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- O caso da FUNDREM
Rio de Janeiro
2015
CIP - Catalogação na Publicação
Esta tese foi fruto de um esforço que contou com o apoio de muitas pessoas.
Em primeiro lugar agradeço à minha esposa Talita, pois sem seu carinho, compreensão,
estímulo e paciência, o doutorado teria se tornado muito mais difícil de terminar.
Aos meus familiares. Minha mãe, Graça, e minha irmã, Érica, pelo apoio constante e
pela fé no meu potencial. À Lucinea e ao Augusto, meus sogros, que além de serem
uma sólida base para nós, são meus amigos nas horas de contentamento e nas horas
difíceis. O casal Gustavo e Kelen, meus cunhados, e minha sobrinha Raquel, por terem
se tornado tão próximos nos últimos anos e cuja amizade diminuiu e muito a sensação
de solidão que cerca a feitura de uma tese.
Agradeço de modo especial à minha orientadora, Hipólita Siqueira, que me acolheu
pouco antes do prazo da qualificação e que me deu segurança e incentivo para a
realização desta tese. Seus conselhos, sempre muito pertinentes, foram fundamentais,
apesar de nem sempre eu conseguir atendê-los. O Brandão, de igual maneira, muito me
ajudou com suas dicas e com sua inspiradora inquietação intelectual. Não posso deixar
de lembrar ao meu primeiro orientador, Jorge Natal, pela seriedade e competência, mas
principalmente por ter me recebido no IPPUR com tanta boa vontade. Desejo sucesso
nessa sua nova etapa da vida.
Agradeço aos professores que ajudaram a lapidar a pesquisa. Aos membros da banca de
qualificação, além do Brandão, o Robson Dias da Silva e a Ângela Moulin, que
contribuíram muito para o encaminhamento da tese. Aos membros da banca de
avaliação da tese, que além do Brandão e do Robson, conta com os professores Mauro
Osório e Marcos Barcellos. Agradeço-lhes por aceitarem discutir esta pesquisa,
principalmente em um momento sempre cansativo que é o final do semestre acadêmico.
Agradeço aos colegas do Instituto de Educação Ciência e Tecnologia Fluminense –
Campus Cabo Frio, pelo convívio profissional e pela amizade. À direção do campus,
que sempre foi sensível às demandas do doutoramento e nunca colocou impedimentos
às minhas solicitações de flexibilização. O instituto também me ajudou através de uma
pequena, porém fundamental, ajuda de custo, que diminuiu o sacrifício financeiro que
os compromissos com o curso me exigiram. Agradeço às minhas colegas geógrafas
Roberta e Patrícia Feitosa por terem me liberado das minhas responsabilidades
acadêmicas por um ano.
No IPPUR, agradeço aos professores que muito me ensinaram. Também ao pessoal
técnico-administrativo, a Zuleica, o André, a Cris e a Márcia na secretaria de ensino
pela presteza no atendimento e pela amizade que fizemos. Ao pessoal da biblioteca pela
educação e pelo excelente atendimento.
Os meus colegas de curso me ajudaram pela amizade e por terem me ensinado formas
diferentes de pensar. Nunca conheci um grupo tão inteligente e variado como os
estudantes do IPPUR. Desejo sucesso a todos.
Agradeço a todos aqueles que me abriram as portas para a realização da pesquisa
documental e das entrevistas. Aos bibliotecários do CPDOC-FGV, da Fundação
CEPERJ e da Assembleia Legislativa agradeço por se disporem a me ajudar com o
acervo dessas instituições. Aos funcionários e ex-funcionários do Estado e da
FUNDREM, agradeço por dispor de seu tempo e de sua paciência para a realização de
demoradas entrevistas. Alguns me receberam em suas casas, me emprestaram materiais,
indicaram e convidaram mais pessoas. Aprendi com a experiência delas muito mais do
que leria nos livros. O Alfredo Salomão foi fundamental para o início das entrevistas,
pois me apresentou alguns conhecidos que abraçaram o projeto.
RESUMO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................14
4.2.1 Perfil político de Floriano Faria Lima e o contexto de seu governo: o militar em
missão ............................................................................................................................150
4.3.1 Perfil político de Chagas Freitas e a conjuntura de seu governo pós-fusão ......172
REFERÊNCIAS ..........................................................................................................299
14
1- INTRODUÇÃO
1
Só recentemente alguns eixos do interior fluminense se dinamizaram, como o caso do eixo do petróleo
no Norte Fluminense e o eixo industrial do Médio Paraíba (OLIVEIRA, 2003).
2
O tema do esvaziamento econômico do ERJ deve ser relativizado, como bem demonstrou Dias da Silva
(2004). Segundo sua pesquisa, o ERJ teve taxas de crescimento econômico positivas durante a maior
parte do século XX, porém menores do que a média brasileira, o que redundou na perda de participação
do estado na renda nacional. Porém, em alguns setores, como a agricultura, houve perdas reais no
período, o que permite inferir que nas regiões do estado cuja matriz econômica era a produção agrícola,
houve de fato esvaziamento econômico, como a observação empírica demonstra em certos municípios do
Vale do Café e do atual Noroeste Fluminense.
3
Tal cisão institucional isolou o atual Município do Rio de Janeiro do restante do ERJ. Assim, quando se
fala em Município Neutro, Distrito Federal e Estado da Guanabara está-se referindo aos limites do atual
Município do Rio de Janeiro. O antigo Estado do Rio de Janeiro, por sua vez, era formado pelo atual
território estadual, excetuando-se o Município do Rio de Janeiro.
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medida em que a presença do setor público federal na cidade permitiu que a decadência
da cafeicultura, por exemplo, pouco afetasse a renda carioca. Apesar de a economia da
capital ter perdido ao longo do século XX participação na renda nacional, a cidade
recebeu diversos investimentos que a modernizaram.
O mesmo ocorreu durante o período do Rio de Janeiro como cidade-estado, que
conferiu, pelo menos até 1967, uma situação financeira razoavelmente confortável. Ou
seja, a cisão institucional pode ser considerada como o principal fator que acentuou o
desenvolvimento espacialmente desigual do território fluminense.
A segunda indagação foi se seria possível relacionar o caso específico de
integração institucional do ERJ à emergência de uma questão regional, tendo em vista
que essa discussão foi tradicionalmente abordada no Brasil sob o recorte de análise da
questão Nordeste em meados do século XX, no âmbito do processo de integração do
mercado nacional.
Um primeiro ponto sobre o tema é que a questão regional deriva do processo de
desenvolvimento espacialmente desigual que ocorre a partir da integração de
territorialidades específicas ao âmbito de um mercado unificado com tendências
homogeneizadoras. Esse movimento contraditório entre homogeneização e
diferenciação tende a fragmentar as inércias sociais, gerando conflitos de caráter
territorializado que, a depender da correlação de forças, exige a intervenção do Estado
no sentido de garantir a integração do mercado capitalista.
Oliveira (1993) afirma que a questão regional seria, antes de tudo, fruto da
irresolução da unidade nacional, não só no Brasil, mas também em outros países que
tiveram casos que se tornaram clássicos (como o Mezzorgiorno italiano e o Sul dos
Estados Unidos). Por isso, a temática da questão regional no Brasil foi estudada tendo
como referência a escala nacional, na medida em que o Governo Federal tentou
controlar os conflitos entre as forças sociais do Nordeste.
Esse esforço de encaminhamento da questão regional pelo Estado tende a se
processar com a criação de arranjos institucionais que conduziriam as políticas públicas
voltadas para o enfrentamento da questão, como foi o caso do Banco do Nordeste e
principalmente da SUDENE.
Entretanto, essa abordagem tradicional ignorou as múltiplas escalas que
envolvem tanto o fenômeno histórico-concreto quanto a institucionalidade estatal. No
que tange à questão Nordeste, por exemplo, os entes estaduais foram marginalizados nas
análises. Da mesma maneira, o foco da questão regional como sendo um problema
16
4
Havia outras propostas, como transformar a cidade em um território federal.
18
(4) analisar como a questão evoluiu na agenda dos governos posteriores à fusão
e seu rebatimento nas instituições de planejamento urbano e regional;
(5) investigar especificamente o caso da FUNDREM, que foi a instituição que
simbolizou em sua trajetória os conflitos e contradições da agenda ligada à
questão regional fluminense.
5
Felizmente reproduzida nos anexos da tese de Osório da Silva (2004)
19
ESTADO
soberano absoluto e abriu caminho para o engendramento de dois aspectos que definem
o Estado moderno: a formação da nacionalidade e sua delimitação territorial
(MORAES, 2000).
Com o surgimento dos primeiros Estados Nacionais europeus, a acumulação de
capitais pela via mercantil tornou-se parte das economias nacionais, que passaram a
regular a acumulação através da política econômica (o que inclui a instituição das
moedas nacionais), coagir os conflitos que ameaçavam a soberania nacional (inclusive
aqueles que criavam entraves à acumulação) e, por fim, transformar a política
econômica numa questão geopolítica.
A teoria mercantilista, que presumia a existência de um sistema internacional,
pregava que a riqueza de uma nação deveria ser contabilizada pelo estoque de metais
preciosos no mercado interno e, esse, na ausência de fontes de exploração de ouro e
prata, deveria se dar pela manutenção de uma balança comercial positiva. Assim, a
expansão ultramarina pode ser considerada como um projeto territorialista, que
objetivava conquistar novas áreas supridoras das carências existentes nas economias
nacionais europeias, contemplando desde a escassez de alimentos até, principalmente, a
demanda por metais preciosos para a cunhagem de moedas, pela exploração direta de
jazidas e pela via mercantil com a distribuição de mercadorias exóticas (as especiarias
do oriente).
A análise de Marx foi precisa a respeito do caráter geopolítico da acumulação
primitiva de capitais, que na Europa se deu através da expropriação dos camponeses
pelos grandes proprietários durante o processo de desconstrução das institucionalidades
feudais (suserania e vassalagem), teve seu passo seguinte nas atrocidades cometidas
pelos Estados Nacionais nas colônias ultramarinas.
Não obstante a mais do que evidente vinculação entre o surgimento dos Estados
Nacionais Modernos e a geopolítica que sustentou a expansão da acumulação
capitalista, tanto na formação dos mercados nacionais quanto na mundialização dos
fluxos mercantis, a espacialidade do Estado foi um tema relegado ao ostracismo teórico
pela ampla maioria dos intelectuais que se debruçaram em compreender a estatalidade.
Segundo Brenner (2004), a linha mestra da teoria do Estado, tanto entre os
pluralistas quanto entre os marxistas, sempre pressupôs a espacialidade estatal numa
perspectiva física, estática e enclausurada. O território estatal definiria a fronteira entre
o direito à nacionalidade para aqueles que estariam “dentro” e o exterior, onde reinariam
as vicissitudes do hostil sistema internacional. Além disso, o território seria a base física
que conteria os recursos sobre os quais as necessidades da população seriam supridas,
numa clara correlação ao antigo conceito ratzeliano de “espaço vital” que serviu de base
ideológica para o expansionismo germânico na primeira metade do século XX.
Após a Segunda Guerra Mundial, a difusão das ideias keynesianas sobre o papel
do Estado como organizador da economia e principal articulador da demanda agregada
influenciou a instalação do ideário do planejamento espacial na agenda governamental.
A desorganização causada pelo livre funcionamento dos mercados criaria desequilíbrios
de toda ordem, dentre os quais os desequilíbrios inter-regionais. Ao Estado foi imputado
o papel racionalizador da lógica espacial do capitalismo, intervindo no sentido de
reduzir os desequilíbrios regionais.
Desenvolveram-se, assim, agendas de pesquisa que visavam balizar
teoricamente a intervenção estatal no território. No mundo anglo-saxão por meio da
chamada Ciência Regional e da Geografia Quantitativa, foram retomados os estudos
seminais dos teóricos da localização (Von Thunen, Weber, Lösch e Christaller),
desenvolvendo seus princípios matemáticos. Além disso, mantiveram as hipóteses cujas
origens estavam na economia neoclássica, como a suposição do homo economicus e da
planície isotrópica. Essa última, em especial, representou de modo completo a
concepção estática da espacialidade ao supor que o espaço se resumia às “fricções”
geradas pela distância, ou seja, o custo dos transportes como definidor da extensão dos
mercados de consumo para os investimentos produtivos. Apesar de manter os
referenciais ortodoxos, tais teorias foram muito utilizadas no esforço de reequilíbrio das
regiões.
Na América Latina, por outro lado, o campo do planejamento urbano e regional,
seguiu a influência do paradigma keynesiano, através de fontes de corte heterodoxo. A
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6
LEFEBVRE, Henri. The production of space. Malden: Blackwell, 2012.
29
7
Com o termo extraído da geomorfologia, Milton Santos chama de rugosidades as morfologias espaciais
herdadas de antigos processos de produção do espaço extintos e que podem ou não ser apropriadas pelos
usos do momento.
31
8
A referência utilizada por Brenner (2004) foi o livro de Bob Jessop intitulado “State Theory”, publicado
em 1990.
35
Daí que, dependendo da agenda e das seletividades por ela criada, o Estado não
somente busca amenizar o quadro de fragmentação espacial operado pelas forças de
mercado, mas também pode servir como mais um ator a acentuá-lo, seja
deliberadamente, seja acidentalmente.
Com efeito, no bojo da dialética entre a fragmentação e a homogeneização,
Brenner (2004) categoriza diversas possibilidades de arranjos nos âmbitos institucional,
escalar e territorial: centralização x descentralização; uniformidade x customização;
singularidade x multiplicidade; equalização x concentração.
Portanto, a espacialidade como arena, meio e resultado do poder do Estado na
ordem capitalista é também uma de suas principais questões. Em nível teórico-abstrato,
a questão se dá pela compreensão do processo disruptivo e fragmentário da produção
capitalista do espaço. Em nível histórico-concreto, a questão se manifesta na
identificação dos desenvolvimentos desiguais e combinados sob o capitalismo, através
da hierarquização da divisão territorial do trabalho, nas escalas mundial, nacional,
regional e local.
No âmbito político do Estado, a questão pode ser genericamente rotulada de
questão regional (ou territorial, ou urbana, se for o caso), que é o reconhecimento, ainda
que discursivo, do desenvolvimento desigual enquanto questão estatal.
Segundo Amin (1976), o problema da teoria ricardiana é que, por se basear num
raciocínio estático, naturaliza as “vocações nacionais”, desconsiderando a história (e a
geografia) das formações econômicas nacionais, que criam os diferentes níveis de
produtividade setoriais. Por que a Inglaterra se tornou mais especializada na produção
de tecidos do que Portugal? A Inglaterra sempre teve vocação para a produção de
tecidos? Teria desenvolvido tal expertise se adotasse a teoria das vantagens
comparativas quando o setor estava ainda começando a se desenvolver?
São perguntas que a teoria clássica do comércio internacional ignora. Além
disso, Amin (1976) questiona também o problema da troca desigual, que ao longo do
tempo passaria a transferir recursos do país menos desenvolvido para o país mais
desenvolvido, tema que surgiu durante a década de 1940 a partir do trabalho seminal de
Raul Prebisch, como se verá adiante.
Não obstante, a importância da teoria das vantagens comparativas é que ela se
baseia na identificação da divisão territorial do trabalho, que só foi possível com a
integração dos territórios sob a égide da formação dos mercados internacionais e
nacionais de troca durante o século XIX.
A realidade do desenvolvimento desigual, porém, não foi reconhecida, sendo
escamoteada pela apologia à especialização produtiva, tal como foi o caso brasileiro
entre fins do século XIX e início do século XX, quando a política econômica nacional
era sustentada no discurso da vocação brasileira na produção de gêneros agrícolas
tropicais para o mercado europeu e estadunidense. Quando da emergência do
nacionalismo econômico nos anos de 1930 e da defesa da industrialização como
estratégia de emancipação nacional, os liberais e os conservadores de então lançavam
mão da teoria das vantagens comparativas como contraponto.
Por outro lado, três foram as abordagens que perceberam que o processo de
mundialização do capital e sua projeção em uma divisão internacional do trabalho eram
geradores de heterogeneidades e desigualdade: o marxismo, que desenvolveu estudos
sobre o imperialismo e apresentou as primeiras formulações do desenvolvimento
desigual e combinado; os economistas não liberais, que desenvolveram a teoria da troca
desigual; e os geógrafos, que desde fins do século XIX já se debatiam, em separado das
outras ciências sociais, sobre a questão epistemológica entre a geografia geral e a
geografia regional.
A partir dessas se constituíram, décadas mais tarde, muitas das abordagens que
buscavam dar conta da questão regional como questão de Estado. Em comum entre os
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Região-personagem foi como Yves Lacoste (2009) rotulou, de forma crítica, o chamado método
regional, que os geógrafos franceses consideravam a principal tarefa da disciplina, ou seja, identificar e
descrever as paisagens de modo a identificar as diferenciações que formariam as regiões. As regiões
seriam, assim, um fato concreto e único, que por meio do “olhar do geógrafo” seria possível identificar.
Considerava-se que tal concepção era criação de Vidal de La Blache, mas estudos críticos recentes
demonstram que era, na verdade, uma apropriação equivocada das contribuições do pai da geografia
francesa.
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portanto, duas faces da mesma moeda, já que na busca pelos superlucros, a alocação dos
capitais para os setores e áreas mais rentáveis terá sempre como contrapartida o
abandono relativo das opções menos rentáveis.
Ainda assim, a relação entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento é
sempre temporária, pois as constantes rupturas existentes no processo de acumulação
alavancam reestruturações que alteram, profunda ou relativamente, os quadros
anteriores10.
A investigação teórica de Mandel (1982) ao analisar a geografia da acumulação
capitalista destaca, ainda, o caráter escalar em que o desenvolvimento espacialmente
desigual ocorre. Além de focar nas tradicionais análises das relações internacionais,
destacando as relações imperialistas entre metrópoles, colônias e semicolônias, Mandel
destaca que, no interior dos próprios países metropolitanos, as leis do desenvolvimento
desigual ocorrem entre as áreas urbano-industriais e as áreas agrícolas
subdesenvolvidas, que ele chama de “colônias internas”.
Além de submetidas aos mecanismos de troca desigual, as “colônias internas”
tenderiam, ainda, ao aprofundamento de sua condição periférica devido à própria
internacionalização dos capitais, já que em comparação às oportunidades de lucro nas
colônias externas, as “colônias internas” teriam a tendência a serem sempre preteridas
como opções para investimento, devido à maior uniformidade de preços e de custos
operados na escala nacional, tendo por base sempre as regiões mais desenvolvidas.
Não obstante, isso não significa dizer que haveria uma relação estática, já que,
dependendo do momento mudanças ocorrem, como se provou com a reestruturação
espacial do capitalismo a partir dos anos 1970.
O trabalho mais explícito na tentativa de criar subsídios para uma teoria marxista
do desenvolvimento espacialmente desigual foi realizado por Neil Smith (1988), que
estruturou sua abordagem sobre três fenômenos espaciais: (1) a dialética entre a
equalização e a diferenciação espacial; (2) as escalas espaciais do desenvolvimento
desigual; (3) o caráter dinâmico do processo da disparidade espacial.
A dialética entre a equalização e a diferenciação espacial desenvolvida por Neil
Smith trata daquelas problemáticas analisadas nas páginas acima entre a
homogeneização e a fragmentação das matrizes espaciais no capitalismo, porém numa
10
Neste ponto, Mandel se opõe à tese de Luxemburgo sobre os limites da acumulação pelo subconsumo,
já que a desvalorização de certos capitais é acompanhada por valorizações de outros capitais, não raro em
esferas totalmente novas.
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Por outro lado, buscou-se, a partir dos insights marxistas sobre a formação do
mercado mundial e do desenvolvimento desigual, construir um conceito de região a
partir das manifestações concretas do processo geral de acumulação de capital nas
formações socioeconômicas específicas.
Segundo Oliveira (1977), uma região, seguindo os princípios teóricos do
marxismo, seria um espaço onde há uma imbricação de processos sociais, políticos e
econômicos que criam uma forma especial de reprodução do capital e, por
consequência, manifestações particulares da luta de classes.
Nesses termos, o fenômeno regional só pode ocorrer a partir de sua articulação
com a divisão territorial do trabalho, em suas diversas escalas, na inserção da região no
mercado mundial e na constituição, e na integração do mercado nacional. A região seria,
assim, sempre uma formação social num sentido relacional, na medida em que suas
especificidades criam unidades, mas sempre referenciadas pela existência de outras
regiões, igualmente diferentes e integradas segundo hierarquias mutáveis.
O conceito de divisão territorial do trabalho é central também para Doreen
Massey (1979), em seu esforço de compreender os processos que originam os
problemas regionais. Criticando as abordagens que generalizam de modo pouco preciso
o fenômeno, Massey argumenta que a desigualdade regional é um efeito estrutural da
espacialidade capitalista, sendo tanto um fenômeno historicamente relativo quanto um
processo espacial passível de mudança11.
A divisão territorial do trabalho seria o resultado, assim, das práticas locacionais
dos capitais que se apropriam das diferenças geográficas segundo os critérios que
buscam a maximização dos retornos dos investimentos. Além de esse uso do espaço
variar segundo os setores, variaria com o tempo, de acordo com os movimentos
econômicos, políticos e tecnológicos, que poderiam dar origem a novas divisões
territoriais do trabalho, de modo a reconfigurar a emergência dos problemas regionais.
Já David Harvey (2005) considera que a formação dos espaços regionais seria o
resultado das coerências estruturadas engendradas na produção do espaço capitalista,
em que “a produção e o consumo, a oferta e a procura (por mercadorias e força de
trabalho), a produção e a realização, a luta de classes e a acumulação, a cultura e o estilo
de vida permanecem unidos (...)” (HARVEY, 2005, p. 147).
11
Trata-se de uma possibilidade, já que não se pode esquecer o poder de inércia dos usos do espaço, pois
toda reestruturação espacial é dotada de custos consideráveis que são, sempre, levados em conta pelos
atores econômicos. Há de se considerar, também, as rugosidades de que fala Milton Santos (2004), que
são os testemunhos de períodos históricos passados que ficam cristalizados nas formas geográficas.
45
relação com a espacialidade, e não em abstrações que transformam a região num fetiche
espacial.
Em suma, entre as abordagens dos autores marxistas, o desenvolvimento
desigual e combinado é um fenômeno espacial típico do sistema capitalista, em que no
processo de expansão geográfica da acumulação de capital, as áreas mais desenvolvidas,
plenamente capitalizadas, articulam-se contraditoriamente com as áreas não capitalistas,
impondo-lhes de maneira incompleta a modernização, como recurso de rentabilizar
fragmentariamente os capitais.
O desenvolvimento desigual teria uma relação inerente com os Estados, tanto ao
nível geopolítico, das relações internacionais (que se manifestaram através do
imperialismo) quanto no interior dos territórios nacionais, como parte da contradição da
formação dos mercados internos.
12
A principal formulação crítica à tese ricardiana foi elaborada por Raul Prebisch, que depois se tornou
uma das pedras angulares do pensamento cepalino. A tese da deterioração dos termos de intercâmbio e a
consequente troca desigual foi um ataque frontal ao liberalismo e influenciou fortemente as políticas
econômicas dos países da América Latina, assim como autores de outros países que analisavam o sistema
capitalista segundo o modelo centro-periferia.
13
A formulação teórica de Celso Furtado (1965) foi central para a temática do subdesenvolvimento.
Furtado se opõe à concepção que descrevia a história econômica do capitalismo como uma evolução
linear e etapista, cuja implicação política era considerar o subdesenvolvimento como uma fase pela qual
todos os países passariam para chegar ao patamar dos Estados, nações, atores, para não repetir países
centrais do capitalismo. Nesse trabalho, Furtado demonstra que, ao contrário, os países ricos nunca teriam
sido subdesenvolvidos, pois se trataria de um fenômeno específico derivado da expansão dos capitais dos
países industrializados sobre as estruturas pré-capitalistas dos antigos territórios colonizados. As
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empresas modernas que atuavam nesses países seriam limitadas a setores exportadores, pois a extensão da
economia de subsistência obstaria a formação de mercado de consumo interno. Mesmo em casos mais
complexos como o brasileiro, em que teria nascido um núcleo industrial de substituição de importações, o
fator dinâmico continuava no mercado externo, principalmente na balança de pagamentos que era o que
definia os surtos de substituição de importações. Por isso, Furtado defendia o esforço pela elaboração de
uma teoria do subdesenvolvimento.
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14
O livro Formação econômica do Brasil foi publicado em 1959.
52
15
Myrdal ganhou em 1973 o Nobel de Economia, ironicamente dividindo o prêmio com Hayek, que
como é sabido era um dos principais críticos do tipo de política econômica defendido pelo primeiro.
54
O Estado é tido como uma instituição neutra, e não como um campo de forças
complexo e multifacetado, que não somente tenta organizar o caos do desenvolvimento
desigual, mas também opera no sentido de seu recrudescimento, como apontado por
Brenner (2004). Com efeito, a contraditória ação intervenção do Estado no território cria
tensões de natureza regionalizada que acabam por colocá-las na agenda política e, por
fim, na agenda do Estado.
anos? A outra pergunta era: por que, diante das novas possibilidades de comunicações
que estavam surgindo, era possível se observar a ancoragem dessas empresas a certos
contextos territoriais?
Para a primeira pergunta, o trabalho de Ronald Coase (1937) sobre os custos de
transação foi um marco importante, pois enfrentava o dilema sobre quais condições os
capitalistas optavam por internalizar as cadeias produtivas nas firmas ou, por outro lado,
optavam por recorrer aos mercados para adquirir os insumos necessários no processo de
produção.
A teoria dos custos de transação foi fundamental para algumas das investigações
em desenvolvimento regional nos anos 1980, que tentavam compreender o porquê do
processo de terceirização nos novos espaços industriais (SCOTT, 1988).
Ainda assim, restava a questão sobre o que de fato fazia reduzir os custos de
transação nas cadeias produtivas formadas por várias empresas diferentes, questão para
a qual o trabalho de Douglas North (1990) tornou-se uma referência. Ele defende que a
eficiência econômica, determinada pelos custos de transação, dependia dos arranjos
institucionais que regulavam as trocas no mercado. Tais arranjos, segundo North
(1990), eram formados tanto por regras formais, quanto por acordos tácitos ligados à
cultura e as formas de sociabilidade.
As formulações de North (1990) contribuíram para que as pesquisas
empreendidas ao longo dos anos de 1990 lançassem luzes para a constituição de
arranjos e ambientes institucionais16 no crescimento dos novos espaços industriais.
Autores como Stoper (1997) e Amin (1999) procuraram demonstrar que o segredo das
economias regionais mais competitivas era o conjunto de convenções sociais
fortalecidas pela proximidade geográfica, pois elas permitiam, através de relações
interpessoais, a formação de um ambiente onde o fluxo de conhecimentos e informações
seria difuso.
Isso, segundo esses autores, favoreceria, por exemplo, o estabelecimento de
contratos e o processo de inovação. Tais conclusões foram também muito influenciadas
pelos economistas italianos que reciclaram as descrições marshalianas dos distritos
industriais e de sua “atmosfera industrial”.
16
A distinção entre arranjos e ambientes institucionais foi uma formulação de Ron Martin (2000) para
diferenciar os aspectos organizacionais (empresas, Estado, famílias, etc) dos aspectos normativos (regras,
convenções sociais e culturais) das instituições.
62
17
O antigo institucionalismo – ou institucionalismo originário – foi formado por economistas
estadunidenses do início do século XX que, a partir do conceito de instituições, estudavam os fenômenos
econômicos como parte das relações sociais. O precursor do institucionalismo foi Torstein Veblen,
seguido por John Rogers Commons, Wesley Mitchell e Clarence Ayres.
63
18
Os geógrafos críticos da década de 1970, marxistas ou não, também adotaram um tipo de raciocínio
semelhante a respeito da relação entre o espaço e a sociedade. A formulação de Milton Santos, por
64
exemplo, possui analogias com as dicotomias da sociologia (os finais rimam: ias/ias/ia... se puder trocar
analogias por semelhanças, já melhora um pouco): o espaço seria ao mesmo tempo o resultado e a causa
das relações sociais, tendo um papel, portanto, estrutural. Neste sentido, o espaço era, ao mesmo tempo,
um produto das relações sociais e a matriz que condicionava as possibilidades de ação (ver Santos, 1978).
65
deparam com instituições concretas, que no senso comum, não raro, são reificadas como
entidades autoexistentes, com vontades e poderes, como é o caso do aparato do Estado.
Mesmo na pesquisa científica, a linguagem adotada costuma reproduzir uma
noção de “pessoa” aos arranjos institucionais representados pelas empresas, pelo
Estado, pela família, dentre outros. A personificação das empresas como “pessoa
jurídica” é um exemplo de uma institucionalidade que tenta naturalizar a instituição
empresa como um ator unitário, consciente, despersonificando, por outro lado, as
pessoas que exercem os poderes institucionalmente garantidos, que passam a fazer tão
somente aquilo que as normas institucionalizadas obrigam19.
De fato, tais arranjos institucionais “agem” na esfera concreta, mas não são entes
volitivos pois, imersos no processo de estruturação dos sistemas sociais que criam os
arranjos institucionais, respondem aos campos de lutas que se formam em torno das
instituições e que são os responsáveis pela sua perpetuação e também pela sua extinção.
O cerne do debate sobre o Estado na ciência política, por exemplo, é fundamentalmente
sobre qual seria sua natureza institucional.
No campo pluralista, a questão gira em torno da “neutralidade” e da mediação
do Estado junto aos diferentes interesses representados eleitoralmente nas democracias
ocidentais. Entre os marxistas, a relação entre o poder de classe, a economia e o Estado
levou à criação de diferentes concepções: o Estado como instrumento de coerção
institucionalizado da burguesia (Lênin); como um conjunto de instituições
majoritariamente controlado pela classe dominante, mas com algumas inserções da
classe trabalhadora (Miliband); como a mais poderosa instituição que reproduz a
hegemonia ideológica burguesa (Gramsci); como a condensação da relação de classes,
que materializa primordialmente os interesses da burguesia, mas não como instrumento
devido ao conflito com os trabalhadores no bojo do próprio aparato estatal
(Poulantzas)20.
19
Caso típico dos executivos de grandes corporações transnacionais, que apesar de não raro possuir certa
sensibilidade “ambiental” ou “social”, como dirigentes precisam agir contra suas pretensas preferências
pessoais em nome do respeito à empresa ou em decorrência das imposições da concorrência. Um
agravante desse tipo de ideologia e de despersonificação das pessoas em benefício da personificação da
instituição (empresa, Estado, Nação) é o aspecto central da crítica de Hannah Arendt sobre a
burocratização da vida social, que no caso do Nazismo levou pessoas comuns (como Eichmann),
incapazes de presenciar pessoalmente a barbárie, a participar de inúmeros crimes contra a humanidade,
por meio da impessoalidade dos atos burocráticos.
20
Para um “sobrevoo” dessas e de outras abordagens teóricas a respeito da natureza do Estado capitalista,
ver o livro de Carnoy (2011).
66
Parte das lutas que se dão na sociedade e que perpassam o aparato institucional
do Estado vai se refletir na conformação da agenda governamental, que é o quadro
orientador da implementação das políticas públicas. Segundo Capella (2005), o estudo
sobre a formação da agenda governamental é pouco sistematizado nas ciências sociais
do Brasil, apesar de sua fundamental importância.
Nos Estados Unidos, no entanto, o tema tem sido abordado a partir,
principalmente, de dois modelos teóricos: por um lado, o de John Kingdon21 , de
múltiplos fluxos (Multiple Streams Model), e, por outro, o de equilíbrio pontuado
(Punctuated Equilibrium Model), de Frank Baumgartner e Briam Jones22. Ambos eram
embasados em abundantes materiais empíricos.
A questão para esses trabalhos, segundo Capella (2005), era entender como uma
questão específica se torna importante de modo a focalizar a atenção governamental e,
por fim, passar a integrar sua agenda.
Em ambos os modelos assume-se corretamente que a existência de certos
fenômenos sociais e políticos per si não significa que sejam considerados problemas
dignos da ação direta do Estado. Assim, diante da multiplicidade de possíveis
problemas, pergunta-se como determinados fenômenos chamam a atenção dos
tomadores de decisão, sejam pessoas ou instituições, e outros não. É a essa pergunta que
os dois modelos propõem respostas diferentes, mas complementares.
Kingdon (apud Capella, 2005) considera que a formação da agenda
governamental é um processo complexo, já que existiriam vários subconjuntos de
questões diferentes que disputam a atenção dos tomadores de decisão do Estado. Sua
proposta de análise supõe que a agenda é formada com o encontro de três fluxos
diferentes, sem o qual um determinado assunto não entra na agenda.
O primeiro fluxo é a identificação de um problema, ou seja, quando se reconhece
que certos fatos ou fenômenos são colocados como objetos de intervenção do Estado. O
reconhecimento de um problema pode-se dar por diversas vias, como, por exemplo, em
resposta a problemáticas levantadas pelas estatísticas de órgãos oficiais, crises, eventos
simbólicos ou o retorno de intervenções anteriores do Estado. Esses caminhos servem
como legitimadores da construção social do problema, transformando-a, por fim, em
uma questão a ser lidada pelo Estado.
21
O principal escrito foi Agendas, Alternatives and Public Policies, cuja primeira edição foi em 1984.
22
O principal trabalho foi Agendas and Instability in American Politics, publicado em 1993.
67
23
Essas foram duas linhas de pensamento independentes. O conservacionismo nos Estados Unidos era um
movimento que datava de fins do século XIX, e cuja força política foi capaz de criar o primeiro parque
nacional do mundo, o de Yellowstone, em 1872. Já o planejamento regional aplicado na experiência da
TVA, teve como precursor Patrick Geddes que, dialogando com a geografia regional francesa e com os
intelectuais anarquistas, propunha o planejamento regional como meio de organização societária coletiva.
Suas ideias influenciaram a Regional Planning Association of America, que foi o berço intelectual da
experiência do New Deal (HALL, 2011). Através do TVA, que tinha como uma de suas linhas mestras o
uso racional dos recursos naturais por meio do planejamento regional, considerando a bacia hidrográfica
como recorte, as duas linhas de pensamento foram unidas.
70
24
Caso de Delgado de Carvalho, que em 1911 fez uma das primeiras regionalizações do país. Mas o
mesmo era francês, com formação acadêmica na Universidade de Lausanne e na London School of
Economics.
25
Antes havia publicações esparsas de relatos, principalmente por viajantes . Destaque deve ser dado a
Euclides da Cunha que por meio de sua obra Os Sertões foi um verdadeiro precursor do tipo de trabalho
geográfico possibilista que se desenvolveu a partir da década de 1930.
74
26
Os outros equívocos que ele destaca são: o mito de que a industrialização era a tábua de salvação para o
atraso regional; o mito (cuidadosamente elaborado) de que não se necessitaria alterar a estrutura fundiária
no Brasil em virtude de sua extensa fronteira agrícola, para onde se poderia destinar os excessos da
população rural; e o mito de que o planejamento regional seria a panaceia para a superação definitiva das
desigualdades regionais.
76
Desde então, a trajetória da SUDENE, apesar das inércias que sempre existem
nos ambientes institucionais, foi condicionada pela trajetória das conjunturas políticas e
da formação da agenda governamental.
Em 1964 tem-se a ruptura provocada pelo Golpe Militar e o início do longo
período de autoritarismo que consolidou o processo de modernização do Brasil pela via
conservadora das estruturas sociais.
27
A tese da criação de um polo manufatureiro autônomo, que Furtado considerou como caminho para
superação do subdesenvolvimento do Nordeste, foi alvo de muitas críticas em estudos posteriores.
Moreira (1979), por exemplo, diz que a concepção furtadiana isolava a região da dinâmica nacional e que
considerando a divisão espacial do trabalho no país, seria um erro metodológico encaminhar políticas de
desenvolvimento regional no sentido de torná-lo autônomo do Centro Sul. Ainda que devendo se matizar
o resultado posterior a 1964, Moreira demonstra que a política de industrialização baseada em incentivos
fiscais levou a uma industrialização no Nordeste complementar à do Centro Sul.
80
entre, por exemplo, as áreas produtoras de açúcar e as áreas de produção algodoeira, que
apresentavam interesses por vezes conflitantes.
Como visto antes, as diferentes divisões espaciais do trabalho entre os setores da
economia configuram uma realidade mais intrincada para entender a emergência dos
problemas regionais.
Uma das consequências desse foco na esfera nacional, quando se fala “questão
regional” no Brasil, é a tendência a ignorar a complexidade institucional do Estado
Brasileiro, que envolve as contradições do pacto federativo e a importância das esferas
de poder subnacionais, em especial os entes estaduais.
Apesar da tendência à centralização tributária nas mãos da União ao longo do
século XX, os pactos de poder estabelecidos na esfera nacional em maior ou menor grau
dependeram de arranjos com as esferas políticas subnacionais, com as oligarquias e
grupos políticos em todos os estados da federação.
Nos principais textos sobre a SUDENE, por exemplo, subjaz na análise os
desafios impostos pelos governadores e por suas respectivas bancadas parlamentares na
própria aprovação da Lei de Criação da Autarquia e, posteriormente, na elaboração e
implementação das políticas de incentivo, que compuseram aguerridas disputas
federativas. Apesar disso, a esfera estadual permaneceu em relativa obscuridade nas
principais investigações sobre a questão regional brasileira (HADDAD, 1984).
Os estados (unidades da federação) são também uma esfera de poder e
intervenção, com lógicas políticas que lhe são próprias, que se articulam e se tensionam
com os outros atores sociais (empresas, órgãos governamentais, movimentos sociais)
que intervêm nos territórios por meio de seus próprios instrumentos.
Nesse sentido, há questões que dizem respeito principalmente à alçada dos
governos estaduais, ainda que se possa dizer que a origem e as repercussões de tais
problemáticas não se limitem a apenas uma escala. É sob esse prisma que surge a
necessidade de se considerar a existência de questões regionais que ocupam
principalmente a agenda governamental dos estados, independente de criar ou não
rebatimentos na agenda nacional.
Além disso, considerando os reescalonamentos existentes no próprio Estado
Brasileiro, a agenda nacional influencia a formação das agendas estaduais, seja por meio
da difusão de um paradigma de intervenção governamental, seja por meio de decisões
hierárquicas que ocorrem em momentos de centralização.
83
cuja disputa vem prejudicando o próprio equilíbrio das contas públicas, reduzindo a
capacidade de promover os investimentos nos setores sociais.
Assim, ao se manejar a escalaridade do fenômeno do desenvolvimento
espacialmente desigual, é possível verificar a existência de outras questões regionais
que dificilmente conseguem se impor politicamente na esfera nacional.
Por outro lado, suas contradições tornam-se particularmente incômodas para as
esferas estaduais, onde, por vezes, conseguem maior abertura política para se colocarna
agenda governamental e, dependendo da correlação de forças internas ao estado, alçar-
se à esfera federal.
Esse é o caso, em particular, do ERJ, que como se verá a seguir, possui sua
questão regional própria, que na maioria das vezes não é reconhecida segundo a escala
tradicionalmente considerada pela literatura sobre o tema, bem como na agenda política.
28
É importante lembrar que até a década de 1970 o ERJ não se situou fora da curva em relação à média
de crescimento do restante do país, à exceção de São Paulo, que crescia acima da média nacional.
92
29
Como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Vale do Rio
Doce, a Petrobras, a Refinaria de Duque de Caxias, as Usinas Nucleares de Angra, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico, dentre outros.
30
Ao falar sobre o “Rio de Janeiro”, as comunicações do seminário privilegiavam a cidade do Rio de
Janeiro, mencionando o restante do ERJ, incluindo a periferia metropolitana, de modo marginal. Aliás,
em algumas intervenções pode-se coletar argumentos de típico caráter “cariocêntrico” (ver Passos et al,
2007), manifestando certo saudosismo do período do Estado da Guanabara. Vide, por exemplo, o texto de
Hélio Jaguaribe, que além de lamentar a perda de receita causada pela fusão, defendia que a cidade do
Rio de Janeiro deveria receber total prioridade dos investimentos governamentais, para depois irradiar
seu desenvolvimento para o restante do estado.
93
De certa maneira, sempre houve uma noção de unidade entre a cidade do Rio de
Janeiro e o entorno que configura o atual ERJ. Em termos de polarização funcional, de
constituição de uma região de influência, tal reconhecimento sempre foi presente,
incluindo, além do interior fluminense, a Zona da Mata Mineira e o estado do Espírito
Santo. Os trabalhos clássicos de geografia fluminense, feitos antes da fusão, incluíam a
cidade do Rio e o antigo estado do Rio como um território só, apesar da cisão
institucional.
A obra de Alberto Lamego31 escrita na década de 1940 sintetiza bem a noção de
unidade do território fluminense, tendo como centro polarizador a cidade do Rio de
Janeiro. Com uma abordagem que oscila entre o determinismo e o possibilismo
geográficos, Lamego adota uma visão teleológica da evolução territorial, em que cada
segmento regional, diferenciado pelo seu substrato físico – o brejo, a restinga, a
31
Os setores da evolução fluminense: O homem e o brejo (1945), O homem e a restinga (1946), O
homem e a Guanabara (1948) e O homem e a serra (1950).
96
Guanabara e a serra – tem formações sociais que são pré-determinadas pela geografia,
estabelecendo “vocações” às regiões.
No caso, em “O homem e o brejo” a vocação agrícola da cana-de-açúcar tornaria
a região um dos esteios da Província Fluminense durante o Império, enquanto a região
das restingas teria possibilidades apenas pela exploração do sal e da pesca. A serra, por
seu turno, fora o grande obstáculo à ocupação do interior, entretanto floresceu durante o
ciclo cafeeiro no Império. Mas seria a Guanabara que articularia todo esse conjunto, por
sua vocação portuária sem igual e por sua centralidade urbana, que para Lamego
também seria uma tendência na ocupação daquele espaço. Toda produção regional teria
como destino natural o porto da cidade do Rio de Janeiro, que também irradiaria por seu
entorno todas as inovações que desembarcassem no país.
Com efeito, os ciclos da economia primário-exportadora produzidos no território
fluminense durante os séculos XVIII e XIX tiveram suas primeiras experiências no
recôncavo da Guanabara. A cana-de-açúcar foi plantada no entorno da baía antes de
vicejar nas planícies aluviais da baixada campista, no atual Norte Fluminense. Da
mesma maneira, o café foi uma opção de atividade econômica nas montanhas cariocas
antes de se transferir para o Vale do Paraíba fluminense e, posteriormente, migrar para o
Estado de São Paulo. Por outro lado, a cidade do Rio de Janeiro centralizou toda a
intermediação comercial e financeira desse entorno, oferecendo serviços urbanos
durante o florescimento das atividades agropastoris fluminenses.
No entanto, esse mesmo processo engendrou a diferenciação econômica e
funcional entre a cidade do Rio e o interior fluminense. Este último foi o espaço das
atividades agrícolas, da dominância das aristocracias ruralistas e do pequeno
desenvolvimento urbano. Aquela se destacou pela evolução de sua vida urbana e, por
conseguinte, pelo pioneirismo nos modismos importados da Europa. Lamego capta bem
essa distinção entre o Rio de Janeiro e seu entorno:
do Norte Fluminense, visto que sua trajetória econômica vem sendo determinada pela
capacidade de um produto hegemônico, no passado a cana, atualmente o petróleo, em
alavancar a renda regional.
A análise neste capítulo será somente referente aos dois primeiros ciclos, cujo
início da decadência, na década de 1970, coincide com o período da fusão. A
exploração petrolífera é mais recente, sendo o motor de transformações importantes na
economia estadual, principalmente a partir de meados da década de 1990. Ademais, a
cana-de-açúcar é, ainda, uma das marcas características da região.
O primeiro ciclo engloba o período do início do cultivo da cana–de-açúcar no
século XVIII até sua desestruturação com a abolição da escravatura em fins do século
XIX. Nessa fase, a economia regional apresentava uma estrutura dual, como era típico
no Brasil colonial: havia o setor exportador de açúcar e o setor de subsistência, cujo
excedente também era exportado para os nascentes mercados urbanos coloniais, em
especial a cidade do Rio de Janeiro.
Aliás, essa era mais uma marca distintiva da economia açucareira campista em
seus primórdios: sua produção não se destinava aos mercados externos, como o açúcar
nordestino, mas ao abastecimento do mercado interno, o que explica a sobrevivência das
pequenas engenhocas no Norte Fluminense.
Esse quadro mudou com a transferência da Coroa para a cidade do Rio de
Janeiro, em 1808, que engendrou um incremento em quantidade e qualidade do mercado
urbano carioca. Tendo em vista a nova conjuntura, iniciou-se na baixada campista o
processo de mecanização dos engenhos, com a implantação de novidades técnicas,
como a máquina a vapor.
Evidentemente, tal transformação se deu a partir de maiores inversões de
capitais na produção e do consequente aumento da produtividade de alguns engenhos.
Assim, aqueles proprietários que tiveram melhores condições de realizar tais
investimentos logo sobrepujaram as engenhocas mais rudimentares, concentrando as
propriedades e a produção de açúcar.
Deu-se início, em meados do século XIX, à fase áurea do “baronato do açúcar”,
que constituiu, junto com os barões do café, a aristocracia que sustentou politicamente o
Império. Nas palavras de Lamego:
32
Um argumento surpreendente apontado por Cruz (2003) é o ataque às leis de mercado capitalistas, sob
as quais o setor estaria se inserindo sob liderança paulista e apoiadas pelo Governo Federal, e o recurso a
ideais humanitários não mercantis, como a tradição da agroindústria campista, a necessidade de
solidariedade com a região, que dependia da cana, ao contrário de São Paulo.
104
33
Uma característica do cultivo do café era seu alto investimento inicial em capital fixo com retornos em
longo prazo, visto que o café só começava a produzir a partir do quarto ano, com uma produção crescente
até o nono ano, e depois passava a gerar retornos marginais decrescentes pela redução de sua
produtividade. Por isso, a cafeicultura apresentava uma evolução espacial determinada pela idade dos
cultivos, como denominado por Mello (1986), como áreas velhas, de produção decrescente; áreas
maduras, no ápice da produção; e áreas novas, com produção crescente.
107
34
Sobre esse tema, ver a dissertação de Vieira (2000).
109
35
O fim do tráfico de escravos internacionais aumentou a importância tanto da reprodução dos escravos
(até 1871), quanto do tráfico interno. Tais saídas, no entanto, não impediram a escassez da mão de obra
escrava e seu encarecimento (MELLO, 1986).
110
36
Com relação ao processo de industrialização a partir do capital cafeeiro, Mello (1986) argumenta que,
ao contrário do que se acreditava, os surtos de industrialização ocorreram justamente nos momentos de
expansão das exportações cafeeiras, quando se criavam condições de importar bens de capital e havia
capital excedente para inversões em outras atividades. Tudo isso, além das condições já engendradas de
modo estrutural, como a introdução do trabalho assalariado, a formação de um mercado interno e o
desenvolvimento de uma agricultura mercantil de alimentos.
37
A tese de Wilson foi defendida em 1975, quando a fusão acabara de ocorrer. Ou seja, sua análise é
circunscrita ao território do atual Município do Rio de Janeiro, considerando suas relações com o entorno,
que na época era o Estado do Rio de Janeiro.
112
38
Segundo Dias da Silva (2004) a agropecuária fluminense entre 1939 e 1980 teve um crescimento médio
anual de 2,2%, muito abaixo da média nacional no setor (4,4%) e dos outros setores da economia
fluminense, já que o setor industrial cresceu 6,9% a.a, e o setor de serviços, 5,8% a.a. O crescimento do
setor no ERJ foi garantido pela expansão da pecuária bovina, que apresentou aumento da área destinada à
atividade em torno de 60,8% entre 1960 e 1980, enquanto que a área ocupada pela agricultura se reduziu
em 33,3% durante o mesmo período. Com isso, a participação da agropecuária fluminense no PIB
nacional caiu de 6% em 1939 para 2% em 1980.
113
João Manuel Cardoso de Mello (1986) aponta que nessa fase de crise da antiga
economia colonial não havia caminho predeterminado, visto que a economia brasileira
poderia tanto ter se inserido na divisão internacional do trabalho liderada pela
Inglaterra, como de fato ocorreu, quanto voltado para a economia de subsistência.
A mobilização dos recursos produtivos preexistentes para a formação de uma
economia mercantil-escravista dependeu da existência de um capital-dinheiro que
financiasse os novos empreendimentos. Esse capital estava na cidade, acumulado nos
poros da economia colonial, que a partir da independência originou a burguesia
mercantil brasileira. Há a necessidade de se espacializar esse processo: essa burguesia
mercantil seria predominantemente carioca e, a figura do comissário, o principal
intermediador e financiador urbano entre o fazendeiro e as casas de exportação,
majoritariamente estrangeiras.
Com efeito, a prosperidade da cafeicultura fluminense trouxe grandes ganhos
para a cidade do Rio de Janeiro, ajudando a dinamizar a atividade portuária, o comércio
atacadista, o varejo de luxo e a construção imobiliária (LESSA, 2005). Não obstante,
existe uma relativização sobre essa influência da cafeicultura no desenvolvimento da
cidade, sendo limitada, como demonstra, de certa maneira, a polêmica em torno da tese
de Wilson Cano com que Lessa parece concordar ao afirmar que “o dinamismo da
cidade do Rio de Janeiro não é explicável pelo do interior. O Rio explica o interior
fluminense, no sentido que o patamar propulsionador e mantenedor do café fluminense
foi o capital mercantil sediado no Rio (...) (LESSA: 2005, p. 122)”.
Certamente não daria para limitar a projeção da cidade do Rio de Janeiro à
prosperidade da província fluminense, que como demonstrado acima, foi desde cedo
facilitada por sua posição geográfica, mas não é possível se deslocar a consolidação do
Rio de Janeiro como capital sem a estabilidade econômica e política garantida pela
Província Fluminense durante o Império. Ademais, foi a riqueza fluminense que gerou,
em grande parte, os recursos que seriam investidos nas melhorias urbanas da cidade.
Assim, ainda que haja diacronia entre a crise fluminense e a tardia crise carioca, elas
estão sincronizadas em termos estruturais.
Sobre essa questão, Hildete Melo (1993) demonstra que apesar de impulsionar,
via financiamento mercantil, a cafeicultura fluminense, a cidade do Rio de Janeiro
drenou grande parte da renda produzida pela Província Fluminense, por meio da
imposição do preço aos cafeicultores pela burguesia mercantil carioca e dos artifícios
117
que a tese da transferência para o Planalto Central foi formulada, inclusive com a
delimitação da área de 14.400 Km2 para a instalação da futura capital, assim como a
vitória, naquele ínterim, da tese autonomista para a cidade do Rio de Janeiro após a
transferência da capital. Mas por ora, enquanto tal projeto não fosse implementado
(ficando no papel até o governo de Juscelino Kubitschek), o estatuto jurídico do Rio de
Janeiro mudaria de Município Neutro para Distrito Federal, rompendo, desse modo,
com as relações de poder inseridas nas instituições imperiais e recolocando-as sob a
égide do novo regime39, e inserindo a cidade do Rio de Janeiro no concerto federativo
pretendido no Brasil.
Enfim, o período republicano foi prenhe de ambiguidades para o Rio de Janeiro
no que se refere à sua autonomia política como unidade da federação e ao seu papel
enquanto capital, (se uma capital política ou uma capital administrativa), sendo a
primeira um fato já consumado e a segunda um desiderato pretendido pelos
republicanos liberais.
Para além desses debates seminais, o fato foi que, de forma adequada ou não, a
cidade do Rio de Janeiro continuou sendo capital federal, principal praça financeira e,
naquele período, maior polo industrial brasileiro. Com a atividade cafeeira fluminense
em seus estertores, a cidade continuou mantendo sua prosperidade baseada na demanda
efetiva criada pelo gasto público.
Marcam as décadas iniciais do século XX as grandes obras de modernização
urbana empreendidas tanto pela prefeitura do Distrito Federal quanto pelo próprio
Governo Federal, cujo objetivo explícito era superar o legado urbano colonial do Rio de
Janeiro e adaptá-lo às novas necessidades de acumulação de capital emergidas durante o
período republicano (ABREU, 2008).
Voltando à análise feita por Maurício Abreu, segundo a qual o Rio de Janeiro
colonial não hierarquizou espacialmente as diferenças de classe, a cidade se
caracterizava pela presença marcante da economia popular, pobre, nas mesmas
imediações das elites e das instituições de poder estatal. Durante o Império, houve
alguma fuga das aristocracias mais aquinhoadas para os arrabaldes da cidade,
principalmente o bairro de São Cristóvão, onde se instalaram chácaras requintadas, mas
devidamente interligadas ao centro. Nesse espaço, a pobreza se concentrava
39
O Governo Provisório dissolveu a Câmara Municipal e criou um novo Conselho da Intendência
Municipal, formado por sete membros nomeados pelo novo governo, até a promulgação da nova
Constituição.
120
40
Segundo Lessa (2005), a intelectualidade brasileira de fins do século XIX e início do século XX se
debatia em torno da questão se seria possível o processo civilizatório no Brasil dada a natureza
exuberante que desestimulava a ação empreendedora humana e, claro, a predominância do componente
afro e miscigenado na população. Assim, a reforma urbana, ao contornar as dificuldades do sítio, provava
a capacidade das elites brasileiras em destruir o passado colonial português e inserir o Brasil no moderno
mundo industrial.
122
O prefeito tinha 15 dias para sancionar uma lei que, depois, passava
pela Câmara dos Vereadores. Se vetasse, o veto não retornava à
Câmara, ia para o Senado, o único que podia derrubá-lo. Portanto, a
articulação da Câmara Municipal com o Senado era uma articulação-
chave. Tanto que alguns vereadores entravam em acordo com os
senadores e apresentavam determinados projetos meio absurdos que
obrigavam o prefeito a vetar. O veto ia, então, para o Senado, e lá sua
manutenção era negociada. Essa negociação, muitas vezes, era a
oportunidade para a distribuição de cargos e empregos. (...) A grande
parte dos bons cargos – Delegacia Fiscal, Tabelionato e cartórios do
antigo Distrito Federal – eram ocupados por filhos de senadores ou
parentes dos senadores. (MOTTA apud OSÓRIO DA SILVA: 2004,
p.71)
41
Com exceção do governo do prefeito Pedro Ernesto, que segundo Marly Silva da Motta tentou dar
contornos democráticos e participativos à sua administração, mas que acabou sendo uma exceção que
confirmou a regra.
123
42
A autora se refere aos livros, respectivamente: A capital da geopolítica; A cidade modernista; Projeto
Brasília: modernidade e história.
124
43
A transformação da Guanabara num estado típico passaria pela sua divisão em pequenos municípios,
que arrecadariam, por seu turno, seus próprios tributos municipais. A opção pela cidade-estado traria a
vantagem de se manter a dupla tributação, estadual e municipal, sendo esta última concentrada em uma
única prefeitura.
125
44
A dupla tributação refere-se ao fato de que com o estatuto jurídico de cidade-estado, o EG recolhia
tanto os impostos de caráter municipal quanto os impostos estaduais, concentrando os recursos públicos
sob o controle de uma só administração.
45
O resultado foi que o Rio de Janeiro saiu de pouco mais de 1 milhão e 700 mil habitantes em 1940,
quando ainda era a maior cidade do Brasil, para mais de 9 milhões em 1980.
127
46
Segundo Maurício Abreu (2008) Nova Iguaçu foi até a Segunda Guerra preservada da onda
urbanizadora por conta da presença importante da citricultura de exportação naquele município. As
restrições de exportação geradas pelo conflito mundial, porém, deflagraram uma profunda crise na
atividade, que em poucos anos deixou de existir, abrindo espaço para, enfim, a incorporação da sede
municipal à área metropolitana.
129
restringido por um maior controle estatal, apesar da expansão das favelas nessas áreas
também.
É marcante nesse espaço metropolitano a enorme disparidade de infraestrutura
entre o núcleo, os subúrbios e a Baixada Fluminense, que hierarquizados socialmente,
tiveram imensas desigualdades no recebimento de melhoramentos urbanísticos por parte
da ação estatal.
O núcleo, como já descrito, foi alvo de inúmeras “cirurgias” com fins de adequar
a morfologia urbana aos desideratos estéticos e societários das elites dirigentes. Os
subúrbios seriam destinados aos pobres, que, segundo a utopia “cariocêntrica”, não
deveriam “sujar” a imagem modernizada pretendida para a cidade maravilhosa.
Também a indústria, como mencionado, deveria se deslocar para essas áreas,
devido à sua capacidade de atração de proletários e à necessidade de se usar os terrenos
do núcleo metropolitano para habitação das elites ou para os serviços ligados à
administração pública e empresarial.
Quanto à ocupação da Baixada, pode-se considerar apenas um efeito fortuito,
visto que a cisão institucional entre o Distrito Federal/Guanabara e o Estado do Rio de
Janeiro não a incluía (Baixada) nos projetos para a cidade do Rio, apesar da estreita
vinculação já mencionada acima.
Assim, se configurou na área metropolitana o desenvolvimento desigual também
verificado na escala estadual, em que a cidade do Rio de Janeiro, especificamente no
seu núcleo metropolitano, concentrou a riqueza social gerada na metrópole em formação
(com as indústrias e com a oferta de mão de obra), tal qual secularmente vinha se
operando com a drenagem da riqueza do interior fluminense (e do país, enquanto
capital).
É muito significativo que o principal livro sobre a formação do espaço urbano
carioca, o clássico de Maurício Abreu A evolução urbana do Rio de Janeiro, tenha
como fio condutor essa dicotomia inscrita no espaço urbano carioca originada das
contradições do desenvolvimento capitalista brasileiro.
A ação estatal (governo federal e municipal) realizou intervenções urbanísticas e
regulamentou de modo segregador as áreas ocupadas pelas elites a partir de fins do
século XIX, de modo a “garantir a rentabilidade do capital público e privado investido
em equipamentos e serviços públicos” (LAGO: 1995).
Os subúrbios foram sistematicamente esquecidos, sendo regulados praticamente
apenas pelos especuladores privados, que gastavam o mínimo na incorporação para
130
3.7- Por que a cidade do Rio de Janeiro não dinamizou seu entorno?
uma periferia metropolitana tão empobrecida e um interior em sua maior parte tão
pouco representativo. Ao invés de dinamizar seu entorno, a cidade do Rio de Janeiro,
em sua articulação com o restante do atual Estado do Rio de Janeiro, drenou grande
parte da renda gerada no território fluminense, principalmente, após a instalação da
burocracia da capitalidade estatal.
Sem o capital mercantil carioca, o ciclo cafeeiro fluminense provavelmente não
teria acontecido, mas o grande beneficiário dessa atividade não foi o interior
fluminense, onde o café foi plantado, mas a cidade do Rio de Janeiro, que auferia
grandes lucros como praça de exportação do produto.
Enquanto o acesso à cidade do Rio era precário, começaram a surgir pequenas
vilas no interior fluminense, algumas das quais com algum dinamismo econômico. Mas
quando se modernizou a rede de circulação no território fluminense, principalmente
com a implantação das ferrovias, o acesso facilitado à cidade do Rio tornou essas
pequenas cidades obsoletas, sem mercado urbano significativo — logo, com reduzida
influência regional.
A exceção foi justamente Campos dos Goytacazes, que, relativamente isolada do
Rio de Janeiro, transformou-se em uma verdadeira capital regional no Norte
Fluminense, situação que perdura até hoje. Mesmo os surtos de industrialização
ocorridos no interior foram uma extensão da influência da metrópole, nos eixos de
integração com outros grandes centros do Sudeste, principalmente o eixo Rio-São
Paulo, que viabilizou a instalação industrial no Médio Paraíba, ao redor de Volta
Redonda, processo marcado pela ação do investimento estatal.
Tal situação, presente pela hegemonia do capital mercantil carioca, foi
potencializada pela presença da capitalidade, tanto no Império quanto na República. A
cisão institucional inaugurada pela criação do Município Neutro em 1834, com a função
de diminuir as tensões localistas em prol da causa nacional, reforçou a ideologia do Rio
Nacional que marca fortemente a alma carioca, desconstruindo a identidade existente
com o entorno fluminense, apesar das articulações econômicas e demográficas que
continuaram ocorrendo.
É essa a matriz da crença de que o Rio não desenvolveu um pensamento
regionalista, preso que estava às grandes questões nacionais. De fato, tendo em vista sua
pretensão em ser o locus da síntese nacional manifestou-se um regionalismo sui generis,
133
47
Esse termo criado por Passos et al (2007) para rotular o discurso desfusionista que de tempos em
tempos aflora na imprensa e nas vozes de políticos cariocas.
134
Mas o discurso orçamentário também teve réplicas no que se refere aos prejuízos
do antigo Estado do Rio. Esse era um ponto de vista menos mencionado sobre a
questão, que, contrário à opinião dominante, previa um maior esvaziamento econômico
fluminense devido ao provável domínio político carioca na Assembleia Legislativa e no
Executivo Estadual.
Segundo tal raciocínio, apesar de possuir um orçamento aquinhoado por recursos
federais e municipais, o antigo Distrito Federal nunca conseguira dar conta de suas
graves mazelas urbanas. Com a fusão, a cidade do Rio de Janeiro drenaria os recursos
fluminenses para continuar mitigando seus próprios problemas. Na visão do economista
Teixeira Leite, para quem as opiniões expressas na série “Que será do Rio?” só se
preocupavam com os ganhos e as perdas do Distrito Federal, obscurecendo o ponto de
vista fluminense, o Estado do Rio corria o risco de transformar-se em um subúrbio
ampliado da capital.
138
49
O termo “Belacap” foi cunhado em referência à permanência da capitalidade de fato na cidade do Rio
de Janeiro apesar da transferência do alto comando federal para Brasília, a “Novacap”. Enquanto a última
se caracterizaria pela juventude enquanto capital, por isso o radical “nova”, a cidade do Rio de Janeiro
teria como atributo sua beleza cênica, uma imagem do Brasil para o exterior, qualidade que Brasília
nunca emularia.
140
metrópoles frente à capital paulista. Daí a política da fusão, como já foi sobejamente
discutido, ter sido um ato fundamental nesse sentido.
Uma breve nota deve ser feita aqui. Considerando a análise feita por Lessa
(1978), uma contradição surge entre aquilo que pareceu ser o objetivo de fundo da fusão
e o imaginado pelos políticos do MDB carioca na época, e que depois foi reproduzido
no período da profunda crise fluminense na década de 1980: a de que a fusão teria sido
uma estratégia de retaliação ao MDB carioca, oposicionista à ditadura.
Ao que tudo indica, o principal alvo da medida não teria sido nem o Rio de
Janeiro, mas São Paulo, que por conta de seu poder econômico exerceria uma influência
desigual no campo político nacional. Ao propor um “privilegiamento” do Rio de Janeiro
através da fusão e do fortalecimento do segundo polo de desenvolvimento do país, o
Governo Federal, no bojo da preferência pela desconcentração para áreas periféricas,
estaria considerando tanto o Rio quanto Belo Horizonte como periferias de São Paulo
no coração econômico do país.
Nesse sentido, diferentemente de São Paulo, o ERJ não foi obscurecido no II
PND, ainda que sua menção seja secundária frente às outras regiões periféricas do país.
Além do projeto do segundo polo de desenvolvimento brasileiro, havia programas que
contemplavam direta e indiretamente o ERJ, principalmente na programação de
expansão da disponibilidade energética (Angra I, petróleo e PROÁLCOOL), na
implantação do PRODENOR (Programa Especial para o Norte Fluminense), um dos
principais projetos federais no POLOCENTRO, junto com outras áreas periféricas do
Centro Sul e a construção da Ponte Rio-Niterói, que foi fundada em março de 1974.
Naquele momento, ficava claro que o Governo Federal havia programado para o interior
do ERJ uma função importante na política energética do II PND.
Apesar do malogro do PROÁLCOOL na região açucareira do Norte Fluminense
e das críticas ao Programa Nuclear, a crise econômica do estado foi minorada pelo
desenvolvimento das atividades petrolíferas na Bacia de Campos, que, como se sabe,
deu um “respiro” para as finanças do ERJ e municípios fluminenses após a Lei do
Petróleo de 1997.
Destarte, apesar das possíveis complicações políticas, a fusão foi considerada
pelo Governo Geisel uma medida de interesse geral da nação, como explicita desde o
início a Lei Complementar No 20 de 1974.
144
Apesar de ser carioca, Faria Lima não possuía nenhuma ligação com o campo
político local. Por isso, sua indicação foi de certa forma uma surpresa. Outros nomes
eram mais cotados para a função: Célio Borja, redator do projeto da fusão; Golbery do
Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil da Presidência da República; Armando Falcão,
Ministro da Justiça de Geisel; Nei Braga, Ministro da Educação e Cultura; Nascimento
e Silva, Ministro da Previdência Social; e Reis Veloso, do Planejamento. (MOTTA e
SARMENTO, 2001).
Floriano Faria Lima era um militar de carreira, que exercera funções diversas na
Marinha, até chegar aos postos mais altos da instituição, como comandante do
contratorpedeiro Mariz e Barros em 1960, subchefe da Marinha da Casa Militar do
presidente Jânio Quadros (1961), comandante do cruzador Barroso (1964) e adido naval
das embaixadas brasileiras em Washington e Ottawa (1967-1969).
Após esse período, Faria Lima foi nomeado diretor do setor de transportes da
Petrobras e, em 1973, após a saída de Geisel da presidência da estatal para se eleger à
Presidência da República, assumira a direção da Petrobras. (MOTTA e SARMENTO,
2001)
Tendo em vista a importância do sucesso da fusão, Geisel não quis correr o risco
de seu projeto geopolítico fracassar no novo ERJ por causa das vicissitudes geradas
pelos conflitos que os políticos profissionais certamente se engajariam em sua busca por
mais influência e projeção — algo que, aliás já estava ocorrendo, haja visto que as
disputas pela indicação ao governo da fusão envolviam o alto escalão federal, entre os
nomes já mencionados acima (MOTTA, 2001b).
O almirante Floriano Faria Lima foi o indicado pelo então presidente por reunir
três qualidades fundamentais para a administração do projeto da fusão: era amigo de
Geisel, possuía um perfil técnico e era militar. Mais do que uma indicação, Faria Lima
teria sido convocado pelo presidente para cumprir a missão de garantir, a qualquer custo
e com apoio federal, o sucesso da nova unidade da federação (MOTTA, 2001b; FARIA
LIMA, 200151).
A postura do militar em missão foi levada muito a sério por Faria Lima, que se
recusou a fazer a política partidária. No entanto, foi incapaz de isolar sua administração
das querelas dos políticos. Em seu governo, teve que enfrentar as pressões de arenistas
51
Entrevista concedida à equipe do CPDOC/FGV, publicado em MOTTA e SARMENTO (2001).
152
Desse modo, a tônica do governo Faria Lima era cumprir a missão da fusão que
lhe foi dada por Geisel e criar as condições institucionais para a execução dos projetos
destinados ao ERJ pelo II PND.
O I PLAN RIO, que será analisado a seguir, se caracterizou, sobejamente, pela
adaptação do planejamento governamental à geopolítica do Governo Federal, tanto no
que tange ao papel a ser exercido pela nova unidade da federação quanto aos
referenciais teóricos do planejamento.
52
Segundo Motta (2001b), devido à sua atitude de oposição à fusão, o prefeito Marcos Tamoyo chegou a
proibir seu secretário de planejamento de participar das reuniões da Robson, você usa FUNDREM a
maior parte do tempo, então sugiro manter essa forma em todo o trabalho criando fortes atritos com
Jayme Lerner, então presidente da fundação.
153
ações, que têm na integração espacial / regional a forma de conceder essa “globalidade”
ao plano.
Como o próprio Costa Couto admite em certo ponto de sua apresentação,
contudo, o planejamento possui limites importantes em sua implementação,
principalmente por conta das inúmeras variáveis que não estariam sob o controle da
tecnoburocracia estatal, como a disponibilidade de financiamento externo e as
flutuações da economia nacional e internacional — que no fim acabou se provando a
principal dificuldade dos governos do ERJ após a fusão.
Quanto à leitura da realidade estadual herdada da fusão, Costa Couto ressalta
que apesar de possuir uma imagem de estado privilegiado na federação, marcada pelos
muitos qualitativos simbólicos emanados pela cidade do Rio de Janeiro a partir da
exportação do modo de vida das elites da Zona Sul, assim como sua posição como ex-
capital federal e importante centro industrial e de serviços sofisticados, grassariam no
ERJ todas as características do subdesenvolvimento.
Grande parte do próprio Município do Rio de Janeiro e quase toda a Baixada
Fluminense apresentariam enormes deficiências de equipamento urbano e a
precariedade dos níveis de vida da população, situação não muito melhor no interior,
onde predominava a escassez de infraestrutura social.
Não obstante, várias potencialidades econômicas poderiam ser estimuladas em
prol do crescimento do ERJ, tais como a indústria, o comércio, o turismo e as atividades
financeiras na cidade do Rio de Janeiro, a indústria pesada do eixo Rio-São Paulo, a
agroindústria no Norte Fluminense, dentre outros.
Assim, Costa Couto expressa que o que demarca o subdesenvolvimento do ERJ
é justamente sua desigualdade regional: da extrema estagnação e pobreza aos mais
elevados níveis de desenvolvimento e centralidade nacional. Essa seria a realidade
herdada da fusão, a questão regional fluminense.
Finalmente, vis-à-vis à condição de subdesenvolvimento recebida de herança dos
dois antigos estadose potencializada pelas vicissitudes do processo de fusão, Costa
Couto reconhece as limitações do I PLAN RIO em fazer frente a todos os desafios
impostos pela fusão, evocando, com isso, algumas condições imprescindíveis para o
sucesso das ações programadas.
Quatro foram as condições: (1) o indispensável apoio do Governo Federal, que
deveria cumprir o prometido de conceder amplo estoque de recursos financeiros,
políticos e humanos para viabilização do novo Estado; (2) além do apoio federal, o
156
A estratégia geral de ação prevista pelo I PLAN RIO para a ação governamental
se baseou na busca pela integração geral da política de desenvolvimento, via a
integração espacial, setorial, intergovernamental e entre as instituições do Governo
Estadual ligadas ao planejamento, à execução e à fiscalização dos investimentos
públicos.
Existe uma intenção de intercâmbio entre esses diferentes sistemas de
integração: as políticas de desenvolvimento regional e a política metropolitana
necessitariam que os órgãos setoriais funcionassem de modo integrado com a dimensão
regional. Sobretudo, a integração setorial seria submetida ao Sistema Estadual de
Planejamento, que coordenaria globalmente a ação conjunta de todos os órgãos
setoriais. A articulação entre as esferas de governo otimizaria, por sua vez, o uso de
recursos públicos em projetos comuns, evitando-se a fragmentação.
Pode-se interpretar esse modus operandi integrador a partir do seguinte
esquema: enquanto a ação setorial é marcadamente executiva, a perspectiva espacial
daria uma coesão aos vários projetos, e(?) o Sistema Estadual de Planejamento faria os
órgãos setoriais dialogarem, correlacionando-os à política regional.
A articulação intergovernamental também adotaria uma ação coerente com a
coesão espacial, ainda que em duas escalas: a relação Governo do Estado – União,
vinculando o projeto de desenvolvimento do ERJ ao planejamento nacional; a relação
Governo do Estado – prefeituras, articulando as políticas locais à estratégia de
desenvolvimento estadual e, em última instância, nacional.
157
53
No caso, o Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ), criado da fusão do Banco do Estado da
Guanabara (BEG) com o Banco do Estado do Rio de Janeiro (BERJ), o BAN-RIO Administração,
Participação e Empreendimentos, criado pela fusão da Companhia Progresso do Estado da Guanabara
(COPEG) e da Nova Companha de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro (NOVA CODERJ) e o
Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro (BD-RIO), que foi herdeiro do órgão homônimo
do antigo ERJ (BRASILEIRO, 1979).
160
A criação desses órgãos demonstra que, pelo menos em seu início, o governo
que implantaria a fusão tinha uma preocupação especial com o desenvolvimento urbano
e regional do ERJ. Teria uma superintendência própria dentro da SECPLAN, que
trataria especificamente do planejamento municipal e da elaboração de projetos de
interesses ao desenvolvimento urbano e regional.
Para além da SECPLAN, haveria duas autarquias que dariam toda a assistência
técnica necessária às políticas de desenvolvimento regional no ERJ54, FUNDREM e
FIDERJ.
54
Há também referência ao Departamento de Planejamento Urbano e Regional (DESUR) da Secretaria de
Planejamento, que estranhamente não aparece na descrição do desenho institucional do Sistema Estadual
161
Há, no entanto, um porém que deve ser mencionado sobre esse arranjo
institucional. Por força da lei das regiões metropolitanas, a FUNDREM foi pensada
como uma verdadeira autarquia de planejamento regional, uma articuladora de todo o
planejamento e da execução de políticas endereçadas à RMRJ, dotando de uma
coerência espacial as políticas tanto dos órgãos executivos estaduais, quanto das
próprias prefeituras55.
Além disso, como é repetido nos textos oficiais do Governo Faria Lima, e
também já comentado em vários momentos nesta tese, o projeto de transformação da
RMRJ no segundo polo de desenvolvimento do país era algo encarado com seriedade
pelo governo, e a FUNDREM era a materialização institucional desse projeto, marcando
de modo indelével a memória carioca sobre o planejamento metropolitano do Rio de
Janeiro.
Não foi criado, entretanto, um congênere da FUNDREM para o interior ou, pelo
menos, para a busca pela integração espacial da capital com o interior. A FIDERJ,
apesar dos esforços de apoio técnico ao maior conhecimento das problemáticas
estaduais, produzindo, inclusive, estudos para subsidiar o planejamento municipal de
todos os municípios do interior, não foi pensado e, evidentemente, não funcionou como
um órgão de planejamento regional, mas, como expresso em sua própria atribuição,
uma entidade de produção de conhecimentos estatísticos e técnicos de subsídio ao
planejamento: um IBGE fluminense.
Não se quer dizer, com isso, que o Governo Faria Lima teria feito pouco caso
dos municípios do interior, ou não tenha se esforçado para descentralizar o
planejamento e os investimentos públicos. A análise da desigualdade regional no ERJ e
a proposição de medidas para sua redução toma boa parte do espaço do I PLAN RIO.
Além do mais, Faria Lima intentou descentralizar a administração estadual através da
criação das regiões-programa, tendo como fundamento as regiões funcionais e a teoria
da polarização, assim como buscou melhorar a infraestrutura do interior56.
de Planejamento, mas que de modo repentino aparece como setor responsável pela articulação com os
municípios fluminenses, sem mais explicações sobre suas funções.
55
A autonomia inicial da FUNDREM era tamanha que ela foi rotulada por muitos como a
Superprefeitura da Região Metropolitana.
56
Segundo os dados publicados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro (ERJ, 1979), foram concluídas
entre 1975 e 1978 5.214 obras no estado, sendo 1.391 obras na RMRJ e 3.690 no interior (133 não eram
passíveis de individualização por região). Dentre as obras financiadas pelo Governo Estadual, estavam a
ampliação do metrô, a construção e melhoria de estradas vicinais no interior, a melhoria da infraestrutura
de transporte na região metropolitana, a implantação de distritos industriais, a construção de conjuntos
habitacionais e melhorias na infraestrutura de saneamento, de energia e dos equipamentos sociais em
geral.
162
57
Entrevista realizada em janeiro de 1984 a Aspásia Camargo, Lucia Hippolito, Maria Celina Soares
D’Araújo e Dora Rocha Flaksman.
58
Marcos Tamoyo, engenheiro, foi secretário de obras públicas da Guanabara entre 1965 e 1967 e
prefeito do Rio de Janeiro entre 1975 e 1979. Contrariamente ao afirmado nessa entrevista, há relatos,
como se verá posteriormente, de que na verdade o Marcos Tamoyo não era um entusiasta do
planejamento metropolitano.
163
59
Marco Aurélio Lo Russo, economista, foi coordenador de estudos e pesquisas da Vale do Rio Doce,
trabalhou na Secretaria de Indústria e Comércio de Minas Gerais, assessor da Direção do BNDE. No
Governo Faria Lima, foi subsecretário de planejamento e coordenação geral da Secretaria de
Planejamento e posteriormente foi nomeado presidente da FIDERJ.
164
atividade industrial (no Médio Paraíba principalmente, mas também em Angra dos
Reis) e no potencial turístico seu fator de unidade.
Com relação à Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o I PLAN RIO realiza
um detalhado diagnóstico das problemáticas que afligiam a região. Como a segunda
maior área metropolitana do país, a RMRJ era alvo prioritário do projeto federal de
contenção do crescimento urbano e da concentração econômica na tríade formada com
São Paulo e Belo Horizonte.
A relação entre esse objetivo e aquele enunciado de constituir o segundo polo de
desenvolvimento do país era que já se constituía na RMRJ uma economia metropolitana
com enorme potencial de alavancagem, mas que era preciso impedir a continuidade do
processo de “inchaço urbano”, que minava aquele esforço.
Essa situação já ocorria na região devido à diferença verificada nas décadas
anteriores entre as altas taxas de incremento populacional e as taxas menores de
expansão econômica. Tal processo seria exacerbado pelas perdas advindas da
transferência da burocracia federal para Brasília e pela perda de atratividade de novas
indústrias para São Paulo, devido principalmente à falta de infraestrutura e aos altos
preços dos imóveis no núcleo metropolitano.
A questão da infraestrutura, aliás, é um tema sensível no diagnóstico do plano,
que ressalta especialmente a existência de graves problemas de integração do sistema de
transportes, com grande concentração no ramo rodoviário e uma assimetria enorme de
quantidade e qualidade das vias entre o núcleo metropolitano e as áreas periféricas. O
quadro era semelhante na infraestrutura social, dada a conhecida disparidade de oferta
de serviços de utilidade pública nessas mesmas áreas. O diagnóstico da realidade
metropolitana é assim resumido no I PLAN RIO.
61
Um primeiro esboço do zoneamento da região metropolitana já fora realizado pela FUNDREM e
fundamentava o diagnóstico do I PLAN RIO quanto ao padrão de uso do solo na região. O projeto de
Macrozoneamento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro teria a incumbência de elaborar um
documento mais completo, que já tivesse proposições de ação no tocante aos eixos de expansão urbana,
seus respectivos usos, os projetos de integração de transportes etc.
169
Essa semelhança se dá pelo caráter global com que a FUNDREM exerceria suas
atividades, tendo que dar conta tanto da integração metropolitana, quanto do
planejamento e, ainda, das negociações das demandas a varejo das prefeituras.
A Grande Região I era a principal área produtora de gêneros agrícolas e
pecuários do ERJ, mas com marcante extensividade na maioria das atividades. O setor
agropecuário tendia à estagnação, com as zonas cafeeiras já em plena decadência e
esvaziamento, e a agroindústria sucroalcooleira seguia a mesma tendência, apesar de
sua importância e de seu esforço de modernização.
Segundo o diagnóstico do plano, o débil dinamismo era resultado da fraca
acessibilidade das áreas produtoras em relação ao mercado metropolitano e aos demais
mercados do país, agravado pelos entraves à comercialização e pela falta de apoio
técnico ao sistema produtivo. Consequências da estagnação são o êxodo rural em
direção às cidades, principalmente da RMRJ, e a transferência dos investimentos para
outras áreas.
O plano faz verdadeiros diagnósticos regionais abrangentes, apontando a
dinâmica econômica do período e as heranças históricas da formação econômica das
regiões-programa. A região Norte se destacava pela agricultura e pela agroindústria
sucroalcooleira. As Baixadas Litorâneas vinham apresentando maior crescimento
urbano na faixa costeira até Macaé por conta do aumento do turismo, acarretando nesse
processo problemas devido à falta de infraestrutura. A Região Serrana era formada por
algumas áreas bastante isoladas e deprimidas e graves problemas de acessibilidade. As
exceções eram Teresópolis e Nova Friburgo, que vinham se consolidando como cidades
de porte médio alavancadas pelo turismo proveniente da RMRJ, principalmente. Tanto
Friburgo quanto Teresópolis apresentavam algum dinamismo industrial, com pequenas
fábricas do ramo têxtil, metalúrgico e mecânico.
A Grande Região II seria formada pelas regiões-programa Vale Médio Paraíba e
Litoral Sul. O que se pode destacar dessa área é sua localização privilegiada no
entroncamento de vias da tríade econômica do Sudeste (RJ-SP-BH), apesar das
limitações topográficas.
O Vale Médio Paraíba enriqueceu durante a primeira fase do ciclo do café, mas
após sua crise o setor primário foi muito reduzido, destacando-se, principalmente, a
pecuária leiteira, de caráter semiextensivo. No diagnóstico, considera-se que apesar de
serem reduzidas, as atividades agropecuárias seriam mais abertas à modernização, visto
que já iniciaram o processo de modo embrionário.
170
estratégia malogrou e Chagas Freitas, mais uma vez, conseguiu afirmar sua hegemonia,
agora ampliada para todo o território fluminense (SARMENTO, 2008).
Essa vitória sobre o amaralismo encaminhou sua indicação para um novo
governo pela via indireta, assumindo, assim, o governo do ERJ em 15 de março de
1979. A conjuntura nessa época mudava rapidamente, em nível internacional, nacional e
local.
O ano de 1979 foi o do segundo choque do petróleo, que recrudesceu as
incertezas macroeconômicas já em curso desde 1973, tendo efeitos particularmente
danosos no mercado financeiro internacional, cuja atividade especulativa já fugira do
controle do sistema regulatório do acordo de Bretton Woods.
A crise embargaria novos empréstimos aos países subdesenvolvidos e
dificultaria o refinanciamento das dívidas já realizadas, freando, por conseguinte, a
capacidade de manutenção dos investimentos produtivos nos países em franco processo
de industrialização, como o Brasil.
A dificuldade de financiamento esgotou o projeto encampado pelo II PND, que,
após manter altas taxas de crescimento durante o quinquênio de governo de Geisel, teve
sua trajetória subitamente interrompida em 1980, quando a economia brasileira iniciaria
sua longa crise que aliava baixo crescimento econômico, endividamento do Estado e
descontrole inflacionário.
No plano nacional, o Governo Figueiredo abandonou a opção dos anos
anteriores (crescimento com financiamento) ao realizar instrumentos ortodoxos de
contenção do investimento e ajustamento da economia para fazer frente à crise que se
afigurava (CASTRO e SOUZA, 1985).
Aos governos estaduais a situação seria ainda mais dramática, já que desde a
Constituição de 1967 o Governo Federal vinha institucionalizando mecanismos de
centralização tributária em favor da União, reduzindo a autonomia fiscal dos estados e
vinculando as condições governativas à capacidade dos governadores em barganhar
com a cúpula militar em Brasília (LOPREATO, 2002).
Enquanto a economia brasileira manteve aceleradas suas taxas de crescimento, a
dificuldade dos estados era minorada, como ficou demonstrado no caso das expectativas
do Governo Faria Lima de receber apoio do Governo Federal através, principalmente,
da programação de investimentos no ERJ. Mas quando Chagas Freitas assumiu o
governo, a situação já era bastante diferente, pois o Governo Figueiredo não
correspondeu às expectativas de apoio financeiro ao ERJ, e a situação do Governo
177
Estadual ficou bastante precária por diversas razões, como o legado de endividamento
recebido de Faria Lima, a crise econômica e a pequena margem de manobra efetiva para
a atividade governativa estadual (FREIRE, 2012).
Outra mudança de conjuntura que se seguiu à condução de Chagas Freitas ao
governo foram os ventos políticos, que em 1979 já sinalizavam uma nova etapa de
radicalização dos discursos a partir da Lei da Anistia e da volta de políticos do quilate
de Miguel Arraes e Leonel Brizola.
A máquina chaguista, extremamente competente no ambiente do autoritarismo,
teria que se readaptar ao progressivo processo de volta à democracia, assim como tentar
avançar seu comando para o interior fluminense, onde apesar de ter sobrepujado Amaral
Peixoto, estava longe de se sentir plenamente confortável. Tanto que a base de seu
trabalho ainda era centrada na rede de clientela existente no município do Rio de
Janeiro, além de que sua alta cúpula de governo seria, com poucas exceções, a equipe
que o acompanhou durante o Governo da Guanabara. Aos novos aliados do interior,
Chagas Freitas destinaria cargos do segundo escalão do aparato do Estado
(SARMENTO, 2008). De resto, a equipe de governo pouco conhecia as regiões
fluminenses, como atesta Gilberto Rodriguez62:
62
Gilberto Castro Rodriguez, advogado, iniciado na política em Nilópolis (onde foi vereador, vice-
prefeito e prefeito), foi deputado estadual pelo MDB-RJ entre 1971 e 1979, quando entrou para o PP. Em
1982 voltou ao PMDB, sendo líder da Maioria na ALERJ. Entre 1987 e 1991 foi Presidente da ALERJ.
178
63
Não há estudos que possam confirmar ou refutar essas questões referentes às consequências da fusão
para o orçamento estadual. Na mensagem à ALERJ de 4 de março de 1980, Chagas Freitas comenta que
um dos problemas mais urgentes derivados da fusão era a questão da equiparação dos cargos e salários
dos funcionários da Guanabara e do antigo ERJ. Esse problema teria gerado entraves financeiros que
reduziram a capacidade de investimento estadual.
181
64
Esse diagnóstico não é preciso, no entanto. O II PND, como visto, realizou alguns investimentos
importantes no interior, como a Usina de Angra I e o PRODENOR, além dos investimentos na Bacia de
Campos no Norte Fluminense. Com efeito, ao longo dos anos 1980 em diante verificou-se um discreto,
porém contínuo aumento da participação do interior no PIB estadual e no estoque de empregos formais.
Entretanto, o maior crescimento do interior deveu-se principalmente à consolidação do polo metal-
mecânico da Região do Médio Paraíba e do arranjo produtivo de petróleo e de gás natural do Norte
Fluminense.
185
espaço (físico). Tais metas davam origem a outras duas orientações de política pública:
o planejamento econômico e social e o planejamento físico-territorial.
Objetivava-se, com isso, a maximização das potencialidades regionais e a
integração espacial via pleno desenvolvimento da rede urbana do estado. De resto, como
mencionado, não mudaram as diretrizes em relação a Faria Lima: racionalização do uso
dos recursos naturais; preservação dos patrimônios ambiental, humano cultural e
paisagístico; descentralização dos investimentos públicos e privados; melhoria dos
índices de produção e de produtividade das atividades econômicas; dinamização da rede
urbana; ordenamento do uso do solo urbano, etc.
Um estudo importante realizado durante o Governo Chagas Freitas foi o dirigido
pela geógrafa Lysia Bernardes sobre os aglomerados urbanos de pequeno porte
espalhados pelo ERJ. A pesquisa foi feita na Coordenadoria de Desenvolvimento
Urbano e Regional (DESUR), criada ainda no Governo Faria Lima, mas sem grande
destaque no âmbito do Sistema Estadual de Planejamento, como analisado
anteriormente.
No entanto, com a extinção da FIDERJ em 1980, que em tese seria a instituição
responsável por esse tipo de estudo, a DESUR acabou ocupando esse espaço. Tal
empreitada foi importante por procurar compreender o que era considerado um mundo
desconhecido tanto pelo planejamento governamental quanto pela pesquisa acadêmica,
mas que, não obstante, posteriormente não receberia maiores atenções em termos de
produção e atualização dos conhecimentos, nem pelas instituições governamentais, nem
pela comunidade acadêmica.
A pesquisa envolveu um considerável esforço: a fonte principal de dados foram
os trabalhos de campo de dezenas de pesquisadores nos 230 aglomerados urbanos de até
30 mil habitantes, que coletaram dados in loco e entrevistaram autoridades dos
municípios onde os aglomerados se localizavam. Os resultados apontaram para o
esperado grau de deficiência de infraestrutura social dessas localidades, o relativo
isolamento e a estagnação econômica, principalmente as localizadas no interior, que
eram a maioria. Não há menção deste estudo nas políticas públicas posteriores,
demonstrando o deslocamento entre o planejamento e a política praticada no ERJ.
O vazio institucional para a política de desenvolvimento urbano e regional para
as regiões do interior do estado seria preenchido pela implantação dos Programas de
Ação Regional (PAR), que excetuava a região metropolitana, sob os auspícios da
FUNDREM. Os PAR tinham a finalidade de maximizar o aproveitamento das
186
65
Lembrando que, após o golpe, a Guanabara teria tido como governadores os emedebistas Negrão de
Lima e Chagas Freitas e, após a fusão, como sucessor de Faria Lima, novamente Chagas Freitas, sem
contar a importância do senador fluminense Ernani do Amaral Peixoto no MDB nacional.
192
Brizola quanto o ERJ teriam sido perseguidos pelo Governo Federal, portanto, nada
mais natural que a união de forças entre os dois para que, a partir de um governo
democrático e ideologicamente progressista, se encabeçassem as mudanças que o país
tanto precisava naquele momento.
O projeto brizolista / fluminense era claro, mas o grande obstáculo a ser vencido
era o Governo Federal, que restringia fiscalmente o raio de ação dos novos governos
democraticamente eleitos e que, liderados pelo ERJ, deveriam impor pressões por
mudanças, já que seus problemas específicos só poderiam encontrar resolução se fossem
transformadas as condições em nível nacional.
O tom adotado foi muito distinto do tom de seus dois antecessores, que sempre
se referiam ao Governo Federal como um apoiador do Governo do Estado, evitando-se
sempre a crítica direta à União.
Por isso, a ineficiência dos planos estaduais que se transformavam mais numa
obra de retórica do que em um documento efetivo para a atividade governativa, haja
vista que a implementação das propostas era sistematicamente dificultada pela
debilidade dos mecanismos de acompanhamento e controle da máquina pública, além da
incapacidade de tratá-la como um todo. Na prática, o planejamento estadual estaria
reduzido à atividade orçamentária.
Sento-Sé (1999) afirma que pessoalmente Leonel Brizola não alimentava
simpatia à elaboração de planos de governo portentosos, sendo inclusive um crítico
mordaz do Plano Collor entre outras coisas por sua apresentação formal. Sua abordagem
sobre o planejamento governamental seguia o princípio de “aproximação do povo”
como a forma mais eficaz e justa de planejar. Tal orientação é confirmada no texto de
seu plano de governo logo na apresentação realizada pelo então secretário de
planejamento.
66
A construção do metrô gerou uma dívida considerável para os cofres estaduais, o que levou a uma
enorme redução dos investimentos no sistema. Entre 1982 e 1988, o Metrô não teve nenhuma nova
estação inaugurada.
196
As críticas a esse processo têm dois alvos principais: (1) o tipo de uso da propriedade
urbana, destinada para fins puramente especulativos; (2) a má distribuição dos
investimentos públicos em equipamento urbano, que reforçaria a desigualdade
intraurbana.
67
Tal fato não foi exclusividade do Governo Brizola, já que, com o fim da ditadura, o interesse pelos
problemas regionais diminuiu drasticamente nos governos tanto à direita quanto à esquerda do espectro
político.
199
A pergunta, no entanto, que se faz no PDES a partir desses fatos é: por que o
ERJ não conseguiu dinamizar sua economia como fizeram outras regiões do país? A
resposta dada no plano recorre à clássica teoria ricardiana das vantagens comparativas,
que eram intensamente exploradas nos outros estados, enquanto o ERJ as deixava de
lado.
Em seis setores, o ERJ teria notórias vantagens frente aos outros estados e que
estariam sendo pouco aproveitadas: (1) o potencial de desenvolvimento da indústria de
alta tecnologia na cidade do Rio de Janeiro; (2) a indústria de petróleo e gás natural
(Bacia de Campos); (3) o turismo em todo o estado; (4) as atividades de arte e cultura na
cidade do Rio de Janeiro; (5) a intermediação financeira na cidade do Rio; (6) a
agricultura para o abastecimento do mercado metropolitano fluminense.
O diagnóstico apresentado no plano para a queda dos investimentos privados no
ERJ era de que se deviam mais a problemas de ordem política do que econômica, já que
os atributos do estado frente a outros espaços eram mais do que suficientes para
melhorar seu desempenho econômico histórico.
Além da centralização decisória imposta pela ditadura, que diminuía as
possibilidades de ação econômica dos governos estaduais frente aos objetivos
geopolíticos do Governo Federal, o ERJ tinha problemas próprios manifestados na falta
de uma cultura política regionalista após a fusão, já que o novo estado não herdara a
tradição de caráter reivindicatório do antigo ERJ em benefício da vocação
nacionalizante do antigo Estado da Guanabara.
68
Como visto, é importante relativizar essa visão homogeneizante de que o Rio só pensa nacionalmente,
haja vista a hegemonia do chaguismo. Mas mesmo Chagas Freitas, não adepto da retórica nacionalizada,
teria como prática política e discursiva o clientelismo paroquial, e não o regionalismo.
206
Os problemas dessas “novas” regiões, porém, não eram novos, mas ainda os
mesmos daqueles descritos pelas equipes de planejamento tanto de Faria Lima quanto
pela de Chagas Freitas, já demonstrados anteriormente.
pela degradação ambiental; (2) a carência de recursos dos municípios do interior para
atender suas demandas urbanas; (3) a necessidade da busca de soluções integradas entre
municípios com problemas e com potenciais em comum, para a qual não havia ainda
uma institucionalidade estabelecida.
A essas três problemáticas da questão urbano-regional fluminense, o Governo
Moreira Franco propôs três diretrizes específicas relacionadas ao modelo geral de
planejamento, à busca do equilíbrio da rede urbana fluminense e ao apoio à gestão
urbana municipal.
A primeira diretriz seria voltada para a integração e para a democratização das
decisões a respeito do desenvolvimento urbano, sendo essa participação garantida no
processo de planejamento. A integração seria em parceria com a iniciativa privada, de
modo a concatenar o governo e o empresariado nas ações de estruturação do espaço
urbano.
Por outro lado, fala-se em fortalecer a participação da população em geral nas
decisões concernentes à questão urbana, mas o plano não diz o modus operandi, se pela
criação ou fortalecimento de conselhos comunitários, aproximações com as associações
de bairro ou qualquer outra institucionalidade.
A segunda diretriz seria destinada a enfrentar diretamente os excessos da
metropolização, através do reequilíbrio da distribuição dos investimentos públicos de
modo a reduzir as desigualdades espaciais tanto na região metropolitana quanto no
interior.
Prometia-se privilegiar a Baixada Fluminense e as áreas das favelas com
investimentos em equipamentos públicos e medidas de incentivo à criação de emprego e
renda. Quanto ao interior, a equipe de planejamento estaria retomando as ideias da
polarização urbana para fortalecer o papel dos centros regionais como instrumentos de
integração e desenvolvimento regional. Às cidades pequenas do estado, o Governo
Moreira Franco previa a implantação de projetos especiais que estimulassem o
empreendedorismo local e o aproveitamento das iniciativas com potencial de
dinamismo econômico.
A terceira diretriz seria o apoio à gestão urbana dos municípios e o reforço da
capacidade de investimento municipal, para o qual estaria sendo reestruturada a
Empresa Estadual de Obras Públicas (EMOP), como implementadora da política de
desenvolvimento urbano e regional e, no caso específico da RMRJ, a reorganização da
209
FUNDREM para retomar a posição de integradora das políticas públicas dos três níveis
de governo.
Ainda no âmbito dessa terceira diretriz e com o fim de atender à terceira
dimensão da problemática urbana e regional fluminense descrita acima, o plano propõe
o apoio à criação de consórcios municipais para o compartilhamento tanto dos
investimentos públicos de interesse comum quanto para o desenvolvimento a partir das
potencialidades regionais.
Finalmente, o PDES já informava aos deputados a existência de 11 programas de
ação segmentados em duas áreas de atuação, (1) desenvolvimento urbano e regional e
(2) desenvolvimento metropolitano. Sua execução, gerenciada pela SEDUR, seria
implementada segundo três campos de atividade: os programas estruturantes,
implicados na estruturação do espaço urbano; os programas instrumentais, ligados à
esfera de planejamento propriamente dito (planos, estudos, projetos); e o apoio aos
municípios à implantação de seus próprios projetos de gestão urbana e o reforço de sua
capacidade de investimento.
Para a política de desenvolvimento urbano e regional eram destinados cinco
programas específicos:
O Programa de Melhorias Urbanas (PROMURB), que selecionaria 20
municípios de todo o ERJ para implantar melhorias urbanas e de
infraestrutura em geral, contando para isso com o auxílio de recursos
federais.
A realização de estudos especiais de interesse para o desenvolvimento
urbano e regional, com foco especial nos temas da estrutura urbana regional,
mercado habitacional, vazios urbanos, custos de urbanização (deseconomias
de aglomeração) e o desenvolvimento de tecnologias de auxílio e alternativas
à gestão urbana. Como possíveis parceiros da SEDUR neste programa o
plano cita o IBGE, a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), o MDU
(Ministério de Desenvolvimento Urbano) e a CEF (Caixa Econômica
Federal), além da articulação com as prefeituras. Deve-se deixar anotado
que, além da SEDUR, nenhum outro órgão estadual de pesquisa e
planejamento foi citado.
Programa de Ação Urbana e Regional, que visava à maximização dos
benefícios advindos dos investimentos estruturantes do espaço regional,
através do tratamento integrado de problemas urbanos de interesse
210
69
O plano não faz menção à FUNDREM, mas é importante ressaltar que essa problemática (problemática
já é um coletivo de problemas) tinha sido posta à autarquia desde sua criação. Entretanto, ao que parece, a
FUNDREM não conseguiu dar o devido prosseguimento.
212
70
A partir da cotação média estabelecida pela Secretaria da Receita Federal, o dólar em junho de 1988 foi
de Cz$ 177,05. Assim, o valor do desvio foi em torno de US$ 28.240,00 da época.
214
71
Isso, porque o baixo crescimento, a concentração de renda e a baixa qualidade dos serviços públicos
continuaram, mesmo depois de estancada a pressão inflacionária com o Plano Real.
217
72
A crítica neoliberal era contra a intervenção do Estado na economia e em defesa das livres forças do
mercado (ver Harvey, 2008). A crítica à esquerda era não contra a intervenção do Estado, mas contra os
objetivos e as formas da intervenção. O planejamento era acusado de somente viabilizar a expansão do
capital e acentuar o subdesenvolvimento (ver Santos, 2003) e pelo seu estilo tecnocrático e autoritário.
218
Fundação CIDE, com o fim de reocupar parcialmente o espaço deixado pela FIDERJ
como o “IBGE fluminense” e, com isso, definindo a FAPERJ para a função específica
de fomento da ciência e da tecnologia. O governante criticou a atenção exagerada em
relação à face nacional da cidade do Rio e defendeu, ao contrário, o desenvolvimento de
uma perspectiva regionalista estadualizada para fazer frente às reivindicações de outros
estados junto ao Governo Federal.
Por tudo isso, o Governo Moreira Franco poderia ser considerado, em um
primeiro momento, como a administração que recolocaria a questão regional fluminense
e o planejamento urbano e regional no centro da agenda do ERJ. Não é isso, porém, que
ocorre. Apesar do discurso adotado principalmente no início de seu plano, a
setorialização das políticas públicas continua sendo a tônica do plano, considerando o
próprio planejamento urbano e regional um dos setores de ação do governo e não uma
escala integradora da ação governamental.
Na verdade, seu governo ocorreu durante o período de transição que
desembocou na nova constituinte e que significou um ponto de virada (relativa) na
institucionalidade do Estado no Brasil. Por exemplo, a Constituição do Estado do Rio de
Janeiro aprovada em 1989 já não obrigava o Governo do Estado a apresentar as
mensagens anuais do governador à ALERJ relatando os principais feitos do exercício no
ano anterior. A própria extinção da FUNDREM, já mencionada alhures, foi um fato
significativo de que seu governo não recolocaria a questão regional fluminense na
agenda do ERJ, apesar de seu discurso a favor disso.
Tal fato se confirma nas duas mensagens que Moreira Franco enviou à ALERJ,
em que além de relatar a já esperada dificuldade financeira do ERJ e a engenharia
realizada pelo seu governo para saná-la, o setorialismo continua a dominar a abordagem
governamental e nada mais é mencionado sobre a dimensão espacial das políticas
públicas. Uma única referência à programação de planejamento urbano e regional
prevista no PDES é o PROGREDIR, voltado para o interior e que estaria começando
sua execução a partir de visitas de caravanas de representantes de várias secretarias de
Estado a municípios do interior.
Portanto, essa foi a intrincada e sinuosa trajetória da questão regional na agenda
governamental do ERJ entre 1975 e 1991, que rumou, tanto pelas contingências
externas quanto pelas próprias contradições internas na condução do Estado, em direção
ao total obscurecimento, e que coincidiu com a ascensão do discurso do “Rio de todas
as crises”.
225
* A SUPLAN na verdade não era uma autarquia, mas fazia planejamento urbano e
regional no âmbito da SECPLAN.
Fonte: Planos de Governo e Decretos Estaduais diversos.
73
Que, a propósito, foi inundada nas chuvas de dezembro de 2013, só sendo reaberta em maio de 2015.
228
FUNDREM. Essas pessoas também foram “espalhadas”, seguindo com suas carreiras
após terem sido, não raro, iniciadas em suas profissões na FUNDREM.
Ao se recorrer à memória viva, não escrita, corre-se todos os riscos contidos em
pesquisas desse tipo: os lapsos de memória; o ocultamento de informações importantes
por motivos diversos; o inescapável ponto de vista pessoal dos acontecimentos,
influenciado por origem social, visão política, formação profissional e pelo “lugar” de
onde se observa os fatos. Claro que tudo isso também está presente nas fontes textuais,
mas é evidente que o uso da memória viva como fonte de dados possui um lado
subjetivo e fluído muito mais difícil de controlar.
O número de entrevistados foi limitado pelas condições de tempo e de recursos
do pesquisador, assim como de acesso às fontes orais. Neste caso específico, muitas
fontes foram prospectados através das indicações feitas pelos próprios entrevistados.
Apesar de o pesquisador perceber, ao longo do percurso, a necessidade de buscar mais
fontes para responder às instigantes análises dos profissionais que viveram aqueles anos
conturbados, teve que se contentar com o que já tinha sido coletado e refletir sobre seus
resultados. Muitas lacunas, portanto, restaram. Espera-se que sirvam para instigar novas
pesquisas.
No entanto, a história oral74 por seu caráter qualitativo tem suas vantagens: a
possibilidade de captar expressões, ambiguidades, enfim, elementos tácitos que ficam
ocultos em documentos escritos. Além disso, o método permite reconstruir, de acordo
com a disponibilidade das fontes, o que não se registrou por escrito. No mínimo, serve
como primeiro esforço para sistematizar e abrir caminho para que outros possam trilhá-
lo com mais facilidade posteriormente.
É esse o intento desta parte da pesquisa: trazer ao lume novamente a FUNDREM
e seu significado para a questão regional fluminense. Trata-se, portanto, de uma
pesquisa de caráter exploratório, que, diante das conclusões parciais já realizadas pela
74
Segundo Ferreira e Amado (2006), a história oral tem se consolidado como uma alternativa à (para a
não está errado, mas à soa melhor aqui) pesquisa histórica contemporânea, considerando a memória viva
como um documento histórico peculiar em relação às fontes tradicionais. No Brasil, ela foi introduzida na
década de 1970, mas só começou a ganhar corpo como método a partir da década de 1990, quando alguns
eventos científicos dedicados à história oral foram realizados, culminando na criação da Associação
Brasileira de História Oral em 1994. O método tem sido utilizado tanto para coletar informações que são
indisponíveis ou escassas em outras fontes, caso deste capítulo, quanto para dar voz a atores sociais que
costumam ser ofuscados pelos outros métodos de pesquisa história. Por isso, a história oral tem sido
ligada à “história dos excluídos”. O livro organizado por Ferreira e Amado (2006) pontuam as principais
questões e as potencialidades da história oral para a pesquisa histórica.
229
75
Como se trata de descrever a história da instituição, deixou-se de lado, por ora, a análise da produção
técnica da FUNDREM, que seria passível de uma pesquisa à parte.
230
planejamento urbano no Brasil76. Mas foi após o golpe que o planejamento urbano
ganhou real importância, pois interessava aos militares o controle centralizado das
cidades através da associação entre o planejamento e o autoritarismo.
Não foi por acaso que na Constituição de 1967 se fez a primeira menção ao
estabelecimento de regiões metropolitanas pela União. Além disso, foi providenciada a
criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (SERFHAU), de fundamental importância para o tema. em agosto de 1964.
Iniciava-se, assim, a constituição do arranjo institucional em nível federal para tratar-se
da questão urbana e metropolitana.
Na perspectiva dos militares, a criação das regiões metropolitanas era um passo
fundamental para a estratégia nacional de desenvolvimento econômico, visto que as
metrópoles concentravam os mercados de trabalho e de consumo necessários para a
continuidade do processo de industrialização. No texto constitucional de 1967, o artigo
164, do qual faz parte o inciso das regiões metropolitanas, trata dos objetivos do Estado
na regulação da ordem econômica nacional. Conceitualmente, a criação de regiões
metropolitanas pela União obedeceria a dois princípios genéricos: a existência
comprovada de uma unidade socioeconômica e a consequente necessidade de realização
de serviços comuns. Assim diz o texto constitucional:
quadro concreto com que o arcabouço jurídico e institucional do Estado brasileiro não
possuía instrumentos para lidar.
O fenômeno metropolitano impunha incontornáveis necessidades de políticas
governamentais cuja jurisdição superava as barreiras municipais, demandando
articulações intermunicipais de caráter regional. Apesar de já existir exemplos de
experiências internacionais de políticas metropolitanas, no Brasil havia certas
dificuldades para sua implementação devido à peculiar autonomia garantida por lei aos
municípios brasileiros, que apesar de limitada, colocava sob sua responsabilidade certas
questões de natureza local.
Haveria, então, possíveis resistências políticas à implementação das regiões
metropolitanas sem antes criar um arcabouço jurídico impositivo às instâncias locais e,
ao mesmo tempo, não ferir as autonomias municipais. Apesar de a Constituição de 1967
garantir aos municípios administrar questões de peculiar interesse, Eros Grau afirma que
o direito positivo nacional não discriminava explicitamente quais eram os interesses
especificamente municipais, que eram determinados pelo sua abrangência espacial, ou
seja, era atribuída aos municípios a gestão das questões locais, circunscritas aos limites
municipais.
No caso de haver demandas que, mesmo sendo administradas pelas prefeituras,
tinham um raio de abrangência para além desses limites, não havia no Direito brasileiro
nenhum impedimento à adoção de soluções regionais para as políticas governamentais,
o que incluiria, evidentemente, o fenômeno metropolitano.
Entretanto, dada sua centralidade para a economia nacional, não se poderia
deixar a questão metropolitana entregue à adesão voluntária dos municípios. Ao
contrário, seria necessário criar uma obrigação formal aos municípios de integrarem-se
no caso de haver alguma questão de interesse especificamente metropolitano, que
contemplaria todos aqueles serviços que só tivessem coerência quando executados
segundo a escala metropolitana.
Daí que segundo o inciso constitucional, se a União decidiu criar uma dada
região metropolitana por meio de lei complementar, não haveria opção às
municipalidades senão articular-se segundo um planejamento global, quando a
resolução de uma determinada questão fugisse aos limites meramente municipais. Nos
casos em que a demanda continuasse circunscrita à esfera local, estaria mantida a
autonomia municipal. O que definiria os contornos, portanto, seria a escala de
abrangência das políticas governamentais.
233
Outra implicação apontada por Eros Grau (1974) era que, com a criação de uma
região metropolitana e a definição das questões de interesse metropolitano, seria
necessária a criação de arranjos institucionais para planejar, coordenar e, eventualmente,
executar a política metropolitana.
Aliás, os principais problemas em termos de administração metropolitana
existentes até então eram derivados de um conjunto de ausências institucionais no
aparato estatal brasileiro: (1) não havia uma instância decisória ao nível metropolitano;
(2) não havia sistemas de coordenação e comunicação entre os diversos órgãos
governamentais e entre as instâncias administrativas (União, estados e municípios); (3)
não existiam centros especializados na produção de rigoroso conhecimento sobre a
realidade metropolitana.
De acordo com Grau (1974), não haveria também impedimento para a criação de
autarquias dedicadas a essas funções, o que não configuraria, no entanto, um quarto
poder, abaixo dos estados e superior aos municípios. A essas entidades, vinculadas aos
estados, seriam delegadas as funções metropolitanas, respeitando o princípio da
autonomia municipal no que se refere aos serviços e interesses locais.
Conforme explícito no próprio texto constitucional, o inciso sobre as regiões
metropolitanas inseria de modo genérico e conciso a questão metropolitana como
matéria de interesse público. Para avançar a partir dali, seria necessária a elaboração de
legislação complementar, definindo as regiões metropolitanas a serem criadas e os
serviços comuns considerados de interesse metropolitano.
Apesar da expectativa criada pelo texto constitucional e de alguns movimentos
no sentido de estruturar projetos de criação de regiões metropolitanas tanto nas esferas
estaduais, quanto no legislativo federal, a incumbência da ação era da Presidência da
República, que deixou a matéria em suspenso até o ano de 1973, quando finalmente foi
publicada a Lei Complementar no 14 de 8 de junho daquele ano.
A LC no 14/73 além de criar oficialmente as oito primeiras regiões
metropolitanas brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife,
Curitiba, Fortaleza e Belém), estabeleceu o modelo de administração e os serviços de
interesse metropolitano. Na opinião de Eros Grau (1974), além de ter sido elaborada
monocraticamente pelo executivo federal, sem participação dos estados atingidos, a LC
no 14/73 fez tábula rasa do conceito de interesse metropolitano ao generalizá-lo sem
considerar as especificidades de cada região metropolitana.
234
SERFHAU, seria contrária à filosofia que se implantou no BNH, que preferia ações
setoriais77.
O mesmo ocorreria depois com a criação do CNPU, que, apesar de ter possuído
um status superior ao da SERFHAU em virtude de sua criação ter sido associada à
criação em conjunto com os sistemas de planejamento das regiões metropolitanas e do
FNDU, tinha um porte de recursos significativamente menor do que outros órgãos
setoriais.
O relato de Souza (1999) testemunha que na própria cúpula de especialistas que
se debruçaram sobre a elaboração das diretrizes gerais do Plano Nacional de
Desenvolvimento Urbano havia uma clara cisão entre aqueles que tentavam pensar as
cidades segundo uma visão de conjunto, e os que adotavam uma abordagem setorialista
das políticas públicas.
Segundo Souza, isso se manifestou no próprio II PND, que se contradizia entre a
estratégia geral e a política urbana. A primeira, condizente com o pensamento do
geopolítico do regime, o general Golbery do Couto e Silva, objetivava consolidar uma
moderna economia industrial nucleada no Centro-Sul, enquanto a política urbana
desenhava uma estratégia de redução das desigualdades inter-regionais através de
políticas que visavam a dinamizar cada área do território nacional em específico por
meio da rede urbana.
Como era de se esperar, a cisão que se verificava nas instâncias federais, entre o
ponto de vista setorial e o ponto de vista integrador, se reproduziu nos sistemas de
planejamento urbano e regional dos estados, em particular nas entidades que foram
criadas para o exercício do planejamento metropolitano. E em diversos momentos, era o
setorialismo federal que demandava as políticas a serem implementadas enquanto
políticas metropolitanas; em outros momentos, os órgãos setoriais passavam ao largo
dos sistemas de planejamento urbano e regional dos estados, implantando de modo
isolado seus investimentos sobre os territórios metropolitanos.
77
A filosofia empresarial do BNH se manifestou também na mudança de perfil socioeconômico dos
financiamentos, que passou a se endereçar cada vez menos aos conjuntos de baixa renda e a se destinar
para a classe média.
238
78
Publicaram-se, nesse ínterim, outros decretos tratando da legislação metropolitana, como o decreto n o
16 de 15 de março de 2015, que tratava do regimento interno do Conselho Deliberativo e o decreto n o 46
de 11 de abril de 1975, referente ao regimento interno do Conselho Consultivo. As matérias desses
decretos destinavam-se a ordenar o modelo de trabalho dos conselhos.
241
79
Assim diz o artigo 24: “Sem prejuízo dos recursos de natureza tributária a que terá direito o Município
do Rio de Janeiro, neles se incluindo a participação da receita do ICM, o novo Estado aplicará,
obrigatoriamente, no referido Município, inclusive para atender ao pagamento de obrigações e encargos
relativos àquela área, os seguintes percentuais do ICM ali efetivamente arrecadados e pertencentes ao
Estado: 1975 – 100%; 1976 – 90%; 1977 – 80%; 1978 – 70%.” Ou seja, parte dos recursos do ICM
arrecadados no município do Rio seriam paulatinamente destinados ao FCRM.
243
80
Uma ressalva deve ser feita em relação ao Conselho Consultivo, que conforme a própria legislação
analisada não teria maiores poderes do que propor medidas e demandar ações. Tratava-se, portanto, de
uma legislação centralizadora que levava a algumas implicações negativas para a administração
metropolitana. Em primeiro lugar, impunha aos municípios metropolitanos (com a exceção do município
do Rio de Janeiro) uma posição de fragilidade, principalmente diante da situação de quase inanição
orçamentária de parte deles. Em segundo lugar, acabou contribuindo para que a vinculação municipal ao
planejamento metropolitano fosse pautada por instrumentos de força política (lembrando que se tratava de
uma conjuntura autoritária) e de cooptação econômica, por meio das maiores facilidades de obtenção de
recursos. Quando esses dois instrumentos perderam sua força pelo processo de abertura política e pela
crise econômica, iniciou-se a derrocada do projeto da administração metropolitana.
244
Mesmo em análises cujo horizonte de reflexão não era a metrópole, como foi o
caso dos relatórios sobre a fusão patrocinados pela FIEGA e pela CIRJ (1969), a
conurbação metropolitana subjaz como causador das dificuldades que estariam
provocando o esvaziamento econômico da Guanabara, afinal, segmentos cada vez
maiores da indústria que atendia ao mercado carioca estavam se localizando na Baixada
Fluminense. Na própria LC no 20 de 1974 se deixava bem claro que a criação da região
metropolitana era a mais urgente das demandas que a fusão teria que atender.
Mesmo opositores notórios da fusão e entusiastas da recriação do Estado da
Guanabara, como é o caso do ex-prefeito do município do Rio de Janeiro, Israel
Klabin81, são taxativos em afirmar que a questão metropolitana é a principal barreira a
um eventual projeto de desfusão.
82
Não se está dizendo que o jurista fosse uma voz ativa no debate sobre os destinos da RMRJ e que a
proposta mencionada fosse originalmente sua. Apropriou-se da análise de Eros Grau sobre a questão
como uma possível alternativa viável à fusão.
246
83
Esse conservadorismo das forças políticas quanto a uma possível fusão ou mesmo outra intervenção
federal não era, evidentemente, total. Ele se manifestou principalmente na Guanabara, já que era
dominado pelo partido oposicionista, o MDB, que receava ser deslocado autoritariamente do governo do
estado. A ARENA da Guanabara, por outro lado, sonhava com essa intervenção, com vistas de derrubar a
hegemonia emedebista. Tanto que o perfil “apolítico” de Faria Lima desagradou muito mais aos arenistas
do que os emedebistas do novo estado.
247
era gerada na Guanabara. Era uma distorção muito grande que foi
gerando essa gigantesca favela que é a Baixada Fluminense. Se não
fosse feita a fusão para corrigir isso, eu não sei em que situação
estariam os municípios da Baixada Fluminense. A fusão veio a
corrigir isso, na medida que a receita gerada por essa população da
Baixada veio a ser arrecadada pelo novo estado, possibilitando
redistribuir melhor a renda. Ou seja, essa receita poderia, assim, ser
aplicada na Baixada Fluminense e de fato foi aplicada lá ao longo do
tempo, de modo que a região melhorou substancialmente depois da
fusão de 1974. Ainda tem carências enormes, mas melhorou muito em
relação ao período anterior. Essa distorção tinha que ser, realmente,
corrigida, agora a forma como foi realizada, autoritariamente, que foi
errada. Apesar disso, sempre me coloquei a favor da tese da fusão.84
84
Saturnino Braga, senador do ERJ na época da fusão. Entrevista concedida em 30 de outubro de 2014.
248
Foi sob o Governo Faria Lima que a FUNDREM conheceu sua fase de maior
atividade e prestígio. Ela era “a menina dos olhos tanto do secretário de planejamento
quanto do próprio governador, quanto do prefeito do Rio de Janeiro, que na época era o
Marcos Tamoyo (...) Ainda era uma época em que se acreditava, realmente, que o
crescimento do Estado do Rio de Janeiro em termos econômicos estava centrado na
região metropolitana”85.
Como já se demonstrou, tentou-se materializar institucionalmente o desiderato
da integração espacial das políticas setoriais do governo no âmbito metropolitano, como
foi predito no I PLAN RIO como método de intervenção governamental.
A força da FUNDREM durante essa primeira fase deveu-se a dois fatos: o
controle de um aporte não desprezível de recursos federais depositados no FCRM e a
legitimação do Governo Faria Lima por meio da eficiência tecnocrática. O
empoderamento da autarquia por meio desses dois fatos foi ainda mais realçado pelo
quadro geral de escassez que dominava os municípios metropolitanos, com exceção do
Município do Rio de Janeiro.
Segundo Gondim (1986), a FUNDREM dispunha de todos os instrumentos que
faltavam aos municípios, como os recursos para investir em infraestrutura, serviços
urbanos e planejamento, assim como poder político, garantido pelo Governo Federal,
para sobrepor-se às pressões dos grupos de interesses locais. Nessas condições, não era
difícil à FUNDREM e ao Governo Faria Lima colocar em prática o planejamento
impositivo, defendido por Eros Grau (1974) como uma alternativa à autonomia dos
municípios em seus próprios assuntos.
Segundo Gondim (1986) durante os quatro anos do Governo Faria Lima, o
FCRM e a FUNDREM comandaram uma quantidade de recursos maior do que a
maioria das secretarias de Estado, com exceção da de educação e da de obras públicas,
sendo ainda a quinta autarquia com maior disponibilidade financeira, atrás somente do
Metrô, do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), da Companhia Estadual de
Águas e Esgotos (CEDAE) e da Companhia Estadual de Habitação (CEHAB).
85
Entrevista 1. Esse testemunho fez parte de uma citação maior transcrita no capítulo 4 para apontar a
inconsistência institucional do planejamento da integração com o interior. Aqui realça-se o apreço da
FUNDREM entre as principais figuras do Governo da Fusão.
249
Nos dados que foram publicados nos relatórios de gestão do Tribunal de Contas
do Estado, os orçamentos do FCRM e da FUNDREM, juntos, chegaram a participar
com mais de 2,16% das despesas estaduais em 1977 e 1,53% em 1978. É importante
lembrar que esses eram recursos destinados especificamente à institucionalidade
metropolitana.
Além desses, a FUNDREM beneficiou-se também de recursos indiretos, que
eram ligados aos orçamentos de outros órgãos, mas que procuraram trabalhar nesses
anos iniciais em parceria com o planejamento da FUNDREM. Um ponto que deve ser
destacado é que a rubrica de desenvolvimento regional nada mais é do que a soma dos
recursos destinados ao Fundo Contábil e à FUNDREM, o que reflete que, como se
observou anteriormente, de fato a falta de uma institucionalidade análoga à FUNDREM
impediu a formulação, de um planejamento regional estadual que contemplasse as
outras regiões do ERJ. Para o Governo Faria Lima, o desenvolvimento regional ficou
restrito à região metropolitana.
Apesar de esse estado de coisas ter sido mais característico a partir do Governo
de Chagas Freitas, Gondim (1986) afirma que já estava dado no Governo Faria Lima.
Durante esse período, constituiu-se uma tensão interna entre a ala dos planejadores
metropolitanos, ligados à direção da FUNDREM e considerados a elite da autarquia, e
os técnicos que tinham por incumbência fazer a mediação das demandas das prefeituras.
Tal tensão seria uma manifestação, na própria FUNDREM, daquela dicotomia que se
251
Era uma tensão que refletia, por um lado, as resistências das prefeituras que
enxergavam um flagrante atentado à autonomia municipal, e por outro lado dependiam
dos recursos de que a FUNDREM dispunha. A principal dificuldade se dava na relação
entre o Município do Rio de Janeiro, a FUNDREM e o próprio Governo Estadual. De
certa maneira, o Município do Rio de Janeiro era a principal dificuldade do projeto da
fusão, dado que perdera a antiga autonomia de cidade-estado e, ao mesmo tempo, apesar
dos pesares, possuía uma força econômica própria que lhe garantia relativa
independência do Governo Estadual e, principalmente, da FUNDREM.
A primeira crise entre o Município do Rio de Janeiro e a FUNDREM se deu
logo nos primeiros meses da fusão, entre o prefeito escolhido por Geisel, o carioca
Marcos Tamoyo, e o indicado para a presidência da FUNDREM, o paranaense Jayme
Lerner. Esse último havia sido preterido como prefeito do Rio de Janeiro em virtude da
proximidade de Tamoio com o ministro Golbery Couto e Silva.
86
Maurício Nogueira Batista, arquiteto, foi, entre outras coisas, diretor de planejamento da FUNDREM
durante o Governo Faria Lima.
252
O conflito entre Jayme Lerner e Marcos Tamoio reflete mais do que intrigas
palacianas. Havia a enorme discrepância em termos de capacidade de atuação e mesmo
prestígio político, entre ser prefeito do Rio de Janeiro e presidente da FUNDREM.
Quando Ronaldo Costa Couto diz que a FUNDREM não contaria com recursos vultosos
para administrar, afirmação contrária ao discurso predominante, deve-se entender em
termos relativos, ou seja, em relação ao orçamento mais aquinhoado da prefeitura do
Rio de Janeiro.
Lerner, que fora prefeito de Curitiba e ganhara projeção devido à sua visão
urbanística aplicada à cidade, não teria na FUNDREM a mesma autonomia para
executar sua visão pessoal do planejamento, além de lidar principalmente com a
periferia metropolitana, onde a escassez e os “picadinhos” políticos imperavam.
Sob as mãos de Marcos Tamoio configurou-se um clima de enfrentamento que
superou as querelas com Jayme Lerner, atingindo o próprio governador Faria Lima e o
secretário de planejamento Ronaldo Costa Couto. Ainda segundo o relato desse último,
o prefeito do Rio de Janeiro, à vontade no cargo devido ao seu suporte junto a Geisel e
Golbery, seguiu caminhos próprios, criando embaraços ao projeto da fusão e
alimentando os traumas criados na cidade desde 1960.
O que se depreende desses fatos é que desde o início, da mesma maneira que a
própria política da fusão, a política metropolitana empreendida por meio da FUNDREM
não foi realizada a partir da construção de um consenso político sobre a importância do
87
Cabe lembrar aqui que o Conselho Deliberativo era composto por cinco membros nomeados pelo
governador, sendo um de uma lista tríplice indicada pelo prefeito do Rio de Janeiro e outro indicado pelos
demais municípios metropolitanos. Na verdade, o Conselho Consultivo é que era composto por
representantes de todos os municípios.
255
89
Superintendência de Urbanismo e Saneamento, criada durante o Governo de Negão de Lima no Estado
da Guanabara.
90
Quanto a isso, deve-se levar em conta os paradigmas teóricos que eram ensinados nas ciências afins ao
planejamento urbano e regional na época. Estava-se, no Brasil, no auge do paradigma de planejamento
que era alimentado, na geografia, pelo menos, pelos modelos espaciais das teorias da localização (Lösch,
Weber, Christaller) e da polarização.
257
91
Trata-se de uma comunicação de Fernando Talma Sampaio, que em 1979 era presidente da FUNDREM
no final do Governo Faria Lima, no seminário promovido na PUC-RIO em janeiro de 1979.
258
pouco modificados e o perfil tecnocrático foi cedendo espaço aos interesses que
atendiam à racionalidade da política de clientela.
Com efeito, a nova fase da FUNDREM criara novas demandas de que a estrutura
bastante simplificada herdada do Governo Faria Lima não daria mais conta. O foco na
coordenação do setor de transportes e no equacionamento dos serviços comuns, por
exemplo, não tinha representação no órgão, sendo necessário, portanto, criar novos
setores para essas atividades. Segundo o relato de um dos membros da chefia da
FUNDREM naquele período, a reestruturação teria articulado melhor as funções da
autarquia.
um estilo mais pragmático, à rede de clientela que Chagas Freitas havia instalado no
aparato governamental. Daí que aquela sensação de morosidade mencionada
anteriormente ter caracterizado a fase chaguista da FUNDREM.
Outra implicação da reestruturação da FUNDREM foi a transformação de sua
atuação na região metropolitana, passando a exercer uma função de executora de obras
principalmente na Baixada Fluminense, função que não era exercida anteriormente.
Isso fica claro pela criação de uma diretoria especificamente dedicada às obras
públicas e de um setor de serviços metropolitanos na diretoria de planejamento. No
novo estatuto, aprovado em 15 de agosto de 1979, além de alterar a estrutura
organizacional, criou-se novas competências não constantes no estatuto de criação da
FUNDREM em 1975. O documento original colocava à entidade o papel principal de
assessoramento, apoio técnico, pesquisa e coordenação de projetos. A parte de execução
seria exercida através de convênios e contratos. No estatuto de 1979, acrescentou-se a
função executora:
seus primeiros quatro anos, rapidamente ganharam corpo quando a conjuntura que
impôs tanto a fusão quanto a institucionalização da região metropolitana se modificou.
No bojo desse processo, estão os arranjos institucionais de planejamento urbano
e regional criados sob os marcos da racionalidade tecnocrática que foram reorientados
para atender aos interesses mais imediatos das redes de poder político já consolidados
na região metropolitana. A mudança de orientação da FUNDREM sob Chagas Freitas
deve ser interpretada nesta perspectiva para se compreender o início de sua derrocada.
Ao fim, a FUNDREM, assim como todo o aparato estadual foi, cada vez mais,
capturada pela lógica politiqueira, ainda que os quadros ainda mantivessem o perfil
profissional.
92
Nascido em 1906 no Estado de Alagoas e formado advogado, Tenório Cavalcanti foi vereador em Nova
Iguaçu nos anos de 1936 e 1937 e deputado federal pelo antigo Estado do Rio de Janeiro por três
mandatos, entre 1951 e 1964. Era conhecido como “o rei da Baixada” por aliados e “deputado pistoleiro”
por adversários. Faleceu em Duque de Caxias em 1987.
93
Nascido no Rio de Janeiro em 1930, era advogado. Foi subchefe da Casa Civil de Chagas Freitas no
Estado da Guanabara entre 1966 e 1969. Foi deputado estadual entre 1970 e 1982 e entre 1991 e 1993,
quando assumiu a Secretaria Estadual de Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia no Governo Leonel
Brizola. Em 1981 e 1982 foi presidente da ALERJ e em 1986 elegeu-se deputado federal.
266
municípios, com Chagas Freitas a escassez foi transformada numa espécie de trunfo
eleitoreiro, em que o aliado local e o governador auferiam dividendos políticos por meio
do uso das capacidades da FUNDREM e dos recursos do Fundo Contábil. Perdeu força,
assim, a imposição do metropolitano ao municipal, prevalecendo, após isso, a lógica do
“feudo” em aliança com a máquina chaguista.
Durante o Governo Chagas Freitas, a FUNDREM contou, ainda, com certo
aporte de recursos do Fundo Contábil, que continuou a ter uma participação nos gastos
do Estado — e até superior ao verificado durante o Governo Faria Lima. Isso permitiu a
manutenção dos projetos que já estavam sendo desenvolvidos, assim como da nova
estrutura e das funções que o órgão metropolitano passou a exercer. Conforme
demonstrado no quadro 4.8, houve uma drástica diminuição dos recursos nos anos de
1979 e 1980, mas os gastos foram recompostos nos anos de 1981 e 1982.
Diferentemente do Governo Faria Lima, no entanto, a rubrica desenvolvimento regional
não era limitada à região metropolitana.
94
A mensagem de Brizola à ALERJ, em 1984, diz o seguinte: “O Tesouro Estadual era peça decorativa e
a gestão estava centralizada, curiosamente, no Banco do Estado do Rio de Janeiro. Este, por sua vez,
encontrava-se estruturalmente atingido, a ponto de 25% do endividamento realizado pelo Estado em 1982
ter servido de suprimento de caixa para o BANERJ, num momento em que todo o sistema financeiro
operava lucrativamente. A operação irresponsável da dívida pública produziu perdas no mercado aberto, a
partir de junho daquele ano, estimadas em 20 bilhões de cruzeiros.” Continuando a mensagem, Brizola
acusa o Governo Federal de limitar a rolagem da dívida, o que exigiu ao Governo Estadual a destinação
de parte das receitas arrecadadas para o pagamento dos compromissos imediatos do serviço da dívida,
comprometendo, por conseguinte, a capacidade de investimentos do estado.
268
retorno à velha política chaguista, mas naquele momento se estendia aos valiosos
estoques de eleitores da periferia metropolitana.
No âmbito institucional, isso significou mudanças de rumos a partir de usos e
práticas que eram novidadeiros diante dos arranjos que foram costurados pelo modelo
de governo de Faria Lima, pretensamente apolítico e pautado pelos ditames da
eficiência tecnocrática.
Na FUNDREM isto significou mudanças na estrutura organizacional, que se
tornou mais complexa e intrincada, diminuindo o espaço da atividade de planejamento,
que era a função mais prezada durante o período Faria Lima, para se concentrar na
coordenação de execução de obras, principalmente na Baixada Fluminense.
Além disso, os cargos diretores da FUNDREM continuaram sendo ocupados por
pessoas de perfil profissional, ainda que não ligados necessariamente ao campo do
planejamento urbano e regional. O critério era a proximidade e a lealdade ao
governador, que seria o verdadeiro homem forte da FUNDREM. Assim, pouco a pouco
a lógica tecnocrática tão característica dos primeiros anos dessa fundação foi cedendo
espaço para a lógica politiqueira do chaguismo.
Apesar disso, não seria no Governo Chagas Freitas que a FUNDREM
encontraria seu ocaso, já que os recursos que atraíam os municípios metropolitanos
pauperizados ainda irrigavam o Fundo Contábil e a instituição ainda contava com
quadros técnicos de perfil profissional. O que se observou foi que, após as mudanças
empreendidas por Chagas Freitas na estrutura e nas funções da FUNDREM, ocorreu um
arrefecimento na atividade planejadora do órgão, principalmente no que tange à
produção de conhecimentos para além do que já vinha sendo desenvolvido do Governo
Faria Lima.
Segundo Gondim (1986), apenas os projetos de preservação nos municípios de
Petrópolis e Itaboraí foram novidades desse período. Outros projetos como o plano
diretor de transportes, o plano de desenvolvimento da região metropolitana, o
zoneamento industrial e os planos de uso de solo eram demandas do Governo Federal.
Além disso, a autora atesta que ao longo desse período o próprio Governo Federal cada
vez mais passou por cima da FUNDREM na execução de projetos federais, gerando,
também, certa “insubordinação” dos órgãos setoriais ao papel coordenador da autarquia.
O que o Brizola herdou foi uma FUNDREM ainda com um quadro significativo
de técnicos, porém, já imersa na política clientelística do chaguismo e em processo de
enfraquecimento como órgão de planejamento. Ainda assim, em plena atividade. A
270
chegada de Brizola, no entanto, foi uma ruptura em vários sentidos e que, infelizmente,
representou para a FUNDREM um rápido processo de esvaziamento e invisibilidade.
eram financiados com os recursos federais e que tornaram ainda mais difíceis a situação
financeira do ERJ.
Segundo Sento Sé (1997) a vitória de Brizola nas eleições de 1982 foi um marco
para o brizolismo e para o ERJ. Ela surpreendera a todos, já que no início do ano
Brizola não tinha mais do que 5% das intenções de voto para governador, muito atrás de
Sandra Cavalcanti (PTB) com 52% das intenções e Miro Teixeira (PMDB), discípulo de
Chagas Freitas, com 23%.
Deve-se levar em conta, ainda, que a permissão para as eleições diretas em 1982
foi dada sob as normas do chamado “Pacote de Novembro”, que obrigava o voto para
todos os cargos eletivos em candidatos do mesmo partido, com o fito de beneficiar o
PDS, herdeiro da ARENA, e no máximo permitir ao PMDB manter-se como oposição.
Os novos partidos, como o PTB e os mais radicalizados, PDT e PT, teriam
enormes dificuldades em se estabelecer eleitoralmente devido justamente à fragilidade
de seus quadros partidários naquele momento, já que havia o risco real de debandada de
oposicionistas para o PMDB. Chagas Freitas, por exemplo, que durante algum tempo
participou do PP de Tancredo Neves, retornou para o PMDB fluminense, partido pelo
qual seu pretendido sucessor Miro Teixeira se lançaria como candidato a governador.
A articulação de Brizola para a candidatura no pleito de 1982 teria que superar
uma série de obstáculos e oposições. Primeiro, teria que se reestabelecer na cena
política brasileira no curto espaço de tempo entre o retorno do exílio e a disputa
eleitoral, necessitando urgentemente reconstruir sua liderança a partir do trabalhismo e,
com isso, uma rede de aliados que permitissem sua candidatura. Ademais, as oposições
dentro do Governo Federal eram ferrenhas, assim como na imprensa carioca, que a
divisar as pretensões de Brizola, divulgavam os riscos que uma possível vitória sua
traria ao processo de abertura política “lenta, gradual e segura” dos militares.
A estratégia de Brizola e do PDT foi, segundo Sento Sé (1997), bastante criativa
e eficiente. Além de seu carisma pessoal e de sua oratória inflamada e popular, os
partidários do gaúcho se dedicaram a uma aguerrida campanha corpo a corpo pelas
periferias da região metropolitana e também no interior, alçando a figura do candidato
como o único representante genuíno no Rio de Janeiroo da oposição à ditadura.
Além disso, o PDT empreendeu um enorme esforço para arrebanhar cabos
eleitorais e lideranças políticas para seus quadros, de modo a carregar seus votos. Por
meio desse enorme voluntarismo e do frisson causado pelo brizolismo, contra todas as
expectativas Brizola conseguiu os votos necessários, principalmente nos subúrbios da
272
capital, mas também com boa margem na Baixada Fluminense. No interior, por outro
lado, o apelo de Brizola foi muito reduzido. Veja-se o depoimento coletado de um
militante brizolista por Sento Sé (1997, p. 254)
A FUNDREM tinha potencial para ser um órgão poderoso caso lhe fossem
dadas as condições técnicas e financeiras para a realização de suas funções definidas
pela legislação. Isso teria ficado claro nos seus primeiros anos em relação às
depauperadas prefeituras da periferia metropolitana, quando havia certo orgulho pela
existência de uma elite profissional relativamente empoderada pelo viés tecnocrático; e
274
com o Chagas Freitas, que enxergou na FUNDREM um órgão para a execução de obras
em áreas carentes com grande potencial eleitoral.
O cálculo de Brizola foi diferente daquele feito por Chagas Freitas: ele não
buscou cooptar a FUNDREM através do enquadramento do corpo técnico na sua esfera
de influência, mas aprofundou seu esvaziamento retirando-lhe qualquer autonomia
institucional.
Essa opinião foi seguida pela do entrevistado que foi ligado ao PDT naquela
época.
Cabe a indagação de por que Brizola tomou uma postura tão diferente daquela
tomada por Chagas Freitas. A resposta talvez esteja no perfil político bastante diferente
de ambos e, principalmente, nas diferentes condições em que assumiram o Governo do
Estado.
Apesar da fusão, Chagas Freitas não perdeu sua influência no novo estado,
conseguindo prevalecer sobre o cacique fluminense Amaral Peixoto, que era inclusive
275
mais próximo à direção nacional do MDB. Brizola, ao contrário, teve que rapidamente
construir uma base política que em sua maior parte encontrava-se fora do aparato do
Estado, principalmente entre aqueles com perfil mais “popular”. Isso fica claro na sua
plataforma de governo, cujo discurso era voltado para os anseios dessa extensa camada
da população fluminense. Já a relação com os profissionais que estavam no Estado era
de desconfiança.
Tais conflitos e contradições foram agravados pela própria visão que Brizola e
sua equipe tinham do tipo de planejamento que era paradigmático até aquele momento.
No capítulo 4 apontou-se para as críticas ao planejamento expressas no PDES do
Governo Brizola e que refletiam a visão pessoal de Brizola sobre o tema. Alimentava-se
a perspectiva de que o planejamento, não só tal qual era feito, mas a concepção em si,
era uma das características do modelo político autoritário da ditadura brasileira, que
afastava a população, principalmente a maioria pobre, das decisões sobre as políticas
governamentais. Daí que a entrada das pessoas ligadas ao PDT pode ser creditada, além
de à conjuntura política que marcou a eleição de Brizola, à essa visão de proximidade
do Estado com as comunidades.
276
Evidente que não se está dizendo que o Governo Brizola se limitou a agir no
“picadinho”, mas fica claro que a crítica de Brizola ao planejamento tecnocrático não
foi seguida de uma formulação clara e alternativa de planejamento. O Governo Brizola
ficou muito caracterizado por projetos bastante avançados do ponto de vista político,
como no caso do projeto dos CIEPs, mas ao mesmo tempo, eram projetos focalizados,
setorializados, e mesmo assim permeados por certo improviso.
Não há registro, por exemplo, de uma ação da FUNDREM no planejamento da
instalação das escolas projetadas por Oscar Niemeyer. Ficou para a posteridade
imaginar o que a expertise da FUNDREM poderia ter contribuído para o
desenvolvimento da política de educação pensada por Darcy Ribeiro95.
Na proposta do Governo Brizola, a atividade de planejamento deveria seguir
uma lógica distinta daquela que imperou nos governos anteriores. Na mensagem de
1984, o governador comunicou a mudança de orientação do modus operandi da
95
Na entrevista 6, houve o seguinte comentário sobre os CIEPS: “O Governo Brizola teve muitas coisas
boas, como o plano do Darcy Ribeiro para os CIEPs, que era uma proposta pedagógica fantástica, mas
que nunca foi implementada. Se limitou à construção dos CIEPs, tinha que construir 500, transformando
o programa em CIEP pelo CIEP.” Ou seja, o programa teria perdido seu caráter global devido à
concentração no esforço de garantir a estrutura física.
277
SECPLAN, que deixaria para trás “as atividades burocráticas que amarravam seu
desempenho”, passando a efetivamente planejar e integrar as diversas áreas do governo,
além de ter sido alçada ao papel de assessoramento direto do governador. Essa nova
forma de planejar que foi defendida por Brizola seguia uma lógica bastante sui generis.
A visão da equipe próxima a Brizola96 era simplificar e flexibilizar o
planejamento de modo a criar as condições materiais para a execução dos programas
prioritários estabelecidos pelo governador — principalmente o Programa Especial de
Educação.
Para tanto, em primeiro lugar tentou-se quebrar a estrutura hierarquizada e
burocrática do Sistema Estadual de Planejamento, que seria, na verdade, nada mais do
que uma projeção da estrutura do Ministério de Planejamento do Governo Federal e que
no Rio de Janeiro fora tomado pela burocratização construída pela máquina chaguista,
que como já se mencionou a respeito da FUNDREM, trouxe certa morosidade ao
planejamento.
Para a equipe de planejamento de Brizola, a situação do ERJ após sete anos de
fusão e diante da profunda crise dos anos 1980 exigia uma flexibilidade para se
enfrentar, com rapidez, os principais problemas do estado. O trabalho de pesquisa e
produção de dados técnicos passou a enfocar pequenos estudos específicos para
políticas pontuais, ao contrário do padrão dos dois governos anteriores. Apesar disso,
ainda foram elaborados projetos de longo prazo, como o Rio Ano 2000, que ficou sob
os auspícios de Darcy Ribeiro, o vice-governador.
O foco na execução dos projetos prioritários conferiu ao planejamento do
Governo Brizola um caráter eminentemente ad hoc em relação à mobilização dos
recursos humanos e materiais do Sistema Estadual de Planejamento. A filosofia que
visava a quebrar as rígidas estruturas burocráticas teve como efeito prático a mobilidade
de pessoal segundo as necessidades surgidas ao longo do governo.
No caso da FUNDREM, apesar de institucionalmente o governo ter
marginalizado sua atuação, a autarquia serviu como fonte de saber técnico
especializado, ofertando, por cessão, profissionais para órgãos mais importantes naquele
momento.
96
Aqui sintetizam-se as informações colhidas na entrevista 9, realizada com destacado membro da equipe
de planejamento do primeiro Governo Brizola e que chegou a ocupar a cadeira de secretário de
planejamento.
278
Qual era o conceito? O sujeito era servidor público! Por acaso era
metroviário, por acaso era da FUNDREM ou da FAPERJ. Então, se
para o interesse público era conveniente que ocorresse uma
movimentação horizontal, você vai compondo. No metrô, por
exemplo, havia um grupo de estatísticos da melhor qualidade. Assim,
trouxemos gente de lá. E a FUNDREM também tinha, só que a
percepção dos servidores da FUNDREM foi de esvaziamento. Eles
não compravam essa ideia de que houvesse uma superestrutura
racionalizadora e ordenadora que fazia o controle.
(...)
Do ponto de vista de investir nos recursos humanos com vistas a esse
planejamento governamental, com vistas a fazer pequenos trabalhos,
que estiveram tradicionalmente na mão da FUNDREM, com vistas a
trazer técnicos para o governo, a FUNDREM acabou sendo uma
provedora de mão de obra sem muita função no governo. Isso não
quer dizer que se matou o órgão, pois às vezes, no governo, a
criatividade é muito importante, e muita coisa nasceu ali. (Entrevista
9)
Por fim, e não menos importante, estava a profunda crise financeira que foi
imposta ao ERJ em virtude do bloqueio dos repasses federais, em especial daqueles
relacionados à política urbana e metropolitana, que a partir de meados de 1983 deixaram
279
de ser disponibilizados para os entes estaduais97. Para o ERJ isso foi particularmente
dramático, pois haviam se passado somente oito anos da fusão, e o estado ainda se
encontrava em pleno processo de consolidação institucional.
Segundo as informações coletadas nas prestações de contas do Governo Brizola,
verifica-se que houve uma acentuada queda da destinação de recursos para o Fundo
Contábil e para a rubrica de desenvolvimento regional em relação ao último exercício
fiscal do Governo Chagas Freitas.
A verba destinada à FUNDREM paulatinamente foi diminuída, apesar de
manter-se na faixa que teve durante os governos anteriores (lembrando que em Faria
Lima, se chegou a destinar 0,07% das despesas gerais a essa fundação). A SECDREM,
por outro lado, foi, de longe, a secretaria menos aquinhoada do estado, o que confirma o
diagnóstico da pouca importância que teve na burocracia estadual. Quanto ao Fundo
Contábil, em específico, a rubrica deixou de ser anotada na prestação de contas, com
exceção do ano de 1984, quando ainda assim foi ínfima, apontando para o abandono
desse fundo devido à falta de recursos federais.
FCRM nd 460.000.000,00 nd nd
97
Segundo Santos et al (2014) a extinção do FNDU em 1983 desestimulou os governos estaduais a
continuarem as políticas metropolitanas, da mesma maneira como como deixou de atrair os municípios a
aderirem à estrutura de planejamento.
280
98
Segundo o relato da entrevista 6, essa nova regionalização promovida pelo Governo Moreira Franco ao
contrário das regiões-programa não se baseou em estudos fundamentados pelas teorias da regionalização.
As regiões-programa tinham tido como referência os indicadores de centralidade urbana e polarização. As
regiões de governo do Governo Moreira Franco eram baseadas no conhecimento empírico do governador
e de sua equipe, o que foi responsável pela criação de regiões que, segundo os cânones do saber técnico,
não possuem fundamento para o planejamento.
281
Contábil, por outro lado, continuou com uma participação ínfima e a FUNDREM
manteve aproximadamente na mesma faixa histórica de gastos (entre 0,10% e 0,15%),
menos em 1989, quando foi extinta.
É muito triste dizer isso. Mas até para criticar é preciso haver um fato
para fazê-lo. Acontece que no Governo Moreira Franco não existe
nenhum fato que possamos avaliar positivamente ou negativamente.
Foi um governo que passou. Foi um governo de benesses entre seus
pares, que no princípio teve bom trânsito no Governo Federal, e nada
além disso. (...) a política de saneamento foi horrível, não investiu no
interior do ERJ, não investiu na antiga Guanabara, mal teve a
manutenção do que já existia. Simplesmente não há como definir seu
governo. (Entrevista 5)
Assim, o que se verificou, apesar da retórica e dos recursos que foram destinados
à área de desenvolvimento regional, foi a continuação do esvaziamento do arranjo
institucional de planejamento urbano e regional do ERJ. O Sistema Estadual de
282
A extinção da FUNDREM nada mais foi do que o apagar das luzes e o fechar de
portas de um órgão que na prática já deixara de existir há muito tempo. São escassas as
referências da decisão de Moreira Franco em extingui-la, a não ser pequenas notas na
imprensa, sem muito destaque. A justificativa da decisão, de que a FUNDREM se
tornara um antro de corrupção, conforme se mencionou no capítulo 4, foi tão
irrelevante, que quando ainda hoje se fala do fato, a maioria dos entrevistados nem se
lembra do ocorrido, alguns até mesmo duvidando da notícia.
O que fica demonstrado pela reação dos entrevistados é que na verdade o caso
noticiado na época foi algo completamente marginal, sem importância, pois a
FUNDREM já estava com os dias contados pelo próprio processo de esvaziamento
iniciado por Brizola e concluído por Moreira Franco. O fato era que a FUNDREM já se
encontrava em estado terminal e sua extinção nada mais foi que sua eutanásia.
Por fim, todo o legado do trabalho da FUNDREM, materializado nos seus
trabalhos técnicos, nos seus relatórios de atividades anuais, no importante trabalho
aerofotogramétrico e de cartografia, após alguma discussão entre os responsáveis pela
destinação do acervo, acabou sendo enviado para um depósito de propriedade do estado
na Avenida Brasil99. A partir dali foi-se perdendo grande parte do acervo do que, um
dia, e apesar de seus descaminhos, produziu-se a respeito de uma política regional de
desenvolvimento metropolitano.
99
Segundo o relato da entrevista 6, houve um acirrado debate no grupo responsável pelo espólio da
FUNDREM. Uns defendiam que o acervo fosse transferido para a Fundação CIDE, onde ele seria
preservado. Outros, que fosse destinado para o depósito da Avenida Brasil de modo provisório, pois
alguns ainda alimentavam a esperança de refundar a FUNDREM. A segunda opinião acabou
prevalecendo.
285
A FUNDREM foi o mais importante órgão criado no ERJ desde a fusão no que
se refere ao planejamento urbano e regional. Foi, na verdade, o único órgão de
planejamento regional que o estado logrou ter, já que desde o início faltou ao interior
uma institucionalidade autônoma direcionada para a produção de conhecimentos e
propostas de desenvolvimento. Assim, apesar de dedicada a um aspecto peculiar da
questão regional fluminense, a problemática metropolitana, a FUNDREM sintetizou em
sua trajetória a força e o ocaso da questão na agenda governamental.
Portanto, a partir da análise feita neste capítulo, pode-se constatar duas
conclusões principais sobre essa trajetória.
Em primeiro lugar, apesar da existência de algum debate desde pelo menos o
final da década de 1950, a demanda pela institucionalização da região metropolitana do
Rio de Janeiro não ocorreu a partir da agenda local, mas pelas deliberações da cúpula do
Governo Federal. O antigo Estado da Guanabara continuava às voltas com as
implicações de ser uma ex-capital, de modo que centrou suas preocupações em como
manter a centralidade do município do Rio na política nacional. Consequentemente,
com algumas exceções, a intelligentsia carioca continuava cega ao que ocorria ao seu
redor. Já o antigo ERJ, debilitado pela estagnação econômica da maior parte de seu
território, se encastelava no provincianismo.
Com a criação da legislação concernente às regiões metropolitanas e aos arranjos
institucionais que deveriam dar conta da problemática urbana e metropolitana em nível
nacional, o cenário transformou-se rapidamente para os dois antigos estados, e os
militares se mostraram dispostos a tomar alguma resolução para o caso do Rio de
Janeiro.
286
metropolitana acabaram por alijar a questão da agenda. Sobrou, no entanto, uma firme
cisão entre a racionalidade dos técnicos e a racionalidade dos políticos, manifestada no
clima de desconfiança entre a burocracia estadual e a maior parte dos políticos,
independentemente de suas opções ideológicas.
Salta aos olhos, por exemplo, o certo saudosismo de muitos profissionais de
carreira da época do Faria Lima, que apesar do autoritarismo político do regime,
concedia boas condições para trabalhar. Por outro lado, a falta de organicidade política
que caracterizou a fusão e a sua agenda levou ao abandono das instituições ligadas à
questão regional fluminense, quando do avanço da racionalidade política frente ao
enfraquecimento do viés tecnocrático.
A trajetória institucional da FUNDREM foi um termômetro dessas contradições.
Criada segundo a racionalidade tecnocrática e amparada por um arranjo institucional de
âmbito federal, a FUNDREM teve nos seus primeiros quatro anos o viço da juventude.
Composta por quadros técnicos formados na área de planejamento urbano e regional
que tinham espaço para colocar em prática o que aprenderam nos bancos universitários,
com o apoio do governo e aquinhoada com boa disponibilidade de recursos, a
FUNDREM apresentou intensa atividade de produção de dados e elaboração de
projetos. Localizada próximo ao eixo central do Governo Faria Lima, no prédio anexo
onde ficava a SECPLAN, a FUNDREM ocupava um lugar de prestígio junto ao
governo, sendo uma voz relevante nas decisões governamentais.
Apesar disso, havia choques entre a racionalidade tecnocrática da FUNDREM e
o campo político dos municípios da região metropolitana. Isso se manifestou
principalmente em relação à prefeitura do Rio de Janeiro, que, não obstante a
desorganização criada pela fusão, possuía certa autonomia financeira para realizar seu
próprio planejamento, independentemente da FUNDREM.
Apesar de setores dos quadros técnicos municipais possuírem mais
identificações do que diferenças em relação ao planejamento metropolitano, a força da
racionalidade política carioca se sobrepôs, fundamentando um quadro de oposição da
prefeitura em relação às intervenções da FUNDREM. As demais prefeituras, no entanto,
não possuíam a mesma margem de manobra financeira e técnica que o Rio de Janeiro, o
que as tornou mais abertas à FUNDREM devido à disponibilidade financeira que existia
através do Fundo Contábil. Ainda assim, não se tratava de uma relação sem conflitos e
tentativas de cooptação dos técnicos ligados aos “picadinhos”.
288
ERJ, acabaram por destruir a maior parte dos documentos que contavam a curta história
da FUNDREM.
291
6- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante sua formação territorial, o ERJ foi seguidamente fraturado por eventos
político-institucionais, que aprofundaram as assimetrias geradas pelo processo
econômico de desenvolvimento desigual derivadas da sua inserção na divisão regional
do trabalho no Brasil.
Caracteriza esse processo a inter-relação de múltiplos fatores que, a partir de
diferentes escalas geográficas, são sintetizados numa formação socioeconômica
específica. No caso do ERJ, as contradições territoriais oriundas da forma como se
estruturou a economia fluminense, sua inserção na dinâmica do capitalismo brasileiro e
as fragmentações criadas pela ação do Estado, em especial do Governo Federal,
inseriram-se no debate público como uma problemática específica do ERJ, que se
denomina nesta tese como questão regional fluminense.
A criação do Município Neutro em 1834 deu origem a dois fenômenos
relacionados e contraditórios. Por um lado, descolou a cidade do Rio de Janeiro da
Província Fluminense, transformando-a no território da capitalidade, base para a
construção da imagem da nação. Por outro, não extinguiu as relações de polarização e
complementaridade com o entorno pertencente à Província Fluminense.
Essa complementaridade foi fundamental durante os anos de consolidação do
Império, pois os recursos que garantiram a estabilidade do poder da corte sediada no
Rio de Janeiro provinham do interior fluminense. Da mesma maneira, o pleno
desenvolvimento da cafeicultura só foi possível por meio do financiamento concedido
pelo capital mercantil e bancário sediado na cidade do Rio de Janeiro. Essa exercia
ainda a função de mercado de consumo para diversos outros gêneros que eram
produzidos na antiga província, caso do açúcar produzido nas planícies de Campos dos
Goytacazes, que se destinava principalmente ao consumo interno. Nesse sentido,
verifica-se que quando da primeira cisão institucional, a riqueza que permitiu à cidade
do Rio de Janeiro a centralidade e lhe garantiu a condição de capital era, em grande
parte, gerada pela Província Fluminense.
Entretanto, a consolidação da função político-administrativa na cidade do Rio de
Janeiro, principalmente após a Proclamação da República, fez do setor público o
principal motor do desenvolvimento da cidade, permitindo a industrialização e a
diversificação das atividades terciárias.
292
problemas do que soluções. Apesar do debate, o tema não chegou a entrar na agenda
governamental, pois segundo previsto na Constituição de 1946, após a construção da
nova capital a cidade do Rio de Janeiro seria transformada em estado.
Os primeiros anos do Estado da Guanabara foram bastante prósperos. Com
disponibilidade de recursos estaduais e municipais em um único caixa, os governos
Lacerda e Negrão de Lima empreenderam uma série de obras urbanas que
modernizaram e embelezaram a cidade. Além disso, o Estado da Guanabara não perdera
de imediato todas as funções de capital, sendo considerada a capital de fato do país,
apesar de Brasília. Isso era reafirmado principalmente por Carlos Lacerda que, tendo em
vista seu objetivo de alcançar a presidência, tentava transformar, sob sua administração,
o Estado da Guanabara em um modelo para o país.
Não obstante, segmentos importantes do empresariado carioca, representados
pela FIEGA e pelo CIRJ, continuavam a manter em debate a tese da fusão como solução
para o “esvaziamento” da Guanabara, que estaria, segundo os estudos patrocinados por
essas entidades, perdendo indústrias para outros estados, incluindo o antigo ERJ. Sem
inserção, no entanto, do tema na agenda governamental carioca, o pleito era dirigido ao
Governo Federal, que poderia levar à frente a proposta.
Foi somente em 1974, com a posse de Geisel, que a causa foi atendida, ainda
que muito mais pelas convicções geopolíticas de Geisel e seu principal estrategista,
Golbery do Couto e Silva, do que em atendimento às solicitações do empresariado
carioca. A fusão foi realizada à revelia do debate público tanto na Guanabara quanto no
antigo ERJ.
Politicamente sem legitimidade, o Governo Federal buscou na racionalidade
tecnocrática as justificativas para a fusão, que se remeteram aos temas que já haviam
feito parte das discussões ocorridas desde 1958. Apontando para a artificialidade da
cisão entre dois territórios que na verdade seriam um só, a exposição de motivos da LC
no 20 de 1974 inseriu como objetivo da fusão a consolidação do segundo polo de
desenvolvimento do Brasil por meio da integração da Guanabara com o antigo ERJ, em
especial pela criação da RMRJ, que seria o principal indutor do desenvolvimento
econômico do novo estado.
Com efeito, por meio do ato autoritário do Governo Federal, que engendrou a
terceira ruptura institucional ocorrida no ERJ, se inseriu a questão regional fluminense
na agenda governamental do novo estado. Sem apresentar organicidade política, a
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questão foi formulada e enfrentada segundo a perspectiva tecnocrática, que foi a que
caracterizou o Governo Faria Lima, o responsável por realizar a fusão.
O I PLAN RIO foi o documento-chave para a implementação da fusão, em que o
Governo Faria Lima expôs de modo detalhado as linhas mestras da sua administração.
O plano se coaduna com os objetivos do II PND, que destinava ao ERJ o projeto de
consolidar, a partir da RMRJ, o segundo polo de desenvolvimento brasileiro, visando a
reduzir a concentração econômica em São Paulo.
No âmbito desse objetivo geral, o Governo Faria Lima colocou dois objetivos
principais à ação governamental: promover a integração metropolitana de modo a dotar
a RMRJ das condições para a realização dos desideratos do segundo polo de
desenvolvimento; e a integração da capital com o interior fluminense por meio da
desconcentração dos investimentos e da irradiação do desenvolvimento da RMRJ para
as demais regiões fluminenses. De modo explícito, o Governo Faria Lima procurava,
segundo uma perspectiva tecnocrática, criar uma nova coerência espacial que superasse
os dilemas territoriais da questão regional fluminense.
Nos meses que antecederam a data oficial da fusão, 15 de março de 1975,
diversos grupos de trabalho executaram as tarefas necessárias para o início do novo
governo, dentre as quais, a criação dos arranjos institucionais que seriam responsáveis
pelo planejamento urbano e regional do ERJ.
O planejamento seria coordenado pela SECPLAN, que teria uma coordenadoria
especial, a DESUR, auxiliada por dois órgãos técnicos de apoio, a FUNDREM e a
FIDERJ. A FUNDREM teria como atribuição dar assistência técnica aos municípios
metropolitanos em assuntos de planejamento urbano e regional e coordenar o
planejamento dos serviços comuns. A FIDERJ teria a função de produzir estudos e
pesquisas socioeconômicos, setoriais, regionais e urbanos que subsidiariam o processo
de planejamento do governo. Além disso, daria a assistência técnica necessária aos
municípios e aos grupos privados interessados em realizar investimentos no estado.
Em seus primeiros anos de atuação, a FUNDREM chegou a exercer a função de
um autêntico órgão de planejamento urbano e regional. Realizou uma série de estudos
especializados que deram origem aos planos diretores dos municípios metropolitanos,
excluído o Município do Rio de Janeiro, e que foram a base do Macrozoneamento da
Região Metropolitana.
A FIDERJ, por sua vez, realizou uma série de estudos que subsidiariam o
planejamento de todos os municípios do interior, assim como estudos voltados a temas
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setoriais. Porém, a FIDERJ era um órgão mais próximo da função exercida pelo IBGE,
do que aquilo que a FUNDREM estava a caminho de se tornar, um órgão regional.
Ou seja, apesar de reflexões importantes sobre a necessidade de desenvolver o
interior, do ponto de vista institucional o Governo Faria Lima construiu, atendendo à
legislação federal, uma institucionalidade mais robusta para a região metropolitana,
enquanto o desenvolvimento do interior ficou circunscrito a engajamentos pessoais de
alguns funcionários da SECPLAN.
Assim, na ausência dessa institucionalidade para o interior, a FUNDREM foi o
principal órgão criado em consequência da inserção da questão regional fluminense na
agenda governamental. A FIDERJ também estaria ligada a essa questão, porém de
forma secundária.
Durante o Governo Faria Lima, a FUNDREM conheceu sua fase de maior
crescimento e prestígio, de modo que se tornou um dos símbolos da lógica tecnocrática
que caracterizava a gestão. Essa forma de racionalidade se contraditava com a
racionalidade dos campos políticos tanto do Município do Rio de Janeiro quanto dos
demais municípios metropolitanos. No entanto, com esses últimos, a FUNDREM
exercia certo poder de atração devido ao fato de ter acesso aos recursos do FCRM para
financiar a execução de projetos de interesse metropolitano.
Além disso, a legislação federal prometia recursos extra aos municípios que se
inserissem no planejamento metropolitano. Como a maioria dos municípios
metropolitanos possuía baixa capacidade financeira, o diálogo com a FUNDREM era
visto com bons olhos. Não foi o caso do Município do Rio de Janeiro que, tendo um
orçamento razoável e um quadro técnico qualificado, não se enquadrou no planejamento
realizado pela FUNDREM, limitando consideravelmente sua capacidade de intervenção.
Faltava à FUNDREM uma organicidade política, sendo seu poder derivado da
força do projeto da fusão e do apoio federal a subsidiar o planejamento metropolitano
através da liberação de recursos para o FCRM. O conflito entre a racionalidade política
e a racionalidade tecnocrática era latente, de modo que ausente a necessidade de
financiamento de políticas públicas, a capacidade de intervenção da FUNDREM
praticamente se extinguia. Não obstante, esse não era um problema durante os quatro
anos do Governo Faria Lima.
A posse de Chagas Freitas como governador representou o retorno das velhas
práticas clientelísticas na máquina de governo. Apesar de o Governo Faria Lima ter
deixado a fusão ainda inacabada, o Governo Chagas Freitas não colocou o projeto como
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