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Anais do V Congresso da ANPTECRE

“Religião, Direitos Humanos e Laicidade”


ISSN:2175-9685

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Creative Commons

ESPIRITUALIDADE LAICA NA CONTEMPORANEIDADE: ATEÍSMO DE


CONCESSÃO ENTRE A RACIONALIDADE E A CELEBRAÇÃO
EMOCIONAL: O CASO DA SUNDAY ASSEMBLY
Clarissa De Franco
Doutora em Ciências da Religião
Universidade Federal do ABC
clarissadefranco@hotmail.com

Cátia Cilene Rodrigues


Doutora em Ciências da Religião
PUC/SP
catiaclrodrigues@hotmail.com
ST 08 - ESPIRITUALIDADES E RELIGIÕES NA CONTEMPORANEIDADE: DIÁLOGOS E INTERLOCUÇÕES

Resumo: A espiritualidade laica/ateísta compõe-se de diversas maneiras de vivenciar a espiritualidade,


tendo como experiência partilhada a ausência de crenças na figura de deuses e em elementos
associados ao pensamento mágico, além de princípios como a valorização da racionalidade, da
autonomia e do bem-estar. Observa-se, a partir de outros estudos (DAWKINS, 2007; FRANCO, 2014),
que a ciência torna-se uma referência significativa de apoio à narrativa ateísta, ocupando, por vezes, um
lugar de idolatria e entusiasmo. Dentre grupos ateus, alguns se destacam em função de apresentarem
formatos semelhantes a de grupos religiosos, como é o caso da Assembleia de Domingo (Sunday
Assembly), uma igreja de ateus, fundada por comediantes britânicos em 2013 (atualmente há igrejas em
diversos países), cujos rituais contam com músicas de rock, palestras de cientistas e depoimentos de
pessoas que se beneficiaram do “milagre da ciência”. Este artigo, fruto de pesquisa em andamento de
pós-doutorado em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC, apresentará um quadro
do ateísmo contemporâneo circunscrito ao grupo Sunday Assembly, visando contribuir para o campo de
estudos da religiosidade contemporânea no que se refere ao ateísmo e à espiritualidade laica. Nossa
hipótese é que este grupo estudado propõe um ateísmo de fronteira entre a racionalidade (tendo a
ciência como referência e entendendo as crenças como formas irracionais de pensamento) e a
celebração emocional (princípio do bem-estar e carpe-diem). Tal fronteira questiona a ideia de um
ateísmo mais clássico ou “forte”, no qual elementos como o ceticismo são mais evidentes. Como
precursores intelectuais destes movimentos, podemos apontar o filósofo francês Alain de Botton, que
evidenciou tal tendência em Religião para ateus (2011), além de André Comte-Sponville (2011), Luc
Ferry (2008), Robert Solomon (2003) e outros, que acabaram por descortinar a vertente de uma
espiritualidade atéia, que busca na religião elementos de agregação grupal e de força simbólica,
dispensando a divindade e expressões identificadas com magia e irracionalidade, por serem
representantes de elementos considerados obsoletos e ultrapassados na história do pensamento.

Palavras-chave: Ateísmo, Sunday Assembly, Espiritualidade laica.

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0802


1.0Espiritualidade laica

Em 2006 [2007], o filósofo André Comte-Sponville aproximou dois conceitos que


em tempos passados não eram colocados lado a lado: espiritualidade e ateísmo. Esta
abordagem vem em consonância com outros movimentos como o da Organização
Mundial de Saúde, que desde 1998 colocou a espiritualidade como uma dimensão da
saúde, além de tê-la declarado conceitualmente como:

Tem-se por espiritualidade o conjunto de todas as emoções e


convicções de natureza não material, com a suposição de que há
mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente
compreendido, remetendo a questões como o significado e sentido da
vida, não se limitando a qualquer tipo específico de crença ou prática
religiosa. (OMS, 2001).

Nesse contexto, assume-se que espiritualidade é a dimensão humana vinculada


a uma busca pessoal de sentido, com ênfase em vivências não materiais. Pode
envolver ou não valores religiosos. A separação entre as noções de espiritualidade e
religião é definitiva para o entendimento de que pode haver espiritualidade sem crença
em deuses ou sem prática religiosa.
Se tomarmos o ateísmo em seu sentido clássico (ausência ou rejeição da crença
em deuses e/ou afirmação consciente e explícita da não existência de deuses), verifica-
se a necessidade de avançar academicamente na compreensão da espiritualidade dos
ateus, uma vez que os referenciais que se tem a este respeito geralmente advêm da
filosofia e apontam para valores humanistas, que incitam o ser humano a ser autônomo
e a transformar a natureza a partir do desenvolvimento de seus potenciais. Somam-se a
isso os arranjos da modernidade, que afirmam a razão como fonte de empoderamento
humano, bem como a necessidade de fortalecer as escolhas e vivências pessoais,
temos uma espiritualidade voltada à realização humana, que dispensa a participação de
entidades espirituais como mediadoras das vontades dos seres humanos diante da
natureza e da vida. Tem-se, portanto, um exercício espiritual ateu, sinal dos tempos
laicos, nos quais as religiões têm se ocupado de rearranjar seu espaço no contexto
público.

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É importante destacar que existem diversos tipos de ateísmo, e em muitos
casos, verificamos que a afirmação da não existência de deuses deixou de ser o foco
da preocupação. Nesta comunicação, não trataremos de correntes ateístas adeptas das
ideias do biólogo Richard Dawkins (2006; 2001), tampouco de militantes ateus de
conhecidos grupos como a ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos). Nossa
atenção se voltará para o ateísmo do tipo espiritualista, ou seja, um ateísmo que coloca
dentre suas preocupações uma prática espiritual.
Na linha de filósofos como Epicuro, os modernos Luc Ferry (2008) e André
Comte-Sponville (2007) argumentam que questões como a finitude e a salvação que
sempre ocuparam as preocupações humanas podem ser elaboradas pela via racional,
desvinculando a ética e a moral da religião. Ainda em consonância com esta linha de
pensamento, Robert Solomon, em Espiritualidade para céticos (2003), propõe a
espiritualidade como um recurso para a elaboração de sentido na vida e enfrentamento
do sofrimento. Para este autor, a ciência e a racionalidade é que teriam poder de
moldar disposições ligadas à espiritualidade. Apenas como ponto de citação, vê-se que
o discurso da razão (eventualmente personificada pela ciência) no lugar da religião é
recorrente. E esta observação já foi apontada em outros estudos (FRANCO, 2014).
Ainda valorizando a racionalidade, o ácido Michel Onfray (2011) traz uma
proposta mais enfática que os demais autores apresentados até este momento. Ele
sugere uma “laicidade pós-cristã” (ONFRAY, 2011, p.187), que deve “descristianizar a
ética, a política e o resto” (187), sendo uma espécie de superação de todo um modo de
viver e conceber a vida anterior à modernidade. Onfray critica o relativismo do
pensamento laico atual (que, segundo ele, ainda possui bases epistemológicas e
morais judaico-cristãs) no qual todos os discursos se equivalem: o erro e a verdade, o
falso e o verdadeiro. O autor critica seriamente o fato do mito e da fábula terem pesos
similares ao da razão, e também do pensamento mágico eventualmente ser escutado
no mesmo patamar que a ciência. Novamente a racionalidade é colocada como o
“antídoto” que deve deter o “fantasioso mundo da religião”
André Comte-Sponville (2007), ao elucidar os códigos da espiritualidade laica,
traz à tona os referenciais humanistas e valores iluministas como igualdade, respeito,
tolerância... Alguns destes valores, ele também reconhece como tendo sido associado

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às religiões, tais como comunhão, disciplina, fidelidade, vivência de uma unidade entre
o mundo interior e exterior do ser, aceitação das coisas como são... Acrescenta a isso a
vivência do aqui-agora, que desembocou no apelo de sociedades contemporâneas ao
carpe-diem.
Alain de Botton, em Religião para ateus (2011), afirmou que este tipo de ateísmo
tende a “irritar partidários de ambos os lados do debate” (p. 14) – referindo-se a ateus e
religiosos –, já que os religiosos assistirão a uma “reflexão aparentemente brusca,
seletiva e não sistemática de seus credos” (p. 16), e os ateus estarão diante de algo
que “trata a religião como digna de ser uma incessante pedra de toque para nossos
desejos” (p. 17). Este autor, ao contrário de muitos autores que escrevem sobre o tema,
escolhe ressaltar aspectos positivos da religião, indicando alguns elementos que
deveriam, segundo ele, servir como fonte de aprendizado para as sociedades
seculares, tais como, a experiência acumulada das religiões com a vida em
comunidade, com a prática de orientações e o oferecimento de conforto às pessoas, o
patrimônio religioso em arte, arquitetura, ensino.
O autor indica que deveríamos inaugurar “templos seculares” e chega a sugerir
que os professores façam curso de oratória com pastores (p. 111), reconhecendo os
líderes religiosos como importantes formadores de opinião. Sugere ainda que as
universidades e outros espaços como restaurantes passem a promover reflexões e
comunhões sobre aspectos fundamentais da existência, como amor e morte.
Estas sugestões, embora possam soar estranhas aos ouvidos do público leigo e
até para boa parte dos ateus e religiosos, já conta com adeptos como é o caso do
grupo a ser apresentado aqui: Sunday Assembly.

2.0 Sunday Assembly: um ateísmo de concessão

Sunday Assembly ou Assembleia de Domingo é um grupo que declara agregar


“as melhores partes da Igreja sem a religião”. Fundada em 2013 em Londres por dois
comediantes britânicos Sanderson Jones e Pippa Evans, este grupo tem como missão
ajudar pessoas a encontrarem e desenvolverem seu potencial, sem no entanto,
oferecer-lhes dogmas. Contando com celebrações matinais de domingo nas quais se
tem músicas do gênero pop/rock, palestras de ícones da ciência e depoimentos de

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curas promovidas por avanços tecno-científicos, a Sunday Assembly pauta-se em um
ideologia da autonomia e do bem-estar, com críticas ao caráter dogmático das religiões.
Apesar das críticas, existe, neste grupo, uma clara referência ao formato de rituais e
celebrações religiosas de linhas neocristãs.

Sunday Assembly já possui diversas igrejas espalhadas principalmente pelos


EUA, Inglaterra e Austrália, e atualmente o grupo brasileiro está se formando. Os
representantes brasileiros que estão à frente da construção da Sunday Assembly aqui
no país são empresários que se interessaram pelo projeto de espiritualidade, com
ênfase em ajudar o próximo e estimular o bem-viver. Em contato com estes
representantes brasileiros, pudemos observar a concordância destes com a hipótese
central desta comunicação, a de que este grupo, por não se identificar nem com o
ateísmo absoluto, tampouco com as religiões e o pensamento mágico/supersticioso,
estabelece uma posição que podemos chamar de ateísmo de concessão e fronteira
entre a racionalidade (tendo a ciência como referência e a autonomia de pensamento
como um valor estrutural) e a celebração emocional (pautado nos princípios do bem-
estar e de carpe-diem). Há nesse grupo, a impressão de superação da religião.
Existe uma ênfase ao poder da mente e nas possíveis transformações
decorrentes do domínio mental, tais como pensamento positivo. A Sunday Assembly
funciona, por vezes, como um grupo de ajuda mútua, em que a solidariedade, o não
julgamento e o estímulo ao bem-viver tornam-se ferramentas na busca pela felicidade.

Conclusões

O grupo Sunday Assembly, em consonância com a proposta de templos


seculares de Botton (2011) e com as características da espiritualidade laica apontadas
por Comte-Sponville (2007) e Luc Ferry (2008), apresenta uma proposta de igreja sem
deuses, formato religioso sem doutrina, pensamento mágico, superstições, valorizando
a autonomia de pensamento e a racionalidade, tida como sinônimo de lucidez.
Verificamos que o grupo utiliza repertório e formato religiosos (estilo e etapas do
ritual, como dia e horário escolhido para celebração, depoimentos de cura, músicas de
comunhão, momentos de reconhecimento da palavra de um líder) e coloca a ciência

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como um instrumento a ser exaltado. Trabalhando a hipótese da ciência como uma
referência de adoração no sentido de culto do ateísmo contemporâneo (hipótese já
observada em nossos estudos anteriores: FRANCO, 2014; 2015), verifica-se que a
exaltação do grupo recai sobre o cientificismo (crença de que a ciência tem explicação
e solução para todos os problemas). Este ponto é melhor desenvolvido nos outros
estudos nossos citados.
Basicamente, percebemos que o pensamento mágico que sustenta a fé nas
religiões tradicionais é substituído na espiritualidade laica pelo discurso científico e pela
lógica racional, mantendo-se, entretanto, estrutura e mecanismos similares de
pactuação entre as pessoas. Grupos de apoio sustentam um modo de vida com ênfase
no pensamento positivo e na autonomia (FRANCO, 2015).
Retomam-se os fundamentos do humanismo e associa-se a isso princípios da
laicidade tomados de modo a buscar uma eliminação das religiões no sentido que
tradicionalmente se conhece.
Há a proposta de uma ética do bem-estar, que investe na celebração da vida, na
autonomia, na solidariedade e ajuda mútua, dispensando deuses, elementos
sobrenaturais e dogmas, e enaltecendo a razão humana e sua construção (a ciência)
como canal de acesso a uma vida melhor, positiva e autônoma. Temos uma fórmula da
felicidade em sociedades laicas.

Referências:

BOTTON, Alain de. Religião para ateus. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
COMTE-SPONVILLE, André. O espírito do ateísmo. São Paulo, Martins Fontes, 2007.
DAWKINS, Richard. Deus, um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001a [1976].
FRANCO, Clarissa De. “Psicologia e Espiritualidade”. In: PASSOS, João Décio;
USARSKI, Frank. Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas, 2013.
FRANCO, Clarissa De. O ateísmo de Richard Dawkins nas fronteiras da ciência
evolucionista e do senso comum. Tese de Doutorado, Ciências da Religião, PUC/SP,
2014.

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FRANCO, Clarissa De. Ateísmo contemporâneo e celebração da ética do bem-estar:
elementos festivos da espiritualidade atéia. Ciberteologia - Revista de Teologia &
Cultura - Ano XI, n. 49.
FERRY, Luc. O homem Deus ou O sentido da vida. Rio de Janeiro: Editora Bertrand
Brasil, 2008.
ONFRAY, Michel. Tratado de A teologia. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
SOLOMON, Robert C. Espiritualidade para céticos - Paixão, verdade cósmica e
racionalidade no século XXI. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.
TAYLOR, Charles. Uma era secular. São Leopoldo: UNISINOS, 2010.

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