformações nos
esquemas
"pegar" e "sugar", à medida que eles são acomodados ao objeto mamadeira. desenvolvimento
Os esquemas "pegar" e "sugar" acabam então por se coordenar. cognitivo da
Vê-se que, mediante sucessivas assimilações e acomodações, o bebê vai criança.
conhecendo os objetos de seu mundo imediato. Eles são organizados em
objetos "para olhar", "para pegar", "para sugar", "para empurrar", "para
morder", "para olhar e pegar", "para pegar e sugar", "para pegar e morder", e
assim por diante.
A organização do real por meio da ação marca o início do desenvolvi-
mento cognitivo da criança. De acordo com Piaget, os esquemas de ação
ampliam-se, coordenam-se entre si, diferenciam-se e acabam por se
interiorizar, transformando-se em esquemas mentais e dando origem ao
pensamento. Esse desenvolvimento contínuo dos esquemas se dá no sentido
de uma adaptação cada vez mais complexa e diferenciada à realidade.
A noção de equilibração
O processo de desenvolvimento depende, na perspectiva piage-üana, de
fatores internos ligados à maturação, da experiência adquirida P ela criança em
seu contato com o ambiente e, principalmente, de um Processo de
auto-regulação que ele denomina equilibração.
Para Piaget, a equilibração é uma propriedade intrínseca e constj-
*tMtiva da vida mental. Por meio dela é que se mantém um estado de
■RUüíbrio ou de adaptação em relação ao meio, Toda vez que, em nossa
re
lação com o meio, surgem conflitos, contradições ou outros tipos de
dificuldade, nossa capacidade de auto-regulação ou equilibração entra
em ação, no sentido de superá-los. Quando, por exemplo, um bebê tenta
pegar um objeto pendurado sobre o berço, o objeto pode oferecer algu-
ma resistência a seu esquema de pegar, que, em desequilíbrio, obriga-o
a modificá-lo ou a coordená-lo com outro esquema, como o de puxar.
Essa atividade da criança — a acomodação ou coordenação de seus
esquemas de ação — é desencadeada graças à sua capacidade de
auto-regulação, com o objetivo de compensar a resistência oferecida
pelo objeto e alcançar um novo estado de equilíbrio.
Quando falamos em alcançar um novo estado de equilíbrio, quere-
mos destacar que o processo de equilibração não consiste numa volta ao
estado anterior, mas leva a um estado superior em relação ao inicial. No
caso de nosso exemplo, o fato de a criança não conseguir pegar o objeto
já indica que seus esquemas precisam ser aperfeiçoados. A
reequilibra-ção, por meio da acomodação ou da coordenação de seus
esquemas, implica uma ultrapassagem da situação anterior, uma
abertura para novas possibilidades de ação.
O período sensório-motor
O período pré-operatório
F
onte: Nossas crianças. Abril Cultural, 1970. v. 4.
Pesquisa de campo
Exercitando a análise
Sugestão de leituras
Filme recomendado
A abordagem
histórico-cultural
O interesse em explicar como se formaram, ao longo da história do L. S. Vygotsky.
homem, as características tipicamente humanas de seu comportamento
e como elas se desenvolvem em cada indivíduo constitui a base da abor-
dagem histórico-cultural em psicologia, desenvolvida por um grupo de
psicólogos soviéticos liderado por L. S. Vygotsky.
O princípio orientador da abordagem de Vygotsky
é a dimensão sócio-histórica do psiquismo. Segundo
esse princípio, tudo o que é especificamente huma-
A no e distingue o homem de outras espécies origi-
na-se de sua vida em sociedade. Seus modos de
perceber, de representar, de explicar e de atuar
sobre o meio, seus sentimentos em relação ao
mundo, ao outro e a si mesmo, enfim, seu fun- ,
cionamento psicológico, vão se constituindo |
nas suas relações sociais.
A criança, analisam Vygotsky e seus cola-
boradores, não nasce em um mundo "natural". Ela
nasce em um mundo humano. Começa sua vida em
meio a objetos e fenômenos criados pelas gerações
que a precederam e vai se apropriando deles
conforme se relaciona socialmente e parti cipa das
atividades e práticas culturais.
Desde o nascimento, a criança está em constante
interação com os adultos, que compartilham com ela seus
modos de viver, de fazer as coisas, de dizer e de pensar,
integrando-a aos significados que foram sendo produzidos e
acumulados historicamente. As atividades que ela realiza,
interpretadas pelos adultos, adquirem significado no sistema de
comportamento social do grupo a ^e pertence.
Nesse processo interativo, as reações naturais — herdadas
biologi-camente — de resposta aos estímulos do meio (tais como a
percepção, a Memória, as ações reflexas, as reações automáticas e as
associações
simples) entrelaçam-se aos processos cultu-
ralmente organizados e vão se transforman-
do em modos de ação, de relação e de repre-
sentação caracteristicamente humanos.
"Podemos dizer que cada indivíduo
aprende a ser homem", escreveu Leontiev
um dos psicólogos que integravam o grupo
de Vygotsky.
Assim, de acordo com a perspectiva
his-tórico-cultural, a relação entre o homem
e o meio físico e social não é natural, total e
diretamente determinada pela estimulação
ambiental. E também não é uma relação de
adaptação do organismo ao meio.
Questionando as teorias psicológicas
de seu tempo, entre as quais aquelas que se
apoiavam em modelos biológicos para expli-
car o desenvolvimento humano (como as
que já estudamos até aqui), Vygotsky desta-
cava que, diferentemente das outras espé-
cies, o homem, pelo trabalho, transforma o
meio produzindo cultura.
O uso de signos
0 signo é comparado por Vygotsky ao instrumento e denominado por ele
"instrumento psicológico". Tudo o que é utilizado pelo homem P ara
representar, evocar ou tornar presente o que está ausente constitui Urn signo: a
palavra, o desenho, os símbolos (como a bandeira ou o ernblema de um time
de futebol), etc.
Enquanto o instrumento está orientado externamente, ou seja, para a
Codificação do ambiente, o signo é internamente orientado, modifi-Car|do o
funcionamento psicológico do homem.
Utilizamos os signos para desempe_
nhar diversas atividades. Anotar um
compromisso na agenda, fazer uma lista
de convidados, colocar rótulos em objetos,
usar palitos para fazer contas, contar uma
história, seguir uma partitura musical,
fazer a planta de uma construção são
formas de utilização de signos que'
ampliam nossas possibilidades de me-
mória, raciocínio, planejamento, imagi-
nação, etc.
De acordo com a concepção
históri-co-cultural, é importante
considerar que a utilização dos
instrumentos e dos signos não se limita à
experiência pessoal de um indivíduo.
Quando utilizamos um martelo, por
exemplo, estamos incorporando a nossas
ações as experiências das gerações pre-
cedentes, uma vez que o próprio martelo, o
modo de manipulá-lo e a finalidade de seu
uso nos são transmitidos nas nossas
relações com o outro. O acesso à escrita,
às notações musicais, às convenções gráficas e à palavra, por sua vez,
E através dos também se faz na interação com outras pessoas, sendo uma
signos que
realizamos
incorporação de experiências anteriores de determinado grupo cultural.
muitas de nossas No caso da linguagem, que é o sistema de signos mais importante para
ações. o homem, os significados das palavras são produto das relações
históricas entre os homens.
O papel da escolarização
O modo como Vygotsky concebia e analisava o desenvolvimento
humano levou-o a discutir explicitamente o papel da escolarização. Di-
ferentemente de outros psicólogos, Vygotsky considerou as
espe-cificidades das relações de conhecimento produzidas na escola,
distin-guindo-as das relações de conhecimento cotidianas.
Em nossas sociedades, a escola é uma instituição encarregada de
possibilitar o contato sistemático e intenso das crianças com o sistema
de leitura e de escrita, com os sistemas de contagem e de mensuração,
com os conhecimentos acumulados e organizados pelas diversas disci-
plinas científicas, com os modos como esse tipo de conhecimento é
elaborado e com alguns dos variados instrumentos de que essas ciências
se utilizam (mapas, dicionários, réguas, transferidores, máquinas de
calcular, etc).
As relações de
conhecimento
travadas na
escola têm uma
natureza distinta
das demais.
65
Embora chegue à escola já dominando inúmeros conhecimentos e
modos de funcionamento intelectual necessários à elaboração dos co-
nhecimentos científicos sistematizados, durante o processo de educa-
ção escolar a criança realiza a reelaboração desses conhecimentos me-
diante o estabelecimento de uma nova relação cognitiva com o mundo e
com o seu próprio pensamento.
O estudo da aritmética, por exemplo, não começa do zero. Ao che-
gar à escola a criança já passou por experiências anteriores relativas a
quantidades, determinação de tamanho, operações de divisão, adição etc.
O mesmo acontece quanto à escrita e às operações mentais utilizadas em
situações do cotidiano. Nas brincadeiras, nas tarefas da casa, nas compras
que faz para a mãe, a criança, imitando os mais velhos, "escreve",
classifica, compara, seria, estabelece relações entre os elementos de uma
situação, etc. Nessas situações, sem que ela própria e seus parceiros
sociais percebam, os conhecimentos vão sendo elaborados ao ritmo da
própria vida, entrelaçados às emoções, às necessidades e interesses
imediatos da atividade em que está envolvida. _„ Na escola, as
condições se modificam. Ali as relações de conhecimento são
intencionais e planejadas. A criança sabe que está ali para apropriar-se
de determinado tipo de conhecimentos e de modos de pensar e de
explicar o mundo, organizados segundo uma lógica que ela deverá
apreender.
—Ç> A professora acompanha a criança: orienta sua atenção, destacan-
do elementos das situações em estudo considerados relevantes à com-
preensão dos conhecimentos nelas implicados; analisa as situações para
e com a criança e leva-a a comparar, classificar, estabelecer relações
lógicas; demonstra como usar determinados procedimentos da
matemática e da escrita; ensina a utilizar o mapa, os equipamentos de
laboratório, etc.
A criança, por sua vez, raciocina com a professora. Segue suas ex-
plicações e instruções, reproduz as operações lógicas realizadas por ela,
mesmo sem entendê-las completamente. Nessas situações compartilha-
das com a professora, a criança aprende significados, modos de agir e
de pensar, e começa a elaborá-los. Ela também re-significa e reestrutura
significados, modos de agir e de pensar, e começa a se dar conta das
atividades mentais que realiza e do conhecimento que está elaborando.
Nesse sentido, destaca Vygotsky, a educação escolarizada e o pro-
fessor têm um papel singular no desenvolvimento dos indivíduos.
Fazendo junto, demonstrando, fornecendo pistas, instruindo, dando
assistência, o professor interfere no desenvolvimento proximal de seus
alunos, contribuindo para a emergência de processos de elaboração e
de desenvolvimento que não ocorreriam espontaneamente.
A escola, possibilitando o contato sistemático e intenso dos indi-
víduos com os sistemas organizados de conhecimento e fornecendo a
eles instrumentos para elaborá-los, mediatiza seu processo de desen-
volvimento.
Sugestão de atividades
Organizando as informações do texto
1 Faça um resumo do que você compreendeu sobre o papel do signo e
' das interações sociais na formação do funcionamento psicológico
humano.
Pesquisa de campo
Exercitando a análise
Filmes recomendados
As abordagens sobre
desenvolvimento e aprendiza-
gem e a prática pedagógica*
Quando estudamos as principais abordagens teóricas acerca do de-
senvolvimento e da aprendizagem, logo emerge a questão da relação
entre a psicologia e a prática pedagógica. Afinal, para que servem as
teorias psicológicas, nos perguntamos.
É muito comum ouvir dizer que certo professor é construtivista,
outro é vygotskyano, outro behaviorista. Mas o que isso significa? O
que é adotar determinada perspectiva teórica?
■Essas questões fazem pensar na necessidade de compreender e
explicitar a relação entre a teoria e a prática. O que é uma teoria? Para
que ela serve?
Nos capítulos anteriores, mostramos que a abordagem inatista, por
exemplo, foi construída a partir do interesse pelo problema das diferen-
ças individuais. E que Piaget elaborou sua psicologia genética a partir de
suas preocupações com a gênese e o desenvolvimento do conhecimento.
Considerando esses dois exemplos, podemos dizer que as teorias
foram elaboradas para descrever, explicar, interpretar, compreender
certos aspectos da realidade (nesses casos, as diferenças individuais e o
conhecimento). E, ainda, que as teorias constituem um corpo de conhe-
cimentos sistematizados sobre a realidade, uma espécie de lentes atra-
vés das quais se olha o mundo.
E a prática, o que é? É a aplicação de uma teoria? Caso fosse, pode-
ríamos dizer, por exemplo, que um pai, quando elogia o filho para
incentivá-lo a se comportar da forma que ele considera adequada, está
a
PÜcando a teoria comportamentalista. No entanto, a maioria dos pais
que têm esse tipo de conduta nunca ouviram falar em
compor-tamentalismo. Como poderiam, então, estar aplicando essa
teoria?
Mesmo no meio escolar, onde provavelmente as teorias são mais
conhecidas, não nos parece correto afirmar que a prática seja aplicação
d
a teoria. Começamos este livro falando da complexidade dás relações
que ocorrem na escola, da diversidade de fatores presentes no seu coti-
diano. Crianças que brigam, choram, inventam, aprendem, perdem o
lápis, faltam à aula; professores que perdem a paciência, riem, expli-
cam, passam tarefas, contam história, recebem ou não recebem salários
Todas essas ações são formas de atividade humana, são práticas cultu-
rais cotidianas, e não aplicações de alguma teoria. São parte da realida-
de e, assim, tão complexas e multifacetadas quanto a própria realidade
Vivemos as práticas cotidianas em geral irrefletidamente, só paran-
do para pensar sobre elas quando algum problema ou algum descom-
passo se manifesta. Os problemas e descompassos suscitam questões
que requerem explicações.
Quando nos debruçamos sobre a realidade tentando compreendê-la
e explicá-la, estabelecemos um novo modo de relação com nossas prá-
ticas cotidianas. Olhamos para o que fazemos e somos, analisamos e
refletimos sobre o vivido, procurando organizá-lo.
Nesse processo de busca de compreensão, vivemos outra prática
cultural, a "prática da teorização", e produzimos um conhecimento de
natureza distinta do conhecimento baseado na vivência cotidiana. No
esforço para explicar as questões e problemas surgidos no cotidiano,
nos obrigamos a "parar para pensar", a olhar de longe as situações vivi-
das, tentando apreender seus aspectos essenciais, suas contradições, o
modo como seus elementos se articulam, as transformações por que
passam. Procuramos organizar as nossas vivências e nosso próprio pro-
cesso de reflexão sobre elas em um sistema explicativo coerente.
Por tudo isso, não dá para considerar a prática como aplicação da
teoria, nem a teoria como algo que se aplica à prática. A prática é a base
da teoria (que também é uma prática humana de produção de conhecimen-
to). E a teoria elaborada é uma reflexão organizada e sistematizada sobre
aspectos da prática que nos ajudam a analisá-la, problematizá-la e
redefini-la. Nesse sentido, teoria e prática articulam-se dinamicamente.
Considerando desse modo a relação entre teoria e prática, podemos
dizer que as teorias psicológicas são lentes através das quais olhamos a
prática pedagógica e que nos ajudam a compreendê-la.
Certamente o modo como o professor lida com a complexidade da
prática é determinado pela compreensão que ele tem sobre ela, podendo
essa compreensão ser instrumentalizada e mediada pela teoria. Nesse sen-
tido, dizemos que o professor não aplica teorias, mas articula teoria e prá-
tica, à medida que seus conhecimentos teóricos o ajudam a compreender
o que ocorre em sala de aula, marcando suas decisões e seus modos de agir.
Exercitando a análise
1. Reveja as situações que você observou na escola (atividade do capí-
tulo 1) e destaque uma que, do seu ponto de vista, pode ser explicada
sob a perspectiva de uma das abordagens teóricas estudadas até ago-
ra. Esboce a interpretação da situação com base na perspectiva teóri-
ca escolhida e justifique-a.
Seminários e debates
Apresentamos a seguir uma relação de textos que abordam, sob
difen entes perspectivas, questões relativas ao desenvolvimento e à
^Prendizagem, tais como a inteligência da criança, as dificuldades e 73
a
Prendizagem e os atrasos no desenvolvimento.
CARRAHER, T. N. et alii. Cultura, escola, ideologia e cognição — Continuando
um debate. Cadernos de Pesquisa, n? 57, maio/86. São Paulo: Fundação
Carlos Chagas.
FREITAG, B. Piagetianos brasileiros em desacordo? Contribuições para um
debate. Cadernos de Pesquisa, n? 53, maio/85. São Paulo: Fundação
Carlos Chagas.
MORO, M. L. A construção da inteligência e a aprendizagem escolar de
crianças de baixa renda — Uma contribuição para o debate. Cadernos de
Pesquisa, n? 56, fev./86. São Paulo: Fundação Carlos Chagas.
PATTO, M. H. S. Criança da escola pública: deficiente, diferente ou mal
trabalhada?. Revendo a proposta de alfabetização. Projeto Ipê. São Paulo:
SE/CENP, 1985.
. A criança marginalizada para os piagetianos brasileiros; de
ficiente ou não?. Cadernos de Pesquisa, n? 51, nov./84. São Paulo:
Fundação Carlos Chagas.
SMOLKA, A. L. B. O trabalho pedagógico na diversidade (adversidade) da sala
de aula. Cadernos Cedes, n? 23. São Paulo: Cortez, 1989.
_______ et alii. A questão dos indicadores de desenvolvimento:
apontamentos para discussão. Caderno de Desenvolvimento Infantil, n? 1,
1994. Curitiba: Centro Regional de Desenvolvimento Infantil da Pastoral
da Criança/CNBB.
Sugestão de leitura
Filme recomendado
Crescer e aprender — Um guia para pais, documentário realizado pelo
Unicef e apresentado pela TV Cultura de São Paulo.
H»
Unidade 2
elaboração
conceituai
Introdução
Exercitando a análise
Trabalho de campo
A criança e a palavra
vivo----------- inanimado
animal vegetal
animal animal
doméstico selvagem
cachorro
bassê ovelheiro
"Roy" "Chiquinho"
A ausência de critérios lógicos na elaboração conceituai na criança
está exemplificada na situação de sala de aula que descrevemos e anali-
samos no capítulo 7. Naquela situação, observamos como as crianças
construíam o significado da palavra pátria: a partir das suas experiên-
cias e das imagens delas resultantes, sem considerar elementos logica-
mente pertinentes ao conceito estabelecido. Vimos também como esses
elementos flutuavam ao sabor da experiência pessoal imediata a que
eram relacionados. Por exemplo, o soldado é o elemento que define a
palavra pátria em razão de sua presença nos desfiles de 7 de Setembro
ou dos desenhos feitos na escola.
O desenvolvimento da capacidade de apreender conceitualmente a
linguagem social depende do desenvolvimento das operações de pensa-
mento, considera Piaget. As operações são ações interiorizadas que vi-
sam à explicação e à constatação. Nelas, as ações são coordenadas e
reversíveis (conforme vimos no capítulo 4).
Inicialmente, as operações desenvolvem-se em relação a situações
imediatas. A criança ainda necessita do suporte perceptivo para apreen-
der as relações lógicas, para considerar as relações de inclusão entre
parte e todo (classificação), para apreender outros pontos de vista além
da própria experiência individual (descentração). Ela elabora generali-
zações a partir de exemplos concretos.
As características dos modos de pensar da criança nesse período
não derivam das categorias lógicas da linguagem. A linguagem facilita,
segundo Piaget, a generalização do pensamento, mas não é sua fonte.
Piaget relata que diversos estudos possibilitaram perceber que as
crianças resolvem vários problemas, embora tenham dificuldade para
explicar verbalmente o raciocínio que lhes permite chegar à solução, ou
seja, elas não conseguem transpor em palavras toda a atividade mental
que já sabem colocar em atos.
Somente na adolescência, o indivíduo torna-se dotado do raciocí-
nio dedutivo-hipotético, que lhe permite fazer considerações e racio-
cinar apenas no plano representativo, atingindo plenamente o pensa-
mento operatório. Nesse estágio, no qual as operações não se cons-
tróem mais sobre os objetos, sobre as situações imediatas, mas sobre
proposições, a linguagem torna-se uma condição necessária do pensa-
mento, passando a fazer parte dele. É nessa fase que os indivíduos tor-
nam-se capazes de apreender conceitualmente a linguagem social.
Comida e sopa são palavras que nomeiam coisas distintas para a criança.
Ela não estabelece entre as coisas nomeadas e as palavras utilizadas nenhuma
relação de inclusão. Na situação descrita, na qual se decidia sobre o que comer
no almoço, Rafael recusa a inclusão apresentada pela mãe: a sopa pode ser uma
comida, mas é uma sopa também. A '-^"~ sopa não perde a sua
peculiaridade, a sua condição de sopa.
As palavras não são apenas lógicas, do mesmo modo que a
interlocução não é apenas troca de informações. Nas relações sociais há
interesses em jogo. As palavras não são neutras, elas apenas têm uma
face neutra, conforme nos ensina o poeta. Com elas negociamos senti-
dos ("trouxeste a chave?").
É no movimento interativo, assumindo ou recusando a palavra do
outro, que a criança (e não só ela, mas qualquer um de nós) organiza e
transforma seus processos de elaboração do significado das palavras,
desenvolvendo-se. Nesse processo, ela apreende e começa a elaborar as
operações intelectuais complexas presentes na palavra, praticando o
pensamento conceituai antes de ter uma consciência clara da natureza
dessas operações.
O desenvolvimento da elaboração conceituai da palavra não é re-
sultado de um processo individual e estritamente intelectual (cogni-
tivo). Ele é resultado da prática social da criança nas diferentes institui-
ções sociais.
Nesse sentido, aponta Vygotsky, o aprendizado precede o desen-
volvimento.
Esse modo de conceber a relação entre desenvolvimento e aprendi-
zado é oposto ao adotado por Piaget, que considera o desenvolvimento
condição para o aprendizado. Segundo Piaget, tudo o que a criança re-
cebe do exterior, por transmissão familiar, escolar, educativa em geral,
constitui o aspecto psicossocial do desenvolvimento. Este só pode ser
explicado pelo desenvolvimento espontâneo (ou psicológico) da crian-
ça, que corresponde a tudo que ela aprende por si mesma, sem que lhe
seja ensinado, ao que ela descobre sozinha.
Vygotsky e Piaget apresentam dois modos distintos de olhar o hu-
mano em suas relações e transformações. Que facetas a prática pedagó-
gica nos revela, quando a olhamos através de uma ou outra dessas duas
concepções? É o que veremos no próximo capítulo.
103
Sugestão de atividades
Organizando as informações do texto
Exercitando a análise
Situação n? 1
Situação n° 2
A professora escreve na lousa "A mamãe afia a faca " e pede para
uma criança ler. A criança lê corretamente. Um adulto pergunta à
criança:
— Quem é a mamãe?
— E a minha mãe, né?
— E o que é "afia " ?
A criança pensa, hesita e responde:
— Sou eu, porque ela (a mamãe) diz: "vem cá, minha fia "'. A
professora, desconcertada, intervém:
— Não, afia é amola afaça!
(A criança na fase inicial da escrita. Ana L. B. Smolka. São Paulo:
Cortez; Campinas: Ed. da Unicamp, 1988.)
Trabalho de campo
Os episódios descritos na atividade anterior apontam um caminho
interessante para um trabalho de observação e registro.
As práticas cotidianas dos adultos que trabalham com crianças são
marcadas pelas concepções que eles têm tanto a respeito do processo de
elaboração do conhecimento e da palavra como do seu próprio papel
nesse processo. Essas concepções determinam as condições de elabora-
ção que eles possibilitam à criança e os modos como participam de suas
elaborações.
Com a classe dividida em três grandes grupos, observem como as
crianças elaboram as palavras em suas relações com os adultos e com
outras crianças, nas creches e nas escolas.
Observação:
Para facilitar o trabalho de coleta de dados, cada grupo poderá organi-
zar, com base nas informações contidas no texto e com a orientação do pro-
fessor, um roteiro com questões ou itens aos quais deverão estar atentos.
As formas de registro poderão ser várias: em diário de campo, gra-
vação em vídeo e gravação em áudio. O material gravado, depois de
ouvido e visto atentamente, deverá, pelo menos em parte, ser transcrito
Sugestão de leituras
O papel da escola
Exercitando a síntese
Retome os dados do relatório do trabalho de campo sugerido no ca-
pítulo anterior e complemente-o, utilizando informações e questio-
namentos possibilitados pelo presente capítulo. Reelabore sua primeira
versão, retomando os pontos que, depois dessa reflexão, considerar ne-
cessários.
Exercitando a análise
Vamos dividir a classe em dois grupos:
• Os alunos do grupo 1 deverão ler o texto "Ensinando Ciências e Es-
tudos Sociais nas séries iniciais", de Terezinha Nunes Carraher e
David W. Carraher, publicado em Isto se aprende com o Ciclo Básico
(Projeto Ipê, curso II. São Paulo: SE/CENP, 1986).
• Os alunos do grupo 2 deverão ler "A elaboração conceituai: a dinâ-
mica das interlocuções na sala de aula", de Roseli A. C. Fontana, no
livro A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a constru-
ção do conhecimento, de A. L. Smolka e M. C. Góes, editado pela
Papirus.
Nesses textos, os autores abordam situações de elaboração de con-
ceitos em sala de aula ou experimentalmente.
Cada aluno deve ler atentamente o texto que coube ao seu grupo e
sintetizá-lo, destacando a concepção de elaboração de conhecimento
adotada pelo autor e suas implicações pedagógicas.
Cada grupo deve fazer uma síntese da sua leitura e apresentá-la à
classe.
Reunidos, os grupos devem debater sobre as posições defendidas nos textos,
tendo como referência a seguinte questão: Como ensinar às crianças? 116
Unidade 3
íA bnnOcKJGÍft) o
Introdução
O papel da brincadeira no
desenvolvimento da criança
Hora do recreio. No pátio, crianças correm, pulam, jogam bola,
brincam de amarelinha, de roda e fazem outras tantas brincadeiras. A brincadeira faz
Na sala de aula, crianças reunidas em pequenos grupos estão con- parte das
centradas em jogos que a professora escolheu para ajudá-la a ensinar práticas
algum conteúdo. Em outra sala (ou em outro momento), crianças prepa- escolares das
crianças.
ram a encenação de um texto.
Na aula de Educação Física
as crianças jogam, pulam corda,
praticam esportes.
Na pré-escola, as crianças
brincam na aíeia, imitam bichos,
montam quebra-cabeças, inven-
tam coisas com sucata, brincam de
faz-de-conta; enfim, passam boa
parte do tempo brincando.
A brincadeira se faz presente
na escola nas mais variadas
situações e sob as mais diversas
formas. Muitas também são as
concepções sobre o seu lugar e
sua importância na prática
pedagógica.
Uma concepção é aquela que pode ser traduzida na frase "Criança
vai à escola para aprender, e não para se divertir". De acordo com esse
ponto de vista, a brincadeira é pura diversão e, portanto, só deve ser 119
permitida na hora do recreio.
Outra concepção é a de que o criança tem necessidade de brincar,
mas que na escola é preciso separar brincadeiras e "tarefas sérias". As
brincadeiras estão presentes tanto na pré-escola como nas séries iniciais
do 1? grau, e o tempo ocupado por elas é determinado pela idade das
crianças ou pelo andamento da programação pedagógica.
Existe ainda a concepção segundo a qual "brincando a criança
aprende", que pode ser traduzida em métodos educacionais que .valori-
zam a brincadeira e procuram evitar uma distinção rígida entre jogo e
"tarefas sérias". Nesse caso, os jogos podem ser introduzidos como re-
cursos didáticos importantes, ou, então, especialmente na pré-escola,
todo o trabalho pedagógico pode basear-se na brincadeira.
Diante desse quadro, somos levados a perguntar: "Mas, afinal, qual
a importância da brincadeira na vida da criança e qual o lugar que ela
pode ou deve ocupar na escola?". É isso o que vamos procurar examinar
a seguir, com base na psicologia do desenvolvimento.
Piaget Vygotsky
Papel da brincadeira no
desenvolvimento
Trabalho de campo
Situações Idades
Sozinhas De 1 a 3 anos
Com outras crianças De 4 a 6
anos
Com adultos De 7 a 9 anos
De 8 a 11 anos
Sugestão de leituras
A brincadeira na vida e na
escola
Como vimos no capítulo anterior, Piaget e Vygotsky têm concep-
ções diferentes sobre a importância da brincadeira para a criança. No
entanto, os dois concordam que a brincadeira evolui e se modifica.
Para Piaget, essa evolução acompanha o desenvolvimento da inte-
ligência e do pensamento, enquanto para Vygotsky ela se deve a mu-
danças que ocorrem na interação da criança com o meio social, em ra-
zão das diferentes posições que ocupa e das diferentes tarefas que lhe
são colocadas.
Assim, cada um desses autores dirige sua atenção para aspectos
distintos do processo de evolução da brincadeira, reconhecendo nele
diferentes momentos.
Brincando na escola
Trabalho de campo
Exercitando a análise
Sugestão de leitura
O desenho infantil
3J
Fig. 1 *ar*U Ha
Fig. 8
objetos mais distantes são desenhados em tamanho menor. Um rosto de
perfil é desenhado com apenas um olho, e um caminhão de lado com
apenas duas (ou três) rodas (figura 9).
""" '
€L ^TATÍCKE^
Fig. 9
ano*
Vygotsky Piaget
Semelhanças
Diferenças
"Trabalho de campo
Exercitando a análise
Sugestão de leituras
Desenhando na escola
Ivo: Toni, você faiz um minininho desse pra mim, faiz? (Toni
concorda com a cabeça, e continua desenhando). Que que é isso, Toni?
Toni: Ué, maçã, aqui laranja e aqui é a banana (vai apontando).
Ivo: Nunca vi laranja assim, ó (mostra na folha de Toni).
Toni: ...Vai dando um giz, vai dando um cor de abacate (Ivo havia
pegado todos os lápis).
Ivo: Num tem cor de abacate.
Toni: O cor de abacate (tira o verde do monte que está com Ivo).
Toni aparece aqui como aquele que sabe, que serve de modelo, que
ensina e que faz para o outro. Nem por isso Ivo deixa de fazer uma
observação crítica sobre o seu desenho ("Que que é isso?", "Nunca vi
laranja assim"). O fato de dizer "Nunca vi laranja assim" demonstra que
Ivo espera que o desenho se pareça com aquilo que ele vê na realidade.
E talvez seja por isso que ele pede a Toni que lhe desenhe um
menini-nho. Toni "sabe desenhar", seus desenhos se parecem com o que
se vê. Ivo provavelmente ainda não consegue fazer o mesmo.
Depois de observar o desenho de Toni, Ivo não quer mais que este
lhe faça um menininho. Quer saber e aprender como se faz uma árvore.
Toni se propõe fazer por ele e para ele. Ivo aceita e começam, então, a
negociar as cores e os detalhes do desenho.
Ivo pinta sua árvore. Ainda aqui pede a ajuda de Toni: "Pode pinta
colorido?", "Cor de abacate?". A expressão cor de abacate, que no iní-
cio fora utilizada por Toni sem que Ivo identificasse a que cor se referia
("Num tem cor de abacate"), é agora também utilizada por este.
Toni assume realmente o papel daquele que sabe e que ensina. Diz
a Ivo que faça as frutas e propõe-se desenhá-las quando este diz que
não sabe.
Se tivéssemos em mãos o desenho de Ivo, o que veríamos? Uma
árvore com frutas coloridas, pela qual poderíamos tentar avaliar sua
capacidade de desenhar. Qual o tema de seu desenho? A forma aproxi-
ma-se da realidade? As cores que utilizou estão "adequadas"?
A partir das respostas a essas perguntas, faríamos uma avaliação ou
uma apreciação do trabalho de Ivo e de sua capacidade de desenhar. A
avaliação provavelmente não corresponderia à realidade. Se comparás-
semos o seu desenho com o de Toni, poderíamos concluir que Ivo fez
uma cópia ou, então, que Toni é realmente o autor do desenho. Nesse
caso, não haveria nada a dizer sobre a capacidade de desenhar de Ivo,
sobre sua escolha de tema e a forma de seu desenho.
Analisando o processo de elaboração do desenho ■
Mas, quando observamos o processo de elaboração do desenho vi-
vido por Ivo e Toni, o que apreendemos sobre eles, sobre como dese-
nham e sobre como seu desenho vai sendo produzido?
Nesse processo, uma criança serve de modelo para a outra, tem
seus desenhos valorizados, já que "sabe fazer". Essa criança auxilia,
explica, ensina, ajuda a decidir e faz pela outra, a que pede ajuda e
explicações, a que aparentemente "não sabe", mas que critica e opina.
Durante a elaboração do desenho, há um partilhar de saberes, de infor-
mações e de experiências ("Nunca vi laranja assim", "Ó cor de
abacate", "Abacate é mais gostosa com açúcar"). Há também negocia-
ção envolvendo formas, cores, o que e como desenhar.
O desenho é
sempre resultado
das interações
sociais somadas ao
auxílio que o
indivíduo recebe e
aos materiais e
técnicas a que ele
tem acesso.
Desenhando e aprendendo
Numa sala de pré-escola, a professora aproxima-se para ver os
desenhos das crianças: Esse aqui é a menina, é? Esse que é a meni-
na? Que que é, as pernas da menina?
Eva: É.
P: Cê fez uma perna vermelha e outra verde? Que mais cê fez
aí? E a cabecinha dela ? Faz a cabeça pra ela.
Lu: E a boca?
P; Não, pra mim isso é o corpo... Faz o chão pra ela não ficar
voando.
Eva: Onde tá o chão ?
P: Onde é as pernas dela ? Mostra pra mim.
Eva: Aqui (mostra no desenho).
P: Então, então faz o chão pra ela não ficar voando.
Eva desenha um traço, o chão, sob as pernas da menina.
P: Isso, muito bem! Então aqui é aperninha dela? {indica com
o dedo).
Eva: É.
P: Aqui é os braços, a perna, agora faz a cabecinha dela.
[...]
P: Isso, Eva. Agora o olhinho, pra ela não ficar sem olho...
Eva risca em outro lugar da folha.
P: Aí não é o olho não, né? O que que é aí?
Eva: Aí é a cabeça!
P: Aí que é a cabeça? Então faz!
Lu: A oreia, cadê a oreia ?
Gil: Cadê a oreia?
P: Faltou a boca, ó (Eva desenha a boca). E o nariz? (ele faz).
Gil: E a oreia? isso que é oreia, faiz otra oreia aqui, ó (aponta
com o lápis no desenho de Eva).
Lu: É mesmo. Fica igual a um coelho! Cadê os cabelo? P:
O cabelo, ela esqueceu? Cê esqueceu do cabelo, Eva?
Eva: Aí, o nariz.
(Episódio apresentado na dissertação de mestrado de Silvia M. C. da
Silva, As condições sociais de produção do desenho, Unicamp, 1993.)
A escola e o desenho
Como instrumento de
trabalho e de conhecimento
em sala de aula, o desenho
revelou às crianças uma
competência em geral anulada
pelo saber acadêmico,
incentivando-as a aprender
pela observação.
Fazendo-se útil ao processo de
■r' conhecimento,
possibilita
o
a
desenho na escola fundamental
valorização da linguagem gráfica e das
■--...
Trabalho de campo
Sugestão de leituras
lesenv
Ia escrita na
anca
i"■*
Introdução
A escrita e a alfabetização
Escrita e poder
A linguagem escrita, como a linguagem falada, é um sistema sim-
bólico criado pelo homem. No fluxo da comunicação verbal, grupos
humanos passaram a utilizar linhas, pontos e outros sinais para repre-
sentar, registrar, recordar e transmitir informações, conceitos, rela-
ções, produzindo assim a escrita.
Vários tipos de escrita (pictográfica, ideográfica, etc.) foram pro-
duzidos ao longo da história. Hoje, a escrita dominante é a alfabética.
A escrita alfabética é uma forma de representar a palavra falada
com base nos seus aspectos sonoros e nas possibilidades de uso das
letras do alfabeto. Por exemplo, para escrever a palavra gato, na nossa
língua, usamos quatro letras que correspondem às quatro unidades mí-
nimas de som que compõem essa palavra no seu registro oral. As letras
g, a, t, o são grafismos (marcas) que representam aspectos sonoros da
palavra falada.
As letras grafadas no papel representam, mediante uma convenção
socialmente estabelecida, os sons da palavra falada (seu significante,
sua imagem sonora), e esta, por sua vez, designa os objetos, as ações e
os fatos da realidade. Nesse sentido, podemos dizer que a linguagem
escrita é mais complexa do que a linguagem falada, uma vez que a
representa.
Para que a escrita seja dominada, essa complexidade requer a
aprendizagem sistematizada e o treinamento específico de algumas ha-
bilidades e convenções, tais como: o conhecimento do conjunto de le-
tras disponíveis para o registro dos sons da linguagem falada, suas rela-
ções com esses sons e as regras de combinação entre elas, o traçado que
as constitui, sua direcionalidade, e outros tantos detalhes.
No processo de divisão social do trabalho, o acesso a essa aprendi-
zagem foi sendo controlado por algumas classes sociais, transformando
a escrita em privilégio, em índice de poder e recurso de dominação.
Embora desde a Renascença (século XV) a universalização da
aprendizagem da escrita e da leitura fosse uma reivindicação das clas-
ses excluídas do acesso à cultura letrada, somente com a criação dos
sistemas nacionais de ensino dos Estados modernos (século XIX) foi
que se concretizou a idéia de escola como a instituição encarregada de
iniciar as crianças no mundo da escrita e, com ela, criou-se o modelo de
alfabetização que conhecemos hoje.
Entre nós, brasileiros, o lema "Escolarizar para alfabetizar " é mais
recente ainda. Tendo sido uma bandeira do pensamento republicano,
consolidou-se a partir da última década de 30, quando a alfabetização
passou a ser claramente definida e defendida como um conhecimento a
ser possibilitado pela escola.
Ao passar para a esfera de responsabilidade da escola pública
mantida pelo Estado, o acesso ao domínio das convenções e comple-
xidades dessa forma de linguagem foi ampliado, representando um
grande avanço em direção à meta de universalização da alfabetização.
No entanto, a ação da escola fixou-se de tal forma no treinamento
das habilidades específicas relativas à escrita e ao traçado de letras que
acabou relegando sua utilização como linguagem a um segundo plano.
Hl
Alfabetização e desenvolvimento da escrita
Pesquisa bibliográfica
Exercitando a análise
Filme recomendado
Não são quaisquer traços que podem ser lidos. O formato dos tra-
ços em relevo na tampa da lata e o lugar onde foram impressos não são
arbitrários. Eles significam alguma coisa. Na interpretação de Rafael,
eles nomeiam.
Rafael, imitando o modo de ler de uma criança mais velha, compar-
tilha a possibilidade de leitura com o irmão, que muitas vezes lê para
ele. Na imitação, ele reproduz a relação entre o texto escrito e a fala.
Nas duas situações observamos que a escrita, além de estar presente
no cotidiano das crianças, é compartilhada com elas por adultos e
crianças mais velhas: a mãe possibilita a Olívia explicitar o que pensa e
sabe sobre a escrita; o irmão, que lê, serve de modelo para Rafael.
Esses episódios cotidianos mostram processos não escolares de
elaboração da escrita em que a criança formula uma compreensão
incidental^e inicial dessa forma de linguagem.
Como as crianças chegam a essas elaborações iniciais da escrita?
A gênese da escrita na criança é vista de modos diferentes por
Emilia Ferreiro e Vygotsky.
****i$r
A criança pode utilizar letras convencionais cujo traçado conhece,
para representar a escrita, sem estabelecer nenhuma diferenciação entre
as palavras, como na ilustração a seguir.
A S
A £
*
F
A S ^ s£
£
s
& A SE
Fonte: Reflexões sobre alfabetização — Emilia Ferreiro. Cortez, p. 22.
Em seguida, preocupa-se com a disposição das letras conhecidas
ou com o número de letras utilizadas, tentando marcar diferenças entre
as palavras que deseja (ou é solicitada a) registrar.
h
S fclAimJ
Fonte: Reflexões sobre alfabeüzaçao — Emilia Ferreiro. Cortez, p. 26.
As informações fornecidas por adul-
tos leitores (inclusive a professora na es-
cola) a respeito de especificidades da es-
crita não são mecanicamente acrescenta-
das às elaborações da criança.
Ela vai passando de uma forma de
nn nps *.
escrita para outra, à medida que vai se
dando conta, por si mesma, das contra-
dições entre sua interpretação da escrita
Cctfrljo
e a escrita convencional. Nesse proces-
so, ela reelabora gradativamente suas
hipóteses, por meio de acomodações su-
cessivas, até chegar à lógica da escrita
alfabética.
Psicogênese Abordagem
histórico-cultural
Concepção de escrita
A relação da criança
com a escrita
O papel do adulto e
do meio
Exercitando a análise
TYabalho de campo
Leitura e discussão
Sugestão de leituras
Filme recomendado
O estudo experimental
da construção da escrita
pela criança
Como vimos no capítulo anterior, os estudos de Emilia Ferreiro e
de Vygotsky analisam de maneira diferente a relação das crianças com a
escrita.
Enquanto Emilia Ferreiro e seus colaboradores consideram a escrita
um objeto de conhecimento (isto é, como um alvo da atividade inte-
lectual), que vai sendo construído de modo evolutivo pela criança,
Vygotsky a concebe como um produto cultural, uma prática social à
qual a criança vai se integrando, nas suas relações sociais.
Em suas análises Emilia Ferreiro procura demonstrar o papel ativo
do sujeito no processo de elaboração individual da escrita. A criança,
em suas relações com a escrita, vai, ativa e espontaneamente, elaboran-
do e testando hipóteses a respeito de como se escrevem as palavras.
Sendo essas hipóteses de natureza cognitiva, elas dependem do desen-
volvimento da inteligência da criança. As discrepâncias que a criança
percebe entre suas hipóteses e a escrita convencional leva-a a reelaborar
hipóteses e, pouco a pouco, apreender a natureza e a lógica desse siste-
ma simbólico.
Para Vygotsky, o processo é inverso. A criança apropria-se
gra-dativamente do sistema de escrita e de suas funções sociais por
meio da observação da escrita em funcionamento, das tentativas de
utilizá-la que faz, pela imitação do outro, e da busca de informações
sobre seus elementos e sobre seu funcionamento. O processo, destaca
ele, acontece entre sujeitos e em cada sujeito.
Essas diferenças aparecem nas maneiras como Emilia Ferreiro e
Vygotsky conduziram seus estudos experimentais.
Emilia Ferreiro e seus colaboradores procuraram caracterizar e
descrever tanto a seqüência das hipóteses elaboradas pelas crianças a
respeito da natureza e dos princípios organizadores da escrita como
também os fatores envolvidos na passagem de uma hipótese para outra. Em
seus estudos, privilegiaram produções espontâneas, isto é, aquelas em que a
criança escreve tal como acredita que poderia oii deveria escrever certo
conjunto de palavras, sem a ajuda ou a orientação de outra pessoa.
Vygotsky e Luria, por sua vez, procuraram demonstrar a relação entre a
escrita e as atividades simbólicas no desenvolvimento da criança e recriar
experimentalmente o processo de simbolização na escrita, em situações
compartilhadas entre o experimentador e a criança.
Neste e no próximo capítulo, abordaremos de maneira mais detalhada os
procedimentos de pesquisa adotados por Emilia Ferreiro e Vygotsky.
A metodologia da pesquisa
ia) ^|M
f
O que você desenhou?
Um boneco. Ponha o
Ponha o nome.
(Rabisco.) (b)
—
Ml w +
Por que tem quatro pedacinhos?
— .... porque sim.
nome. (Rabisco.) (a) O O que você pôs? — O que diz aqui? (1?).
que você pôs? Ale (= Casinha. — Adriana.
seu irmão). Desenhe Você sabe colocar o seu nome? — E aqui? (2o).
uma casinha. (Quatro rabiscos separados.) (c) — Alberto (= seu pai).
(Desenha.) O que é O que é isso? — E aqui? (3o).
isso? Uma casinha. Adriana. — Ale (= seu irmão).
Onde diz Adriana? — E aqui? (4?).
(Assinala globalmente.) — Tia Picha.
Fonte: Reflexões sobre alfabetizaçãt) — Emilia Ferreiro. Cortez, p. 21.
ft nj $nr fo u</Qs
elefante:
— •
te a (2)
(D
(3)
(6)
Fonte: Reflexões sobre ulfabetização — Emilia Ferreiro. Cortez, p. 23.
A fonetização da escrita: do período silábico ao
período alfabético
Exercitando a análise
Sugestão de leituras
Da atividade simbólica à
simbolização na escrita
Enquanto Emilia Ferreiro documentou nos seus estudos experimen-
tais a progressão de noções localizando os modos como a criança racio-
cina sobre a escrita, apontando percepções e distinções que ela constrói
individualmente, até chegar aos princípios (regras) de organização e fun-
cionamento da escrita convencional, Vygotsky e Luria procuraram mos-
trar "o que leva a criança a escrever" (Vygotsky, 1984: 121).
Para explicar a gênese da escrita na criança, Vygotsky focaliza a
escrita como uma atividade simbólica.
Tal como as demais atividades simbólicas (gesto, desenho, jogo,
etc), a escrita envolve a representação de uma coisa por outra, a utiliza-
ção de signos auxiliares para representar significados. O domínio dessa
habilidade complexa não nasce por si mesmo, nem é alcançado de ma-
neira puramente mecânica e externa. Segundo Vygotsky, resulta de um
longo e unificado processo de desenvolvimento da atividade simbólica,
que começa com o uso do gesto como signo visual.
O gesto, movimento comunicativo das mãos, dos braços, das per-
nas, da cabeça, do rosto, do corpo todo, ganha sentido nas interações
com os outros. A criança aprende a dizer o que quer e a entender o outro
pelo gesto. Os gestos, no dizer de Vygotsky, são escrita no ar.
Depois, o jogo simbólico. O imaginário, feito gesto, feito palavra,
transforma as coisas. No jogo simbólico, uma coisa vale por outra: a
cadeira vira leão, a folha de jornal enrolada vira a espada do menino,
que vira herói...
A criança se movimenta, age, pensa, inventa criando e usando sím-
bolos. Um significado tem vários significantes, várias significações: a
pedra pode virar elefante ou avião. Os objetos adquirem a função de signo
pelo gesto indicativo e pela nomeação. Gesto e palavra são interligados.
<sS>Q/
v/""
«a^^*6"».
V- (Exemplo extraído da dissertação de mestrado de Maria da Graça
^-" Azenha B. Santos O grafismo infantil — processos e perspectivas.
Faculdade de Educação, USP, 1991.)
h,
tf
(Relato extraído de 'O
desenvolvimento da escrita
na criança'. In: Vygotsky,
Luria, Leontiev. Linguagem,
desenvolvimento e apren-
dizagem. 1988.)
V <\ 3
^^
,r r^
u (Extraído de 'O desenvolvimento da escrita na crian-
ça'. In: Vygotsky, Luria, Leontiev. Linguagem, desen-
volvimento e aprendizagem, 1988.)
As marcas feitas pela criança adquiriam caráter expressivo apenas
em dois casos, nos quais "a fumaça preta" e "o carvão preto" foram
registrados por volumosas linhas pretas.
O efeito dessa forma distinta de registro evidenciou-se quando foi
pedido à criança que identificasse as frases apresentadas para memo-
rização. Luria conta que, inicialmente, a criança nada dizia, parecendo
ter-se esquecido de tudo. No entanto, ao examinar seus rabiscos,
dete-ve-se em um deles, dizendo espontaneamente: "Isso é carvão".
Essa foi a primeira vez que tal leitura espontânea ocorreu nes-
sa criança, e o fato de ela não só ter produzido algo diferenciado,
como ter sido capaz de recordar o que representava, confirma ple-
namente que havia dado o primeiro passo no sentido de usar a
escrita como um meio de recordar-se.
(Luria, 1988: 168.)
Outro exemplo citado por Luria mostra como um signo, pela dife-
renciação numérica, tem uma função expressiva:
¥ "
v\
\> V
(Extraído de 'O desenvolvimento da escrita na criança'. In:
Vygotsky, Luria, Leontiev. Linguagem, desenvolvimento e apren-
dizagem, 1988.)
A marcas produzidas eram ainda confusas, mas, pela primeira vez,
a criança revelou-se capaz de "escrever" e de "ler" o que escreveu
Nesse momento, segundo Luria, tem-se uma escrita elementar,
uma vez que o registro feito apresenta uma função
instrumental.
Tendo apreendido a necessidade de utilizar
marcas diferenciadas em seu registro para poder
relacioná-las com o conteúdo do material a ser
memorizado, a criança elabora, então, um sistema
de marcas expressivas, por meio das quais forma
todo seu processo de recordação.
Nas tentativas de registro de cor, forma,
tamanho, quantidade, as crianças produziam
representações próximas da pictografia primitiva
(escrita através de desenhos). O desenho começa,
então, a convergir para a escrita, não como
desenho em si, mas como um elemento que
representa conteúdos determinados das frases
faladas pelo experimentador. O desenho constitui,
assim, um elemento auxiliar na produção de uma
escrita diferenciada.
(Extraído da dissertação de mestrado de Maria
da Graça Azenha B. Santos O grafismo infantil
— processos e perspectivas. Faculdade de Edu-
cação, USP, 1991.)
A criança quis escrever: 1. ônibus; 2. óculos; 3. menino;
4. árvore; 5. escola; 6. rua; 7. classe.
Fig. 1
(Extraído de 'O desenvolvimento da escrita na criança'. In: Vygotsky,
Luria, Leontiev. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem, 1988.)
1. Uma vaca tem quatro Sujeito: Eu sei que ela tem quatro
pernas e um rabo. pernas e isto (escreve) é "I".
2. O lixo da chaminé é preto. (Escreve) E isto é "A".
3. Ontem à noite choveu. Eis a chuva. Eis (escreve) "I".
4./JHá muitas árvores no bosque. (Escreve) Eis "A".
5. O barco a vapor está O barco a vapor vai assim (Faz
navegando rio abaixo. uma marca). Eis "I".
Exercitando a análise
Exercitando a comparação
Sugestão de leituras
20
Capítulo 18
E as crianças?
As crianças chegam à escola desejosas de aprender, ansiosas por
escrever. Afinal, convivem com a escrita já há algum tempo, sabem que têm
algum conhecimento sobre ela, mas sabem também que desconhecem muita
coisa. "Eu não sei ler"; "Eu sei que tem coisa escrita, mas eu não sei muito
bem usar letra", dizem elas.
Elas têm expectativa de que os adultos lhes ensinem.
s
ca classificar e sistematizar
os sons da língua de acordo
com a sua percepção. Os
"erros" que comete, embora
sejam profundamente
reveladores dos seus
processos de aprendi-
zagem, causam preocupa-
ção e ansiedade nos pro-
fessores, que se interro-
gam acerca do que fazer.
Corrigir ou não corrigir? Essa é a questão que ainda ocupa os pro-
Escrevendo o que
fessores, interferindo na sua prática, no dia-a-dia da sala de aula, levan- pensa e o que quer,
do-os a dois extremos: corrige-se tudo, anulando a produção da criança a criança elabora a
como um todo, ou não se corrige nada, confiando-se na "descoberta do linguagem.
certo" que ela fará.
/VY^U.
(Episódio extraído do relatório do Projeto de Incentivo à Leitura de
1984. O projeto, coordenada por Ana Luíza Smotka, foi desenvolvido
na Rede Municipal de Ensino de Campinas no período de 1983 a 1985.)
215
Analisando a frase escrita pela criança, o que se evidencia?, per-
gunta Smolka no relatório em que o episódio está registrado.,
Antes de destacar e analisar os erros, a autora sugere que se dê
atenção a um aspecto dessa produção. A criança comunica seu pensa-
mento por meio da'escrita, e o faz com clareza. Ela consegue escrever o
"que queria ter escrito", e nós, leitores, conseguimos ler e entender o
que ela quer dizer.
"Molhe" em vez de mulher, o primeiro erro que chama a atenção,
se explica, destaca Smolka, por uma generalização comumente consta-
tada nas séries iniciais. Fala-se "ovu" e escreve-se ovo, fala-se "carru" e
escreve-se carro, fala-se "ratu" e escreve-se rato. Diante disso, a crian-
ça conclui: o que se fala com u, escreve-se com o. Daí, "molhe", em vez
de mulher, como também "boraco", em vez de buraco. A criança erra
devido à preocupação em acertar (supercorreção). Esse erro revela as
elaborações que ela faz acerca da relação entre a oralidade e a escrita.
Essa relação entre oralidade e escrita aparece também na omissão
do r final. Fala-se "mulhé", omitindo-se o r final. Assim, a criança es-
creve como fala.
O mesmo acontece com "alimentano". E comum, sobretudo nas
classes populares, a omissão do d na pronúncia dos verbos no gerúndio.
Essa omissão, além de evidenciar a relação entre a oralidade e a escrita,
constitui outra marca: o modo de falar da criança, evidenciado na sua
escrita, não corresponde ao que é estabelecido como língua padrão, é
uma variedade dialetal.
Ao escrever "more" por morre, a criança revela as dificuldades,
compreensíveis, que os múltiplos valores fonéticos das letras trazem,
não só para ela, mas para todas as crianças no período inicial de apro-
priação da escrita convencional.
A repetição da preposição para no fim da frase também não é ade-
quada à norma padrão, mas sua ocorrência se verifica por razão diferen-
te da que leva à omissão do d nos verbos no gerúndio. Ela não revela um
modo de dizer da criança, e sim a diferença de tempo entre o pensamento
e seu registro por escrito. A criança pensa o que quer escrever. No
processo de fazer o registro, ela vai repetindo a frase lentamente, pára
nas palavras, repete-as, volta sua atenção para o esforço de analisar e
marcar as palavras. Com isso, perde a fluência da frase e retoma-a no
ponto em que parou.
O processo de pensamento pode ter sido "A mulher está alimentan-
do o peixe-boi para ele não morrer", elaborado de acordo com a norma
padrão. Durante o registro, a criança parou no "ele", e provavelmente
repetiu "A mulher está alimentando ele...", completando, então, "para
não morrer".
A análise dessa produção mostra que existem diferentes tipos de
"erros" — dialetais, ortográficos, por generalização, por supercorreção
—, que, ocorrendo por diferentes razões, devem ser corrigidos e
trabalhados de maneiras diferentes. Eles revelam, também,
regularida-des no processo de elaboração da escrita. Juntos, os quatro
primeiros
erros analisados indicam que a criança está apreendendo a relação en-
tre a oralidade e a escrita. Mas, para consolidar essa apreensão ela
precisa de tempo para elaborar, analisar, relacionar e não apenas me-
morizar.
O processo de elaboração, porém, não compete só à criança Nós
professores, também participamos dele ao analisar com ela sua produ-
ção, quando a ajudamos a perceber o curso de seu próprio processo de
elaboração.
Outros tipos de erros encontrados fartamente em relatos de expe-
riência assemelham-se aos seguintes:
A casa é mal-assombrada.
(Projeto de Incentivo à Leitura, 1984.)
Situação n? 1
(22.02.86) Amanhã será a reunião dos pais. Escrevemos jun-
tos'o bilhete. Primeiro resolvemos o que iríamos escrever. Conta-
mos quantas palavras e perguntei sobre a primeira: REUNIÃO.
Escrevi e pedi que lessem. Qual a palavra que temos que escrever
agora? AMANHA. E liam tudo, até completar o bilhete, reler e co-
piar. No final sabiam todo o bilhete e identificavam as palavras
separadamente. Alguns disseram que tinham contado tudo errado.
É que no começo contaram nove palavras (oralmente): REUNIÃO
AMANHÃ 9 HORAS. TEM AULA ATÉ 9 HORAS.
Quando viram escrito, discordaram: tem só 7 porque "número
não é palavra, só quando fala".
(Situação retirada de um diário de classe de uma professora de 1!
série e transcrita por Telma Weisz no texto 'E na prática, a teoria é
outra?', publicado em Projeto Ipê — Isso se aprende com o Ciclo
Básico. São Paulo: SE/CENP, 1986.)
Situação n? 2
Era o nosso primeiro contato com as crianças. Para conhecer
e guardar os nomes das crianças, fomos escrevendo o nome de
cada uma na lousa, em letra script, seguindo a posição das crian-
ças nas fileiras. A sétima criança da primeira fila disse que o nome
dela não era 'daquele jeito'. Foi, então, à lousa para mostrar como
se escrevia. Escreveu em cursivo. Mostramos, então, o que aconte-
ceu quando se "juntavam" as letras do nome em script. Logo todas
as crianças queriam ir à lousa para mostrar como se escrevia o nome.
De repente havia mais de quinze crianças escrevendo na lousa (escrever
na lousa, em geral, não é permitido às crianças). Diante da perturbação
gerada (e, de certo modo, esperada) propusemos às crianças que cada
uma escrevesse o seu nome numa folha de papel e que aproveitassem a
oportunidade para desenharem e escreverem o que quisessem.
Neste mesmo contexto, uma criança "emburra " por causa da
disputa de algum material e se recusa afazer qualquer coisa. Um adulto
se aproxima da criança e pergunta:
— Por que você está bravo?
Nenhuma resposta.
— Você não quer conversar comigo?
A criança olha para o adulto sem responder.
O adulto pega o lápis e começa a escrever enquanto pergunta:
— Você quer que eu escreva alguma coisa para você?
— Não.
— Você quer saber o que eu estou escrevendo?
— Quero.
— Eu estou escrevendo a nossa conversa.
— O quê?
— Eu estou escrevendo o que a gente está falando. Você quer que
eu leia?
— Quero.
O adulto faz, então, a leitura do diálogo. A criança, ainda surpresa,
pergunta:
— Como é que sai igualzinho, tia?
O adulto faz uma nova leitura, acompanhando com o dedo o que
está escrito, e vai mostrando os travessões (quando cada um deles fala) e
os pontos de interrogação (quando cada um deles pergunta). Outras
crianças se chegam. A criança pega a folha, entusiasmada, e vai "lendo
", mostrando e explicando para os colegas o que está escrito na folha.
(Situação extraída do livro de Ana Luiza Smolka, A criança na
fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo.
São Paulo: Cortez/Ed. da Unicamp, 1988.)
Situação n? 3
Era também a classe de primeira série mais fraca da escola.
Nenhuma das trinta crianças cursou a pré-escola. A professora,
encorajada pela coordenação da escola, busca alternativas de trabalho
com as crianças.
A situação: as crianças estavam desenhando. Uma das crianças
desenha um revólver e quer escrever "o revólver atira ". Pede ajuda à
professora, que vai soletrando e apontando cada letra no alfabeto
exposto numa das paredes da sala de aula.
A criança continua:
— Quero escrever: "o revólver mata o moço ".
Novamente o processo de soletrar junto, o aluno percebendo que ele
"já sabia" escrever "o revólver".
Chegam à palavra "moço ". A professora fala "cê cedilha ",
procura no alfabeto e não encontra. De repente se dá conta de que não
se coloca o "cê-cedilha " no alfabeto. A criança não conhece, não sabe
qual éa letra, eaprofessora, então, escreve para a criança.
A professora se vira para atender outros alunos. A criança que
desenhou o revólver fala:
—... mata o moço, não. O ladrão.
E escreve, sozinha, na sua folha de papel: OLETAN.
(Situação extraída do livro de Ana Luiza Smolka, A criança na
fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo.
São Paulo: Cortez/Ed. da Unicamp, 1988.)
IVabalho de campo
O grupo 2 deve realizar entrevistas com pais de crianças que estão sendo
alfabetizadas, procurando saber deles:
• O que esperam da escola em relação aos filhos?
• O que aprovam e o que desaprovam no trabalho dos professores de seus
filhos?
• Como acompanham a aprendizagem dos filhos?
• O que pensam do desempenho deles?
Cada grupo deve reunir os dados obtidos e fazer a leitura atenta dos
registros. E, a seguir, analisar os dados, procurando identificar o que há
em comum e de diferente entre eles. Depois, agrupar, definir os critérios
desses agrupamentos e elaborar uma síntese deles para a apresentação
aos outros grupos.
Discutindo os dados
Sugestão de leituras
Unidade 1 Unidade 2
Unidade 3 Unidade 4
I'«.-"'