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ROBSON SANTOS DIAS

VIDA E MORTE DA QUESTÃO REGIONAL NA AGENDA


GOVERNAMENTAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PÓS-FUSÃO

- O caso da FUNDREM

Tese apresentada ao curso de doutorado do


Programa de Pós-Graduação em Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Doutor em
Planejamento Urbano e Regional.

Orientadora: Profa. Dra. Hipólita Siqueira de


Oliveira

Rio de Janeiro
2015
CIP - Catalogação na Publicação

Dias, Robson Santos


D541v Vida e morte da questão regional na agenda
governamental do Estado do Rio de Janeiro pós
fusão : o caso da FUNDREM / Robson Santos Dias. -
Rio de Janeiro, 2015.
296 f.

Orientadora: Hipólita Siqueira de Oliveira.


Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional, Programa de Pós-Graduação em
Planejamento Urbano e Regional, 2015.

1. Fundação para o Desenvolvimento da Região


Metropolitana do Rio de Janeiro . 2. Geografia
política. 3. Fusão - Guanabara - Rio de Janeiro
(Estado). 4. Rio de Janeiro (Estado) - Divisões
territoriais e administrativas. 5. Planejamento
regional. I. Oliveira, Hipólita Siqueira de,
orient. II. Título.

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os


dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Dedico esta tese à minha esposa Talita, por me acompanhar e
me amar apesar de todas as dificuldades.
AGRADECIMENTOS

Esta tese foi fruto de um esforço que contou com o apoio de muitas pessoas.
Em primeiro lugar agradeço à minha esposa Talita, pois sem seu carinho, compreensão,
estímulo e paciência, o doutorado teria se tornado muito mais difícil de terminar.
Aos meus familiares. Minha mãe, Graça, e minha irmã, Érica, pelo apoio constante e
pela fé no meu potencial. À Lucinea e ao Augusto, meus sogros, que além de serem
uma sólida base para nós, são meus amigos nas horas de contentamento e nas horas
difíceis. O casal Gustavo e Kelen, meus cunhados, e minha sobrinha Raquel, por terem
se tornado tão próximos nos últimos anos e cuja amizade diminuiu e muito a sensação
de solidão que cerca a feitura de uma tese.
Agradeço de modo especial à minha orientadora, Hipólita Siqueira, que me acolheu
pouco antes do prazo da qualificação e que me deu segurança e incentivo para a
realização desta tese. Seus conselhos, sempre muito pertinentes, foram fundamentais,
apesar de nem sempre eu conseguir atendê-los. O Brandão, de igual maneira, muito me
ajudou com suas dicas e com sua inspiradora inquietação intelectual. Não posso deixar
de lembrar ao meu primeiro orientador, Jorge Natal, pela seriedade e competência, mas
principalmente por ter me recebido no IPPUR com tanta boa vontade. Desejo sucesso
nessa sua nova etapa da vida.
Agradeço aos professores que ajudaram a lapidar a pesquisa. Aos membros da banca de
qualificação, além do Brandão, o Robson Dias da Silva e a Ângela Moulin, que
contribuíram muito para o encaminhamento da tese. Aos membros da banca de
avaliação da tese, que além do Brandão e do Robson, conta com os professores Mauro
Osório e Marcos Barcellos. Agradeço-lhes por aceitarem discutir esta pesquisa,
principalmente em um momento sempre cansativo que é o final do semestre acadêmico.
Agradeço aos colegas do Instituto de Educação Ciência e Tecnologia Fluminense –
Campus Cabo Frio, pelo convívio profissional e pela amizade. À direção do campus,
que sempre foi sensível às demandas do doutoramento e nunca colocou impedimentos
às minhas solicitações de flexibilização. O instituto também me ajudou através de uma
pequena, porém fundamental, ajuda de custo, que diminuiu o sacrifício financeiro que
os compromissos com o curso me exigiram. Agradeço às minhas colegas geógrafas
Roberta e Patrícia Feitosa por terem me liberado das minhas responsabilidades
acadêmicas por um ano.
No IPPUR, agradeço aos professores que muito me ensinaram. Também ao pessoal
técnico-administrativo, a Zuleica, o André, a Cris e a Márcia na secretaria de ensino
pela presteza no atendimento e pela amizade que fizemos. Ao pessoal da biblioteca pela
educação e pelo excelente atendimento.
Os meus colegas de curso me ajudaram pela amizade e por terem me ensinado formas
diferentes de pensar. Nunca conheci um grupo tão inteligente e variado como os
estudantes do IPPUR. Desejo sucesso a todos.
Agradeço a todos aqueles que me abriram as portas para a realização da pesquisa
documental e das entrevistas. Aos bibliotecários do CPDOC-FGV, da Fundação
CEPERJ e da Assembleia Legislativa agradeço por se disporem a me ajudar com o
acervo dessas instituições. Aos funcionários e ex-funcionários do Estado e da
FUNDREM, agradeço por dispor de seu tempo e de sua paciência para a realização de
demoradas entrevistas. Alguns me receberam em suas casas, me emprestaram materiais,
indicaram e convidaram mais pessoas. Aprendi com a experiência delas muito mais do
que leria nos livros. O Alfredo Salomão foi fundamental para o início das entrevistas,
pois me apresentou alguns conhecidos que abraçaram o projeto.
RESUMO

A principal manifestação do desenvolvimento espacialmente desigual no território


fluminense foi derivada da cisão institucional entre o atual Município do Rio de Janeiro
e o antigo Estado do Rio de Janeiro, ocorrida entre 1834 e 1974. Tal cisão ocorreu em
virtude da capitalidade da cidade do Rio de Janeiro, que foi, nesse ínterim, Município
Neutro (durante o Império), Distrito Federal (durante a República) e o Estado da
Guanabara (entre 1960 e 1974). Em 1974, por um ato autoritário do Governo Federal,
ocorreu a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, com a justificativa de
reunir dois territórios que foram artificialmente separados e cujos desafios seriam
comuns. Com efeito, inseriu-se a questão regional fluminense no centro da agenda
governamental do novo estado – agenda cujo objetivo, segundo as diretrizes emanadas
pela geopolítica federal, era integrar a Guanabara e o Estado do Rio de Janeiro e, em
específico, fortalecer a região metropolitana fluminense como segundo polo de
desenvolvimento do II Plano Nacional de Desenvolvimento. Desse modo, esta tese
analisa a inserção da questão regional do Estado do Rio de Janeiro na agenda
governamental após a fusão, a partir de: (1) análise da formulação da questão regional
fluminense nos planos de governo de Faria Lima (1975 – 1979), Chagas Freitas (1979-
1983), Brizola (1983-1987) e Moreira Franco (1987-1991); (2) análise da trajetória
institucional da Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro (FUNDREM), um dos principais órgãos criados na fusão, e que funcionou entre
1975 e 1989.

Palavras-chave: Governo Estadual. Planejamento Regional. Planejamento


Metropolitano.
ABSTRACT

The main manifestation of spatially uneven development in the territory of Rio de


Janeiro was derived from the institutional split between the current city of Rio de
Janeiro and the former State of Rio de Janeiro, taken place between 1834 and 1974.
That split occurred due to the fact that Rio de Janeiro was the capital at that time, which
was, in that interim period, Neutral Municipality (during the Empire of Brazil), Federal
District (in the Republic) and State of Guanabara (between 1960 and 1974). In 1974, by
an authoritative act of the Federal Government, the merger between the States of
Guanabara and Rio de Janeiro took place – in justification of bringing together two
territories that were artificially separated and whose challenges would be common.
Indeed, it was placed the Fluminense regional issue at the heart of the governmental
agenda of the new state, whose purpose, according to the guidelines issued by the
federal geopolitics, was to carry out the integration of Guanabara and the State of Rio de
Janeiro and, in particular, strengthen the metropolitan region of Rio de Janeiro as the
second pole of development of the Second National Development Plan. Thus, this thesis
analyzes the insertion of the Fluminense regional issue into the governmental agenda
after the merger, based upon two points of views: (1) analysis of the formulation of the
Fluminense regional issue within the plans of the government of Faria Lima (1975-
1979), Chagas Freitas (1979-1983), Brizola (1983-1987) and Franco Moreira (1987-
1991); (2) analysis of the institutional trajectory of one of the main agencies established
in the merger, i.e., the Foundation for the Development of the Metropolitan Region of
Rio de Janeiro (FUNDREM), which ran through 1975 to 1989.

Keywords: State Government. Regional Planning. Metropolitan Planning.


RESUMEN

La manifestación principal del desarrollo espacial desigual en el territorio de Río de


Janeiro fue derivado de la división institucional entre la actual ciudad de Río de Janeiro
y el antigo Estado de Río de Janeiro, que tuvo lugar entre 1834 y 1974. Esta división se
debió a la capitalidade de la ciudad de Rio de Janeiro, que fue en el ínterin, Municipio
Neutro (durante el Imperio), Distrito Federal (en la República) y el Estado de
Guanabara (entre 1960 y 1974). En 1974, por un acto de autoridad del gobierno federal
ocurrido la fusión entre los estados de Guanabara y Río de Janeiro, con el argumento de
reunir a dos territorios que fueron separados artificialmente y cuyos retos sería común.
De hecho, la cuestión regional fluminense fue añadido en el corazón de la agenda del
gobierno del nuevo Estado, que tiene por objeto, de acuerdo con las directrices emitidas
por la geopolítica federal, era lograr la integración de Guanabara y el Estado de Río de
Janeiro y, en particular, fortalecer la región metropolitana de Río de Janeiro como el
segundo polo de desarrollo del Segundo Plan Nacional de Desarrollo. Por lo tanto, esta
tesis analiza la inclusión del cuestión regional fluminense en la agenda del gobierno
después de la fusión, a partir de: (1) el análisis de la formulación de la cuestión regional
fluminense en los planes de gobierno de Faria Lima (1975-1979), Chagas Freitas (1979
-1983), Brizola (1983-1987) y Franco Moreira (1987-1991); (2) el análisis de la
trayectoria institucional de uno de los principales organismos establecidos en la fusión,
la Fundación para el Desarrollo de la Región Metropolitana de Río de Janeiro
(FUNDREM), que se desarrolló entre 1975 y 1989.

Palabras-claves: Gobierno Estatal. Planificación Regional. Planificación


Metropolitana.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro


ARENA – Aliança para a Renovação Nacional
BNH – Banco Nacional de Habitação
CEDES – Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social
CEF – Caixa Econômica Federal
CEPERJ – Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores
Públicos do Estado do Rio de Janeiro.
CIDE – Centro de Informações e Dados do Estado do Rio de Janeiro
CNPU – Conselho Nacional de Política Urbana
EMOP – Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro
ERJ – Estado do Rio de Janeiro
FAPERJ – Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
FCRM – Fundo Contábil da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
FIDERJ – Fundação Instituto de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de
Janeiro
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos
FNDU – Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano
FUNDES – Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social
FUNDREM – Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro
I PLAN RIO – I Plano de Desenvolvimento Econômico e Social
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
II PND – II Plano Nacional de Desenvolvimento
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MDU – Ministério do Desenvolvimento Urbano
PDES – Plano de Desenvolvimento Econômico e Social
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PMDB – Partido Movimento Democrático Brasileiro
PP – Partido Progressista
PT – Partido dos Trabalhadores
PUB-RIO – Plano Urbanístico Básico do Rio de Janeiro
SECDREM – Secretaria de Estado para o Desenvolvimento da Região Metropolitana
SECPLAN – Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral
SEDUR – Secretaria de Estado para o Desenvolvimento Urbano e Regional
SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SMA – Superintendência de Modernização Administrativa
SO – Superintendência de Orçamento
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
SUPLAN – Superintendência de Planejamento
SURSAN – Superintendência de Urbanismo e Saneamento
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................14

2 A “QUESTÃO REGIONAL” COMO QUESTÃO DE ESTADO .................21

2.1 A questão regional revisitada: apontamentos iniciais ....................................21


2.2 A espacialidade estatal: entre homogeneização e fragmentação ...................24
2.3 O desenvolvimento espacialmente desigual como problemática histórica ...35

2.3.1 O marxismo e a teoria do desenvolvimento desigual e combinado ....................38

2.3.2 As abordagens reformistas: CEPAL, Myrdal e Perroux......................................46

2.4 A problemática regional como questão de Estado ..........................................57


2.5 A institucionalidade da questão regional .........................................................60

2.6 A questão regional e o Estado no Brasil: centralidade da escala nacional e o


pequeno interesse pelas esferas subnacionais .............................................................72

2.7 Questão regional: fenômeno concreto, político e transescalar .....................84

3 A QUESTÃO REGIONAL FLUMINENSE: CISÃO INSTITUCIONAL E


O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ....90

3.1 A questão regional fluminense ..........................................................................90


3.2 A formação territorial fluminense: entre a unidade e a cisão .......................95
3.3 O açúcar: fonte de afluência no Norte Fluminense ........................................98
3.4 A economia cafeeira fluminense: crescimento e estagnação ........................105
3.5 A cidade do Rio de Janeiro: cidade mercantil, capital nacional .................113
3.6 A formação da área metropolitana do Rio de Janeiro: o desenvolvimento
desigual na escala urbano-regional ............................................................................126
3.7 Por que a cidade do Rio de Janeiro não dinamizou o seu entorno? ............131
3.8 A cisão político-institucional e o processo da fusão: a questão regional no
centro da polêmica ......................................................................................................134
3.9 As desigualdades de um estado fraturado pelas rupturas institucionais ...146
4 A “QUESTÃO REGIONAL FLUMINENSE” NA AGENDA E NA
INSTITUCIONALIDADE GOVERNAMENTAL: ANÁLISE DOS PLANOS DE
GOVERNO DE FARIA LIMA, CHAGAS FREITAS, BRIZOLA E MOREIRA
FRANCO (1975-1991) .................................................................................................148

4.1 Planos de governo e a agenda governamental: possibilidades e limites da


análise ...........................................................................................................................148
4.2 O Governo Faria Lima e o I PLAN RIO .......................................................150

4.2.1 Perfil político de Floriano Faria Lima e o contexto de seu governo: o militar em
missão ............................................................................................................................150

4.2.2 O I PLAN RIO: planejamento, organização estatal e a questão regional


fluminense .....................................................................................................................153

4.2.2.1 Aspectos gerais do I PLAN RIO .......................................................................153

4.2.2.2 A estratégia de integração espacial como problema central do planejamento do


Estado: a questão regional fluminense no centro da agenda .........................................156

4.2.2.3 A formulação oficial da questão regional fluminense e a programação de


desenvolvimento regional .............................................................................................163

4.3 O Governo Chagas Freitas (1979-1982): críticas à fusão, crise econômica e


início do desmonte do arranjo institucional do planejamento regional ................172

4.3.1 Perfil político de Chagas Freitas e a conjuntura de seu governo pós-fusão ......172

4.3.2 O plano de governo de Chagas Freitas: crise, planejamento de curto prazo e o


desenvolvimento regional ..............................................................................................178

4.4 Governo Leonel Brizola (1983-1987): discurso de esquerda e crítica ao


planejamento tecnocrático ..........................................................................................187

4.4.1 Perfil político de Leonel Brizola e o contexto de seu governo ..........................187

4.4.2 Plano de desenvolvimento econômico e social do Governo Leonel Brizola: visão


socializante, valorização dos municípios e o abandono das regiões-programa.............190

4.5 Governo Moreira Franco (1988-1991): a derrocada do planejamento em um


governo frágil ...............................................................................................................200

4.5.1 O perfil político de Moreira Franco e o contexto de seu governo .....................200

4.5.2 Plano de desenvolvimento econômico e social de Moreira Franco: a (pretensa)


retomada da dimensão espacial do planejamento .........................................................202

4.6 Os descaminhos do planejamento urbano e regional no Estado do Rio de


Janeiro entre 1975 e 1991............................................................................................214
5 VIDA E MORTE DA QUESTÃO REGIONAL FLUMINENSE NA
INSTITUCIONALIDADE GOVERNAMENTAL: A TRAJETÓRIA DA
FUNDREM ...................................................................................................................226

5.1 FUNDREM: a retomada de uma história .....................................................226


5.2 O contexto institucional da criação das regiões metropolitanas em 1973 e
1974 ...............................................................................................................................230
5.3 A criação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a estruturação de
seu sistema de planejamento .......................................................................................238
5.4 A vida e a morte da questão regional fluminense através da trajetória
institucional da FUNDREM .......................................................................................243

5.4.1 A efêmera força da FUNDREM: controle sobre recursos escassos e o viés


tecnocrático durante o Governo Faria Lima ..................................................................248

5.4.2 A FUNDREM começa a perder o viço: a fase transicional durante o Governo


Chagas Freitas ...............................................................................................................259

5.4.3 A derrocada da FUNDREM durante o Governo Brizola ..................................270

5.4.4 A eutanásia da FUNDREM: o Governo Moreira Franco ..................................280

5.5 A representatividade da FUNDREM no esvaziamento da questão regional


fluminense ....................................................................................................................285

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................291

REFERÊNCIAS ..........................................................................................................299
14

1- INTRODUÇÃO

Esta tese teve como ponto de partida três indagações.


A primeira indagação refere-se à problemática empírica de que a tese trata: a
existência de uma problemática territorial sui generis do Estado do Rio de Janeiro
(ERJ), que se expressa em aguda concentração econômica, populacional e de
infraestrutura no Município do Rio de Janeiro em relação tanto aos demais municípios
metropolitanos quanto ao interior fluminense. A especificidade fluminense não está na
desigualdade, mas em sua agudeza comparada a outras realidades no Brasil e nas causas
que geraram essas disparidades. O ERJ é sabidamente um dos mais regionalmente
desiguais da federação brasileira: concentra a segunda maior área metropolitana do País,
tem uma periferia metropolitana extremamente pauperizada e um interior de baixa
significância econômica1 e baixos índices de desenvolvimento humano.
Tal agudeza deve-se a dois processos principais. O primeiro processo foi o
desenvolvimento espacialmente desigual do território fluminense, oriundo da inserção
do ERJ na divisão regional do trabalho ao longo do desenvolvimento do capitalismo
brasileiro. Esse processo explica como, por exemplo, o interior fluminense deixou de
ser a província mais rica do Brasil e em sua maior parte adentrou em uma inexorável
marcha de estagnação econômica e, eventualmente, esvaziamento2.
O segundo processo confere ao ERJ um caráter específico, que foi a cisão
institucional promovida com a criação do Município Neutro em 1834 e que se
reproduziu com a criação do Distrito Federal na inauguração da primeira Constituição
Republicana, e entre 1960 e 1974, com criação do Estado da Guanabara3. A cisão
institucional não aboliu as relações de complementaridade existentes, mas descolou a
cidade do Rio de Janeiro dos rumos do desenvolvimento do interior fluminense, na

1
Só recentemente alguns eixos do interior fluminense se dinamizaram, como o caso do eixo do petróleo
no Norte Fluminense e o eixo industrial do Médio Paraíba (OLIVEIRA, 2003).
2
O tema do esvaziamento econômico do ERJ deve ser relativizado, como bem demonstrou Dias da Silva
(2004). Segundo sua pesquisa, o ERJ teve taxas de crescimento econômico positivas durante a maior
parte do século XX, porém menores do que a média brasileira, o que redundou na perda de participação
do estado na renda nacional. Porém, em alguns setores, como a agricultura, houve perdas reais no
período, o que permite inferir que nas regiões do estado cuja matriz econômica era a produção agrícola,
houve de fato esvaziamento econômico, como a observação empírica demonstra em certos municípios do
Vale do Café e do atual Noroeste Fluminense.
3
Tal cisão institucional isolou o atual Município do Rio de Janeiro do restante do ERJ. Assim, quando se
fala em Município Neutro, Distrito Federal e Estado da Guanabara está-se referindo aos limites do atual
Município do Rio de Janeiro. O antigo Estado do Rio de Janeiro, por sua vez, era formado pelo atual
território estadual, excetuando-se o Município do Rio de Janeiro.
15

medida em que a presença do setor público federal na cidade permitiu que a decadência
da cafeicultura, por exemplo, pouco afetasse a renda carioca. Apesar de a economia da
capital ter perdido ao longo do século XX participação na renda nacional, a cidade
recebeu diversos investimentos que a modernizaram.
O mesmo ocorreu durante o período do Rio de Janeiro como cidade-estado, que
conferiu, pelo menos até 1967, uma situação financeira razoavelmente confortável. Ou
seja, a cisão institucional pode ser considerada como o principal fator que acentuou o
desenvolvimento espacialmente desigual do território fluminense.
A segunda indagação foi se seria possível relacionar o caso específico de
integração institucional do ERJ à emergência de uma questão regional, tendo em vista
que essa discussão foi tradicionalmente abordada no Brasil sob o recorte de análise da
questão Nordeste em meados do século XX, no âmbito do processo de integração do
mercado nacional.
Um primeiro ponto sobre o tema é que a questão regional deriva do processo de
desenvolvimento espacialmente desigual que ocorre a partir da integração de
territorialidades específicas ao âmbito de um mercado unificado com tendências
homogeneizadoras. Esse movimento contraditório entre homogeneização e
diferenciação tende a fragmentar as inércias sociais, gerando conflitos de caráter
territorializado que, a depender da correlação de forças, exige a intervenção do Estado
no sentido de garantir a integração do mercado capitalista.
Oliveira (1993) afirma que a questão regional seria, antes de tudo, fruto da
irresolução da unidade nacional, não só no Brasil, mas também em outros países que
tiveram casos que se tornaram clássicos (como o Mezzorgiorno italiano e o Sul dos
Estados Unidos). Por isso, a temática da questão regional no Brasil foi estudada tendo
como referência a escala nacional, na medida em que o Governo Federal tentou
controlar os conflitos entre as forças sociais do Nordeste.
Esse esforço de encaminhamento da questão regional pelo Estado tende a se
processar com a criação de arranjos institucionais que conduziriam as políticas públicas
voltadas para o enfrentamento da questão, como foi o caso do Banco do Nordeste e
principalmente da SUDENE.
Entretanto, essa abordagem tradicional ignorou as múltiplas escalas que
envolvem tanto o fenômeno histórico-concreto quanto a institucionalidade estatal. No
que tange à questão Nordeste, por exemplo, os entes estaduais foram marginalizados nas
análises. Da mesma maneira, o foco da questão regional como sendo um problema
16

concernente ao Nordeste escamoteou a existência de outras questões regionais no País


que, mesmo não tendo logrado a centralidade da questão Nordeste, apresentaram seus
próprios conflitos. O caso do ERJ seria um exemplo, que a despeito de ter passado por
várias rupturas institucionais que colocaram no centro do debate político suas
contradições territoriais, foi tornado invisível nas análises sobre a questão regional no
Brasil porque faria parte do Centro-Sul “enriquecido”, desprezando-se a
heterogeneidade interna a essa região.
Por fim, tendo como pano de fundo a segunda indagação e com o fito de
compreender o caso específico do ERJ, a terceira indagação trata do processo de
emergência de uma questão regional no campo político estadual e de sua inserção na
agenda dos governos estaduais.
A esfera estadual é o segmento do Estado com capacidade de intervenção
subnacional, entre a União e os governos locais. É significativo que a teoria do
desenvolvimento regional tenha ignorado por tanto tempo as esferas intermediárias de
poder. Saiu-se nos anos 1970 da perspectiva que privilegiava o nacional para, a partir de
fins dos anos 1980, as abordagens de desenvolvimento, referenciadas nas relações
diretas entre o local e o global. Somente nos últimos anos se tem problematizado de
forma sistematizada os processos de reescalonamento espacial dos fenômenos sociais -
dentre os quais o próprio Estado.
No caso específico do Brasil, não se pode desconsiderar que, a despeito de todas
as limitações e contradições do pacto federativo, o campo político estadual é uma esfera
de poder com autonomia relativa e com conflitos próprios. Isso significa que na esfera
estadual se condensam processos que possuem rebatimentos nacionais e locais.
A partir dessas indagações, propõe-se a existência de uma problemática
territorial no ERJ que se denomina nesta tese de questão regional fluminense.
Desse modo, pode-se considerar que a questão regional emergiu no debate
público carioca e fluminense somente às vésperas da transferência da capital para
Brasília, quando o então Distrito Federal teria seu status institucional perdido. Havia
inquietações sobre o futuro, pois já se delineava a consciência de que a cidade do Rio de
Janeiro estava sendo superada pelo dinamismo da economia paulista, quadro que
tenderia a piorar com a perda de segmentos importantes do setor público que seriam
deslocados para a nova capital.
Porém, ainda ciente dos predicados cariocas, o debate foi sobre qual a melhor
solução para a cidade do Rio de Janeiro retomar sua posição na economia brasileira:
17

manter-se como um pequeno, porém rico, estado ou dispor de um território ampliado


que potencializasse seu poder econômico4. Ambas as posições tinham argumentos que
pinçavam aspectos da realidade: os partidários da criação do Estado da Guanabara
demonstravam que a disparidade da cidade do Rio de Janeiro em relação ao ERJ era tão
significativa que seria um enorme prejuízo colocá-los sob a mesma jurisdição.
Os defensores da tese da fusão, por sua vez, afirmavam que havia
complementaridades (metropolização, por exemplo) entre os dois territórios e que uma
hipotética fusão corrigiria a artificial cisão. Após a confirmação da criação do Estado da
Guanabara, os “fusionistas” continuaram a defender a tese, mas não foi por um debate
interno que ela se concretizou. A decisão foi autocraticamente tomada pelo Governo
Federal, referenciada por certa visão geopolítica do país. Os argumentos, porém, eram
da mesma natureza daqueles levantados entre os cariocas e fluminenses desde fins da
década de 1950. No âmbito do projeto imposto pelo Governo Federal por meio da
fusão, se inseriu a questão regional fluminense na agenda governamental do novo ERJ.
A partir dessas considerações, esta tese trabalha com duas questões centrais: (1)
Como a questão regional foi inserida na agenda governamental do ERJ antes e depois
da fusão? e (2) Que institucionalidade foi criada para dar conta da agenda da questão
regional fluminense e qual foi sua trajetória ao longo dos anos posteriores?
Assim, o objetivo geral da tese é investigar a inserção da questão regional
fluminense na agenda política e governamental antes e após a fusão dos estados da
Guanabara e do Rio de Janeiro, e sua evolução posterior na formulação programática
dos governos e nos arranjos institucionais de planejamento urbano e regional do estado.
Os objetivos específicos são:
(1) Investigar o processo histórico que originou a contradição territorial e
institucional no ERJ, que é a base concreta de sua questão regional;
(2) analisar os contextos que contribuíram para a emergência da questão regional
fluminense na esfera pública e os discursos e versões surgidos a partir desse
debate;
(3) identificar os fatores determinantes para a concretização da fusão e que
inseriram a questão regional na agenda governamental e nos arranjos
institucionais do novo ERJ;

4
Havia outras propostas, como transformar a cidade em um território federal.
18

(4) analisar como a questão evoluiu na agenda dos governos posteriores à fusão
e seu rebatimento nas instituições de planejamento urbano e regional;
(5) investigar especificamente o caso da FUNDREM, que foi a instituição que
simbolizou em sua trajetória os conflitos e contradições da agenda ligada à
questão regional fluminense.

Metodologicamente, a pesquisa se realizou a partir da pesquisa bibliográfica, da


pesquisa documental e das entrevistas abertas semiestruturadas.
A partir da pesquisa bibliográfica, buscou-se construir o referencial teórico e
analítico da tese por meio do diálogo de alguns dos principais aportes críticos sobre a
relação entre o desenvolvimento espacialmente desigual, o Estado e a questão regional.
A literatura selecionada seguia duas orientações principais: a análise marxista
sobre o processo de produção do espaço capitalista, seu corolário no desenvolvimento
espacialmente desigual e o papel do Estado como regulador dos conflitos derivados; e
as contribuições dos autores reformistas, que foram os principais responsáveis pela
implantação dos sistemas de planejamento urbano e regional criados durante o século
XX.
Outra vertente de análise importante foi através das investigações do
institucionalismo e da sociologia sobre o processo institucionalização da vida social,
que ajuda a explicar a inserção de determinada problemática na agenda do Estado e o
ordenamento dos arranjos institucionais.
A pesquisa bibliográfica foi também a base para a investigação do processo
histórico de desenvolvimento desigual do território fluminense. Foram particularmente
importantes os estudos clássicos da geografia fluminense e as contribuições dos
pesquisadores do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas sobre o campo político carioca e
as mudanças institucionais pelas quais o ERJ passou ao longo do século XX.
A pesquisa documental permitiu analisar a inserção da questão regional no
debate público e na agenda governamental. Os principais documentos pesquisados
foram reportagens de jornais — em especial, a série do Correio da Manhã de 1958
intitulada “Que será do Rio?”5 — mas também reportagens avulsas do Jornal do Brasil
disponíveis em meio digital. Esses documentos foram particularmente importantes para

5
Felizmente reproduzida nos anexos da tese de Osório da Silva (2004)
19

informações sobre a agenda pública ou para complementar a contextualização dos fatos


em análise.
Na investigação sobre a agenda governamental, utilizou-se uma gama de
documentos, dentre os quais, a legislação que instituiu as regiões metropolitanas, a que
instituiu a fusão, a publicada pelos quatro governos analisados sobre criação, alteração e
extinção de órgãos do Sistema Estadual de Planejamento, e os planos de governo, que
foram a principal referência para compreender a agenda governamental fluminense no
que se refere ao planejamento urbano e regional.
As entrevistas abertas semiestruturadas foram utilizadas como fonte para
construir a análise dos governos e, principalmente, a trajetória institucional da Fundação
para o Desenvolvimento da Região Metropolitana (FUNDREM). Procurou-se
entrevistar pessoas que fizeram parte da burocracia do ERJ durante o período analisado,
e que conheceram de perto o Sistema Estadual de Planejamento e a FUNDREM.
Procurou-se dialogar os pontos de vista nem sempre coincidentes sobre os principais
fatos do período com a literatura produzida sobre a FUNDREM e a documentação
analisada.
Além da introdução e das considerações finais, esta tese está estruturada em
quatro capítulos.
O Capítulo 2 foi dedicado à construção do marco teórico que orientou os
procedimentos analíticos da pesquisa. O fio norteador foi investigar os processos
envolvidos na formulação da desigualdade regional como questão de Estado. Procurou-
se demonstrar por meio da literatura acadêmica que a questão regional é a conjunção de
processos tais como a existência do fato empírico; a formulação de um quadro
interpretativo, que passa pela teorização, e a inserção do fato empírico e de suas
interpretações no quadro político; e, por fim, na institucionalidade do Estado.
O Capítulo 3 analisa a formação territorial fluminense e seu processo de
desenvolvimento espacialmente desigual. Nesse trecho, a tese retoma algumas das
principais contribuições da literatura acadêmica sobre o ERJ, identificando o processo
de desenvolvimento desigual a partir da evolução econômica das grandes atividades que
se desenvolveram no território fluminense: a economia do açúcar, a cafeicultura e a
economia urbana e a metropolitana alicerçadas no setor público da cidade do Rio de
Janeiro. Além disso, analisa-se, por meio da literatura disponível e de fontes
documentais (reportagens de jornais e a legislação que deu origem à fusão), o processo
de formulação da questão regional fluminense como questão de Estado.
20

O Capítulo 4 é dedicado à análise de como evoluiu a questão regional


fluminense na agenda governamental durante as quatro administrações posteriores à
fusão de 1974: Faria Lima, Chagas Freitas, Brizola e Moreira Franco. As principais
fontes de pesquisa foram os planos de governo publicados durante o exercício de seus
respectivos primeiros anos de mandato. Por meio dessa documentação, foi possível
verificar o peso que a questão regional teve nos respectivos governos e os papeis
reservados à institucionalidade criada para o planejamento urbano e regional em 1975.
Recorreu-se também à pesquisa bibliográfica para situar tais governos nos
quadros políticos do estado e na conjuntura política e econômica estadual e nacional.
Por fim, utilizou-se de forma complementar as mensagens dos governadores à
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) para analisar a
interpretação governamental da conjuntura e os principais problemas colocados em suas
respectivas agendas, o que permitiu verificar se a questão regional estaria inserida ou
não no rol de prioridades.
O Capítulo 5 contém a investigação da FUNDREM como órgão que demarcou
institucionalmente a trajetória da questão regional fluminense na agenda governamental.
Trata-se de um conteúdo que complementa o anterior, já que se observou a existência de
uma simetria entre a trajetória discursiva dos governos no tocante à temática e a
trajetória institucional. O texto foi redigido com base em fontes bibliográficas,
documentais e nas entrevistas realizadas. As fontes bibliográficas embasaram o debate
sobre a questão e as políticas metropolitanas no Brasil de 1973 até o final dos anos
1980, e parte da análise da trajetória da FUNDREM. A pesquisa documental foi feita
com base nas legislações federal e estadual da política metropolitana e as entrevistas
permitiram desvendar alguns dos conflitos e algumas das contradições que rondaram a
FUNDREM e o sistema estadual de planejamento ao longo do período considerado na
investigação.
21

2- A “QUESTÃO REGIONAL” COMO UMA QUESTÃO DE

ESTADO

2.1- A questão regional revisitada: apontamentos iniciais

O fenômeno regional constitui-se num problema complexo. A palavra “região” é


uma daquelas que foram popularizadas, sendo utilizadas com sentido implícito, mas mal
definido. Em geral, o uso cotidiano conjuga dois significados para “região”: a noção de
recorte e a noção de localização. Com efeito, frases como “está acontecendo uma
manifestação na região da Central do Brasil” referenciam rapidamente os interlocutores
sobre onde “mais ou menos” localiza-se determinado evento ou fato. Para quem
conhece a área respectiva, outros referenciais logo vêm à mente, “a região da Central do
Brasil fica na Avenida Presidente Vargas, próximo à Igreja da Candelária e da Praça da
República. Dali pode-se chegar à Avenida Rio Branco etc”.
Mas “região” não é apenas uma palavra de uso comum. Ela é, também, um
conceito geográfico, que, como tal, precisaria ser qualificada, precisada e definida.
Mesmo assim, o significado do conceito de região não deixou de ser menos complexo,
apesar da tendência de se preservar parte do sentido do senso comum, no caso, a ideia
de recorte. Nessa passagem para o campo conceitual, a problemática maior foi definir
quais seriam os critérios legítimos, ou seja, mais científicos, para determinar o que é e o
que não é uma região. Essa é uma questão antiga para a geografia, ciência que definiu a
região como um de seus conceitos-chave e em alguns momentos como seu principal
conceito, ou seja, aquele que definiria o objeto distintivo que justificaria a existência da
geografia como carreira universitária.
Durante esse longo processo de construção e refinamento conceitual, a região foi
considerada a partir de diversos pontos de vista: fenômeno concreto, constructo
intelectual, método analítico e escala. Não foi só na geografia que o conceito de região
ganhou importância. Ciências afins como a economia espacial e a sociologia também se
interessaram, cada qual a seu modo, pelo fenômeno regional: a economia espacial,
preocupada principalmente com a alocação dos recursos econômicos — nesse sentido,
com o padrão espacial da economia —; e a sociologia, com as manifestações de fatos
sociais de caráter “regional”, ou seja, sua circunscrição a coerências socioespaciais
específicas. Caso, por exemplo, do regionalismo, que é um típico fenômeno político
cujo objeto de disputa é a hegemonia sobre um recorte regional.
22

O objetivo deste capítulo, no entanto, não é a definição sobre em que bases se


pode falar da existência ou não de uma questão regional. Quanto a isso, tem-se por
suficiente a síntese de Haesbaert (2010), que afirma que a região tanto pode ser um fato
fenomênico quanto um artifício metodológico de análise de certos indicadores
espacialmente circunscritos.
O que se pretende é construir uma base teórica que ajude a compreender como a
diferenciação regional promovida pelo desenvolvimento do capitalismo se transfigura
em uma questão de Estado, e daí em uma questão regional. Com efeito, esse processo
envolve o reconhecimento de certos aspectos fenomênicos de diferenciação, bem como
a construção política dos recortes que devem ser considerados como parte da questão
regional.
A base fenomênica considerada neste estudo como sustentáculo para a
emergência da questão regional como questão de Estado é o desenvolvimento
espacialmente desigual e combinado, que é o corolário de integração espacial do
mercado capitalista. A imposição de equivalentes gerais homogeneizadores a diferentes
realidades socioespaciais engendra uma série de contradições e de conflitos por vezes
violentos que demarcam disparidades espaciais entre os núcleos de maior
desenvolvimento capitalista e aqueles que são subordinados aos espaços centrais. O
acirramento político de tais contradições é o combustível para a constituição de
“regiões-problema” e, por fim, da sua inserção na agenda política do Estado.
Outro ponto que é central para os marcos teóricos desta tese é sobre a
institucionalidade da questão regional. A hipótese é de que quando um determinado
tema ascende para o centro da agenda governamental, ele terá algum rebatimento na
institucionalidade do Estado, seja na apropriação da problemática por certos segmentos
do aparato estatal, seja na criação de novas instituições que são especialmente dedicadas
ao tema. Após isso, as trajetórias tomadas pela questão na agenda governamental serão
dali por diante atreladas ao empoderamento ou ao enfraquecimento das suas
instituições. Isso se enquadra claramente com a ascensão da questão regional para o
cerne da agenda governamental no mundo todo e a criação, ao longo do século XX, de
várias instituições que se tornaram símbolos para o campo do planejamento e
desenvolvimento regional, de modo que as investigações sobre o tema obrigatoriamente
passam pelas soluções institucionais criadas pelos Estados.
O terceiro ponto que o capítulo problematizará é a falta de um tratamento
adequado das múltiplas escalas em que o fenômeno do desenvolvimento desigual e sua
23

formulação enquanto questão regional ocorrem. No caso brasileiro isso se deu na


abordagem da desigualdade regional a partir dos referenciais da macrorregião, em
relação à formação territorial nacional. A existência de outras questões regionais
diferentes da “Questão Nordeste”, por exemplo, foi em geral desconsiderada. Do
mesmo modo, as complexidades das realidades estaduais foram marginalizadas em
favor da abordagem ligada à agenda nacional. As esferas estaduais são palco de
conflitos próprios, ainda que conectados à esfera nacional e às locais, de modo que não
se pode desprezar a relevância das esferas estaduais para a compreensão dos dilemas do
país. A tese como um todo procura demonstrar a relevância dessa agenda de pesquisa.
A estrutura dissertativa deste capítulo segue a seguinte démarche: (1)
desenvolver o marco teórico para a compreensão do processo de desenvolvimento
espacialmente desigual e sua inserção na agenda governamental como questão regional.
O primeiro passo foi analisar a matriz espacial do desenvolvimento capitalista e sua
relação com o Estado. A abordagem adotada concentra-se na dialética fundamental
entre a homogeneização e a fragmentação como processos inerentes à espacialidade
capitalista, sendo o Estado um ator-chave dos esforços de homogeneização da
fragmentação criada pelas forças de mercado.
O segundo passo foi considerar o desenvolvimento espacialmente desigual como
manifestação histórica daquela dialética espacial do capitalismo, analisando parte da
literatura marxista e reformista sobre a problemática. O terceiro passo foi construir o
argumento de que o desenvolvimento desigual só se transforma em questão regional
quando os conflitos gerados ascendem para a agenda política, de modo a exigir
respostas do Estado.
A questão da institucionalidade é então tratada como um dos corolários da força
da questão regional na agenda governamental. (2) Revisitar a discussão sobre a questão
regional no Brasil, tendo como pano de fundo os marcos teóricos desenvolvidos
anteriormente. Nesse sentido, procura-se demonstrar a ascensão do tema na agenda
política brasileira e sua repercussão na criação de institucionalidades específicas para
seu enfrentamento e sua posterior involução. Ao final, defende-se a importância de se
considerar outras escalas de manifestação da questão regional, em especial nas esferas
de governo estaduais, que apresentam suas agendas próprias, com questões regionais
específicas que, por vezes, são articuladas com a esfera federal.
24

2.2- A espacialidade estatal: entre a homogeneização e a fragmentação

O Estado capitalista é uma instituição territorial. A evidência histórica aponta


para o fato de que o surgimento da forma moderna do Estado foi consequência, dentre
outras coisas, da necessidade de dotar de coerência espacial as relações mercantis que se
desenvolviam desde a Baixa Idade Média europeia. Entre os séculos XIV e XVIII, essas
relações induziram a uma série de transformações econômicas e sociais que
subverteram a matriz espacial herdada dos séculos anteriores.

Este desenvolvimento econômico escora-se numa culminância de


elementos. Grande crescimento demográfico, alimentado pelo
diferencial positivo entre preços e salários na fase de estagnação.
Recuperação agrícola com retomada da área cultivada e difusão de
aprimoramentos nas técnicas de cultivo. Expansão e incremento da
atividade industrial com o desenvolvimento de novos setores
(metalurgia, construção naval etc.). Avanço da mineração e aumento
dos estoques de metais preciosos. Difusão das técnicas financeiras e
generalização do crédito. Multiplicação das trocas e melhoria das
relações terrestres e marítimas. Enfim, uma ampla trama de fatores
que articula o nascimento das economias nacionais, e que faz do
século XVI a época de ativamento geral de todas as circulações.
(MORAES, 2000, itálico no original)

As transformações societárias em curso naquele período criaram novas


espacialidades que serviram, também, como meio de expansão quantitativa e qualitativa
das novas relações mercantis. A acumulação primitiva de capitais se sustentou sobre
dois fenômenos espaciais: o florescimento das cidades que se tornaram o epicentro “de
todas as circulações” e arquétipo das novas relações burguesas (de burgos, cidades); e a
formação dos Estados Nacionais que, ao unificar a fragmentação feudal sob a
autoridade da soberania monárquica, criou as condições objetivas para o avanço do
processo de acumulação do capital mercantil.
O Estado Nacional absolutista só foi possível porque o estado de coisas tinha
sido revolucionado pelo exponencial aumento das riquezas nas mãos dos comerciantes
que, situados nas cidades, erodiam o antigo poder da aristocracia rural.
O poder do dinheiro passou a rivalizar os signos da nobreza, contaminando
inclusive alguns de seus membros que terminaram por utilizar suas posses para a
produção e comercialização de mercadorias. O apoio da emergente e poderosa
burguesia, para quem interessava a supressão dos entraves feudais — o que incluía as
barreiras à circulação das mercadorias — permitiu a concentração do poder nas mãos do
25

soberano absoluto e abriu caminho para o engendramento de dois aspectos que definem
o Estado moderno: a formação da nacionalidade e sua delimitação territorial
(MORAES, 2000).
Com o surgimento dos primeiros Estados Nacionais europeus, a acumulação de
capitais pela via mercantil tornou-se parte das economias nacionais, que passaram a
regular a acumulação através da política econômica (o que inclui a instituição das
moedas nacionais), coagir os conflitos que ameaçavam a soberania nacional (inclusive
aqueles que criavam entraves à acumulação) e, por fim, transformar a política
econômica numa questão geopolítica.
A teoria mercantilista, que presumia a existência de um sistema internacional,
pregava que a riqueza de uma nação deveria ser contabilizada pelo estoque de metais
preciosos no mercado interno e, esse, na ausência de fontes de exploração de ouro e
prata, deveria se dar pela manutenção de uma balança comercial positiva. Assim, a
expansão ultramarina pode ser considerada como um projeto territorialista, que
objetivava conquistar novas áreas supridoras das carências existentes nas economias
nacionais europeias, contemplando desde a escassez de alimentos até, principalmente, a
demanda por metais preciosos para a cunhagem de moedas, pela exploração direta de
jazidas e pela via mercantil com a distribuição de mercadorias exóticas (as especiarias
do oriente).
A análise de Marx foi precisa a respeito do caráter geopolítico da acumulação
primitiva de capitais, que na Europa se deu através da expropriação dos camponeses
pelos grandes proprietários durante o processo de desconstrução das institucionalidades
feudais (suserania e vassalagem), teve seu passo seguinte nas atrocidades cometidas
pelos Estados Nacionais nas colônias ultramarinas.

As descobertas de ouro e prata na América, o extermínio, a


escravização de populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior
das minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais e a
transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os
acontecimentos que marcam os albores da era da produção capitalista.
Esses processos idílicos são fatores fundamentais da acumulação
primitiva. Logo segue a guerra comercial entre as nações europeias,
tendo o mundo por palco. Inicia-se com a revolução dos Países Baixos
contra a Espanha, assume enormes dimensões com a guerra
antijacobina da Inglaterra, prossegue com a guerra do ópio contra a
China etc. (MARX, 2011, p. 864)
26

Não obstante a mais do que evidente vinculação entre o surgimento dos Estados
Nacionais Modernos e a geopolítica que sustentou a expansão da acumulação
capitalista, tanto na formação dos mercados nacionais quanto na mundialização dos
fluxos mercantis, a espacialidade do Estado foi um tema relegado ao ostracismo teórico
pela ampla maioria dos intelectuais que se debruçaram em compreender a estatalidade.
Segundo Brenner (2004), a linha mestra da teoria do Estado, tanto entre os
pluralistas quanto entre os marxistas, sempre pressupôs a espacialidade estatal numa
perspectiva física, estática e enclausurada. O território estatal definiria a fronteira entre
o direito à nacionalidade para aqueles que estariam “dentro” e o exterior, onde reinariam
as vicissitudes do hostil sistema internacional. Além disso, o território seria a base física
que conteria os recursos sobre os quais as necessidades da população seriam supridas,
numa clara correlação ao antigo conceito ratzeliano de “espaço vital” que serviu de base
ideológica para o expansionismo germânico na primeira metade do século XX.
Após a Segunda Guerra Mundial, a difusão das ideias keynesianas sobre o papel
do Estado como organizador da economia e principal articulador da demanda agregada
influenciou a instalação do ideário do planejamento espacial na agenda governamental.
A desorganização causada pelo livre funcionamento dos mercados criaria desequilíbrios
de toda ordem, dentre os quais os desequilíbrios inter-regionais. Ao Estado foi imputado
o papel racionalizador da lógica espacial do capitalismo, intervindo no sentido de
reduzir os desequilíbrios regionais.
Desenvolveram-se, assim, agendas de pesquisa que visavam balizar
teoricamente a intervenção estatal no território. No mundo anglo-saxão por meio da
chamada Ciência Regional e da Geografia Quantitativa, foram retomados os estudos
seminais dos teóricos da localização (Von Thunen, Weber, Lösch e Christaller),
desenvolvendo seus princípios matemáticos. Além disso, mantiveram as hipóteses cujas
origens estavam na economia neoclássica, como a suposição do homo economicus e da
planície isotrópica. Essa última, em especial, representou de modo completo a
concepção estática da espacialidade ao supor que o espaço se resumia às “fricções”
geradas pela distância, ou seja, o custo dos transportes como definidor da extensão dos
mercados de consumo para os investimentos produtivos. Apesar de manter os
referenciais ortodoxos, tais teorias foram muito utilizadas no esforço de reequilíbrio das
regiões.
Na América Latina, por outro lado, o campo do planejamento urbano e regional,
seguiu a influência do paradigma keynesiano, através de fontes de corte heterodoxo. A
27

Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) foi a principal


influência (como o foi no pensamento econômico como um todo) para as primeiras
experiências de políticas regionais, em diálogo com autores teóricos do
desenvolvimento econômico como Myrdal, Hirschman e Perroux.
Os referenciais neoclássicos eram explicitamente renegados, ao considerar que
não havia possibilidade de equilíbrio inter-regional sob a liberdade dos mercados. A
única saída estaria na ação deliberada do Estado em intervir no território de modo a
garantir a plena difusão do bem-estar social (MATTOS, 1998).
Apesar da influência de abordagens mais sofisticadas do processo de
desenvolvimento desigual nos planos de desenvolvimento regional que foram
posteriormente aplicados — principalmente por meio dos planos nacionais — a
concepção estática do espaço foi hegemônica. A política dos polos de crescimento, por
exemplo, foi muito criticada por levar em conta apenas uma parte do espaço social, que
era aquela que interessava às grandes empresas (SANTOS, 2003). No planejamento
urbano, da mesma forma, os planejadores em geral tinham como principal preocupação
a elaboração de planos físico-territoriais.
A partir dos anos 1970, a concepção estática e física do espaço social foi alvo de
intensas críticas, que partiram principalmente de autores ligados à chamada Geografia
Radical, como David Harvey, Richard Peet, Neil Smith, Milton Santos, Edward Soja,
dentre outros, e à Sociologia Urbana, com destaque para Henri Lefebvre e Manuel
Castells.
Segundo Soja (1993), esses autores levaram à frente uma verdadeira “virada
espacial” na teoria social crítica, que até então era dominada por uma forma de
historicismo que restringia a mudança e o devir ao tempo e postulava que a
espacialidade seria inerentemente inerte e não problematizável. Os geógrafos, aqueles
que teriam o interesse profissional em compreender a espacialidade, ajudariam a
reforçar esse preconceito, visto que até então pouco se preocuparam em teorizar a
espacialidade e desvendar-lhe a natureza, ficando restritos às descrições das paisagens.
Alguns anos antes de Soja, Santos (2004) já criticava os geógrafos por não
problematizarem o espaço como objeto de estudo, já que preferiam concentrar suas
preocupações na pouco útil tarefa de definir o que era a geografia enquanto disciplina
científica.
O movimento de renovação da reflexão sobre o espaço buscou um diálogo da
matriz da teoria espacial com as matrizes advindas do marxismo, que até então
28

estiveram apartadas. Enquanto a maioria dos marxistas simplesmente considerava as


questões espaciais uma “complicação desnecessária”, os geógrafos pouco contribuíam
para as discussões marxistas, que ainda ressentiam a desconsideração da dimensão
espacial nas obras de Marx.
Os movimentos sociais de 1968, que implodiram as antigas certezas, tanto no
establishment quanto no marxismo “oficial”, serviram como uma mudança nas
correntes que desaguaram numa série de experimentações teóricas, dentre os quais se
insere a virada marxista no pensamento geográfico e o aumento do interesse pela
espacialidade por alguns cientistas sociais e filósofos marxistas.
Nesse ínterim, o interesse de Henri Lefebvre na urbanização e na teoria da
produção do espaço foi central para a reformulação da teoria espacial segundo bases
críticas e sua inserção na teoria social. Segundo Soja (1993), a obra imperturbável e
constante de Lefebvre se destacava dentre os principais teóricos marxistas do século XX
pela sua insistência em explorar novos caminhos interpretativos do marxismo, o que lhe
teria custado relativo isolamento. Não obstante, por um lado sua obra teria aberto
caminho para outras tentativas de espacialização na teoria social crítica em autores
como Poulantzas, Foucault e Giddens e, por outro, teria fundado as bases para a
emergência da Geografia Marxista a partir de sua original teoria da produção do espaço
social.
A obra de Lefebvre concentrou-se no estudo da influência da produção do
espaço e da urbanização na vida social entre fins dos anos 1960 e meados dos anos
1970, quando publicou seu principal livro sobre o tema, La production de l’espace6
(publicado em 1974).
Após esse período, escreveu uma monumental obra sobre o Estado (De l’Etat)
em quatro volumes, cujo volume 4 possui um capítulo seminal sobre o Estado e o
espaço, em que o autor retoma os temas de La production de l’espace em sua interface
com a ação estatal. Sua teoria sobre a produção do espaço objetivava a conciliação de
duas dimensões: o espaço mental, teórico e abstrato; e o espaço concreto, socialmente
produzido.
Na avaliação desse autor, apesar das evidentes implicações do espaço abstrato
(pretensiosamente a-histórico e apolítico) sobre o espaço vivido, a ideologia dominante

6
LEFEBVRE, Henri. The production of space. Malden: Blackwell, 2012.
29

promovia a separação entre o abstrato e o concreto, entre o espaço dos filósofos,


cientistas e planejadores, e o espaço socialmente produzido, vivido por todos.
Um exemplo dessa dicotomia seria a própria fragmentação do saber sobre o
espaço em diversas disciplinas científicas (arquitetura, geografia, geometria, economia
etc.), cujas concepções criavam visões parcelares do espaço — por exemplo, o espaço
urbano dos urbanistas e o espaço econômico dos economistas. A essa fragmentação,
Lefebvre propõe o conceito de espaço social como categoria totalizante, sendo o espaço
um produto das relações sociais. Assim, o concreto e o abstrato seriam facetas do
conceito de espaço social, que ainda contemplaria o seu aspecto instrumental, ou seja, o
uso do espaço como forma de exercício de poder e de difusão ideológica. Por isso,
Lefebvre (2008) chama atenção para a consideração da esfera política do espaço como
um viés fundamental para a crítica social.
O esquema de análise de Lefebvre (2012) apresenta três dimensões de
investigação da produção social do espaço: o espaço das práticas materiais (o vivido),
que se refere ao espaço concreto, material; as representações do espaço (o concebido),
ligado aos espaços abstratos, ao conhecimento (oficial, científico) sobre o espaço; e o
espaço das representações (o imaginado), referindo-se ao imaginário social (não oficial),
aos símbolos e às utopias imputados ao espaço.
Há uma relação dialética entre essas três dimensões como, por exemplo, a forma
como o espaço das representações pretende travestir-se de discurso legitimador para
intervenções sobre o espaço vivido, como no caso das utopias de arquitetos e
planejadores que deram origem a experiências de intervenção sobre a forma urbana. De
outro modo, as formas também materializam significados e símbolos importantes para
grupos sociais, sendo, inclusive, uma mediação para as lutas políticas.
Assim, Lefebvre (2008) rejeita três simplificações que eram (e são) comuns
entre os teóricos do espaço: as hipóteses do espaço absoluto, do espaço reflexo e do
espaço instrumento. A primeira hipótese foi o fundamento de grande parte dos
referenciais que orientaram o planejamento espacial e o urbanismo das décadas de 1950
e 1960, que supunham a neutralidade da planície isotrópica. A segunda hipótese
apoiaria a concepção de que a descrição empírica dos elementos do espaço antecedia a
teorização. Destarte, a teoria espacial estaria confinada à descrição dos particularismos e
à materialização dos processos sociais no espaço, ignorando os aspectos mentais e
ideológicos da produção do espaço.
30

A terceira hipótese apontaria a dimensão espacial como um instrumento de


dominação da burguesia, por meio do qual se reproduz tanto a materialidade dos meios
de produção, quanto a própria força de trabalho. Apesar de Lefebvre não discordar
dessa hipótese, a considera insuficiente, já que o espaço contemplaria além da
materialidade de reprodução dos meios de produção e consumo, a reprodução das
relações de produção, que estaria inserida na vida cotidiana como um todo.
A obra de Lefebvre lança na teoria social a dialética do espaço, que foi
proficuamente apropriada pelos geógrafos e sociólogos urbanos marxistas: o espaço
como produto social e, ao mesmo tempo, condicionante da sua reprodução. A obra de
Milton Santos ao longo da década de 1970 foi uma das pioneiras entre os geógrafos a
perceber a natureza dialética da produção do espaço social. Em 1974, ao ensaiar
algumas implicações da introdução das categorias marxistas no pensamento geográfico,
Milton Santos aponta para a necessidade de uma teoria do espaço para compreender o
subdesenvolvimento.
Sua preocupação era desvendar como o processo de modernização emanado do
centro criava configurações socioespaciais tão distintas e contraditórias nos países
subdesenvolvidos, invalidando a reprodução das teorias espaciais tradicionais na
periferia do capitalismo mundial. Com efeito, Santos (1974) observa, ao se
confrontarem com as especificidades dos países subdesenvolvidos, os processos gerais
de modernização engendravam o desenvolvimento desigual a partir da seletividade dos
investimentos capitalistas e das barreiras existentes nesses lugares para a reprodução da
modernização que se deu nos países centrais.
Esses insights foram depois aperfeiçoados por Milton Santos na formulação do
conceito de formação socioespacial (SANTOS, 1977), que inseriu no pensamento
geográfico o conceito marxista de formação econômica e social como uma manifestação
espacializada dos processos gerais dos modos de produção, utilizando, já nesse
momento, a dialética entre a totalidade e a especificidade. Por fim, Santos (2004)
proporia sua teoria do espaço em 1978 a partir da dialética entre os processos de
produção do espaço e o papel que as “rugosidades”7 teriam de condicionar as relações
sociais, ideia que foi também apropriada por Soja (1993) na sua versão da dialética
sócioespacial.

7
Com o termo extraído da geomorfologia, Milton Santos chama de rugosidades as morfologias espaciais
herdadas de antigos processos de produção do espaço extintos e que podem ou não ser apropriadas pelos
usos do momento.
31

A essas noções, David Harvey (2006) apresentou uma contribuição original


através da reconstrução do ferramental conceitual marxiano, em especial suas análises
sobre a formação do capital fixo e o circuito secundário de valorização do capital.
Considerando a máxima marxiana de que o capital seria “o valor em movimento”, o
capital fixo seria formado pelos instrumentos materiais que permitiriam a manutenção
do processo de circulação do capital. Mas não seriam as coisas o capital fixo, mas o
seu uso voltado para a valorização do capital.
O maquinário diretamente usado para a produção de mercadorias seria a
primeira correlação imaginada como exemplo de capital fixo. No entanto, ele só poderia
ser considerado segundo o conceito em questão enquanto objetos úteis à acumulação. A
obsolescência criada, por exemplo, pela implementação de inovações à produção faz
circular o próprio capital fixo, por intermédio de sua substituição, modificando a
materialidade (as antigas máquinas não seriam mais parte do capital fixo), mas não o
processo.
Tendo em vista que a definição de capital fixo tem a ver, portanto, com a base
material que faz avançar a valorização do capital e com o uso que é feito dos objetos
para esse fim, Harvey (2006) demonstra que o próprio ambiente construído passa a fazer
parte dessa formação de capitais fixos, através da construção de rodovias, pontes,
prédios, hidrelétricas e de outras obras de infraestrutura.
Essa formulação é acrescida de outro aspecto fundamental para a constante
transformação material do espaço no capitalismo, que é a necessidade dos capitais em
excesso encontrarem novas formas de absorção, quando não são possíveis suas
reaplicações no próprio circuito primário de valorização do capital. Essa “rota de fuga”,
que é o circuito secundário do capital, imobilizaria os capitais em excesso no ambiente
construído, mas permitiria a continuidade, enquanto capitais fixos, do processo global
de valorização do capital.
Os impulsos expansionistas do capitalismo são resultados desse movimento do
capital em busca de novas oportunidades de valorização por meio do ambiente
construído. Toda fase de reestruturação espacial do capitalismo é precedida pela
existência de excessos de capitais que não foram absorvidos pelo processo de
circulação. Quando esses capitais avançam para áreas em que predominam formações
sociais não capitalistas, produzem mudanças territoriais derivadas do financiamento ou
do investimento direto na construção de infraestruturas que criam as bases para o início
ou aceleração da acumulação nesses novos territórios.
32

As contradições que se originam das reestruturações das matrizes espaciais a


partir dos processos de expansão do capital e da produção do seu ambiente construído
estão na base do desenvolvimento espacialmente desigual e da divisão territorial do
trabalho.
O refinamento teórico sobre a produção do espaço levou a novas interpretações
sobre a espacialidade estatal, trazendo profícuas problematizações, sendo
particularmente importante a inserção do Estado na dialética entre o espaço
fragmentado produzido no capitalismo e a busca pela homogeneização, levada a cabo
(também) pelo aparato estatal.
Revelando a influência da obra de Lefebvre, Poulantzas (2000) consagra ao
espaço (junto com o tempo) um papel fundante da materialidade institucional do Estado
capitalista moderno. O poder e a legitimidade do Estado Nacional desde sua origem se
estruturaram por meio da apropriação das identidades alicerçadas no território, na
tradição, na língua e na cultura.
Apesar disso, Poulantzas (2000) se apressa em afirmar que a nação, aspecto de
unidade e reprodução social, não se confunde com o Estado, sendo inclusive anterior ao
Estado Nacional, mas que esse representa a busca em legitimar a estatalidade através
da nacionalidade. Para isso, o Estado usaria como artifício a intervenção na organização
do tempo e do espaço sociais.

O Estado capitalista tem a especificidade de açambarcar o tempo e o


espaço social, intervir na organização dessas matrizes, uma vez que
ele tende a monopolizar os procedimentos de organização do espaço e
do tempo que se constituem, para ele, em rede de dominação e poder.
A nação moderna surge assim como um produto do Estado: os
elementos constitutivos da nação (a unidade econômica, o território, a
tradição) modificam-se pela ação direta do Estado na organização
material do espaço e do tempo. (POULANTZAS, 2000, p. 98)

O território nacional seria o resultado do esforço do Estado capitalista em


delimitar fronteiras, unificar e homogeneizar a matriz espacial engendrada no
capitalismo. Para Poulantzas (2000) o espaço social não seria apenas um reflexo das
diferentes formas de apropriação e de produção do espaço ao longo da história. As
próprias matrizes que fundamentam a espacialidade social se distinguiriam entre os
modos de produção, fazendo com que os sentidos dos processos de produção do espaço
fossem descontínuos.
33

Na antiguidade clássica e no feudalismo, a despeito de suas diferenças, as


matrizes espaciais concebiam algo contínuo, homogêneo, simétrico, reversível e aberto,
dotado de uma concentricidade que possuiria um centro que é reproduzido em todo
lugar: “todos os caminhos levam a Roma no sentido em que Roma está em todo lugar
onde o soberano circula: cidades, campos, frotas, exércitos.” (POULANTZAS, 2000, p.
101). Ou seja, não existiria uma hierarquização ou fragmentação espacial, assim como o
sentido de limite seria aberto e poroso.
Não seria assim com o advento do capitalismo. Com a divisão social do trabalho
e o avanço das relações de produção capitalista, a matriz espacial torna-se seriada,
fracionada, descontínua, parcelar, celular e irreversível. O desenvolvimento desigual é a
manifestação desse processo de fragmentação espacial, ao mesmo tempo em que se
homogeneízam as causas da desigualdade.
O Estado Nacional criaria as fronteiras que dão coerência à fragmentação através
de seu exercício de poder que, por fim, delimitaria uma organização espacial interna e
engendraria um mercado nacional, de modo a vincular como fundamento da
nacionalidade o seu território. A partir do território nacional, criam-se as relações
internacionais, assim como se criam as bases para a transnacionalização dos capitais
através das estratégias geopolíticas dos Estados Nacionais, dentre os quais está o
imperialismo.
A dialética entre a fragmentação e a homogeneização é também central na
abordagem que Lefebvre (2009) faz da espacialidade estatal. O permanente estado de
conflito existente no mercado entre a miríade de interesses privados seria o princípio
gerador do caos que causa a fragmentação do espaço capitalista, cuja tendência é a
destruição de toda perspectiva que se pretende duradoura (“tudo que é sólido se
desmancha no ar”). O desenvolvimento desigual, a urbanização acelerada e a destruição
do ambiente natural seriam sintomas desse princípio, que o Estado é chamado a colocar
em ordem através das políticas que visam a homogeneizar o caos do espaço capitalista e
criar as condições para que o ciclo da acumulação se reproduza.
Várias são as estratégias para tanto, como a hierarquização institucional, a
produção de representações oficiais, a intervenção direta (criação de infraestruturas) e o
controle coercitivo do espaço, de modo a prevenir o surgimento de atitudes
contestatórias. Não obstante, a ação homogeneizadora do Estado é contraditória, pois
entra em inevitável conflito com diversos interesses em jogo, o que limitaria a extensão
34

de sua capacidade de intervenção, além de, eventualmente, redirecionar o foco da


agenda do Estado.
Mais recentemente, Brenner (2004) diagnosticando a falta da problematização
da espacialidade estatal na maioria dos teóricos do Estado, sintetizou as contribuições
da teoria espacial marxista a partir de autores como Lefebvre, Poulantzas e Jessop, de
modo a desconstruir a “armadilha” conceitual do território inerte, e avançar na
compreensão da reestruturação do Estado diante da dinâmica espacial da globalização.
Seu ponto de partida é considerar o espaço estatal como a arena, o meio e o
resultado da seletividade espacial das estratégias políticas. Assim, o Estado não seria tão
somente uma entidade territorial, mas um campo de lutas políticas que se refletem na
produção do espaço e, ao mesmo tempo criam novas tensões que resultam de sua
intervenção no território, e originam novos conflitos políticos na esfera estatal.
A conclusão a que se chega a partir desse processo intrinsecamente relacional é
que o espaço estatal se transforma continuamente, apresenta uma multiplicidade de
dimensões (simbólicas, materiais, econômicas, políticas etc.) e tem na transescalaridade
um atributo necessário, já que os processos que interferem na produção do espaço
estatal não dizem respeito apenas à escala nacional.
Assim como Lefebvre e Poulantzas, Brenner (2004) defende que a dialética
entre a fragmentação e a homogeneização é uma das tensões centrais que se abatem no
interior do Estado, que pode tanto reforçar a fragmentação causada pelo mercado quanto
tentar restaurar a unidade homogeneizadora. Há uma relação entre essa tensão e a
própria complexidade institucional do Estado, para cujo entendimento Brenner recorre à
teoria estratégico-relacional de Bob Jessop8. A abordagem desenvolvida por Jessop
considera que o Estado é uma estrutura separada do circuito do capital - porém, dele
dependente e associado.
A ação do Estado em favor do capital, no entanto, não é unitária, já que não
existe o Estado como ente, mas como uma complexa institucionalidade que só é
parcialmente unificada pela imposição da agenda por aqueles segmentos de classe com
maior capacidade de pressão sobre o aparato estatal. As instituições do Estado
implementam as decisões da agenda que, por ser o resultado conjuntural das disputas
políticas no interior do aparato do Estado, cria seletividades das políticas estatais, —
dentre elas, a seletividade espacial.

8
A referência utilizada por Brenner (2004) foi o livro de Bob Jessop intitulado “State Theory”, publicado
em 1990.
35

Daí que, dependendo da agenda e das seletividades por ela criada, o Estado não
somente busca amenizar o quadro de fragmentação espacial operado pelas forças de
mercado, mas também pode servir como mais um ator a acentuá-lo, seja
deliberadamente, seja acidentalmente.
Com efeito, no bojo da dialética entre a fragmentação e a homogeneização,
Brenner (2004) categoriza diversas possibilidades de arranjos nos âmbitos institucional,
escalar e territorial: centralização x descentralização; uniformidade x customização;
singularidade x multiplicidade; equalização x concentração.
Portanto, a espacialidade como arena, meio e resultado do poder do Estado na
ordem capitalista é também uma de suas principais questões. Em nível teórico-abstrato,
a questão se dá pela compreensão do processo disruptivo e fragmentário da produção
capitalista do espaço. Em nível histórico-concreto, a questão se manifesta na
identificação dos desenvolvimentos desiguais e combinados sob o capitalismo, através
da hierarquização da divisão territorial do trabalho, nas escalas mundial, nacional,
regional e local.
No âmbito político do Estado, a questão pode ser genericamente rotulada de
questão regional (ou territorial, ou urbana, se for o caso), que é o reconhecimento, ainda
que discursivo, do desenvolvimento desigual enquanto questão estatal.

2.3- O desenvolvimento espacialmente desigual como problemática histórica

Como visto, a produção do espaço capitalista é governada pela dialética entre a


fragmentação do caos gerado pelo movimento de acumulação e a tentativa de
homogeneização conduzida principalmente pelo Estado. A evidência histórica tem
demonstrado que esse processo vem se dando por meio de dois fenômenos relacionados,
que são, por um lado, a tendência do capital em se expandir espacialmente e, por outro
lado, estruturar divisões e hierarquias territoriais intrinsicamente desiguais.
Marx e Engels, no Manifesto do partido comunista, captaram intuitivamente a
importância desse fenômeno geográfico da expansão/hierarquização dos diferentes
espaços para a consolidação do modo de produção capitalista.

A descoberta da América e a circunavegação da África abriram um


novo campo de ação para a burguesia nascente. Os mercados da Índia
e da China, a colonização da América, o comércio com as colônias, o
aumento dos meios de troca e do volume das mercadorias em geral
36

trouxeram uma prosperidade até então desconhecida para o comércio,


a navegação e a indústria e, com isso, desenvolveram o elemento
revolucionário dentro da sociedade feudal em desintegração.
(...) Esse desenvolvimento, por sua vez, voltou a impulsionar a
expansão da indústria. E na mesma medida em que indústria,
comércio, navegação e estradas de ferro se expandiam, desenvolvia-se
a burguesia, os capitais se multiplicavam e, com isso, todas as classes
oriundas da Idade Média passavam a um segundo plano. (MARX e
ENGELS, 2008, p. 10 e 11)

A grande aceleração ocorreu durante o século XIX, quando a revolução


industrial lançou as bases para um sistema econômico verdadeiramente mundial.
Segundo Hobsbawn (2009), a segunda metade do século XIX inaugurou alguns dos
fenômenos que se tornaram comuns a partir de então: a imigração em massa, a
supressão do espaço pelo tempo, a difusão em larga escala das crises econômicas. Tudo
isso garantido pelo desenvolvimento das tecnologias de transportes (trem) e de
comunicações (telégrafo), que receberam grandes investimentos para sua difusão,
principalmente entre os países centrais do capitalismo.
Também se desenvolveram os sistemas institucionais internacionais como o
Sistema Internacional de Fusos Horários, a Organização Meteorológica Internacional e
a União Telegráfica Internacional, e foi proposta uma língua universal.
No campo econômico, o fato concreto mais evidente do avanço da
mundialização do capital foi a formação e institucionalização do comércio
internacional, que no período em questão passou por exponenciais taxas de crescimento
(HOBSBAWN, 2009). Nesse contexto, surge a teoria do comércio internacional, cuja
formulação mais célebre e próspera foi a teoria das vantagens comparativas de David
Ricardo, que implicitamente reconhece, ainda que não problematize, a divisão territorial
do trabalho.
A teoria ricardiana basicamente defende que o comércio internacional deveria
ser constituído a partir das vantagens criadas pela especialização produtiva dos países.
O raciocínio seria que a especialização das estruturas produtivas nacionais àquelas
atividades mais vantajosas em termos de capacidade de produção e de redução de custos
permitiria uma inserção vantajosa do país no mercado internacional. Por outro lado,
aqueles produtos necessários para o país, mas que não se encontram em condições
vantajosas de especialização no mercado interno, poderiam ser buscados nos países
especializados e capazes de vendê-los com boas relações custo-benefício.
37

Segundo Amin (1976), o problema da teoria ricardiana é que, por se basear num
raciocínio estático, naturaliza as “vocações nacionais”, desconsiderando a história (e a
geografia) das formações econômicas nacionais, que criam os diferentes níveis de
produtividade setoriais. Por que a Inglaterra se tornou mais especializada na produção
de tecidos do que Portugal? A Inglaterra sempre teve vocação para a produção de
tecidos? Teria desenvolvido tal expertise se adotasse a teoria das vantagens
comparativas quando o setor estava ainda começando a se desenvolver?
São perguntas que a teoria clássica do comércio internacional ignora. Além
disso, Amin (1976) questiona também o problema da troca desigual, que ao longo do
tempo passaria a transferir recursos do país menos desenvolvido para o país mais
desenvolvido, tema que surgiu durante a década de 1940 a partir do trabalho seminal de
Raul Prebisch, como se verá adiante.
Não obstante, a importância da teoria das vantagens comparativas é que ela se
baseia na identificação da divisão territorial do trabalho, que só foi possível com a
integração dos territórios sob a égide da formação dos mercados internacionais e
nacionais de troca durante o século XIX.
A realidade do desenvolvimento desigual, porém, não foi reconhecida, sendo
escamoteada pela apologia à especialização produtiva, tal como foi o caso brasileiro
entre fins do século XIX e início do século XX, quando a política econômica nacional
era sustentada no discurso da vocação brasileira na produção de gêneros agrícolas
tropicais para o mercado europeu e estadunidense. Quando da emergência do
nacionalismo econômico nos anos de 1930 e da defesa da industrialização como
estratégia de emancipação nacional, os liberais e os conservadores de então lançavam
mão da teoria das vantagens comparativas como contraponto.
Por outro lado, três foram as abordagens que perceberam que o processo de
mundialização do capital e sua projeção em uma divisão internacional do trabalho eram
geradores de heterogeneidades e desigualdade: o marxismo, que desenvolveu estudos
sobre o imperialismo e apresentou as primeiras formulações do desenvolvimento
desigual e combinado; os economistas não liberais, que desenvolveram a teoria da troca
desigual; e os geógrafos, que desde fins do século XIX já se debatiam, em separado das
outras ciências sociais, sobre a questão epistemológica entre a geografia geral e a
geografia regional.
A partir dessas se constituíram, décadas mais tarde, muitas das abordagens que
buscavam dar conta da questão regional como questão de Estado. Em comum entre os
38

marxistas e os economistas não liberais está a oposição ao liberalismo e à teoria das


vantagens comparativas.
Os geógrafos, por sua vez, demonstravam em suas formulações a maior
cognoscibilidade do planeta permitida pelas novas técnicas de comunicação e transporte
desenvolvidas então e a contradição com as heranças regionais dos tempos pré-
modernos. Neste capítulo, a análise está concentrada nas duas primeiras correntes.

2.3.1- O marxismo e a teoria do desenvolvimento desigual e combinado

O fenômeno da mundialização do capitalismo a partir do século XIX levou


autores marxistas como Rosa Luxemburgo e Lenin a realizarem investigações em que a
espacialidade era uma dimensão fundamental da análise, ainda que de modo implícito.
Veja-se o caso do imperialismo, que foi um tema central no início do século XX. Rosa
Luxemburgo em sua obra A acumulação do capital apresenta a tese de que o
imperialismo é o resultado da reprodução ampliada da acumulação capitalista, que seria
impossível de subsistir em um sistema fechado.
A continuidade do processo se daria pelo avanço do capital para as regiões
subdesenvolvidas e não capitalistas, tanto na periferia dos próprios países capitalistas
industrializados quanto nos continentes africano e asiático, onde os meios de produção,
mercado consumidor e mão de obra barata seriam garantidos através do controle militar
e geopolítico.
Luxemburgo demonstra que, a partir de fins do século XIX, os excedentes de
capital financeiro gerados nos países centrais do capitalismo foram transferidos na
forma de empréstimo às colônias e aos países da periferia “semicolonial”, de modo a
criar demanda para sua própria indústria, já que grande parte dos empréstimos era
utilizada para a construção de estradas de ferro. O desenvolvimento das ferrovias,
segundo Luxemburgo, representava o grau de avanço do capital sobre as áreas não
capitalistas, reconfigurando a base geográfica de modo a inseri-las na divisão
internacional do trabalho lideradas pelos países credores.
Criava-se, a partir da diferença espacial, uma via tripla para a valorização do
capital: (1) a expansão da dívida pública; (2) a criação de demanda para o capital
industrial; (3) a construção de morfologias espaciais que aceleravam o avanço das
relações capitalistas em áreas novas.
39

A análise de Lenin (1982) apresenta pontos de convergência com a de Rosa


Luxemburgo. O imperialismo seria o corolário do processo de concentração e
financeirização dos capitais, que, cada vez mais abundantes, encontravam dificuldades
de valorização nos países industriais. Assim, a exportação de capitais, forçando a
entrada das áreas “não ocupadas” ao circuito do capital, era o passo seguinte da
expansão capitalista.
Tal fenômeno logo teria implicações geopolíticas, em que as empresas e os
Estados do países industriais fariam a partilha do mundo não capitalista, de modo a
garantir, pela força do militarismo, a absorção dos capitais excedentes. Subjaz em sua
análise que o fundamento da expansão imperialista era a incorporação de territórios não
capitalistas que se articulariam desigualmente com o centro do sistema, havendo a
convivência entre o capitalismo plenamente desenvolvido e formas não capitalistas de
organização econômica e social, interpretação que coincide com a de Rosa
Luxemburgo.
Outro autor marxista que, preocupado com o contexto nacional, considerou o
desenvolvimento espacialmente desigual como uma problemática central do Estado foi
Antônio Gramsci (1987), a respeito da questão meridional italiana. Para Gramsci, a
questão meridional da Itália tinha dois aspectos centrais: (1) a sua origem a partir da
integração, sob a égide do mercado nacional, de duas formações socioespaciais
diferentes, o norte industrial e o sul agrário; (2) a emergência da questão meridional
como questão para a integridade do Estado.
A primeira afirmativa de Gramsci analisa a formação do Estado italiano como a
causa da questão meridional, já que unificou duas lógicas econômicas díspares, mas que
passaram a se complementar econômica e politicamente. O Norte italiano desenvolveu
uma economia industrial moderna, onde o conflito entre o empresariado e a classe
operária se agudizava, tendo como rebatimento político a disputa entre os socialistas e
os fascistas pelo apoio das massas.
O Sul era a trincheira das oligarquias patrimonialistas e que tinham como
principal antítese os camponeses, alijados da posse da terra e dependentes das benesses
quase feudais que ainda se mantinham nas relações sociais. A unificação permitiu a
articulação desses dois mundos, de modo que as relações capitalistas se apropriaram das
relações não capitalistas como forma de permitir maior alcance do processo de
acumulação interno.
40

Economicamente, observa Gramsci, os rendimentos do Sul tendiam a se


redirecionar para o Norte, onde encontrariam melhores rendimentos, enquanto que o
Estado italiano garantia benesses aos grandes proprietários de terras como forma de
reprodução de seu poder político e econômico regional. Desse modo, Gramsci
demonstra que a questão meridional se transforma em uma questão nacional e, portanto,
em uma questão de Estado. A articulação entre Norte e Sul se fez também pela aliança
política entre a burguesia do Norte e os proprietários de terra do sul, de modo que a
consciência dos camponeses passou a ser o principal campo de batalha contra o
movimento operário do Norte.
A questão política e estratégica do operariado seria conquistar uma aliança de
classe com os camponeses contra os proprietários de terra e a burguesia. Em uma
eventual vitória dessa estratégia, a consolidação do Estado operário só seria possível
quando, em enorme esforço nacional, se buscasse a resolução definitiva da questão
meridional, sob risco de as elites reencontrarem forças no revanchismo territorial do Sul
agrário contra o Norte industrial.
Apesar de relegado às margens do pensamento marxiano e marxista, nota-se que
ao se aplicar no aprofundamento da realidade histórica da expansão do capitalismo pelo
mundo, o marxismo acabou apresentando importantes insights que contemplavam a
espacialidade inerentemente desigual do processo de acumulação de capital, assim
como suas implicações econômicas, sociais e políticas.
Certamente as análises marxistas foram pioneiras no tratamento do tema,
anteriores inclusive à vertente heterodoxa reformista da Ciência Econômica, que só após
a Grande Depressão, principalmente a partir da década de 1950, passou a incorporar
reflexões sobre o desenvolvimento espacialmente desigual da economia. Mesmo os
geógrafos tiveram uma participação menor na compreensão desse fenômeno,
preocupados, por um lado, com as influências ambientais sobre o comportamento
humano e, por outro, na identificação acrítica das “regiões-personagem”9.
A continuidade da reflexão sobre o desenvolvimento espacialmente desigual
entre os marxistas a partir de meados do século XX não foi muito além dos marcos

9
Região-personagem foi como Yves Lacoste (2009) rotulou, de forma crítica, o chamado método
regional, que os geógrafos franceses consideravam a principal tarefa da disciplina, ou seja, identificar e
descrever as paisagens de modo a identificar as diferenciações que formariam as regiões. As regiões
seriam, assim, um fato concreto e único, que por meio do “olhar do geógrafo” seria possível identificar.
Considerava-se que tal concepção era criação de Vidal de La Blache, mas estudos críticos recentes
demonstram que era, na verdade, uma apropriação equivocada das contribuições do pai da geografia
francesa.
41

apontados pelos autores seminais. O que predominou foi o aprofundamento daqueles


insights, dando-lhes mais substância teórica e empírica, ainda que com certas lacunas à
teoria.
A tese de Mandel (1982) sobre a constituição do capitalismo tardio como nova
etapa da mundialização do capital se baseou, em grande parte, na teoria do
desenvolvimento desigual e combinado como nexo explicativo da expansão quantitativa
e qualitativa do capital. Esse foco nos aspectos históricos e geográficos do capitalismo
explica-se pela crítica de Mandel ao afastamento entre a teoria geral marxista do
capitalismo e suas manifestações históricas.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado ajudaria, nesse sentido, na
realização das necessárias mediações entre as leis gerais da acumulação e o capitalismo
concreto. Neste sentido, Mandel observa que o capitalismo não se desenvolveu “no
vácuo”, mas em estruturas socioeconômicas específicas e distintas, combinando traços
não capitalistas e capitalistas.
O mundo moderno seria justamente “um sistema articulado de relações de
produção capitalistas, semi-capitalistas e pré-capitalistas de troca e dominados pelo
mercado capitalista mundial” (MANDEL, 1982, p. 32). O sistema de relações de troca
formaria a divisão internacional do trabalho, possibilitando à burguesia dos países
centrais integrar fornecedores de matérias-primas, mercados e oportunidades de
investimento de capitais. Além disso, pelos mecanismos da troca desigual, transferir os
recursos das áreas subdesenvolvidas para o centro da acumulação internacional,
aprofundando os laços de dependência entre os países desenvolvidos e
subdesenvolvidos, seja por meios geopolíticos formais, como o imperialismo, seja pela
influência política junto às oligarquias nacionais, que em troca de privilégios de classe
em seus países, avalizavam a dominação econômica.
Com base na hipótese do nivelamento das taxas de lucro devido aos efeitos da
concorrência intercapitalista, Mandel (1982) afirma que uma das questões prementes
para os capitalistas individuais é a busca do superlucro, ou seja, taxas superiores à
média da concorrência. Várias seriam as estratégias para se chegar ao superlucro:
monopólio, redução da massa salarial, inovação tecnológica, exploração de novas áreas
geográficas.
A formação do mercado mundial permitiu a existência de distintos níveis de
produtividade e, por conseguinte, diferenciações das taxas de lucratividade tanto em
nível setorial quanto espacial. O desenvolvimento e o subdesenvolvimento seriam,
42

portanto, duas faces da mesma moeda, já que na busca pelos superlucros, a alocação dos
capitais para os setores e áreas mais rentáveis terá sempre como contrapartida o
abandono relativo das opções menos rentáveis.
Ainda assim, a relação entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento é
sempre temporária, pois as constantes rupturas existentes no processo de acumulação
alavancam reestruturações que alteram, profunda ou relativamente, os quadros
anteriores10.
A investigação teórica de Mandel (1982) ao analisar a geografia da acumulação
capitalista destaca, ainda, o caráter escalar em que o desenvolvimento espacialmente
desigual ocorre. Além de focar nas tradicionais análises das relações internacionais,
destacando as relações imperialistas entre metrópoles, colônias e semicolônias, Mandel
destaca que, no interior dos próprios países metropolitanos, as leis do desenvolvimento
desigual ocorrem entre as áreas urbano-industriais e as áreas agrícolas
subdesenvolvidas, que ele chama de “colônias internas”.
Além de submetidas aos mecanismos de troca desigual, as “colônias internas”
tenderiam, ainda, ao aprofundamento de sua condição periférica devido à própria
internacionalização dos capitais, já que em comparação às oportunidades de lucro nas
colônias externas, as “colônias internas” teriam a tendência a serem sempre preteridas
como opções para investimento, devido à maior uniformidade de preços e de custos
operados na escala nacional, tendo por base sempre as regiões mais desenvolvidas.
Não obstante, isso não significa dizer que haveria uma relação estática, já que,
dependendo do momento mudanças ocorrem, como se provou com a reestruturação
espacial do capitalismo a partir dos anos 1970.
O trabalho mais explícito na tentativa de criar subsídios para uma teoria marxista
do desenvolvimento espacialmente desigual foi realizado por Neil Smith (1988), que
estruturou sua abordagem sobre três fenômenos espaciais: (1) a dialética entre a
equalização e a diferenciação espacial; (2) as escalas espaciais do desenvolvimento
desigual; (3) o caráter dinâmico do processo da disparidade espacial.
A dialética entre a equalização e a diferenciação espacial desenvolvida por Neil
Smith trata daquelas problemáticas analisadas nas páginas acima entre a
homogeneização e a fragmentação das matrizes espaciais no capitalismo, porém numa

10
Neste ponto, Mandel se opõe à tese de Luxemburgo sobre os limites da acumulação pelo subconsumo,
já que a desvalorização de certos capitais é acompanhada por valorizações de outros capitais, não raro em
esferas totalmente novas.
43

perspectiva menos abstrata. A equalização se daria pela formação do mercado mundial e


a criação de equivalentes gerais das relações sociais de produção e troca.
Simultaneamente, a integração espacial formada pelo mercado mundial criaria as
condições para a divisão territorial do trabalho, que seria o fenômeno gerador da
diferenciação na geografia do capitalismo, considerando as diversas escalas e sua
relação com a concentração e centralização dos capitais.
O desenvolvimento espacialmente desigual, defende Neil Smith, é um fenômeno
complexo do ponto de vista de suas escalas espaciais, já que são problemáticas distintas,
ainda que articuladas, o desenvolvimento desigual na cidade, no território nacional e na
esfera global.
Assim, o fenômeno em suas distintas escalas também cria diferentes implicações
políticas. No âmbito da cidade, a diferenciação espacial tanto no aspecto funcional das
atividades urbanas (área central de negócios, áreas residenciais, áreas industriais, porto
etc.) quanto no aspecto social (segregação residencial) e simbólico, é criadora de
conflitos que irão dar forma à chamada questão urbana e às disputas quanto ao direito à
cidade.
Na escala nacional, as disparidades entre áreas mais ou menos amplas do
território criam ocasiões para o surgimento de discursos regionalistas (políticos ou
mesmo acadêmicos) que tentam fazer valer critérios legítimos de divisão regional
(BOURDIEU, 2010). Quando esses conflitos se deslocam para o centro da agenda
pública, tornam-se, assim, a questão regional, uma questão de Estado na sua tentativa de
ordenar a fragmentação criada no território nacional pelo processo de acumulação e de
desenvolvimento-subdesenvolvimento na escala nacional.
Na escala global, Neil Smith retoma a abordagem tradicional do marxismo sobre
a formação do mercado mundial e o avanço do capital sobre a periferia não capitalista,
engendrando a contradição desenvolvimento-subdesenvolvimento.
Passo seguinte da teoria do desenvolvimento espacialmente desigual e
combinado é o desenvolvimento de uma abordagem marxista de região, no tocante à
expansão do capital pelos territórios nacionais. Esse foi um tema caro particularmente
para os geógrafos, tradicionais especialistas no tema, que a partir dos anos 1970
tentaram desconstruir o legado recebido da geografia tradicional. É conhecido o ataque
de Lacoste (2009), que chegou a considerar a região um conceito-obstáculo, devido às
pretensões da geografia francesa em dotar de personalidade as divisões regionais
definidas em suas análises.
44

Por outro lado, buscou-se, a partir dos insights marxistas sobre a formação do
mercado mundial e do desenvolvimento desigual, construir um conceito de região a
partir das manifestações concretas do processo geral de acumulação de capital nas
formações socioeconômicas específicas.
Segundo Oliveira (1977), uma região, seguindo os princípios teóricos do
marxismo, seria um espaço onde há uma imbricação de processos sociais, políticos e
econômicos que criam uma forma especial de reprodução do capital e, por
consequência, manifestações particulares da luta de classes.
Nesses termos, o fenômeno regional só pode ocorrer a partir de sua articulação
com a divisão territorial do trabalho, em suas diversas escalas, na inserção da região no
mercado mundial e na constituição, e na integração do mercado nacional. A região seria,
assim, sempre uma formação social num sentido relacional, na medida em que suas
especificidades criam unidades, mas sempre referenciadas pela existência de outras
regiões, igualmente diferentes e integradas segundo hierarquias mutáveis.
O conceito de divisão territorial do trabalho é central também para Doreen
Massey (1979), em seu esforço de compreender os processos que originam os
problemas regionais. Criticando as abordagens que generalizam de modo pouco preciso
o fenômeno, Massey argumenta que a desigualdade regional é um efeito estrutural da
espacialidade capitalista, sendo tanto um fenômeno historicamente relativo quanto um
processo espacial passível de mudança11.
A divisão territorial do trabalho seria o resultado, assim, das práticas locacionais
dos capitais que se apropriam das diferenças geográficas segundo os critérios que
buscam a maximização dos retornos dos investimentos. Além de esse uso do espaço
variar segundo os setores, variaria com o tempo, de acordo com os movimentos
econômicos, políticos e tecnológicos, que poderiam dar origem a novas divisões
territoriais do trabalho, de modo a reconfigurar a emergência dos problemas regionais.
Já David Harvey (2005) considera que a formação dos espaços regionais seria o
resultado das coerências estruturadas engendradas na produção do espaço capitalista,
em que “a produção e o consumo, a oferta e a procura (por mercadorias e força de
trabalho), a produção e a realização, a luta de classes e a acumulação, a cultura e o estilo
de vida permanecem unidos (...)” (HARVEY, 2005, p. 147).

11
Trata-se de uma possibilidade, já que não se pode esquecer o poder de inércia dos usos do espaço, pois
toda reestruturação espacial é dotada de custos consideráveis que são, sempre, levados em conta pelos
atores econômicos. Há de se considerar, também, as rugosidades de que fala Milton Santos (2004), que
são os testemunhos de períodos históricos passados que ficam cristalizados nas formas geográficas.
45

O contínuo movimento de superação das barreiras espaciais torna, no entanto,


as estabilidades ancoradas nos espaços regionais sempre provisórias e, assim, as
coerências estruturadas são redefinidas pelas contradições da produção capitalista do
espaço;
Tais contradições estão manifestas em fenômenos como inovações tecnológicas,
tendência da redução dos lucros, destruição criativa dos capitais fixos, mudanças na
divisão territorial do trabalho etc.
Vários outros geógrafos, sociólogos e economistas desenvolveram durante os
anos 1970 e 1980 teses sobre o desenvolvimento espacialmente desigual no capitalismo
e a formação de regiões.
Não se fará um exame exaustivo dessa literatura mas, no essencial, esses
estudiosos mantiveram-se próximos às linhas mestras analisadas nas páginas acima,
com um ou outro foco específico. Não foi sem ambiguidades, porém, que o tema foi
tratado, já que, diante das resistências em relação aos temas espaciais na corrente
principal do marxismo, alguns autores que tentaram lograr um marxist turn na geografia
e na economia espacial, por um lado, e um spatial turn na teoria marxista por outro,
conviveram sempre com o risco de se enveredarem no chamado fetichismo espacial.
Essa é a principal crítica de Ann Markusen (1981) sobre a abordagem marxista
dos fenômenos regionais. Para Markusen, a região é um não problema para o marxismo,
sendo tão somente “fenômenos empíricos sujeitos a uma análise concreta, histórica e
caso a caso” (MARKUSEN, 1981, p. 62).
Em detrimento ao conceito de região, que seria uma entidade territorial física, a
autora defende que a temática do desenvolvimento e das desigualdades regionais seja
tratada a partir de suas relações sociais, do campo de luta de classes, relativas ao
regionalismo, e não da região em si.
O regionalismo se caracterizaria pelas contradições na esfera econômica,
cultural e política entre frações de classe, que tomam a delimitação regional como
campo de luta. O problema seria, portanto, sociológico, e não geográfico.
Com isso, Markusen (1981) criticava as abordagens que exploravam a temática
das desigualdades regionais em termos de exploração de uma área sobre a outra, nos
mesmos termos da exploração de uma classe sobre outra, caindo, assim, no fetichismo
espacial. O fenômeno seria mais complexo e exigiria uma perspectiva mais empírica,
em que a investigação deveria considerar a interface entre os sujeitos sociais e sua
46

relação com a espacialidade, e não em abstrações que transformam a região num fetiche
espacial.
Em suma, entre as abordagens dos autores marxistas, o desenvolvimento
desigual e combinado é um fenômeno espacial típico do sistema capitalista, em que no
processo de expansão geográfica da acumulação de capital, as áreas mais desenvolvidas,
plenamente capitalizadas, articulam-se contraditoriamente com as áreas não capitalistas,
impondo-lhes de maneira incompleta a modernização, como recurso de rentabilizar
fragmentariamente os capitais.
O desenvolvimento desigual teria uma relação inerente com os Estados, tanto ao
nível geopolítico, das relações internacionais (que se manifestaram através do
imperialismo) quanto no interior dos territórios nacionais, como parte da contradição da
formação dos mercados internos.

2.3.2- As abordagens reformistas: CEPAL, Myrdal e Perroux

A segunda linha de reflexão sobre a questão regional floresceu em meio ao


debate econômico suscitado pelo esforço de recuperação da Grande Depressão da
década de 1930 e a consequente perda de credibilidade ideológica do liberalismo
econômico.
Como o marxismo sempre foi ignorado pela corrente principal da Ciência
Econômica, os críticos dos postulados liberais e neoclássicos partiram de fontes
próprias para pensar o problema do desenvolvimento desigual (ainda que alguns autores
dialogassem com Marx, como o fez Celso Furtado no livro “Desenvolvimento e
subdesenvolvimento”).
Enquanto os marxistas tenderam a alicerçar sua compreensão do
desenvolvimento espacialmente desigual sobre a análise da expansão geográfica do
capital na forma do mercado mundial, os economistas reformistas de meados do século
XX já supunham esse fenômeno sem maiores indagações.
Se no marxismo tal abordagem faria parte das tentativas de descoberta de
brechas no sistema para a formulação de estratégias revolucionárias, os autores
reformistas, ao contrário, procuravam formas de trazer maior equilíbrio à divisão
territorial do trabalho, de modo a redistribuir os ganhos gerados pelo crescimento
econômico.
47

A oposição era feita ao pensamento neoclássico, que transferia a ideia de


equilíbrio, derivada de princípios da física, para fenômenos sociais, raciocínio que deu
origem às teorias do desenvolvimento equilibrado (TAVARES, 2004). Na economia
espacial, seguindo a corrente neoclássica, a principal construção teórica era a planície
isotrópica, um espaço indiferenciado, homogêneo, onde a circulação seria possível em
todas as direções e a distância seria o único fator locacional de interesse para a
racionalidade econômica (CORRÊA, 2009).
Entretanto, a realidade do desenvolvimento desigual exigiu a flexibilidade de
tais postulados, que diante do problema, passaram a considerar as “fricções” do espaço
e a existência de uma desigualdade na distribuição espacial de recursos escassos e
imperfeitamente móveis (BRANDÃO, 2007).
Algumas aproximações ao problema do desenvolvimento espacialmente desigual
foram feitas no reconhecimento da troca assimétrica entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos, em estudos cujo foco não era espacial, mas cujas implicações eram
evidentes para a teoria do desenvolvimento regional que se desenvolveu posteriormente.
Nota-se, ainda, que alguns elementos que subjazem nas formulações marxistas do
desenvolvimento desigual também se manifestam nesses primeiros estudos críticos à
teoria ricardiana da especialização econômica12.
A integração do mercado em nível mundial configurando uma divisão
internacional do trabalho cria, por meio da troca desigual, a transferência de recursos
dos países periféricos para os países centrais. Esta abordagem foi fundamental para a
crítica às teorias etapistas do desenvolvimento econômico, em que os países
subdesenvolvidos estariam passando pela mesma etapa que os países desenvolvidos
passaram durante as vésperas de sua arrancada industrial.
Ao contrário, a divisão internacional do trabalho fazia com que o
desenvolvimento criasse, também, o subdesenvolvimento13, já que a troca desigual e as

12
A principal formulação crítica à tese ricardiana foi elaborada por Raul Prebisch, que depois se tornou
uma das pedras angulares do pensamento cepalino. A tese da deterioração dos termos de intercâmbio e a
consequente troca desigual foi um ataque frontal ao liberalismo e influenciou fortemente as políticas
econômicas dos países da América Latina, assim como autores de outros países que analisavam o sistema
capitalista segundo o modelo centro-periferia.
13
A formulação teórica de Celso Furtado (1965) foi central para a temática do subdesenvolvimento.
Furtado se opõe à concepção que descrevia a história econômica do capitalismo como uma evolução
linear e etapista, cuja implicação política era considerar o subdesenvolvimento como uma fase pela qual
todos os países passariam para chegar ao patamar dos Estados, nações, atores, para não repetir países
centrais do capitalismo. Nesse trabalho, Furtado demonstra que, ao contrário, os países ricos nunca teriam
sido subdesenvolvidos, pois se trataria de um fenômeno específico derivado da expansão dos capitais dos
países industrializados sobre as estruturas pré-capitalistas dos antigos territórios colonizados. As
48

barreiras de entrada erigidas pelo volume de capitais necessários para a arrancada


industrial impediam a ocorrência “natural” do processo.
Ao contrário dos marxistas, que consideravam uma contradição insuperável do
capitalismo a convivência do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, entre os
economistas reformistas o diagnóstico realizado conduziu à tese do dualismo, que
buscava tratar da convivência entre setores modernos e tradicionais nos países
subdesenvolvidos que começaram a se industrializar.
Hirschman (1958), que é um dos proponentes da tese dualística, diz que o
fenômeno se deve à irrupção da modernização nos países pré-industriais, porém não
ocorrendo em todos os setores ao mesmo tempo, de modo a permitir a permanência e
até mesmo o florescimento de atividades manufatureiras e artesanais na economia.
A ideia teve muitos adeptos durante os anos 1950 e 1960, que passaram a
analisar os países subdesenvolvidos em termos de moderno versus arcaico, como, por
exemplo, o famoso título do livro de Jacques Lambert sobre Os dois Brasis.
O problema da tese do dualismo foi a dicotomização do fenômeno, como se
tratasse de duas realidades isoladas, mas justapostas, devendo o setor moderno avançar
sobre os setores não modernos.
Oliveira (2003), alicerçando-se justamente na teoria do desenvolvimento
desigual e combinado, diz que não há dicotomia, mas sim um aspecto inerente da
própria modernização capitalista nos espaços periféricos, que se alimenta dos setores
não modernos e até os reforça, de modo a baixar o custo de reprodução da mão de obra.
Por outro lado, o próprio setor moderno se apropria de características da estrutura social
pré-capitalista, aprofundando as desigualdades sociais e rebaixando salários dos
próprios trabalhadores da indústria.
Não obstante, as teses reformistas foram as mais importantes para a ação do
Estado através do planejamento econômico e regional. No âmbito da Ciência
Econômica burguesa, localizaram-se à esquerda do mainstream neoclássico ao fazerem
a crítica à tese da eficiência do mercado.
Na América Latina, isso se deu na formulação do desenvolvimentismo como
estratégia de rompimento das amarras do subdesenvolvimento através da

empresas modernas que atuavam nesses países seriam limitadas a setores exportadores, pois a extensão da
economia de subsistência obstaria a formação de mercado de consumo interno. Mesmo em casos mais
complexos como o brasileiro, em que teria nascido um núcleo industrial de substituição de importações, o
fator dinâmico continuava no mercado externo, principalmente na balança de pagamentos que era o que
definia os surtos de substituição de importações. Por isso, Furtado defendia o esforço pela elaboração de
uma teoria do subdesenvolvimento.
49

industrialização conduzida pelo Estado. Com efeito, a própria ascensão da questão


regional na agenda governamental em países como o Brasil deve ser tributada, em
primeiro lugar, ao sucesso que as formulações reformistas da CEPAL tiveram no seio
do Estado.
A ideia dos desequilíbrios regionais teve sua antecessora na teoria da
deterioração dos termos de intercâmbio, que defendia que, ao contrário do que
preconizava a escola liberal do comércio internacional, a divisão internacional do
trabalho de então não difundia os ganhos de produtividade dos países industrializados
para a periferia, mas, ao contrário, apropriava-se inclusive dos parcos ganhos dos
setores exportadores da periferia.
Isso se daria através, principalmente, da tendência da deterioração dos preços
dos produtos primários frente aos produtos industrializados, devido à menor elasticidade
da demanda por produtos primários em relação aos produtos industriais.
Além disso, a pressão salarial promovida pela industrialização forçava uma
elevação dos preços dos produtos industriais de modo a garantir a margem de
lucratividade, fenômeno que não ocorria no caso dos setores primários, cujos salários
eram menores (MANTEGA, 1991).
No que concerne à questão salarial, a CEPAL identificava uma importante
barreira para a alavancagem econômica dos países exportadores de bens primários: a
falta do mercado interno. No Estudo econômico da América Latina, Prebisch (2000)
defende que com a especialização setorial na exportação de um pequeno leque de
produtos primários, o progresso técnico, poupador de mão de obra, pressionava os
salários para baixo devido à expansão da massa de desempregados que não encontravam
outras ocupações na indústria.
Com efeito, a industrialização seria obstada pela concorrência da indústria dos
países desenvolvidos, que supriam as demandas de bens de luxo das classes patronais
dos países periféricos. O contrário teria ocorrido nos países industrializados, onde o
progresso técnico dos setores primários foi concomitante com o desenvolvimento
industrial que absorveu a mão de obra excedente e pressionou a massa salarial para
cima, criando mercados internos fortes, tanto para as produções primárias interna e
externa quanto para o consumo em massa dos bens industrializados.
Dado esse diagnóstico, a CEPAL defendia, por conseguinte, o fortalecimento do
mercado interno via adoção de estratégias nacionalistas de industrialização por
50

substituição de importações, direcionando tanto os recursos internos quanto recorrendo


a investimentos externos que aceitassem a condução nacionalista realizada pelo Estado.
No âmbito do esforço de formação de mercados internos fortes, a integração dos
mesmos em termos territoriais era uma parte fundamental da estratégia, já que a
desarticulação espacial interna dos países da América Latina era um dos problemas
estruturais para as barreiras à difusão dos poucos ganhos conquistados pelas suas
economias. Nas palavras de Mantega (1981. p.36).

A falta de integração interna das economias periféricas, com intensa


descontinuidade entre regiões mais avançadas e regiões bastante
atrasadas, tolhia-lhes a possibilidade de capitalizar e difundir os
efeitos propulsores das já modestas melhorias de produtividade,
enquanto os centros mais desenvolvidos, formados por estruturas
produtivas mais homogêneas e mais industrializadas, produzindo uma
gama diversificada de produtos principalmente para o mercado
interno, desfrutavam de todo seu avanço e difusão tecnológica.

Assim, subentende-se que por “estruturas mais homogêneas e mais


industrializadas” que capacitam maior difusão do progresso técnico, a menor
desigualdade inter-regional dos mercados dos países desenvolvidos seria um fator
fundamental que estaria ausente nos países latino americanos.
No caso brasileiro, durante o período da economia primário-exportadora
verificou-se que a inexistência de um mercado nacional teve como rebatimento espacial
a formação de “ilhas regionais” relativamente isoladas entre si, mas diretamente
articuladas com o mercado externo, principalmente a Europa. No entanto, a partir do
início do século XX o estado de coisas modificou-se com o desenvolvimento do
complexo cafeeiro paulista, que criou uma demanda interna de produtos que captou
parte das exportações das outras áreas do país que antes se destinavam ao mercado
externo (FURTADO, 2007).
Com efeito, a rudimentar articulação inter-regional, fomentada pela expansão do
mercado interno, aumentou também a concentração regional da renda em torno de São
Paulo vis-à-vis às outras regiões brasileiras. O resultado desse fenômeno era que o
tensionamento inter-regional se tornaria uma das questões políticas mais importantes de
meados do século XX. Segundo Furtado (2007, p. 330-331)

Essa disparidade de níveis de vida, que se acentua atualmente entre os


principais grupos de população do país, poderá dar origem a sérias
tensões regionais. Assim como na primeira metade do século XX
51

cresceu a consciência de interdependência econômica – à medida que


se articulavam as distintas regiões em torno do centro cafeeiro-
industrial em rápida expansão –, na segunda poderá aguçar-se o temor
de que o crescimento intenso de uma região é necessariamente a
contrapartida da estagnação de outras.

O temor de Celso Furtado refletia o que se descortinava no Nordeste, que


aglutinava uma série de tensões políticas. Tais tensões advinham, por um lado, do
enfraquecimento relativo das principais oligarquias ruralistas que, somado pela
fragilidade da burguesia industrial da região, abriu espaço para a ascensão de
movimentos contestatórios, que se manifestaram nas ligas camponesas, principalmente.
A situação se tornava ainda mais gravosa pelo problema das secas periódicas,
que geravam levas de flagelados que emigravam em direção às grandes cidades do
próprio Nordeste, assim como do Centro Sul.
Para Celso Furtado (2007), a articulação inter-regional ocorrida até meados do
século XX acirrou a concentração da renda em favor da região que possuía maior
produtividade, agravando os problemas seculares do Nordeste. O encaminhamento
dessa problemática deveria ser dado pelo Estado, que precisaria articular uma nova
forma de integração da economia regional, que revertesse o que se verificava até então.

A solução desse problema constituirá, muito provavelmente, uma das


preocupações centrais da política econômica no correr dos próximos
anos. Essa solução exigirá uma nova forma de integração da economia
nacional, distinta da simples articulação que se processou na primeira
metade do século. A articulação significou, simplesmente, desviar
para os mercados da região cafeeira-industrial produtos que antes se
colocavam no exterior. Um processo de integração teria de orientar-se
no sentido do aproveitamento mais racional de recursos e fatores no
conjunto da economia nacional. À medida que se chegar a captar a
essência desse problema, se irão eliminando certas suspeitas como
essa de que o rápido desenvolvimento de uma região tem como
contrapartida necessária o entorpecimento do desenvolvimento de
outras. (FURTADO, 2007, p.332-333)

Ainda que seja mais um esboço do que um encaminhamento político para a


questão Nordeste, o texto de Celso Furtado representa o paradigma intelectual da
época14, em que o reformismo, diante do recrudescimento das tensões geopolíticas da
Guerra Fria, invocava o Estado como fiel da balança para os conflitos que se
deflagravam nas sociedades capitalistas.

14
O livro Formação econômica do Brasil foi publicado em 1959.
52

No caso, as tensões políticas criadas pelas desigualdades regionais tornaram-se


“questão regional” a partir do momento em que se constituiu um problema a ser
resolvido pelo Estado, como fica claro na citação de Furtado, para quem a racionalidade
da política econômica voltada para a redução das disparidades regionais no país era
fundamental para evitar a deflagração de conflitos, a partir da noção de que o
desenvolvimento gera necessariamente a desigualdade.
Outros autores importantes na época também partilhavam o ponto de vista,
alçando ao Estado a mediação reguladora do caos gerado pelas forças de mercado.
O trabalho de Myrdal (1957) notabilizou-se por introduzir a noção de causação
circular e cumulativa como princípio gerador do subdesenvolvimento. Em essência, o
fenômeno seria um círculo vicioso de dupla causalidade, ou seja, as causas das
iniquidades sociais aprofundam e reforçam as próprias condições que reproduzem a
desigualdade.
Em outras palavras, os países e regiões subdesenvolvidos seriam pobres
justamente por serem pobres. A ideia contrapõe-se à noção de equilíbrio estável que
dominava a teoria econômica, supondo que o estado de coisas era determinado pelo
equilíbrio das diferentes forças em disputa no jogo social. Qualquer desestabilização do
estágio de equilíbrio seria contraposto por uma reação de igual força, trazendo um novo
equilíbrio. Myrdal, ao contrário, afirmava que se permitidas a agir livremente, as forças
de mercado seriam o principal veículo para o círculo vicioso do subdesenvolvimento, já
que a alocação de recursos tenderia a se concentrar nas áreas onde já ocorressem altas
taxas de crescimento econômico.
Outra grande contribuição de Myrdal para a teoria do desenvolvimento era o seu
foco nas forças políticas e sociais na dinâmica do desenvolvimento nacional e regional.
Myrdal (1957) defende que o círculo vicioso do subdesenvolvimento só poderia ser
rompido através da implementação de políticas econômicas e sociais orientadas para a
integração nacional.
De certa maneira, Myrdal (1957) chega a opor o mercado e o Estado ao apontar
que os países desenvolvidos superaram as iniquidades sociais devido à consolidação do
Estado de Bem-Estar Social, enquanto nos países pobres ainda predominava o livre
trânsito do mercado. Assim, se os mercados geravam instabilidades, a regulação do
Estado, quando seguindo os preceitos da racionalidade e do bom senso, criava a
estabilidade e o progresso social.
53

Ao fim, a receita de Myrdal (1957) era a construção de instituições políticas que,


sob a égide de um nacionalismo moderado e na busca de consensos sociais, chegasse
assim ao bem-estar orientado pelos princípios da democracia ocidental.
Essas ideias, é importante ressaltar, não foram lançadas das margens do
pensamento econômico e político da época15. Com a difusão da prática do planejamento
estatal como condutor das economias capitalistas, essas propostas exerceram decisiva
influência enquanto orientação ideológica das tecnoestruturas dos Estados.
Com efeito, o planejamento passou a demandar das ciências sociais maior
aplicabilidade de seus conhecimentos, que a partir daquele momento seriam a base para
as políticas públicas. Por isso, esse período foi também o de maior desenvolvimento da
Economia Espacial (nos EUA, a Ciência Regional) e da chamada geografia quantitativa,
em grande parte inspirada nas formulações da primeira.
Apesar de em geral alicerçadas sobre referenciais neoclássicos, tais teorias foram
muito úteis para os técnicos dos órgãos de planejamento, como as teorias da localização
industrial e a teoria das localidades centrais de Christaller. No campo do
desenvolvimento regional, nenhuma teoria foi mais influente na época do que a teoria
dos polos de crescimento de François Perroux.
O conceito de polo de crescimento surge em um ensaio escrito em 1955, em que
Perroux (1978), apesar de reconhecer sua importância enquanto instrumentos de
raciocínio abstrato, questiona os modelos de equilíbrio estático de Gustav Cassel e de
circuito estacionário de Schumpeter, que a seu ver não se confirmam nos casos
concretos de crescimento econômico. Ao contrário, Perroux (1978, p. 100) afirma que

O fato rudimentar, mas consistente, é este: o crescimento não surge


em toda parte ao mesmo tempo; manifesta-se com intensidades
variáveis, em pontos ou polos de crescimento; propaga-se segundo
vias diferentes e com efeitos finais variáveis, no conjunto da
economia.

A noção de polo de crescimento tentava dar conta de duas classes de fenômenos:


a tendência à oligopolização, que formaria indústrias motrizes que alavancariam os
demais ramos da economia; e a concentração geográfica dos complexos industriais
formados pelas indústrias motrizes.

15
Myrdal ganhou em 1973 o Nobel de Economia, ironicamente dividindo o prêmio com Hayek, que
como é sabido era um dos principais críticos do tipo de política econômica defendido pelo primeiro.
54

A conjugação desses dois fenômenos formaria os complexos industriais


geograficamente concentrados e que contariam de enorme influência sobre o produto
global. Os complexos industriais seriam resultado das interdependências criadas pelo
conjunto das empresas, de modo que o desempenho individual de cada empresa tornar-
se-ia cada vez mais conectado ao desempenho global.
Ao mesmo tempo, o complexo não seria formado por empresas iguais, pois
algumas seriam maiores e mais importantes do que outras, sendo, assim, as indutoras do
crescimento do complexo. Essa constatação, conquanto óbvia ao nível empírico, não era
considerada, por exemplo, no modelo schumpeteriano, com quem Perroux dialoga, que
formulava a dinâmica do crescimento industrial e da mudança tecnológica como fruto
de decisões individuais dos empresários.
Os complexos industriais seriam, ainda, associados à formação de aglomerações
urbanas de grande porte, criadoras de economias externas, mercados de trabalho
qualificado e arranjos institucionais desenvolvidos, que reforçariam a posição dos polos
de crescimento nas economias nacionais. Essas se tornariam mais dependentes de seus
polos, que interfeririam no ritmo de desenvolvimento nacional, fosse em sua ascensão,
fosse em seu declínio.
Isso, porque os polos de crescimento (ou de estagnação, em seu declínio)
possuiriam grande capacidade de irradiação pelo território através da expansão dos
sistemas de transportes. Quanto mais integrado espacialmente um país, maior a
capacidade de irradiação do dinamismo econômico dos polos de crescimento para as
áreas menos desenvolvidas.
No Brasil, a teoria dos polos de desenvolvimento teve considerável influência ao
longo dos anos 1960 e 1970, tornando-se referência básica tanto como nexo explicativo
da formação territorial brasileira, quanto como fundamento para a planificação espacial.
Andrade (1971), por exemplo, submeteu toda a história da formação econômica
do Brasil desde o período colonial à identificação de seus polos de crescimento, que
sempre estariam ligados à atividade econômica predominante: na zona açucareira do
Nordeste, Olinda se configuraria num polo de crescimento; com o advento do ouro, a
cidade do Rio de Janeiro assumiria essa função; com o café e a industrialização, São
Paulo passaria a ser o novo polo de crescimento da economia nacional.
Andrade não foi o único. Ele mesmo demonstra que vários outros estudiosos da
época passaram a adotar o referencial da polarização como teoria de base, adaptando os
conhecimentos anteriormente produzidos no âmbito da Geografia Regional à nova
55

terminologia importada de Perroux e seus discípulos (Como Jacques Boudeville e


Michel Rochefort, que estiveram em diversas oportunidades no Brasil).
No campo do planejamento espacial, a teoria dos polos de crescimento se tornou
o referencial para as políticas de desenvolvimento econômico descentralizado.
Conforme aponta Andrade (1971), haveria uma distinção a ser feita entre os polos de
crescimento, que seriam um fenômeno espontâneo do desenvolvimento desigual, em
que os polos não geram mudanças estruturais nas suas regiões; e os polos de
desenvolvimento, esses, sim, capazes de irradiar o desenvolvimento para suas
imediações, segundo apontara Perroux em seu ensaio seminal.
Apesar de reconhecer a possibilidade de polos de crescimento espontâneos
eventualmente serem capazes de se tornarem polos de desenvolvimento, Andrade
(1971) afirma que, em geral, essa possibilidade só é factível através do planejamento
dos órgãos do Estado.
Destarte, a maioria das entidades públicas e privadas brasileiras vinham
receitando modelos de planejamento a partir dos polos de crescimento desde meados da
década de 1960. Mesmo a SUDENE abandonou suas interpretações de base cepalina,
que inclusive justificaram sua criação, para, após o golpe de 1964, adotar a nova visão
dos polos como guia para a elaboração de projetos de implantação de grandes inversões
industriais que se transformariam em novos polos regionais.
Tratava-se de uma mudança de foco bastante considerável às ideias originais de
Furtado e sua equipe nas origens da autarquia em 1959, que concebiam outras formas de
intervenção na região, incluindo uma possível reforma agrária.
O ápice da utilização da teoria dos polos de crescimento no planejamento
espacial brasileiro foi com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que
possuía uma marcada preocupação geopolítica, como por exemplo, a busca de um
equilíbrio federativo face à concentração econômica em São Paulo.
O plano objetivava descentralizar os investimentos previstos para as regiões
Norte (POLOAMAZÔNIA), Nordeste (POLONORDESTE) e Centro-Oeste
(POLOCENTRO). No Sudeste, o II PND visava a reequilibrar o coração econômico do
país através do fortalecimento do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte como segundo e
terceiro polos de desenvolvimentos brasileiros respectivamente, contrabalançando São
Paulo. Inclusive, como será visto alhures, essa foi uma das principais justificativas da
fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro em 1974.
56

Os resultados dessas aplicações da teoria foram alvos de muitas críticas. Em


primeiro lugar, os polos de crescimento não geraram a sonhada desconcentração
econômica. O auge dessa teoria coincidiu com o fim do período áureo do Estado de
Bem-Estar Social nos países de capitalismo avançado e, por tabela, com um novo
avanço das concepções neoliberais sobre a ação do Estado na economia.
Assim, com o advento da globalização, os ideais de reequilíbrio espacial da
economia perderam espaço para as concepções baseadas na competitividade localista
como passo obrigatório do desenvolvimento. A questão regional foi deixando de ser
uma questão na agenda do Estado, sendo substituída por novos jargões como
“flexibilização”, “desenvolvimento local”, “inovação” etc, todos fundamentais para uma
inserção competitiva nos fluxos globais. Houve também uma retomada do discurso
ricardiano das vantagens comparativas, porém retrabalhado segundo os novos
contextos. A tutela do Estado passou a ser responsabilizada como uma das causas para a
falta de autonomia das regiões (AMIN, 1999).
No caso brasileiro, o planejamento urbano e regional orientado pela teoria
perrouxiana teve contornos específicos devido ao fato de coincidir com a ditadura, que
inclusive abraçou a teoria como base de sua geopolítica interna. Isto realçou o caráter
autoritário que estava implícito na teoria dos polos de crescimento. Em 1975, Milton
Santos já criticava as teorias em voga pela desconsideração do “espaço banal”, o espaço
de todos, em favor do que ele denominava de “circuito superior da economia”, ou seja,
os interesses dos grandes empreendimentos empresariais.
A teoria dos polos de crescimento era uma das principais indutoras desse
“esquecimento”, que tentava fazer imposições a lógicas socioespaciais muito distintas,
nos países subdesenvolvidos, do que era suposto pela prancheta dos planejadores. No
Brasil, isso ficou explícito com os grandes projetos de investimentos que faziam parte
da programação dos polos de desenvolvimento do II PND, cujas intervenções
gigantescas desestruturaram as economias de subsistência que se formaram na
Amazônia e em outras áreas periféricas do país. Isso, em nome de interesses que eram
externos a esses locais, de modo que os conflitos gerados se fazem sentir, ou até mesmo
recrudesceram nos dias de hoje.
Tais contradições apontam para outra insuficiência das abordagens reformistas
em geral, que é a visão “romântica” do papel do Estado na resolução das contradições
territoriais geradas pelas forças do mercado.
57

O Estado é tido como uma instituição neutra, e não como um campo de forças
complexo e multifacetado, que não somente tenta organizar o caos do desenvolvimento
desigual, mas também opera no sentido de seu recrudescimento, como apontado por
Brenner (2004). Com efeito, a contraditória ação intervenção do Estado no território cria
tensões de natureza regionalizada que acabam por colocá-las na agenda política e, por
fim, na agenda do Estado.

2.4- A problemática regional como questão de Estado

Procurou-se demonstrar nas linhas acima dois aspectos da questão regional: a


que se pode dizer ontológica, que é a natureza da espacialidade capitalista, no caso, a
dialética fundamental entre a homogeneização e a fragmentação dos espaços pela lógica
da acumulação do capital; e a perspectiva histórico-concreta, que é a manifestação da
dialética homogeneização/fragmentação através do fenômeno do desenvolvimento
espacialmente desigual e combinado.
Tudo isso ocorre enquanto fenômeno, suas causas e suas manifestações, mas
para o desenvolvimento espacialmente desigual se configurar em uma questão regional,
é fundamental que os conflitos gerados pelas desigualdades espaciais se tornem parte da
agenda política do Estado.
Ou seja, enquanto não se torna uma questão para o Estado, não se pode falar de
uma questão regional. Nesse sentido, é possível que o fenômeno do desenvolvimento
espacialmente desigual ocorra em suas várias escalas, sem que concentre contradições
que imponham problemáticas políticas importantes no campo conflitual que cerca o
Estado. Isso não significa que o fenômeno não exista, mas que não se constituiu numa
problemática que tenha força suficiente para entrar na agenda política.
É notório, por exemplo, que apesar de o desenvolvimento desigual capitalista se
dar há séculos, a sua problematização na agenda política só tenha ganhado maior
significação em princípios do século XX. Os vários eventos que ocorreram nesse
período como as disputas imperialistas causadoras das duas grandes guerras mundiais e
os processos revolucionários de inspiração marxista na periferia do sistema
internacional de países, fizeram do desenvolvimento desigual um tema digno de
reflexão teórica, num primeiro momento, e de políticas governamentais, posteriormente.
O que antes era insignificante, passou a ter vulto como desafio a ser enfrentado pelos
governos e sua intelligentsia.
58

Para que o fenômeno histórico-concreto do desenvolvimento espacialmente


desigual se torne uma questão política no âmbito dos Estados é necessário, em um
primeiro momento, que haja uma integração dos territórios a uma mesma lógica
econômica, de modo que o centro e a periferia sejam as duas faces de uma mesma
moeda.
Como foi analisado anteriormente, no capitalismo isso se dá com a integração
das mais diversas formações socioespaciais em um mesmo mercado articulado e regido
segundo as caóticas regras da competição intercapitalista. Diferentes “mundos”, com
suas especificidades culturais, sociais e econômicas, são nivelados segundo os
equivalentes gerais do mercado, de modo a dialeticamente criar tensões entre as
tendências homogeneizadoras e a eterna busca pela diferenciação geográfica como uma
das formas de garantir novos nichos de valorização dos investimentos capitalísticos.
Esse processo evidentemente cria conflitos de toda espécie, que ao chegar a certo ponto
limite, transformam-se em problemáticas com potencial de embarreirar a reprodução do
ciclo de acumulação.
Quando abstratamente se fala do Estado como mediador da dicotomia entre a
homogeneização e a fragmentação do espaço capitalista, na esfera concreta isso se dá
em razão dos conflitos que se tencionam no âmbito do Estado e que, de uma maneira ou
de outra, buscará fórmulas para sua resolução.
Assim, as tensões políticas engendradas pela corrida imperialista de fins do
século XIX desembocaram em conflitos interestatais cuja resolução foi a Primeira
Grande Guerra e os consequentes 20 anos de desarticulação do sistema internacional.
Como é sabido, a experiência foi tão traumatizante que o fim da Segunda Guerra
Mundial se deu em conjunto com os esforços de criar instituições que garantissem
soluções negociadas às contradições engendradas pelo capitalismo e sua geopolítica.
O tratamento desse tema deve considerar as diferentes escalas de sua
manifestação. Se nas relações internacionais o desenvolvimento desigual é gerador de
questões geopolíticas, no âmbito nacional, as disparidades do desenvolvimento
econômico criam a questão regional (e nas cidades, a questão urbana).
O processo causador da questão regional é aquele que engendra a integração
territorial como passo para a formação do mercado interno, articulando diferentes
coerências regionais a um equivalente geral nacionalizado. A integração sempre é
desigual, já que o nível de modernização capitalista entre as “regiões” é distinto,
59

articulando-as numa divisão inter-regional do trabalho cujas bases são as possibilidades


que cada região tem de valorizar diferencialmente os investimentos capitalísticos.
A integração entre os desiguais tem como corolário o aprofundamento das
disparidades, já que a economia nacional passa a ser conduzida pelos interesses das
áreas de maior dinamismo econômico, reduzindo as demais regiões a funções
acessórias,segundo a lógica da acumulação no centro mais desenvolvido.
Cada vez mais, as áreas periféricas ficam submetidas ao centro econômico
nacional, criando implicações políticas na medida em que as classes privilegiadas da
periferia buscam garantir seus privilégios, ora articulando-se de modo subordinado ao
centro econômico, ora criando grupos de pressão política que se utilizam do discurso
regionalista como trunfo discursivo para a defesa de seus interesses.
Essa linha de interpretação da integração da economia nacional tem, assim,
concordância com o que defende Brandão (2007), para quem a questão regional só
surge como consequência política da integração econômica nacional.

(...) constata-se que a dinâmica da acumulação de capital geralmente


logra, na longa duração, integrar a economia nacional, formando um
único espaço nacional de valorização, embora esse processo tenha
pouco a ver com a diminuição das especificidades intra e inter-
regionais. Muito pelo contrário, a integração põe em toda sua inteireza
a questão do fosso do nível de desenvolvimento das forças produtivas
entre as regiões, impondo a conscientização da natureza desigual do
processo de desenvolvimento capitalista e explicitando uma “questão
regional”, que ganha foros de problemática concreta a ser enfrentada
no e pelo Estado. Isso só acontece quando se consolida uma economia
nacional integrada, diversificada e complexa (que tenha estabelecido
uma divisão inter-regional do trabalho). Assim, a constituição, de
modo irrecorrível, de um “mercado interno” não nega, antes reafirma
e explicita, os descompassos, assimetrias e disritmias da dinâmica de
transformação nos diferentes espaços regionais, expondo, de forma
eloquente, as heterogeneidades estruturais inter-regionais, as forças
desintegradoras e criando uma densidade social para a reivindicação
de políticas compensatórias. (BRANDÃO, 2007, p. 79)

Conforme afirma Brenner (2004), inspirado nas elaborações de Bob Jessop, o


Estado é a conjunção entre diferentes arranjos institucionais que operam mais ou menos
em consonância com uma agenda. Nesse sentido, ao se concordar com a hipótese de
Poulantzas (2000) de que o Estado é a condensação relacional dos conflitos que se dão
no seio da sociedade capitalista, é possível se inferir que os conflitos e contradições que
permitem a ascensão da questão regional como questão de Estado vão ter como um de
60

seus resultados a constituição de arranjos institucionais específicos que tratem de


organizar os termos do enfrentamento da questão.
Assim, no âmbito do Estado vai se tornando cada vez mais importante a criação
de capacidade técnica para o melhor conhecimento do território e a criação de subsídios
para a intervenção estatal. Com isso, a questão regional passa a ter uma certa
institucionalidade que lhe é específica, cuja força e cuja importância refletirão o poder
de mobilização que a questão possui no campo conflitual do Estado.

2.5- A institucionalidade da questão regional

O papel das instituições no desenvolvimento urbano e regional tornou-se um


tema importante de pesquisa desde dos anos 1990, principalmente nos países de língua
inglesa, chegando ao patamar de uma nova moda acadêmica, a “virada institucional”,
como a rotularam Randles e Dicken (2001).
A distinção dada pelo Banco Central sueco, também conhecido como Nobel de
Economia, a Ronald Coase em 1991 e Douglas North em 1993, certamente foram
importantes estímulos para a virada institucional, já que a partir desse período observou-
se maior interesse pelo tema.
Já havia, no entanto, um ambiente propício para as novas ideias, já que desde
meados dos anos 1980 havia um interesse renovado pelo estudo das economias
regionais (STORPER, 1997).
A emergência de concentrações industriais altamente inovadoras, flexíveis e não
raro formadas majoritariamente por pequenas e médias empresas, justificava esse
interesse, principalmente como contraposição à decadência que se verificava nos
tradicionais complexos industriais fordistas. Surgiram então grupos de pesquisa que
ascenderam à fama pelo pioneirismo na análise desses novos territórios produtivos: os
economistas italianos que tornaram conhecida a chamada Terceira Itália; os economistas
e geógrafos que se debruçaram em compreender os tecnopolos; os geógrafos
californianos que empreenderam pesquisas para compreender a nova divisão espacial do
trabalho nos Estados Unidos.
Duas perguntas inquietavam os pesquisadores naquele momento. A primeira era:
como em tempos de reestruturação produtiva e globalização, conjuntos de pequenas e
médias empresas conseguiam, a despeito da inexistência da hierarquia corporativa a lhes
coordenar, manter altamente competitivas diante das incertezas econômicas daqueles
61

anos? A outra pergunta era: por que, diante das novas possibilidades de comunicações
que estavam surgindo, era possível se observar a ancoragem dessas empresas a certos
contextos territoriais?
Para a primeira pergunta, o trabalho de Ronald Coase (1937) sobre os custos de
transação foi um marco importante, pois enfrentava o dilema sobre quais condições os
capitalistas optavam por internalizar as cadeias produtivas nas firmas ou, por outro lado,
optavam por recorrer aos mercados para adquirir os insumos necessários no processo de
produção.
A teoria dos custos de transação foi fundamental para algumas das investigações
em desenvolvimento regional nos anos 1980, que tentavam compreender o porquê do
processo de terceirização nos novos espaços industriais (SCOTT, 1988).
Ainda assim, restava a questão sobre o que de fato fazia reduzir os custos de
transação nas cadeias produtivas formadas por várias empresas diferentes, questão para
a qual o trabalho de Douglas North (1990) tornou-se uma referência. Ele defende que a
eficiência econômica, determinada pelos custos de transação, dependia dos arranjos
institucionais que regulavam as trocas no mercado. Tais arranjos, segundo North
(1990), eram formados tanto por regras formais, quanto por acordos tácitos ligados à
cultura e as formas de sociabilidade.
As formulações de North (1990) contribuíram para que as pesquisas
empreendidas ao longo dos anos de 1990 lançassem luzes para a constituição de
arranjos e ambientes institucionais16 no crescimento dos novos espaços industriais.
Autores como Stoper (1997) e Amin (1999) procuraram demonstrar que o segredo das
economias regionais mais competitivas era o conjunto de convenções sociais
fortalecidas pela proximidade geográfica, pois elas permitiam, através de relações
interpessoais, a formação de um ambiente onde o fluxo de conhecimentos e informações
seria difuso.
Isso, segundo esses autores, favoreceria, por exemplo, o estabelecimento de
contratos e o processo de inovação. Tais conclusões foram também muito influenciadas
pelos economistas italianos que reciclaram as descrições marshalianas dos distritos
industriais e de sua “atmosfera industrial”.

16
A distinção entre arranjos e ambientes institucionais foi uma formulação de Ron Martin (2000) para
diferenciar os aspectos organizacionais (empresas, Estado, famílias, etc) dos aspectos normativos (regras,
convenções sociais e culturais) das instituições.
62

Apesar dos exageros e do alto conteúdo ideológico alinhado com o chamado


“pensamento único” da globalização (SANTOS, 2000), subjacente a muitos dos adeptos
da virada institucional, não se pode desprezar as contribuições que a investigação a
partir das instituições pode dar à problemática do desenvolvimento.
Neste caso, não considerá-las panaceias para a resolução dos problemas, mas
manifestações fundamentais da vida social, que contraditoriamente reproduzem
institucionalmente o movimento das relações sociais e, ao mesmo tempo, produzem
novos fenômenos a partir de sua existência enquanto instituições, como os antigos
institucionalistas17 já tinham observado.
A ênfase ensaiada por Searle (2005) vai nessa direção. Os fatos institucionais
representariam o fator distintivo da ação coletiva humana, de modo que a
institucionalização seria o aspecto mais avançado da sociabilidade.
Para ele, existem dois tipos diferentes de fenômenos: aqueles que existem
independentes da consciência humana, como os fenômenos físicos naturais (a tectônica
de placas e o universo subatômico, por exemplo), e aqueles que são construções
humanas, ainda que estas possam valer-se de atributos físicos independentes do homem,
como o caso de utilização da forma metálica como lastro de referência para o valor do
dinheiro.
O que distinguiria os fatos institucionais não seriam, no entanto, as funções úteis
das propriedades físicas dos objetos para a vida social, mas as imputações dadas aos
objetos pela coletividade. Para explicar essa assertiva, Searle (2005) cita o caso das
fronteiras, que podem apresentar limites físicos como referência (montanhas, rios,
abismos ou muralhas), mas que são principalmente institucionais no sentido da
aceitação social de que tal limite não pode ser ultrapassado, mesmo quando as barreiras
físicas são superadas.
A área de estudo desta tese é exemplar. Como se verá, do ponto de vista das
relações econômicas, demográficas e dos fluxos, a cidade do Rio de Janeiro e o entorno
fluminense são marcadamente complementares, numa relação de desenvolvimento
desigual e combinado, mas, do ponto de vista institucional, se construiu uma fronteira
que originou processos identitários, políticos e econômicos distintos e que erigiram a
dualidade fundamental que é a principal contradição do ERJ: a capital cosmopolita e a

17
O antigo institucionalismo – ou institucionalismo originário – foi formado por economistas
estadunidenses do início do século XX que, a partir do conceito de instituições, estudavam os fenômenos
econômicos como parte das relações sociais. O precursor do institucionalismo foi Torstein Veblen,
seguido por John Rogers Commons, Wesley Mitchell e Clarence Ayres.
63

província regionalista. Assim, a distinção entre o carioca e o fluminense foi um


fenômeno fundamentalmente institucional, gerando rebatimentos na esfera que se pode
chamar de concreta (na economia, na urbanização, na política).
Outro aspecto para o qual Searle (2005) chama atenção é que a
institucionalização da vida social engendra relações de poder devido ao que ele chama
de “status institucional” socialmente aceito. O poder do chefe de Estado, por exemplo,
se origina diretamente da ossatura institucional que constitui o próprio Estado, que
define tanto as possibilidades quanto os limites do uso de poder pelo dirigente máximo.
O poder de um presidente ou primeiro-ministro num Estado de base
democrático-pluralista é distinto de um líder de um regime ditatorial ou fascista. Mas o
que é fundamental é que esse poder é definido pela institucionalidade em que o
indivíduo ou órgão se insere: um ex-presidente não pode declarar guerra, ainda que
possa ter influência decisiva sobre o tema.
Essa assertiva, no entanto, não significa que as instituições são a fonte da
emergência das relações de poder, mas que, dialeticamente, elas se originam no seio das
relações de poder pré-existentes (que também são institucionalizadas) e, ao serem
criadas, perpetuam o estado de coisas ou criam novos, caso a conjuntura seja propícia
para isso. Essa tese já havia sido desenvolvida por Veblen (1965) quando ele discute na
obra em questão sobre o caráter evolutivo e ao mesmo tempo inercial das instituições.
Note-se que esses insights dos institucionalistas dialogam com o longo e
profícuo debate que anima a questão básica da teoria sociológica apresentada por
diferentes nuances dicotômicas: agência/estrutura; objetivismo/subjetivismo;
indivíduo/sociedade.
Os principais teóricos sociais da segunda metade do século XX vêm adotando
mais ou menos o mesmo caminho para o enfrentamento dessa questão, que é o caráter
relacional e dialético a que a ação social e as estruturas sociais se desenvolvem
(incrementalmente e disruptivamente) no tempo-espaço. Por exemplo, essa é a ideia de
fundo dos conceitos de habitus e campo em Pierre Bourdieu (2010) e da teoria da
estruturação de Anthony Giddens (2009), dentre outros: existem estruturas gerais,
condicionamentos sociais e instituições que orientam, limitam e ampliam a ação social
dos indivíduos, que na durée de sua vivência também transformam esses
condicionamentos gerais18.

18
Os geógrafos críticos da década de 1970, marxistas ou não, também adotaram um tipo de raciocínio
semelhante a respeito da relação entre o espaço e a sociedade. A formulação de Milton Santos, por
64

A importância desse debate é a crítica das tendências que imputam um caráter


funcionalista ao papel das instituições, uma das influências da teorização realizada por
Durkheim sobre as instituições, que para ele seriam o conjunto de regras socialmente
sancionadas por exercerem uma função organizadora das relações sociais, através da
coerção do indivíduo.
Tal perspectiva, além de naturalizar a constituição e a existência das instituições,
limita o conceito ao objetivismo ou ao estruturalismo que desconsideram a capacidade
de ação dos homens como transformadores das condições objetivas da existência.
Assim, no bojo da crítica ao dualismo na teoria social, a análise institucional teria que
ser reformulada a partir da interação dialético-relacional entre a “estrutura” e a “ação
humana”, conforme mencionado acima.
Nesse sentido, a contribuição da teoria da estruturação de Giddens (2009) é
fundamental. Em seu esforço de superação do dilema fundante da teoria social, Giddens
(2009) propõe que a relação entre a ação social e seu condicionamento pelos sistemas
sociais deve ser colocada não a partir de sua contradição, mas de sua dualidade
estrutural (não dualismo).
A dualidade da estrutura significa que o conjunto de regras que condicionam os
atores sociais tanto limita quanto possibilita sua ação. Essas regras, que são as
estruturas dos sistemas sociais, servem, portanto, como recursos da ação social que é
intrinsecamente reflexiva, ou seja, é dotada de intencionalidade a partir do
conhecimento (limitado) do contexto experiencial.
Um dos aspectos dessas estruturas que formam o conjunto de regras socialmente
sancionadas é que são formadas a partir dos hábitos construídos na própria interação
entre os indivíduos, e que ao se tornarem inerciais através do tempo e do espaço tornam-
se institucionalizados.
Várias ações só se tornariam possíveis quando reproduzidas certas condições
para sua realização, caracterizando, assim, que a estruturação dos sistemas sociais faz
com que as instituições tornem-se meios fundamentais para o estabelecimento de certas
relações, assim como essas relações continuam a reproduzir suas institucionalidades.
Toda essa discussão levada adiante por Giddens (2009) é inserida na sinuosidade
ontológica da institucionalização da vida social. No cotidiano, no entanto, as pessoas se

exemplo, possui analogias com as dicotomias da sociologia (os finais rimam: ias/ias/ia... se puder trocar
analogias por semelhanças, já melhora um pouco): o espaço seria ao mesmo tempo o resultado e a causa
das relações sociais, tendo um papel, portanto, estrutural. Neste sentido, o espaço era, ao mesmo tempo,
um produto das relações sociais e a matriz que condicionava as possibilidades de ação (ver Santos, 1978).
65

deparam com instituições concretas, que no senso comum, não raro, são reificadas como
entidades autoexistentes, com vontades e poderes, como é o caso do aparato do Estado.
Mesmo na pesquisa científica, a linguagem adotada costuma reproduzir uma
noção de “pessoa” aos arranjos institucionais representados pelas empresas, pelo
Estado, pela família, dentre outros. A personificação das empresas como “pessoa
jurídica” é um exemplo de uma institucionalidade que tenta naturalizar a instituição
empresa como um ator unitário, consciente, despersonificando, por outro lado, as
pessoas que exercem os poderes institucionalmente garantidos, que passam a fazer tão
somente aquilo que as normas institucionalizadas obrigam19.
De fato, tais arranjos institucionais “agem” na esfera concreta, mas não são entes
volitivos pois, imersos no processo de estruturação dos sistemas sociais que criam os
arranjos institucionais, respondem aos campos de lutas que se formam em torno das
instituições e que são os responsáveis pela sua perpetuação e também pela sua extinção.
O cerne do debate sobre o Estado na ciência política, por exemplo, é fundamentalmente
sobre qual seria sua natureza institucional.
No campo pluralista, a questão gira em torno da “neutralidade” e da mediação
do Estado junto aos diferentes interesses representados eleitoralmente nas democracias
ocidentais. Entre os marxistas, a relação entre o poder de classe, a economia e o Estado
levou à criação de diferentes concepções: o Estado como instrumento de coerção
institucionalizado da burguesia (Lênin); como um conjunto de instituições
majoritariamente controlado pela classe dominante, mas com algumas inserções da
classe trabalhadora (Miliband); como a mais poderosa instituição que reproduz a
hegemonia ideológica burguesa (Gramsci); como a condensação da relação de classes,
que materializa primordialmente os interesses da burguesia, mas não como instrumento
devido ao conflito com os trabalhadores no bojo do próprio aparato estatal
(Poulantzas)20.

19
Caso típico dos executivos de grandes corporações transnacionais, que apesar de não raro possuir certa
sensibilidade “ambiental” ou “social”, como dirigentes precisam agir contra suas pretensas preferências
pessoais em nome do respeito à empresa ou em decorrência das imposições da concorrência. Um
agravante desse tipo de ideologia e de despersonificação das pessoas em benefício da personificação da
instituição (empresa, Estado, Nação) é o aspecto central da crítica de Hannah Arendt sobre a
burocratização da vida social, que no caso do Nazismo levou pessoas comuns (como Eichmann),
incapazes de presenciar pessoalmente a barbárie, a participar de inúmeros crimes contra a humanidade,
por meio da impessoalidade dos atos burocráticos.
20
Para um “sobrevoo” dessas e de outras abordagens teóricas a respeito da natureza do Estado capitalista,
ver o livro de Carnoy (2011).
66

Parte das lutas que se dão na sociedade e que perpassam o aparato institucional
do Estado vai se refletir na conformação da agenda governamental, que é o quadro
orientador da implementação das políticas públicas. Segundo Capella (2005), o estudo
sobre a formação da agenda governamental é pouco sistematizado nas ciências sociais
do Brasil, apesar de sua fundamental importância.
Nos Estados Unidos, no entanto, o tema tem sido abordado a partir,
principalmente, de dois modelos teóricos: por um lado, o de John Kingdon21 , de
múltiplos fluxos (Multiple Streams Model), e, por outro, o de equilíbrio pontuado
(Punctuated Equilibrium Model), de Frank Baumgartner e Briam Jones22. Ambos eram
embasados em abundantes materiais empíricos.
A questão para esses trabalhos, segundo Capella (2005), era entender como uma
questão específica se torna importante de modo a focalizar a atenção governamental e,
por fim, passar a integrar sua agenda.
Em ambos os modelos assume-se corretamente que a existência de certos
fenômenos sociais e políticos per si não significa que sejam considerados problemas
dignos da ação direta do Estado. Assim, diante da multiplicidade de possíveis
problemas, pergunta-se como determinados fenômenos chamam a atenção dos
tomadores de decisão, sejam pessoas ou instituições, e outros não. É a essa pergunta que
os dois modelos propõem respostas diferentes, mas complementares.
Kingdon (apud Capella, 2005) considera que a formação da agenda
governamental é um processo complexo, já que existiriam vários subconjuntos de
questões diferentes que disputam a atenção dos tomadores de decisão do Estado. Sua
proposta de análise supõe que a agenda é formada com o encontro de três fluxos
diferentes, sem o qual um determinado assunto não entra na agenda.
O primeiro fluxo é a identificação de um problema, ou seja, quando se reconhece
que certos fatos ou fenômenos são colocados como objetos de intervenção do Estado. O
reconhecimento de um problema pode-se dar por diversas vias, como, por exemplo, em
resposta a problemáticas levantadas pelas estatísticas de órgãos oficiais, crises, eventos
simbólicos ou o retorno de intervenções anteriores do Estado. Esses caminhos servem
como legitimadores da construção social do problema, transformando-a, por fim, em
uma questão a ser lidada pelo Estado.

21
O principal escrito foi Agendas, Alternatives and Public Policies, cuja primeira edição foi em 1984.
22
O principal trabalho foi Agendas and Instability in American Politics, publicado em 1993.
67

O segundo fluxo seria a criação de alternativas e soluções para os problemas


identificados e sancionados socialmente, que ao mesmo tempo sejam tecnicamente
viáveis a custos toleráveis pelo Estado. Utilizando a analogia com a seleção natural,
Kingdon defende que as ideias surgem através de comunidades de geradoras de
alternativas (formadas por técnicos, pesquisadores, políticos, acadêmicos etc) que
produzem várias sugestões que pelo processo de competição seleciona as ideias mais
fortes e que são difundidas como propostas para o enfrentamento dos problemas.
Por fim, o terceiro fluxo é formado pela dimensão política, que é a luta para se
criar o ambiente favorável para a difusão das principais ideias geradas sobre os
problemas identificados. Kingdon destaca o “humor nacional” como um elemento
decisivo para a aceitação ou rejeição de certos problemas e suas respectivas soluções. Se
o ambiente político for favorável, a questão e as propostas de seu enfrentamento entram,
finalmente, na agenda governamental.
Segundo Capella (2005), o modelo de múltiplos fluxos de Kingdon rejeita as
abordagens deterministas sobre a formação da agenda, assumindo a incerteza e a
ambiguidade como parte intrínseca do processo. Assim, a existência de um problema
não significa que haja condições políticas para o seu reconhecimento ou a aceitação das
soluções existentes no mercado de ideias.
Por outro lado, o modelo de Kingdon não considera o papel dos arranjos
institucionais no processo de formação e mudança da agenda governamental, ficando
circunscrito ao papel das ideias como mecanismo central do processo.
Já o modelo do equilíbrio pontuado de Baumgartner e Jones (apud Capella,
2005) visa a analisar tanto os períodos de estabilidade quanto de momentos de rápida
mudança no processo de formulação de políticas públicas.
Os momentos de estabilidade são caracterizados por mudanças lentas, de caráter
incremental, enquanto os momentos de rápida mudança se processam por efeito cascata,
quando uma nova questão torna-se popular e se difunde rapidamente, atraindo, ainda,
outras questões secundárias.
Diferentemente do de Kingdon, esse modelo considera as estruturas
institucionais de vital importância, tanto para a manutenção da estabilidade quanto nos
processos de rápida mudança. Nesse sentido, o Estado seria formado por vários
subsistemas institucionais que criam microagendas paralelas que podem ou não ser
alçadas ao macrossistema político, onde as decisões de maior envergadura são tomadas.
68

As instituições seriam, assim, o casulo onde certas ideias são fortalecidas em


detrimento de outras, sendo disseminadas internamente entre seus membros. A
jurisdição de uma determinada questão torna-se, assim, importante, pois alguns
problemas são circunscritos ao raio de ação de uma determinada instituição, enquanto
há outros problemas cujas implicações envolvem várias jurisdições permanentes,
envolvendo, assim, o macro-sistema institucional do Estado.
Segundo Ron Martin (2000), a análise das instituições deve compreender o
aspecto relacional entre os ambientes institucionais, uma das facetas do meio social
criador das instituições, e os arranjos institucionais, que são as formas organizacionais
originadas dos ambientes institucionais (empresa, Estado, igreja, família...).
Nesses termos, a relação entre os arranjos institucionais e o processo de
formação da agenda governamental é também relacional. Tanto os arranjos
institucionais são atores basilares para a formação da agenda governamental, quanto a
agenda governamental pode ser a criadora de novos arranjos institucionais, ou
renovadora das funções que certos arranjos tinham anteriormente.
Antes de passar para a discussão sobre a institucionalidade da questão regional, é
necessário retomar as ideias centrais defendidas até aqui. Em primeiro lugar, o enfoque
institucional deve ser sempre relacional: as instituições são criadas pela relação de
forças existentes no bojo das relações sociais.
Nesses termos, elas não são criações arbitrárias, independentes do meio social
em que são formadas. São resultados da correlação de forças que estão em constante
conflito nas sociedades, mas exercem a função de estabilizar aquilo que, de outro modo,
seria efêmero, enraizando certas construções sociais de modo a preservá-las do turbilhão
dos acontecimentos.
Por outro lado, as instituições, apesar de sua tendência à inércia, não são imunes
às mudanças na correlação de forças, podendo ser extintas, preservadas ou alteradas,
segundo o espírito da época. Ou seja, elas são responsáveis pela preservação de certas
estruturas sociais, entretanto são também passíveis de sofrer mudanças, dependendo do
poder transformador dos conflitos sociais. O Estado mesmo é uma macro-instituição
formada por diversos subsistemas relativamente autônomos que mantêm suas próprias
regras e rotinas.
Ao longo do tempo, porém, as funções do Estado se alteram, de acordo com a
conjuntura política e dos resultados das correlações de força entre as diversas frações de
classe. Por isso, no campo da análise das ações do Estado, torna-se importante o
69

enfoque na formação da agenda governamental, que é resultado direto da conjuntura


política que anima a ação do Estado.
Vários são os processos em que a agenda é formada, dos quais um dos mais
importantes é sua relação com a institucionalidade existente e o processo de mudança
institucional derivada da mudança da agenda. O caso da questão regional como questão
de Estado enquadra-se, assim, nesse processo.
O problema das disparidades espaciais de desenvolvimento ascendeu de modo
claro na agenda governamental na década de 1930 nos EUA, como parte do esforço de
superação do caos econômico e social criado pelo livre mercado e que desembocou na
Grande Depressão.
O planejamento regional tornou-se o experimento mais audacioso e famoso do
New Deal, tendo por base o uso econômico da bacia hidrográfica do Rio Tenessee. Uma
série de eventos e fatos contribuíram para que o tema do desenvolvimento regional
fosse inserido na à agenda governamental e, por fim, resultasse na criação da autarquia
Tenessee Valley Authority (TVA): (1) A controvérsia criada sobre o destino da planta
industrial de nitrato de Muscle Shoals, no Estado do Alabama, após o final da Primeira
Guerra Mundial; (2) a necessidade de regularizar e controlar o fluxo do rio, que
contribuía para as desastrosas cheias no baixo Mississipi, além de abrir possibilidades
de uso econômico do rio para navegação e para a produção de eletricidade; (3) o
agravamento das condições de vida da já pobre região de entorno do rio Tenessee
durante a Grande Depressão; (4) a difusão de novas ideias no ambiente intelectual
estadunidense a respeito da conservação dos recursos naturais e do planejamento
regional como modelo de organização da sociedade23.
O momento propício para a implantação dessa experiência nos Estados Unidos
foi, portanto, a Grande Depressão, que criou a janela de oportunidade para mudanças no
modo de ação do Estado, superando os cânones do pensamento liberal, que quase
arruinou o sistema capitalista pela defesa da “mão invisível” do mercado na regulação
da sociedade.

23
Essas foram duas linhas de pensamento independentes. O conservacionismo nos Estados Unidos era um
movimento que datava de fins do século XIX, e cuja força política foi capaz de criar o primeiro parque
nacional do mundo, o de Yellowstone, em 1872. Já o planejamento regional aplicado na experiência da
TVA, teve como precursor Patrick Geddes que, dialogando com a geografia regional francesa e com os
intelectuais anarquistas, propunha o planejamento regional como meio de organização societária coletiva.
Suas ideias influenciaram a Regional Planning Association of America, que foi o berço intelectual da
experiência do New Deal (HALL, 2011). Através do TVA, que tinha como uma de suas linhas mestras o
uso racional dos recursos naturais por meio do planejamento regional, considerando a bacia hidrográfica
como recorte, as duas linhas de pensamento foram unidas.
70

O planejamento foi encarado como uma saída ao pensamento liberal por


influência, principalmente, do contraponto soviético, que iniciava naquela mesma época
o seu arranque industrial, passando incólume pela crise dos países capitalistas
(HOBSBAWN, 2002).
Segundo Tavares (1995), experiências de planejamento econômico já foram
observadas desde fins do século XIX no Japão de Meiji e na França, assim como na
Alemanha da Primeira Grande Guerra.
Além disso, o avanço do capitalismo para sua fase monopolista já começava a
impor métodos de planejamento na própria indústria, como o surgimento do taylorismo
e do fordismo demonstra.
Essas ideias eram, no entanto, apenas embrionárias, incapazes de superar a
ortodoxia liberal, até que a Quinta-Feira Negra deflagrou o efeito cascata que originou
a Grande Depressão e desmoralizou parte das certezas anteriores. Não foi ao acaso que
o intervencionismo estatal, o taylorismo e o fordismo ascenderam como novos
paradigmas a partir de 1930, sendo o taylorismo-fordismo ajudado ainda pela economia
de guerra de 1939 em diante.
Enfim, foi esse contexto que permitiu a existência de força política suficiente
para a implantação da TVA, que se tornou a pioneira do planejamento regional no
mundo, influenciando diversas outras experiências como a Comissão do Vale do São
Francisco, criada em 1948 com o objetivo de aproveitamento econômico da bacia do
Rio São Francisco.
Institucionalmente, vale notar que a importância do TVA foi notoriamente
simbólica, já que materializou ideias que eventualmente estariam nas margens da
agenda política e que, ao ganharem força, se institucionalizaram através da autarquia,
que passou a simbolizar para o mundo o tratamento da temática do planejamento
regional e do aproveitamento dos recursos hídricos.
Ou seja, a questão regional/hídrica passou a ser associada ao arranjo
institucional criado, cujos caminhos (ou descaminhos) indicava a própria evolução (ou
involução) da questão na agenda governamental e política.
Segundo Tavares (1996), o New Deal inaugurou uma busca mais sistemática de
intervenção estatal de caráter anticíclico como modo de superação dos problemas
políticos e econômicos surgidos após a Grande Depressão e no imediato pós-guerra.
Cabe lembrar que nesse momento as economias europeias estavam completamente
desestruturadas e ameaçadas pela força soviética que dividira o continente.
71

Assim, como parte do pacto construído em torno do bem-estar social, vários


países de capitalismo avançado constituíram suas políticas de desenvolvimento regional
orientadas para a redução das disparidades inter-regionais e internacionais. Na Europa,
onde esse movimento mais avançou, em praticamente todos os países se
institucionalizaram políticas de desenvolvimento regional, ainda que as motivações e os
contextos em que cada nação criou sua política tenham sido distintos (JACCOUD,
2001).
O caráter mais ou menos autônomo do processo indica o espírito da época, em
que a ideia da redução das disparidades foi amplamente aceita na agenda política devido
à conjuntura favorável. Como se demonstrou alhures, foi um período marcado pela
formação de várias escolas de pensamento que lograram protagonismo intelectual na
esfera política.
Essas ideias se proliferaram para os países subdesenvolvidos, em especial para
aqueles que, como o Brasil, encontravam-se em pleno processo de industrialização e de
urbanização acelerada, em que a integração do mercado interno vinha aprofundando as
contradições do desenvolvimento desigual. A modernização desses países obrigou a
entrada de novos temas para as agendas dos governos, ainda que sob o fogo cruzado das
disputas políticas internas.
Conforme a agenda da modernização avançava, os próprios Estados dos países
subdesenvolvidos reestruturavam sua institucionalidade de modo a garantir as condições
propícias para a adequação de suas economias à nova etapa de acumulação de capital,
que no caso era a da formação dos monopólios internos, associados com o capital
estrangeiro.
A investigação de Octávio Ianni (2009) contribui, também, nessa direção. Ele
demonstra que, a despeito das disputas entre os grupos de poder sobre os
direcionamentos da ação estatal, após a Revolução de 1930 o Brasil caminhou
firmemente em direção à modernização da economia pela via da industrialização.
No bojo desse processo estava a criação de novos arranjos institucionais que
fundamentariam as políticas econômicas capazes de superar o atraso da fase primário-
exportadora. Assim, criou-se no âmbito do Estado uma tecnoestrutura burocrática,
ligada ao Executivo, e que se caracterizaria pela centralidade ideológica da
racionalidade técnica.
Nesse ínterim vê-se o surgimento de várias novas autarquias: o IBGE, a
Superintendência da Moeda e do Crédito (antecessora do Banco Central), o Banco
72

Nacional de Desenvolvimento Econômico, a Petrobras, as universidades (USP, 1934,


Universidade do Brasil, 1937), dentre outras.
Em relação à sua dimensão espacial, isto se deu com a “descoberta” da questão
regional, em especial na sua região-problema, o Nordeste, impulsionando uma das
experiências mais ambiciosas de planejamento regional, a Superintendência para o
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que atraiu grande interesse acadêmico,
inclusive no exterior.

2.6- A questão regional e o Estado no Brasil: centralidade da escala nacional e o


pequeno interesse pelas esferas subnacionais

Segundo Wilson Cano (1977), a questão regional, entendida no contexto das


disparidades econômicas entre as regiões brasileiras, ganhou destaque na agenda
pública nacional entre fins dos anos 1950 e início dos anos 1960.
Alguns fatos teriam dado origem a esse fenômeno: o aumento e a melhoria das
informações sobre a economia nacional, que indicavam, naquele período, uma enorme
concentração da produção industrial no Estado de São Paulo; o problema das secas no
sertão nordestino, que aumentaram as migrações internas em direção ao Rio de Janeiro e
a São Paulo; e a adoção pela intelligentsia dos referenciais cepalinos do “planejamento
para o desenvolvimento”, que dispôs a ação do Estado na resolução dos desequilíbrios
regionais. A criação da SUDENE, sob os auspícios de Celso Furtado, foi uma das
consequências mais importantes para essa resolução.
A afirmação de Cano é precisa. A emergência desse interesse pela questão
regional é derivada do processo de modernização do Estado brasileiro e da formação da
tecnoestrutura profissional que passou a se erguer desde o Estado Novo de Vargas.
Iniciou-se, também, uma institucionalização mais robusta das carreiras
científicas, pelo menos no Rio de Janeiro e em São Paulo, a partir da união das antigas
faculdades isoladas de medicina, direito e engenharia para formar a Universidade do
Distrito Federal (1935 - 1939), a Universidade do Brasil (1937) e a Universidade de São
Paulo (1934), contando inclusive com a “importação” de intelectuais e cientistas da
Europa para engrenar a cultura científica no país.
Criaram-se, assim, as primeiras cátedras de ciências sociais (sociologia, história,
geografia, antropologia e economia), que foram fundamentais na formação de recursos
humanos para os arranjos institucionais que iam sendo criados no âmbito do Estado.
73

Nessa época, foram escritas as primeiras grandes obras de interpretação do


Brasil, buscando compreender a formação social brasileira enquanto totalidade e
especificidade. O debate sobre a existência de uma civilização especificamente
brasileira estava aceso, como parte do fortalecimento do nacionalismo a partir da década
de 1930.
Segundo Magnago (1995) é neste ínterim que o debate a respeito da necessidade
de conhecimento do território brasileiro foi ensejado tanto nos meios militares quanto
acadêmicos. O major João Segadas Vianna, por exemplo, em 1933 manifestava a
preocupação em rever a organização territorial brasileira, tendo em vista o risco à
integridade do território pela formação de blocos políticos de oposição ao governo por
todo país, em especial em São Paulo.
Daí que em 1936 e 1937 foram criados, respectivamente, o Conselho Nacional
de Estatística e o Conselho Nacional de Geografia, unificados em 1938 pela criação do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que passou a centralizar a produção de
dados censitários, econômicos e territoriais que fundamentaram o maior conhecimento
do país até chegar o período mencionado por Wilson Cano, quando as Contas Nacionais
foram primeiramente publicadas.
Foi realizada, também, a primeira regionalização oficial em 1942, buscando
unificar a divisão regional do Brasil, que até então vinha sendo feita a partir de
iniciativa individual dos primeiros geógrafos pesquisadores — não raro de origem
europeia24— ou segundo interesses setoriais de órgãos governamentais.
Além disso, por meio da Revista Brasileira de Geografia, vários geógrafos
realizaram inúmeros trabalhos de campo que eram reportados (ou incluídos, etc) em
relatórios de pesquisa, sendo publicados sistematicamente pelo periódico do IBGE25.
Tudo isso contribuiu para o fortalecimento da ideologia nacionalista que
emergiu na época e que certamente foi uma das bases de apoio para o processo de
integração econômica e territorial que se fortalecia naquele momento. Até então, o
território brasileiro havia se caracterizado pela existência de “ilhas regionais”
parcamente articuladas entre si, mas conectadas aos mercados externos.

24
Caso de Delgado de Carvalho, que em 1911 fez uma das primeiras regionalizações do país. Mas o
mesmo era francês, com formação acadêmica na Universidade de Lausanne e na London School of
Economics.
25
Antes havia publicações esparsas de relatos, principalmente por viajantes . Destaque deve ser dado a
Euclides da Cunha que por meio de sua obra Os Sertões foi um verdadeiro precursor do tipo de trabalho
geográfico possibilista que se desenvolveu a partir da década de 1930.
74

Com a homogeneização e a integração da economia brasileira ao longo do


século XX, o padrão territorial herdado da formação histórica brasileira seria uma das
contradições incontornáveis do processo de modernização conservadora do país.
Segundo Brandão (2007) a formação territorial brasileira apresenta duas
características essenciais construídas ao longo de sua sinuosa história. Por um lado está
a continentalidade do território, que dadas as especificidades da forma de ocupação da
colonização portuguesa (num primeiro momento protetora e, depois, exploradora),
originou descontinuidades, defasagens, contradições e hiatos temporais nos diversos
segmentos de ocupação do território.
Tal configuração engendraria contradições posteriores à construção da noção de
nacionalidade e, também, para a integração do mercado nacional, que conviveu com
formas pretéritas de organização social que garantiram o caráter conservador da
modernização. Por outro lado, estaria a enorme resistência política para a tendência da
fragmentação do território em função da estrutura territorial que se constituiu.
Não obstante, a dispersão e a fragmentação da ocupação do “continente
brasileiro” não significam que as coerências regionais que se estabeleceram a partir das
matrizes exportadoras fossem inteiramente isoladas ou se resumisse pelo auge das
mercadorias exportáveis das regiões. Esta é uma das críticas de Castro (1971) ao que ele
chama de abordagem tradicional da história econômica brasileira.
Segundo o autor, a historiografia vinha dando um tratamento ao tema que, se
assumida acriticamente, daria à história brasileira um caráter descontínuo. Para evitar tal
erro metodológico, Castro (1971) propõe que a história das formações econômicas
regionais brasileiras deve considerar não só o auge exportador, mas as reações às crises
do setor, que levavam à decadência econômica, criavam o problema do excedente
populacional e reconvertiam as economias regionais para novas atividades, seja de
subsistência, seja de novas exportações para as outras regiões do país que porventura
estivessem com seus setores exportadores em plena capacidade.
Ou seja, era comum que, como saída às crises exportadoras, essas economias “se
voltassem para dentro”, como fonte de matérias-primas (alimentos, principalmente) e
mão de obra desocupada pela crise. Esse processo ocorreu em diversos momentos, mas
consolidou-se com o ciclo do café, que finalmente fincou as condições para o
surgimento do mercado nacional.
A integração desse mercado, liderado por São Paulo a partir do início do século
XX, ocorreu absorvendo as contradições engendradas pela herança regional da
75

formação territorial brasileira. Nas palavras de Brandão (2007, p. 91) a articulação


mercantil do mercado interno desenhou “um espaço nacional de valorização do capital,
que terá como características básicas ser largo, heterogêneo e complexo”.
Ao integrar coerências com formações sociais e dinâmicas distintas, formou-se a
base para a emergência das desigualdades regionais e, por conseguinte, da questão
regional brasileira.
Para Francisco de Oliveira (1977), a origem das disparidades regionais no país
está na integração do mercado nacional. O fenômeno teria começado quando São Paulo
logrou sua arrancada industrial após a crise da acumulação mercantil, baseada na
exportação de café. A partir desse momento, a produção de valor, que com o café se
realizaria externamente, passou a se realizar com a formação do mercado interno,
permitida pela consolidação da transformação do trabalho em mercadoria, via legislação
trabalhista.
Assim, tornou-se imperativo para a continuidade da acumulação industrial que
os arquipélagos regionais fossem rompidos e inseridos numa nova divisão regional do
trabalho nacional, liderados por São Paulo e disciplinados segundo o equivalente geral
imposto pelo ritmo da acumulação do capital industrial paulista.
Uma série de decisões institucionais adotados pelo Estado durante os anos 1930
facilitariam a empreitada, como por exemplo, a queda das barreiras alfandegárias
estaduais. Francisco de Oliveira diz, ainda, que o movimento de concentração e
centralização de capital teriam “destruído” as economias regionais e, por conseguinte,
transferindo os capitais para o Centro-Sul. A essa tese, Wilson Cano faz fortes objeções.
Segundo Wilson Cano (2007), muitos equívocos se constituíram na literatura
acadêmica sobre a questão regional brasileira. Dentre eles, ele cita uma ideia muito
difundida, a de que o crescimento econômico de São Paulo teria se dado à custa do
empobrecimento do restante do país26.
De acordo com sua análise, o desenvolvimento de São Paulo se deu devido a
fatores endógenos da economia regional paulista, que durante o período cafeeiro, além
de acumular capitais que em momentos de crise eram invertidos em atividades
industriais e de serviços, chegou a constituir uma agricultura de alimentos rentável e

26
Os outros equívocos que ele destaca são: o mito de que a industrialização era a tábua de salvação para o
atraso regional; o mito (cuidadosamente elaborado) de que não se necessitaria alterar a estrutura fundiária
no Brasil em virtude de sua extensa fronteira agrícola, para onde se poderia destinar os excessos da
população rural; e o mito de que o planejamento regional seria a panaceia para a superação definitiva das
desigualdades regionais.
76

produtiva e estabeleceu relações de trabalho capitalistas, constituindo um mercado de


consumo mais robusto do que nas outras regiões do país.
Ao longo do tempo, as demais regiões, diante das barreiras erigidas nos
mercados externos, passaram cada vez mais a se vincular ao mercado de consumo
paulista para vender seus produtos, ao mesmo tempo em que São Paulo tornava-se
paulatinamente o principal fornecedor de vários artigos industriais que antes eram
importados.
Nesse passo, a integração do mercado interno brasileiro foi se consolidando a
partir da liderança de São Paulo, que engendrou as primeiras relações de produção
autenticamente capitalistas. Isso se deu tanto na fase da industrialização restringida
quanto na fase da industrialização pesada, em que se completou a instalação do setor de
bens de capital para a indústria.
A principal evidência que Wilson Cano levanta contra a tese do “imperialismo
paulista” é de que as demais regiões do país também cresceram e modificaram,
parcialmente, sua estrutura econômica, industrializando-se inclusive, só que a um ritmo
inferior ao de São Paulo.
Longe de explorar as demais regiões, na concepção de Wilson Cano, São Paulo
liderou o processo de modernização da economia brasileira, sendo o polo dinâmico da
integração do mercado interno.
Quando o tema das disparidades inter-regionais emergiu, a questão regional foi
prontamente soldada ao problema do desenvolvimento do Nordeste, que como já se
apontou, aglutinava as tensões políticas que permitiram a construção da imagem de
região-problema.
Antes da difusão da influência do pensamento cepalino, os problemas sociais e
econômicos do Nordeste eram considerados consequências do regime hídrico do
semiárido, periodicamente assolado por secas severas que forçavam parte da população
a se deslocar para outras áreas da região ou mesmo para outras regiões do país.
A força política parlamentar das oligarquias ruralistas foi decisiva nesse
diagnóstico, de modo a escamotear os problemas estruturais na distribuição de terras e
renda, e nas relações de trabalho.
A construção histórica dessa visão da problemática regional permitiu, desde fins
do século XIX, a inserção do tema das secas na agenda governamental, de modo que
seu enfrentamento passou a ser uma atribuição federal, segundo uma lógica
assistencialista (MOREIRA, 1979).
77

A partir de 1909, a consolidação do tema das secas no aparato do Estado


conduziu à criação da Inspetoria de Obras Contra a Seca (IFOCS) e, finalmente, sua
transformação no Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), em 1945.
Além disso, conseguiu-se que na Constituição de 1934 fossem destinados 4% da
receita tributária federal para o combate às secas, sendo 3% para planos sistemáticos e
1% para ações emergenciais (COHN, 1978).
O DNOCS, sendo um órgão basicamente executor de obras hidráulicas,
principalmente a construção de açudes, foi de tal forma capturado pelas oligarquias
ruralistas do Nordeste que nunca despendeu recursos em obras para qualquer outra
região com problemas de seca, apesar de ter sido criado como órgão nacional
(OLIVEIRA, 1977).
Segundo Cohn (1978) a corrupção do DNOCS pelas elites agrárias nordestinas
foi de tal amplitude que seus recursos eram em geral utilizados em propriedades dos
coronéis da região e, em tempos de seca, suas frentes de trabalho serviam como
ocupação dos flagelados, permitindo aos grandes proprietários manter a população na
região e, ao mesmo tempo, se eximir de custos com sua sobrevivência.
Por isso, quando dos debates sobre a necessidade da criação de um órgão de
planejamento regional para o Nordeste, a imagem do DNOCS era tão atrelada aos
interesses ruralistas que o órgão era considerado — e de fato era — um óbice ao
enfrentamento da questão nordestina em bases novas.
Segundo Tavares (2004) durante a década de 1950 o diagnóstico da
problemática regional do Nordeste sofreu uma inflexão em sua abordagem, em
consequência da difusão do ideário do planejamento como método de governo. Essa
mudança de mentalidade foi gradual, a começar pela Assessoria Econômica de Vargas,
passando pela criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e da Companhia
Hidrelétrica do Vale do São Francisco (CHESF) – inspirada pela experiência do TVA
— e pelo relatório de Hans Singer, da ONU.
Tais ações prepararam o terreno para o Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) ao transferir para a esfera econômica o foco da
resolução da problemática regional. Finalmente, o GTDN, elaborado por Furtado,
construiu o diagnóstico-base para a implementação da política de planejamento regional
do Nordeste, oficializado institucionalmente em 1959 com a criação da SUDENE, sob a
pesada artilharia oposicionista da maior parte dos parlamentares nordestinos.
78

O contexto que permitiu a mudança na agenda que orientou a intervenção


governamental foi, em parte, aquele mencionado por Wilson Cano, citado no primeiro
parágrafo desta seção. Os autores ligados ao CEBRAP (Amélia Cohn e Francisco de
Oliveira), por seu turno, apontam, ainda, para o contexto político dos anos 1950 como
sendo o principal indutor para a mudança de rumo da intervenção estatal.
Amélia Cohn (1978) demonstra que durante a década de 1950 havia no Nordeste
problemas de hegemonia, na medida em que as oligarquias começaram a perder o
controle sobre os destinos políticos de suas regiões.
A seca de 1958 tornou patente a ineficácia da intervenção do DNOCS e a sua
corrupção pelas oligarquias regionais, que utilizavam os recursos federais para fins
eleitoreiros. Tal fato tornou-se problemático com a ascensão das ligas camponesas, que
reivindicavam a reforma da estrutura agrária regional.
Apesar de seu caráter reformista, surgiu o receio de que por meio das ligas
camponesas se criasse o ambiente propício para a difusão de ideias revolucionárias.
Com efeito, havia disputas entre religiosos ligados a setores reformistas da Igreja
Católica e comunistas, que tentavam influenciar as lideranças das ligas para distintas
formas de atuação política.
A reação das oligarquias ao protagonismo camponês se deu por meio da
violência, o que tencionou ainda mais a região e passou a efetivamente preocupar o alto
escalão federal e o empresariado do Centro Sul, que temia que se estivesse assistindo
ao surgimento de condições pré-revolucionárias no Nordeste.
Francisco de Oliveira (1977) diz que a ascensão das Ligas Camponesas alterou a
correlação de forças no Nordeste, de modo que sua atuação política passou a se dar
independentemente da influência do coronelismo e do voto de cabresto.
Mesmo no campo ideológico a hegemonia das oligarquias vinha sendo
ameaçada por esse novo protagonismo camponês, já que foi em razão das ligas que se
criaram as condições para novas experiências educacionais no campo, como a
pedagogia do oprimido de Paulo Freire, assim como no campo religioso surgiu uma
forte corrente no seio da Igreja Católica em defesa de políticas reformistas na região —
em especial a reforma agrária, além das incursões do Partido Comunista nas ligas
camponesas.
Segundo a interpretação de Francisco de Oliveira, sem dúvida polêmica, tal
ambiente seria uma ameaça à estratégia de expansão do capitalismo monopolista
79

baseado no Centro-Sul, o que ensejaria a intervenção planejada do Estado com o fito de


conduzir e garantir a integração do Nordeste ao capitalismo nacional.
De acordo com essa interpretação, portanto, não era por acaso que Celso Furtado
por vezes fizesse menção ao contexto político como um risco à unidade nacional.
Assim, por meio de uma nova forma de intervenção estatal, orientada pelos ideais
reformistas da CEPAL, seria possível reverter a tendência ao recrudescimento do
subdesenvolvimento nordestino, adaptando sua economia à capacidade de suporte do
meio geográfico, por um lado, e por outro constituindo as condições para a criação de
um polo manufatureiro autônomo27, revertendo a causação cumulativa que dificultava o
salto à frente do Nordeste.
Para o alcance desses desideratos, os arranjos institucionais existentes não eram
suficientes, e em alguns casos eram até mesmo óbices para a implementação das novas
formas de intervenção do Estado do Nordeste. Criou-se, assim, a SUDENE, para
possibilitar o novo tratamento à questão regional nordestina. Cláudio Egler (1993)
resume assim o significado da criação da SUDENE:

(...) sua criação representa, não apenas a institucionalização da


dimensão regional do planejamento, mas também o embrião de uma
nova forma de intervenção do Estado na economia. Forma esta que foi
gestada em um período de liberdade democrática, foi submetida aos
procedimentos parlamentares para ser sancionada em lei, não sofreu
ingerência direta do capital estrangeiro, mas sim refletia conflitos
políticos domésticos – expressos na questão nordestina – e ajustes
contraditórios em torno do projeto nacional-desenvolvimentista, mas
que buscava dar a resposta, embora tímida e restrita, aos problemas de
alocação do investimento público e privado na direção da integração
produtiva e territorial do mercado nacional (EGLER, 1993, p. 95)

Desde então, a trajetória da SUDENE, apesar das inércias que sempre existem
nos ambientes institucionais, foi condicionada pela trajetória das conjunturas políticas e
da formação da agenda governamental.
Em 1964 tem-se a ruptura provocada pelo Golpe Militar e o início do longo
período de autoritarismo que consolidou o processo de modernização do Brasil pela via
conservadora das estruturas sociais.
27
A tese da criação de um polo manufatureiro autônomo, que Furtado considerou como caminho para
superação do subdesenvolvimento do Nordeste, foi alvo de muitas críticas em estudos posteriores.
Moreira (1979), por exemplo, diz que a concepção furtadiana isolava a região da dinâmica nacional e que
considerando a divisão espacial do trabalho no país, seria um erro metodológico encaminhar políticas de
desenvolvimento regional no sentido de torná-lo autônomo do Centro Sul. Ainda que devendo se matizar
o resultado posterior a 1964, Moreira demonstra que a política de industrialização baseada em incentivos
fiscais levou a uma industrialização no Nordeste complementar à do Centro Sul.
80

Assim, os movimentos que animaram a vida política brasileira de modo a


permitir a criação da SUDENE no Nordeste e, no plano nacional, se propor as Reformas
de Base, foram violentamente desbaratados. O que sobrou das instituições então criadas,
caso da SUDENE, passou a atender a uma nova agenda.
Segundo Almeida e Araújo (2004) após o golpe, os militares intervieram na
SUDENE de modo a redirecionar suas diretrizes. Retirou-se a relativa autonomia e
legitimidade da autarquia para realizar o planejamento regional, além de transferir parte
dos investimentos sob controle da SUDENE para outros setores e regiões do país. A
retirada da autonomia foi o primeiro passo para o esvaziamento da autarquia, que em
1980 sofreu com a falta de recursos e, por fim, na década de 1990, esquecida, a
SUDENE foi palco para casos de corrupção que justificaram sua extinção pelo Governo
Fernando Henrique Cardoso, em 2001.
A trajetória institucional da SUDENE seguiu a própria mudança de enfoque
sobre a questão regional, que nos anos 1970 foi orientada pela busca de expansão da
fronteira agrícola e pelos referenciais dos polos de desenvolvimento e, durante a década
de 1980 foi sendo relegada a segundo plano, sendo superada pelos novos paradigmas do
localismo, por um lado, e do velho regionalismo, por outro. Adicionalmente, as políticas
regionais passaram, nesse último período, por um inexorável processo de
desinstitucionalização (NABUCO, 2007).
Apesar da importância que todos esses eventos representaram (e ainda
representam) para a identificação e a elaboração das políticas regionais no Brasil, em
geral o debate sobre a questão regional desconsiderou as múltiplas escalas de ocorrência
do desenvolvimento espacialmente desigual, privilegiando, na maioria das vezes, a
escala nacional e macrorregional.
Segundo Egler (1993), a adoção das escalas como método de apreensão da
dinâmica espacial do capitalismo é fundamental, pois conduz a análise a diferentes
níveis de abstração, levantando, portanto, novas problemáticas.
Como visto anteriormente, o desenvolvimento desigual ao se manifestar em
diferentes escalas, na cidade, no território nacional ou nas relações nacionais, quando
alçado à agenda política, dá origem a questões específicas e complexas, ainda que certos
traços estruturais possam ser compartilhados.
A literatura recente no campo dos estudos urbanos e regionais tem dado especial
atenção aos processos de reescalonamento na produção capitalista do espaço. Segundo
Gonzáles (2005), o interesse pelas escalas espaciais aumentou com os estudos sobre a
81

nova geografia produzida pela globalização, em que os processos gerais de


homogeneização planetária pelo capital e seus impactos nas esferas locais abriram um
grande debate sobre as abordagens teóricas que captariam melhor a realidade que se
descortinava.
A abordagem hierárquica em que o Estado-Nação era a pedra angular das
investigações tornou-se obsoleta, o que levou geógrafos e sociólogos a explorarem as
complexidades espaciais engendradas pelo espaço de fluxos, que derrubou as antigas
barreiras e erigiu outras de natureza distinta.
O conceito de escala foi, assim, reconsiderado, não mais entendido como apenas
um método de análise, nem como uma hierarquia, mas como um complexo processo de
reescalonamentos cada vez mais fluidos dos processos econômicos e sociais.
Segundo Souza (2012), verificou-se que os fenômenos sociais podem ocorrer —
tanto de modo simultâneo quanto cronologicamente de modo sequencial — em variadas
escalas, o que exige ao estudioso não “buscar a ‘escala adequada’, (mas) pensar sobre
como elas se redefinem em função de determinados processos e, ao fazê-lo, podem
mudar a própria natureza do problema.” (SOUZA, 2012, p. 37)
Os estudos clássicos sobre a formação econômica e territorial do Brasil em sua
maior parte desconsideraram os processos de reescalonamento que se deram durante a
história do país. Não obstante, é possível entrever alguns aspectos desses fenômenos,
como no estudo do processo de integração das antigas ilhas regionais, nos estudos de
Castro (1971) ou nas análises do processo de industrialização nacional em que o
conflito de interesses criou inúmeras tensões políticas que condicionaram os rumos da
modernização econômica do país.
A própria continentalidade do Brasil impôs a todo projeto de cunho nacional
vários reescalonamentos, na medida em que a complexa diversidade de arranjos
territoriais específicos exigia a existência de pactos, duradouros ou não, com as
diferentes frações de classe, assim como engendrava novas tensões derivadas do
processo de integração econômica e territorial, dentre as quais, a questão regional.
Apesar disso, a problemática foi colocada sempre como uma questão de
interesse do Estado na escala nacional, ignorando, assim, os processos intermediários
que imbricavam as tensões preocupantes para as altas esferas de governo.
Francisco de Oliveira (1977) parece perceber isso ao desconstruir a noção do
que seria a região Nordeste, que na verdade possuía diferenças bastante significativas
82

entre, por exemplo, as áreas produtoras de açúcar e as áreas de produção algodoeira, que
apresentavam interesses por vezes conflitantes.
Como visto antes, as diferentes divisões espaciais do trabalho entre os setores da
economia configuram uma realidade mais intrincada para entender a emergência dos
problemas regionais.
Uma das consequências desse foco na esfera nacional, quando se fala “questão
regional” no Brasil, é a tendência a ignorar a complexidade institucional do Estado
Brasileiro, que envolve as contradições do pacto federativo e a importância das esferas
de poder subnacionais, em especial os entes estaduais.
Apesar da tendência à centralização tributária nas mãos da União ao longo do
século XX, os pactos de poder estabelecidos na esfera nacional em maior ou menor grau
dependeram de arranjos com as esferas políticas subnacionais, com as oligarquias e
grupos políticos em todos os estados da federação.
Nos principais textos sobre a SUDENE, por exemplo, subjaz na análise os
desafios impostos pelos governadores e por suas respectivas bancadas parlamentares na
própria aprovação da Lei de Criação da Autarquia e, posteriormente, na elaboração e
implementação das políticas de incentivo, que compuseram aguerridas disputas
federativas. Apesar disso, a esfera estadual permaneceu em relativa obscuridade nas
principais investigações sobre a questão regional brasileira (HADDAD, 1984).
Os estados (unidades da federação) são também uma esfera de poder e
intervenção, com lógicas políticas que lhe são próprias, que se articulam e se tensionam
com os outros atores sociais (empresas, órgãos governamentais, movimentos sociais)
que intervêm nos territórios por meio de seus próprios instrumentos.
Nesse sentido, há questões que dizem respeito principalmente à alçada dos
governos estaduais, ainda que se possa dizer que a origem e as repercussões de tais
problemáticas não se limitem a apenas uma escala. É sob esse prisma que surge a
necessidade de se considerar a existência de questões regionais que ocupam
principalmente a agenda governamental dos estados, independente de criar ou não
rebatimentos na agenda nacional.
Além disso, considerando os reescalonamentos existentes no próprio Estado
Brasileiro, a agenda nacional influencia a formação das agendas estaduais, seja por meio
da difusão de um paradigma de intervenção governamental, seja por meio de decisões
hierárquicas que ocorrem em momentos de centralização.
83

Com efeito, a existência de questões regionais de interesse (ou imposição)


principalmente estadual levou alguns estados a criarem seus próprios arranjos
institucionais de planejamento urbano e regional durante os anos 1960 e 1970, em geral
como congêneres dos arranjos existentes na esfera federal ou em resposta a
determinações oriundas de Brasília — como foi o caso da criação das regiões
metropolitanas, em 1973.
Alguns estados, como Minas Gerais, constituíram a partir da década de
1960robustas instituições de pesquisa e de planejamento (como a Fundação João
Pinheiro) que, além de subsidiar as políticas governamentais segundo os cânones
teóricos de época, são formadoras de quadros técnicos qualificados inseridos na
administração estadual e municipal.
Outros estados também lograram constituir suas instituições de apoio ao
desenvolvimento estadual. É evidente que, com a crise do paradigma do planejamento
durante a década de 1980, vários desses arranjos foram esvaziados ou, como no caso do
ERJ, desmantelados, dando lugar a políticas setoriais de curto prazo e ao casuísmo
orientado pelo oportunismo eleitoreiro.
O baixo interesse da esfera estadual nos estudos sobre a questão regional torna-
se, assim, grave, já que, apesar do enfraquecimento orçamentário dos estados frente à
União e, em diversos casos, frente aos municípios (após 1988), a máquina
governamental dos estados ainda compõe grande parte do aparato do Estado brasileiro.
Existem, por exemplo, limites para o acompanhamento dos programas
governamentais de origem federal, que diversas vezes exige uma articulação com os
entes estaduais para a efetivação das políticas públicas, o que, de certa maneira,
imprime diferentes desempenhos de acordo com a estrutura institucional e com o
ambiente político dos estados.
Outro complicador é que, como entes subnacionais, os estados (assim como os
municípios) possuem constitucionalmente autonomia tributária, técnica e operacional
para a realização de suas próprias políticas públicas em praticamente todos os setores
econômicos e sociais. No campo tributário, por exemplo, o manejo dos tributos
estaduais, no sentido de atrair investimentos privados, vem sendo, há muito, utilizado
pelos governadores como estratégia de desenvolvimento.
Com a maior mobilidade dos capitais produtivos, esses instrumentos se
transformaram em verdadeiros arsenais de guerra entre os estados — a guerra fiscal,
84

cuja disputa vem prejudicando o próprio equilíbrio das contas públicas, reduzindo a
capacidade de promover os investimentos nos setores sociais.
Assim, ao se manejar a escalaridade do fenômeno do desenvolvimento
espacialmente desigual, é possível verificar a existência de outras questões regionais
que dificilmente conseguem se impor politicamente na esfera nacional.
Por outro lado, suas contradições tornam-se particularmente incômodas para as
esferas estaduais, onde, por vezes, conseguem maior abertura política para se colocarna
agenda governamental e, dependendo da correlação de forças internas ao estado, alçar-
se à esfera federal.
Esse é o caso, em particular, do ERJ, que como se verá a seguir, possui sua
questão regional própria, que na maioria das vezes não é reconhecida segundo a escala
tradicionalmente considerada pela literatura sobre o tema, bem como na agenda política.

2.7- Questão regional: fenômeno concreto, político e transescalar

A questão regional sempre diz respeito ao Estado. Esta é a primeira conclusão


deste capítulo. Ou seja, a emergência da questão regional não é derivada, de modo
direto, à diferenciação geográfica ou mesmo à desigualdade entre diferentes “regiões”,
mas precisa se inserir na agenda do estatal para se tornar, de fato, uma questão.
No entanto, a questão regional não se dá no vazio, pois sua inserção na agenda
do Estado é sempre derivada de fenômenos e contradições que são concretos e que se
configuram, por pressões políticas, em um problema para a hegemonia dos blocos de
poder que circundam a estatalidade.
Demonstrou-se que as bases concretas que dão origem à questão regional são
lançadas a partir da relação entre três fenômenos correlacionados. Primeiro, a
contradição estrutural da produção do espaço capitalista, que é tensionada por um lado
pelos processos de homogeneização das condições gerais de acumulação e consumo e,
por outro, pela intensa fragmentação causada pelas forças de mercado.
O Estado, que é por princípio uma instituição que se funda na territorialidade,
torna-se o ente que tenta ordenar a disruptiva dinâmica da produção do espaço
capitalista.
A política de ordenamento territorial é também contraditória, na medida em que
os movimentos fragmentadores da territorialidade estatal impõem complexidades que,
não raro, superam a capacidade regulatória do Estado.
85

É nesse sentido que os desenvolvimentos recentes dos estudos da espacialidade


estatal vêm apontando pela superação da visão do território estatal como um fixo
estático, porque a própria produção do espaço capitalista é um fenômeno dinâmico.
O segundo fenômeno refere-se à manifestação histórico-concreta da
contradição homogeneização/fragmentação do espaço capitalista, que é o
desenvolvimento espacialmente desigual.
A derivação mais direta da contradição estrutural do espaço capitalismo na
produção do desenvolvimento desigual é que este sempre se dá, primeiro, pela
dissolução das barreiras que isolam os territórios, integrando-os e colocando-os sob o
mesmo equivalente geral que tem efeito homogeneizador.
O fenômeno mais comum analisado pela literatura é a integração territorial sob a
égide de um mercado unificado, seja em nível mundial, seja em nível nacional. Ou seja,
não há desenvolvimento desigual sem haver uma integração homogeneizadora entre os
diferentes.
Quando integrados, os territórios ficam à mercê do caos fragmentador gerado
pelo mercado capitalista, que exploram a diferença geográfica segundo os imperativos
da rentabilidade relativa. O importante fenômeno da divisão espacial do trabalho é
consequência disso.
A divisão espacial do trabalho nada mais é do que o resultado da capacidade dos
capitais em explorar as diferenças geográficas acentuadas pela integração territorial,
criando especializações específicas que podem reforçar ou modificar as relações de
desigualdade.
A evidência do desenvolvimento espacialmente desigual chamou a atenção da
intelligentsia ocidental de orientação diversa, o que comprova a importância do
fenômeno para a compreensão dos conflitos que se davam no capitalismo em expansão.
Duas fontes, em particular, foram centrais para a formulação teórica da questão
regional: a teoria do desenvolvimento desigual e combinado dos marxistas e as
abordagens do pensamento burguês reformista, como o cepalismo (a teoria dos termos
desiguais de intercâmbio e a teoria do subdesenvolvimento), e outros autores como
Myrdal, Hirschman e Perroux.
O terceiro fenômeno, que foi o grande impulsionador da reflexão teórica que
buscou compreender os processos de desenvolvimento espacialmente desigual e, por
fim, a formulação da questão regional na agenda dos Estados, foram os tensionamentos
políticos engendrados pela desigualdade regional.
86

O primeiro passo para a emergência de uma questão regional é a existência de


tensões territoriais, que interferem ou até ameaçam a rede de interesses hegemônicos
tanto na “região”, quanto em outras escalas espaciais.
O segundo passo é a maneira em que os conflitos ganham expressão política, de
modo a exigir a intervenção do Estado. A expressão política clássica para os conflitos
de natureza territorializada é o regionalismo, que se forma a partir da própria disputa
sobre quem, afinal, definirá quais os contornos do “problema regional” e quais os
“interesses da região”. A formulação da questão regional não acontece sem a
intermediação dos discursos do regionalismo.
Considerando o caso brasileiro, verifica-se que a formulação da questão regional
não ocorreu antes da consolidação da integração territorial sob a égide do mercado
interno comandado por São Paulo durante os anos 1950.
Antes disso, até a noção de “brasilidade” era tênue, sendo muito maiores os
laços locais e “regionais”. Nesse período, a desigualdade entre as frações do território
brasileiro eram flagrantes, mesmo no Centro Sul, mas foi apenas o Nordeste que
configurou uma “região-problema”.
A construção política da região-problema se deu desde fins do século XIX
através do regionalismo criado em torno do problema das secas, que foi
instrumentalizada pelas oligarquias locais para acessarem recursos públicos que eram
utilizados para a reprodução da hegemonia regional.
Mas foi somente com o surgimento das ligas camponesas e o rompimento das
condições que perpetuavam a hegemonia regional que o nível de tensão política de fato
colocou a questão nordeste na agenda governamental ao longo da década de 1950.
Isso, associado ao aumento da leva de migrantes que se dirigiam às grandes
cidades do Centro-Sul em busca de melhores condições de sobrevivência, colocou a
região-problema do Nordeste como um potencial risco para a integridade do território
nacional, ou seja: a questão regional tornou-se uma questão de interesse nacional.
O Governo Federal, chamado a intervir, propôs-se como solução a
implementação do planejamento regional, seguindo os paradigmas teóricos que eram
difundidos pela CEPAL na época. Tudo isso foi decantado na fundação da SUDENE
em 1959, que demarcou a institucionalização da questão regional/nordeste no aparato
estatal.
87

Essa é a segunda conclusão central do capítulo: a ascensão de uma problemática


para a agenda política do Estado passa por processos de institucionalização, de modo a
fazer, em maior ou menor grau, parte do seu arranjo institucional.
Alguns dos aportes teóricos do institucionalismo são úteis para a compreensão
desse processo. Em primeiro lugar, as instituições são criadas e reproduzidas pela
conjunção das relações sociais, exercendo funções que são socialmente sancionadas.
Isso não significa, no entanto, que as instituições são funcionalmente as
construções mais úteis para o melhor desempenho da sociedade, como poderia
interpretar uma abordagem funcionalista, mas tratam-se do resultado da correlação de
forças que estão em constante embate no meio social.
Os processos de institucionalização permitem a estabilização de certos
fenômenos, garantindo-lhes capacidade de reprodução e inércia contra forças que lhes
são concorrentes. Ao mesmo tempo, algumas instituições são empoderadas de modo a
se tornarem, também, atores sociais, capazes de agir sobre as relações sociais,
condicionando o campo de lutas.
Nesse sentido, as instituições que permitem a criação de hierarquias, de normas,
de leis, de punições que condicionam são fundamentais para a definição dos limites
socialmente sancionados da ação.
Por outro lado, os processos de mudanças estruturais em geral se fazem por meio
da desconstrução das instituições reinantes e sua substituição por outras surgidas a partir
da nova correlação de forças.
Com efeito, a ascensão da questão regional para o centro da agenda
governamental, como ocorreu no Brasil durante a década de 1950, configurou a inserção
da problemática à institucionalidade do próprio Estado, como se deu com a SUDENE.
A partir da formalização institucional, a questão regional torna-se vinculada à
institucionalidade, de modo que, enquanto a correlação de forças que lhe deu origem
mantiver a força da problemática na agenda governamental, a institucionalidade
mantém sua centralidade.
Numa eventual perda de substância da questão na agenda política, a tendência é
que a institucionalidade comece, também, a perder sua vitalidade primordial, ainda que
do ponto de vista formal possa continuar como uma força de inércia, derivada do poder
de estabilização que os processos de institucionalização conferem.
88

A história da SUDENE demonstra a validade dessa tese. Sua criação foi


derivada principalmente das tensões políticas que se recrudesciam na região do
Nordeste.
Tais tensões ao colocar a questão nordeste na agenda política incentivaram a
realização de estudos acadêmicos e análises críticas que demonstravam o nível de
desigualdade inter-regional no Brasil, a inocuidade das formas tradicionais de
intervenção federal na região que tinham por foco atenuar os efeitos das secas e, por
fim, foram fundamentais para a superação das posições mais conservadoras de
parlamentares ligados às oligarquias regionais, permitindo a fundação da SUDENE.
Depois disso, a questão nordeste passou a ser uma problemática da SUDENE. A
trajetória da instituição, no entanto, foi também condicionada pela trajetória política
brasileira. Após o golpe de 1964, o perfil da SUDENE se modificou: os referenciais
cepalinos foram sendo substituídos por outras teorias de matriz estrangeira que
alteraram o diagnóstico da questão regional, seguindo a mudança de referenciais e
diretrizes do próprio desenvolvimento nacional.
Apesar de se tornar cada vez mais marginal na agenda do Estado, a SUDENE
subsistiu pelos processos de inércia que caracterizam as instituições. Apenas após um
profundo processo de esvaziamento e invisibilização a partir dos anos 1980 é que se
criaram em 2001 as condições para sua extinção. A agenda da questão nordeste estava
há muito superada, ainda que pouca coisa tenha sido mudada do ponto de vista
estrutural.
A terceira conclusão do capítulo foi a falta de problematização da questão
regional em outras escalas além da nacional. A questão regional brasileira sempre foi
tratada como parte da questão nacional, o que institucionalmente se refletiu numa
federalização das políticas públicas para a temática.
A própria formulação da questão nordeste construiu uma imagem que
homogeneizava uma área complexa e heterogênea, desconsiderando as particularidades
das formações socioeconômicas e políticas.
A esfera estadual foi particularmente ignorada, apesar de os estados serem, com
todas as limitações e contradições existentes no pacto federalista, um campo de disputas
com alguma autonomia em relação ao Governo Federal.
Além disso, dada a continentalidade do território brasileiro, os processos de
desenvolvimento espacialmente desigual criam “regiões-problema” em diversas escalas,
algumas das quais têm como arena de tensionamento político as esferas estaduais, ainda
89

que, como ensinam as abordagens recentes sobre os processos de reescalonamento dos


capitais e do Estado, haja transversalidades diversas nos fenômenos que operam em
múltiplas escalas.
A questão regional fluminense representa uma problemática específica que se
tornou atinente à esfera estadual. Mas isso não significa que fosse limitada a essa escala,
pois tanto os elementos causais do desenvolvimento desigual no ERJ, quanto a
definição política da questão seguiram os roteiros do reescalonamento. O
desenvolvimento desigual que deu origem às assimetrias no território fluminense foi
resultado dos processos de integração territorial do capitalismo brasileiro, que também
deu origem à questão Nordeste e muitas outras que possam ser identificadas.
90

3- A QUESTÃO REGIONAL FLUMINENSE: CISÃO


INSTITUCIONAL E DESENVOLVIMENTO DESIGUAL NO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO

3.1- A questão regional fluminense

Considerando o tom dominante nos estudos sobre a questão regional no Brasil,


seria um contrassenso sugerir que o ERJ poderia ser incluído no âmbito dessa
problemática territorial e política. De fato, historicamente, nunca se falou, até
recentemente, que o ERJ possuiria uma questão regional própria, já que sempre fora
associado ao núcleo propulsor da economia brasileira, ao lado de São Paulo e Minas
Gerais.
O fato de a cidade do Rio de Janeiro ter sido até 1960 o Distrito Federal e até a
década de 1920 o principal centro industrial brasileiro reforça essa imagem, que é,
sobretudo, estática. É verdade, no entanto, que o ERJ se manteve como a segunda e,
eventualmente, a terceira economia estadual do país, porém não deve se desconsiderar
que isso, vis-à-vis à concentração econômica de São , não significa tanta coisa assim.
Colocando a história econômica e territorial brasileira ao longo do século XX
sob uma perspectiva dinâmica, verá-se que o ERJ, assim como o restante do país, se
configurou em periferia em relação a São Paulo, ainda que uma periferia menos
empobrecida que as outras.
Outro ponto que já foi levantado é a necessidade de considerar o aspecto escalar
do processo de desenvolvimento espacialmente desigual do capitalismo, que se
manifesta do local ao global, criando contradições singulares, porém articuladas ao
mesmo processo de homogeneização, fragmentação e integração da geografia do
capitalismo.
Nesse sentido, a consideração da questão regional em uma só escala se revela
sempre um equívoco, seja ao adotar unicamente o nacional como escala privilegiada de
análise — o que leva sempre ao ocultamento das especificidades de diferentes
coerências estruturadas que existem pelo país — seja na limitada adoção das análises
micro, que se enviesam para um localismo míope e que não raro promovem ações
políticas fragmentárias, como a competição predatória entre cidades, estados e regiões
por recursos e investimentos.
91

Para que a investigação seja a mais próxima possível da realidade, deve-se


considerar as diversas escalas em que os fenômenos sociais ocorrem, de modo a não se
ocultar as especificidades e, ao mesmo tempo, não se cair na velha armadilha do
excepcionalismo.
A noção de totalidade que Milton Santos (2004) analisa em sua relação com a
investigação geográfica é útil, quando munida de uma visão dialética entre as partes e o
todo, em que as partes não podem ser desligadas do todo, mas este não é igual à soma
daquelas.
Destarte, não seria exagero falar em uma questão regional especificamente
fluminense, tanto em nível de sua perda de participação relativa28 em relação à São
Paulo, quanto em relação à complexidade da própria formação socioespacial do
território fluminense, que não deve ser considerado como se os rebatimentos do
processo de modernização e industrialização liderada por São Paulo fossem iguais na
cidade do Rio de Janeiro e no Noroeste Fluminense, por exemplo.
Há de se considerar as distinções existentes na formação política, econômica,
social e simbólica entre a cosmopolita cidade do Rio de Janeiro, sua periferia
metropolitana e o interior, que em si mesmo é bastante diverso, apesar da pequena
extensão física do território fluminense.
É incontornável, ao falar da questão regional fluminense, mencionar o processo
de perda de participação relativa do ERJ na economia nacional ao longo do século XX.
Nesse período, o então Distrito Federal deixou de ser o principal centro industrial e
financeiro do país para ser superado por São Paulo e ver a aproximação de Minas Gerais
na “disputa” pela segunda posição entre os estados brasileiros.
Segundo Dias da Silva (2004), entre 1930 e 1980 a economia fluminense
expandiu-se, modernizou-se e acompanhou as mudanças estruturais ocorridas na
economia nacional, ainda que com marcadas diferenças setoriais. Esse crescimento,
porém, foi em geral inferior à média nacional e ao de São Paulo, que apesar de
significar de fato uma redução gradativa da sua participação relativa, não poderia ser
considerada, como depois foi difundido, por um processo de esvaziamento econômico.

28
É importante lembrar que até a década de 1970 o ERJ não se situou fora da curva em relação à média
de crescimento do restante do país, à exceção de São Paulo, que crescia acima da média nacional.
92

Ao contrário, o ERJ (DF/Guanabara e ERJ) recebeu importantes investimentos


industriais diretos ou induzidos pelo Governo Federal29. A perda de participação relativa
deveu-se a fatores estruturais da própria dinâmica espacial engendrada na inserção
brasileira no capitalismo de tipo monopolista e internacional, que por conta de fatores
endógenos, encontrou em São Paulo as condições mais propícias para a alavancagem do
tortuoso processo de industrialização brasileira.
A economia fluminense, por outro lado, fincou suas raízes no setor público e
numa tradição mercantil que era articulada com o padrão de acumulação desenvolvido
ao longo do século XIX, que no Brasil se estruturou no primado da economia primário-
exportadora.
A mudança de padrão, ao longo do século XX, ainda que incluísse também o
ERJ no processo de modernização, não conseguiu constituir a articulação intersetorial
da indústria, que se concentrou principalmente nos subsetores de bens de consumo não
duráveis e de bens intermediários.
Ainda segundo Dias da Silva (2004), os anos 1980, ao contrário, significaram,
de fato, perdas para o ERJ, que no rescaldo das rupturas institucionais da transferência
da capital federal e da fusão, sofreu os mais duros impactos das crises econômicas que
assolaram a economia brasileira durante esse período.
Nesse momento, ganhou força a tese do esvaziamento econômico. Sulamis Dain
(1990) chegou a afirmar que o ERJ sintetizaria todas as crises econômicas, em paráfrase
ao seminário “Rio de todas as crises” promovido pelo IUPERJ e pelo IBAM, em 1990.
As constatações de Dain (1990), feitas no auge da crise econômica e social dos
anos 1980, eram estarrecedoras. A crise econômica do Rio de Janeiro 30 seria causada
por uma série de fatos relevantes, como a falta de projetos governamentais (federais e
estaduais) durante a “década econômica perdida”; a decadência estrutural da indústria
fluminense, que além de ser setorialmente obsoleta, ainda sofreria com sua dependência
da demanda do próprio mercado de consumo do ERJ, sem grande inserção nacional; a

29
Como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Vale do Rio
Doce, a Petrobras, a Refinaria de Duque de Caxias, as Usinas Nucleares de Angra, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico, dentre outros.
30
Ao falar sobre o “Rio de Janeiro”, as comunicações do seminário privilegiavam a cidade do Rio de
Janeiro, mencionando o restante do ERJ, incluindo a periferia metropolitana, de modo marginal. Aliás,
em algumas intervenções pode-se coletar argumentos de típico caráter “cariocêntrico” (ver Passos et al,
2007), manifestando certo saudosismo do período do Estado da Guanabara. Vide, por exemplo, o texto de
Hélio Jaguaribe, que além de lamentar a perda de receita causada pela fusão, defendia que a cidade do
Rio de Janeiro deveria receber total prioridade dos investimentos governamentais, para depois irradiar
seu desenvolvimento para o restante do estado.
93

alta dependência que a economia fluminense tinha da massa salarial do funcionalismo


público; e a falta de uma identidade regionalista, como nos outros estados, que
defendesse os interesses do ERJ nas disputas federativas por mais investimento.
Quanto a esse último ponto, Dain (1990) afirma que se deve ao fato de que,
ideologicamente, os cariocas não conseguiam se ver como parte de uma região
decadente, preferindo alimentar a ilusão de que estariam ao lado de São Paulo na
liderança dos rumos do país. Faz parte de seu argumento que no Rio de Janeiro deveria
ser encontrada uma saída regional para a crise a partir do reconhecimento de uma
questão regional específica do ERJ como uma área decadente do Centro-Sul.

(...) na Constituinte veremos claramente o Nordeste defendendo seus


interesses enquanto região menos favorecida e conseguindo que várias
das decisões que foram tomadas, que beneficiariam o Centro-Sul,
fossem compensadas por uma contrapartida regional e tipicamente
nordestina. O RJ não consegue se apresentar como região decadente e,
portanto, digna de medidas compensatórias, e sequer se pensa em algo
distinto de São Paulo. Nós temos o vício equivocado de pensar o
Centro-Sul como um todo homogêneo; pensar a questão industrial
como uma coisa que une o RJ e SP; pensar a questão da
metropolização como uma coisa que une RJ e SP. E nada existe de
mais distinto, não assumido pelo RJ, do que a questão da
metropolização no RJ, do que a questão industrial no RJ. Isso gera
uma crise de identidade, que não é só uma crise de identidade política,
mas é também de identidade quanto a iniciativas que favoreçam uma
saída regional, local, para essa crise. (DAIN, 1990, p. 2)

Sulamis Dain credita a um equívoco de análise o fato de que o ERJ não se


reconhecer como uma região decadente. A falta de uma problematização da escala
geográfica de análise estaria escamoteando as próprias contradições existentes entre as
diversas áreas do Centro-Sul, sendo colocadas no mesmo pacote de São Paulo como o
polo econômico do país, enquanto a questão regional continuaria sendo um monopólio
político dos estados do Nordeste que continuariam a ter o reconhecimento como a
região-problema.
A inferência que se pode chegar a partir do argumento de Dain é que um
aprofundamento da escala da análise permitiria reconhecer a existência de outras
problemáticas regionais mesmo nas proximidades das áreas economicamente mais
dinâmicas do país, dentre os quais o ERJ seria sem dúvida uma das mais importantes.
O próprio seminário “Rio de todas as crises” continuaria a reproduzir uma das
contradições centrais da questão regional fluminense, que é a invisibilidade do interior
94

como parte fundamental para o desenvolvimento do ERJ, manifesta principalmente na


intervenção de Hélio Jaguaribe que defendia, naquele momento, o reforço dos
investimentos públicos na cidade do Rio de Janeiro, reciclando o velho argumento da
polarização como indutor do desenvolvimento. Como se verá adiante, ao contrário, foi a
extrema polarização da cidade do Rio de Janeiro um dos principais fatores que
contribuíram para o baixo desenvolvimento do interior fluminense.
Segundo Oliveira e Natal (2007), a questão regional fluminense emergiu no ERJ
na forma do regionalismo, a partir da transferência da capital em 1960, e foi reforçada
depois da fusão de 1974. Entretanto, não se trataria de uma questão permanente no
discurso político no estado, sendo sempre evocada em momentos de crise econômica e
societária, quando os enunciadores do discurso regionalista carioca costumam lamentar-
se pela centralidade perdida e pelo descaso do Governo Federal no tocante aos
interesses do Rio de Janeiro. A qualquer alívio propiciado pela conjuntura, no entanto,
a questão regional fluminense volta às brumas do esquecimento.
Em outro ensaio, Natal (2005) descreve como esses mesmos eventos, de 1960 e
1974, foram alvos de certa euforia em alguns círculos empresariais e políticos da
cidade. No tocante à saída da capital, ainda que nem todos estivessem satisfeitos com o
fato, houve certo otimismo quanto ao futuro, já que finalmente o Governo Federal daria
a tão almejada autonomia para a cidade do Rio de Janeiro para agir em seus “próprios”
interesses.
Quanto à fusão, importantes frações do empresariado carioca, principalmente
aquelas ligadas à indústria, previam que tal evento permitiria unificar as bases técnicas e
financeiras da Guanabara com as potencialidades econômicas do ERJ, considerando-se,
ainda, os grandes projetos de investimentos que vinham sendo executados pelo Governo
Federal durante o ciclo militar.
Havia ainda a esperança de que, com o desiderato da desconcentração
econômica manifesto principalmente no II PND, o ERJ unificado seria um palco
privilegiado da matriz de investimentos federais, que vinham sendo sinalizadas pela
construção de rodovias federais (Rio-Santos, Ponte Rio-Niterói), das usinas nucleares
de Angra, do Porto de Sepetiba, do novo Galeão e pelas descobertas de petróleo na
Bacia de Campos.
Por fim, a diluição da força emedebista pela agregação das forças políticas
governistas do antigo ERJ permitiria uma melhora nas relações políticas com o Governo
Federal. Porém, quando ficou exposta a fragilidade do projeto desenvolvimentista do
95

ciclo militar e o Estado brasileiro viu se dissolver sua capacidade de investimento, a


euforia carioca e fluminense transformou-se em profunda frustração, quando reemerge
com mais força o discurso do esvaziamento e do desfavorecimento do ERJ, assim como
a sua falta de capacidade de agir politicamente em seu próprio benefício através de uma
ação regionalista estruturada. Curiosamente, o fortalecimento desse discurso ao longo
dos anos 1980 coincidiu com o enfraquecimento da questão regional fluminense da
agenda governamental, que vinha desmontado os arranjos institucionais de
planejamento urbano e regional do estado ao longo desde o início da década.
O capítulo tem dois objetivos principais. O primeiro é descrever o processo de
formação territorial do atual ERJ, com o fito de reconstruir alguns dos fatos que estão
por trás do fenômeno do desenvolvimento espacialmente desigual do território
fluminense. Espera-se, com isso, clarificar a base histórico-concreta do que se denomina
nesta tese de questão regional fluminense. O segundo objetivo é analisar como esse
estado de coisas balizou a formação de discursos que fundamentaram em um primeiro
momento a proposta da fusão e, por fim, concederam a aura de legitimidade racional
(tecnocrática) para a decisão imposta pelo Governo Federal em 1974 aos dois antigos
estados.

3.2- A formação territorial fluminense: entre a unidade e a cisão

De certa maneira, sempre houve uma noção de unidade entre a cidade do Rio de
Janeiro e o entorno que configura o atual ERJ. Em termos de polarização funcional, de
constituição de uma região de influência, tal reconhecimento sempre foi presente,
incluindo, além do interior fluminense, a Zona da Mata Mineira e o estado do Espírito
Santo. Os trabalhos clássicos de geografia fluminense, feitos antes da fusão, incluíam a
cidade do Rio e o antigo estado do Rio como um território só, apesar da cisão
institucional.
A obra de Alberto Lamego31 escrita na década de 1940 sintetiza bem a noção de
unidade do território fluminense, tendo como centro polarizador a cidade do Rio de
Janeiro. Com uma abordagem que oscila entre o determinismo e o possibilismo
geográficos, Lamego adota uma visão teleológica da evolução territorial, em que cada
segmento regional, diferenciado pelo seu substrato físico – o brejo, a restinga, a

31
Os setores da evolução fluminense: O homem e o brejo (1945), O homem e a restinga (1946), O
homem e a Guanabara (1948) e O homem e a serra (1950).
96

Guanabara e a serra – tem formações sociais que são pré-determinadas pela geografia,
estabelecendo “vocações” às regiões.
No caso, em “O homem e o brejo” a vocação agrícola da cana-de-açúcar tornaria
a região um dos esteios da Província Fluminense durante o Império, enquanto a região
das restingas teria possibilidades apenas pela exploração do sal e da pesca. A serra, por
seu turno, fora o grande obstáculo à ocupação do interior, entretanto floresceu durante o
ciclo cafeeiro no Império. Mas seria a Guanabara que articularia todo esse conjunto, por
sua vocação portuária sem igual e por sua centralidade urbana, que para Lamego
também seria uma tendência na ocupação daquele espaço. Toda produção regional teria
como destino natural o porto da cidade do Rio de Janeiro, que também irradiaria por seu
entorno todas as inovações que desembarcassem no país.
Com efeito, os ciclos da economia primário-exportadora produzidos no território
fluminense durante os séculos XVIII e XIX tiveram suas primeiras experiências no
recôncavo da Guanabara. A cana-de-açúcar foi plantada no entorno da baía antes de
vicejar nas planícies aluviais da baixada campista, no atual Norte Fluminense. Da
mesma maneira, o café foi uma opção de atividade econômica nas montanhas cariocas
antes de se transferir para o Vale do Paraíba fluminense e, posteriormente, migrar para o
Estado de São Paulo. Por outro lado, a cidade do Rio de Janeiro centralizou toda a
intermediação comercial e financeira desse entorno, oferecendo serviços urbanos
durante o florescimento das atividades agropastoris fluminenses.
No entanto, esse mesmo processo engendrou a diferenciação econômica e
funcional entre a cidade do Rio e o interior fluminense. Este último foi o espaço das
atividades agrícolas, da dominância das aristocracias ruralistas e do pequeno
desenvolvimento urbano. Aquela se destacou pela evolução de sua vida urbana e, por
conseguinte, pelo pioneirismo nos modismos importados da Europa. Lamego capta bem
essa distinção entre o Rio de Janeiro e seu entorno:

É tempo, todavia, de aqui vermos um contraste essencial entre o foco


da grande baía e as diferentes regiões satélites por ela geradas. Todo
esse impulso rural nascido com os próprios fundamentos históricos do
Rio de Janeiro das sesmarias e dos engenhos de açúcar, e dele
continuamente a irradiar desde os mais remotos decênios coloniais,
tendeu sempre a inculcar no próprio centro irradiativo uma cultura
essencialmente urbana.
A Guanabara instigadora e propulsora de uma intensa vida rural sobre
toda a Baixada Fluminense, desenvolveu em si mesma uma crescente
civilização de cidade, enquanto hoje, ainda, aqueles antigos centros
urbanos fluminenses – mesmo os mais desenvolvidos como Campos –
97

embora cresçam com a multiplicação é bem menor que o dos distritos


rurais. (LAMEGO, 1948, p. 274)

Quando escreveu esse livro, Lamego se referia ao baixo grau de urbanização do


interior fluminense, situação muito distinta da atual, quando o ERJ é o mais urbanizado
do país, com pequeníssima participação do setor primário em sua estrutura produtiva.
Mas o que deve se destacar dessa citação é que, mesmo no auge de sua agricultura, não
se desenvolveu no interior uma rede urbana de porte e densidade, com a presença de
cidades médias intermediárias.
A exceção foi Campos dos Goytacazes, que relativamente isolado da Guanabara,
desenvolveu grande centralidade no Norte Fluminense, mas também com pequeno
desenvolvimento das demais cidades da região. Essa característica pretérita se manteve
mesmo com o ocaso do setor primário, em que o processo de urbanização se deu
principalmente pela metropolização do Rio de Janeiro concomitantemente com a
estagnação geral da rede urbana fluminense.
No âmbito dessa contradição, Melo (1993), citando Marieta Ferreira (1991),
destaca a existência de uma “relação de amor e ódio” entre as elites fluminenses e
cariocas, como corolário do processo de drenagem de recursos do interior fluminense
para a cidade do Rio de Janeiro, em virtude tanto da função portuária quanto da
presença da burocracia governamental na cidade do Rio de Janeiro. Isso, porque a
centralização das funções urbanas estimuladas pela riqueza da zona de influência
carioca auferia à cidade grande parte das receitas fiscais da exportação e importação de
produtos de interesse das aristocracias ruralistas fluminenses.
A partir dessas considerações, realizar-se-á nas próximas seções a análise de
alguns aspectos da formação socioespacial fluminense que são importantes para a
compreensão da matriz da questão regional do estado.
Como elementos relevantes para o entendimento da problemática aludida,
destaca-se a diferenciação funcional entre a cidade do Rio de Janeiro e o interior —
esse, encontrando seu principal motor de crescimento nos encadeamentos econômicos
gerados pelo cultivo do café (século XIX principalmente) e da cana-de-açúcar (do
século XIX até a década de 1980).
Com as crises dessas culturas, grande parte do interior foi levada a uma forte
crise econômica; e a cidade do Rio teve o desenvolvimento de atividades mercantis-
98

portuárias e industriais, alimentadas pelo seu mercado urbano e, principalmente, pela


função de capital do país.
Além desses fatores econômicos, a análise também incluirá o fenômeno
metropolitano como uma questão fundamental da questão regional fluminense, já que
seu surgimento impôs a necessidade de medidas unificadas para as quais a cisão
institucional foi um impeditivo.

3.3- O açúcar: fonte de afluência no Norte Fluminense

A cana-de-açúcar foi a primeira atividade primário-exportadora desenvolvida no


território fluminense no período colonial. As primeiras engenhocas a produzir o açúcar
se instalaram ao redor da Baía da Guanabara, para posteriormente se difundir para as
outras paragens fluminenses, em especial as planícies aluviais da baixada campista, no
atual Norte Fluminense.
Alberto Lamego (1945) considerou o Norte Fluminense uma das mais
importantes áreas agrícolas do país, tendo a marca distintiva de sua formação social o
predomínio inicial das pequenas propriedades de milhares de posseiros, que a partir de
suas rudimentares engenhocas iniciaram a longa história da cana-de-açúcar na baixada
campista. Essa característica, porém, logo se perderia, pela concentração dos capitais e
das propriedades, devido ao advento do engenho a vapor, que exigia maiores
investimentos e garantia maior produtividade. Assim, logo ascenderia uma florescente e
poderosa aristocracia rural, uma das mais influentes da província fluminense durante o
Império.
Segundo Carlos Lessa (2005), antes do advento do café a economia do açúcar
fazia da planície campista um dos núcleos de povoamento mais ativos do interior
fluminense, evidente pela grande vitalidade temporal da atividade, que se iniciou bem
antes do café e continua, a despeito de sua crise, até os dias atuais. Apesar de não ter o
destaque que o café teve no seu curto período de vida, a economia canavieira da planície
campista é fundamental para compreender a formação econômica do interior
fluminense.
Na sua síntese da formação econômica do Norte Fluminense, Silva e Carvalho
(2004) periodizam a evolução regional em três ciclos: (1) o ciclo açucareiro até o final
do século XIX; (2) o ciclo sucroalcooleiro do século XX; (3) o ciclo do petróleo do final
do século XX em diante. Justifica-se o uso da expressão “ciclo econômico” para o caso
99

do Norte Fluminense, visto que sua trajetória econômica vem sendo determinada pela
capacidade de um produto hegemônico, no passado a cana, atualmente o petróleo, em
alavancar a renda regional.
A análise neste capítulo será somente referente aos dois primeiros ciclos, cujo
início da decadência, na década de 1970, coincide com o período da fusão. A
exploração petrolífera é mais recente, sendo o motor de transformações importantes na
economia estadual, principalmente a partir de meados da década de 1990. Ademais, a
cana-de-açúcar é, ainda, uma das marcas características da região.
O primeiro ciclo engloba o período do início do cultivo da cana–de-açúcar no
século XVIII até sua desestruturação com a abolição da escravatura em fins do século
XIX. Nessa fase, a economia regional apresentava uma estrutura dual, como era típico
no Brasil colonial: havia o setor exportador de açúcar e o setor de subsistência, cujo
excedente também era exportado para os nascentes mercados urbanos coloniais, em
especial a cidade do Rio de Janeiro.
Aliás, essa era mais uma marca distintiva da economia açucareira campista em
seus primórdios: sua produção não se destinava aos mercados externos, como o açúcar
nordestino, mas ao abastecimento do mercado interno, o que explica a sobrevivência das
pequenas engenhocas no Norte Fluminense.
Esse quadro mudou com a transferência da Coroa para a cidade do Rio de
Janeiro, em 1808, que engendrou um incremento em quantidade e qualidade do mercado
urbano carioca. Tendo em vista a nova conjuntura, iniciou-se na baixada campista o
processo de mecanização dos engenhos, com a implantação de novidades técnicas,
como a máquina a vapor.
Evidentemente, tal transformação se deu a partir de maiores inversões de
capitais na produção e do consequente aumento da produtividade de alguns engenhos.
Assim, aqueles proprietários que tiveram melhores condições de realizar tais
investimentos logo sobrepujaram as engenhocas mais rudimentares, concentrando as
propriedades e a produção de açúcar.
Deu-se início, em meados do século XIX, à fase áurea do “baronato do açúcar”,
que constituiu, junto com os barões do café, a aristocracia que sustentou politicamente o
Império. Nas palavras de Lamego:

O tempo é o da aristocracia rural enriquecida pelo açúcar. Há cerca de


trinta titulares na planície, entre barões e viscondes. Quatro vezes
100

visita Campos o Imperador e uma vez os Príncipes Imperiais. Há


fartura por toda parte nas fazendas bem dirigidas onde os grandes
solares irradiam, com a opulência, uma requintada civilização. Velhos
retratos dessa fidalguia agrária denotam, à primeira vista, fisionomias
levantadas, onde em ressalto a uma severa dignidade, espontam firmes
traços fortes de comando. (LAMEGO, 1945, p. 115)

Essa “requintada civilização” transformou sobremaneira a configuração


regional. Em razão da riqueza do setor açucareiro, a economia se diversificou,
desenvolvendo atividades de comercialização, de transporte e de pequenas manufaturas,
assim como permitiu o crescimento urbano.
Ensaiou-se a integração territorial com o aumento dos fluxos fluviais em direção
às duas saídas portuárias da região: São João da Barra e Macaé. O aumento dos fluxos
criou a necessidade de melhoria das comunicações entre a baixada campista e esses
portos, principalmente Macaé. Nesse ínterim, foi construído o canal Macaé-Campos
(1872) e foram implantadas estradas de ferro entre São Fidélis e São João da Barra e
entre Campos e Macaé.
No que se refere ao crescimento urbano, a pujança do setor açucareiro viabilizou
a transformação da vila de São Salvador de Campos à condição de cidade em 1835,
sendo Macaé elevada ao mesmo status em 1846, São João da Barra em 1850 e São
Fidélis em 1870. Mas era Campos que concentrava toda a intermediação comercial da
baixada campista, alcançando, por isso, o maior desenvolvimento.
Faria (2006), sobre esse assunto, destaca que, durante os primórdios do Império,
o imperativo de consolidação territorial elevou as cidades como instrumentos
fundamentais de integração nacional. No caso da Província Fluminense, houve estudos
recomendando investimentos na melhoria do sistema de transportes (canais, caminhos e
linhas de trem) que ligavam os centros urbanos do interior à capital da província,
Niterói.
No Norte Fluminense, em função de sua posição geográfica central e de sua
riqueza e sua concentração populacional, Campos recebeu destaque como centro
regional a integrar o norte da Província do Rio de Janeiro, a Província de Minas Gerais
e a Província do Espírito Santo.
Campos também foi alvo de projetos de melhoria urbana. Faria (2006) menciona
algumas intervenções sugeridas em 1834, por um sargento do Corpo Imperial de
Engenheiros, que visavam a resolver o problema das inundações periódicas que
prejudicavam a expansão urbana, assim como abrir novos meios de comunicação da
101

cidade com a hinterlândia. Destaca-se, no âmbito dessas intervenções urbanísticas, o


pioneirismo de Campos na eletrificação urbana e na instalação de bondes elétricos, algo
inédito na América Latina daquele período.
No entanto, ao final do século XIX a pujança econômica do ciclo açucareiro se
esgotou. Na avaliação de Silva e Carvalho (2004), as mudanças estruturais ocorridas no
país com o avanço do capitalismo desarticularam as bases da economia regional, e o
setor açucareiro perdeu produtividade frente à expansão da indústria açucareira paulista.
Com efeito, quatro seriam as causas dessa desestruturação: (1) a abolição da
escravatura e o consequente avanço das relações de mercado capitalistas, que
desestruturaram as relações de produção da região; (2) a fragmentação territorial
campista em novos municípios, que dispersou a capacidade de intervenção das elites por
via do Estado local; (3) a crise fluminense advinda da desarticulação do setor cafeeiro,
que reduziu a demanda de produtos na cidade do Rio de Janeiro e, no longo prazo,
solapou as bases da economia fluminense como um todo; e (4) a perda de
competitividade da agroindústria açucareira do Norte Fluminense, tornando periférica a
produção do Norte Fluminense em nível nacional.
Não obstante, as sementes da nova fase da agroindústria já estavam lançadas na
região, a despeito desses problemas. A entrada dos métodos industriais na produção
açucareira se deu com a inauguração do Engenho Central de Quissamã em 1877, sendo
rapidamente seguido por outras iniciativas similares.
Os engenhos centrais foram os precursores das usinas, que consolidaram a
industrialização do setor açucareiro (e sucroalcooleiro, a partir do século XX), com
ganhos crescentes de produtividade e escala de produção. Foi o segundo grande ciclo da
agroindústria canavieira do Norte Fluminense, de acordo com a periodização de Silva e
Carvalho (2004), que com avanços e recuos, se desenvolveu durante o século XX até a
profunda crise nos anos de 1980.
A grande marca dessa fase é a dependência pelo setor sucroalcooleiro do Norte
Fluminense das subvenções do Estado para manter a demanda de sua produção ou, pelo
menos, sua lucratividade. A começar com a criação do Instituo do Açúcar e do Álcool
(IAA) pelo Governo Vargas em 1933, com o objetivo de dar suporte ao setor açucareiro
nacional frente à retração da demanda nos principais mercados internacionais em
consequência da Grande Depressão (Lamego, 1945).
Essa dependência se tornou cada vez mais vital com a consolidação da economia
sucroalcooleira do Estado de São Paulo (ESP), que, mais competitiva, ganhava todos os
102

espaços deixados pelos seus concorrentes nordestinos e fluminenses, consequentemente


determinando os rumos das políticas estatais para o setor.
Tanto os produtores nordestinos quanto os fluminenses tiveram no Estado seu
principal “defensor” ao avanço paulista (e paranaense), mas como observara Oliveira
(1977) a respeito do Nordeste, valendo também para o Norte Fluminense, a
produtividade paulista era que estabelecia o equivalente geral para o setor em todo o
país, impondo às demais áreas produtoras as rodadas de modernização nas quais a
economia paulista já estava na frente. Assim, contraditoriamente, a defesa que o Estado
representava para os fluminenses e nordestinos servia para, em médio prazo, reforçar a
hegemonia paulista, também, no setor sucroalcooleiro.
Sobre esse tema, Cruz (2003) lança a hipótese de que no caso do Norte
Fluminense, em específico, as elites ligadas ao setor sucroalcooleiro reclamavam a
subvenção do Estado não para melhorar seu grau de competitividade vis-à-vis São Paulo
e o Nordeste, mas para reiterar sua hegemonia política e econômica na região. A
liderança setorial nacional provavelmente nunca fora um desiderato para os plantadores
de cana e os usineiros campistas.
Desse modo, todo o século XX foi marcado por conjunturas de expansão e
retração do setor canavieiro do Norte Fluminense, em que os usineiros e plantadores de
cana aliados à imprensa local e seus representantes políticos buscaram construir um
discurso regionalista no qual se colocavam como portadores da representação dos
interesses regionais.
Buscava-se, assim, auferir para a região (ou seja, para Campos, que concentrava
essa elite) benefícios estatais em consideração com a tradição da economia canavieira
regional e em compensação ao avanço da agricultura paulista, segundo eles, beneficiada
pelas políticas do IAA no âmbito do Governo Federal. O que estaria em jogo era a
reprodução da centralidade do setor canavieiro na definição dos rumos futuros da
economia regional.
Cruz (2003) demonstra como evoluiu esse discurso em toda a sua ambiguidade.
As elites canavieiras, como portadoras do interesse regional, utilizavam duas frentes
retóricas como fontes de legitimação de sua liderança. Uma, voltada para as condições
internas da economia regional alicerçada no setor canavieiro, em que eram ufanados os
feitos de modernização do parque produtivo, a tradição da cultura canavieira e as
projeções promissoras caso o Estado tratasse a região como merecia.
103

A outra frente voltava-se para a “demonização” de pretensos inimigos externos,


representados principalmente pelo Estado, mas também pelos paulistas e até pelo
capitalismo32. Ainda se combatia ferrenhamente os oposicionistas internos, que
culpavam os usineiros e plantadores de cana pela estagnação econômica regional e
defendiam a diversificação da economia para outros setores, principalmente pela via da
industrialização.
A esses, a retórica dos defensores dos interesses hegemônicos campistas rotulava
de serem arautos de um pessimismo lesivo e, posteriormente, com a visibilidade da crise
que se instaurava lentamente, o discurso se alterou, remetendo-o ao projeto da
diversificação do setor canavieiro.
Enfim, o que ficou demarcado já na década de 1970 era que o Norte Fluminense
entrara em profunda crise. Cruz (2003) aponta que a decadência era longeva, desde
meados do século XIX. As raízes desse processo estariam no próprio avanço do
capitalismo no Brasil, que pouco a pouco subjugara as relações econômicas pré-
capitalistas.
Mesmo nos tempos de expansão da produção canavieira, a crise se manifestava
na concentração de renda nas mãos das elites ligadas a esse setor, no pequeno
desenvolvimento da rede urbana, na estagnação de outros setores da economia, na
precarização das relações de trabalho e na emigração de parte da população,
principalmente para a cidade do Rio de Janeiro.
Essa conjuntura de crise no setor hegemônico do Norte Fluminense nos anos
1970 é concomitante com dois fatos importantes: a fusão e a descoberta de jazidas de
petróleo com capacidade de exploração comercial na Bacia de Campos no ano de 1974,
iniciando a transição para uma nova fase no novo Estado do Rio de Janeiro e, em
particular, para o Norte Fluminense.
A começar pelo segundo fato, a instalação do complexo de apoio às atividades
offshore em Macaé em fins da década de 1970 gerou transformações profundas na
dinâmica socioeconômica da região açucareira do Norte Fluminense. Tratam-se de
mudanças originadas de forças externas às interferências políticas regionais, impondo
outra ordem territorial, mais poderosa do que a preexistente.

32
Um argumento surpreendente apontado por Cruz (2003) é o ataque às leis de mercado capitalistas, sob
as quais o setor estaria se inserindo sob liderança paulista e apoiadas pelo Governo Federal, e o recurso a
ideais humanitários não mercantis, como a tradição da agroindústria campista, a necessidade de
solidariedade com a região, que dependia da cana, ao contrário de São Paulo.
104

Novos pontos de atração populacional e econômica se formaram no entorno de


Macaé, que ascendeu rapidamente a partir dos anos 1980 como polo regional e principal
mercado de trabalho do interior fluminense. Novas elites e novos grupos sociais
emergiram com a expansão da camada empresarial ligada a outros setores e de uma
classe média (engenheiros, técnicos, profissionais liberais etc.), formados no seio da
“cultura urbana” de algumas das principais cidades do país.
Tudo isso trouxe novos elementos à dinâmica socioespacial do Norte
Fluminense, acentuados pela relativa perda de poder das tradicionais elites do setor
canavieiro sediado em Campos. Apesar de as transformações se irradiarem por toda a
região, elas ocorreram de forma desigual, se concentrando principalmente em Macaé,
onde todo o tradicionalismo foi rapidamente sobrepujado pelo relativo cosmopolitismo
que acompanhou as levas de imigrantes que se instalaram no município e seus arredores
imediatos, principalmente Rio das Ostras.
Não será aprofundada essa fase que é recente e vem sendo analisada em vários
estudos. O que interessa desse processo é que até a consolidação do “ciclo do petróleo”
em fins dos anos 1990, a sensação de crise no Norte Fluminense (excluída Macaé) se
intensificou com a decadência econômica da agroindústria.
A fusão de 1974 confluiu os discursos regionalistas na cidade do Rio de Janeiro
e no interior. A medida tomada por Geisel gerava tanto esperanças quanto
desconfianças nas elites fluminenses.
No Norte do estado, segundo Cruz (2003), o evento da fusão foi mais um dos
momentos em que o discurso regionalista dominante prometia tratamento especial à
agroindústria e a aguardada retomada da “era de ouro” da região.
Uma dessas promessas seria transformar o Norte Fluminense em uma área
prioritária de investimentos para a produção de gêneros agrícolas que abasteceriam o
novo ERJ, principalmente sua capital e a região metropolitana. Mas o que foi mais
importante, posteriormente, foi que a crise da economia canavieira coincidiu com a crise
fluminense mais ampla que se acentuou na década de 1980, fortalecendo-a e fazendo
coro ao discurso que culpava o Governo Federal por não tratar adequadamente das
contrapartidas prometidas à outrora província mais rica do Brasil.
Todos esses descaminhos em que o Norte Fluminense modernizou seu setor
motriz ao mesmo tempo em que era alijado pelo desenvolvimento capitalista no Brasil,
liderado pela economia paulista, avançaram para a eclosão de sua inevitável crise. A
longa gestação desse ocaso transformou o Norte (e o Noroeste) Fluminense na “região
105

problema” do Rio de Janeiro. Seus municípios se destacaram como os mais pobres do


interior fluminense, representando as dificuldades econômicas vividas como um todo no
Estado do Rio de Janeiro.
Apesar do advento do petróleo, as contradições da região persistem,
principalmente na desigual distribuição de renda, da exclusão social e das práticas
patrimonialistas que ainda imperam em suas relações sociais e políticas .
Ou seja, mesmo considerando a decadência econômica do interior fluminense ao
longo do século XX, um dos símbolos mais patentes desse processo se situava
justamente no Norte e no Noroeste Fluminenses, que apesar da sobrevida do açúcar em
relação ao café, teve na sua formação socioespacial um eloquente exemplo das
perversidades sociais que persistem no Brasil.

3.4- A economia cafeeira fluminense: crescimento e estagnação

O café foi o mais importante produto exportável do interior, tornando a


Província Fluminense a mais rica e importante do Império, além de formar o embrião da
rede de cidades. O desenvolvimento mercantil-portuário do Rio de Janeiro no século
XIX e no início do XX deveu-se à sua posição central nas exportações de café para o
mercado externo.
Por outro lado, a cafeicultura foi a grande responsável pela profunda decadência
do interior fluminense, quando a atividade já não tinha condições de se reproduzir
enquanto atividade motriz. Algumas regiões do interior fluminense até hoje não se
recuperaram da extinção da cafeicultura. Não raro, os fixos herdados dessa era de
afluência ainda permanecem e vem sendo reconvertidos como verdadeiros museus para
uso turístico. Tal fenômeno, o da “turistificação” das antigas fazendas de café e de suas
cidades, demonstra o grau de inércia a que essas áreas ficaram relegadas ao longo de
décadas após a crise do setor no Vale do Paraíba Fluminense.
A cafeicultura, segundo Furtado (2007), surgiu durante uma fase crucial de
consolidação do poder imperial. O exaurimento das jazidas auríferas provocou uma
desarticulação da economia colonial, aumentando os riscos de revoltas autonomistas em
diversas regiões. As economias regionais estavam em crise, por conta do baixo preço
das mercadorias exportáveis (açúcar, principalmente) e da implosão do mercado de
gado e de produtos alimentícios nas regiões das minas.
106

O advento do café e sua firme expansão justamente na hinterlândia do poder


imperial trouxeram a estabilidade necessária para que o novo Estado se consolidasse e
os pactos com as oligarquias ruralistas regionais se fizessem, garantindo a unidade
política territorial. Rapidamente, o café se tornou o principal produto exportável do
Brasil que, ao aumentar a escala da produção, conseguiu reduzir as margens de lucro
por unidade e consolidar um mercado de massa no exterior.
O café, como já foi mencionado, iniciou sua trajetória no Brasil nas montanhas
desflorestadas da cidade do Rio de Janeiro, sendo posteriormente plantado nas serras da
Província Fluminense, onde prosperou durante a maior parte do período imperial.
Segundo descreveu Melo (1993), o plantio avançou no início do século XIX para as
terras do sul do Vale do Paraíba Fluminense, que entre 1830 e 1880 deteve a hegemonia
da produção cafeeira nacional.
Como as técnicas de cultivo eram rudimentares e a exploração da terra,
predatória, a cafeicultura se transformou em uma verdadeira “devoradora” de novas
terras, preferencialmente aquelas florestadas, cuja fertilidade permitia uma alta
produtividade dos cafeeiros nos anos iniciais de produção.
Conforme a produtividade das terras mais antigas diminuía33, novas áreas eram
desbravadas, indo em direção à região de Cantagalo e Nova Friburgo, no centro da
Província Fluminense e, finalmente, chegando à região de Itaperuna, que sustentou a
cafeicultura fluminense em seu ocaso.
Para além dos limites da Província Fluminense, o café marchou durante o
decorrer do século XIX para o Vale do Paraíba Paulista e depois para o Oeste Paulista;
para Minas Gerais, que também se tornou área tributária do porto do Rio de Janeiro; e
para o Espírito Santo, que durante certo tempo também dependeu do porto do Rio para
escoar a sua produção.
O enorme fluxo de renda gerado pela cafeicultura foi responsável pelo
engrandecimento da Província Fluminense durante o Império. Inúmeras cidades e vilas
foram fundadas nesse período — algumas, como Vassouras, se tornaram símbolo da
riqueza gerada pela rubiácea.

33
Uma característica do cultivo do café era seu alto investimento inicial em capital fixo com retornos em
longo prazo, visto que o café só começava a produzir a partir do quarto ano, com uma produção crescente
até o nono ano, e depois passava a gerar retornos marginais decrescentes pela redução de sua
produtividade. Por isso, a cafeicultura apresentava uma evolução espacial determinada pela idade dos
cultivos, como denominado por Mello (1986), como áreas velhas, de produção decrescente; áreas
maduras, no ápice da produção; e áreas novas, com produção crescente.
107

As classes proprietárias de terras se tornaram aristocracias que buscavam a


proximidade da corte imperial e almejavam as distinções nobiliárquicas. Além disso, a
província passou a ser grande sorvedouro de mão de obra escrava, cuja população
cresceu conforme a prosperidade econômica avançava pelas serras fluminenses.
Também por causa do café recorreu-se ao investimento em ferrovias integrando o
território fluminense e reduzindo os custos de transportes.
Há alguma polêmica sobre a relação entre o ciclo cafeeiro fluminense e a perda
de importância relativa do Rio de Janeiro (cidade e interior) na economia nacional,
basicamente polarizada por uma interpretação paulista e outra fluminense sobre o tema.
Sobre essa questão, Vieira (2000) demarca as três correntes principais: (1) a que
defende que a crise da cafeicultura do Vale do Paraíba levou o Rio de Janeiro a um
relativo retrocesso industrial, tese desenvolvida principalmente no Instituto de
Economia da Unicamp; (2) a que insiste que a decadência da cafeicultura fluminense
não se refletiu diretamente no desenvolvimento industrial do Rio de Janeiro, que
continuaria crescendo no final do século XIX, interpretação desenvolvida
principalmente no Departamento de História da UFF; (3) autores que apresentam
posições um pouco diferentes, que ora garantem a influência da cafeicultura no avanço
da acumulação mercantil do Rio de Janeiro, ainda que ela não seja determinista, ora que
de fato tal influência era diminuta, sendo que a perda de importância da indústria
fluminense se deu a partir de 1907, após a deflagração da crise da cafeicultura.
Sobre esse tema, Natal (2005) considera que ambas as correntes, a paulista e a
fluminense, estão corretas, desde que se considere a temporalidade dos processos a que
se referem. De acordo com a tese fluminense, de fato não houve de pronto uma crise
deflagrada na cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, com o avanço da relação
café-indústria em São Paulo.
Porém, no longo prazo, a tese paulista também se provaria verdadeira pela
sujeição das demais áreas do país ao desenvolvimento capitalista gestado em São Paulo,
e que, no caso do Rio de Janeiro, se manifestaria ao longo do século XX,
principalmente após a transferência de capital em 1960.
Não obstante essa problematização, não há questionamento de que o Rio de
Janeiro (cidade e estado) perdeu a hegemonia econômica no início do século XX para
São Paulo, no âmbito de um processo de arrefecimento do crescimento econômico, que
a partir de 1920 tendeu a estar abaixo da média nacional, ocorrendo, inclusive, perdas
reais de alguns setores da economia (DIAS DA SILVA, 2004).
108

Em grande parte, no entanto, há de se concordar que o corolário da crise da


cafeicultura foi o esvaziamento real da maior parte do interior fluminense, ocorrendo
uma sobrevida na região açucareira de Campos dos Goytacazes até a década de 1980 e
na região do Vale do Paraíba Fluminense ao redor de Volta Redonda, que a partir de
1942, com a instalação da CSN, apresentou certo dinamismo industrial.
Mello (1986) destaca que as condições para a gênese da cafeicultura de alta
produção surgiram do excedente de capital acumulado na esfera mercantil, na existência
de recursos produtivos mobilizáveis (terras subutilizadas e escravos) e no aumento da
demanda externa desse produto por conta da Primeira Revolução Industrial.
A função portuária da cidade do Rio de Janeiro permitiu a acumulação de
excedentes nas atividades de intermediação comercial, que com a gênese da
cafeicultura, teria na figura do comissário um ator central, visto ser este o intermediário
instalado na cidade que representava o plantador nas casas de exportação e, também, o
principal financiador da produção, dadas as dificuldades de crédito direto aos
fazendeiros (MELLO, 1986)34.
Cabe ainda mencionar a manutenção do trabalho compulsório, apesar da
conjuntura política e econômica mundial (a partir da Inglaterra), que caminhava para o
fim da escravatura como modalidade de trabalho. Mello (1986) demonstra que, na fase
inicial de estruturação da economia mercantil-escravista no Brasil, o recurso à mão de
obra escrava era, naquele momento, mais barato do que o assalariamento.
Isso porque, como a margem de lucro deveria ser reduzida por unidade vendida
com ganhos em escala, os salários não poderiam ser altos para não inviabilizar a
acumulação. Tendo em vista a existência de razoável contingente de homens livres
dedicados à agricultura de subsistência, os salários deveriam compensar, e muito, a
submissão do trabalhador livre à batuta de um patrão. Já que havia uma população de
escravos abundantes devido à dissolução da economia mineira, seria de se esperar a
opção pela manutenção do trabalho compulsório.
Nesses termos, a cafeicultura em sua fase de expansão mercantil escravista se
fundamentou sobre o tripé formado pela disponibilidade de terras, pelo trabalho
compulsório e pela existência de demanda externa de massa. Assim, Mello (1986)
identifica os limites da acumulação sob os marcos da economia cafeeira, cujo

34
Sobre esse tema, ver a dissertação de Vieira (2000).
109

rebatimento espacial se dará justamente no território fluminense, onde aquela


estruturação se deu.
Primeiro, a técnica utilizada na cafeicultura fluminense era rudimentar e
altamente predatória no uso da terra, de modo que, após alguns anos, a produção do
cafeeiro despencava e os custos aumentavam, inviabilizando a sua permanência. A
solução era encontrada na expansão dos cafeeiros para novas terras, que não raro gerava
aumento nos custos de transporte pelo aumento das distâncias em relação ao porto
exportador. Destarte, no caso da escassez de terras para expansão, que para a plantação
de café exigia condições bastante sui generis para ter viabilidade econômica, se obstava
a continuidade da acumulação cafeeira.
Segundo, o amplo uso de mão de obra escrava, em um primeiro momento
vantajoso, logo se tornou um entrave devido aos impedimentos progressivos à
reprodução dessa modalidade de trabalho. Tornou-se caro adquirir novos escravos a
partir de 1850 com o fim do tráfico internacional35, o que forçou os cafeicultores a
utilizarem mão de obra imigrante, seja pela via do assalariamento, seja pela utilização
de outras modalidades de trabalho, como a parceria e o colonato.
Tal passagem, no entanto, não era algo trivial. Mello (1986) demonstra bem a
dificuldade de atrair homens livres para trabalhar na lavoura se as condições de
sobrevivência daqueles não estivessem tão ruins a ponto de se submeter à batuta de um
patrão. Nesse caso, os custos de qualquer maneira aumentariam, a não ser que as
condições de vida estivessem tão vilipendiadas que para o homem livre o
assalariamento a baixos preços ou o colonato sob condições pouco razoáveis
significassem opções de melhoria da condição social.
Por isso, foi sob uma conjuntura favorável (péssimas condições de vida na
Europa e baixa temporária de atratividade em outros destinos, tais como os EUA), que a
imigração europeia foi uma saída importante no final do século XIX e no início do
século XX.
Terceiro, toda a margem de manobra da cafeicultura brasileira, assim como da
política econômica que a sustentava, tinha uma determinação muito clara: o nível de
demanda nos principais mercados e, consequentemente, os preços internacionais do
café.

35
O fim do tráfico de escravos internacionais aumentou a importância tanto da reprodução dos escravos
(até 1871), quanto do tráfico interno. Tais saídas, no entanto, não impediram a escassez da mão de obra
escrava e seu encarecimento (MELLO, 1986).
110

A literatura que trata da evolução histórica da economia cafeeira é referenciada


pelas flutuações conjunturais dos preços internacionais do grão, que permitiriam ou não
a produção a custos maiores e novas inversões no aumento de sua produção.
Apesar de esses óbices terem sido gerais para a economia cafeeira, engendraram
implicações territoriais importantes para a dinâmica regional ulterior da economia
brasileira. As transformações ocorridas nas instituições (a introdução de força de
trabalho assalariada e o fim da escravidão) e nas técnicas (ferrovias, mecanização de
partes do processo produtivo) foram mais ou menos absorvidas de acordo com o
momento conjuntural que a área produtora se encontrava no ciclo cafeeiro.
As diferenças de produtividade entre as áreas novas, maduras e antigas
determinaram a capacidade de absorção desses lugares às transformações que ocorreram
no final do século XIX, no tocante à adoção do assalariamento, na capacidade de atrair
imigrantes europeus e nos efeitos produzidos pela introdução de inovações técnicas,
como as ferrovias e as máquinas de beneficiamento do café.
As áreas maduras, em pleno auge da produtividade, e as novas, com produção
em crescimento, colheram muito mais benefícios do que as áreas velhas, com produção
declinante e maior pressão dos custos sobre os lucros.
Concretamente, a Província Fluminense, cuja hegemonia na economia cafeeira
perdurou até a década de 1880, teve que se adaptar às mudanças nas relações de
trabalho quando sua crise já estava se instalando, de modo que sua transição para o
trabalho livre foi bastante penosa (MELLO, 1986).
Operando a custos crescentes e lucratividade decrescente, as inovações técnicas
que em São Paulo criariam “externalidades positivas”, no Rio de Janeiro serviriam
apenas para dar uma sobrevida à sua cafeicultura. Foi o caso das ferrovias, que de
maneira geral serviu para integrar áreas já maduras ou em queda de produção com o
porto do Rio de Janeiro, gerando efeitos positivos no setor mas, principalmente,
reduzindo os custos para a cafeicultura quando do início de sua crise. Por outro lado,
Melo (1993) aponta que ao canalizar ainda mais toda a comercialização do café na
cidade do Rio de Janeiro, a ferrovia, ao fim, acentuou a concentração econômica na
cidade.
A tese de Wilson Cano (1977) tornou-se clássica ao “espacializar” algumas das
conclusões de João Manuel Cardoso de Mello no que se refere às saídas encontradas
pela cafeicultura aos seus entraves, e à sua análise das formas pelas quais o capital
111

cafeeiro transbordava para as atividades industriais e urbanas, dando origem ao


complexo cafeeiro paulista36.
Para Cano, esse complexo foi pioneiro na geração de encadeamentos entre os
diferentes setores econômicos, passando a operar com características plenamente
capitalistas. Com isso, liderando o processo de acumulação de capital no Brasil. O
complexo cafeeiro paulista tinha em fins do século XIX algumas vantagens sobre a
cafeicultura fluminense, fundamentadas na maior disponibilidade de terras para
expansão; na solução para o problema da mão-de-obra; na integração criada pela
expansão das ferrovias, que geraram externalidades importantes; no surgimento de uma
agricultura mercantil de alimentos e na formação de um mercado de consumo de maior
robustez.
Esse conjunto de fatores foi o responsável pela diversificação econômica
ocorrida pioneiramente em São Paulo, que passou a liderar a política econômica na
República Velha de acordo com seus interesses, levando a reboque as demais regiões do
país, incluindo a região cafeeira fluminense.
As origens da industrialização paulista seriam um resultado dos desdobramentos
setoriais da acumulação cafeeira, sendo ainda fundamentais o excesso de mão de obra
imigrante para a formação de um mercado de trabalho urbano, a demanda do mercado
interno paulista e a capacitação originada das atividades de manutenção das ferrovias,
ou da construção de máquinas de beneficiamento do café.
Com o processo de integração do mercado interno brasileiro liderado pelo
Estado a partir da década de 1930, os capitais paulistas lideraram o processo de
industrialização do País, de modo que, através do avanço de suas mercadorias sobre o
restante do território brasileiro, São Paulo consegue impor seu equivalente geral sobre
as indústrias nacionais regionalizadas.
Sobre a economia fluminense (principalmente a fração da Guanabara), as
conclusões de Cano resultaram nas polêmicas supramencionadas. A Guanabara37 foi a
principal porta de entrada e de saída de mercadorias do Brasil desde o ciclo mineiro,

36
Com relação ao processo de industrialização a partir do capital cafeeiro, Mello (1986) argumenta que,
ao contrário do que se acreditava, os surtos de industrialização ocorreram justamente nos momentos de
expansão das exportações cafeeiras, quando se criavam condições de importar bens de capital e havia
capital excedente para inversões em outras atividades. Tudo isso, além das condições já engendradas de
modo estrutural, como a introdução do trabalho assalariado, a formação de um mercado interno e o
desenvolvimento de uma agricultura mercantil de alimentos.
37
A tese de Wilson foi defendida em 1975, quando a fusão acabara de ocorrer. Ou seja, sua análise é
circunscrita ao território do atual Município do Rio de Janeiro, considerando suas relações com o entorno,
que na época era o Estado do Rio de Janeiro.
112

tendo desenvolvido intensas atividades comerciais e financeiras, além de um mercado


urbano mais desenvolvido.
Ou seja, suas condições para a implantação de setores industriais dinâmicos vis-
à-vis outras regiões do país eram favoráveis. Apesar disso, Cano faz algumas ressalvas
que tolheriam a potencialidade existente: (1) a economia cafeeira da Província
Fluminense restringia a capacidade de geração de excedentes, devido à imobilização do
capital pela compra de escravos e pela necessidade de compra de alimentos; (2) a
predominância do trabalho compulsório no país limitaria a ampliação do mercado de
consumo para a indústria; e (3) a política econômica de defesa da economia primário-
exportadora escravista dificultava a industrialização, já que o recorrente uso da taxa de
câmbio (no sentido da desvalorização) nas fases de baixa dos preços internacionais do
café favorecia a importação, principalmente de bens de consumo suntuário.
Não seriam apenas esses elementos, entretanto, que dificultariam a acumulação e
o desenvolvimento industrial carioca. A decadência da agricultura fluminense
intensificou o atrofiamento da atividade industrial da cidade do Rio de Janeiro, que cada
vez mais dependia, enquanto capital federal, das atividades de governo e de serviços.
Nesse caso, a cisão institucional teve um papel fundamental, pois criara a ilusão
de que os destinos da economia fluminense, naquele ínterim desestruturada e com
poucas alternativas de reversão do esvaziamento econômico, estariam descolados da
cidade do Rio de Janeiro, a capital nacional.
Enfim, conforme a indústria paulista se expandia, primeiro suprindo seu próprio
mercado, depois avançando na conquista de outros mercados nacionais, no âmbito do
processo de industrialização do País e de formação de um mercado nacional no período
pós-1930, a indústria carioca perdia espaço, ficando circunscrita ao seu próprio mercado
urbano, com certa dimensão, e à sua região de entorno, que,decadente, não se
qualificava como um mercado de porte para dinamizar a industrialização. Por outro
lado, a agricultura fluminense tornou-se incapaz de suprir o próprio mercado urbano
carioca, devido ao fracasso da tentativa de diversificação e, por consequência, sendo
entravada pela maior produtividade de outras áreas38.

38
Segundo Dias da Silva (2004) a agropecuária fluminense entre 1939 e 1980 teve um crescimento médio
anual de 2,2%, muito abaixo da média nacional no setor (4,4%) e dos outros setores da economia
fluminense, já que o setor industrial cresceu 6,9% a.a, e o setor de serviços, 5,8% a.a. O crescimento do
setor no ERJ foi garantido pela expansão da pecuária bovina, que apresentou aumento da área destinada à
atividade em torno de 60,8% entre 1960 e 1980, enquanto que a área ocupada pela agricultura se reduziu
em 33,3% durante o mesmo período. Com isso, a participação da agropecuária fluminense no PIB
nacional caiu de 6% em 1939 para 2% em 1980.
113

Para concluir, um parágrafo de Carlos Lessa (2005) descreve de modo bastante


claro o significado do ciclo cafeeiro para o interior fluminense, assim como o legado
deixado após seu ocaso:

O café criou uma rede de pequenas cidades locais, cuja razão de


existência é inteiramente externa à sua vida urbana. (...) É notável o
contraste entre o padrão de luxo das sedes das fazendas cafeeiras com
a modéstia relativa das residências dos fazendeiros nas cidades locais.
Aliás, nesta época, estas sedes superam inclusive as residências no
Rio. Somente no último quartel do século XIX os palacetes urbanos
no Rio excedem o padrão das fazendas. Sendo a lavoura escravagista,
gerou um insignificante varejo nas cidades do interior. O
abastecimento das fazendas era concentrado nos atacadistas da praça
do Rio de Janeiro. As cidades locais fluminenses não constituíram
núcleos comerciais varejistas diversificados, somente possíveis com
trabalho assalariado. No interior fluminense não surgiram equivalentes
a Ribeirão Preto ou Campinas. O café fluminense escravista gerou
lugarejos sem dinamismo, cidades locais débeis que se esvaziaram
com o declínio da cafeicultura: as famosas “cidades mortas” do Vale
do Paraíba dos Urupês de Monteiro Lobato. (LESSA: 2005, p. 117-
118)

3.5- A cidade do Rio de Janeiro: cidade mercantil, capital nacional

A localização geográfica foi fundamental para a fundação da cidade do Rio de


Janeiro, assim como para seu crescimento e, finalmente, para a centralização frente ao
restante do território que se tornaria nacional após a independência política do País.
Lysia Bernardes (1995) destaca que a Guanabara era um refúgio sem igual na
costa, fundamental na estratégia geopolítica portuguesa de controle territorial da colônia
em sua parte sul — fosse na defesa das arremetidas de outras nacionalidades europeias,
fosse na conexão mercantil com o sul do continente, em especial com o estuário do Rio
da Prata. Além de um excelente ancoradouro abrigado, o sítio permeado de maciços
rochosos na estreita embocadura da baía garantia uma defesa natural da retaguarda,
remetendo à função militar o pontapé inicial da fundação da vila de São Sebastião do
Rio de Janeiro.
Bernardes (1995) descreve como essa função estritamente militar pouco a pouco
passa a ser somada às atividades mercantis, que marcariam o desenvolvimento urbano
posterior da cidade do Rio de Janeiro. O recôncavo da Guanabara seria uma região
muito favorável ao implante da empresa agrícola, a começar pelas primeiras plantações
114

de cana-de-açúcar e dos engenhos, que, aproveitando o escoamento natural da rede


hidrográfica da região, sempre em direção à baía, facilitava o transporte da produção.
Ao longo da consolidação da ocupação da hinterlândia nos séculos posteriores e
do avanço da cana-de-açúcar e do café para o interior, pouco mudou dessa estrutura já
configurada nos primórdios da colonização, pelo menos até a implantação das ferrovias
que inutilizaram o transporte fluvial e o uso mercantil dos pequenos portos interligados
ao porto principal do Rio de Janeiro.
A posição estratégica da Baía de Guanabara na Costa Sul do território brasileiro
contrasta com a morfologia complexa do sítio, abundante de maciços rochosos
escarpados entremeados por vales estreitos e pequenas planícies de formação
geologicamente recentes.
Lysia Bernardes (1995) aponta que a expansão urbana da cidade do Rio de
Janeiro ganhou contornos peculiares por conta dos desafios impostos pelo meio, tendo
que se adaptar à geografia, ocupando toda extensão de terra habitável e empreendendo
custosas intervenções, como o arrasamento de morros e o amplo uso de aterramentos
para ganhos de espaço nas áreas mais centrais, próximas ao porto.
Tais intervenções, no entanto, tinham limites e a cidade foi crescendo, consoante
com sua centralidade nacional, em um sentido retilíneo, muito diferente do padrão
espraiado de outras grandes cidades. Assim, Bernardes (1995) conclui: o grande labor
imposto ao crescimento urbano em todo momento demostra a impropriedade da
existência de uma metrópole na localização do Rio de Janeiro. Conclusão semelhante à
de Carlos Lessa, para quem “a primeira limitação do Rio é ser um lugar perfeito para
uma cidade de 200 mil habitantes, regular para uma de 400 mil habitantes, mas é
terrível para erguer-se uma metrópole” (LESSA: 2005, p. 27).
Pode-se fazer uma periodização das transformações socioeconômicas da cidade
do Rio de Janeiro a partir de suas funções geopolíticas: cidade militar; capital
administrativa do sul da colônia; cidade mercantil; capital do Império Luso-Brasileiro;
capital Imperial do Brasil; capital da República.
Desde o período colonial a cidade foi reconhecida como vocacionada a ser a
“cabeça” do Brasil, mas o desenlace desse destino foi progressivo. A cidade do Rio de
Janeiro, por conta das dificuldades de sítio já mencionadas e da composição
populacional dominante de escravos negros e mestiços, não representava até a chegada
da Coroa Portuguesa, em 1808, nenhum modelo de urbanização.
115

Ao contrário, como demonstra a lamentação do Conde Cunha a respeito da


cidade e de seus habitantes, que para ele eram verdadeiros óbices para o pleno
desenvolvimento do Rio de Janeiro (CARDOSO et al, 2010). É a partir daquele evento
que se impõe à cidade do Rio a condição de metrópole real e uma preponderância
política que só começaria a se perder de 1960 em diante.
Enfim, pode-se dizer que a cidade do Rio de Janeiro se constituiu enquanto
cabeça da rede urbana brasileira a partir de sua função mercantil-portuária por um lado,
e de sua função político-administrativa de capital, por outro. Serão essas duas funções
que nortearão a argumentação subsequente.
Segundo Cláudio Egler (1979) o núcleo de acumulação durante a inserção da
colônia brasileira na economia mundial, liderada pelo capital mercantil europeu, se dava
pelo controle da circulação das mercadorias valorizadas na Europa, o que exigia a
existência de fixos que garantissem a segurança dos empreendimentos coloniais.
Ou seja, bons ancoradouros, adequados ao armazenamento e transbordo das
mercadorias, e militarmente seguros. Assim, torna-se claro o posicionamento estratégico
da Baía de Guanabara na Costa Sul do continente, como mencionado acima. A cidade
do Rio de Janeiro não só era uma locação fundamental para a estratégia colonial
portuguesa no Atlântico Sul como também iniciaria o progressivo povoamento do litoral
do Sudeste, a começar pela produção de alguns gêneros de interesse em seu entorno
imediato, principalmente a cana de açúcar, que a partir do recôncavo da Guanabara se
difundiu para as planícies aluviônicas da foz do Paraíba do Sul.
Foi com a ocupação das Geraes, após a descoberta das ricas fontes auríferas, que
a função mercantil do Rio de Janeiro se intensificou, quando o seu porto se transformou
na principal porta de entrada e de saída de mercadorias para a região das minas. Nesse
ínterim, o deslocamento do eixo econômico da colônia para o Sul deu força para que o
Rio suplantasse Salvador na administração colonial e, finalmente, a substituísse como
capital (BERNARDES, 1995). Estariam, assim, criadas as bases da identidade
econômica e política carioca: principal praça mercantil e financeira e lugar do poder no
Brasil.
O Rio de Janeiro teve um papel fundamental após a independência política do
País. Quando o Brasil se debatia com problemas econômicos oriundos da
desestruturação da economia mineira e das dificuldades de reinserção do açúcar
brasileiro nos mercados internacionais, foi o capital mercantil acumulado na cidade do
Rio que financiou o início e a expansão da cafeicultura fluminense.
116

João Manuel Cardoso de Mello (1986) aponta que nessa fase de crise da antiga
economia colonial não havia caminho predeterminado, visto que a economia brasileira
poderia tanto ter se inserido na divisão internacional do trabalho liderada pela
Inglaterra, como de fato ocorreu, quanto voltado para a economia de subsistência.
A mobilização dos recursos produtivos preexistentes para a formação de uma
economia mercantil-escravista dependeu da existência de um capital-dinheiro que
financiasse os novos empreendimentos. Esse capital estava na cidade, acumulado nos
poros da economia colonial, que a partir da independência originou a burguesia
mercantil brasileira. Há a necessidade de se espacializar esse processo: essa burguesia
mercantil seria predominantemente carioca e, a figura do comissário, o principal
intermediador e financiador urbano entre o fazendeiro e as casas de exportação,
majoritariamente estrangeiras.
Com efeito, a prosperidade da cafeicultura fluminense trouxe grandes ganhos
para a cidade do Rio de Janeiro, ajudando a dinamizar a atividade portuária, o comércio
atacadista, o varejo de luxo e a construção imobiliária (LESSA, 2005). Não obstante,
existe uma relativização sobre essa influência da cafeicultura no desenvolvimento da
cidade, sendo limitada, como demonstra, de certa maneira, a polêmica em torno da tese
de Wilson Cano com que Lessa parece concordar ao afirmar que “o dinamismo da
cidade do Rio de Janeiro não é explicável pelo do interior. O Rio explica o interior
fluminense, no sentido que o patamar propulsionador e mantenedor do café fluminense
foi o capital mercantil sediado no Rio (...) (LESSA: 2005, p. 122)”.
Certamente não daria para limitar a projeção da cidade do Rio de Janeiro à
prosperidade da província fluminense, que como demonstrado acima, foi desde cedo
facilitada por sua posição geográfica, mas não é possível se deslocar a consolidação do
Rio de Janeiro como capital sem a estabilidade econômica e política garantida pela
Província Fluminense durante o Império. Ademais, foi a riqueza fluminense que gerou,
em grande parte, os recursos que seriam investidos nas melhorias urbanas da cidade.
Assim, ainda que haja diacronia entre a crise fluminense e a tardia crise carioca, elas
estão sincronizadas em termos estruturais.
Sobre essa questão, Hildete Melo (1993) demonstra que apesar de impulsionar,
via financiamento mercantil, a cafeicultura fluminense, a cidade do Rio de Janeiro
drenou grande parte da renda produzida pela Província Fluminense, por meio da
imposição do preço aos cafeicultores pela burguesia mercantil carioca e dos artifícios
117

fiscais originados pela cisão institucional criada a partir da instituição do Município


Neutro, em 1834.
Ao encaminhar o café para exportação pelo porto da cidade do Rio de Janeiro, a
Província Fluminense perdia a tributação de exportação, uma das principais fontes de
receitas provinciais no Império, para o Município Neutro, permitindo o incremento da
acumulação mercantil da burguesia mercantil carioca, ao mesmo tempo em que reduzia
a capacidade de financiamento da Província Fluminense.
Apesar da centralidade mercantil da cidade do Rio de Janeiro, o principal
responsável pela sua prosperidade e o grande marco de sua identidade foi o fato de ter
sido a capital do Brasil por quase 200 anos. Principalmente após a chegada da Coroa
Portuguesa, em 1808, a cidade foi alvo de inúmeras intervenções para contornar sua
bela, mas difícil geografia e, por consequência, melhorar a estrutura e a paisagem
urbanas e torná-las adequadas para a residência da corte.
De acordo com Maurício de Abreu (2008), foi apenas no século XIX que o Rio
de Janeiro chegou a desenvolver uma estrutura urbana mais complexa, estratificada de
acordo com o conteúdo de classe. Antes disso era uma cidade amontoada próxima ao
porto, formada por uma maioria de escravos e que, pela falta de um sistema de
transportes, ricos e pobres se diferenciavam não pela localização da moradia, mas pela
sua forma.
A família real impôs novas demandas materiais à cidade, que reconfiguraram o
conteúdo do espaço urbano carioca, no qual a preocupação urbanística foi o corolário
para a formação de novas áreas com funções de abrigar as elites, além, é claro, da
adaptação da forma urbana para atender às demandas econômicas e ideológicas que a
condição de capital do Império Português passou a exigir.
Fundaram-se escolas superiores, a Imprensa Régia, a livraria que daria origem à
Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, a Academia de Belas Artes, o Teatro Real e o
Banco do Brasil (MOTTA, 2001).
A independência evidenciou o risco da desagregação do antigo território
colonial, impondo a necessidade de construção da nacionalidade através da invenção de
símbolos da brasilidade. Contra o risco da desagregação, impôs-se a centralização e
unificação do poder sob a égide da corte imperial, simbolicamente materializada na
construção da capital como “cabeça” da nação.
118

Assim, era imperativo ao Rio de Janeiro conter em seu espaço a síntese do


Brasil, alheia às querelas provincianas e motor da formação de uma civilização tropical
no Brasil (MOTTA, 2001; LESSA, 2005).
A criação do Município Neutro em 1834 foi o resultado do desejo de dotar a
capital de autonomia decisória frente aos reclamos regionalistas, afinal, “a Corte
precisava funcionar em um centro urbano onde não interferissem os elementos
regionais, liberta, portanto, de todas aquelas forças que perturbassem a ação do poder
central, desviando-o para as competições e paixões puramente locais”. (CARDOSO et
al, 2010, p. 381)
Do ponto de vista ideológico, a contraposição ao provincianismo era a
imposição dos costumes modernizadores que se pretendia incorporar ao ethos nacional,
principalmente as inovações importadas da Europa que eram primeiramente
experimentadas na capital, ou seja, o Rio de Janeiro se tornaria o lugar do
cosmopolitismo.
Outro papel fundamental exercido pela capital era a formação de uma
intelectualidade que formularia as principais teses propositoras da identidade nacional.
A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e do Arquivo Nacional
foi resultado desse processo, em que a história das regiões brasileiras seria recontada
não a partir de seus próprios marcos, ao contrário, segundo a perspectiva centralizadora
da nacionalidade sintetizada no Rio de Janeiro (MOTTA, 2001).
O início do período republicano deu origem a certa ambiguidade sobre o papel
da capital na formação da nova identidade nacional. Segundo Marly Silva da Motta
(2001), em 1891 se acendeu imensa polêmica sobre a proposta de mudança da capital
para o interior do Brasil, nascendo, já nessa época, o debate sobre a fusão da cidade do
Rio de Janeiro à Província Fluminense ou a garantia da autonomia da mesma pela sua
estadualização.
Ao mesmo tempo, na costura buscada pelas elites políticas durante a criação do
novo a partir das bases do antigo regime, a capital no Rio seria uma das heranças do
Império que precisavam ser deixadas para trás na construção do moderno Brasil
republicano. O motivo: o excesso de política na cidade, com a existência de uma
população extremamente agitada e revolucionária — logo, um ambiente inadequado
para o caráter administrativo que deveria emanar da capital do país.
Outra justificativa seria o caráter antinacional representado pelo grande número
de estrangeiros na cidade, principalmente os portugueses. Foi na Constituinte de 1891
119

que a tese da transferência para o Planalto Central foi formulada, inclusive com a
delimitação da área de 14.400 Km2 para a instalação da futura capital, assim como a
vitória, naquele ínterim, da tese autonomista para a cidade do Rio de Janeiro após a
transferência da capital. Mas por ora, enquanto tal projeto não fosse implementado
(ficando no papel até o governo de Juscelino Kubitschek), o estatuto jurídico do Rio de
Janeiro mudaria de Município Neutro para Distrito Federal, rompendo, desse modo,
com as relações de poder inseridas nas instituições imperiais e recolocando-as sob a
égide do novo regime39, e inserindo a cidade do Rio de Janeiro no concerto federativo
pretendido no Brasil.
Enfim, o período republicano foi prenhe de ambiguidades para o Rio de Janeiro
no que se refere à sua autonomia política como unidade da federação e ao seu papel
enquanto capital, (se uma capital política ou uma capital administrativa), sendo a
primeira um fato já consumado e a segunda um desiderato pretendido pelos
republicanos liberais.
Para além desses debates seminais, o fato foi que, de forma adequada ou não, a
cidade do Rio de Janeiro continuou sendo capital federal, principal praça financeira e,
naquele período, maior polo industrial brasileiro. Com a atividade cafeeira fluminense
em seus estertores, a cidade continuou mantendo sua prosperidade baseada na demanda
efetiva criada pelo gasto público.
Marcam as décadas iniciais do século XX as grandes obras de modernização
urbana empreendidas tanto pela prefeitura do Distrito Federal quanto pelo próprio
Governo Federal, cujo objetivo explícito era superar o legado urbano colonial do Rio de
Janeiro e adaptá-lo às novas necessidades de acumulação de capital emergidas durante o
período republicano (ABREU, 2008).
Voltando à análise feita por Maurício Abreu, segundo a qual o Rio de Janeiro
colonial não hierarquizou espacialmente as diferenças de classe, a cidade se
caracterizava pela presença marcante da economia popular, pobre, nas mesmas
imediações das elites e das instituições de poder estatal. Durante o Império, houve
alguma fuga das aristocracias mais aquinhoadas para os arrabaldes da cidade,
principalmente o bairro de São Cristóvão, onde se instalaram chácaras requintadas, mas
devidamente interligadas ao centro. Nesse espaço, a pobreza se concentrava

39
O Governo Provisório dissolveu a Câmara Municipal e criou um novo Conselho da Intendência
Municipal, formado por sete membros nomeados pelo novo governo, até a promulgação da nova
Constituição.
120

principalmente nos numerosos cortiços que se instalaram próximos ao mercado de


trabalho principal da cidade, nas proximidades do porto.
Em fins do século XIX, a formação socioespacial da cidade do Rio incomodava
profundamente as elites, que se envergonhavam da capital brasileira vis-à-vis a imagem
exterior do país que queriam exportar. Sendo assim, sob o discurso higienista e de
melhoramentos da paisagem urbana, a partir do relatório da Comissão de
Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro cresceram as pressões pela reconstrução da
forma urbana da área central (ABREU, 2008).
A intervenção estatal se manifestaria primeiramente pela guerra aos cortiços,
empreendida pelo prefeito Barata Ribeiro em 1893, e se expandiria nas primeiras
décadas do século XX, principalmente pelas mãos do prefeito Pereira Passos.
A Reforma Pereira Passos, como ficou conhecida, literalmente destruiu as
marcas coloniais do centro do Rio e a reconstruiu segundo os cânones dominantes da
época, adaptando a cidade à nova era que chegava: da burguesia, da modernização dos
transportes e do automóvel. Maurício Abreu assim descreve esse momento:

A transformação da forma urbana visava sobretudo resolver as


contradições que ela apresentava. Era imperativo agilizar todo o
processo de importação/exportação de mercadorias, que ainda
apresentava características coloniais, devido à ausência de um
moderno porto. Era preciso, também, criar uma nova capital, um
espaço que simbolizasse concretamente a importância do país como
principal produtor de café no mundo, que expressasse valores e os
modus vivendi cosmopolitas e modernos das elites econômica e
política nacionais. Nesse sentido, o rápido crescimento da cidade em
direção à zona sul, o aparecimento de um novo e elitista meio de
transporte (o automóvel), a sofisticação tecnológica do transporte de
massa que servia às áreas urbanas (o bonde elétrico), e a importância
cada vez maior da cidade no contexto internacional não condiziam
com a existência de uma área central ainda com características
coloniais, com ruas estreitas e sombrias, e onde se misturavam as
sedes dos poderes político e econômico com carroças, animais e
cortiços. Não condiziam, também, com a ausência de obras suntuosas,
que proporcionavam “status” às rivais platinas. Era preciso acabar
com a noção de que o Rio de Janeiro era sinônimo de febre amarela e
de condições anti-higiênicas, e transformá-la num verdadeiro símbolo
do “novo Brasil”. (ABREU, 2008, p. 49)

Tratava-se, pois, de um esforço de hierarquização espacial da cidade do Rio de


Janeiro segundo seu conteúdo de classe: o centro para o exercício do poder e da
acumulação de capital; a zona sul para residência dos ricos e abastados; o subúrbio para
moradia dos pobres. O impacto social da Reforma Pereira Passos foi incomensurável.
121

Milhares de casas e cortiços onde residiam os trabalhadores e operários pobres do


centro foram demolidos, sem contrapartidas efetivas de habitação para essas
populações, que em parte seguiram a linha do trem para os subúrbios e, contrariando a
expectativa das elites, ocupar os morros em derredor às áreas valorizadas, formando as
favelas.
Como ficou claro na citação de Maurício Abreu, o elemento simbólico foi
fundamental como discurso para a modernização urbana da cidade. Sobre o tema,
Carlos Lessa (2005) afirma que as inúmeras reformas empreendidas pelo Estado
(prefeitura e União) na cidade do Rio de Janeiro reafirmaram a capacidade civilizatória
brasileira, apesar de sua “tropicalidade”40, equipando a capital com os melhores
engenhos tecnológicos da época, como a eletrificação do transporte e da iluminação
pública, as técnicas modernas de construção civil (que permitiu, inclusive, o início da
verticalização), a construção de monumentos dignos das cidades europeias, enfim,
reconstruindo a cidade segundo os cânones urbanísticos mais apreciados na época. A
capital brasileira não teria mais do que se envergonhar vis-à-vis as capitais de outros
países, inclusive Buenos Aires, a invejada rival do Rio de Janeiro na América do Sul.
Não há como deixar de mencionar que esse período de enormes gastos na
reconstrução da cidade do Rio de Janeiro coincidiu temporalmente com a decadência
econômica do antigo Estado do Rio de Janeiro pela desarticulação de seu setor agrícola.
A aparência de prosperidade (segundo o ponto de vista das elites) conspicuamente
demonstrada na paisagem urbana foi possibilitada, efetivamente, pela condição de
capital do Rio de Janeiro, que como tal concentrava parte dos recursos públicos
acumulados pelo governo federal.
Os efeitos de encadeamento das próprias obras foram importantes para a
economia urbana e aumentaram a atratividade imigratória da cidade (e o crescimento
das favelas), visto a disponibilidade de empregos na construção civil, além da indústria.
(ABREU, 2008)
Segundo Carlos Lessa (2005), apesar de durante a República Velha ter se
construído no bojo dessas modernizações o mito da cidade maravilhosa, sintetizada na
exuberância natural associada à capacidade de domínio dessa mesma natureza na

40
Segundo Lessa (2005), a intelectualidade brasileira de fins do século XIX e início do século XX se
debatia em torno da questão se seria possível o processo civilizatório no Brasil dada a natureza
exuberante que desestimulava a ação empreendedora humana e, claro, a predominância do componente
afro e miscigenado na população. Assim, a reforma urbana, ao contornar as dificuldades do sítio, provava
a capacidade das elites brasileiras em destruir o passado colonial português e inserir o Brasil no moderno
mundo industrial.
122

construção da cidade, o incômodo de segmentos das elites políticas com a formação


socioespacial carioca continuou mal resolvido.
Marly Silva da Motta (2001) fala da existência de uma ambiguidade na
identidade política da capital: por um lado o projeto de construção de uma capital
despolitizada, onde os grandes temas nacionais seriam pensados, mas isenta das
mesquinharias dos interesses políticos locais, principalmente as manifestas pela maioria
pobre da população; por outro, o cotidiano da população era permeado pela política em
seus pormenores, visto que a proximidade do poder central fazia do Rio de Janeiro a
primeira área de impacto das ações do Estado, apesar da predominância do viés
autoritário dos governos que buscavam excluir a população das negociações políticas41.
Não obstante, “no Rio de Janeiro, havia excesso de política. Fazia-se política no
Catete, no Congresso, na prefeitura, no Conselho Municipal. Fazia-se política nos
sindicatos, nos partidos, nos clubes. E fazia-se política nas ruas” (MOTTA: 2001, p.
59). Daí o incômodo com a população agitada e revoltosa do Rio de Janeiro.
Além disso, apesar de a cidade ter se caracterizado como campo político do
nacional, aí prosperou a velha prática do clientelismo e das trocas de favores em bases
políticas locais (OSORIO DA SILVA, 2004), em muito estimuladas pela própria falta
de autonomia decisória da prefeitura, cujo prefeito além de ser nomeado pelo
presidente, era refém da Câmara e do Senado Federal, como testemunhou Erasmo
Martins Pedro:

O prefeito tinha 15 dias para sancionar uma lei que, depois, passava
pela Câmara dos Vereadores. Se vetasse, o veto não retornava à
Câmara, ia para o Senado, o único que podia derrubá-lo. Portanto, a
articulação da Câmara Municipal com o Senado era uma articulação-
chave. Tanto que alguns vereadores entravam em acordo com os
senadores e apresentavam determinados projetos meio absurdos que
obrigavam o prefeito a vetar. O veto ia, então, para o Senado, e lá sua
manutenção era negociada. Essa negociação, muitas vezes, era a
oportunidade para a distribuição de cargos e empregos. (...) A grande
parte dos bons cargos – Delegacia Fiscal, Tabelionato e cartórios do
antigo Distrito Federal – eram ocupados por filhos de senadores ou
parentes dos senadores. (MOTTA apud OSÓRIO DA SILVA: 2004,
p.71)

41
Com exceção do governo do prefeito Pedro Ernesto, que segundo Marly Silva da Motta tentou dar
contornos democráticos e participativos à sua administração, mas que acabou sendo uma exceção que
confirmou a regra.
123

Assim, com exceção da Constituição de 1937, o projeto da transferência da


capital para o interior do país continuou presente, até sua execução pelo governo de
Juscelino Kubitschek em 1960. Marly Silva da Motta (2001) faz menção de três linhas
interpretativas que explicaram as causas motivadoras para a monumental execução da
criação de uma nova capital: o objetivo geopolítico, desenvolvido pela tese de José
William Vesentini; o reciclado desejo de construção de uma capital moderna que
representasse a modernidade do “novo Brasil, analisando por James Holston; e o
objetivo econômico da emergente burguesia industrial de expandir as fronteiras do
capitalismo monopolista, para a qual a interiorização da capital seria um passo
fundamental — tese defendida por Luis Carlos Lopes.42
Apesar da identificação dessas três causas diferentes para o mesmo evento, essa
autora aponta que em todos os estudos, a agitação política da população carioca seria
uma perturbação constante à administração governamental, ou seja, o Rio de Janeiro já
não teria as condições para ser a “cabeça do Brasil”.
Ante a inevitabilidade da transferência de capital patenteada com o início das
obras de construção de Brasília, a nova identidade a ser assumida pela cidade do Rio de
Janeiro na federação brasileira foi objeto de um acalorado e polêmico debate político,
em que três propostas entraram em cena: a execução do preceito constitucional de 1946,
que garantia à cidade a transformação em Estado da Guanabara; a transformação da
cidade em território da Guanabara; a municipalização e a fusão com o Estado do Rio de
Janeiro (MOTTA: 2001).
De autoria do então Ministro da Justiça, Cirilo Júnior, a proposição da
transformação da cidade em território federal tinha como principal argumento a
manutenção do custeio da cidade pela União, garantindo a proximidade da cidade ao
Governo Federal.
Além disso, buscava-se anular o jogo político-eleitoral na cidade com vistas para
a eleição de 1960, o que foi motivo de grandes protestos na arena política carioca. Por
outro lado, a proposta, ao tentar manter o vínculo institucional com a União, algo caro
para alguns segmentos da elite carioca, impedia o alcance de outro grande desejo, a
autonomia. No balanço entre as duas alternativas, o Rio de Janeiro de capital da
república a mero território federal seria um rebaixamento inaceitável no status carioca
(MOTTA, 2001)

42
A autora se refere aos livros, respectivamente: A capital da geopolítica; A cidade modernista; Projeto
Brasília: modernidade e história.
124

A municipalização e a integração da cidade ao antigo Estado do Rio de Janeiro


tinham como principal argumento a dotação de um território, uma economia e um
mercado ampliado para a cidade do Rio de Janeiro, permitindo-lhe ampliar sua
influência no âmbito regional, ao mesmo tempo que, em se mantendo como capital
estadual, não perderia sua função institucional.
As críticas a esse projeto foram várias, tanto por parte de cariocas quanto de
fluminenses. Esses últimos se preocupavam com o fato de que a união com a cidade do
Rio de Janeiro esvaziasse ainda mais a economia fluminense, transformando o estado
em um grande “subúrbio” carioca. Por isso, alguns defenderam que, no caso de uma
fusão, a capitalidade estadual fosse para uma cidade do interior, como Petrópolis ou
Campos dos Goytacazes. Pelo lado carioca, temia-se a perda de status da cidade, que ao
abandonar a pretensão de se tornar uma cidade-estado, deixaria de ser um caso sui
generis na federação brasileira, condição merecida pelo Rio de Janeiro pelo fato se
transformar numa futura ex-capital federal. (MOTTA, 2001)
Por fim, a criação do Estado da Guanabara engendraria essa condição especial
almejada pelo regionalismo carioca, existindo, porém, duas alternativas de inserção
dessa nova unidade na federação brasileira.
Uma seria a estadualização plena da Guanabara (que passaria, por exemplo, pela
criação de municípios a partir dos bairros cariocas), que viabilizaria a implementação de
políticas regionais de desenvolvimento e o consequente abandono de qualquer pretensão
de continuar a ser palco da política nacional, como qualquer outra UF.
A outra proposta seria a afirmação da tradição política da cidade que, em vez de
se tornar uma UF, deveria se assumir como cidade-estado, rejeitando o provincianismo
e o “caciquismo” e dando continuidade a uma ideologia política de cunho nacional.43
Seria mantida, também, a ambiguidade em suas relações com a União, a qual
deveria indenizar o Rio de Janeiro pelas perdas causadas pela saída da capital e custear
parte dos serviços de utilidade pública que nas outras unidades da federação eram
sustentados pelos governos estaduais (MOTTA, 2001).
Apesar de todo o debate que se deu nos anos anteriores à fundação de Brasília,
no final das contas se executou o que estava previsto na Constituição de 1946: o antigo

43
A transformação da Guanabara num estado típico passaria pela sua divisão em pequenos municípios,
que arrecadariam, por seu turno, seus próprios tributos municipais. A opção pela cidade-estado traria a
vantagem de se manter a dupla tributação, estadual e municipal, sendo esta última concentrada em uma
única prefeitura.
125

Distrito Federal se transformou no Estado da Guanabara, que durante 15 anos foi a


única experiência de cidade-estado na história brasileira.
O período possui profunda significação no imaginário carioca, quando a cidade
do Rio de Janeiro pareceu manter sua centralidade enquanto espaço da política
nacional, marcadamente durante o período da administração de Carlos Lacerda (1961 -
1965), que pode ser apontado como principal catalisador do projeto de fazer do Rio a
capital de fato, apesar da presença de Brasília. Foi também um período de grande
capacidade de intervenção do governo da Guanabara na infraestrutura urbana,
principalmente no período anterior à Constituição de 1967, que limitou a capacidade
fiscal dos entes estaduais.
Sobre esse tema, Angela Moulin Penalva Santos (1990) considerou a hipótese de
que a abundante capacidade fiscal da Guanabara antes de 1967 tenha permitido a
implementação de uma verdadeira reforma urbana na cidade, adaptando-a a novas
demandas surgidas com a instalação do setor de bens de consumo duráveis no Brasil,
principalmente a indústria automobilística, sendo, ainda, parte da estratégia de
desenvolvimento da economia carioca, consolidando-a como segundo polo econômico
do país (PENALVA SANTOS, 1990).
Tendo em vista o avanço de São Paulo e a tomada de consciência pelas elites
cariocas do processo de “esvaziamento” da Guanabara, seria necessário o governo
estadual assumir uma atitude proativa na resolução dos entraves que dificultavam o
crescimento da economia carioca. A questão principal, segundo a interpretação da
época, era que a Guanabara não atraía fábricas devido à falta de locações propícias à
indústria, já que a opção pela industrialização a partir da periferia metropolitana seria
inviável devido à cisão institucional.
A reestruturação viária levada a cabo pelo EG visava a melhorar a acessibilidade
a áreas do Rio de Janeiro ainda parcamente ocupadas, marcadamente a Zona Oeste.
Criou-se, também, o Distrito Industrial de Santa Cruz, que, em tese, resolveria o
problema da indisponibilidade de terras para a instalação de novas indústrias na
Guanabara.
Na avaliação dessa autora, quando tais iniciativas começaram a render frutos, a
diminuição da capacidade de intervenção dos governos estaduais após 1967 e a
imposição da fusão abortaram o potencial de alavancagem econômica das obras de
infraestrutura realizadas durante os governos Lacerda (1961-1965) e Negrão de Lima
(1965-1970).
126

Enfim, o que ficou demarcado do período guanabarino foi que a centralização


dos recursos propiciados pela dupla tributação44, pelos resquícios da presença da
burocracia federal, que garantia uma renda per capita elevada, e o viés elitista da
intervenção estatal no espaço urbano geraram um aumento das disparidades entre o
núcleo e a periferia da metrópole, que enquanto materialidade já não respeitava os
limites político-administrativos entre a Guanabara e o antigo Estado do Rio de Janeiro.
Desse modo, também na “questão metropolitana” se manifestou uma questão
regional fluminense de uma forma que as elites cariocas não conseguiriam, sem muito
esforço, desconsiderar.

3.6- A formação da área metropolitana do Rio de Janeiro: o desenvolvimento


desigual na escala urbano-regional

A histórica centralidade da cidade do Rio de Janeiro fez dela um destino


preferencial para os fluxos migratórios ocorridos no Brasil, tanto de brasileiros quanto
de estrangeiros que chegaram ao país. Ao longo do processo de industrialização e de
integração do mercado nacional pós-1930 liderado pela economia paulista e da
consequente desestruturação das economias regionais do arquipélago nacional, houve
uma aceleração da urbanização carioca, cujo mercado urbano (indústria e serviços)
atraiu imigrantes que fugiam da pobreza e das condições de vida em seus locais de
origem.
O próprio esforço estatal de constante renovação urbana, em busca de um ideal
de uma capital condizente com as pretensões de civilização das elites brasileiras, foi um
grande fator de atração de mão de obra não qualificada.
No início desse processo de metropolização, os imigrantes seriam originários do
próprio Estado do Rio de Janeiro ocorrendo, também, um adensamento dos fluxos
originados do Nordeste a partir da década de 194045 (CASTRO: 1979 apud LAGO:
1995).
Durante esse processo, a morfologia urbana foi determinada pelas características
do sítio geográfico, permeado por montanhas, vales estreitos, mangues e pântanos,

44
A dupla tributação refere-se ao fato de que com o estatuto jurídico de cidade-estado, o EG recolhia
tanto os impostos de caráter municipal quanto os impostos estaduais, concentrando os recursos públicos
sob o controle de uma só administração.
45
O resultado foi que o Rio de Janeiro saiu de pouco mais de 1 milhão e 700 mil habitantes em 1940,
quando ainda era a maior cidade do Brasil, para mais de 9 milhões em 1980.
127

limitando a expansão centro-radial da metrópole. Considerando que a questão da


acessibilidade era fundamental para a ocupação de novas áreas para o uso urbano, a
cidade cresceu em duas direções principais, seguindo os eixos da circulação formados
pelos bondes, em direção à Zona Sul, e os trens, em direção ao recôncavo da Guanabara
(as estradas de ferro Central do Brasil, Leopoldina e Rio D’ouro).
Já nesse período, a divisão social do espaço urbano já estava delineada, grosso
modo, com o centro localizando as atividades ligadas à administração pública e os
serviços; os bairros ao redor de São Cristóvão, as indústrias; a Zona Sul, em franco
processo de expansão e verticalização, para as elites e o segmento mais abastado da
classe média; e os subúrbios para a habitação da massa trabalhadora.
Essa estruturação, inscrita nos diversos projetos elaborados para a renovação
urbana, foi diversas vezes desafiada pelas necessidades de reprodução econômica da
cidade, manifestada pela ocupação dos morros pelas favelas, estratégia importante para
a sobrevivência de parte do mercado de trabalho não qualificado da cidade.
A história da urbanização do Rio de Janeiro na sua área elitizada é marcada pela
relação ambígua das classes sociais dominantes com o fenômeno da favela: por um lado
elas foram (e são) um incômodo constante para a estética urbana das elites; por outro,
elas foram (e são) muito funcionais para o suprimento de mão de obra do setor de
serviços da área central e da Zona Sul, incluindo os serviços domésticos dessas mesmas
elites.
A Baixada Fluminense sempre foi uma extensão da cidade do Rio de Janeiro,
seja como retaguarda de provisão de gêneros agrícolas para o mercado urbano carioca e
para exportação; seja como passagem obrigatória das conexões terrestres da cidade com
o interior.
Apesar de sua topografia mais suave do que as que limitavam a expansão da
cidade do Rio de Janeiro para a Zona Oeste, a abundância de pântanos era um desafio
que deveria ser enfrentado para um melhor aproveitamento da área — a princípio,
pensada ainda como retaguarda rural da cidade do Rio.
Por isso, em meados do século XX um enorme esforço de saneamento foi
empreendido pelo governo federal, além da instalação de colônias agrícolas, a
retificação e a pavimentação de estradas preexistentes, a construção de novas vias e a
eletrificação e as melhorias técnicas das ferrovias que ligavam a capital à Baixada
(SEGADA SOARES, 1995).
128

Melhoradas as condições de ocupação e acessibilidade, logo a Baixada se


tornaria uma locação privilegiada para a instalação de parte significativa das correntes
migratórias com destino à cidade Rio de Janeiro, superando os limites determinados
pela cisão institucional entre Distrito Federal e Estado da Guanabara:

As vastas extensões planas ou quase planas da baixada, depois de


saneadas, passaram a atrair a metrópole, que crescia, levando-a a
desprezar outras áreas de sua própria jurisdição, como as baixadas de
Jacarepaguá e Sepetiba, menos qualificadas, por diversos fatores, para
servir à expansão da urbe. (SEGADA SOARES, 1995)

A ocupação da Baixada caracterizou-se por sua fragmentação, sendo


denominada por Abreu (2008) urbanização em “pulos”, resultado da estratégia adotada
pelos incorporadores imobiliários de lotear para a população de baixa renda os terrenos
mais distantes, mas acessíveis pelas ferrovias ou rodovias, e deixar os terrenos
intermediários para posterior valorização (ABREU, 2008).
Parte desses terrenos intermediários foi ocupada pelas indústrias, que a partir de
1930 procuravam se instalar nas imediações das três ferrovias que cortavam o subúrbio
carioca e, a partir de 1946, a área servida pela recém-inaugurada Avenida Brasil.
Desde a década de 1930, a ação estatal formalizou a utilização dos subúrbios
para localização industrial, aproveitando os eixos de circulação supramencionados,
forçando a indústria das zonas Sul e Norte e área central a se transferirem para essas
novas áreas, liberando aquelas para a especulação imobiliária propiciada pela constante
valorização de seus terrenos (ABREU, 2008).
Com a inauguração da Rodovia Presidente Dutra, em 1951, reforçou-se a
expansão urbana por Nova Iguaçu46, que logo foi conurbada com o restante da área
metropolitana, atraindo novas indústrias por meio de incentivos fiscais concedidos pelo
governo do então Estado do Rio de Janeiro (ABREU, 2008). A partir dessa conjugação
entre a disponibilidade de novas áreas para habitação popular e a instalação de novas
indústrias na periferia metropolitana, em particular na Baixada Fluminense, nota-se uma
verdadeira explosão demográfica nessa área, superando em larga medida o crescimento
demográfico verificado no núcleo metropolitano (Zona Sul, Zona Norte e Área Central),

46
Segundo Maurício Abreu (2008) Nova Iguaçu foi até a Segunda Guerra preservada da onda
urbanizadora por conta da presença importante da citricultura de exportação naquele município. As
restrições de exportação geradas pelo conflito mundial, porém, deflagraram uma profunda crise na
atividade, que em poucos anos deixou de existir, abrindo espaço para, enfim, a incorporação da sede
municipal à área metropolitana.
129

restringido por um maior controle estatal, apesar da expansão das favelas nessas áreas
também.
É marcante nesse espaço metropolitano a enorme disparidade de infraestrutura
entre o núcleo, os subúrbios e a Baixada Fluminense, que hierarquizados socialmente,
tiveram imensas desigualdades no recebimento de melhoramentos urbanísticos por parte
da ação estatal.
O núcleo, como já descrito, foi alvo de inúmeras “cirurgias” com fins de adequar
a morfologia urbana aos desideratos estéticos e societários das elites dirigentes. Os
subúrbios seriam destinados aos pobres, que, segundo a utopia “cariocêntrica”, não
deveriam “sujar” a imagem modernizada pretendida para a cidade maravilhosa.
Também a indústria, como mencionado, deveria se deslocar para essas áreas,
devido à sua capacidade de atração de proletários e à necessidade de se usar os terrenos
do núcleo metropolitano para habitação das elites ou para os serviços ligados à
administração pública e empresarial.
Quanto à ocupação da Baixada, pode-se considerar apenas um efeito fortuito,
visto que a cisão institucional entre o Distrito Federal/Guanabara e o Estado do Rio de
Janeiro não a incluía (Baixada) nos projetos para a cidade do Rio, apesar da estreita
vinculação já mencionada acima.
Assim, se configurou na área metropolitana o desenvolvimento desigual também
verificado na escala estadual, em que a cidade do Rio de Janeiro, especificamente no
seu núcleo metropolitano, concentrou a riqueza social gerada na metrópole em formação
(com as indústrias e com a oferta de mão de obra), tal qual secularmente vinha se
operando com a drenagem da riqueza do interior fluminense (e do país, enquanto
capital).
É muito significativo que o principal livro sobre a formação do espaço urbano
carioca, o clássico de Maurício Abreu A evolução urbana do Rio de Janeiro, tenha
como fio condutor essa dicotomia inscrita no espaço urbano carioca originada das
contradições do desenvolvimento capitalista brasileiro.
A ação estatal (governo federal e municipal) realizou intervenções urbanísticas e
regulamentou de modo segregador as áreas ocupadas pelas elites a partir de fins do
século XIX, de modo a “garantir a rentabilidade do capital público e privado investido
em equipamentos e serviços públicos” (LAGO: 1995).
Os subúrbios foram sistematicamente esquecidos, sendo regulados praticamente
apenas pelos especuladores privados, que gastavam o mínimo na incorporação para
130

habitação popular. Fatos notáveis desse processo de hierarquização do espaço foram as


remoções dos cortiços e das favelas no núcleo metropolitano, realizados em vários
momentos e sempre buscados nos diversos planos urbanísticos elaborados durante o
século XX.
Essas populações foram obrigadas a se deslocar para os subúrbios e,
posteriormente, para a Baixada Fluminense, tanto sob a intervenção direta do Estado no
tocante à construção de conjuntos habitacionais populares nessas áreas quanto pela via
da aquisição privada dos lotes mais baratos e com alguma acessibilidade às linhas
férreas ou aos eixos rodoviários mais tarde construídos, forma predominante que
caracterizou a descontínua metropolização carioca (SEGADA SOARES: 1995).
A dicotomia da área metropolitana do Rio de Janeiro foi também matriz de
representações simbólicas importantes, difundidas pelas elites e que serviram para
estigmatizar a classe trabalhadora moradora dos subúrbios e da Baixada. O subúrbio se
tornou sinônimo de baixa civilidade, de falta de modos e educação, sendo a Baixada
Fluminense uma espécie de periferia do subúrbio, ainda menos prestigiada.
Nelson Nóbrega Fernandes (2011) denomina esse processo de estigmatização de
“rapto ideológico”, quando um determinado grupo social se apropria de um conceito
redefinindo-o segundo seu nexo discursivo, que na visão desse autor ocorreu com a
“categoria subúrbio”.
Tal imaginário construído é mais uma manifestação de certo discurso
regionalista que propaga a ideia de centralidade carioca, nesse caso entre o núcleo
metropolitano civilizado e a periferia urbana empobrecida, manifestando-se, também,
no debate da fusão, destacando uma preponderância carioca sobre um arcaico e
provinciano Estado do Rio de Janeiro.
Por fim, cabe mencionar que a conurbação metropolitana gerou dificuldades
para as administrações guanabarinas durante a estruturação da política econômica após
a transferência da capital, em particular no que se refere à política industrial.
Nessa época, já era bastante difundida a ideia de que a Guanabara perdera, há
muito, a corrida pela hegemonia industrial para a região metropolitana de São Paulo,
correndo ainda o risco de perder espaço para Minas Gerais e o antigo Estado do Rio de
Janeiro. Assim, além dos fortes investimentos na "cirurgia” urbana durante os governos
de Lacerda e Negrão de Lima, a reafirmação da vocação industrial da Guanabara era um
desiderato importante, tanto que em 1961 criou-se a COPEG (Companhia Progresso do
131

Estado da Guanabara), durante o governo provisório de Sette Câmara (OSORIO DA


SILVA, 2004).
Segundo a interpretação corrente à época, o principal problema para a
alavancagem industrial da Guanabara era a falta de terrenos para a instalação de fábricas
que, esperava-se, poderia ser facilmente resolvida pela adoção da política de construção
de distritos industriais em Santa Cruz, principalmente.
Essa estratégia era uma tentativa de superar o inconveniente do uso do espaço
metropolitano externo à Guanabara pelas indústrias interessadas em atuar no mercado
carioca. Ou seja, ensaiou-se entre a Guanabara e o Estado do Rio de Janeiro uma
verdadeira “guerra de lugares”.
Para Osório da Silva (2004), a interpretação da “falta de terrenos” era
equivocada pela falta de uma análise estrutural da economia da Guanabara frente à
conjuntura da economia brasileira e da internacional, assim como na interação entre a
Guanabara e o Estado do Rio de Janeiro.
Não foi fortuito que a política de desenvolvimento de distritos industriais não
conseguiu concretizar o fim almejado, resultando em baixíssima taxa de ocupação, em
parte porque, apesar do discurso centralizado na industrialização, os governos da
Guanabara, principalmente os de Lacerda e Negrão de Lima, focaram mais na expansão
viária, que não teria como objetivo principal a indução do desenvolvimento econômico.
Assim, a expansão metropolitana demarcou as dificuldades geradas pela cisão
institucional entre a Guanabara e o Estado do Rio de Janeiro, visto que do ponto de vista
da dinâmica territorial, o espaço metropolitano exigiria a solução via integração, formal
ou não. Por isso, no âmbito do discurso pró-fusão, a necessidade de viabilização de uma
política metropolitana era um importante argumento pelos interessados em dotar a
cidade do Rio de Janeiro de um “espaço vital”.

3.7- Por que a cidade do Rio de Janeiro não dinamizou seu entorno?

Nos itens anteriores procurou-se descrever o processo histórico-estrutural que


levou ao desenvolvimento desigual no território do atual Estado do Rio de Janeiro,
considerando a evolução econômica e territorial fluminense a partir de seus principais
determinantes.
Nesse item o objetivo é compreender como foi possível uma cidade tão
importante e central para a formação econômica e social brasileira ser circundada por
132

uma periferia metropolitana tão empobrecida e um interior em sua maior parte tão
pouco representativo. Ao invés de dinamizar seu entorno, a cidade do Rio de Janeiro,
em sua articulação com o restante do atual Estado do Rio de Janeiro, drenou grande
parte da renda gerada no território fluminense, principalmente, após a instalação da
burocracia da capitalidade estatal.
Sem o capital mercantil carioca, o ciclo cafeeiro fluminense provavelmente não
teria acontecido, mas o grande beneficiário dessa atividade não foi o interior
fluminense, onde o café foi plantado, mas a cidade do Rio de Janeiro, que auferia
grandes lucros como praça de exportação do produto.
Enquanto o acesso à cidade do Rio era precário, começaram a surgir pequenas
vilas no interior fluminense, algumas das quais com algum dinamismo econômico. Mas
quando se modernizou a rede de circulação no território fluminense, principalmente
com a implantação das ferrovias, o acesso facilitado à cidade do Rio tornou essas
pequenas cidades obsoletas, sem mercado urbano significativo — logo, com reduzida
influência regional.
A exceção foi justamente Campos dos Goytacazes, que, relativamente isolada do
Rio de Janeiro, transformou-se em uma verdadeira capital regional no Norte
Fluminense, situação que perdura até hoje. Mesmo os surtos de industrialização
ocorridos no interior foram uma extensão da influência da metrópole, nos eixos de
integração com outros grandes centros do Sudeste, principalmente o eixo Rio-São
Paulo, que viabilizou a instalação industrial no Médio Paraíba, ao redor de Volta
Redonda, processo marcado pela ação do investimento estatal.
Tal situação, presente pela hegemonia do capital mercantil carioca, foi
potencializada pela presença da capitalidade, tanto no Império quanto na República. A
cisão institucional inaugurada pela criação do Município Neutro em 1834, com a função
de diminuir as tensões localistas em prol da causa nacional, reforçou a ideologia do Rio
Nacional que marca fortemente a alma carioca, desconstruindo a identidade existente
com o entorno fluminense, apesar das articulações econômicas e demográficas que
continuaram ocorrendo.
É essa a matriz da crença de que o Rio não desenvolveu um pensamento
regionalista, preso que estava às grandes questões nacionais. De fato, tendo em vista sua
pretensão em ser o locus da síntese nacional manifestou-se um regionalismo sui generis,
133

um certo cariocentrismo47. Todas as iniciativas de reestruturação urbana desde a


Reforma Passos demonstram cabalmente que as elites dirigentes do Rio de Janeiro
(sejam do Governo Federal, sejam municipais) sempre pensaram na cidade e no seu
desenvolvimento. O que o Rio não fez foi pensar-se inserido na antiga Província
Fluminense.
Por isso mesmo, ao entrar em profunda decadência econômica após o
esgotamento da cafeicultura, a antiga Província não tinha mais a cidade do Rio como
núcleo, ainda que esse continuasse a exercer sua poderosa influência no sentido de
atrofiar um maior desenvolvimento urbano do interior. Esse fenômeno ficou ainda mais
claro no entorno metropolitano, que, materialmente articulado com a cidade do Rio em
um mesmo espaço urbano, sofreu com as descontinuidades de investimentos entre o
núcleo e a periferia.
Em tudo isso, a cisão institucional e a capitalidade tiveram um papel
fundamental na reprodução dessa contradição territorial. Continuando a drenar os
recursos nacionais, garantindo-lhe uma alta renda per capita, a cidade do Rio de Janeiro
teve sempre reiterada sua capacidade de investimento e de expansão da economia
urbana.
A crise fluminense cafeeira não trouxe incômodos ao Rio, que conseguia
manter-se autonomamente como principal praça financeira e, até os anos de 1940,
principal polo de industrialização do país. Entretanto, era uma economia em grande
parte voltada para si mesma e sustentada pela demanda originada do setor público.
Esse insulamento da cidade do Rio de Janeiro pôde ser sustentado até que a alta
burocracia federal fosse transferida para Brasília e, finalmente, as elites cariocas
tivessem que lidar com a chegada da crise fluminense no próprio espaço carioca. A
partir daí, o discurso do esvaziamento rapidamente ganhou adeptos e o regionalismo
que considera o Rio como um espaço especial na federação brasileira se tornou
evidente.
Nesse momento, também surge o discurso daqueles que desejam uma retroárea
expandida para a cidade do Rio, que poderia, finalmente, voltar a ser a “cabeça” do
estado. Nesse momento começa de modo mais consistente o debate que permitiu a
problematização das contradições que fundamentavam a questão regional fluminense e
a sua inserção no debate público.

47
Esse termo criado por Passos et al (2007) para rotular o discurso desfusionista que de tempos em
tempos aflora na imprensa e nas vozes de políticos cariocas.
134

3.8- A cisão político-institucional e o processo da fusão: a questão regional


fluminense no centro da polêmica

A fusão da Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro é um tema muito sensível


na memória fluminense, sendo, segundo Ferreira (2006), um polêmico tema tabu. No
período atual, a fusão foi alçada pelo discurso regionalista carioca à condição de
principal causa da crise do ERJ, já que a cidade foi obrigada pelo autoritarismo da
Ditadura a carregar um estado que em nada teria a contribuir para a ex-capital da
República.
Apesar desse discurso, há de se considerar que, de fato, a forma como a fusão foi
executada representou um dos mais destacados eventos do autoritarismo do regime
militar, que por desconsiderar toda a complexidade do tema e as divergências entre os
dois estados, reabriu as ainda não cicatrizadas feridas causadas pela perda da
capitalidade, além de criar novos e difíceis problemas oriundos da união sumária dos
territórios, que possuíam muitas diferenças institucionais e políticas.
Nas seções anteriores, procurou-se demonstrar que, concretamente, havia fortes
articulações entre a cidade do Rio de Janeiro e o antigo Estado do Rio de Janeiro, tanto
no que concerne à evolução da economia regional quanto no que se refere à formação
da área metropolitana. Essas articulações espaciais engendraram problemáticas e
contradições que sobrepujavam os limites político-administrativos impostos pela
separação da cidade do Rio de Janeiro de seu entorno enquanto Distrito Federal e
Estado da Guanabara.
Apesar dessa notória continuidade socioespacial, no campo simbólico já perfazia
140 anos de formações identitárias distintas, marcadamente no campo político, em que
cada unidade produzira relações de poderes e atores políticos distintos: a cidade do Rio
de Janeiro, caracterizada pela ambiguidade entre a política nacional e as relações
clientelísticas locais; o Estado do Rio de Janeiro, como outro estado qualquer,
dominado, via de regra, pelas pautas e demandas das elites políticas locais.
Em suma, enquanto do ponto de vista concreto já havia certa unidade entre o
Distrito Federal / Guanabara e o Estado do Rio de Janeiro, do ponto de vista simbólico e
político essa unidade era marginal, predominando as diferenças no campo político e
cultural.
Foi essa ambiguidade que caracterizou o debate sobre a possibilidade de fusão
da cidade com o Estado do Rio, sendo, em linhas gerais, o argumento técnico / material
135

o utilizado pelos defensores da fusão e o argumento simbólico / político o proclamado


pelos contrários à medida.
O tema já era antigo no debate político nacional, remontando à Constituição de
1891, quando se lançou o projeto de transferência da capitalidade para o Planalto
Central, em que a nova identidade a ser assumida pelo Distrito Federal era alvo de
controvérsias na esteira do sonho carioca de conquistar autonomia frente ao Governo
Federal no que concerne à resolução de seus próprios problemas.
Segundo Ferreira e Grynszpan (1994) na primeira constituinte republicana, Nilo
Peçanha e Quintino Bocaiúva já se opunham à manutenção da cisão entre o Distrito
Federal e o Estado do Rio de Janeiro, propondo a criação de nova UF que os unisse. Em
1934, o representante fluminense na constituinte, general Cristóvão Barcelos, defendeu
novamente a medida, o mesmo ocorrendo na constituinte de 1946, em que a tese da
autonomia carioca saiu vencedora.
Quando a construção de Brasília saiu do papel e a transferência formal da capital
se tornou inevitável, o tema da fusão retornou com força principalmente pelo viés da
imprensa, embora a Constituição de 1946 tenha previsto a instituição do Estado da
Guanabara.
Nesse ínterim, a questão regional fluminense emerge como questão central da
nova identidade do estado do Rio de Janeiro, tanto no discurso pró-fusão, que
geralmente pregava a inviabilidade do futuro Estado da Guanabara devido a sua
pequena extensão territorial, quanto no discurso pela autonomia carioca, que realçava a
imensa disparidade entre a Cidade e o Estado do Rio de Janeiro como óbice para um
eventual sucesso da fusão institucional dos territórios.
O editorial do Jornal do Brasil citado por Ferreira e Grynszpan (1994) descreve
com precisão a primeira tese:

Não há na verdade comunidade que possa avançar em ritmo acelerado


sem uma base territorial ampla, de expansão possível para as forças
que vão compô-la e configurá-la. A área do Distrito Federal, para
servir como a de um Estado, é por assim dizer ridícula, sem expressão
apreciável. Com a fusão, esta área adicionaria à de uma outra unidade
respeitável econômica e geograficamente falando. (FERREIRA;
GRYNSZPAN: 1994, 79-80)

A série publicada pelo jornal Correio da Manhã entre 12 de julho e 21 de agosto


de 1958 intitulada “Que será do Rio?” oferece uma excelente fonte sobre esses
discursos, em que os mesmos argumentos são repetidos ad nausean, sendo a base das
136

justificativas que posteriormente fundamentaram a vitória pela via autoritária da tese


pró-fusão. A julgar pelo inquérito dirigido pelo jornal, naquele momento a tese
fusionista agradava não poucos membros das elites cariocas e fluminenses, destacando-
se como vozes favoráveis à medida diversos indivíduos ligados a atividades técnicas,
acadêmicas, militares e políticas (deputados, senadores e ex-prefeitos)Os partidários da
fusão se preocupavam com os custos que a criação do Estado da Guanabara geraria para
os cofres públicos, principalmente pela provável necessidade de dividir o Distrito
Federal em várias pequenas prefeituras com suas respectivas câmaras, gerando todo o
tipo de problema advindo da proliferação da pequena política localista.
A fusão facilitaria a reorganização institucional do novo Estado do Rio de
Janeiro (ou da Guanabara, como propunham alguns) a partir do que já existia, cabendo
somente aparar as (difíceis) arestas das diferentes culturas e rendimentos existentes
entre o funcionalismo carioca e o fluminense.
A preocupação geoeconômica e geopolítica foi comum na defesa da fusão,
sendo manifesta no interesse de dar ao Distrito Federal o controle de um entorno onde
fosse possível consolidar um poderoso ente federativo, o segundo do Brasil, capaz de
dar vazão à grandeza da capital, até então limitada pelo pequeno território e pela falta de
autonomia política, irradiando o desenvolvimento para o entorno fluminense.
A existência dessa nova UF serviria, também, para conceder maior equilíbrio à
federação brasileira, muito criticada por sua imensa desigualdade entre pequenos
estados densamente povoados e grandes estados escassamente ocupados com pouca
projeção econômica. No âmbito dessa questão, a criação do Estado da Guanabara
serviria, além de tudo, para acentuar essas assimetrias federativas consideradas tão
danosas ao desenvolvimento econômico do país.
Por fim, outro argumento comum foi o da reconstrução da história fluminense
considerando a fusão um reparo da arbitrária separação da cidade do Rio de Janeiro de
suas raízes históricas e geográficas naturais. Veja-se a opinião de Alberto Lamego a
esse respeito:

Não há dúvida que as razões históricas e geográficas militam a favor


da integração das duas unidades federativas. Elas sempre estiveram
ligadas por esses fatores. A baía de Guanabara, a ria da Guanabara
(descoberta pelos portugueses num janeiro) é que ordenou de certo
modo a vida dos fluminenses, que têm esse designativo por causa
dela. Mais tarde é que se difundiu o termo carioca, mas no fundo
todos são fluminenses mesmo, sendo “Histórias Fluminenses” o título
137

de livro de contos de Machado de Assis cujo cenário é a cidade do


Rio. (CORREIO DA MANHÃ, 19 de julho de 1958)

No âmbito desse argumento que naturaliza o pertencimento do Distrito Federal


ao Estado do Rio de Janeiro existiam argumentos mais pragmáticos que realçavam a
dependência que a cidade tinha de vários insumos produzidos no Estado do Rio para seu
próprio abastecimento, como nos casos dos gêneros agrícolas, da água e da eletricidade,
que até então o governo fluminense não impunha empecilhos devido à presença do
Governo Federal. A fusão seria a formalização de um território que já era integrado
territorialmente, fosse no abastecimento da cidade pelo interior, fosse pela conurbação
metropolitana, que já impunha soluções urbanas integradas.
As vozes discordantes foram menos frequentes na pesquisa do Correio da
Manhã, destacando-se as vozes de ex-prefeitos do Distrito Federal. A preocupação
orçamentária era o principal tom da argumentação contrária à tese fusionista, apontando
para a discrepância do poder arrecadador entre o Distrito Federal e o Estado do Rio de
Janeiro, com claros prejuízos ao primeiro, que deveria redistribuir recursos que seriam
aplicados na cidade.

Fez ver ainda o senhor Henrique Dodsworth que o orçamento do


Distrito Federal é infinitesimalmente maior que o do Estado do Rio e
ressaltou que à Prefeitura sobram meios para colaborar na organização
do plano do futuro Estado. (CORREIO DA MANHÃ, 1958)

Mas o discurso orçamentário também teve réplicas no que se refere aos prejuízos
do antigo Estado do Rio. Esse era um ponto de vista menos mencionado sobre a
questão, que, contrário à opinião dominante, previa um maior esvaziamento econômico
fluminense devido ao provável domínio político carioca na Assembleia Legislativa e no
Executivo Estadual.
Segundo tal raciocínio, apesar de possuir um orçamento aquinhoado por recursos
federais e municipais, o antigo Distrito Federal nunca conseguira dar conta de suas
graves mazelas urbanas. Com a fusão, a cidade do Rio de Janeiro drenaria os recursos
fluminenses para continuar mitigando seus próprios problemas. Na visão do economista
Teixeira Leite, para quem as opiniões expressas na série “Que será do Rio?” só se
preocupavam com os ganhos e as perdas do Distrito Federal, obscurecendo o ponto de
vista fluminense, o Estado do Rio corria o risco de transformar-se em um subúrbio
ampliado da capital.
138

Se atualmente a poucos quilômetros da sede do Palácio da Guanabara,


as populações suburbanas vivem em quase completo abandono,
imagine-se quando os subúrbios da nova Capital forem ampliados
para 45 mil quilômetros quadrados? A terra fluminense sofrerá em
todos os sentidos uma capilis diminutiu máxima: Campos valendo
tanto quanto Brás de Pina e Barra Mansa, por exemplo, ficando
equiparada a Cordovyil. (CORREIO DA MANHÃ, 31 DE JULHO
DE 1958)

Para além da questão orçamentária, o elemento simbólico também foi lembrado


como justificativa para a criação do Estado da Guanabara, realçando os aspectos
peculiares da cultura política carioca como espaço da capitalidade.
A criação do Estado da Guanabara seria uma oportunidade ímpar de o Distrito
Federal se tornar uma unidade federativa modelar no país, prezando por uma
administração racional, eficiente e democrática. Essa concepção posteriormente
orientou a administração Lacerda a construir seu projeto político através da manutenção
da cidade do Rio como capital de fato do Brasil, palco das grandes questões nacionais.
Finalmente, com relação ao argumento territorial amplamente utilizado pelos
defensores da tese fusionista, o discurso pró-Guanabara apontava que a questão da
disponibilidade de espaço não tinha significado importante, mencionando a existência
de inúmeros países muito pequenos, como a Bélgica e os Países Baixos, que alcançaram
avançados níveis de desenvolvimento econômico, enquanto no próprio Brasil as
unidades federativas de maior extensão eram, também, as menos desenvolvidas48.
Apesar desse debate refletido pelo jornal Correio da Manhã, no campo político
institucional a problemática não avançou. Após a inauguração de Brasília, a criação do
Estado da Guanabara acabou sendo um caminho inarredável devido ao preceito
constitucional de 1946, que, apesar de definitivo para a resolução da questão naquele
momento, não determinava como seria a organização política e institucional dessa nova
UF.
Por isso, frutificou o debate sobre a transformação da Guanabara em uma
cidade-estado, centralizada em uma administração estadual; ou em um estado
convencional, dividindo os bairros da cidade em pequenas prefeituras. A opção pelo
modelo de cidade-estado acabou prevalecendo, criando uma experiência administrativa
sem igual no Brasil e que marcou de modo indelével a memória carioca como sendo
uma era de ouro para a cidade do Rio de Janeiro.
48
O engenheiro Paulo Novaes, especialista em planejamento regional e contrário à fusão, era defensor da
criação de unidades federativas menores como solução para o desenvolvimento regional equilibrado no
Brasil (CORREIO DA MANHÃ, 22 DE JULHO DE 1958)
139

Não obstante a confirmação do veredicto previsto e todo o esforço em consolidar


a Guanabara como segunda força do país, como Belacap em resposta à Novacap49,
algumas vozes noticiavam ainda a necessidade da fusão devido a uma possível perda de
competitividade da Guanabara no contexto nacional e, inclusive, em relação ao Estado
do Rio de Janeiro. Essa era a tese de uma das principais vozes pró-fusão após a criação
da Guanabara: a classe dos empresários industriais, concentrados na Federação das
Indústrias do Estado da Guanabara (FIEGA) e no Centro Industrial do Rio de Janeiro
(CIRJ), que financiou estudos com vistas a confirmar a tese fusionista como solução a
um possível esvaziamento da Guanabara.
Um dos principais estudos, A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de
Janeiro (FIEGA; CIRJ: 1969), realizado por diversos colaboradores, apresenta o ponto
de vista das instituições representativas da burguesia industrial carioca, favorável à
fusão das duas UFs.
O estudo destaca que entre 1950 e 1960 o Estado da Guanabara vinha
apresentando uma taxa de crescimento econômico inferior ao crescimento da própria
população carioca (2,4% ao ano de crescimento do PIB, enquanto a população vinha
crescendo cerca de 3,1% ao ano), além de representar menos da metade da taxa média
de crescimento do Estado do Rio (5,7% ao ano). A desarticulação entre a Guanabara e o
Estado do Rio foi interpretada como uma das razões para o baixo crescimento do Estado
da Guanabara, que devido à cisão institucional estava incapacitado de promover
políticas de caráter regional com o entorno fluminense.
Dadas as deseconomias de aglomeração existentes no espaço carioca,
principalmente no tocante à competição por terrenos com o setor imobiliário, muitas
indústrias da Guanabara estariam se transferindo para a Baixada Fluminense causando
perdas ao núcleo metropolitano.
A fusão seria uma saída para essa contradição criada pela existência de dois
entes estatais, permitindo garantir maior racionalidade no apoio governamental aos
complexos industriais e, ainda, dotar o estado de maior peso político junto ao Governo
Federal. Ao fim do estudo, abruptamente, se conclui: “É inadiável a fusão da Guanabara
com o Estado do Rio de Janeiro” (FIEGA; CIRJ:1969).

49
O termo “Belacap” foi cunhado em referência à permanência da capitalidade de fato na cidade do Rio
de Janeiro apesar da transferência do alto comando federal para Brasília, a “Novacap”. Enquanto a última
se caracterizaria pela juventude enquanto capital, por isso o radical “nova”, a cidade do Rio de Janeiro
teria como atributo sua beleza cênica, uma imagem do Brasil para o exterior, qualidade que Brasília
nunca emularia.
140

Apesar dos movimentos internos das classes patronais cariocas e fluminenses, a


fusão continuaria nos mesmos termos da época anterior à transferência da capital para
Brasília, em que as teses fusionistas não passavam de uma intenção em nenhum
momento capaz de se concretizar, a não ser que um ator com capacidade de intervenção
se sensibilizasse com o tema: o Governo Federal. E foi a partir de 1973, com a posse do
general Ernesto Geisel, que a fusão finalmente entraria na agenda governamental
federal, que rapidamente daria cabo de consumar o ato em 1974. A rapidez e o
autoritarismo que marcaram a medida ficaram registrados na memória carioca de
maneira indelével, atribuindo somente ao Governo Federal a responsabilidade pelo
projeto da fusão, esquecendo-se da boa aceitação que a tese fusionista tinha entre muitos
nos círculos dominantes cariocas.
Uma interpretação muito difundida foi a de que a fusão foi uma estratégia do
governo militar para desarticular a oposição fortemente concentrada na Guanabara,
único estado governado pelo MDB. Mas como ressalta Marieta Moraes Ferreira (2006)
tal interpretação é enfraquecida, por um lado, pelo fato de que o governador da
Guanabara à época era Chagas Freitas, eleito com apoio militar no auge do
endurecimento do regime e que nunca teve enfrentamentos com a Ditadura; e, por outro,
durante a implantação da fusão com o interventor Faria Lima não representou nenhum
favorecimento à ARENA, ao contrário, reforçando a posição do MDB no novo Estado
do Rio de Janeiro pelas mãos de Chagas Freitas.
Segundo aponta Hélio Araújo Evangelista (1998) a fusão da Guanabara com o
Estado do Rio de Janeiro foi pensada no governo Geisel no âmbito da concepção de que
a reorientação da questão federativa brasileira era fundamental para o avanço do
desenvolvimento do país, além de reforçar a segurança nacional. Tal concepção não se
referia apenas à fusão, mas também à criação de novos estados a partir, por exemplo, da
divisão do Pará e do Mato Grosso.
A disposição do Governo Federal em levar à frente uma política tão espinhosa
esteve inserida no esforço governamental em garantir a continuidade da expansão
econômica e industrial do país herdada do período do “milagre”.
No Sudeste, o projeto era consolidar os três polos nacionais de desenvolvimento:
as áreas metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, que no caso
específico do Rio exigiria a execução da fusão. A medida viabilizaria a implementação
de uma série de investimentos e programas ligados ao II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND).
141

O II PND (1975-1979) talvez tenha , desde o Plano de Metas de Juscelino


Kubitschek, o que houve de mais representativo da ação promotora do Estado no
planejamento e na execução de projetos de desenvolvimento econômico no país
(BECKER e EGLER, 2006).
A conjuntura política e econômica dos anos 1970 era bastante complexa, tanto
internamente quanto externamente. No âmbito externo, o Governo Geisel teria que fazer
frente às instabilidades criadas pelo Choque do Petróleo de 1973, à especulação gerada
pela ruptura com o padrão ouro – dólar em 1971 e a aceleração das mudanças
tecnológicas que daria origem à chamada Terceira Revolução Industrial.
No âmbito interno, a indústria brasileira já se encontrava sem possibilidades de
expansão a partir do uso da capacidade ociosa, exigindo novas rodadas de
investimentos, dificultadas pelas instabilidades macroeconômicas internacionais. Havia
desequilíbrios tanto inter quanto intrasetoriais, já que a agricultura e as indústrias de
base apresentavam taxas de crescimento menores que a média, além do agravamento da
inflação e do problema dos déficits na balança de pagamentos.
Politicamente, o regime autoritário já começava a perder o fôlego e a
legitimidade que o sustentou na década anterior, visto que mesmo após o “milagre
econômico brasileiro”, a pobreza e a indigência da maior parte da população já estariam
colocando em questão o projeto encampado pelos militares, manifesto, principalmente,
no ganho de terreno da oposição nas eleições parlamentares (GREMAUD e PIRES,
2010).
Era, portanto, um momento difícil, mas havia ainda um saldo ufanista gerado
pelas inesperadas altas taxas de crescimento durante o “milagre” do período entre anos
de 1968 e 197350. Segundo afirmam Castro e Souza (1985), o governo Geisel tinha
diante de si duas opções de política econômica para o enfrentamento da conjuntura de
crise: o ajustamento ou o financiamento.
A primeira opção frearia bruscamente o crescimento econômico, o que geraria,
na avaliação dos autores, consequências negativas dificilmente recuperáveis para a
economia brasileira. A segunda opção seria a manutenção do crescimento com o
50
A afirmação sobre a “surpresa” do ocorrido durante o milagre brasileiro deve-se à interpretação de
Carlos Lessa (1978), que defende a existência de um certo pessimismo nos corredores dos círculos do
poder sobre as medidas tomadas pelo PAEG após o Golpe de 1964, que insistia que o principal problema
da economia brasileira era a inflação. Com base no discurso implícito no PED (Plano Estratégico de
Desenvolvimento – 1968-1970), Lessa (1978) observa que o diagnóstico oficial apontava para erros
estruturantes na estratégia de industrialização brasileira, como falhas na internalização da tecnologia, que
por sua vez limitaria o desenvolvimento autossustentado da economia e seria a causa das inexpressíveis
taxas de crescimento econômico até 1968. Com a surpresa do milagre, tal diagnóstico caducou.
142

deslocamento do centro gravitacional da economia para os setores de bens de capital,


mas com o uso de recursos externos que seriam saldados com os frutos do crescimento
econômico futuro.
O II PND significou a vitória da segunda opção, em que o governo se
comprometia com a manutenção das taxas aceleradas de crescimento econômico apesar
da crise energética mundial. A estratégia se daria através, principalmente, da mudança
do padrão de industrialização do país, que deveria realocar seu núcleo gravitacional da
indústria de transformação para a indústria de base; e do fortalecimento do capital
privado nacional, considerado a “perna fraca” do tripé, inclusive incentivando a
formação de poderosos conglomerados nacionais, com capacidade de inserção
internacional (LESSA, 1978).
De acordo com Lessa (1978) a estratégia de fortalecimento das indústrias
produtoras de insumos básicos (mineração, siderurgia, eletricidade, etc.), devido à sua
orientação locacional exigir a proximidade com as fontes de recursos naturais e com os
entroncamentos de transportes, teve como implicação espacial maior a localização da
maioria dos grandes projetos de investimento nas áreas periféricas do território nacional.
Assim, por conta de certo “determinismo” locacional, a desconcentração espacial dos
investimentos se tornou uma diretiva importante do II PND. Sob o signo da redução dos
desequilíbrios inter-regionais e da integração nacional, o objetivo central era incorporar
os recursos disponíveis nas áreas periféricas do país.
A desconcentração almejada significava para o Governo Federal reduzir o poder
desempenhado por São Paulo na economia brasileira, o que explica certa “obscuridade”
que esse estado tinha na estratégia de desenvolvimento de Geisel (LESSA, 1978).
Assim, no documento do II PND se concede destaque (para Lessa, nunca visto
anteriormente no Brasil) à desconcentração da indústria através de projetos integrados
por polos de desenvolvimento macrorregionais (POLONORDESTE,
POLOAMAZÔNIA, POLOCENTRO), em que o foco da programação de investimento
se situava na promoção de novos centros de irradiação do crescimento econômico na
periferia. A menção a São Paulo só estaria relacionada à redução de seu tamanho
relativo e ao investimento da melhoria das condições de bem-estar da sua área
metropolitana.
A referência ao Rio de Janeiro fazia parte de um projeto secundário da dimensão
geopolítica do II PND: fortalecer a sua região metropolitana juntamente com Belo
Horizonte, de modo a equilibrar economicamente (e politicamente) essas duas
143

metrópoles frente à capital paulista. Daí a política da fusão, como já foi sobejamente
discutido, ter sido um ato fundamental nesse sentido.
Uma breve nota deve ser feita aqui. Considerando a análise feita por Lessa
(1978), uma contradição surge entre aquilo que pareceu ser o objetivo de fundo da fusão
e o imaginado pelos políticos do MDB carioca na época, e que depois foi reproduzido
no período da profunda crise fluminense na década de 1980: a de que a fusão teria sido
uma estratégia de retaliação ao MDB carioca, oposicionista à ditadura.
Ao que tudo indica, o principal alvo da medida não teria sido nem o Rio de
Janeiro, mas São Paulo, que por conta de seu poder econômico exerceria uma influência
desigual no campo político nacional. Ao propor um “privilegiamento” do Rio de Janeiro
através da fusão e do fortalecimento do segundo polo de desenvolvimento do país, o
Governo Federal, no bojo da preferência pela desconcentração para áreas periféricas,
estaria considerando tanto o Rio quanto Belo Horizonte como periferias de São Paulo
no coração econômico do país.
Nesse sentido, diferentemente de São Paulo, o ERJ não foi obscurecido no II
PND, ainda que sua menção seja secundária frente às outras regiões periféricas do país.
Além do projeto do segundo polo de desenvolvimento brasileiro, havia programas que
contemplavam direta e indiretamente o ERJ, principalmente na programação de
expansão da disponibilidade energética (Angra I, petróleo e PROÁLCOOL), na
implantação do PRODENOR (Programa Especial para o Norte Fluminense), um dos
principais projetos federais no POLOCENTRO, junto com outras áreas periféricas do
Centro Sul e a construção da Ponte Rio-Niterói, que foi fundada em março de 1974.
Naquele momento, ficava claro que o Governo Federal havia programado para o interior
do ERJ uma função importante na política energética do II PND.
Apesar do malogro do PROÁLCOOL na região açucareira do Norte Fluminense
e das críticas ao Programa Nuclear, a crise econômica do estado foi minorada pelo
desenvolvimento das atividades petrolíferas na Bacia de Campos, que, como se sabe,
deu um “respiro” para as finanças do ERJ e municípios fluminenses após a Lei do
Petróleo de 1997.
Destarte, apesar das possíveis complicações políticas, a fusão foi considerada
pelo Governo Geisel uma medida de interesse geral da nação, como explicita desde o
início a Lei Complementar No 20 de 1974.
144

Temos a honra de submeter à consideração de Vossa Excelência


anteprojeto de lei complementar, dispondo sobre a criação de Estados
e Territórios pela União.
Ademais, com obediência às normas de ordem geral, que prevê,
dispõe, igualmente, sobre a fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da
Guanabara, desde que com a mudança da Capital Federal, cabe
recompor a unidade de governo de que se separou em 1834, o
Município Neutro, depois constituído em Distrito Federal.
Esta última providência tem por base o artigo 3o da Constituição, que
permite, mediante Lei Complementar, criar Estados e Territórios. O
poder de o fazer, dado à União, encontra explicação na tendência
histórica da organização política brasileira. Essa tendência tem
retificado e corrigido, periodicamente, excessos que originaram a
própria extensão continental do País e das exigências de levar a ação
do Governo a todos os recantos do território nacional. Contudo, essa
mesma atividade deve ter em conta, contemporaneamente, a inadiável
necessidade de, em certas áreas, abreviar o tempo do desenvolvimento
econômico e social, proporcionando às suas populações os elementos
humanos e materiais de que carecem. (PROCURADORIA GERAL
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 1975, p.93)

Caberia, portanto, ao Governo Federal, a tecnocrática função de corrigir os


excessos da formação territorial brasileira, dentre os quais a cisão institucional entre o
Estado do Rio de Janeiro e a Guanabara era um dos fenômenos mais conspícuos.
No bojo dessa orientação, três justificativas de ordem técnica fundamentaram os
motivos da medida específica da fusão, a saber: (1) consolidar um polo de
desenvolvimento poderoso no Rio de Janeiro a partir da integração das duas unidades;
(2) viabilizar a região metropolitana do Rio de Janeiro, não incluída na Lei
Complementar No 14 de 8 de junho de 1973, que criou as primeiras RMs no país; e (3)
criar uma UF econômica e politicamente forte para dividir com São Paulo a liderança do
Brasil, de modo a efetivar maior equilíbrio federativo. (BRASILEIRO, 1979)
A natureza do argumento técnico precisava se fundamentar em maior
racionalidade da administração estatal a partir da dissolução dos limites territoriais entre
as duas unidades, visto que esses objetivos poderiam também ser alcançados sem a
necessidade da criação de uma nova unidade da federação a partir da fusão, como
muitos contrários à medida já argumentavam desde a época da transferência da Capital
Federal para Brasília.
O argumento foi desenvolvido através da reconstrução da história fluminense,
realçando sua complementaridade econômica, que com a fusão permitiria o pleno
desenvolvimento das “vocações naturais fluminenses”, viabilizando a formação de um
polo de desenvolvimento poderoso através de uma ação mais efetiva de uma
administração governamental.
145

No âmbito desse objetivo, colocava-se a questão metropolitana, que seria


inviável na existência de dois estados, tanto que na Lei Complementar de criação das
oito regiões metropolitanas brasileiras, o Rio de Janeiro não foi incluído.
Com a Lei Complementar que impôs a fusão, a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro foi também criada, submetendo à nova UF a missão de criar um órgão
responsável pela integração metropolitana.
Enfim, a integração territorial imposta pela fusão fez emergir no novo estado
uma questão regional específica oriunda da contradição do desenvolvimento desigual
entre os dois antigos territórios. Se antes a cidade do Rio de Janeiro e o entorno (tanto
área metropolitana quanto o interior) tinham articulações territoriais advindas das
relações econômicas e demográficas, agora essa articulação perpassaria pela integração
sob a égide de um único ente estatal.
Por isso, a questão regional se torna uma questão de Estado na agenda política
da fusão, em que, diante de todos os riscos de malogro da política levada a cabo pelo
Governo Federal, o fracasso de integração entre os dois antigos estados era um dos mais
sérios e urgentes.
Um dos problemas de integração mais prementes, que foi rapidamente
mencionado ao final do texto da exposição de motivos, era a questão fiscal e
orçamentária, sobre o que ficaria para o município do Rio de Janeiro e a redistribuição
dos recursos estaduais no novo território.
Nesse período, foi mencionado o compromisso do Governo Federal em
viabilizar a fusão, tanto intervindo de perto nos primeiros quatro anos de governo,
impondo um administrador da confiança da Presidência da República, quanto
prometendo auxílio financeiro e investimentos federais no novo Estado do Rio de
Janeiro.
Por isso, a ascensão da questão regional fluminense na agenda política do Estado
levou o novo governo a criar arranjos institucionais específicos para auxiliá-lo na
implantação de políticas de enfrentamento dessa questão. O encaminhamento dessa
questão e o período de permanência dela na agenda política estatal é o tema dos
capítulos seguintes desta tese.
Nos próximos capítulos, procede-se à análise dos (des)caminhos institucionais
dos órgãos ligados à formulação de soluções para a questão regional fluminense como
indicativo de sua saída da agenda política do estado fluminense.
146

3.9- As desigualdades de um estado fraturado pelas rupturas institucionais

O processo histórico que deu origem à questão regional fluminense se


desenvolveu a partir de dois processos inter-relacionados: (1) o desenvolvimento
espacialmente desigual do território fluminense, a partir da inserção do ERJ (capital e
interior) na divisão regional do trabalho do Brasil; (2) a cisão institucional entre a
cidade do Rio de Janeiro e o ERJ desde 1834, que apesar de não ter impedido relações
de polarização entre os dois territórios, gerou um fenômeno de distinção identitária,
política e econômica entre o carioca e o fluminense.
Desde o período imperial, o território fluminense foi se constituindo a partir dos
impactos gerados por diferentes atividades econômicas desenvolvidas no ERJ, dentre as
quais se destacam a cafeicultura, a agroindústria sucroalcooleira e a forte economia
urbano-industrial associada ao setor público na cidade do Rio de Janeiro.
A cidade do Rio exercia a função tanto de escoadora das mercadorias produzidas
no interior fluminense quanto de financiadora, a partir do capital mercantil, dos
investimentos que permitiam a expansão principalmente da cafeicultura pelo interior.
Por outro lado, a riqueza gerada em todo o território fluminense foi a grande
responsável pela prosperidade do capital mercantil carioca e a sustentação da corte
imperial nos primórdios da afirmação do Brasil como Estado-Nação.
No entanto, a cisão estabelecida com a criação do Município Neutro em 1834
colocou sob diferentes trajetórias os rumos políticos e institucionais da cidade do Rio de
Janeiro e do ERJ.
A cidade, posteriormente transformada em Distrito Federal, consolidou sua
identidade como espaço da nacionalidade, tendo no setor público o sustentáculo para
seu desenvolvimento. O ERJ, por seu turno, começaria a perder sua importância devido
à decadência da cafeicultura, apesar de a agroindústria do Norte Fluminense ainda
manter algum dinamismo até a década de 1980.
Essa região, no entanto, era relativamente isolada da capital, o que permitiu certa
autonomia em relação à polarização da cidade do Rio de Janeiro. O que é importante
ressaltar é que a partir da cisão e da presença maciça do setor público na cidade do Rio,
apesar das evidentes relações de polarização com o interior fluminense a cidade
conseguiu descolar-se da decadência de grande parte do ERJ, nhoque no passado havia
sido a base da riqueza e da prosperidade carioca.
147

Esse quadro começa a mudar com a concretização do projeto de transferência da


capital, quando as evidências da perda de participação econômica da cidade do Rio de
Janeiro na renda nacional chegaram ao debate público. Colocou-se em questão quais
seriam os melhores arranjos para a cidade do Rio de Janeiro após a inauguração de
Brasília, momento em que a hipótese da fusão com o ERJ ganhou adeptos, dividindo
opiniões com a manutenção da cisão institucional por meio da criação do Estado da
Guanabara.
Convém notar que, nesse debate, os dois aspectos do fenômeno que gerou a
questão regional fluminense foram a base dos argumentos tanto dos partidários da fusão
quanto dos defensores da criação da Guanabara.
Os primeiros ressaltavam a artificialidade da cisão institucional e que na prática
se tratava de um território articulado pelos mesmos processos econômicos e sociais. Os
favoráveis à criação do Estado da Guanabara realçavam as diferenças identitárias e as
desigualdades econômicas entre o ERJ e a cidade do Rio de Janeiro.
Com a criação do Estado da Guanabara, o tema da fusão ficou em suspenso,
porém não saiu do debate público, já que defensores da ideia continuavam a alimentar
os argumentos em favor da medida. Não obstante, foi somente pela ação autoritária dos
militares do Governo Federal que a fusão foi finalmente realizada em 1974.
A legitimidade do ato foi buscada por meio da apropriação dos argumentos que
fizeram parte, desde fins da década de 1950, no debate público fluminense: o da
artificialidade da cisão e o da complementaridade entre a Guanabara e o ERJ,
principalmente por meio do processo de metropolização.
Assim, a questão regional fluminense foi imposta como a principal justificativa
para a fusão, de modo que, após a posse do governo que seria responsável pela
implementação da medida, tornou-se um dos principais objetivos do novo estado a sua
resolução por meio da integração da cidade do Rio de Janeiro com o antigo ERJ. Como
o tema foi inserido na agenda governamental e a forma como evoluiu posteriormente
serão assuntos do próximo capítulo.
148

4- A “QUESTÃO REGIONAL FLUMINENSE” NA AGENDA E


NA INSTITUCIONALIDADE GOVERNAMENTAL:
ANÁLISE DOS PLANOS DE GOVERNO DE FARIA LIMA,
CHAGAS FREITAS. BRIZOLA E MOREIRA FRANCO (1975-
1991)

4.1- Planos de governo e a agenda governamental: possibilidades e limites da


análise

No capítulo anterior, demonstraram-se alguns aspectos estruturantes do


desenvolvimento espacialmente desigual do território fluminense, entre os quais as
contradições de sua inserção na divisão regional do trabalho brasileira e a cisão
institucional entre a Cidade e o estado do Rio de Janeiro tiveram papéis centrais.
Além disso, se analisou como essas contradições foram se inserindo na esfera
pública como problemática a partir da mudança do status institucional da cidade do Rio
de Janeiro em 1960.
Observou-se que o tema da fusão foi inserido no âmbito dos debates sobre o
futuro do Rio de Janeiro e, posteriormente, como solução para o que se entendia como o
esvaziamento econômico do Estado da Guanabara, mas, no fim, foi colocado na agenda
governamental como questão por decisão do Governo Federal.
Neste capítulo pretende-se examinar como a questão regional foi situada na
agenda programática dos primeiros governos depois de efetuada a fusão em 1974, e
quais institucionalidades foram criadas para sua resolução.
Uma dificuldade logo se levantou nesta pesquisa: a disponibilidade de fontes
documentais e a possibilidade de se construir um quadro interpretativo razoavelmente
coerente sobre a inserção da questão regional na agenda governamental.
As melhores fontes encontradas foram os próprios planos de governo que os
governadores deveriam apresentar durante o início de suas administrações à ALERJ.
Seriam, portanto, documentos oficiais em que o Executivo era obrigado a tornar
públicas as orientações do planejamento governamental, as dificuldades e as
possibilidades de momento, os temas mais importantes, o modus operandi do
planejamento e os principais programas e projetos do governo.
149

Nesse sentido, se a questão regional fosse importante para a agenda


governamental, o tema teria que aparecer no Plano de Desenvolvimento Econômico e
Social, como eram chamados esses documentos, assim como as formas com que seriam
enfrentados os problemas oriundos dessa questão.
Existe, porém, uma limitação fundamental ao se analisar esse tipo de
documento: o distanciamento entre o previsto e o implementado, fato que pode ser
causado por diversos motivos, desde a falta de condições concretas para a execução dos
projetos planejados até o puro e simples discurso vazio, muito comum no meio político,
em que o governo eleito diz o que o senso comum quer ouvir, mas o dia a dia faz valer
os interesses daqueles que podem exercer pressões de todo o tipo sobre o Estado.
No tocante aos elementos da questão regional fluminense, em todos os planos de
governo analisados se reconhece o problema metropolitano e da desigualdade inter-
regional no ERJ, mas, como é sabido, pouco se alterou de modo efetivo em relação ao
quadro da década de 1970, a partir da ação do governo.
Isso é muito característico, por exemplo, com relação ao peso do interior na ação
governamental, que sempre teve por parte dos fluminenses uma forte impressão de
abandono ou, no mínimo, uma clara posição marginal no estado.
Não obstante, são documentos oficiais e servem, pelo menos minimamente, para
nortear a ação governamental. É a partir de suas promessas que os governos prestam
contas aos governados, se tiveram sucesso ou não em implementar aquilo que foi
projetado. Servem, portanto, como uma aproximação da agenda governamental naquele
momento.
Ademais, não se tem pretensão de verificar o que de fato os governadores
implementaram de seu planejamento inicial. Esse seria um tema de pesquisa por si,
fundamental, sem dúvida, e que ainda não foi realizada para o período em questão.
A escolha dos primeiros quatro governos estaduais, Faria Lima, Chagas Freitas,
Brizola e Moreira Franco, deveu-se à existência de um ciclo que se inicia e se fecha
nesse período, entre 1975 e 1991, que é o da inserção da problemática regional no
planejamento do novo estado, representado principalmente pela criação e duração da
FUNDREM até o ano de 1989.
A sua extinção foi o epílogo desse ciclo que, depois, iniciou uma nova fase que
foi a do localismo e da “guerra de lugares”. Cabe destacar que a fragmentação das
políticas territoriais (se existissem) já era notória desde os anos 1980; mas em termos
150

institucionais, que são o enfoque metodológico desta tese, só se assumiria essa


fragmentação de modo pleno com o fim da FUNDREM, no caso do ERJ.
Os procedimentos analíticos que nortearam a leitura e a interpretação dos planos
de desenvolvimento econômico e social desses governos seguiram a diretriz de
identificar como ficou situada a questão regional na construção do plano
governamental: qual seu peso frente à perspectiva global dos planos, que programas
seriam desenvolvidos e que instrumentos institucionais seriam acionados para o
enfrentamento da questão.
Além disso, buscou-se, nos próprios planos e com auxílio da literatura
acadêmica, situar o contexto em que esses governos exerceriam sua administração,
fazendo correlações com a conjuntura nacional e com a situação do ERJ, de modo a
relativizar o plano frente às condições efetivas para governar, que como se sabe, eram
muito difíceis nessa época.
O termo “questão regional” utilizado como conceito nesta investigação não é em
nenhum momento utilizado nos documentos oficiais, que lançavam mão de outras
terminologias para descrever as problemáticas analisadas nesta tese.
Entretanto, considerando que a questão metropolitana e a disparidade capital-
interior são facetas fundamentais da questão regional fluminense, se analisou como os
planos tratavam essas temáticas. Portanto, o uso do termo é segundo a opção conceitual
da tese, e não segundo a formulação das equipes que escreveram os planos.

4.2- O Governo Faria Lima e o I PLAN RIO


4.2.1- Perfil político de Floriano Faria Lima e o contexto de seu governo: o militar em
missão

A fusão era considerada estratégica para a geopolítica do II PND, em função do


objetivo de desconcentração econômica e política de São Paulo na federação brasileira.
Ela colocava na agenda governamental a criação de instrumentos que permitissem a
concretização do projeto do segundo polo de desenvolvimento a partir da criação da
RMRJ.
A importância desse projeto era constantemente reafirmado por Geisel, de modo
que não confiava colocar tão importante tarefa nas mãos de um político profissional. A
execução da fusão era considerada uma “missão” pelo presidente, que optou por colocar
um homem de sua confiança para cumpri-la: o almirante Floriano Faria Lima.
151

Apesar de ser carioca, Faria Lima não possuía nenhuma ligação com o campo
político local. Por isso, sua indicação foi de certa forma uma surpresa. Outros nomes
eram mais cotados para a função: Célio Borja, redator do projeto da fusão; Golbery do
Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil da Presidência da República; Armando Falcão,
Ministro da Justiça de Geisel; Nei Braga, Ministro da Educação e Cultura; Nascimento
e Silva, Ministro da Previdência Social; e Reis Veloso, do Planejamento. (MOTTA e
SARMENTO, 2001).
Floriano Faria Lima era um militar de carreira, que exercera funções diversas na
Marinha, até chegar aos postos mais altos da instituição, como comandante do
contratorpedeiro Mariz e Barros em 1960, subchefe da Marinha da Casa Militar do
presidente Jânio Quadros (1961), comandante do cruzador Barroso (1964) e adido naval
das embaixadas brasileiras em Washington e Ottawa (1967-1969).
Após esse período, Faria Lima foi nomeado diretor do setor de transportes da
Petrobras e, em 1973, após a saída de Geisel da presidência da estatal para se eleger à
Presidência da República, assumira a direção da Petrobras. (MOTTA e SARMENTO,
2001)
Tendo em vista a importância do sucesso da fusão, Geisel não quis correr o risco
de seu projeto geopolítico fracassar no novo ERJ por causa das vicissitudes geradas
pelos conflitos que os políticos profissionais certamente se engajariam em sua busca por
mais influência e projeção — algo que, aliás já estava ocorrendo, haja visto que as
disputas pela indicação ao governo da fusão envolviam o alto escalão federal, entre os
nomes já mencionados acima (MOTTA, 2001b).
O almirante Floriano Faria Lima foi o indicado pelo então presidente por reunir
três qualidades fundamentais para a administração do projeto da fusão: era amigo de
Geisel, possuía um perfil técnico e era militar. Mais do que uma indicação, Faria Lima
teria sido convocado pelo presidente para cumprir a missão de garantir, a qualquer custo
e com apoio federal, o sucesso da nova unidade da federação (MOTTA, 2001b; FARIA
LIMA, 200151).
A postura do militar em missão foi levada muito a sério por Faria Lima, que se
recusou a fazer a política partidária. No entanto, foi incapaz de isolar sua administração
das querelas dos políticos. Em seu governo, teve que enfrentar as pressões de arenistas

51
Entrevista concedida à equipe do CPDOC/FGV, publicado em MOTTA e SARMENTO (2001).
152

que desejavam aproveitar o momento para reverter a hegemonia emedebista na antiga


Guanabara e se tornar porta-vozes do governo no ERJ.
Teve que lidar, também, com a deflagração do conflito das duas hegemonias
emedebistas que com a fusão travaram uma acirrada disputa pela direção do partido no
novo estado, Chagas Freitas e Amaral Peixoto. Por fim, teve problemas com o seu
prefeito indicado para o município do Rio, Marcos Tamoyo, que aproveitando o
sentimento de parte dos cariocas em relação à fusão, vocalizou o discurso de que a
identidade especial da cidade do Rio de Janeiro estava sendo usurpada pela política da
fusão e nunca apoiou os esforços de integração com o antigo ERJ52 (MOTTA, 2001b).
Não obstante, Faria Lima manteve sua postura de governante técnico e
“apolítico”, fosse pela composição de sua equipe de governo, eminentemente técnica e
sem nenhuma indicação de políticos da ARENA, fosse pelo seu compromisso
inegociável com o projeto geopolítico do governo federal, que a todo o momento era
reafirmado nos documentos e mensagens oficiais publicados pelo governo estadual.

Aceitar e engajar efetivamente o desafio do desenvolvimento


nacional, creio, é a melhor maneira de servirmos à Pátria. Sejamos
políticos, técnicos, operários urbanos, trabalhadores rurais,
intelectuais, funcionários públicos, empresários, militares. Sejamos
ricos ou pobres. (...)
O Estado do Rio de Janeiro está plenamente engajado no esforço
nacional de desenvolvimento.
Mais que isso, não constitui senão constatação reconhecer que, com
menos de dois anos de Fusão, está proporcionando ao País inegáveis
contribuições. (FARIA LIMA, 1977, p. 2)

Desse modo, a tônica do governo Faria Lima era cumprir a missão da fusão que
lhe foi dada por Geisel e criar as condições institucionais para a execução dos projetos
destinados ao ERJ pelo II PND.
O I PLAN RIO, que será analisado a seguir, se caracterizou, sobejamente, pela
adaptação do planejamento governamental à geopolítica do Governo Federal, tanto no
que tange ao papel a ser exercido pela nova unidade da federação quanto aos
referenciais teóricos do planejamento.

52
Segundo Motta (2001b), devido à sua atitude de oposição à fusão, o prefeito Marcos Tamoyo chegou a
proibir seu secretário de planejamento de participar das reuniões da Robson, você usa FUNDREM a
maior parte do tempo, então sugiro manter essa forma em todo o trabalho criando fortes atritos com
Jayme Lerner, então presidente da fundação.
153

4.2.2- O I PLAN RIO: planejamento, organização estatal e a questão regional


fluminense

4.2.2.1- Aspectos gerais do I PLAN RIO

O I PLAN RIO foi o documento oficial que sintetizou as concepções que


embasavam a visão do Governo Faria Lima e seu programa de ação para levar à frente o
processo de fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. Apresentado à
Assembleia Legislativa do (novo) Estado do Rio de Janeiro em 16 de novembro de
1975, o documento marcou o esforço e o compromisso de Faria Lima em concretizar os
objetivos geopolíticos projetados pelo Governo Federal, de modo a concatenar suas
diretrizes principais ao II PND.
Essa é, aliás, uma marca do I PLAN RIO que o diferenciou dos planos de
desenvolvimento econômico e social dos governos de Chagas Freitas, Leonel Brizola e
Moreira Franco: sua vinculação clara e sem ambiguidades aos projetos nacionais. Com
efeito, o plano é muito claro em sua concepção geopolítica, sempre renovado no
discurso do próprio documento e pelo governador em suas mensagens anuais à ALERJ:
transformar a RMRJ no segundo polo de desenvolvimento do Brasil, compondo a tríade
econômica com São Paulo e Belo Horizonte, respectivamente primeiro e terceiros polos
nacionais.
De fato, o fundamento conceitual da estratégia espacial do governo Faria Lima
se baseava na teoria do crescimento polarizado, de grande influência na teoria do
desenvolvimento regional na década de 1970 no Brasil.
Outra característica do I PLAN RIO é o perfil técnico de sua estruturação e de
sua redação. Ao contrário de muitos outros planos oficiais publicados pelos governos no
Brasil (incluindo o II PND em sua apresentação formal), o I PLAN RIO é bastante
detalhado nas descrições sobre a concepção de planejamento do governo, os métodos de
ação, o arranjo institucional criado para planejar e executar os projetos e os recursos
previstos para serem investidos durante o período de governo.
Por essas qualidades, o I PLAN RIO é de longe o mais técnico, organizado e
bem estruturado plano de governo dentre os quatro analisados nesta pesquisa e mesmo
em relação aos produzidos desde então.
154

O plano possui uma detalhada apresentação escrita pelo então Secretário de


Planejamento e Coordenação Geral da Governadoria do Estado do Rio de Janeiro,
Ronaldo Costa Couto, onde foram expressos quatro temas fundamentais: o conceito de
desenvolvimento, a opção pelo planejamento, a leitura sobre a realidade estadual
herdada e as condições para o êxito do I PLAN RIO.
Costa Couto afirma que na visão da administração Faria Lima o
desenvolvimento não seria um fim em si mesmo, mas um meio inescapável de melhorar
e garantir as condições de vida da população fluminense. Consoante com o projeto
nacional, era reafirmado que o desenvolvimento no ERJ (e a consequente melhoria das
condições de vida) se materializaria com a consolidação de sua região metropolitana
como segundo polo econômico do país, alavancando o restante do estado. O I PLAN
RIO teria tão somente a pretensão de indicar os fundamentos, meios e objetivos para
alcançar aquele desiderato do Governo Geisel.
Para se chegar a tal objetivo não havia outra opção senão a adoção do
planejamento como método de governo, que Costa Couto define como o instrumento
pelo qual o Estado articularia os recursos disponíveis e concatenaria suas ações entre os
outros entes governamentais (União e prefeituras) e o empresariado em geral.
O modelo de planejamento adotado teria como filosofia o pragmatismo,
orientado pela capacidade executora do Estado, significando, com isso, “sobrepor o
viável ao ideal, o substantivo ao metodológico” (I PLAN RIO, 1975, p. 15).
Abandonar esse princípio seria incorrer no erro histórico do casuísmo que,
segundo Costa Couto, caracterizou amplamente as políticas estatais no Brasil. Um passo
fundamental no processo de planejamento pragmático seria a necessária articulação
entre a Secretaria de Planejamento e os órgãos executores, que também teriam que
participar da atividade planejadora global, de modo a sobrepor as ações limitadas pelo
setorialismo.
É uma característica marcante do I PLAN RIO um esforço de articulação entre
as ações setoriais e as políticas regionais, que concederiam uma visão de conjunto para
os órgãos executores do Estado. Esse esforço, ainda que possivelmente malogrado do
ponto de vista da prática concreta, é um indício de que mais do que uma simples
evocação discursiva em que se defende o conceito de planejamento, o I PLAN RIO foi
um documento que realmente tentou construir uma diretriz para o planejamento
governamental do ERJ, em que cada ação do governo buscava definir os meios de
financiamento, os projetos em execução ou a executar e a lógica global que orientava as
155

ações, que têm na integração espacial / regional a forma de conceder essa “globalidade”
ao plano.
Como o próprio Costa Couto admite em certo ponto de sua apresentação,
contudo, o planejamento possui limites importantes em sua implementação,
principalmente por conta das inúmeras variáveis que não estariam sob o controle da
tecnoburocracia estatal, como a disponibilidade de financiamento externo e as
flutuações da economia nacional e internacional — que no fim acabou se provando a
principal dificuldade dos governos do ERJ após a fusão.
Quanto à leitura da realidade estadual herdada da fusão, Costa Couto ressalta
que apesar de possuir uma imagem de estado privilegiado na federação, marcada pelos
muitos qualitativos simbólicos emanados pela cidade do Rio de Janeiro a partir da
exportação do modo de vida das elites da Zona Sul, assim como sua posição como ex-
capital federal e importante centro industrial e de serviços sofisticados, grassariam no
ERJ todas as características do subdesenvolvimento.
Grande parte do próprio Município do Rio de Janeiro e quase toda a Baixada
Fluminense apresentariam enormes deficiências de equipamento urbano e a
precariedade dos níveis de vida da população, situação não muito melhor no interior,
onde predominava a escassez de infraestrutura social.
Não obstante, várias potencialidades econômicas poderiam ser estimuladas em
prol do crescimento do ERJ, tais como a indústria, o comércio, o turismo e as atividades
financeiras na cidade do Rio de Janeiro, a indústria pesada do eixo Rio-São Paulo, a
agroindústria no Norte Fluminense, dentre outros.
Assim, Costa Couto expressa que o que demarca o subdesenvolvimento do ERJ
é justamente sua desigualdade regional: da extrema estagnação e pobreza aos mais
elevados níveis de desenvolvimento e centralidade nacional. Essa seria a realidade
herdada da fusão, a questão regional fluminense.
Finalmente, vis-à-vis à condição de subdesenvolvimento recebida de herança dos
dois antigos estadose potencializada pelas vicissitudes do processo de fusão, Costa
Couto reconhece as limitações do I PLAN RIO em fazer frente a todos os desafios
impostos pela fusão, evocando, com isso, algumas condições imprescindíveis para o
sucesso das ações programadas.
Quatro foram as condições: (1) o indispensável apoio do Governo Federal, que
deveria cumprir o prometido de conceder amplo estoque de recursos financeiros,
políticos e humanos para viabilização do novo Estado; (2) além do apoio federal, o
156

Governo Estadual necessitaria, também, de uma estreita articulação com os municípios


fluminenses, no sentido de coadunar suas estratégias de desenvolvimento com os planos
estadual e federal; (3) a consolidação do arranjo institucional criado a partir da reforma
administrativa realizada no primeiro ano de governo e que deveria dar conta dos
projetos desenvolvidos, sem sobreposição de competências, incentivando investimentos
privados e procurando manter o saneamento das contas públicas; (4) o apoio dos
empreendedores privados, que, através da intensificação dos investimentos centrados
nas vantagens locacionais do ERJ, seriam fundamentais para o sucesso da fusão.

4.2.2.2- A estratégia de integração espacial como problema central do planejamento do


Estado: a questão regional fluminense no centro da agenda

A estratégia geral de ação prevista pelo I PLAN RIO para a ação governamental
se baseou na busca pela integração geral da política de desenvolvimento, via a
integração espacial, setorial, intergovernamental e entre as instituições do Governo
Estadual ligadas ao planejamento, à execução e à fiscalização dos investimentos
públicos.
Existe uma intenção de intercâmbio entre esses diferentes sistemas de
integração: as políticas de desenvolvimento regional e a política metropolitana
necessitariam que os órgãos setoriais funcionassem de modo integrado com a dimensão
regional. Sobretudo, a integração setorial seria submetida ao Sistema Estadual de
Planejamento, que coordenaria globalmente a ação conjunta de todos os órgãos
setoriais. A articulação entre as esferas de governo otimizaria, por sua vez, o uso de
recursos públicos em projetos comuns, evitando-se a fragmentação.
Pode-se interpretar esse modus operandi integrador a partir do seguinte
esquema: enquanto a ação setorial é marcadamente executiva, a perspectiva espacial
daria uma coesão aos vários projetos, e(?) o Sistema Estadual de Planejamento faria os
órgãos setoriais dialogarem, correlacionando-os à política regional.
A articulação intergovernamental também adotaria uma ação coerente com a
coesão espacial, ainda que em duas escalas: a relação Governo do Estado – União,
vinculando o projeto de desenvolvimento do ERJ ao planejamento nacional; a relação
Governo do Estado – prefeituras, articulando as políticas locais à estratégia de
desenvolvimento estadual e, em última instância, nacional.
157

Assim, a estratégia espacial é reconhecida como o meio mais eficaz de organizar


a ação governamental, sendo, portanto, um tema fundamental do planejamento do
Governo Faria Lima.

Por meio desta estratégia, capacita-se de modo mais eficiente a


administração estadual a incluir o fator espaço em suas políticas e
ações, inclusive quanto à alocação de recursos, a partir de uma
conceituação formal e ao mesmo tempo dinâmica da realidade
regional, o que lhe permitirá obter maior integração em suas ações
setoriais a nível local e regional e assumir, com objetividade, sua
responsabilidade na promoção de mecanismos destinados a apoiar o
desenvolvimento regional e municipal.
(...)
Assim colocada, a estratégia de integração espacial é constituída,
essencialmente, por funções de coordenação e articulação fortalecidas
pelo caráter de integração que preside toda a estratégia de ação do
Governo. Em termos operacionais, ela permitirá, igualmente, a
concentração de esforços na solução dos problemas regionais, através
da seleção de áreas prioritárias para implantação de projetos
integrados. (I PLAN RIO, 1975, p. 112)

A estratégia da integração dos instrumentos institucionais do Governo do Estado


seria a outra ponta fundamental do planejamento governamental. Essa seria uma tarefa
incontornável para o prosseguimento do processo de fusão, haja vista que o fato de se
colocar sob uma única jurisdição duas burocracias estaduais com culturas, vencimentos
e qualificações bastante distintas, era uma das questões mais espinhosas para o Governo
Faria Lima. Herdava-se, também, os problemas das finanças públicas tanto do Estado da
Guanabara quanto do Estado do Rio de Janeiro.
Há ainda uma ideia bastante difundida entre os cariocas de que a Guanabara
entrara na fusão superavitária, ou seja, com disponibilidade de recursos para investir na
cidade do Rio de Janeiro, enquanto o Estado do Rio de Janeiro já era naqueles tempos
um estado falido.
Ronaldo Costa Couto (apud Motta e Sarmento, 2001) diz, porém, que essa
informação é um mito, já que tanto um quanto o outro encontravam-se em 1974 em
condições orçamentárias bastante precárias, tendo inclusive o Estado da Guanabara
várias obras paradas por falta de recursos.
É possível que ele esteja correto em sua afirmação, visto que, segundo Lopreato
(2002), a partir de 1967 houve uma centralização tributária, em favor do Governo
Federal, que diminuiu a autonomia dos estados e municípios em sua política fiscal. No
mesmo sentido, Lessa (1978) apontou que os estados e municípios durante o II PND
158

transformaram-se, na prática, em meros delegados regionais e locais da estratégia de


desenvolvimento do Governo Federal, que teria como elemento de empoderamento a
redução da autonomia fiscal daqueles entes federativos.
O problema se manifestou de modo particularmente grave no Poder Judiciário,
visto que a união dos dois Tribunais de Justiça elevaria o número de desembargadores a
56, muito acima da média dos outros estados. São Paulo, por exemplo, tinha apenas 36,
sendo o estado mais rico e populoso da federação (FARIA LIMA in MOTTA E
SARMENTO, 2001).
Além disso, impôs-se a necessidade de instalar a estrutura administrativa da
Prefeitura do Rio de Janeiro, que acabou por incorporar parte da estrutura que estava
nas mãos do Estado e da União; além da necessidade de se criar, por força da Lei
Complementar no 14 de 8 de junho de 1973, um órgão de planejamento para a RMRJ.
Inevitavelmente, o Governo Faria Lima realizou uma ampla reforma
institucional do Executivo estadual, que além de ter que aproveitar as duas máquinas
estaduais anteriores, propôs-se seguir a organização do Governo Federal como base para
a reestruturação administrativa do ERJ. Além disso, essa engenharia teria que seguir
minimamente o projeto de integração supramencionado, de modo a dar flexibilidade e
agilidade à ação governamental, assim como possuir capacidade de diálogo com as
esferas municipal e federal.
Nesse sentido, essa reorganização institucional teria que responder à agenda da
fusão, aos seus projetos prioritários e ao plano de desenvolvimento nacional. Daí que o
cerne desta tese aparece de forma clara no plano de governo de Faria Lima: a questão
regional fluminense inseriu-se no centro da agenda da fusão, por um lado, no imperativo
da promoção da política metropolitana, que estava no centro, também, da agenda
nacional; por outro, no esforço de tentar integrar espacialmente os dois antigos estados
numa só região geoeconômica propulsionada pela metrópole. Nesse sentido, o arranjo
institucional do Governo Estadual teria que dar conta dessa problemática de alguma
maneira.
A estrutura administrativa estadual foi planejada obedecendo a duas lógicas de
atuação: os órgãos formadores dos sistemas estruturais; e os órgãos formadores dos
sistemas operativos. Os sistemas estruturais, segundo o I PLAN RIO, caracterizavam-se
por atuarem no campo do planejamento, da normatização, da coordenação, da
integração e do controle. Seriam, portanto, o “cérebro” da atividade governamental,
integrando e orientando as ações de todo o aparato estatal.
159

Formavam esse campo o Sistema Estadual de Planejamento, coordenado pela


Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral; o Sistema de Administração
Financeira e Contabilidade, coordenado pela Secretaria de Fazenda e o Sistema de
Administração Geral, de Pessoal e Material, coordenado pela Secretaria de
Administração.
Os sistemas operativos eram aqueles formados por órgãos eminentemente
executivos, mas sob a égide do planejamento global definido pelo Conselho Estadual de
Desenvolvimento Econômico e Social (CEDES), presidido pelo governador e composto
pelos secretários dos sistemas estruturais.
O Sistema Estadual de Planejamento era o responsável por promover o
desenvolvimento econômico e social do ERJ, mediante o planejamento, a execução e o
acompanhamento de planos, programas, projetos, orçamentação (anual, plurianual e de
investimentos) e programação financeira de desembolso do Estado.
Coordenado, como mencionado, pela Secretaria de Planejamento e Coordenação
Geral, o Sistema Estadual de Planejamento era auxiliado por diversos órgãos executivos
setoriais da administração indireta, por órgãos de apoio financeiro do Estado53 e pelos
órgãos do sistema de apoio técnico e planejamento, que no caso do Sistema Estadual de
Planejamento era formado pela FUNDREM, pela FIDERJ, pela Superintendência de
Planejamento (SUPLAN), pela Superintendência de Orçamento (SO) e pela
Superintendência de Modernização Administrativa (SMA). Cabe notar que as duas
primeiras são fundações, ou seja, com certa autonomia administrativa e financeira,
enquanto as três últimas são, ao que parece (pois o plano não deixa claro), meros órgãos
internos à própria Secretaria de Planejamento.
Com efeito, foi no bojo desse sistema de apoio técnico e planejamento,
subordinado à Secretaria de Planejamento, que se criou a institucionalidade que, se
pensava, daria conta da questão regional fluminense.
De acordo com a descrição do I PLAN RIO, a SUPLAN, a FUNDREM e a
FIDERJ seriam os órgãos responsáveis, em maior ou em menor grau, pela assistência
técnica ao planejamento urbano e regional do ERJ. As duas últimas seriam, porém,
autarquias da administração indireta, o que lhes conferia maior autonomia de ação.

53
No caso, o Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ), criado da fusão do Banco do Estado da
Guanabara (BEG) com o Banco do Estado do Rio de Janeiro (BERJ), o BAN-RIO Administração,
Participação e Empreendimentos, criado pela fusão da Companhia Progresso do Estado da Guanabara
(COPEG) e da Nova Companha de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro (NOVA CODERJ) e o
Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro (BD-RIO), que foi herdeiro do órgão homônimo
do antigo ERJ (BRASILEIRO, 1979).
160

No quadro 1 abaixo, estão descritas as atribuições desses órgãos.

Quadro 1: Apoio técnico ao desenvolvimento urbano e regional do ERJ


ÓRGÃO OU ENTIDADE TIPO DE APOIO TÉCNICO
Superintendência de Planejamento (SUPLAN) Assistência técnica aos municípios, nos aspectos
da formulação de planos de aplicação de recursos,
de elaboração de orçamento-programa e em
assuntos de planejamento para o desenvolvimento
urbano e regional; intercâmbio de informações
para o planejamento municipal visando à
elaboração de planos e programas de interesse
regional e local.
Fundação para o Desenvolvimento da Região Assistência técnica aos municípios da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM) Metropolitana do Rio de Janeiro em assuntos de
planejamento para o desenvolvimento urbano e
regional, particularmente os que envolvam
interesses comuns à Região, envolvendo inclusive
treinamento de recursos humanos, por si, ou por
convênio; e em assuntos de orçamento e
modernização administrativa, através da
Superintendência de Orçamento e
Superintendência de Modernização da
Administração, da SECPLAN.
Fundação Instituto de Desenvolvimento Elaboração de estudos, pesquisas e análises
Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro econômico-sociais, globais, regionais e urbanos,
(FIDERJ) necessários ao processo de planejamento do
Estado, abrangendo, inclusive, a coleta de
informações estatísticas e a realização de estudos
geográficos e cartográficos, como órgão estadual
do Sistema Nacional de Estatística; assistência
técnica à iniciativa privada em programas, projetos
e estudos de viabilidade econômica, inclusive
identificando, analisando e divulgando processos
tecnológicos modernos, de interesse para o
desenvolvimento do Estado, em articulação com a
Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e
Turismo.
Fonte: I PLAN RIO

A criação desses órgãos demonstra que, pelo menos em seu início, o governo
que implantaria a fusão tinha uma preocupação especial com o desenvolvimento urbano
e regional do ERJ. Teria uma superintendência própria dentro da SECPLAN, que
trataria especificamente do planejamento municipal e da elaboração de projetos de
interesses ao desenvolvimento urbano e regional.
Para além da SECPLAN, haveria duas autarquias que dariam toda a assistência
técnica necessária às políticas de desenvolvimento regional no ERJ54, FUNDREM e
FIDERJ.

54
Há também referência ao Departamento de Planejamento Urbano e Regional (DESUR) da Secretaria de
Planejamento, que estranhamente não aparece na descrição do desenho institucional do Sistema Estadual
161

Há, no entanto, um porém que deve ser mencionado sobre esse arranjo
institucional. Por força da lei das regiões metropolitanas, a FUNDREM foi pensada
como uma verdadeira autarquia de planejamento regional, uma articuladora de todo o
planejamento e da execução de políticas endereçadas à RMRJ, dotando de uma
coerência espacial as políticas tanto dos órgãos executivos estaduais, quanto das
próprias prefeituras55.
Além disso, como é repetido nos textos oficiais do Governo Faria Lima, e
também já comentado em vários momentos nesta tese, o projeto de transformação da
RMRJ no segundo polo de desenvolvimento do país era algo encarado com seriedade
pelo governo, e a FUNDREM era a materialização institucional desse projeto, marcando
de modo indelével a memória carioca sobre o planejamento metropolitano do Rio de
Janeiro.
Não foi criado, entretanto, um congênere da FUNDREM para o interior ou, pelo
menos, para a busca pela integração espacial da capital com o interior. A FIDERJ,
apesar dos esforços de apoio técnico ao maior conhecimento das problemáticas
estaduais, produzindo, inclusive, estudos para subsidiar o planejamento municipal de
todos os municípios do interior, não foi pensado e, evidentemente, não funcionou como
um órgão de planejamento regional, mas, como expresso em sua própria atribuição,
uma entidade de produção de conhecimentos estatísticos e técnicos de subsídio ao
planejamento: um IBGE fluminense.
Não se quer dizer, com isso, que o Governo Faria Lima teria feito pouco caso
dos municípios do interior, ou não tenha se esforçado para descentralizar o
planejamento e os investimentos públicos. A análise da desigualdade regional no ERJ e
a proposição de medidas para sua redução toma boa parte do espaço do I PLAN RIO.
Além do mais, Faria Lima intentou descentralizar a administração estadual através da
criação das regiões-programa, tendo como fundamento as regiões funcionais e a teoria
da polarização, assim como buscou melhorar a infraestrutura do interior56.

de Planejamento, mas que de modo repentino aparece como setor responsável pela articulação com os
municípios fluminenses, sem mais explicações sobre suas funções.
55
A autonomia inicial da FUNDREM era tamanha que ela foi rotulada por muitos como a
Superprefeitura da Região Metropolitana.
56
Segundo os dados publicados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro (ERJ, 1979), foram concluídas
entre 1975 e 1978 5.214 obras no estado, sendo 1.391 obras na RMRJ e 3.690 no interior (133 não eram
passíveis de individualização por região). Dentre as obras financiadas pelo Governo Estadual, estavam a
ampliação do metrô, a construção e melhoria de estradas vicinais no interior, a melhoria da infraestrutura
de transporte na região metropolitana, a implantação de distritos industriais, a construção de conjuntos
habitacionais e melhorias na infraestrutura de saneamento, de energia e dos equipamentos sociais em
geral.
162

Segundo o depoimento de Ernani do Amaral Peixoto, tradicional político


fluminense, sobre o perfil dos governos após a fusão, é dito que Faria Lima teria feito
mais pelo interior do que seus sucessores Chagas Freitas e Leonel Brizola.

(...) o interior do estado do Rio era inteiramente contrário à fusão,


porque estava convencido de que só perderia com isso – como está
convencido até hoje. Realmente, todas as atenções se voltam para a
cidade do Rio de Janeiro, como é natural. Os governadores passaram a
ser prefeitos do Rio. O Brizola não tem outra atitude. O interior está
inteiramente abandonado.
(...) Do ponto de vista administrativo (Faria Lima) fez coisas
interessantes. Fez mais pelo interior do que o Chagas fez depois e do
que o Brizola está fazendo agora. Fez estradas, escolas...57 (AMARAL
PEIXOTO, in CAMARGO, et. al. 1986, p. 503 e 506).

Não obstante, essa tentativa de investir mais no interior, tentando, inclusive,


integrá-lo à RMRJ via melhoria das rodovias, não avançou do ponto de vista
institucional, tornando, de início, o planejamento regional do interior do ERJ algo mais
pontual do que a política metropolitana.
Segundo uma assessora do secretário de planejamento, Ronaldo Costa Couto,
em entrevista concedida a esta pesquisa, na SECPLAN o interesse no desenvolvimento
regional do interior era mais ligado ao engajamento pessoal de alguns membros da
equipe técnica da secretaria do que uma política consistente.

Essa preocupação de verificar se tinha um foco com o interior, tinha


sim. Mas não era exatamente na FUNDREM, porque a FUNDREM
ficava muito voltada para o recorte da região metropolitana. A
FIDERJ olhava só para determinados temas, como a indústria e a
Secretaria de Planejamento, onde estava a subsecretaria da Lysia
(Bernardes) é que olhava para o estado como um todo, tentando fazer
a articulação. Mas a menina dos olhos tanto do secretário de
planejamento, quanto do próprio governador, quanto do prefeito do
Rio, que na época era o Marcos Tamoyo58, que tinha uma grande
influência no próprio desenho da articulação institucional da região
metropolitana, era a FUNDREM, sem sombra de dúvida. Ainda era
uma época em que se acreditava, realmente, que o crescimento do
Estado do Rio de Janeiro em termos econômicos, estava centrado na
região metropolitana. A Lysia era um pouco dessa voz dissonante, que
acreditava que a gente tinha que começar a pensar numa coisa mais

57
Entrevista realizada em janeiro de 1984 a Aspásia Camargo, Lucia Hippolito, Maria Celina Soares
D’Araújo e Dora Rocha Flaksman.
58
Marcos Tamoyo, engenheiro, foi secretário de obras públicas da Guanabara entre 1965 e 1967 e
prefeito do Rio de Janeiro entre 1975 e 1979. Contrariamente ao afirmado nessa entrevista, há relatos,
como se verá posteriormente, de que na verdade o Marcos Tamoyo não era um entusiasta do
planejamento metropolitano.
163

interiorizada, e daí que ela, junto com Lo Russo59 e comigo, fazíamos


várias reuniões para pensar o interior, porque partíamos da premissa
que não adiantava pensar em uma região fechada. A gente tinha que
pensar a região metropolitana em sua relação com os territórios das
outras regiões que lhe são pelo menos próximas. Daí que surgiu um
pensamento de que a região metropolitana não poderia ser pensada
isoladamente, tinha que ser pensada em articulação com essas outras
regiões. Mas era um pensamento muito personalista, digamos assim,
pois eram a Lysia, a (entrevistada) e o Lo Russo que pensavam que
isso era importante. Não tinha nenhum projeto específico sobre isso.
Chegamos a fazer palestras, seminários para discutir, porém os
prefeitos da região metropolitana não gostavam dessa discussão,
diziam “vocês estão indo contra a região metropolitana”. (...) Só que
essa discussão não se traduziu em projetos concretos e objetivos.

Desse modo, além de não criar instituições destinadas especificamente à


integração inter-regional do ERJ, o discurso que defendia essa premissa era duramente
criticado pelas lideranças políticas da região metropolitana, demonstrando que desde o
nascedouro, o projeto da fusão, apesar de seu discurso, nunca conseguira criar uma
identidade regional enquanto projeto de um estado unificado, reproduzindo, na prática,
o que se engendrara a partir de décadas de cisão institucional. Se a questão regional
estava no centro da agenda, como foi demonstrado a partir do discurso do I PLAN RIO,
torna-se claro que seu centro gravitacional era a questão metropolitana e não a
integração mais profunda com as regiões do interior.

4.2.2.3 – A formulação oficial da questão regional fluminense e a programação de


desenvolvimento regional

A formulação da problemática espacial do ERJ elaborada pela equipe de


governo de Faria Lima foi fundamentada na estratégia geopolítica que movia o esforço
de desenvolvimento do Governo Federal: a indução para uma “multipolarização
comedida”, ou seja, descentralização, mas sem a pulverização dos investimentos,
mantendo as economias de escala e de aglomeração.
A teoria dos polos de desenvolvimento era, com efeito, um dos principais
modelos utilizados pela concepção técnica enunciada na programação regional do I
PLAN RIO, tendo a RMRJ como o polo irradiador do desenvolvimento para o interior,

59
Marco Aurélio Lo Russo, economista, foi coordenador de estudos e pesquisas da Vale do Rio Doce,
trabalhou na Secretaria de Indústria e Comércio de Minas Gerais, assessor da Direção do BNDE. No
Governo Faria Lima, foi subsecretário de planejamento e coordenação geral da Secretaria de
Planejamento e posteriormente foi nomeado presidente da FIDERJ.
164

dinamizando os centros de médio porte, que também irradiariam o crescimento para


suas respectivas regiões de entorno.
Dois eram os desafios reconhecidos pelo Governo Faria Lima em seu esforço de
integrar espacialmente o ERJ: por um lado estava o projeto federal de formar o segundo
polo de desenvolvimento nacional na RMRJ; por outro, havia o risco real de que o
virtual desenvolvimento do polo metropolitano acentuasse o esvaziamento econômico
do interior através das forças centrípetas que costumam operar na formação de polos de
crescimento60.
Assim, consoante ao postulado teórico dominante da época, o Governo Estadual
deveria investir no desenvolvimento de forças centrífugas que difundissem o
desenvolvimento alavancado pela metrópole para as demais regiões, ou o próprio polo
metropolitano correria o risco de não deslanchar devido ao intenso incremento
populacional agravado pela emigração do entorno economicamente deprimido, que era
o que se procurava evitar não só no Rio de Janeiro, mas nas demais metrópoles do país.

A definição de uma política de desenvolvimento para a Região


Metropolitana que leve em conta a sua posição no contexto estadual e
federal, apresenta alternativas que devem ser cuidadosamente
avaliadas. Se, por um lado os problemas metropolitanos exigem a
realização de investimentos maciços e coordenados que beneficiem
diretamente sua imensa população, por outro é imperioso que este
fortalecimento da base econômica e social da metrópole não contribua
para alargar o hiato atualmente observado entre a Região
Metropolitana e o conjunto do Estado. Cumpre, também, evitar o risco
de que os benefícios resultantes desses investimentos se vejam
diluídos diante de uma indesejável continuidade do processo de
crescimento populacional excessivo – o que certamente ocorrerá se
não forem tomadas, paralelamente, medidas destinadas a fortalecer a
economia das regiões de origem dos migrantes. (I PLAN RIO, p. 144-
145)

Na leitura da equipe técnica de Faria Lima, a cisão institucional existente até


então fora a principal barreira para que ocorresse esse processo de irradiação por
polarização, reconhecendo, assim, a validade de um dos principais argumentos pró-
fusão expressos desde a saída da capital para Brasília: o de que a cidade do Rio
esvaziava porque não tinha território para impulsioná-la, e que o (antigo) ERJ estava
60
É importante não confundir os conceitos de polo de desenvolvimento com polo de crescimento,
segundo a influência perrouxiana. Os polos de crescimento se formariam a partir de indústrias motrizes
que alavancariam a formação e crescimento de complexos industriais geograficamente localizados, mas
que poderiam funcionar como enclaves pelas forças centrípetas. Os polos de desenvolvimento se
formariam a partir de políticas deliberadas de irradiação desse crescimento pelo espaço, integrando as
regiões ao polo motriz através de forças centrífugas (ANDRADE, 1970).
165

obstado de aproveitar plenamente dos potenciais de desenvolvimento emanados da


capital.
Com efeito, a fusão removeria essa barreira maior para o pleno emprego das
potencialidades fluminenses, já que permitiria o início de uma ação regional inédita,
unindo o que antes era disperso e, consequentemente, concederia mais força ao novo
ERJ.

Removidas as barreiras artificiais que isolavam o principal polo da


região polarizada, abriram-se novas e magníficas possibilidades para
aqueles investimentos públicos, agora alocáveis de maneira mais
racional e com produtividade social superior (...).
Em termos econômicos, por exemplo, é inegável que o potencial do
novo Estado supera o da soma das partes, porque, além das
possibilidades de seus antecessores, reúne outras, derivadas da
integração. A par daquelas mencionadas acima, a integração, de fato,
abriu a possibilidade de efetiva especialização entre as regiões do
Estado, sobretudo no campo econômico, dentro do qual se destacou
justamente a possibilidade de definir vocações em termos de áreas
industriais, de modo não confinado a fronteiras políticas
convencionais. (I PLAN RIO, 1975, p. 99)

Dois eram os objetivos da estratégia espacial do Governo Estadual: (1) fortalecer


a integração estadual via concentração de esforços no atendimento a problemas
prioritários das diversas regiões do ERJ; (2) descentralizar a administração, de modo a
promover maior eficiência da ação governamental em nível regional.
O alcance desses objetivos se tornaria possível através da criação das regiões-
programa, uma nova regionalização criada pelo governo e que tinha por base a
formalização de polos regionais pelo interior. Seria, portanto, um primeiro passo para a
viabilização do desenvolvimento polarizado no ERJ. A importância dessa
regionalização está no fato de que serviu de base para o Estado nos anos seguintes,
representando, com algumas modificações, como referencial analítico do território
fluminense.
166

Quadro 2: Regiões-Programa do ERJ e seus polos


Regiões-Programa Polos Circunscrições
Administrativas
Metropolitana Rio de Janeiro Rio de Janeiro
Niterói
Nova Iguaçu
Duque de Caxias
Petrópolis
Médio Paraíba Volta Redonda Barra Mansa
Barra Mansa Barra do Piraí
Três Rios
Litoral Sul Angra dos Reis Angra dos Reis
Baixadas Litorâneas Macaé Macaé
Cabo Frio
Rio Bonito
Serrana Nova Friburgo Nova Friburgo
Teresópolis
Norte Campos Campos
Itaperuna
Fonte: I PLAN RIO

Em termos de regionalização, o I PLAN RIO utiliza outros referenciais


analíticos. Além da RMRJ, que permanece como unidade autônoma, o interior é
dividido em duas unidades “macro” regionais, que reuniam diferentes regiões-programa
que, apesar de apresentarem distinções no tocante às características fisiográficas, aos
problemas e às potencialidades, guardavam unidade em relação ao seu nível de
desenvolvimento socioeconômico.
A Grande Região I seria formada pelas regiões Norte, Baixadas Litorâneas e
Serrana, e se caracterizavam pela deficiência de infraestrutura econômica e social e pelo
fraco dinamismo das atividades tradicionais, apesar de alguns ramos dinâmicos da
agroindústria e do turismo.
A Grande Região II era formada pelas regiões-programa do Vale Médio Paraíba
e Litoral Sul, que se situavam no entroncamento do eixo Rio-São Paulo e tinham na
167

atividade industrial (no Médio Paraíba principalmente, mas também em Angra dos
Reis) e no potencial turístico seu fator de unidade.
Com relação à Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o I PLAN RIO realiza
um detalhado diagnóstico das problemáticas que afligiam a região. Como a segunda
maior área metropolitana do país, a RMRJ era alvo prioritário do projeto federal de
contenção do crescimento urbano e da concentração econômica na tríade formada com
São Paulo e Belo Horizonte.
A relação entre esse objetivo e aquele enunciado de constituir o segundo polo de
desenvolvimento do país era que já se constituía na RMRJ uma economia metropolitana
com enorme potencial de alavancagem, mas que era preciso impedir a continuidade do
processo de “inchaço urbano”, que minava aquele esforço.
Essa situação já ocorria na região devido à diferença verificada nas décadas
anteriores entre as altas taxas de incremento populacional e as taxas menores de
expansão econômica. Tal processo seria exacerbado pelas perdas advindas da
transferência da burocracia federal para Brasília e pela perda de atratividade de novas
indústrias para São Paulo, devido principalmente à falta de infraestrutura e aos altos
preços dos imóveis no núcleo metropolitano.
A questão da infraestrutura, aliás, é um tema sensível no diagnóstico do plano,
que ressalta especialmente a existência de graves problemas de integração do sistema de
transportes, com grande concentração no ramo rodoviário e uma assimetria enorme de
quantidade e qualidade das vias entre o núcleo metropolitano e as áreas periféricas. O
quadro era semelhante na infraestrutura social, dada a conhecida disparidade de oferta
de serviços de utilidade pública nessas mesmas áreas. O diagnóstico da realidade
metropolitana é assim resumido no I PLAN RIO.

Sem desconhecer suas conquistas econômico-sociais e


potencialidades, cabe reconhecer que, na atualidade, o Grande Rio
apresenta muitos aspectos carenciais. Tanto no Núcleo Metropolitano
como na periferia, o volume de empregos não é suficiente para
absorver a força de trabalho, os serviços de saneamento básico não
satisfazem às demandas criadas, o transporte de massa é insuficiente,
bem como o número de habitações e as áreas de recreação e lazer. A
poluição do ar e das águas atinge índices elevados, os níveis de saúde
e segurança são precários, o sistema de ensino tem deficiências
graves. A paisagem natural apresenta-se, em muitos pontos,
seriamente comprometida. Por outro lado, a repartição de diversas
atividades não é suficientemente homogênea no território
metropolitano, e o equipamento existente, diante da pressão
demográfica, tende a ter a vida útil diminuída – num processo de
168

obsolescência precoce que consome recursos, também escassos. (I


PLAN RIO, p. 214)

A programação da política metropolitana passava pelo enfrentamento direto de


todos esses problemas, principalmente em relação à criação de condições institucionais
e infraestruturais para uma nova etapa de expansão econômica através da atração de
novas indústrias e do fortalecimento das atividades terciárias superiores (que o Rio
ainda concentrava em nível nacional); pelo conhecimento e pelo controle da expansão
urbana e pela exploração dos recursos paisagísticos e melhor distribuição da oferta de
infraestrutura social.
Em todas essas linhas de ação estaria como coordenadora geral a FUNDREM,
que seria a instituição responsável pelo planejamento e controle de quase todos os
programas e projetos prioritários executados pelos órgãos setoriais do Estado.
Para além do seu braço “executor” dos projetos governamentais na RMRJ, a
FUNDREM também desenvolveria três projetos de sua exclusiva alçada, ligados
especificamente ao seu lado planejador e “pensante” sobre a realidade metropolitana:
(1) o levantamento aerofotogramétrico da região metropolitana; (2) o estudo do uso do
solo e da circulação viária; (3) as alternativas para o planejamento da expansão urbana.
Eram projetos que deveriam suprir a escassez de conhecimentos sobre esses
temas fundamentais para a política metropolitana, e que serviriam de base para os
programas governamentais. Esses projetos deveriam ser a base do Macrozoneamento da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que ao final do Governo Faria Lima deveria
estar concluído como documento de referência para as ações da política metropolitana
dali por diante61.
A FUNDREM, portanto, funcionaria como uma verdadeira autarquia de
planejamento regional (metropolitano), que muito se assemelha a outras experiências
de planejamento regional existentes no Brasil e no exterior, como a SUDENE e a
Tenessee Valey Authority, guardadas, evidentemente, as devidas proporções e
especificidades.

61
Um primeiro esboço do zoneamento da região metropolitana já fora realizado pela FUNDREM e
fundamentava o diagnóstico do I PLAN RIO quanto ao padrão de uso do solo na região. O projeto de
Macrozoneamento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro teria a incumbência de elaborar um
documento mais completo, que já tivesse proposições de ação no tocante aos eixos de expansão urbana,
seus respectivos usos, os projetos de integração de transportes etc.
169

Essa semelhança se dá pelo caráter global com que a FUNDREM exerceria suas
atividades, tendo que dar conta tanto da integração metropolitana, quanto do
planejamento e, ainda, das negociações das demandas a varejo das prefeituras.
A Grande Região I era a principal área produtora de gêneros agrícolas e
pecuários do ERJ, mas com marcante extensividade na maioria das atividades. O setor
agropecuário tendia à estagnação, com as zonas cafeeiras já em plena decadência e
esvaziamento, e a agroindústria sucroalcooleira seguia a mesma tendência, apesar de
sua importância e de seu esforço de modernização.
Segundo o diagnóstico do plano, o débil dinamismo era resultado da fraca
acessibilidade das áreas produtoras em relação ao mercado metropolitano e aos demais
mercados do país, agravado pelos entraves à comercialização e pela falta de apoio
técnico ao sistema produtivo. Consequências da estagnação são o êxodo rural em
direção às cidades, principalmente da RMRJ, e a transferência dos investimentos para
outras áreas.
O plano faz verdadeiros diagnósticos regionais abrangentes, apontando a
dinâmica econômica do período e as heranças históricas da formação econômica das
regiões-programa. A região Norte se destacava pela agricultura e pela agroindústria
sucroalcooleira. As Baixadas Litorâneas vinham apresentando maior crescimento
urbano na faixa costeira até Macaé por conta do aumento do turismo, acarretando nesse
processo problemas devido à falta de infraestrutura. A Região Serrana era formada por
algumas áreas bastante isoladas e deprimidas e graves problemas de acessibilidade. As
exceções eram Teresópolis e Nova Friburgo, que vinham se consolidando como cidades
de porte médio alavancadas pelo turismo proveniente da RMRJ, principalmente. Tanto
Friburgo quanto Teresópolis apresentavam algum dinamismo industrial, com pequenas
fábricas do ramo têxtil, metalúrgico e mecânico.
A Grande Região II seria formada pelas regiões-programa Vale Médio Paraíba e
Litoral Sul. O que se pode destacar dessa área é sua localização privilegiada no
entroncamento de vias da tríade econômica do Sudeste (RJ-SP-BH), apesar das
limitações topográficas.
O Vale Médio Paraíba enriqueceu durante a primeira fase do ciclo do café, mas
após sua crise o setor primário foi muito reduzido, destacando-se, principalmente, a
pecuária leiteira, de caráter semiextensivo. No diagnóstico, considera-se que apesar de
serem reduzidas, as atividades agropecuárias seriam mais abertas à modernização, visto
que já iniciaram o processo de modo embrionário.
170

O grande destaque do Vale Médio Paraíba era, sem dúvida, a industrialização, a


partir da instalação da CSN na década de 1940. As cidades de Volta Redonda e Barra
Mansa eram as mais industrializadas da região, e em 1970 já apresentavam sinais de
conurbação e desempenhavam papeis de centros regionais.
Outras cidades como Barra do Piraí, Três Rios e Resende também contavam
com alguma industrialização. O grande problema para a área era a topografia que
limitava a expansão industrial, a não ser que fossem realizados vultosos investimentos
de terraplanagem. Não obstante, era a área do interior de melhor infraestrutura, apesar
do crescimento urbano já pressionar o seu uso.
No tocante ao Litoral Sul, formado por Angra dos Reis e Parati, o plano sinaliza
o problema da acessibilidade, sendo essa área a menos povoada e economicamente
aquinhoada do ERJ. Na época, a BR-101 estava ainda em processo de construção,
limitando o acesso à cabotagem e a uma rodovia estadual que ligava Angra a Barra
Mansa, fora os antigos caminhos dos tempos coloniais. A agricultura da área era
inexpressiva, contando, a partir de 1960, com grande número de posseiros praticando
agricultura de subsistência.
O grande potencial regional era a atividade turística, atraída pelo ambiente
natural preservado e pelo belo litoral recortado; a atividade portuária, em extensão com
a Baía de Sepetiba; e os novos empreendimentos industriais da construção naval e da
usina nuclear instalados em Angra dos Reis, investimento ligado ao II PND.
Coerente com a orientação geral do plano, o Governo Faria Lima considerava a
integração espacial o termo-chave de sua política de desenvolvimento urbano e
regional no ERJ. Em resumo, seriam quatro as estratégias para se alcançar esse
desiderato:
 A concentração de investimentos tanto no espaço urbano quanto no espaço
rural. A concentração urbano-industrial se daria pelo fortalecimento dos
polos industriais emergentes, pela implantação de distritos industriais em
áreas com vantagens locacionais e pelo fortalecimento de centros regionais
como irradiadores do desenvolvimento regional.
 A integração física do ERJ através de maciços investimentos na melhoria e
na ampliação do sistema viário estadual. O objetivo era aumentar a
acessibilidade da produção agrícola e industrial do interior ao mercado
metropolitano, assim como criar novos arranjos espaciais através da melhor
integração inter-regional e intra-regional.
171

 A organização dos espaços urbanos e rurais através do ordenamento do uso


do solo e do maior controle sobre o território, de modo a concatenar os usos
econômicos e residenciais com as necessidades de preservação dos
patrimônios histórico-cultural e paisagístico do ERJ.
 A estratégia da integração governamental, baseada na busca pela
descentralização da ação governamental estadual via regiões-programa e
integração dos planos estaduais e federais com os municípios, além do
incentivo à criação de consórcios intermunicipais.
Finalmente, o Governo Faria Lima contava com o auxílio de programas
especiais desenvolvidos em parceria com o Governo Federal, como o Programa
Especial do Norte Fluminense (PRODENOR), ligado ao II PND, que previa obras de
saneamento pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) e
investimentos no desenvolvimento de atividades agrícolas e industriais (agroindustrial,
principalmente); O Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), que incentivaria a
indústria sucroalcooleira do Norte Fluminense; e programas de ordenamento territorial
como parte do pacote de desenvolvimento da orla marítima do país para fins de impulso
da atividade turística.
Enfim, devido aos imperativos de construção de um novo ERJ, ao seu estilo
pessoal de administrar e fazer política e à ampla aceitação dos paradigmas
tecnocráticos, o Governo Faria Lima buscou alicerçar seu governo sob o método do
planejamento racional e técnico, valorizando a dimensão espacial como norte para a
ação governamental. O I PLAN RIO sintetizou essa busca, elaborando um alentado
levantamento de conhecimentos sobre o ERJ e, a partir dessa produção técnica, a
identificação de gargalos e potencialidades e a programação de ações que deveriam
elevar o ERJ à sua estimada posição de segunda força propulsora da economia
brasileira.
No âmbito da política de desenvolvimento regional do estado, a FUNDREM
assumiu um papel central de órgão de planejamento tipicamente regional, responsável
por articular as políticas federais, estaduais e municipais na RMRJ, contando, inclusive,
com orçamento próprio via Fundo Contábil da Região Metropolitana do Rio de Janeiro,
que recebia recursos tanto federais quanto estaduais.
Para o interior, observou-se a inexistência de um arranjo institucional tão
definido e claro, e a programação se limitava ao estabelecimento das regiões-programa,
172

mas não incluía a definição de recursos institucionais e econômicos, como estabelecido


na RMRJ.
O Governo Faria Lima foi sui generis no ERJ após a fusão de 1974, pela
explícita articulação com o projeto de Estado do Governo Federal, pelo otimismo com o
futuro da nova unidade da federação e pela clareza das ações que pavimentaria esse
futuro promissor.
A saída de Faria Lima do Palácio da Guanabara, no entanto, coincidiria com o
fim do último ciclo de crescimento acelerado da economia brasileira. O choque do
petróleo em 1979 e as instabilidades macroeconômicas nos contextos internacional e
nacional criariam dificuldades para o ERJ (assim como os demais entes subnacionais)
continuar o projeto encampado pelo tecnocratismo do Governo Faria Lima.
Chagas Freitas, o governador seguinte, passou por um período de transição, em
que a crise chegava às plagas brasileiras, mas sem destronar em definitivo a ideologia
do planejamento centralizado que orientou os antecessores no governo do estado e
mesmo no plano federal. Seu compromisso com o sucesso da fusão, porém, já não seria
tão rígido.
Entretanto, a fusão criou um novo território para a consolidação da máquina
chaguista. Apesar de a FUNDREM ainda manter o prestígio e continuar o trabalho que
vinha realizando no Governo Faria Lima, iniciou-se o processo de desconstrução do
arranjo de suporte ao planejamento urbano e regional com a extinção da FIDERJ e a
transferência de suas atribuições à recém-criada FAPERJ, que seria responsável também
pela ciência e a tecnologia.

4.3- Governo Chagas Freitas (1979-1982): críticas à fusão, crise econômica e


início do desmonte do arranjo institucional do planejamento regional

4.3.1- Perfil político de Chagas Freitas e a conjuntura de seu governo pós-fusão.

Apesar de qualquer mérito que se possa reconhecer da gestão de Faria Lima, é


importante ressaltar que fora uma figura imposta pelos militares de Brasília ao principal
reduto oposicionista ao regime, demarcando, com isso, o caráter autoritário a que a
fusão acabou sendo, com razão, associada.
Faria Lima não tinha nenhuma identificação com o campo político carioca, fato
que ele fazia questão de reforçar ao preferir adotar um estilo tecnocrático e avesso aos
173

jogos da política profissional carioca e fluminense. O mesmo não se pode dizer de


Chagas Freitas, que passaria a ocupar a cadeira do Palácio da Guanabara a partir de
1979 como governador eleito indiretamente.
Chagas Freitas foi um dos grandes nomes da política carioca, tão influente que
conseguiu um modus operandi próprio que foi reproduzido por seus correligionários: o
chaguismo. Poucos conseguiram construir estilos políticos tão significativos na história
recente da política carioca e fluminense, como foram os casos do lacerdismo (Carlos
Lacerda) e do brizolismo (Leonel Brizola) na capital, e o amaralismo (Amaral Peixoto)
no interior.
Construído na cidade do Rio de Janeiro, o chaguismo se destaca pelo seu caráter
localista e clientelista, pouco preocupado, portanto, em exercer influência na esfera
nacional, ao contrário do que representou tanto o lacerdismo quanto o brizolismo, cujos
líderes sempre manifestaram a ambição pelo cargo máximo da República, a Presidência.
Chagas Freitas foi um legítimo representante da velha política brasileira,
patrimonialista, paroquialista, do caciquismo político. Seu estilo vicejou na cidade do
Rio de Janeiro através da construção de uma sólida rede de aliados, transitando
habilmente nos interstícios da principal característica do campo político carioca segundo
apontado, entre outros, por Osório (2004), Motta (2001a) e Sarmento (2008): a da
convivência entre os grandes debates nacionais e a disseminada pequena política
clientelística em nível local.
Segundo Sarmento (2008), Antônio de Pádua Chagas Freitas descendeu de dois
ramos familiares tradicionais: os Freitas de Santo Antônio de Pádua-RJ por parte de pai,
e os Chagas, originados do município de Oliveira-MG (o médico Carlos Chagas fora
seu tio).
Direcionado pelo pai, desembargador, para a carreira jurídica, cursara a
Faculdade Nacional de Direito em 1931, onde observaria de perto toda a efervescência
política após a Revolução de 30, e fora contemporâneo de outros futuros nomes da
política brasileira, como Carlos Lacerda, Evandro Lins e Silva, San Tiago Dantas,
Octávio de Faria, Miguel Lins e José Honório Rodrigues, que, influenciados pelas
discussões políticas promovidas por seus professores, se iniciariam na vida política
ainda na faculdade.
Diferentemente de Carlos Lacerda, que desde cedo apresentaria talento para a
oratória e pendores para a radicalização, primeiro à esquerda, depois à direita do
espectro político, Chagas Freitas não possuía atributos carismáticos que o
174

credenciassem à tribuna, mas demonstrara muita desenvoltura para a composição e a


negociação, sem predisposições ideológicas.
Conforme crescia sua experiência com o pleito eleitoral, Chagas Freitas
desenvolveria esse estilo de fazer política, adotando, ainda, um populismo
ideologicamente indefinido a partir de sua aproximação com o paulista Ademar de
Barros,da compra do jornal popular carioca A Notícia e da criação de O Dia, que
passaram a veicular a plataforma ademarista e que serviram como instrumento de
barganha com os caciques políticos locais que formariam a máquina chaguista.
Diante dessas características pessoais e políticas, todas as escolhas de Chagas
Freitas durante os conturbados anos de sua atuação na arena pública foram marcados
pelo pragmatismo e pela ambiguidade, segundo a conveniência do momento.
Sempre tentando manter sua imagem populista, Chagas Freitas ora se aliava aos
trabalhistas, ora aos conservadores e aos militares, evitando quando possível o conflito
aberto, tendo como referência principal a sua sobrevivência política nas conjunturas
desfavoráveis e o aumento de sua influência sobre as redes clientelísticas da cidade do
Rio de Janeiro. Por isso, afirma Sarmento (2008), Chagas Freitas se dava muito bem
durante os períodos de desmobilização e ficava muito desconfortável quando havia
polarizações no debate público.
Sua trajetória em cargos políticos inclui três mandatos como deputado federal, o
governo do Estado da Guanabara entre 1970 e 1974 e, finalmente, o governo do Estado
do Rio de Janeiro entre 1979 e 1982. Nos dois mandatos como governador, Chagas
Freitas, como era de se esperar, fez funcionar sua clientela.
No Governo do Estado da Guanabara adotara uma agenda bastante diferente de
seus antecessores, Carlos Lacerda e Negrão de Lima, os quais tentaram perpetuar o
papel nacional da cidade-estado, como caixa de ressonância da política brasileira
(SARMENTO, 2008; MOTTA, 2001a).
Ao contrário, Chagas Freitas tratou de esvaziar as pretensões de seus
antecessores e iniciou um processo de “estadualização” da Guanabara, equiparando-a às
demais unidades federativas do país (MOTTA, 2001c).
No âmbito do projeto político de Chagas Freitas, essa mudança de papel do
Estado da Guanabara se faria necessária, de modo a garantir sua hegemonia política
através das redes de clientela, visto que a manutenção da capitalidade de fato no Rio de
Janeiro polarizava o campo político em torno de temas nacionais, o que enfraquecia a
máquina chaguista (SARMENTO, 2008).
175

Além disso, o recrudescimento do regime após o AI-5, que limitou a prática


política oposicionista, representou uma janela de oportunidade para o governador, que
conseguiu, ainda, manter uma aura de oposição, dado seu domínio do MDB carioca, e
ao mesmo tempo manter boas relações com os militares ao trazer para si o exemplo da
oposição tolerável.
No governo do Estado da Guanabara, ainda que se esforçasse por fortalecer
através do uso da máquina pública a sua clientela, Chagas Freitas tentou colar ao seu
governo a imagem de uma administração técnica, com a nomeação em cargoschave de
pessoas de sua confiança que possuíam reconhecida competência profissional
(SARMENTO, 2008).
A imposição da fusão por Geisel frustrou, temporariamente, os planos de
hegemonia de Chagas Freitas na Guanabara, já que rompeu com as regras do jogo
estabelecidas, impedindo a sucessão do chaguismo no governo guanabarino com a
nomeação de Faria Lima como primeiro governador do novo Estado do Rio de Janeiro.
Sempre pragmático, Chagas Freitas nunca tomara parte do debate sobre a fusão,
logo, não fora um entusiasta da medida, já que geraria incômodos à sua consolidada
máquina política na cidade do Rio de Janeiro, como de fato ocorrera com a disputa
fratricida no interior do MDB entre as alas chaguistas guanabarinas e a hegemonia
amaralista no MDB fluminense, por ocasião da fusão dos dois antigos diretórios durante
o redimensionamento do partido após 1974.
Como o então governador, Faria Lima não se dispôs a entrar nas disputas
políticas no ERJ, compromissado que estava com a fusão institucional, mas não com a
fusão política. Tal conflito acabaria definindo os rumos futuros do ERJ, já que a
ARENA, partido minoritário na ALERJ, tinha poucas chances de vitória nas próximas
eleições para governador, visto que Faria Lima se recusava, também, a atuar
efetivamente no sentido de fortalecer o partido no novo estado.
O chaguismo logo se tornaria o vencedor da guerra travada, pois Chagas Freitas
conseguira arregimentar os políticos do interior para suas fileiras, oferecendo o que
sempre barganhara: projeção através dos seus populares jornais. Amaral Peixoto,
naquele tempo afastado da política paroquialista, mantinha seu status de chefe político
no antigo MDB fluminense devido à sua enorme projeção nos grandes debates
nacionais. Quando necessitou voltar-se para a pequena política, já não possuía as armas
para combater a máquina chaguista, optando, por conseguinte, levar o embate para a
esfera onde sua influência fazia valer: no diretório nacional do MDB. Mas ao fim, sua
176

estratégia malogrou e Chagas Freitas, mais uma vez, conseguiu afirmar sua hegemonia,
agora ampliada para todo o território fluminense (SARMENTO, 2008).
Essa vitória sobre o amaralismo encaminhou sua indicação para um novo
governo pela via indireta, assumindo, assim, o governo do ERJ em 15 de março de
1979. A conjuntura nessa época mudava rapidamente, em nível internacional, nacional e
local.
O ano de 1979 foi o do segundo choque do petróleo, que recrudesceu as
incertezas macroeconômicas já em curso desde 1973, tendo efeitos particularmente
danosos no mercado financeiro internacional, cuja atividade especulativa já fugira do
controle do sistema regulatório do acordo de Bretton Woods.
A crise embargaria novos empréstimos aos países subdesenvolvidos e
dificultaria o refinanciamento das dívidas já realizadas, freando, por conseguinte, a
capacidade de manutenção dos investimentos produtivos nos países em franco processo
de industrialização, como o Brasil.
A dificuldade de financiamento esgotou o projeto encampado pelo II PND, que,
após manter altas taxas de crescimento durante o quinquênio de governo de Geisel, teve
sua trajetória subitamente interrompida em 1980, quando a economia brasileira iniciaria
sua longa crise que aliava baixo crescimento econômico, endividamento do Estado e
descontrole inflacionário.
No plano nacional, o Governo Figueiredo abandonou a opção dos anos
anteriores (crescimento com financiamento) ao realizar instrumentos ortodoxos de
contenção do investimento e ajustamento da economia para fazer frente à crise que se
afigurava (CASTRO e SOUZA, 1985).
Aos governos estaduais a situação seria ainda mais dramática, já que desde a
Constituição de 1967 o Governo Federal vinha institucionalizando mecanismos de
centralização tributária em favor da União, reduzindo a autonomia fiscal dos estados e
vinculando as condições governativas à capacidade dos governadores em barganhar
com a cúpula militar em Brasília (LOPREATO, 2002).
Enquanto a economia brasileira manteve aceleradas suas taxas de crescimento, a
dificuldade dos estados era minorada, como ficou demonstrado no caso das expectativas
do Governo Faria Lima de receber apoio do Governo Federal através, principalmente,
da programação de investimentos no ERJ. Mas quando Chagas Freitas assumiu o
governo, a situação já era bastante diferente, pois o Governo Figueiredo não
correspondeu às expectativas de apoio financeiro ao ERJ, e a situação do Governo
177

Estadual ficou bastante precária por diversas razões, como o legado de endividamento
recebido de Faria Lima, a crise econômica e a pequena margem de manobra efetiva para
a atividade governativa estadual (FREIRE, 2012).
Outra mudança de conjuntura que se seguiu à condução de Chagas Freitas ao
governo foram os ventos políticos, que em 1979 já sinalizavam uma nova etapa de
radicalização dos discursos a partir da Lei da Anistia e da volta de políticos do quilate
de Miguel Arraes e Leonel Brizola.
A máquina chaguista, extremamente competente no ambiente do autoritarismo,
teria que se readaptar ao progressivo processo de volta à democracia, assim como tentar
avançar seu comando para o interior fluminense, onde apesar de ter sobrepujado Amaral
Peixoto, estava longe de se sentir plenamente confortável. Tanto que a base de seu
trabalho ainda era centrada na rede de clientela existente no município do Rio de
Janeiro, além de que sua alta cúpula de governo seria, com poucas exceções, a equipe
que o acompanhou durante o Governo da Guanabara. Aos novos aliados do interior,
Chagas Freitas destinaria cargos do segundo escalão do aparato do Estado
(SARMENTO, 2008). De resto, a equipe de governo pouco conhecia as regiões
fluminenses, como atesta Gilberto Rodriguez62:

Eu vou dizer uma coisa: ele (Chagas Freitas) se cercou só de gente da


Guanabara, havia secretários seus que achavam que Bom Jesus de
Itabapoana era um centro espírita. Essa era a relação que tinham com
o interior; não conheciam nada, não tinham vivência, pensavam que
aconteceria o que tinha acontecido na Guanabara, onde tudo era festa,
tudo se resolvia. (...) Mas o interior não tem nada a ver com a capital.
Nada, nada. (RODRIGUEZ, in SARMENTO e MOTTA, 2001)

Esse desconhecimento foi ainda somado à indicação para a prefeitura do Rio de


Janeiro de um assumido opositor da fusão, o empresário Israel Klabin, que durante sua
curta passagem na prefeitura tentou encaminhar ao presidente Figueiredo a proposta da
desfusão, mas a negativa indispôs o prefeito em continuar sua administração.
Enfim, se Faria Lima buscou inserir no planejamento governamental a
integração espacial como mote de ação, ele não o fez na esfera política. Essa tarefa
coube a Chagas Freitas, que ao vencer o amaralismo no processo de fusão dos dois
diretórios do MDB tentou expandir sua máquina eleitoreira para o interior.

62
Gilberto Castro Rodriguez, advogado, iniciado na política em Nilópolis (onde foi vereador, vice-
prefeito e prefeito), foi deputado estadual pelo MDB-RJ entre 1971 e 1979, quando entrou para o PP. Em
1982 voltou ao PMDB, sendo líder da Maioria na ALERJ. Entre 1987 e 1991 foi Presidente da ALERJ.
178

Não obstante, o horizonte governativo continuava limitado à antiga Guanabara,


o que significou o início do esvaziamento do arranjo institucional construído pelo
esforço de implementação da fusão por parte de Faria Lima. Essa afirmação, como se
verá a seguir, pode ser verificada no plano de desenvolvimento econômico e social de
Chagas Freitas, que apesar de ainda ser favorável à ideia de planejamento, as
entrelinhas demonstravam que tinha certo descompromisso com a continuidade da fusão
e menor rigor na apresentação dos instrumentos institucionais de planejamento,
denotando sua colocação em segundo plano frente às necessidades da máquina política.
Por conseguinte, a questão regional como questão de Estado também perderia
substância.

4.3.2- O plano de governo de Chagas Freitas: crise, planejamento de curto prazo e o


desenvolvimento regional

São bastante distintos o tom discursivo e a abordagem de planejamento


governamental expressos no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social de Chagas
Freitas em comparação ao I PLAN RIO. O otimismo em relação ao futuro, o estilo
tecnocrático e a centralidade da dimensão espacial como instrumento de integração da
ação do Estado, que, como visto, caracterizaram o I PLAN RIO, ou já não são
encontrados ou estão bastante reduzidos no plano de governo de Chagas Freitas.
Ao contrário, reconhece-se que a conjuntura de crise, gerada pela confluência da
crise sistêmica internacional e as contradições internas do país, dentre as quais o relativo
esvaziamento dos entes estaduais, constrangia a capacidade de ação do governo
estadual. Vide a afirmação do novo secretário de planejamento, Francisco Manoel de
Mello Franco, na apresentação do plano de governo:

A difícil conjuntura internacional, na qual cintila a crise energética,


aliada às dificuldades internas, oriundas da atrofia dos Estados no
conjunto da Federação, e, em particular, derivadas de distorções
geradas pelo processo de fusão dos antigos Estados da Guanabara e
Rio de Janeiro, tornam difícil a tarefa de planejamento. As grandes
necessidades do Rio, para serem corretamente equacionadas, exigem
recursos de que não dispõe, e que se procura negociar, com ajuda
imprescindível do Governo Federal. (MELLO FRANCO in PDES –
CHAGAS FREITAS, p. XI)
179

Destaca-se no plano, por conseguinte, uma rica análise dos constrangimentos


internos e externos que se apresentavam naquele momento em que a equipe de Chagas
Freitas iniciava sua administração. Os condicionamentos externos diziam respeito,
principalmente, à crise internacional advinda da crise energética e da consequente
“estagflação”, e a seus rebatimentos sobre o modelo econômico de industrialização por
substituição de importações adotado no Brasil.
A análise claramente faz coro com parte das críticas que em fins dos anos 1970
se apresentavam ao modelo econômico até então adotado, com nuances que revelam a
influência da crítica ambientalista sobre os efeitos da industrialização e da urbanização
acelerados na vida urbana, no consumo dos recursos naturais e no meio ambiente.
No caso brasileiro, a análise do plano considera inadequadas as opções adotadas
pelo longo processo de industrialização por substituição de importações. Apesar de
permitir a aceleração do processo de industrialização pelos encadeamentos sobre os
outros setores da indústria de transformação e sobre a infraestrutura de transportes, o
modelo econômico teria gerado desequilíbrios econômicos devido ao aumento do
consumo de combustível importado, que com a crise energética pesava sobre a balança
comercial.
Além disso, o modelo gerou um enorme processo de metropolização e
inchamento das cidades, dando origem a graves problemas sociais, cabendo ao Governo
Federal a adoção de medidas para a reversão desse processo (via desconcentração
urbana) e de mudança do modelo econômico.
Quanto aos condicionamentos internos, o plano apresenta quatro
constrangimentos à ação do Governo do Estado: as diretrizes gerais do Governo
Federal, a questão metropolitana, a fusão dos antigos estados da Guanabara e do Rio de
Janeiro e os problemas orçamentários oriundos do Programa de Classificação de
Cargos— esse também um efeito da fusão.
O plano reconhece a “submissão” apriorística do ente estadual às diretrizes e
estratégias do desenvolvimento nacional. No entanto, não há nenhuma vinculação a um
desiderato maior do Governo Federal para o ERJ como ocorrera no âmbito do II PND.
É sabido que, apesar da formalidade da elaboração do III PND pelo Governo
Figueiredo, na entrada dos anos 1980 o país estava obstado, pela sua crise de
endividamento e pela aceleração da inflação, a voltar a se engajar em estratégias
desenvolvimentistas, tendo que se concentrar nos esforços do pagamento dos juros da
dívida externa e no controle da inflação.
180

Essa condição se disseminou de modo profundo nos entes estaduais,


particularmente no ERJ, dadas as suas condições especiais (fusão, efeitos da saída da
capital, desigualdade regional, peso do setor público na economia estadual), e
principalmente por conta da centralização tributária operada em 1967, que retirara a
autonomia fiscal dos estados (LOPREATO, 2002).
A questão metropolitana recebeu uma extensa análise, o que demonstra a
importância do tema como um problema gerado pelo modelo econômico e que tinha
agravantes no Brasil. O texto apresenta uma verdadeira síntese histórica do processo de
urbanização e metropolização no mundo, ressaltando os seus problemas e as
dificuldades dos Estados em conseguir recursos para financiar as soluções para a
problemática urbana.
Tal quadro seria potencializado no Brasil devido à escassez de recursos na maior
parte dos estados e municípios do país. Nesse sentido, a realidade metropolitana
brasileira teria como síntese a escassez de recursos para a realização de projetos
prioritários nas áreas de saneamento, de transportes de massas e de segurança pública.
Coube ao Governo Federal criar meios institucionais para garantir tais recursos,
principalmente pela via dos repasses tributários internos, e menos pelo financiamento,
muito dificultado pela conjuntura econômica internacional e nacional. Sem tais
garantias, por falta de condições materiais os estados estariam impedidos de solucionar
os problemas de suas respectivas metrópoles.
Finalmente, o plano apresenta a avaliação da equipe de governo de Chagas
Freitas sobre os efeitos da fusão no ERJ, cuja análise se baseia em dois pontos
principais: (1) a fusão gerou um profundo problema financeiro para o (novo) ERJ, por
conta do custo das duas pesadas burocracias e da criação da Prefeitura do Rio de
Janeiro; (2) o Governo Federal não cumpriu o compromisso de auxílio orçamentário ao
processo de fusão, como prometido na Lei Complementar no 20.
No tocante ao primeiro ponto, a alegação geoeconômica da fusão teria gerado
para o novo estado um grave problema financeiro devido ao aumento das despesas
correntes derivadas da fusão das duas burocracias e da criação de novos órgãos
estaduais, que demandavam a disponibilização de instalações adequadas63.

63
Não há estudos que possam confirmar ou refutar essas questões referentes às consequências da fusão
para o orçamento estadual. Na mensagem à ALERJ de 4 de março de 1980, Chagas Freitas comenta que
um dos problemas mais urgentes derivados da fusão era a questão da equiparação dos cargos e salários
dos funcionários da Guanabara e do antigo ERJ. Esse problema teria gerado entraves financeiros que
reduziram a capacidade de investimento estadual.
181

Diminuiu-se assim o aporte de recursos para novos investimentos em


infraestrutura econômica e social, ao mesmo tempo em que essas demandas cresceriam
por efeito da própria reestruturação do aparato institucional do estado.
A cidade do Rio de Janeiro sofreria as consequências maiores do processo de
fusão, já que não se conseguiu fazer a contento a transformação do antigo estado em
município. Haveria algumas indefinições entre as atribuições do novo município e
aquelas que seriam do Governo do Estado, o que estaria resultando em uma piora
significativa do aporte de recursos municipais.

O esquema adotado pela fusão transferiu, pois, sem sombra de


dúvidas, encargos excessivos para a Prefeitura da Capital, considerada
a capacidade de sua Receita. Mas, além disso, organizou-se o quadro
de chefias do município com um contingente muito inflacionado de
cargos e funções, onerando a já combalida organização municipal.
O Estado estruturou-se, na fusão, desempenhando muitas funções de
Prefeitura, e esta ficou sufocada com funções estaduais. Cumpre,
assim, estudar-se a revisão das atuais estruturas, e devolver ao Estado
os encargos que estão, em excesso, dependentes do erário municipal.
(PDES – CHAGAS FREITAS, p. 17)

O segundo ponto central da crítica ao processo de fusão, o não cumprimento do


devido apoio orçamentário da União ao ERJ, seria uma das principais causas dos
problemas originados pela fusão, dentre os quais estão o estado de endividamento da
Prefeitura do Rio de Janeiro e do próprio Governo Estadual. Cobrava-se, então, que o
Governo Federal cumprisse com o prometido, de modo a viabilizar a consolidação da
fusão, que ainda estava inacabada.

Ocorre que a Lei Complementar no 20, que instituiu a fusão, previu


dificuldades orçamentárias para o Estado, com a sua implementação.
Assim é que o artigo 21 daquele diploma legal criou o Fundo Contábil
para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro,
destinado a financiar os programas e projetos prioritários para a
Região.
A União sempre esperou um custo da fusão, com o qual deve arcar. A
mecânica de ação é, portanto, o Governo Federal aliviar o orçamento
estadual no que se refere a investimentos financiáveis pelo Fundo
Contábil e permitir assim que o Estado adquira condições para
absorver o excesso de responsabilidade da Prefeitura. (PDES –
CHAGAS FREITAS, p. 17 e 18)

Assim, dadas as condições herdadas pela equipe do Governo Chagas Freitas,


reconheceu-se que era inviável a elaboração de um planejamento detalhado, assim como
182

se rarearam as manifestações de fé na capacidade de atuação do ente estadual na


reestruturação econômica, social e institucional do ERJ, como foi manifestado no I
PLAN RIO.
Não caberia, portanto, uma descrição detalhada de um tipo de planejamento de
médio prazo, mas a indicação de objetivos gerais da política governativa, tendo em vista
a necessidade, imposta pela conjuntura, de pensar nos desafios que se descortinavam em
curto prazo.

Dessa forma, o Plano que ora tenho a honra de encaminhar a Vossa


Excelência é um documento característico do momento brasileiro.
Considerando as grandes condicionantes internacionais e nacionais, e
o período extraordinariamente complexo em que vivemos, sob
condições de estagflação, ele prepara o Estado para o futuro próximo,
na linha do progresso inelutável da história, e indica, para todos os
setores e Regiões, o caminho coerente a percorrer, na medida da
disponibilidade de recursos, hoje ainda infelizmente tão escassos.
(MELLO FRANCO in PDES – CHAGAS FREITAS, p. XII)

Significaria isso uma redução da importância da atividade planejadora no


aparato do Estado no Governo Chagas Freitas? A partir do que se observa na forma de
apresentação de seu plano de governo, pode-se chegar à conclusão de que há indícios
neste sentido. A começar pelo fato de que, apesar de se reafirmar a imprescindibilidade
do planejamento para a atividade de governo, o plano não faz nenhuma apresentação do
modelo de planejamento adotado, tampouco descreve as funções previstas para o
arranjo institucional do planejamento.
A ação governativa estaria severamente limitada pela instabilidade do ambiente
econômico e pela sua capacidade de financiamento bastante debilitada pela crise. As
diretrizes do plano se caracterizam por sua generalidade, como ao (?) anunciar para
todos que o governo sabia dos problemas do ERJ e que iria se esforçar para resolvê-los,
mas a descrição dos instrumentos orçamentários e institucionais para sua execução é
bastante limitada, pelo menos na forma como se apresenta no plano.
Por outro lado, o governador exercia um controle estrito sobre todas as propostas
de projetos que fossem elaboradas pelas equipes de planejamento, o que retirava parte
significativa da autonomia do Sistema Estadual de Planejamento.

O início de qualquer programa novo ficará sujeito as seguintes etapas:


a- aprovação preliminar, pelo Governador, quanto à prioridade,
oportunidade e conveniência, desde que demonstrada disponibilidade
de recursos, de acordo com a previsão de desembolsos; b- obtida a
183

aprovação preliminar, serão preparados projetos detalhados; c- a


execução dos programas só será iniciada após a aprovação de
demonstrações minuciosas e realistas de custos prováveis e da
inclusão dos recursos correspondentes no orçamento do estado ou da
entidade interessada. (PDES – CHAGAS FREITAS, p. 8 e 9)

Outro fato relevante de seu governo no campo do planejamento foi que se


iniciou certo desmonte do arranjo institucional técnico do Sistema Estadual de
Planejamento—algo não declarado explicitamente no plano de governo, mas implícito
na diretriz da “modernização da administração pública”, que previa, entre outras
medidas, desburocratizar o setor público de modo a melhorar sua eficiência e readequar
as estruturas, regulamentos, cargos e funções do Governo do Estado.
No âmbito dessa diretriz ocorreu a extinção da FIDERJ, que foi fundida com o
Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Educação e Cultura (CDRH), e
foi criado o Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), por
intermédio do Decreto no 3.290 de 16 de junho de 1980.
A justificativa para tal ação foi justamente a necessidade de racionalização dos
gastos públicos e a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico do estado,
daquele momento em diante sob os auspícios da recém-criada FAPERJ. Abre-se mão,
assim, do que antes era considerado fundamental: possuir um aparato de levantamento
de conhecimentos específicos sobre o ERJ para balizar o planejamento governamental.
A FUNDREM não foi afetada por esse desmonte, pelo menos do ponto de vista
formal, mas por outro lado se acentuou o vazio institucional verificado no sistema de
planejamento de Faria Lima quanto ao desenvolvimento regional do interior do estado,
que naquele ínterim já não contaria nem com um órgão de pesquisa socioeconômica e
estatística que subsidiasse a programação de desenvolvimento do estado e dos
municípios.
Tais encaminhamentos tomados estariam justificados pela herança recebida do
Governo Faria Lima, que, apesar de todo o seu veio tecnicista e planificador, teria
dilapidado as contas do ERJ devido ao alto endividamento tomado para as obras
públicas e, por conseguinte, gerando as instabilidades financeiras que impediam o
planejamento de médio e de longo prazo.
Com efeito, o desiderato explícito de criar o 2o polo de desenvolvimento do país
e a integração espacial entre a capital e o interior não teriam sido alcançados e talvez
nem sequer haveria diminuído a tendência à concentração econômica na região
metropolitana.
184

Como corolário da proposição de se consolidar o novo Estado como o


segundo polo econômico do País, o projeto Fusão trazia no seu bojo,
portanto, o objetivo de se difundir o desenvolvimento no interior do
Estado.
Entretanto, as disparidades existentes entre a antiga Guanabara e o
antigo Estado do Rio de Janeiro eram de tal monta, que o objetivo
maior – de consolidação do 2º polo econômico do País – não pode se
traduzir no prazo já decorrido. Cumpre acrescentar que a forma com
que se procurou concretizar a Fusão, nos primeiros 4 anos, levou à
depauperação da Capital e ao acréscimo das despesas com a
administração, trazidas por irresistível pressão de equiparação salarial.
Tais consequências, aliadas ao aumento excessivo do endividamento
estadual, levaram o planejado “2º polo” à instabilidade econômico-
financeira em que se encontra em 1979. (PDES – CHAGAS
FREITAS, p. 133)

O diagnóstico da questão regional fluminense naquele momento era o seguinte:


segundo os dados oficiais, havia tendências de concentração ainda maior da renda e da
atividade econômica na região metropolitana em relação às demais regiões do estado64.
A exceção era a Região Industrial do Médio Paraíba, que por conta de sua
vocação industrial conseguia manter uma participação importante na indústria de
transformação. Por outro lado, a tendência de desconcentração industrial em benefício
da periferia metropolitana em relação à capital continuava seu passo, que só não seria
mais acelerado devido à carência de infraestrutura da Grande Rio.
Apesar dessa crítica, a programação de desenvolvimento urbano e regional de
Chagas Freitas não vai além do que já tinha sido apontado no governo anterior, com o
agravante de que a própria formulação da problemática se limita a apresentar as
diretrizes e ações pretendidas pela política de desenvolvimento regional do estado, sem
a necessária vinculação a programas específicos implantados ou em implantação (com
exceção aos programas federais para o Norte Fluminense), nem os arranjos
institucionais necessários à execução das diretrizes previstas, considerando que parte do
arranjo preexistente seria desmontado poucos meses depois com a extinção da FIDERJ.
Duas eram as finalidades da programação de desenvolvimento urbano e
regional: favorecer a expansão regional da economia e racionalizar a organização do

64
Esse diagnóstico não é preciso, no entanto. O II PND, como visto, realizou alguns investimentos
importantes no interior, como a Usina de Angra I e o PRODENOR, além dos investimentos na Bacia de
Campos no Norte Fluminense. Com efeito, ao longo dos anos 1980 em diante verificou-se um discreto,
porém contínuo aumento da participação do interior no PIB estadual e no estoque de empregos formais.
Entretanto, o maior crescimento do interior deveu-se principalmente à consolidação do polo metal-
mecânico da Região do Médio Paraíba e do arranjo produtivo de petróleo e de gás natural do Norte
Fluminense.
185

espaço (físico). Tais metas davam origem a outras duas orientações de política pública:
o planejamento econômico e social e o planejamento físico-territorial.
Objetivava-se, com isso, a maximização das potencialidades regionais e a
integração espacial via pleno desenvolvimento da rede urbana do estado. De resto, como
mencionado, não mudaram as diretrizes em relação a Faria Lima: racionalização do uso
dos recursos naturais; preservação dos patrimônios ambiental, humano cultural e
paisagístico; descentralização dos investimentos públicos e privados; melhoria dos
índices de produção e de produtividade das atividades econômicas; dinamização da rede
urbana; ordenamento do uso do solo urbano, etc.
Um estudo importante realizado durante o Governo Chagas Freitas foi o dirigido
pela geógrafa Lysia Bernardes sobre os aglomerados urbanos de pequeno porte
espalhados pelo ERJ. A pesquisa foi feita na Coordenadoria de Desenvolvimento
Urbano e Regional (DESUR), criada ainda no Governo Faria Lima, mas sem grande
destaque no âmbito do Sistema Estadual de Planejamento, como analisado
anteriormente.
No entanto, com a extinção da FIDERJ em 1980, que em tese seria a instituição
responsável por esse tipo de estudo, a DESUR acabou ocupando esse espaço. Tal
empreitada foi importante por procurar compreender o que era considerado um mundo
desconhecido tanto pelo planejamento governamental quanto pela pesquisa acadêmica,
mas que, não obstante, posteriormente não receberia maiores atenções em termos de
produção e atualização dos conhecimentos, nem pelas instituições governamentais, nem
pela comunidade acadêmica.
A pesquisa envolveu um considerável esforço: a fonte principal de dados foram
os trabalhos de campo de dezenas de pesquisadores nos 230 aglomerados urbanos de até
30 mil habitantes, que coletaram dados in loco e entrevistaram autoridades dos
municípios onde os aglomerados se localizavam. Os resultados apontaram para o
esperado grau de deficiência de infraestrutura social dessas localidades, o relativo
isolamento e a estagnação econômica, principalmente as localizadas no interior, que
eram a maioria. Não há menção deste estudo nas políticas públicas posteriores,
demonstrando o deslocamento entre o planejamento e a política praticada no ERJ.
O vazio institucional para a política de desenvolvimento urbano e regional para
as regiões do interior do estado seria preenchido pela implantação dos Programas de
Ação Regional (PAR), que excetuava a região metropolitana, sob os auspícios da
FUNDREM. Os PAR tinham a finalidade de maximizar o aproveitamento das
186

potencialidades regionais de acordo com suas respectivas especificidades, segundo as


seguintes áreas de atuação:
 Programas de desenvolvimento rural, voltados para dotar o meio rural
fluminense de instrumentos necessários ao seu pleno desenvolvimento;
 Programas de desenvolvimento urbano e regional, que visavam ao
fortalecimento dos centros urbanos do interior, pelo suprimento de
equipamentos e de serviços para a população, apoio ao desenvolvimento da
economia, dos transportes e das comunicações;
 Programas de desenvolvimento urbano-local, que objetivavam dar
assistência técnica aos municípios no campo do planejamento urbano,
principalmente no tocante ao planejamento físico das cidades;
 Programas de proteção ambiental, que buscavam, via o uso racional dos
recursos naturais e paisagísticos, sua preservação e conservação;
 Programas especiais, que seriam aqueles programas prioritários intersetoriais
e inter-regionais (PRODENOR, PROÁLCOOL, PROVÁRZEAS).

Seria ocioso descrever tanto o diagnóstico quanto as ações previstas pela


programação de desenvolvimento urbano e regional destinadas para o interior
fluminense, pois, no essencial, eram semelhantes aos realizados pelo I PLAN RIO,
cabendo ainda mencionar que certamente foram aproveitados os estudos realizados pela
FIDERJ (no caso da RMRJ, pela FUNDREM) durante o período entre 1975 e 1979 para
o planejamento urbano e regional dos municípios do interior.
Quanto às proposições, trata-se de diretrizes gerais e algumas ações
determinadas (como a criação de distritos industriais em um ou outro município), que
claramente ainda estariam no campo da intencionalidade, segundo as linhas gerais
supramencionadas dos PAR.
Em relação à RMRJ, o papel da FUNDREM como administradora da política
metropolitana foi reafirmado, sendo destacada a reformulação de seu foco de atuação,
mais voltada para o equacionamento do problema dos transportes e dos serviços
públicos comuns, ainda que a função de planejamento ainda fosse delegada à
instituição. É necessário investigar o que representou essa reformulação do campo de
atuação da FUNDREM na prática cotidiana, se ela no fundo ampliou, manteve ou
diminuiu a margem de manobra da instituição como órgão de planejamento regional.
187

4.4- Governo Leonel Brizola (1983-1987): discurso de esquerda e crítica ao


planejamento tecnocrático

4.4.1- Perfil político de Leonel Brizola e o contexto de seu governo

O gaúcho Leonel Brizola foi um personagem central da história política


brasileira na segunda metade do século XX. Iniciado na política na década de 1940,
ocupou vários cargos eletivos durante a vida: foi prefeito de Porto Alegre, governador
do Rio Grande do Sul, além de ter sido deputado estadual duas vezes e federal uma vez
no mesmo estado.
Buscando alçar-se nacionalmente, elegeu-se uma vez deputado federal pelo
Estado da Guanabara e governador do Estado do Rio de Janeiro por dois períodos,
1983-1987 e 1991-1994 (SENTO-SÉ, 1999). O gaúcho foi o último político “carioca”
da velha safra dos grandes nomes nacionais, um contraponto trabalhista a Carlos
Lacerda, grande político da direita brasileira. Esses dois nomes, aliás, foram dos mais
notáveis destaques civis durante o Golpe de 1964: Lacerda como inflamador da
intervenção militar contra Jango, tendo em vista seu interesse pela Presidência já em
1965; enquanto Brizola fora a principal voz defensora da resistência armada do governo
constitucional, opção rejeitada por João Goulart por temer o derramamento de sangue
numa possível guerra civil e uma possível intervenção militar estadunidense caso o
golpe fosse derrotado.
Segundo descreve Sento-Sé (1999), o desenrolar dos acontecimentos após 1 de
abril de 1964 obrigou Brizola a se exilar, primeiro no Uruguai e, mais tarde, nos
Estados Unidos sob o Governo Carter. Durante esse tempo no exterior, Brizola travara
contatos com políticos de outros países, em especial com os socialdemocratas europeus,
que somaram à sua experiência política, no trabalhismo getulista, a perspectiva de uma
via democrática ao socialismo, sendo o Estado o intermediador entre os influentes
sindicatos e os capitalistas compromissados com o desenvolvimento nacional.
Como será visto adiante, Brizola adotaria essa filosofia como mote de seu
primeiro governo no ERJ, contrapondo-se à ditadura. Continuaria durante os tempos de
exílio em contato com aliados no Brasil e com exilados, atento aos rumos do país e
esperando a oportunidade de regresso, que finalmente se apresentara com a Lei da
Anistia de 1979.
188

A volta de Brizola foi cercada de expectativa e incertezas, sendo um dos nomes


mais temidos pelos militares a retornar ao país. Tudo isso foi devidamente capitalizado
pelo gaúcho, que tratou logo de se apropriar do legado getulista e janguista, e se colocar
na vanguarda da luta pela redemocratização. Após pisar primeiramente em sua terra
natal, voltou para o Rio de Janeiro para lançar as bases de sua plataforma política, como
principal nome da esquerda trabalhista, agora renovado pelas ideias da socialdemocracia
europeia que lhe dariam a chancela de um político maduro para assumir as funções de
estadista.
A volta de Brizola ao Rio de Janeiro renovaria os ares nacionais na antiga capital
federal, que após dois governos de Chagas Freitas (Guanabara 1971-1974 e Estado do
Rio de Janeiro 1979-1982) com o intermédio do tecnocrático Faria Lima, já se fazia
sentir da falta de nomes que polarizassem a partir da cidade o debate nacional.
Seria um novo Lacerda para a antiga capital ou, como afirmado antes, seria um
contraponto, à esquerda, de Lacerda, mas que compartilharia do mesmo tipo de capital
político do tribuno da Guanabara: a do líder polarizador, nacionalizador, personalista,
polêmico, radical, de brilhante e inflamada oratória (MOTTA, 2004).
Sua chegada ao Rio de Janeiro representou o ocaso da liderança de Chagas
Freitas e sua política paroquialista, ao criar o tipo de conjuntura mais adversa ao
chaguismo, que era a da polarização do debate político, ao qual Brizola pretendia liderar
ao perceber os sinais dos estertores do regime militar.
A abertura imposta aos militares, que permitiu a volta do pluralismo partidário,
deflagrou um acirrado embate sobre a apropriação do legado trabalhista,
simbolicamente representado na recriação do antigo Partido Trabalhista Brasileiro, em
que se polarizou a disputa pela legenda entre Brizola e Ivete Vargas.
O apoio do general Golbery do Couto e Silva a Ivete Vargas impediu Brizola de
reativar a sigla petebista segundo sua identidade original, agregando seus antigos
militantes mais à esquerda. A saída encontrada foi a criação de um novo partido, o
Partido Democrático Trabalhista (PDT), que abarcou os antigos trabalhistas sob a
liderança de seu máximo expoente e herdeiro da tradição varguista e janguista, que não
por acaso teve como principais palcos de atuação o Rio Grande do Sul e o Rio de
Janeiro, onde o trabalhismo construiu os mais fortes laços no país (FREIRE, 2012).
A abertura dada por Figueiredo às eleições diretas para os governos estaduais em
1982 relançou, definitivamente, o nome de Brizola na política partidária brasileira.
Candidatando-se ao pleito fluminense, Brizola teria que enfrentar os herdeiros das três
189

grandes correntes que disputavam a hegemonia no ERJ durante a ditadura: os aliados


governistas da ARENA, que teria como candidata a lacerdista Sandra Cavalcanti; o
chaguismo, que seria representado por Miro Teixeira; e o amaralismo, que contava com
o nome de Moreira Franco, na época genro de Amaral Peixoto e prefeito de Niterói.
Brizola corria por fora, recebendo muito poucas intenções de voto no início da
campanha, mas também sendo ignorado pelos demais candidatos que se digladiavam
pelas folhas dos jornais. Porém um fato novo possibilitou a Brizola rapidamente ganhar
terreno utilizando-se de seus atributos carismáticos: o televisionamento dos debates
entre os candidatos. Brizola fez valer suas qualidades de retórica e debate, fazendo
ataques frontais aos militares e aos compromissos que os outros candidatos teriam com
o regime.
Segundo Freire (2012), Brizola utilizara duas estratégias muito bem-sucedidas
de construção de sua imagem como político: o uso de seu carisma e de sua história para,
além de atacar seus adversários, fazer corpo a corpo junto à população mais pobre,
vocalizando seus anseios e expectativas; e a transferência da esfera do debate para as
questões nacionais, indo de encontro ao localismo que predominou a agenda dos demais
candidatos e aproveitando, com argúcia, o legado da capitalidade da cidade do Rio de
Janeiro.
Ao fim, as candidaturas tanto de Sandra Cavalcanti quanto de Miro Teixeira
perderam apelo, restando a disputa entre Brizola e Moreira Franco. Brizola venceu, mas
coerente à sua história, não sem polêmica por causa do escândalo da Proconsult, em que
se denunciou uma tentativa de anular votos dados ao candidato do PDT e com o apoio
da Rede Globo de Roberto Marinho, que, desde então, se tornara um dos maiores
desafetos de Brizola.
O Governo Brizola representou tanto rupturas quanto continuidades. As
continuidades se deram principalmente em relação às alianças do governo com um
amplo espectro ideológico, inclusive com chaguistas instalados na ALERJ e que
passaram para a base do Governo Brizola.
As rupturas foram principalmente na agenda do governo. Brizola rompeu com a
ideologia do planejamento que ainda resistira durante o Governo Chagas Freitas e que
tivera seus rebatimentos no arranjo institucional de planejamento do ERJ. Por outro
lado, inseriu na agenda uma preocupação com o social e com as periferias da região
metropolitana, manifestas em políticas como a da regularização fundiária das favelas e
190

loteamentos irregulares e a política de segurança alicerçada nos preceitos dos direitos


humanos.
Por outro lado, o agravamento da crise econômica devido ao endividamento
externo do Governo Federal e da aceleração da inflação gerou um ambiente de profunda
incerteza para o Governo Brizola, que encontrou muitas dificuldades para captar
financiamentos junto à União.
Destaca-se, nas suas mensagens à ALERJ, a constante denúncia ao que
considerava um cerco do Governo Federal a sua gestão, bloqueando a transferência de
recursos para o ERJ, inclusive aqueles que seriam garantidos pela legislação vigente.
Foi durante o Governo Brizola que ficou mais evidenciado o “Rio de todas as crises”,
como ficou mais tarde rotulado o aprofundamento da crise fluminense, que além de ser
o estado mais impactado pela crise do Estado Brasileiro, acumulava os passivos de uma
fusão que cada vez mais se demonstrava mal realizada. É sob esses limites, além das
opiniões particulares de Brizola sobre o planejamento, que deve ser analisado o PDES
do seu governo.

4.4.2- Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Leonel Brizola:


visão socializante, valorização dos municípios e o abandono das regiões-
programa

O Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Brizola é o mais


conciso e menos técnico dos planos analisados nesta pesquisa. De certa maneira, o
documento parece uma mera continuidade do palanque, em que o governador eleito
busca demarcar a ruptura representada pela sua chegada ao poder em relação tanto às
administrações Faria Lima e Chagas Freitas quanto ao regime de exceção dos militares
em Brasília. Muito representativo dessa busca pela imagem de ruptura é o designativo
dado à administração, como Governo Democrático do Estado do Rio de Janeiro,
alfinetando tanto Chagas Freitas quanto o Governo Federal, cujos poderes não
representariam a vontade do povo.
Destarte, o PDES de Brizola é muito peculiar frente aos seus congêneres no
tocante ao tipo de discurso adotado e à sua forma de encarar o planejamento
governamental. Três eram as características do documento em relação ao tema que
interessa a esta tese: (1) a volta do desiderato de recolocar o ERJ como liderança das
mudanças políticas nacionais, tendo como fio condutor as ambições do projeto político
191

brizolista; (2) a crítica ferrenha ao tecnocratismo do planejamento governamental até


então praticado e a proposição de uma nova forma de planejar; (3) no âmbito dessa
crítica, o Governo Brizola abandona a perspectiva espacial do planejamento,
considerada abstrata e distante dos ideais da democratização, sendo substituída por
formas setorializadas e localizadas de políticas territoriais.
Quanto ao primeiro ponto, discutiu-se anteriormente que o projeto de Brizola era
relançar seu nome na política nacional tentando se apropriar do legado varguista e
janguista abortado com o golpe e do qual pretendia ser o legítimo herdeiro. A volta ao
Rio de Janeiro seria um passo no sentido desse projeto, reanimando o debate político
cuja referência eram os rumos da nação.
O PDES de Brizola reproduz sem ambiguidades o projeto do governador eleito:
queria fazer do seu governo no ERJ a vitrine dos novos tempos, em que a democracia
romperia as brechas do autoritarismo e conduziria o país a um novo projeto nacional,
dirigido pelo povo através de seus representantes legítimos.
Nesse sentido, o Governo Brizola reconhecia o ERJ como o espaço natural para
a liderança desse processo de oposição às forças discricionárias encasteladas no aparato
do Estado brasileiro e conclamou o estado a retomar essa posição no seu governo.
Novamente se construiria no ERJ, tendo como epicentro a cidade do Rio de Janeiro, a
imagem do estado que se opõe à ditadura, renovando a tradição que se manifestara na
condição de último bastião oposicionista à ditadura no Brasil, dada a força que o MDB
teve durante todo o período entre 1964 e 1982 no estado65.
Essa imagem fora arrefecida pela ambiguidade alimentada por Chagas Freitas,
que manteria uma imagem oposicionista tolerada pelos militares e, ao mesmo tempo,
seria apoiado por eles como instrumento de expurgo dos opositores mais radicais no
interior da legenda no ERJ (SARMENTO, 2008).
A liderança do ERJ sob comando de Brizola seria legitimada, ainda, pelo
imaginário de que o estado fora o mais afetado pelos desmandos do Governo Federal,
que seria o principal responsável pelo recrudescimento das mazelas sociais e
econômicas evidenciadas de modo atroz com a crise dos anos de 1980: a transferência
da capital para Brasília; o esvaziamento institucional da Guanabara no Governo Médici
em favor da Novacap; o atabalhoado processo de fusão autoritariamente imposto. Tanto

65
Lembrando que, após o golpe, a Guanabara teria tido como governadores os emedebistas Negrão de
Lima e Chagas Freitas e, após a fusão, como sucessor de Faria Lima, novamente Chagas Freitas, sem
contar a importância do senador fluminense Ernani do Amaral Peixoto no MDB nacional.
192

Brizola quanto o ERJ teriam sido perseguidos pelo Governo Federal, portanto, nada
mais natural que a união de forças entre os dois para que, a partir de um governo
democrático e ideologicamente progressista, se encabeçassem as mudanças que o país
tanto precisava naquele momento.
O projeto brizolista / fluminense era claro, mas o grande obstáculo a ser vencido
era o Governo Federal, que restringia fiscalmente o raio de ação dos novos governos
democraticamente eleitos e que, liderados pelo ERJ, deveriam impor pressões por
mudanças, já que seus problemas específicos só poderiam encontrar resolução se fossem
transformadas as condições em nível nacional.
O tom adotado foi muito distinto do tom de seus dois antecessores, que sempre
se referiam ao Governo Federal como um apoiador do Governo do Estado, evitando-se
sempre a crítica direta à União.

O Plano foi elaborado ainda com a consciência das limitações


financeiras e administrativas dos governos estaduais, num quadro de
grande centralização de recursos e atribuições no nível federal. Esse
argumento não deve servir para derrogarmos nossas
responsabilidades, mas sim para definir estratégias que lancem mão
dos instrumentos de que dispomos, e não daqueles que gostaríamos de
ter. De qualquer forma, as distorções e carências que começamos a
combater só serão definitivamente vencidas no quadro de mudanças
mais gerais, no plano nacional, que o povo trabalhador brasileiro há
tempo reclama. (PDES – BRIZOLA, P. III)

A segunda característica do discurso expresso no plano de governo de Brizola


foi a crítica ao paradigma de planejamento adotado no Brasil e no ERJ até então. O
tecnocratismo e a ineficiência eram os dois grandes pecados que Brizola e sua equipe
atribuíam ao planejamento governamental, associando-os a um modus operandi que
visava a afastar os atos dos governos daquilo que a maior parte da população entendia e
precisava.
O aspecto tecnocrático se revelava nas pretensões onipotentes dos planejadores,
que autoritariamente tentavam induzir os rumos da sociedade a partir do gabinete. Tal
estilo seria originário do Governo Federal, que construíra um enorme aparelho estatal,
de grande poder de intervenção econômica e que legislava por decreto. Os estados
tentavam reproduzir esse padrão, mas sem a mesma capacidade institucional e
econômica, o que teria transformado o planejamento estadual numa mera caricatura do
planejamento federal.
193

Por isso, a ineficiência dos planos estaduais que se transformavam mais numa
obra de retórica do que em um documento efetivo para a atividade governativa, haja
vista que a implementação das propostas era sistematicamente dificultada pela
debilidade dos mecanismos de acompanhamento e controle da máquina pública, além da
incapacidade de tratá-la como um todo. Na prática, o planejamento estadual estaria
reduzido à atividade orçamentária.
Sento-Sé (1999) afirma que pessoalmente Leonel Brizola não alimentava
simpatia à elaboração de planos de governo portentosos, sendo inclusive um crítico
mordaz do Plano Collor entre outras coisas por sua apresentação formal. Sua abordagem
sobre o planejamento governamental seguia o princípio de “aproximação do povo”
como a forma mais eficaz e justa de planejar. Tal orientação é confirmada no texto de
seu plano de governo logo na apresentação realizada pelo então secretário de
planejamento.

Procuramos fugir, de acordo com a orientação do Governo, do estilo


tecnocrático que caracterizou tradicionalmente a atividade de
planejamento no Brasil, e que conduziu a um quadro de afastamento
entre a vontade do povo e a atitude dos governantes. Não tivemos
como norte o equilíbrio formal de variáveis econômicas nem nos
apoiamos em esquemas teóricos abstratos, afastados da vivência
constante dos problemas inerentes à realidade. (PDES – BRIZOLA, p.
II)

Mais do que uma atividade técnica de gabinete e limitada pela elaboração de um


plano, Brizola e sua equipe concebiam uma abordagem de planejamento que possuía,
antes de tudo, um caráter profundamente político, que definiria os rumos e estratégias
globais do governo frente às carências concretas que assolavam a população.
Além disso, o pedetista defendia uma maior inserção das comunidades, pobres
principalmente, na atividade de planejamento, que deixavam de ser meros objetos para
atuar também como sujeitos em conjunto com o governo. Neste sentido, o planejamento
segundo a orientação brizolista seria sustentado em três princípios: (1) o planejamento
não se resumiria ao plano, que deveria ser sempre atualizado através da atividade
cotidiana de revisão segundo a avaliação dos resultados obtidos; (2) a preocupação
maior do planejamento não deveria ser induzir os rumos da sociedade, mas planejar-se a
si mesmo, de modo a mobilizar e coordenar os recursos da máquina pública para melhor
atender às aspirações e necessidades da população; (3) seria necessário implantar um
sistema de planejamento que descentralizasse as decisões de modo que as populações
194

diretamente afetadas pela intervenção estatal pudessem participar do processo de gestão,


sem mediações.
As críticas e propostas do Governo Brizola inserem-se, assim, naquele projeto
político do governador de, a partir do ERJ, construir um protótipo de Estado oposto ao
conduzido pelo Governo Federal. A renovação da cultura administrativa da coisa
pública, o projeto de uma sociedade afinada com os ideais da social-democracia e o
reclame por maior autonomia dos estados eram os elementos centrais dessa aspiração de
mudança a ser encabeçada por Brizola.

(...) a proposta do Governo é de renovar os padrões estabelecidos da


administração pública, aproximando-a da comunidade e envolvendo a
todos num esforço comum de transformação da sociedade no rumo da
democracia e do socialismo. Entre outras medidas, isto implica em
conquistar maior autonomia para o Estado e para os municípios;
superar o atrelamento aos órgãos e funções federais, substituindo-o
por um estilo mais independente de relacionamento; alterar os
métodos de administração e planejamento tecnocráticos herdados do
autoritarismo em troca de procedimentos que concedam mais espaço
para a manifestação consciente e responsável dos diversos setores da
sociedade, sob coordenação política de um governo democraticamente
eleito e marcado por uma característica ideológica clara. (PDES –
BRIZOLA, p. 8)

Apesar do teor crítico ao planejamento tecnocrático e do pouco-caso frente ao


diagnóstico academicista tão valorizado pelo tecnocratismo, o plano não prescinde do
conhecimento produzido sobre a realidade estadual, principalmente pela equipe de
planejamento de Faria Lima, e que teria sido atualizado por Chagas Freitas. Para a
equipe de Brizola, as problemáticas descritas anteriormente não teriam mudado em
substância até aquele momento, sendo amplamente debatidas durante as eleições de
1982 e de conhecimento de todos. Por isso, o plano apenas retoma sucintamente os
diagnósticos como quadro a ser enfrentado pelo governo nos anos seguintes, e tal qual
eles, a questão regional subjaz como uma problemática fundamental para o
desenvolvimento do ERJ.
De maneira geral, o quadro do estado era de uma aguda crise. Na indústria,
apesar do crescimento dos setores industriais metal-mecânico e de bens industriais
voltados para a exportação, estaria ocorrendo uma grave crise nas diversas pequenas
indústrias voltadas para o mercado regional, além de um notório esvaziamento da
infraestrutura pré-existente apesar dos grandes projetos de investimento de Angra I e do
Porto de Sepetiba.
195

A paralização de grandes obras públicas como o metrô66 e os programas de


saneamento estariam agravando o problema do desemprego no estado, já que o setor de
construção civil seria responsável, na época, por 9% do pessoal ocupado no ERJ.
Some-se a isto a dependência das inversões de capital das empresas estatais, que
estavam em dificuldades financeiras devido à crise fiscal e financeira do setor público
nos anos 1980, por conseguinte, reduzindo consideravelmente os investimentos
estruturantes.
A agricultura estaria continuando sua trajetória descendente, sem conseguir
acompanhar as tendências setoriais do país, que estavam se voltando para a exportação e
para a consolidação de complexos agroindustriais poderosos. No ERJ, o único ensaio de
complexo agroindustrial, o da cana de açúcar no Norte Fluminense, entrara em flagrante
crise ao mesmo tempo em que a agricultura de produção de alimentos se reduzia,
pressionada pela especulação da terra principalmente na região metropolitana, que era
uma das poucas do país a não contar com um cinturão verde a lhe abastecer.
Na breve análise de situação descrita no plano, implicitamente se faz menção à
questão regional fluminense como um óbice ao desenvolvimento equilibrado e à
formação de uma estrutura social mais justa e estável. Por um lado, o esvaziamento do
interior, fruto da desarticulação do setor agropecuário, da omissão do estado em suprir a
infraestrutura social adequada para as populações interioranas e do enfraquecimento das
prefeituras como ente governativo, estaria agravando a concentração populacional na
RMRJ, assim como seus problemas.

O fraco dinamismo da agricultura, a desarticulação da pequena e


média indústria das cidades do interior, voltada para os mercados
locais e regionais, combinados com a ausência de investimentos em
infraestrutura e serviços urbanos no interior, são as causas do seu
esvaziamento socioeconômico e do êxodo para a Região
Metropolitana. Some-se a isto o enfraquecimento das prefeituras em
termos fiscais e administrativos, no quadro da centralização
promovida pelo autoritarismo, e a descoordenação da atuação da
administração estadual, particularmente nos últimos quatro anos.
(PDES – BRIZOLA, p.3)

O adensamento populacional na RMRJ pressionaria ainda mais a precária


infraestrutura metropolitana, extremamente desigual quanto à sua distribuição espacial.

66
A construção do metrô gerou uma dívida considerável para os cofres estaduais, o que levou a uma
enorme redução dos investimentos no sistema. Entre 1982 e 1988, o Metrô não teve nenhuma nova
estação inaugurada.
196

As críticas a esse processo têm dois alvos principais: (1) o tipo de uso da propriedade
urbana, destinada para fins puramente especulativos; (2) a má distribuição dos
investimentos públicos em equipamento urbano, que reforçaria a desigualdade
intraurbana.

A Região Metropolitana, notadamente na periferia, padece de uma


carência aguda de infraestrutura urbana, sendo produto de uma
expansão desordenada e de uma estrutura concentrada de propriedade
do solo urbano. A densidade de ocupação contrasta com a manutenção
improdutiva de várias áreas, mantidas como reserva especulativa. A
má distribuição dos investimentos em equipamento urbano,
principalmente da infraestrutura viária, concorreu para fortalecer ainda
mais o processo de concentração. (PDES – BRIZOLA, p. 3-4)

Finalmente, entre os problemas a serem enfrentados pelo novo governo, estava o


próprio aparato do Estado, que se encontrava sensivelmente obstado em fazer valer suas
obrigações públicas por conta da encampação do aparato pela máquina chaguista, cuja
consequência foi a deterioração da qualidade dos serviços à população.
A administração anterior (não cita o nome de Chagas Freitas, mas a referência é
clara) seria responsável por instalar uma cultura de rotinização, burocratismo,
acomodação, autossuficiência, tráfico de influências, clientelismo e corrupção, que
consumia a maior parte dos recursos estaduais para o custeio da máquina. O texto de
Brizola critica também o desmantelo das condições de planejamento governamental,
principalmente pela inexistência de mecanismos eficientes de coleta de informações
capazes de orientar o planejamento e a avaliação dos programas governamentais. O
texto não avança sobre essa última crítica, mas fica a pergunta se a referência foi à
extinção da FIDERJ e à falta de condições de trabalho da FAPERJ, que seria a nova
destinatária da função, junto com o incentivo à ciência e tecnologia.
Por fim, a terceira característica do plano de governo de Brizola no que se refere
aos problemas regionais foi o abandono das regiões-programa, formuladas no Governo
Faria Lima como referencial da política de desenvolvimento regional do ERJ, e sua
substituição pela valorização dos municípios como interlocutores entre as demandas de
suas populações e o governo estadual.
Essa opção se insere na já mencionada crítica do Governo Brizola ao
planejamento tecnocrático, do qual as regiões-programa eram os mais típicos
representantes daquele paradigma de planejamento governamental.
197

A partir da fusão, a regionalização da ação do Estado vem sendo


orientada pela demarcação de 6 regiões-programa, circunscrições
administrativas determinadas para a estruturação espacial dos serviços
das várias Secretarias. Essa definição foi fundada exclusivamente em
estudos teóricos, a partir de uma concepção de polos de
desenvolvimento, sem que fossem ouvidos os municípios ou mesmo
os próprios órgãos executivos da administração estadual.
Embora resultado de estudo rigoroso, essa regionalização não
respondeu, na prática, aos propósitos para os quais foi criada, pela
ausência da conjugação de fatores necessários à sua viabilização,
assim como, também, não poderá atender coerentemente aos
propósitos do atual Governo. (PDES – BRIZOLA, p. 164).

A orientação da espacialidade das políticas governamentais seria, por um lado, a


descentralização dos órgãos estaduais, sem uma regionalização pré-definida, mas de
acordo com as especificidades setoriais, e, por outro, a articulação dos municípios que
apresentariam, eles mesmos, os problemas locais, assim como participariam também da
busca de soluções.
O protagonismo conferido pelo plano aos municípios seria incentivado com todo
apoio técnico, administrativo e jurídico do governo estadual. Além disso, o plano
propunha a criação de uma institucionalidade que teria uma correspondência ao que se
pensava desde Faria Lima para a RMRJ, que é a criação de consórcios municipais para
solucionar problemáticas comuns, como destinação final de lixo, defesa de mananciais e
compartilhamento de infraestrutura entre vários municípios.
A correspondência com a institucionalidade da região metropolitana é parcial, já
que não contaria com todo o arranjo imposto pelo Governo Federal, como a instalação
dos conselhos deliberativo e consultivo, além da própria criação de uma autarquia de
planejamento regional, como foi a FUNDREM. Ao contrário, a criação desses
consórcios seria a partir de acordos entre os prefeitos com apoio do governo estadual.
Mas, de qualquer forma, é um dado ilustrativo que o vazio institucional para o
planejamento regional de todo o ERJ se fazia sentir e que apenas a descentralização
setorial das políticas públicas, sem a construção de arranjos institucionais regionais, não
seria suficiente para a integração dos municípios do interior.
É a partir dessa concepção geral, a de crítica ao planejamento tecnocrático, do
abandono das regiões-programa como método de política regional e da busca pela
198

descentralização, que o plano de governo de Brizola dedica um pequeno espaço de sua


programação à discussão do desenvolvimento regional67.
Quanto à política de desenvolvimento urbano e regional para o interior do ERJ,
o quadro expresso no PDES do Governo Brizola é de acentuação das indefinições
institucionais e programáticas já presentes desde Faria Lima. O diagnóstico é o mesmo:
a concentração de recursos na RMRJ e a falta de infraestrutura nos municípios do
interior causada pela insuficiência da ação do Governo do Estado, visto que na época os
municípios possuíam uma capacidade de ação muito reduzida.
Como o Governo Brizola recusara a continuação do planejamento a partir das
regiões-programa, o foco seria descentralizar a intervenção estadual tendo os
municípios como atores centrais do desenvolvimento regional. Cabe destaque, nessa
busca por aproximação, à pesquisa feita pelo governo com os prefeitos dos municípios
do interior sobre como encaravam o seu relacionamento com o Governo do Estado.
De maneira geral, os prefeitos reconheciam as dificuldades da conjuntura
econômica nacional e estadual, mas reclamavam maior autonomia de ação; pediam
maior aporte de recursos que eram muito centralizados na União e nos estados;
criticavam o baixo interesse do Governo do Estado pelo interior vis-à-vis com a questão
metropolitana; demonstravam disposição em se aproximar do Governo do Estado para
trabalhos conjuntos; enfatizavam a necessidade de serem ouvidos a respeito dos grandes
projetos de investimentos que eventualmente ocorriam em suas regiões; queriam maior
apoio para implantação de seus planos de governo e maior integração com os órgãos
estaduais e federais.
No tocante à questão metropolitana, o diagnóstico retoma o que já era conhecido
sobre o processo de metropolização do Rio de Janeiro: ocupação desordenada e
predatório do solo, forte especulação em áreas mais bem equipadas, a consequente
periferização da população de baixa renda e a degradação geral da qualidade de vida
urbana.
Frente a essa problemática, o plano propõe três diretrizes gerais para a política
metropolitana: (1) a democratização da administração metropolitana, com a reativação
dos conselhos consultivo e deliberativo, articulando os três níveis de governo e visando
a descentralização administrativa; (2) a aproximação com as comunidades, integrando-

67
Tal fato não foi exclusividade do Governo Brizola, já que, com o fim da ditadura, o interesse pelos
problemas regionais diminuiu drasticamente nos governos tanto à direita quanto à esquerda do espectro
político.
199

as na formulação das políticas públicas e melhorando as informações sobre a cidade e


incentivando-as a fiscalizarem a gestão metropolitana; (3) a opção pela priorização das
demandas da população mais carente, deslocando a maior parte dos investimentos para
os municípios da Baixada Fluminense e para o município de São Gonçalo a leste da
Baía de Guanabara.
Quanto à programação do planejamento voltada para a questão metropolitana, o
plano definia três áreas principais de atuação: (1) o combate ao uso especulativo do solo
pelos interesses privados, através do ordenamento do uso do solo pelo Estado; (2) a
definição de áreas específicas para a localização de indústrias, que, além de organizar o
espaço industrial metropolitano, deveria estar concatenado com a preservação do meio
ambiente; (3) o aumento da infraestrutura de recreação e de lazer, notavelmente
concentrada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro, e que deveria ser expandida
para os subúrbios e para a Baixada Fluminense, principalmente.
Causa surpresa o fato de que a FUNDREM não é mencionada em nenhum
momento como autarquia fundamental para o planejamento da região metropolitana. No
entanto, nas entrelinhas é possível observar que o plano defendia ações cujas atribuições
eram aquelas pensadas para ser da FUNDREM, o que o plano de governo de Brizola
ignora como uma possível missão a ser resgatada através de novo aparelhamento da
instituição. Podem-se dar dois exemplos sobre o reconhecimento da questão e da
desconsideração com a sua institucionalidade, ambos constantes na citação abaixo
.
(...) é de grande valia o exercício efetivo do controle do uso do solo
metropolitano, não só reforçando a instância municipal, como a ela
acrescentando a dimensão metropolitana que extrapola as fronteiras
municipais, sem configurar uma abrangência estadual; com este
objetivo, o Governo pode lançar mão de medidas como a
institucionalização do zoneamento da Região Metropolitana. (PDES –
BRIZOLA, p. 131, grifo meu)

Ao reiterar no PDES a importância da dimensão metropolitana como escala de


intervenção estatal e a institucionalização do zoneamento urbano como um dos
objetivos da política metropolitana de seu governo, Brizola também manifestou o
desprestígio da FUNDREM junto à sua agenda governamental.
Isso, porque a FUNDREM foi simplesmente ignorada como instituição por meio
da qual a política metropolitana seria implementada, ainda que sob o signo da
concepção brizolista do planejamento. A autarquia não é mencionada nem para fustigar
200

os governos anteriores pela má condução da questão metropolitana. Fica a impressão de


que a FUNDREM foi posta fora dos planos. Isso se confirma ao se verificar a criação,
em 1983, de uma nova secretaria de estado destinada especificamente para a política
metropolitana: a Secretaria de Desenvolvimento da Região Metropolitana (SECDREM).
Segundo o Decreto 7254 de 11 de maio de 1984, a SECDREM passaria a ser a
responsável pelo planejamento, pela execução e pela articulação da política
metropolitana, atribuições que eram, no essencial, aquelas da FUNDREM, quando de
sua criação em 1975, e que foram reafirmadas no estatuto publicado no Decreto 2650 de
15 de agosto de 1979.
No decreto de 1984, estabeleceu-se que a FUNDREM se subordinaria à
SECDREM, sendo seu presidente indicado pelo secretário. Ou seja, de autarquia
vinculada diretamente ao secretário de planejamento, com autonomia para a promoção
da política de desenvolvimento da região metropolitana, a FUNDREM tornou-se no
Governo Brizola uma espécie de departamento menor da SECDREM, sem maiores
definições sobre qual seria sua real função no novo arranjo institucional. Certamente,
isso significou o definitivo esvaziamento da FUNDREM, confirmado por testemunhos
publicados no Jornal do Brasil quando de sua extinção, em 1989.

4.5- Governo Moreira Franco (1988-1991): a derrocada do planejamento em um


governo frágil

4.5.1- O perfil político de Moreira Franco e o contexto de seu governo

Apesar de possuir uma carreira política eleitoralmente respeitável, Wellington


Moreira Franco não se tornou um político com o peso de seus dois antecessores no
Palácio da Guanabara: nunca construíra uma rede de influência como Chagas Freitas ou
mesmo como seu sogro e mentor, Ernani do Amaral Peixoto. Do mesmo modo, nunca
tivera o carisma e o peso de Leonel Brizola. Apesar disso, tinha seus predicados: teve
uma formação acadêmica formal mais profunda, formando-se como economista na
antiga Universidade do Brasil, com um doutoramento na França. Recebeu enorme
investimento de Amaral Peixoto no fim da carreira política desse, que via nele seu
sucessor legítimo e a quem tentou passar o bastão de sua influência no interior do ERJ.
201

Não obstante, o período do Governo Moreira Franco recebera pouco destaque na


literatura acadêmica sobre o ERJ, sendo praticamente inexistentes análises sobre sua
gestão, para além de algumas poucas menções, aqui ou ali.
O que demarca essa fase em que o piauiense radicado no Rio ocupou o Palácio
da Guanabara foi o aprofundamento da crise econômica fluminense, no passo das
vicissitudes da economia brasileira durante o Governo Sarney. Foi ao fim de seu
governo que o seminário “Rio de todas as crises” foi realizado, onde se fez um balanço
da década perdida da cidade do Rio de Janeiro (o ERJ era apenas um tema marginal) em
termos econômicos, sociais e culturais.
Uma análise importante sobre o período foi realizada por Araújo Filho (1993)
sobre a ideologia das elites empresariais e a política no ERJ durante os governos Brizola
e Moreira Franco. A pesquisa demonstra que, enquanto o Governo Brizola enfrentou
um clima beligerante por parte da imprensa e das associações patronais cariocas,
Moreira Franco, como candidato preferencial dos opositores ao brizolismo, recebeu
amplo apoio e complacência dos mesmos durante seu governo, apesar das claras
dificuldades de seu governo em levar à frente projetos para o ERJ, mesmo quando de
interesse de seus apoiadores nas elites cariocas e na imprensa. Segundo informações de
entrevistados, esse apoio de segmentos do empresariado carioca deveu-se à relação de
proximidade conquistada durante o Governo Moreira Franco, auferindo-lhes algumas
vantagens.
Diante da falta de informações sobre o Governo Moreira Franco além dos
documentos oficiais analisados a seguir, buscou-se ao longo da pesquisa obter
informações dos entrevistados sobre o período em questão. A constatação a que se
chegou foi que, na verdade, a lacuna de análises acadêmicas sobre o Governo Moreira
Franco representou a falta de uma identidade governativa mais robusta da sua
administração, que não teria gerado ao ERJ nada que fosse substancial para uma análise
mais qualificada.
Conjunturalmente, o momento era de profunda instabilidade durante o Governo
Sarney. A Nova República dava seus primeiros passos em meio aos conflitos políticos
existentes no seio do governo entre os legítimos opositores históricos à ditadura e
aqueles que eram apoiadores do regime militar e serviram como condição para a
transição pacífica para a democracia — caso, por exemplo, do próprio Sarney.
Economicamente, foram anos difíceis. A inflação se aviltava e o Governo Federal
patinava entre três planos econômicos malsucedidos e a decretação da moratória da
202

dívida externa, que bloqueou qualquer possibilidade de financiamento dos gastos


públicos.
Assim, a conjunção de uma administração ineficiente e a conjuntura econômica
de crise, contribuíram para que a crise fluminense se aprofundasse, de modo que nesse
período ganharam muita força os debates sobre o possível esvaziamento econômico do
ERJ, além de um claro pessimismo quanto ao futuro.

4.5.2- Plano de desenvolvimento econômico e social de Moreira Franco: a (pretensa)


retomada da dimensão espacial do planejamento

O Governo Moreira Franco devolve ao PDES o discurso de louvor ao


planejamento governamental a partir de bases acadêmicas, postura contrária ao seu
antecessor no Palácio da Guanabara. O documento é caracterizado pela defesa do
planejamento como base da atividade governativa, pela relativa revalorização da
dimensão espacial do planejamento e pela defesa da construção de uma política regional
fluminense — no seio da qual é proposta a política de desenvolvimento urbano e
regional do governo.
A defesa do planejamento como instrumento governativo foi o principal tema da
introdução do documento, a começar com a revalorização do PDES como etapa
fundamental para a análise que balizaria a alocação de recursos públicos no estado, a
integração dos instrumentos institucionais e a consequente reativação do Sistema
Estadual de Planejamento que, segundo o texto, fora abandonado pelos seus
antecessores. Tanto Chagas Freitas quanto Brizola teriam feito do PDES apenas uma
declaração de intenções, sem maior rigor técnico entre as propostas e as condições
orçamentárias e institucionais para sua implementação,

É inquestionável que os últimos Planos de Desenvolvimento


Econômico e Social do Estado têm se restringido a pouco mais que
declarações de propósitos, sem os necessários vínculos com a
realidade econômica e orçamentária. Caíram no esquecimento logo
após a apresentação e raríssimas vezes chegaram a ser invocados ao
longo das administrações. Alguns deles reduzem-se à exposição de
programas ideais, desprovidos de qualquer quantificação econômica e
silenciosos quanto aos custos envolvidos. São os mais acabados frutos
do que chegou a ser chamado de “planejamento discursivo”. (PDES –
MOREIRA FRANCO, p. IV)
203

Diferentemente de seus antecessores, o Governo Moreira Franco se


comprometeu a fazer do planejamento o mote de sua administração, a começar pelo
cuidado com a elaboração de seu PDES, que mais do que uma obrigação determinada
pela lei estadual no 219 de 19 de dezembro de 1978, seria o norte para a ação
governamental, uma posição que remete esse plano ao discurso do I PLAN RIO.
Pretendia-se, a partir do plano, reativar o Sistema Estadual de Planejamento,
através de uma construção “democrática” entre os diversos setores do aparato
governamental e, por fim, iniciar uma reestruturação administrativa e a racionalização
da máquina pública.
Ainda que a dimensão espacial não apresente no PDES do Governo Moreira
Franco o mesmo peso encontrado no I PLAN RIO que, lembrando, tinha um papel de
articulador das formulações das políticas públicas, o PDES de Moreira Franco afirmava
que o desequilíbrio espacial era um dos problemas estruturais mais importantes da crise
fluminense.
O enfrentamento tanto da exacerbada concentração da RMRJ quanto do
contínuo esvaziamento do interior só poderia ser realizado a partir do momento em que
a “região” voltasse a ser considerada como uma esfera de poder territorial,
principalmente após o suposto debacle do centralismo autoritário no Brasil.

A crise do modelo centralizador resgata o papel da região como força


de poder territorial. Apesar de o interior do Estado encontrar-se
regionalmente desarticulado, fruto de um processo de esvaziamento e
estagnação econômicos, apresenta espaços de grande potencialidade
que demandam do Governo um tratamento diversificado e
assimétrico, compatível com realidades sociais distintas. Portanto, no
interior, as intervenções do Estado voltam-se para a tentativa de
reduzir as distorções historicamente reconhecidas em sua estrutura
espacial. (PDES – MOREIRA FRANCO, p. XII)

O tema do esvaziamento econômico fluminense é novamente colocado em


destaque, mas sob um novo ângulo em relação aos governos anteriores. O processo de
esvaziamento seria o resultado do deslocamento sucessivo dos investimentos para
outras regiões do país em detrimento ao ERJ, fato acentuado com a transferência da
capital para Brasília, que diminuíra enormemente o montante de investimentos federais,
principal fonte do estado.
204

A pergunta, no entanto, que se faz no PDES a partir desses fatos é: por que o
ERJ não conseguiu dinamizar sua economia como fizeram outras regiões do país? A
resposta dada no plano recorre à clássica teoria ricardiana das vantagens comparativas,
que eram intensamente exploradas nos outros estados, enquanto o ERJ as deixava de
lado.
Em seis setores, o ERJ teria notórias vantagens frente aos outros estados e que
estariam sendo pouco aproveitadas: (1) o potencial de desenvolvimento da indústria de
alta tecnologia na cidade do Rio de Janeiro; (2) a indústria de petróleo e gás natural
(Bacia de Campos); (3) o turismo em todo o estado; (4) as atividades de arte e cultura na
cidade do Rio de Janeiro; (5) a intermediação financeira na cidade do Rio; (6) a
agricultura para o abastecimento do mercado metropolitano fluminense.
O diagnóstico apresentado no plano para a queda dos investimentos privados no
ERJ era de que se deviam mais a problemas de ordem política do que econômica, já que
os atributos do estado frente a outros espaços eram mais do que suficientes para
melhorar seu desempenho econômico histórico.
Além da centralização decisória imposta pela ditadura, que diminuía as
possibilidades de ação econômica dos governos estaduais frente aos objetivos
geopolíticos do Governo Federal, o ERJ tinha problemas próprios manifestados na falta
de uma cultura política regionalista após a fusão, já que o novo estado não herdara a
tradição de caráter reivindicatório do antigo ERJ em benefício da vocação
nacionalizante do antigo Estado da Guanabara.

Esse aspecto foi agravado particularmente em nosso Estado,


constituído em 1975 pela fusão dos antigos Estados da Guanabara e
do Rio de Janeiro. De fato, por seus antecedentes históricos, a vocação
política da antiga capital federal de atuar em temas abrangentes de
dimensão nacional, continuou predominante no novo Estado. A
segunda região perdeu identidade e influência política face à
concentração econômica e populacional na região metropolitana do
Rio de Janeiro.

Dessa forma, foi perdida a cultura política das reivindicações


estaduais do antigo Estado do Rio, sem surgir um novo padrão
reivindicatório resultante da fusão. Essa situação de indefinição
política frente a interesses estaduais específicos prolongou-se pela
ausência de eleições para governadores, pois é nesse processo eleitoral
que as questões regionais podem ser debatidas e difundidas junto à
população e legitimadas nas plataformas políticas dos candidatos.

Com as eleições de 1982, reinicia-se, no processo político, a tendência


de posicionamento frente a questões específicas estaduais. Nosso
205

Estado, em particular, mais uma vez atrasou-se nesse processo, haja


vista a eleição de um Governo que fez de sua administração apenas
uma passagem para a tentativa de continuação a nível nacional.
Somente com as eleições de 1986 as questões regionais afloraram-se
como elemento fundamental da plataforma política dos sindicatos.
(PDES – MOREIRA FRANCO, p. VII e IX)

Alguns pontos importantes podem ser destacados, portanto, desse trecho.


Primeiramente, o ERJ se atrasou na disputa por investimentos por conta de suas
vicissitudes próprias, ligadas tanto à saída da capitalidade quanto ao processo de fusão,
que impediu a constituição de uma ideologia regionalista em que confluíssem os
interesses dos cariocas e dos fluminenses.
Em segundo lugar, percebe-se que, na verdade, o texto toma partido do antigo
Estado do Rio, ao considerar uma perda para o novo ERJ a hegemonia do pensamento
nacionalizado de matriz carioca frente ao regionalismo fluminense68.
Com isso, o ERJ perdeu o passo para a disputa regionalista com outros entes
estaduais. Em terceiro lugar, o texto considera prejudicial ao ERJ o esforço realizado
por Brizola em manter acesa a chama do Rio Nacional, que estaria perpetuando a falta
de capacidade dos fluminenses (cariocas, inclusive) em finalmente se conscientizar que
o ERJ era um estado como outro qualquer, que precisava fazer emergir uma política
regionalizada. A proposição de Moreira Franco, segundo seu PDES, era reorientar a
agenda de modo a recriar um discurso reivindicatório a favor do ERJ em sua totalidade.
Diante desse quadro concreto, a revalorização da dimensão espacial no
planejamento governamental teria como desiderato, além de reduzir as disparidades
inter-regionais e conferir maior ordenamento ao território fluminense, o estabelecimento
da cultura política reivindicatória segundo os interesses do ERJ.
Algumas estratégias que seriam adotadas nesse sentido eram a municipalização
dos serviços, a interiorização de programas governamentais e a articulação intersetorial
e intergovernamental de modo a compatibilizar a programação setorial. Tais estratégias
gerais seriam conduzidas de acordo com as especificidades locais e regionais, cuja
referência passou a ser a nova regionalização promovida pelo Governo Moreira Franco,
que substituiu as regiões-programa de 1975 pelas “Regiões de Planejamento e Ação de
Governo”, instituídas em 1987.

68
Como visto, é importante relativizar essa visão homogeneizante de que o Rio só pensa nacionalmente,
haja vista a hegemonia do chaguismo. Mas mesmo Chagas Freitas, não adepto da retórica nacionalizada,
teria como prática política e discursiva o clientelismo paroquial, e não o regionalismo.
206

Os problemas dessas “novas” regiões, porém, não eram novos, mas ainda os
mesmos daqueles descritos pelas equipes de planejamento tanto de Faria Lima quanto
pela de Chagas Freitas, já demonstrados anteriormente.

Quadro 3: Nova regionalização do Governo Moreira Franco


Regiões-programa (1975) Regiões de Planejamento e
Ação de Governo (1987)
Metropolitana Metropolitana
Médio Paraíba Médio Paraíba
Centro-Sul Fluminense
Litoral Sul Baía de Ilha Grande
Baixadas Litorâneas Baixadas Litorâneas
Serrana Serrana
Norte Norte Fluminense
Noroeste Fluminense
Fonte: Elaboração própria a partir do Plano de Desenvolvimento Econômico e
Social do Governo Moreira Franco

Além da (re)institucionalização das Regiões de Planejamento e Ação de


Governo como base para a espacialização do planejamento governamental, o Governo
Moreira Franco substituiu a SECDREM, criada por Brizola para atuar em lugar da
FUNDREM, pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Regional (SEDUR), que
daria um foco mais abrangente à questão urbana e regional do ERJ. Tal feito elevou o
tema a uma condição institucional inédita no aparato do Governo do Estado, já que nem
mesmo Faria Lima, o mais preocupado com a integração espacial do ERJ, teria dado um
status tão elevado à política de desenvolvimento urbano e regional a ponto de criar uma
secretaria específica.
No entanto, o próprio texto do PDES do Governo Moreira Franco reconhece que
as condições operacionais, físicas e financeiras da nova secretaria eram insuficientes
para suas necessidades naquele momento. A princípio, a SEDUR teria o auxílio de
empresas públicas como a Companhia Estadual de Habitação (CEHAB), a Companhia
Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) e a Empresa de Obras Públicas (EMOP) como
207

braços operacionais para a implementação da política de desenvolvimento urbano e


regional.
Segundo o plano, a FUNDREM voltaria a receber o prestígio do governo, já que
a autarquia desempenharia novamente a sua função original de planejadora e
integradora das políticas públicas na RMRJ, após anos de abandono tanto pelo desvio
de suas funções para interesses politiqueiros imediatos quanto pelo pouco-caso do
próprio planejamento como método de governo.
Uma inovação importante do Governo Moreira Franco que não é mencionada no
PDES é a reconstrução da institucionalidade de produção de dados sobre geografia e
estatística que perdera a identidade específica com a extinção da FIDERJ no Governo
Chagas Freitas em 1980.
Trata-se da Fundação CIDE – Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro,
criada pela Lei 1166 de 1o de julho de 1987, que herdaria o acervo da FAPERJ e
passaria a ser responsável pela produção de dados e informações sobre a economia, a
sociedade e o território do ERJ para o planejamento governamental.
Restabelecer-se-ia, assim, a especificidade de parte do trabalho que era realizado
pela FIDERJ, e que, acomodado na FAPERJ, diluía tanto a produção de conhecimento
para o planejamento estadual quanto o investimento específico no desenvolvimento
científico e tecnológico, que era a função primaz da FAPERJ.
A Fundação CIDE, no entanto, não incorporou algumas das atribuições que eram
encampadas pela FIDERJ no tocante à promoção de ações para o desenvolvimento
econômico e social como, por exemplo, a prospecção de oportunidades de
investimentos privados para o ERJ, no treinamento de recursos humanos para a
atividade de planejamento e mesmo a assessoria direta junto às prefeituras para o
auxílio na construção de planos municipais.
Apesar de todo o discurso em favor do planejamento com viés espacializado e da
reestruturação do arranjo institucional com o fim de dar tratamento diferenciado às
questões urbanas e regionais, o Governo Moreira Franco dedica ao tema um espaço
pequeno de seu volumoso plano, sendo a política de desenvolvimento urbano e regional
um dos setores infraestruturais da ação governamental, e não um instrumento de
integração das políticas públicas, como se propôs no Governo Faria Lima.
A formulação da problemática urbana e regional do ERJ segundo o Governo
Moreira Franco passava pelo reconhecimento de três dimensões particulares: (1) a
questão metropolitana, que era marcada pela favelização, pela ocupação desordenada e
208

pela degradação ambiental; (2) a carência de recursos dos municípios do interior para
atender suas demandas urbanas; (3) a necessidade da busca de soluções integradas entre
municípios com problemas e com potenciais em comum, para a qual não havia ainda
uma institucionalidade estabelecida.
A essas três problemáticas da questão urbano-regional fluminense, o Governo
Moreira Franco propôs três diretrizes específicas relacionadas ao modelo geral de
planejamento, à busca do equilíbrio da rede urbana fluminense e ao apoio à gestão
urbana municipal.
A primeira diretriz seria voltada para a integração e para a democratização das
decisões a respeito do desenvolvimento urbano, sendo essa participação garantida no
processo de planejamento. A integração seria em parceria com a iniciativa privada, de
modo a concatenar o governo e o empresariado nas ações de estruturação do espaço
urbano.
Por outro lado, fala-se em fortalecer a participação da população em geral nas
decisões concernentes à questão urbana, mas o plano não diz o modus operandi, se pela
criação ou fortalecimento de conselhos comunitários, aproximações com as associações
de bairro ou qualquer outra institucionalidade.
A segunda diretriz seria destinada a enfrentar diretamente os excessos da
metropolização, através do reequilíbrio da distribuição dos investimentos públicos de
modo a reduzir as desigualdades espaciais tanto na região metropolitana quanto no
interior.
Prometia-se privilegiar a Baixada Fluminense e as áreas das favelas com
investimentos em equipamentos públicos e medidas de incentivo à criação de emprego e
renda. Quanto ao interior, a equipe de planejamento estaria retomando as ideias da
polarização urbana para fortalecer o papel dos centros regionais como instrumentos de
integração e desenvolvimento regional. Às cidades pequenas do estado, o Governo
Moreira Franco previa a implantação de projetos especiais que estimulassem o
empreendedorismo local e o aproveitamento das iniciativas com potencial de
dinamismo econômico.
A terceira diretriz seria o apoio à gestão urbana dos municípios e o reforço da
capacidade de investimento municipal, para o qual estaria sendo reestruturada a
Empresa Estadual de Obras Públicas (EMOP), como implementadora da política de
desenvolvimento urbano e regional e, no caso específico da RMRJ, a reorganização da
209

FUNDREM para retomar a posição de integradora das políticas públicas dos três níveis
de governo.
Ainda no âmbito dessa terceira diretriz e com o fim de atender à terceira
dimensão da problemática urbana e regional fluminense descrita acima, o plano propõe
o apoio à criação de consórcios municipais para o compartilhamento tanto dos
investimentos públicos de interesse comum quanto para o desenvolvimento a partir das
potencialidades regionais.
Finalmente, o PDES já informava aos deputados a existência de 11 programas de
ação segmentados em duas áreas de atuação, (1) desenvolvimento urbano e regional e
(2) desenvolvimento metropolitano. Sua execução, gerenciada pela SEDUR, seria
implementada segundo três campos de atividade: os programas estruturantes,
implicados na estruturação do espaço urbano; os programas instrumentais, ligados à
esfera de planejamento propriamente dito (planos, estudos, projetos); e o apoio aos
municípios à implantação de seus próprios projetos de gestão urbana e o reforço de sua
capacidade de investimento.
Para a política de desenvolvimento urbano e regional eram destinados cinco
programas específicos:
 O Programa de Melhorias Urbanas (PROMURB), que selecionaria 20
municípios de todo o ERJ para implantar melhorias urbanas e de
infraestrutura em geral, contando para isso com o auxílio de recursos
federais.
 A realização de estudos especiais de interesse para o desenvolvimento
urbano e regional, com foco especial nos temas da estrutura urbana regional,
mercado habitacional, vazios urbanos, custos de urbanização (deseconomias
de aglomeração) e o desenvolvimento de tecnologias de auxílio e alternativas
à gestão urbana. Como possíveis parceiros da SEDUR neste programa o
plano cita o IBGE, a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), o MDU
(Ministério de Desenvolvimento Urbano) e a CEF (Caixa Econômica
Federal), além da articulação com as prefeituras. Deve-se deixar anotado
que, além da SEDUR, nenhum outro órgão estadual de pesquisa e
planejamento foi citado.
 Programa de Ação Urbana e Regional, que visava à maximização dos
benefícios advindos dos investimentos estruturantes do espaço regional,
através do tratamento integrado de problemas urbanos de interesse
210

intermunicipal. (Trata-se, portanto, de uma abordagem regional da política


urbana, já que visava a integrar as ações de vários níveis e setores do
governo para os problemas que são tipicamente regionais.) A proposta
privilegiava os municípiosextrametropolitanos, abrangendo as regiões Norte,
Noroeste, Serrana, Baixadas Litorâneas, eCentro-Sul. O texto cita ações
específicas de integração das seguintes áreas: (1) região de impacto do
aproveitamento hidrelétrico do Vale do Paraíba; (2) municípios das Baixadas
Litorâneas, que atraem grande fluxo turístico; (3) áreas urbanas do município
de Macaé, em função da atividade de exploração petrolífera; (4) a área de
conurbação entre Barra Mansa e Volta Redonda.
 Implantação do Sistema de Informações para o Desenvolvimento Urbano e
Regional, que dotaria a SEDUR de informações físico-territoriais, como
tecnologias de sensoriamento remoto para atualização das plantas
altimétricas, a confecção de uma base cartográfica para a totalidade do ERJ
na escala 1:20000 e o levantamento das principais carências de infraestrutura
e serviços urbanos dos aglomerados de até 30 mil habitantes.
 O Programa de Aprimoramento da Gestão Urbana, que pretendia aperfeiçoar
os mecanismos municipais de gestão urbana em termos de treinamento de
recursos humanos, da assistência técnica em administração municipal e da
elaboração de planos e projetos urbanos. Havia a intenção do governo em
articular a SEDUR e a SECPLAN com outras instituições como a FESP
(estadual), o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (privado) e a
Fundação Getúlio Vargas (privado).
Quanto ao desenvolvimento metropolitano, o governo Moreira Franco pretendia
reconstruir a interlocução com as comunidades e autoridades municipais, assim como
redistribuir as oportunidades de emprego e investimentos públicos para Baixada
Fluminense, Niterói, São Gonçalo e Zona Oeste.
A contar com o discurso do PDES, a FUNDREM voltaria no governo Moreira
Franco a ter o protagonismo perdido nos governo anteriores, principalmente com o
Brizola, sendo prevista uma reestruturação administrativa e operacional da autarquia,
além de sua realocação para instalações mais propícias para seu trabalho de
planejamento. Três dos seis programas prioritários da política metropolitana passariam
pela reorganização funcional da FUNDREM:
211

 Programa de Transporte Metropolitano, que pretendia dar cumprimento, em um


primeiro momento, ao convênio entre a Empresa Brasileira de Transportes
Urbanos e o Banco Mundial, que visava a aplicar recursos em transporte público
metropolitano. Na RMRJ, a intervenção se constituiria na consolidação de
corredores de transporte, na implantação de melhorias físicas e operacionais e no
aperfeiçoamento institucional da FUNDREM, objetivando o planejamento
estratégico dos transportes na RMRJ.
 Programa de Saneamento e Meio Ambiente, cujo objetivo era ampliar o
conhecimento do estado crítico do saneamento da RMRJ de modo a permitir a
construção do Sistema Integrado de Destinação Final de Resíduos Sólidos da
Região Metropolitana, além do saneamento básico das bacias hidrográficas que
compõem o sistema da baía da Guanabara69.
 Programa de Informações para o Planejamento Metropolitano, que deveria sanar
a deficiência de obtenção, elaboração, arquivamento, utilização e divulgação de
dados básicos para o planejamento metropolitano. Além da produção de dados
atualizados, o programa também se propunha aproveitar o trabalho já realizado
pela FUNDREM no levantamento de informações, principalmente seu acervo
cartográfico que deveria ser organizado e devidamente guardado. Dentre as
principais informações que o programa deveria levantar, constavam a produção
de indicadores econômico-sociais das bacias hidrográficas da Região
Metropolitana; o cadastramento e o mapeamento das favelas da região; a
atualização sistemática dos mapas, prevendo-se a revisão das divisas
intermunicipais e a atualização dos loteamentos, do sistema viário, do uso do
solo e de zoneamentos municipais na região; a análise dos fluxos migratórios no
Estado, o acompanhamento dos investimentos públicos na região; a realização
de estudos para determinar a hierarquização dos centros funcionais da Região
Metropolitana; a implantação do Cadastro Técnico Metropolitano e o
abairramento de áreas assim consagradas.
 Programa de Articulação Institucional, cujo objetivo central era fazer cumprir o
Decreto Federal 85.916 de 20 de março de 1981, que obrigava a articulação

69
O plano não faz menção à FUNDREM, mas é importante ressaltar que essa problemática (problemática
já é um coletivo de problemas) tinha sido posta à autarquia desde sua criação. Entretanto, ao que parece, a
FUNDREM não conseguiu dar o devido prosseguimento.
212

permanente entre órgãos municipais, estaduais e federais atuantes no espaço


metropolitano.
 Programa de Legislação de Uso do Solo, que definiria as diretrizes gerais de uso
do solo metropolitano de modo a orientar os investimentos públicos e o
parcelamento por usos específicos do espaço urbano, periurbano e rural. Entre as
metas estabelecidas estava a reavaliação do zoneamento industrial da região
metropolitana, o aparelhamento da FUNDREM para examinar e aprovar o
parcelamento do solo nas áreas de interesse especial e a identificação de áreas
adequadas ao uso residencial e de vocação turística. A FUNDREM seria a base
da Câmara Técnica de Uso do Solo, onde as questões ligadas ao uso do solo
metropolitano seriam discutidas e as proposições de ações, desenvolvidas.
 Programa de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural, que garantiria a
preservação do acervo histórico e cultural da RMRJ.

Enfim, no discurso do PDES do Governo Moreira Franco abundam, portanto, as


críticas aos governadores anteriores pelo abandono do paradigma do planejamento e se
promete a reconstrução da institucionalidade da produção de conhecimentos sobre a
realidade estadual, do planejamento urbano e regional e do reaparelhamento e retomada
do prestigio da FUNDREM como autarquia dedicada ao planejamento da política
metropolitana.
Quanto às duas primeiras promessas, o Governo Moreira Franco buscou abrir
um novo espaço no arranjo institucional do governo através da criação de uma
secretaria de estado específica para o desenvolvimento urbano e regional, a SEDUR, e
da criação da CIDE em 1987.
Essa última conduziria uma nova rotina de produção e de difusão de dados
econômicos, sociais e geográficos do ERJ que serviram de referência até 2009, quando
foi extinta e fundida com a Fundação Escola de Serviço Público do Rio de Janeiro
(criada ainda em 1976 por Faria Lima), dando origem à Fundação Centro Estadual de
Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ)
que herdou parte do acervo da FIDERJ, da antiga FAPERJ (referente à função de
geografia e estatística), da Fundação CIDE e da FUNDREM (BIAZZO, 2012).
Apesar do discurso contido no PDES, foi o Governo Moreira Franco que
escreveu o epitáfio da extinção da FUNDREM em 27 de junho de 1989. Em 30 de
junho de 1989, o Jornal do Brasil publica uma breve notícia sobre a extinção da
213

autarquia, apresentando uma cronologia do esvaziamento e melancólico fim por conta


de um escandaloso caso de corrupção.

A FUNDREM alcançou seu apogeu logo após ser criada, durante a


administração do almirante Faria Lima, a partir de 1975, com a fusão
dos estados do Rio e da Guanabara. Continuou atuante na
administração do governador Chagas Freitas, contando com o Fundo
Contábil, que somava recursos de várias fontes, basicamente repasses
do governo federal. Com a interrupção desses repasses durante o
governo Leonel Brizola, a FUNDREM caiu no esquecimento, até que
seu último presidente, Almir de Lima Machado, patrocinou um desvio
de Cz$ 5 milhões antigos70, distribuindo gratificações à diretoria e
ocupantes de cargos de confiança. (JB, 30/06/1989, Cidade, p. 3)

O caso ligando a alta cúpula da FUNDREM ao desvio de recursos foi noticiado


em junho de 1988, momento em que se evidenciou o completo abandono e descontrole
sobre o cotidiano da autarquia. Além do desvio, outras irregularidades foram noticiadas,
tais como a contratação da filha do presidente para coordenar um escritório da
FUNDREM na Baixada Fluminense que nunca funcionou e a contratação de várias
outras pessoas para trabalhar em outras três unidades regionais fictícias, tudo
supostamente à revelia da SEDUR e do próprio governador.
O que se constatou foi que a FUNDREM perdera há tempos sua função
precípua, servindo para os interesses da pequena política clientelística local, conforme a
afirmação do próprio subsecretário da SEDUR, Jardel Barcelos de Paula, que assumira a
autarquia interinamente:

A FUNDREM vinha sendo usada como cabide de emprego e,


ultimamente, utilizada politicamente. Somente coordenava projetos de
cunho político. E se afastou de sua característica de apoio técnico ao
Comitê Deliberativo da Região Metropolitana presidido pelo
governador. (JB, 14/06/1988, 1o caderno, p. 12)

Apesar da intervenção da SEDUR, a promessa era de uma ampla reestruturação


da FUNDREM, passando inclusive por um enxugamento de seu quadro de funcionários
de cerca de 250 para no máximo 100. Apesar da negativa da SEDUR, a pergunta sobre
uma possível extinção da FUNDREM já pairava no ar, e de fato ocorreria um ano
depois.

70
A partir da cotação média estabelecida pela Secretaria da Receita Federal, o dólar em junho de 1988 foi
de Cz$ 177,05. Assim, o valor do desvio foi em torno de US$ 28.240,00 da época.
214

À época, os 232 funcionários da FUNDREM foram redistribuídos entre as


secretarias de planejamento, transportes e desenvolvimento urbano e regional,
dispersando, junto com o corpo técnico, as atribuições da autarquia. No decreto da
extinção, de número 1311 de 27 de junho de 1989, justificava-se, ainda, que a decisão
pelo fim das atividades da FUNDREM estaria inserida nas necessidades de
fortalecimento da máquina pública, já que seria um passo para a melhor coordenação
dos planos, projetos e programas do governo.
Considerando tudo que foi expresso no PDES, sobre a volta do planejamento
tendo a dimensão espacial como paradigma de articulação das políticas públicas, soa
estranho que a extinção daquele órgão que melhor expressava esse desiderato fosse
considerado menos eficiente do que sua dispersão entre diferentes secretarias setoriais.
Voltar-se-á a esse assunto no próximo capítulo, onde se enfocarão as ações
empreendidas pela FUNDREM e o resgate da memória sobre o dito processo de
esvaziamento, que culminou no fim da FUNDREM e, por que não, do planejamento
como forma de enfrentamento dos graves problemas que se assomavam no final dos
anos 1980 em diante. Dentre elas, a da questão regional fluminense.

4.6- Os descaminhos do planejamento urbano e regional no Estado do Rio de


Janeiro entre 1975 e 1991

O período em análise, entre 1975 e 1991, se caracterizou pelas sucessivas


transformações na conjuntura econômica, política e societária, tanto no Brasil quanto no
contexto internacional. O ambiente de incertezas causou impactos significativos no
ERJ, que foram recrudescidos pela intrínseca relação entre a economia local e a
dinâmica do Estado brasileiro, e pelas vicissitudes criadas pela política da fusão. Esta
última, não há como negar, além de por si impor dificuldades na reestruturação de uma
nova unidade da federação, se deu talvez na fase mais imprópria, no início da crise
econômica dos anos 1980. Tais elementos criaram no ERJ o ambiente favorável para a
difusão da crítica à fusão e à ascensão do discurso do “Rio de todas as crises”.
O discurso expresso nos planos de governo analisados e nas mensagens dos
governadores à ALERJ não esconde que sua programação seria sempre condicionada
pelas pressões de ordem econômica e política de origem externa ao ERJ. Assim, para
além das concepções internas do aparato do Governo Estadual quanto à questão
regional fluminense, como se buscou evidenciar ao longo do capítulo, devem-se situar
215

as limitações externas à ação governativa do ERJ quanto à conjuntura econômica,


política e institucional.
A política da fusão, consubstanciada pelo Governo Faria Lima como uma
missão “militar” a ser concluída, foi imbuída pelo otimismo e pelas expectativas criadas
pelo milagre econômico brasileiro e pela programação do II PND.
O Governo Geisel se lançou na enorme empreitada de consolidar o projeto do
Brasil Potência, tentando reorientar as tendências até então verificadas na
industrialização brasileira, através do esforço de fortalecer a perna fraca do tripé, que
era o capital privado nacional, e completar o processo de substituição de importações
com a implantação definitiva do setor de bens de capital no país.
No bojo desse grande projeto, a dimensão geopolítica era considerada um
aspecto fundamental da estratégia do governo, que visava tanto a incorporar as áreas
periféricas e relativamente não integradas ao núcleo central da economia do país, quanto
a diminuir o peso econômico e político de São Paulo no Sudeste.
A fusão de 1974 inseriu-se nesse projeto geopolítico, recolocando o ERJ no
centro das preocupações do Governo Federal, que prometia, com a Lei Complementar
no 20, investir maciçamente no sucesso do projeto do segundo polo de desenvolvimento
do Brasil.
Esse mesmo período, entre 1975 e 1979, também foi quando dominou no Brasil
o paradigma do planejamento tecnocrático, que em virtude da conjuntura política do
país acentuou suas características autoritárias. Do ponto de vista acadêmico, o momento
foi propício para a difusão das abordagens quantitativas e mecanicistas da teoria do
desenvolvimento urbano e regional, a partir da influência de teorias como a das
localidades centrais, da teoria dos polos de desenvolvimento, das regiões funcionais etc.
O fim da década de 1970 marcou uma mudança de rumo para o Brasil em todos
os sentidos. Do ponto de vista econômico, apesar de conseguir concluir o processo de
substituição de importações, o II PND realizou-se sob forte endividamento externo em
contexto de crise financeira internacional, que se deflagrou com os desequilíbrios das
contas externas brasileiras e a aberta contestação de segmentos do empresariado
brasileiro e multinacional que não se sentiram devidamente contemplados pelo II PND
(ver Lessa, 1978). O discurso ufanista que sempre foi largamente utilizado pelos
militares em suas manifestações públicas começou a perder força com o fim do ciclo do
Governo Geisel.
216

O Governo Figueiredo ficou marcado pelas dificuldades de ordem econômica,


geradas pelas contradições do desenvolvimentismo brasileiro e pelas incertezas da
economia internacional após o choque do petróleo de 1979. Além disso, o processo de
abertura política se intensificou, obrigando os militares a realizarem, apesar de pontuais
enfrentamentos com a linha dura, as mudanças nas instituições políticas que finalmente
conduziram um governo civil à sucessão de Figueiredo (Couto, 2010).
Assim, a partir de 1979, os temas da abertura política (e da construção da Nova
República) e da crise econômica passariam a figurar como pano de fundo dos
documentos governamentais publicados na época, como é possível observar a partir do
caso específico do ERJ.
Apesar da importância do processo político de redemocratização dos anos 1980,
que permite relativizá-los como a “década perdida”, a crise econômica foi um poderoso
fator de desestabilização política e institucional a partir de 1979. O III PND, elaborado
no início do Governo Figueiredo, não foi mais do que um plano de ajuste à crise, com
previsões de apenas continuar os projetos em andamento e impossibilitado de fazer
projeções macroeconômicas seguras devido às incertezas da conjuntura (COUTO,
2010).
A política econômica teria que lidar com quatro problemas centrais: a alta dos
juros internacionais, a recessão mundial, a queda do preço das matérias primas e o
contingenciamento dos empréstimos internacionais. Endividado, o Brasil teria
dificuldades em combater eficazmente a inflação e, ao mesmo tempo, reerguer o nível
de atividade econômica, que para os economistas da época eram desideratos
mutuamente excludentes: ou o país optava pela política de ajuste, que acentuaria a crise
de crescimento econômico, ou manteria a política de investimento, mas sem as
condições financeiras para fazê-lo (CASTRO E SOUZA, 2004; COUTO, 2010).
O restante da década de 1980 foi um longo e sofrido esforço de estabilizar a
economia brasileira, fustigada pela recessão, pela inflação, pelo aumento da
concentração de renda e pela deterioração da capacidade de gastos e de prestação dos
serviços públicos. Após a volta dos civis ao poder, o Governo Federal enfrentou, sem
sucesso, a crise econômica, cujo grande algoz acabou sendo a inflação71. Só durante o
Governo Sarney, foram três planos econômicos fracassados: o Plano Cruzado, o Plano
Bresser e o Plano Verão.

71
Isso, porque o baixo crescimento, a concentração de renda e a baixa qualidade dos serviços públicos
continuaram, mesmo depois de estancada a pressão inflacionária com o Plano Real.
217

Para os entes estaduais, o período foi particularmente desesperador. Tendo


perdido a autonomia fiscal com a Constituição de 1967, que centralizou os recursos
públicos nas mãos do Governo Federal, os estados tornaram-se verdadeiros reféns da
política econômica federal, dependendo, em maior ou menor medida, dos recursos
transferidos pela União, que poderiam ser contingenciados por decisões políticas e
administrativas.
Enquanto a economia brasileira cresceu, era possível remediar a situação, mas
com o fim do ciclo de crescimento e a baixa na atividade econômica, a situação dos
entes estaduais se deteriorou definitivamente. Um subterfúgio muito utilizado era o
endividamento com o Governo Federal e com credores externos, utilizando, inclusive,
os bancos estaduais como captadores de crédito para o subsequente financiamento dos
governos estaduais.
A supressão da capacidade arrecadadora própria e os indícios da crise em fins da
década de 1970 e início da década de 1980 levaram os estados ao círculo vicioso do
refinanciamento como forma de obter recursos para governar (LOPREATO, 2002).
O aumento das taxas de juros internacionais e a subsequente contenção de novos
empréstimos ao Brasil e aos estados a partir de 1982 praticamente inviabilizaram as
estratégias de desenvolvimento dos governos estaduais, justamente quando foi
permitida a volta das eleições, naquele mesmo ano.
A conjuntura particularmente difícil do Brasil destronou o planejamento como
paradigma de governo durante os anos 1980. O planejamento pensado e praticado até os
anos 1970 já vinha sendo alvo de duras críticas acadêmicas, tanto da direita quanto da
esquerda ideológicas72.
Segundo Rezende (2010), o sistema de planejamento solidamente consolidado
durante a década de 1970 sofreu duros golpes na década subsequente devido à perda de
capacidade do Executivo Federal em manter o alto nível de investimentos e mesmo o
controle político sobre as condições governativas.
Após a redemocratização, a crise engendrou um verdadeiro esvaziamento do
planejamento como palco central das decisões das políticas governamentais,
enfraquecendo, com isso, todo o arranjo institucional que fazia parte do sistema, seja na
esfera federal, seja nos estados. Na década de 1990, com a chegada dos “ventos

72
A crítica neoliberal era contra a intervenção do Estado na economia e em defesa das livres forças do
mercado (ver Harvey, 2008). A crítica à esquerda era não contra a intervenção do Estado, mas contra os
objetivos e as formas da intervenção. O planejamento era acusado de somente viabilizar a expansão do
capital e acentuar o subdesenvolvimento (ver Santos, 2003) e pelo seu estilo tecnocrático e autoritário.
218

neoliberais” ao Brasil durante o Governo Collor, passou-se ao escancarado desmonte do


planejamento e à desmoralização generalizada do setor público.
Tal quadro não seria diferente em relação ao planejamento regional, que perdeu
sua centralidade como instância coordenadora das políticas públicas em favor de uma
perspectiva setorialista e ad hoc (BRANDÃO, 2011). Mais do que o desmonte do
arranjo institucional do planejamento regional, os anos 1980 significaram o total
obscurecimento da questão regional e sua resolução ou mitigação da agenda pública.
Isso não significa que os fenômenos histórico-concretos do desenvolvimento
espacialmente desigual deixassem de ser percebidos ou apontados, mas que sua
formulação a partir de uma escala integradora (regional) deixou de ser considerada.
Validou-se nesse ínterim, a força da polarização que tem dominado as concepções da
articulação federativa e das políticas territoriais do Estado no Brasil, que vêm
pendulando entre o centralismo autoritário e o mandonismo local (RODRIGUEZ,
1994).
Em reação ao centralismo dos governos militares, o processo de
redemocratização da segunda metade da década de 1980 enfocou o estabelecimento de
maior autonomia local e o abandono das instâncias articuladoras e mesmo de um projeto
de integração nacional sobre bases não autoritárias.
Assim, a leitura dos (des)caminhos da questão regional na agenda
governamental do ERJ após a fusão deve ser inserida nesse contexto geral brevemente
exposto. A fragilidade governativa dos estados, principalmente após a centralização
tributária de 1967, impôs aos governos estaduais a reprodução das tendências gerais do
planejamento na tecnoestrutura dos estados. Com efeito, o Governo Federal não raro
decidia qual deveria ser a agenda a ser executada pelos estados, indiretamente, sendo
responsável, inclusive, pela própria configuração das institucionalidades estaduais.
A análise que se realizou ao longo de todo esse capítulo é um exemplo disso. A
elevação da questão regional fluminense como cerne da agenda do Governo Faria Lima
deve-se tanto ao raciocínio que procurou justificar o ato da fusão quanto às pretensões
geopolíticas do Governo Geisel, que valorizou a questão metropolitana e a integração
das áreas periféricas através da constituição de polos de desenvolvimento.
O I PLAN RIO claramente remete a agenda do ERJ às questões que eram
priorizadas pelo Governo Federal. Reproduziu, assim, o matiz autoritário e tecnocrático
que marcava a perspectiva militar, em que o planejamento centralizado era o principal
219

modelo governativo e a dimensão espacial o meio pelo qual o governo pretendia


articular suas políticas públicas.
A fusão transformou o fenômeno histórico-concreto do desenvolvimento
desigual entre os estados da Guanabara e do Rio de Janeiro em uma problemática
central da agenda governamental do Governo Faria Lima.
O I PLAN RIO alçou a dimensão espacial ao primeiro nível da estratégia de
desenvolvimento que orientava o planejamento governamental, já que, pela própria
imposição dos fatos, tinha na integração o mote do governo e na espacialização das
políticas públicas a pedra fundamental da fusão.
O projeto que era planejado para o ERJ circulava em torno de objetivos
geopolíticos: consolidar o segundo polo de desenvolvimento do Brasil, ordenar o
território da RMRJ, integrar a capital ao interior, integrar o próprio interior, dotar de um
caráter regionalizado as políticas setoriais e ordenar o uso do solo urbano nas cidades
médias fluminenses.
A centralidade da questão regional fluminense na agenda governamental se
manifestou de modo claro na institucionalidade do planejamento do Estado. A “menina
dos olhos” foi a FUNDREM, que ocupou o lugar institucional de gerenciamento da
questão metropolitana, articulando a partir de uma perspectiva regional os municípios
metropolitanos e os órgãos executivos setoriais. Em seus primeiros anos a FUNDREM
trabalhou arduamente em diversas frentes e recebeu uma ótima avaliação pelo
governador, que em 1978 considerava que

“(...) as atividades desenvolvidas pela FUNDREM em 1977, como


órgão de apoio técnico aos Conselhos Consultivo e Deliberativo da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, na implantação do
planejamento físico-territorial, na execução do Programa de
Assistência Técnica e Treinamento de Recursos Humanos e no
acompanhamento sistemático dos projetos executados com apoio do
Fundo Contábil para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do
Rio de Janeiro (FCRM) demonstram o acerto na escolha do modelo
institucional-administrativo da mais nova Região Metropolitana do
País.” (FARIA LIMA, MENSAGEM À ALERJ, 1978, p. 117)

A política de desenvolvimento urbano e regional do interior do ERJ era


centralizada na própria Secretaria de Planejamento e Controle, pelas mãos da
Coordenação de Desenvolvimento Urbano e Regional (DESUR), ligada à SUPLAN. No
I PLAN RIO praticamente não se fala da DESUR, mas na mensagem de 1978, o
governador Faria Lima menciona seu papel no desenvolvimento urbano e regional
220

interiorano através do assessoramento técnico, da articulação com as prefeituras e da


supervisão das políticas de desenvolvimento, sendo apoiada pela FIDERJ e pelos órgãos
setoriais.
A FIDERJ assumira um papel de produzir conhecimentos estratégicos sobre o
ERJ, levantando os principais gargalos e as principais potencialidades dos municípios
fluminenses. Desenvolveu importantes estudos setoriais, articulou-se com missões
empresariais tentando atrair novos investimentos para o estado e assessorou as
prefeituras em matéria de planejamento.
Como o planejamento urbano e regional estava centralizado na DESUR em
associação com a FIDERJ, não houve para o interior uma institucionalidade tão robusta
como a FUNDREM, que funcionou como uma verdadeira autarquia de
desenvolvimento regional. Por isso, concluiu-se, a partir da análise do I PLAN RIO e
das mensagens do governador à ALERJ, que, apesar da centralidade do planejamento
urbano e regional na agenda do governo, houve certo “vazio” institucional para a
política de desenvolvimento urbano e regional do interior em comparação com a
importância e com a robustez da FUNDREM.
A DESUR, por melhor que tenha trabalhado, era apenas um setor da SUPLAN
subordinado à SECPLAN, ou seja, com pouca autonomia decisória. Para ficar bem
claro, não se quer dizer com a ideia de “vazio” que não havia uma institucionalidade
para o planejamento urbano e regional do interior, mas que não se construiu nenhuma
instituição específica e autônoma para integrar as políticas públicas setoriais nas regiões
do interior fluminense.
As regiões-programa, que seriam a base das políticas regionais do ERJ teriam
um papel operacional para a política centralizada na SECPLAN. Por isso, enquanto a
FUNDREM, mal ou bem, materializou institucionalmente a questão metropolitana, de
modo que sua própria extinção em 1989 representou o obscurecimento da problemática
como questão de Estado, não existe nenhuma instituição que se possa dizer que
“encarnou” a questão da disparidade capital-interior no aparato governamental, fazendo
dessa questão um problema menor.
A passagem do Governo Faria Lima para o Governo Chagas Freitas caracteriza-
se pela descontinuidade, que fica evidente, em particular, no discurso das condições
conjunturais de exercício do governo. Todas as mensagens de Faria Lima à ALERJ
expressam um inarredável otimismo quanto aos efeitos das políticas realizadas em
221

relação ao futuro, um claro compromisso com o projeto nacional e um senso de


cumprimento de dever na condução da política de fusão.
O Governo Chagas Freitas, por outro lado, ocorreu em um período de transição,
quando a crise econômica internacional começou a afetar profundamente a economia
brasileira. Assim, tanto seu PDES quanto suas mensagens mudaram consideravelmente
para um tom mais sombrio quanto às condições governativas. Não havia um projeto
nacional de peso em que alicerçar a estratégia de desenvolvimento estadual,
predominava um ambiente econômico de incerteza e, ao contrário do que dizia Faria
Lima, a conta da fusão solapava as finanças estaduais, que necessitavam, mais do que
nunca, da ajuda federal que se escasseava.
Todo esse cenário, somado ao projeto de poder de Chagas Freitas, levou a certo
deslocamento do planejamento do cerne da atividade governativa, apesar de não terem
se apresentado rupturas em relação ao legado do Governo Faria Lima. No que tange ao
planejamento urbano e regional, as descontinuidades se situam na perda de substância
da dimensão espacial como integradora das políticas públicas e em uma discreta, porém
discernível adoção de uma perspectiva setorialista nas políticas de desenvolvimento
regional.
Nas mensagens à ALERJ, enquanto Faria Lima reproduzia o padrão
regionalizado nos relatórios de prestação de contas, Chagas Freitas dava ênfase aos
setores de ação do Estado. Além disso, o cerne de suas preocupações, segundo
expressas nas mensagens, estava em outras questões que não o aspecto geopolítico da
ação governamental.
No entanto, ao mesmo tempo Chagas Freitas não chegou a abandonar todas as
institucionalidades criadas pelo Governo Faria Lima, utilizando-as como base de suas
propostas de governo. As regiões-programa continuaram sendo importantes para
orientar a elaboração de seus Programas de Ação Regional, assim como a ação
descentralizada dos órgãos setoriais.
A FUNDREM continuou sendo considerada a gestora da política metropolitana,
de modo que os projetos que estavam sendo desenvolvidos desde o governo anterior não
sofreram solução de continuidade, a se considerar os relatórios apresentados nas
mensagens à ALERJ. Fontes e Araújo (1995), no entanto, asseveram que Chagas Freitas
na prática passou a submeter a atividade de planejamento aos objetivos circunstanciais
ligados à sua clientela, iniciando o desmonte do caráter técnico da FUNDREM e
222

reduzindo sua atuação à gestão do transporte metropolitano e a realização de obras de


saneamento na Baixada Fluminense.
O início do desmonte fica mais claro com relação à FIDERJ, , apesar da
FAPERJ, extinta significou uma redução do papel da produção de conhecimentos sobre
o ERJ como o fundamento do planejamento. Não houve, depois, nada no aparato estatal
do ERJ semelhante à FIDERJ, que além de servir de “IBGE” para o Governo do Estado,
atuava de modo engajado na promoção de iniciativas de desenvolvimento econômico.
O Governo Brizola significou, por filosofia e por condicionamento conjuntural,
a ruptura com os cânones do planejamento urbano e regional. No seu discurso, o
planejamento como era concebido e praticado até então estaria no polo oposto aos ideais
da democracia que estaria por vir e que, em sua ótica, deveria ser caracterizada pela
aproximação da atividade governativa com a população.
Não obstante, mesmo se Brizola não fosse dessa opinião, seu governo
dificilmente conseguiria manter-se fiel ao planejamento, tendo em vista a conjuntura de
profunda incerteza da economia brasileira a partir de 1982. A dívida externa se
avolumava e limitava a margem de manobra da política econômica do Governo Federal
que, por sua vez, repassava de forma mais concentrada a crise para os governos
estaduais diretamente eleitos em 1982.
O discurso de Brizola em suas mensagens é de permanente denúncia, que, mais
que revelar sua retórica inflamada, de fato demonstrava as dificuldades de condução das
políticas públicas devido às limitações financeiras do ERJ. Essas, seriam derivadas das
dívidas contraídas pelos governos Faria Lima e Chagas Freitas, estimulados pelo
Governo Federal — que naquele momento cobrava a conta.
A fusão, autoritariamente imposta, além de não ter sido de fato realizada, gerou
gastos desnecessários que não redundaram em melhoria das condições de vida da
população.

Com o beneplácito e de modo geral com apoio expresso do Governo


Federal, as administrações anteriores conseguiram mobilizar recursos
com os quais a atual Administração, infelizmente, não tem podido
contar. Aqueles recursos, todavia, dissiparam-se em gastos muitas
vezes inconsequentes e sem produzir os resultados que se esperava.
Os serviços públicos seguiram um processo de deterioração e a fusão
continuou por ser feita, com o interior do Estado e mesmo com os
municípios da Região Metropolitana recebendo pouca ou nenhuma
atenção. (BRIZOLA, Mensagem à ALERJ, 1984).
223

Ao dizer que não possuía as mesmas condições orçamentárias que seus


antecessores, apoiadores do autoritarismo, Brizola lança mão do discurso da postura
discriminatória do Governo Federal em relação ao ERJ, que estaria sendo prejudicado
em seu esforço de rolar a dívida herdada dos governos anteriores, assim como
retardando e comprimindo as transferências governamentais a que o Governo do Estado
teria direito por lei.
Diante dessa conjuntura de profunda crise da capacidade governativa, somada à
visão negativa que o governo tinha do planejamento técnico/tecnocrático, tanto a agenda
do planejamento urbano e regional quanto sua institucionalidade foram definitivamente
esvaziadas.
É marcante em seu plano de governo a natureza eminentemente focal das
políticas públicas, alicerçadas, principalmente, em projetos e programas específicos de
cunho fortemente social, como o programa “Uma Família, Um Lote” e o projeto dos
Centros Integrados de Educação Pública (CIEP).
Não há uma política de desenvolvimento urbano e regional no Governo Brizola
digna desse nome, mas a promessa de uma aproximação ad hoc do Governo do Estado
com as prefeituras, abandonando expressamente o uso das regiões-programa como
referencial espacial para a administração pública.
A FUNDREM fora apartada de sua função de coordenadora da política
metropolitana, sendo subordinada à recém-criada SECDREM, que passaria a exercer as
funções que antes eram da autarquia. A inutilização institucional da FUNDREM
durante o Governo Brizola foi um fato atestado por testemunhos colhidos pelo Jornal do
Brasil na época da extinção do órgão, fato que não foi revertido posteriormente pelo
Governo Moreira Franco, apesar de sua promessa de reerguimento da FUNDREM.
Por fim, o Governo Moreira Franco iniciou-se como um contraponto ao legado
brizolista, tanto pelo seu caráter conservador quanto pelo seu discurso de volta ao
planejamento como método de governo, tentando adotar para si a imagem da eficiência
na condução do Estado. O seu plano de governo prometia revitalizar o Sistema Estadual
de Planejamento, além de reutilizar o jargão da espacialização como método de
articulação das políticas públicas.
Para tanto, Moreira Franco amplia o âmbito de atuação da SECDREM,
transformando-a na SEDUR, alçando, ineditamente desde a fusão, o planejamento
urbano e regional à condição de Secretaria de Estado e realocando a FUNDREM à sua
antiga posição de responsável pelo planejamento metropolitano. Cria, também, a
224

Fundação CIDE, com o fim de reocupar parcialmente o espaço deixado pela FIDERJ
como o “IBGE fluminense” e, com isso, definindo a FAPERJ para a função específica
de fomento da ciência e da tecnologia. O governante criticou a atenção exagerada em
relação à face nacional da cidade do Rio e defendeu, ao contrário, o desenvolvimento de
uma perspectiva regionalista estadualizada para fazer frente às reivindicações de outros
estados junto ao Governo Federal.
Por tudo isso, o Governo Moreira Franco poderia ser considerado, em um
primeiro momento, como a administração que recolocaria a questão regional fluminense
e o planejamento urbano e regional no centro da agenda do ERJ. Não é isso, porém, que
ocorre. Apesar do discurso adotado principalmente no início de seu plano, a
setorialização das políticas públicas continua sendo a tônica do plano, considerando o
próprio planejamento urbano e regional um dos setores de ação do governo e não uma
escala integradora da ação governamental.
Na verdade, seu governo ocorreu durante o período de transição que
desembocou na nova constituinte e que significou um ponto de virada (relativa) na
institucionalidade do Estado no Brasil. Por exemplo, a Constituição do Estado do Rio de
Janeiro aprovada em 1989 já não obrigava o Governo do Estado a apresentar as
mensagens anuais do governador à ALERJ relatando os principais feitos do exercício no
ano anterior. A própria extinção da FUNDREM, já mencionada alhures, foi um fato
significativo de que seu governo não recolocaria a questão regional fluminense na
agenda do ERJ, apesar de seu discurso a favor disso.
Tal fato se confirma nas duas mensagens que Moreira Franco enviou à ALERJ,
em que além de relatar a já esperada dificuldade financeira do ERJ e a engenharia
realizada pelo seu governo para saná-la, o setorialismo continua a dominar a abordagem
governamental e nada mais é mencionado sobre a dimensão espacial das políticas
públicas. Uma única referência à programação de planejamento urbano e regional
prevista no PDES é o PROGREDIR, voltado para o interior e que estaria começando
sua execução a partir de visitas de caravanas de representantes de várias secretarias de
Estado a municípios do interior.
Portanto, essa foi a intrincada e sinuosa trajetória da questão regional na agenda
governamental do ERJ entre 1975 e 1991, que rumou, tanto pelas contingências
externas quanto pelas próprias contradições internas na condução do Estado, em direção
ao total obscurecimento, e que coincidiu com a ascensão do discurso do “Rio de todas
as crises”.
225

As indefinições a respeito da questão regional fluminense na agenda


governamental se refletiram nas incertezas que rondaram o arranjo institucional do
planejamento urbano e regional. No quadro abaixo se sumarizam as mudanças básicas
que se deram no arranjo durante o período coberto pela análise desta pesquisa.

Quadro 4: Institucionalidade de planejamento urbano e regional do ERJ


Vinculações institucionais do planejamento urbano e regional
Autarquias de apoio ao
Governo Secretaria responsável planejamento
FUNDREM
FIDERJ
Faria Lima SECPLAN SUPLAN*
FUNDREM
Chagas Freitas SECPLAN FAPERJ
SECDREM FUNDREM
Brizola SECPLAN FAPERJ
SEDUR FUNDREM
Moreira Franco SECPLAN CIDE

* A SUPLAN na verdade não era uma autarquia, mas fazia planejamento urbano e
regional no âmbito da SECPLAN.
Fonte: Planos de Governo e Decretos Estaduais diversos.

No próximo capítulo se analisará como a perda de importância da questão


regional fluminense influenciou a trajetória institucional da FUNDREM e no
encaminhamento da política metropolitana do ERJ.
226

5- VIDA E MORTE DA QUESTÃO REGIONAL FLUMINENSE


NA AGENDA GOVERNAMENTAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO: A TRAJETÓRIA DA FUNDREM

5.1- FUNDREM: a retomada de uma história

Ao longo do capítulo 4 já foi possível demonstrar a partir do referencial dos


planos de governo de Faria Lima, Chagas Freitas, Brizola e Moreira Franco como a
questão regional fluminense, considerando suas duas facetas, (a integração entre a
capital e o interior e a integração metropolitana), perderam substância enquanto questão
central na formulação da agenda governamental.
Foi também possível apontar por meio dos próprios planos de governo, pela
legislação e pelas mensagens anuais dos governadores à ALERJ as implicações
institucionais desse processo por meio da marginalização e da extinção dos órgãos de
planejamento urbano e regional que foram criados com alarde durante o governo da
fusão. Este capítulo irá descrever esse processo tendo como referência a FUNDREM,
que foi o principal e mais prestigiado órgão de planejamento urbano e regional no ERJ.
Nada mais significativo para demonstrar como o ERJ abandonou sua questão
regional do que a enorme escassez de informações e pesquisas sobre a FUNDREM. É
praticamente inútil pesquisar na internet, por exemplo, estudos sobre a instituição. O
que há são relatos dos trabalhos produzidos pela própria FUNDREM, durante os anos
dos governos Faria Lima e Chagas Freitas.
Pesquisas prontamente disponíveis em português em que a FUNDREM passa
por alguma análise específica sobre sua atuação institucional, somente no artigo de
Ângela Fontes e Valdemar Araújo (1995), publicado durante o VI Encontro Nacional da
ANPUR, e o artigo de Linda Maria Gondim (1991) publicado na Revista de
Administração Pública, fruto de sua tese de doutorado defendida na Universidade
Cornell em 1986, que pelas dificuldades de acesso, foi muito pouco lida no Rio de
Janeiro.
Ou seja, são estudos publicados ainda no início da década de 1990.
Posteriormente, nada de significativo aflorou, até a publicação em 2014, pelo IPEA, do
artigo de Marcos Antônio Santos juntamente com outros pesquisadores, que resgatou a
FUNDREM dos escombros da história recente do ERJ.
227

No Encontro Nacional da ANPUR de 2015, houve uma sessão destinada a


discutir as questões da governança metropolitana no Brasil, onde se debateram as
enormes inconsistências do planejamento metropolitano de outras capitais, em especial
daquelas criadas pela LC 14 de 1973. Uma das pesquisadoras, arquiteta da Prefeitura de
São Paulo, analisava os planos elaborados pelo arranjo institucional de planejamento
paulista e a sua baixa eficácia no ordenamento do território metropolitano. Na ocasião, a
profissional apontava, de modo convincente, como os arranjos institucionais
tecnocráticos são pouco eficientes se não acompanhados por uma esfera política que
desse condições de execução dos planos.
Quando os pesquisadores cariocas apresentaram o caso fluminense, observou-se
que nem isso o Rio de Janeiro tinha: a oportunidade de olhar para seus planos e fazer a
crítica de sua implementação. O coordenador da pesquisa do IPEA sobre a governança
metropolitana, Marco Aurélio Costa, inclusive observou como a segunda maior área
metropolitana no Brasil de modo tão precoce abdicou de sua estrutura de planejamento
metropolitano.
Esse breve relato demonstra como se encontra o estado da arte sobre a
institucionalidade de planejamento metropolitano no ERJ, que como se citou alhures,
era a “menina dos olhos” tanto do Governador Faria Lima quanto da Secretaria de
Planejamento e Coordenação Geral, a mais forte da fusão.
O acervo da FUNDREM foi literalmente espalhado. Seus estudos encontram-se
fragmentados em várias bibliotecas, como a do IPPUR e do Departamento de Geografia
da UFRJ, na ALERJ, na Biblioteca Nacional e, naturalmente, na Fundação CEPERJ73.
Muitas coisas se perderam ao longo desses anos de esquecimento e desleixo com a
própria memória por parte dos sucessivos governos estaduais. As aerofotogrametrias,
que eram consideradas uma das maiores tarefas da FUNDREM, desapareceram da
consulta pública, assim como os relatórios anuais de gestão, que seriam fundamentais
para analisar o trabalho da autarquia, e que foram muito úteis, por exemplo, para a
pesquisa de Gondim (1986).
Dada essa escassez de material passível de análise sobre a trajetória institucional
da FUNDREM, recorreu-se à memória de pessoas ou que trabalharam no órgão, ou que,
pelo menos, tiveram carreira longa no aparato estadual e que acompanharam de perto a

73
Que, a propósito, foi inundada nas chuvas de dezembro de 2013, só sendo reaberta em maio de 2015.
228

FUNDREM. Essas pessoas também foram “espalhadas”, seguindo com suas carreiras
após terem sido, não raro, iniciadas em suas profissões na FUNDREM.
Ao se recorrer à memória viva, não escrita, corre-se todos os riscos contidos em
pesquisas desse tipo: os lapsos de memória; o ocultamento de informações importantes
por motivos diversos; o inescapável ponto de vista pessoal dos acontecimentos,
influenciado por origem social, visão política, formação profissional e pelo “lugar” de
onde se observa os fatos. Claro que tudo isso também está presente nas fontes textuais,
mas é evidente que o uso da memória viva como fonte de dados possui um lado
subjetivo e fluído muito mais difícil de controlar.
O número de entrevistados foi limitado pelas condições de tempo e de recursos
do pesquisador, assim como de acesso às fontes orais. Neste caso específico, muitas
fontes foram prospectados através das indicações feitas pelos próprios entrevistados.
Apesar de o pesquisador perceber, ao longo do percurso, a necessidade de buscar mais
fontes para responder às instigantes análises dos profissionais que viveram aqueles anos
conturbados, teve que se contentar com o que já tinha sido coletado e refletir sobre seus
resultados. Muitas lacunas, portanto, restaram. Espera-se que sirvam para instigar novas
pesquisas.
No entanto, a história oral74 por seu caráter qualitativo tem suas vantagens: a
possibilidade de captar expressões, ambiguidades, enfim, elementos tácitos que ficam
ocultos em documentos escritos. Além disso, o método permite reconstruir, de acordo
com a disponibilidade das fontes, o que não se registrou por escrito. No mínimo, serve
como primeiro esforço para sistematizar e abrir caminho para que outros possam trilhá-
lo com mais facilidade posteriormente.
É esse o intento desta parte da pesquisa: trazer ao lume novamente a FUNDREM
e seu significado para a questão regional fluminense. Trata-se, portanto, de uma
pesquisa de caráter exploratório, que, diante das conclusões parciais já realizadas pela

74
Segundo Ferreira e Amado (2006), a história oral tem se consolidado como uma alternativa à (para a
não está errado, mas à soa melhor aqui) pesquisa histórica contemporânea, considerando a memória viva
como um documento histórico peculiar em relação às fontes tradicionais. No Brasil, ela foi introduzida na
década de 1970, mas só começou a ganhar corpo como método a partir da década de 1990, quando alguns
eventos científicos dedicados à história oral foram realizados, culminando na criação da Associação
Brasileira de História Oral em 1994. O método tem sido utilizado tanto para coletar informações que são
indisponíveis ou escassas em outras fontes, caso deste capítulo, quanto para dar voz a atores sociais que
costumam ser ofuscados pelos outros métodos de pesquisa história. Por isso, a história oral tem sido
ligada à “história dos excluídos”. O livro organizado por Ferreira e Amado (2006) pontuam as principais
questões e as potencialidades da história oral para a pesquisa histórica.
229

análise documental, irá descrever numa perspectiva institucional a exclusão da questão


regional fluminense na agenda governamental do ERJ.
Na medida do possível, procurou-se também fundamentar a pesquisa nas
análises citadas acima, especialmente a tese de Linda Maria Gondim (1986), que é um
trabalho incontornável para quem deseja pesquisar a FUNDREM, na legislação
metropolitana que conseguiu-se encontrar, e também nas informações das despesas
públicas “garimpadas” nos relatórios das Contas da Gestão entre 1976 e 199075.
O capítulo não esgota o assunto FUNDREM. Apresentar-se-ão algumas
conclusões da pesquisa, considerando sua delimitação que é a vida e a morte da questão
regional fluminense na agenda governamental do ERJ. A partir de agora, se discutirá a
temática metropolitana, mas não é a pretensão do capítulo tratar da questão
metropolitana como objeto central da tese, mas como uma das dimensões da questão
regional fluminense, ou melhor: como a dimensão em que a questão se tornou mais
visível e importante, em detrimento da integração estadual em sua totalidade.
Apesar de algumas vezes se esquecer de mencionar isso, a questão metropolitana
é, em primeiro lugar, uma problemática regional, de múltiplas jurisdições e justamente
por sua dimensão regional ela é tão problemática no Brasil, que nunca foi capaz de
inserir o regional como categoria aglutinadora das intervenções estatais.
A exposição do capítulo está estruturada em três partes. A primeira, busca
revisitar o contexto institucional da criação das regiões metropolitanas em 1973 e 1974,
que fundamentou a experiência de planejamento metropolitano no Rio de Janeiro. A
segunda parte é dedicada a explicar como se deu, do ponto de vista institucional, a
estruturação do sistema de planejamento metropolitano do ERJ assim que se iniciou o
Governo Faria Lima. Por fim, na terceira parte, apresenta-se a análise da trajetória
institucional da FUNDREM, tendo por linha de análise o trabalho realizado pela
autarquia na época de sua efetiva atividade e os processos que acabaram por esvaziá-la e
extingui-la.

75
Como se trata de descrever a história da instituição, deixou-se de lado, por ora, a análise da produção
técnica da FUNDREM, que seria passível de uma pesquisa à parte.
230

5.2- O contexto institucional da criação das regiões metropolitanas em 1973 e


1974

As principais capitais do Brasil passaram, desde os anos 1930, por um intenso


processo de crescimento populacional decorrente, principalmente, da imigração de
grandes contingentes saídos do campo. Tal fenômeno tornou-se patente na segunda
metade da década de 1960, quando as áreas urbanas de outras sete capitais além de Rio
de Janeiro e São Paulo superavam 1 milhão de pessoas.
Processos de conurbação estavam ocorrendo de modo acelerado, acompanhado
pela degradação das condições de vida dessas cidades. Assim, a metropolização tornou
a vida nas principais cidades do país cada vez mais insuportável: enormes periferias
miseráveis, degradação dos serviços públicos existentes, inadequação das estruturas
urbanas à intensificação dos fluxos causados pela automobilização da sociedade,
pressão sobre os recursos ambientais, poluição etc.
Apesar disso, as cidades que se metropolizavam eram os principais polos
econômicos do país, loci pioneiros das inovações que acompanhavam a modernização
econômica e societária. Como afirma Gouvêa (2005), as regiões metropolitanas
brasileiras sintetizam o que há de mais avançado tecnologicamente com o que há de
mais perverso na formação social brasileira.
Tudo isso impôs a emergência da questão metropolitana na agenda
governamental, na medida em que durante a década de 1960, no auge da urbanização
brasileira, iniciou-se a discussão política sobre a necessidade de criação de políticas
específicas para as metrópoles em formação.
Deve-se lembrar, novamente, que nesta mesma época ganhavam força no
exterior as teorias de planejamento regional e urbano, como o amenagement du
territoire, na França, e a Geografia Quantitativa e a Ciência Regional no mundo anglo-
saxão. Por conta da situação brasileira, tais referenciais encontrariam bom acolhimento,
chegando ao seu auge durante a década seguinte.
Segundo Gouvêa (2005), foi o Seminário de Habitação e Reforma Urbana
realizado em 1963 em Petrópolis, ainda sob o Governo Goulart, que demarcou o início
do reconhecimento formal sobre a necessidade de estruturação de sistemas de
231

planejamento urbano no Brasil76. Mas foi após o golpe que o planejamento urbano
ganhou real importância, pois interessava aos militares o controle centralizado das
cidades através da associação entre o planejamento e o autoritarismo.
Não foi por acaso que na Constituição de 1967 se fez a primeira menção ao
estabelecimento de regiões metropolitanas pela União. Além disso, foi providenciada a
criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (SERFHAU), de fundamental importância para o tema. em agosto de 1964.
Iniciava-se, assim, a constituição do arranjo institucional em nível federal para tratar-se
da questão urbana e metropolitana.
Na perspectiva dos militares, a criação das regiões metropolitanas era um passo
fundamental para a estratégia nacional de desenvolvimento econômico, visto que as
metrópoles concentravam os mercados de trabalho e de consumo necessários para a
continuidade do processo de industrialização. No texto constitucional de 1967, o artigo
164, do qual faz parte o inciso das regiões metropolitanas, trata dos objetivos do Estado
na regulação da ordem econômica nacional. Conceitualmente, a criação de regiões
metropolitanas pela União obedeceria a dois princípios genéricos: a existência
comprovada de uma unidade socioeconômica e a consequente necessidade de realização
de serviços comuns. Assim diz o texto constitucional:

Art. 164 § 10 – A União, mediante lei complementar, poderá


estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por municípios que,
independentemente de sua vinculação administrativa, integrem a
mesma comunidade socioeconômica, visando à realização de serviços
de interesse comum.

O texto, como se vê, era extremamente genérico, já que deixava em aberto os


critérios para considerar um determinado contexto urbano uma “comunidade
socioeconômica”, assim como não dizia quais seriam os “serviços de interesse comum”.
Além disso, a nova constituição intervinha no pacto federativo praticado no Brasil ao
submeter os municípios, juridicamente autônomos, à esfera metropolitana.
Para Eros Grau (1974), o inciso constitucional seria um passo necessário para a
urgente criação de regiões metropolitanas no país. O Brasil já estava atrasado nessa
discussão, já que o intenso crescimento metropolitano das décadas anteriores criara um
76
Apesar disso, não se deve esquecer que no Brasil já houve experiências de intervenção urbana que se
destinavam a racionalizar e modernizar certas cidades, como a Reforma Pereira Passos no Rio de Janeiro
e a criação de cidades planejadas, como Belo Horizonte, Goiânia e Brasília.
232

quadro concreto com que o arcabouço jurídico e institucional do Estado brasileiro não
possuía instrumentos para lidar.
O fenômeno metropolitano impunha incontornáveis necessidades de políticas
governamentais cuja jurisdição superava as barreiras municipais, demandando
articulações intermunicipais de caráter regional. Apesar de já existir exemplos de
experiências internacionais de políticas metropolitanas, no Brasil havia certas
dificuldades para sua implementação devido à peculiar autonomia garantida por lei aos
municípios brasileiros, que apesar de limitada, colocava sob sua responsabilidade certas
questões de natureza local.
Haveria, então, possíveis resistências políticas à implementação das regiões
metropolitanas sem antes criar um arcabouço jurídico impositivo às instâncias locais e,
ao mesmo tempo, não ferir as autonomias municipais. Apesar de a Constituição de 1967
garantir aos municípios administrar questões de peculiar interesse, Eros Grau afirma que
o direito positivo nacional não discriminava explicitamente quais eram os interesses
especificamente municipais, que eram determinados pelo sua abrangência espacial, ou
seja, era atribuída aos municípios a gestão das questões locais, circunscritas aos limites
municipais.
No caso de haver demandas que, mesmo sendo administradas pelas prefeituras,
tinham um raio de abrangência para além desses limites, não havia no Direito brasileiro
nenhum impedimento à adoção de soluções regionais para as políticas governamentais,
o que incluiria, evidentemente, o fenômeno metropolitano.
Entretanto, dada sua centralidade para a economia nacional, não se poderia
deixar a questão metropolitana entregue à adesão voluntária dos municípios. Ao
contrário, seria necessário criar uma obrigação formal aos municípios de integrarem-se
no caso de haver alguma questão de interesse especificamente metropolitano, que
contemplaria todos aqueles serviços que só tivessem coerência quando executados
segundo a escala metropolitana.
Daí que segundo o inciso constitucional, se a União decidiu criar uma dada
região metropolitana por meio de lei complementar, não haveria opção às
municipalidades senão articular-se segundo um planejamento global, quando a
resolução de uma determinada questão fugisse aos limites meramente municipais. Nos
casos em que a demanda continuasse circunscrita à esfera local, estaria mantida a
autonomia municipal. O que definiria os contornos, portanto, seria a escala de
abrangência das políticas governamentais.
233

Outra implicação apontada por Eros Grau (1974) era que, com a criação de uma
região metropolitana e a definição das questões de interesse metropolitano, seria
necessária a criação de arranjos institucionais para planejar, coordenar e, eventualmente,
executar a política metropolitana.
Aliás, os principais problemas em termos de administração metropolitana
existentes até então eram derivados de um conjunto de ausências institucionais no
aparato estatal brasileiro: (1) não havia uma instância decisória ao nível metropolitano;
(2) não havia sistemas de coordenação e comunicação entre os diversos órgãos
governamentais e entre as instâncias administrativas (União, estados e municípios); (3)
não existiam centros especializados na produção de rigoroso conhecimento sobre a
realidade metropolitana.
De acordo com Grau (1974), não haveria também impedimento para a criação de
autarquias dedicadas a essas funções, o que não configuraria, no entanto, um quarto
poder, abaixo dos estados e superior aos municípios. A essas entidades, vinculadas aos
estados, seriam delegadas as funções metropolitanas, respeitando o princípio da
autonomia municipal no que se refere aos serviços e interesses locais.
Conforme explícito no próprio texto constitucional, o inciso sobre as regiões
metropolitanas inseria de modo genérico e conciso a questão metropolitana como
matéria de interesse público. Para avançar a partir dali, seria necessária a elaboração de
legislação complementar, definindo as regiões metropolitanas a serem criadas e os
serviços comuns considerados de interesse metropolitano.
Apesar da expectativa criada pelo texto constitucional e de alguns movimentos
no sentido de estruturar projetos de criação de regiões metropolitanas tanto nas esferas
estaduais, quanto no legislativo federal, a incumbência da ação era da Presidência da
República, que deixou a matéria em suspenso até o ano de 1973, quando finalmente foi
publicada a Lei Complementar no 14 de 8 de junho daquele ano.
A LC no 14/73 além de criar oficialmente as oito primeiras regiões
metropolitanas brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife,
Curitiba, Fortaleza e Belém), estabeleceu o modelo de administração e os serviços de
interesse metropolitano. Na opinião de Eros Grau (1974), além de ter sido elaborada
monocraticamente pelo executivo federal, sem participação dos estados atingidos, a LC
no 14/73 fez tábula rasa do conceito de interesse metropolitano ao generalizá-lo sem
considerar as especificidades de cada região metropolitana.
234

Para Grau (1974) a lei complementar deveria conceder flexibilidade na definição


do que seria o interesse metropolitano para cada caso, já que as demandas eram bastante
distintas entre as grandes cidades brasileiras.
A LC no 14/73 determinava que o passo seguinte à sua publicação, criando
oficialmente as oito regiões metropolitanas, seria que os estados criassem por meio de
lei estadual as duas instâncias básicas de administração da gestão metropolitana, o
Conselho Deliberativo e o Conselho Consultivo. Apesar de “delegar” sua criação à
legislação própria dos estados, a LC no 14/73 de fato já o faz, cabendo aos estados tão
somente oficializar o que já fora estabelecido pela União e manter a estrutura com
recursos próprios.
O Conselho Deliberativo deveria ser o centro decisório da política
metropolitana, sendo formado, obrigatoriamente, por cinco membros nomeados pelos
governadores, dos quais um seria nomeado a partir de uma lista tríplice indicada pelo
prefeito da capital e, outro, indicado pelos demais municípios metropolitanos. A lei
sugeria que tais pessoas fossem nomeadas segundo princípios de capacitação técnica e
administrativa.
A atribuição do Conselho Deliberativo seria a de promover, coordenar e
executar a elaboração do plano integrado da região metropolitana e dos serviços
comuns. A efetivação de suas competências poderia se dar através da criação de
entidade estadual, de empresa de âmbito metropolitano ou por meio de convênios, desde
que respeitado o princípio da unificação da gestão dos serviços comuns.
Já o Conselho Consultivo seria composto por representação de cada município
metropolitano, todos liderados pelo presidente do Conselho Deliberativo. Suas funções
seriam a de opinar sobre questões de interesse metropolitano e a de sugerir medidas
sobre os serviços comuns e a elaboração dos planos regionais. Ponto importante, a
consulta se daria sempre quando do interesse do Conselho Deliberativo, não havendo
nenhuma obrigação expressa na LC no 14/73 de realização de consultas ordinárias.
O outro ponto fundamental da LC no 14/73 foi a determinação dos serviços
comuns de interesse metropolitano que deveriam ser aplicados, sem exceção, a todas as
regiões metropolitanas criadas. São eles: a elaboração de um planejamento integrado do
desenvolvimento econômico e social; o saneamento básico, incluindo os serviços de
abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto e todas as atividades de limpeza
pública; o uso do solo metropolitano; a produção e a distribuição de gás combustível
canalizado; o aproveitamento dos recursos hídricos e o controle da poluição ambiental,
235

segundo a legislação federal; e outros serviços que sejam julgados da alçada do


Conselho Deliberativo por lei federal.
Por fim, a LC no 14/73 tenta resolver a querela entre a garantia constitucional da
autonomia municipal e a definição da nova escala de ação governamental em nível
metropolitano ao vincular a prioridade no repasse de recursos federais e estaduais
àqueles municípios metropolitanos que participarem da execução do planejamento
integrado e dos serviços comuns.
Como se verá no caso da RMRJ, a disponibilidade de recursos nas mãos das
entidades metropolitanas foi seu principal fator de empoderamento frente aos
municípios que, com o pires na mão, encontravam na política metropolitana a
possibilidade de obtenção de recursos que eram escassos em nível municipal.
Além de sancionar a LC no 14/73, após a posse de Ernesto Geisel o Governo
Federal colocou a efetivação das regiões metropolitanas como uma das bases para a
implantação de uma moderna economia industrial no país. Tal projeto, que era o
desiderato último do II PND, se consubstanciaria pela permanente adaptação
tecnológica da indústria, pelo incentivo ao desenvolvimento de tecnologias de ponta e
pela constituição de conglomerados industriais exportadores de produtos de alto valor
agregado.
Subentende-se no texto do II PND que, ao colocar a implantação efetiva das
regiões metropolitanas criadas como parte do projeto de modernização econômica, o
Governo Federal as considerava como os polos onde a estratégia se daria, irradiando a
modernização pelos mecanismos de polarização.
Além disso, como já se abordou alhures, a política destinada às regiões
metropolitanas estaria submetida ao projeto geopolítico que orientava o II PND, cuja
pretensão era reestruturar o padrão espacial da economia nacional, desconcentrando o
sistema urbano em relação a São Paulo e Rio de Janeiro, e constituir uma nova divisão
territorial do trabalho.
Nesses termos, visava-se ao estabelecimento de novas funções às outras
metrópoles regionais, estimulando, inclusive, sua expansão ordenada pelo Estado, junto
com o fortalecimento das cidades de médio porte. A regiões metropolitanas do Rio de
Janeiro e de São Paulo, por outro lado, a intenção era fazer um controle mais estrito do
crescimento populacional de modo a reequilibrar seus tamanhos frente ao restante do
sistema urbano.
236

Durante o Governo Geisel implantou-se, ainda, um arranjo institucional federal


que apoiaria a implementação da política urbana e metropolitana. Criou-se a Comissão
Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU), que orientaria e
acompanharia a implantação dos dois órgãos de comando das regiões metropolitanas (os
Conselhos Deliberativo e Consultivo), e centralizaria na esfera federal a estrutura
urbana e as funções do sistema urbano em cada região do país. Adicionalmente, a
CNPU estabeleceria as diretrizes para a utilização dos fundos federais destinados ao
desenvolvimento urbano.
Dentre eles, destaca-se o Fundo Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Urbano
(FNDU), criado pela Lei 6256 de 22 de outubro de 1975, cuja finalidade era o apoio
financeiro a atividades de melhoria da infraestrutura urbana e dos equipamentos sociais,
assim como aos projetos prioritários desenvolvidos em consonância com a política
nacional de desenvolvimento urbano do II PND.
O fundo seria sustentado tanto pelo orçamento da União quanto por operações
de crédito interno e externo. Outras fontes também foram importantes para o
financiamento das regiões metropolitanas, como as carteiras setoriais da habitação
(BNH, Caixa Econômica Federal) e do Fundo de Desenvolvimento de Transportes
Urbanos, uma subconta do FNDU.
Apesar do esforço federal em instituir uma política urbana nacional, o projeto
teve vida curta em virtude tanto de contradições internas ao arranjo institucional criado
quanto pelo quadro de crise econômica a partir de fins da década de 1970. Segundo
Cintra (1978) houve conflitos desde o início sobre as atribuições que cada órgão teria na
condução da política urbana.
No nível ministerial, a política urbana foi fragmentada entre os Ministérios da
Fazenda, do Planejamento e do Interior. A SERFHAU, por exemplo, ficou submetida ao
Ministério do Planejamento e o BNH, por outro lado, era ligado ao Ministério da
Fazenda. Em tese, os investimentos do BNH deveriam ser subordinados à política
global desenvolvida pela SERFHAU, porém isto na prática não ocorreu.
A gestão do BNH tinha como referência a visão empresarial, ou seja, cada
unidade monetária colocada nos financiamentos da habitação deveria render o maior
retorno possível ao banco. Assim, a subordinação da carteira de investimentos do BNH
a um tipo de planejamento cuja lógica era distinta da empresarial, como ocorria com a
237

SERFHAU, seria contrária à filosofia que se implantou no BNH, que preferia ações
setoriais77.
O mesmo ocorreria depois com a criação do CNPU, que, apesar de ter possuído
um status superior ao da SERFHAU em virtude de sua criação ter sido associada à
criação em conjunto com os sistemas de planejamento das regiões metropolitanas e do
FNDU, tinha um porte de recursos significativamente menor do que outros órgãos
setoriais.
O relato de Souza (1999) testemunha que na própria cúpula de especialistas que
se debruçaram sobre a elaboração das diretrizes gerais do Plano Nacional de
Desenvolvimento Urbano havia uma clara cisão entre aqueles que tentavam pensar as
cidades segundo uma visão de conjunto, e os que adotavam uma abordagem setorialista
das políticas públicas.
Segundo Souza, isso se manifestou no próprio II PND, que se contradizia entre a
estratégia geral e a política urbana. A primeira, condizente com o pensamento do
geopolítico do regime, o general Golbery do Couto e Silva, objetivava consolidar uma
moderna economia industrial nucleada no Centro-Sul, enquanto a política urbana
desenhava uma estratégia de redução das desigualdades inter-regionais através de
políticas que visavam a dinamizar cada área do território nacional em específico por
meio da rede urbana.
Como era de se esperar, a cisão que se verificava nas instâncias federais, entre o
ponto de vista setorial e o ponto de vista integrador, se reproduziu nos sistemas de
planejamento urbano e regional dos estados, em particular nas entidades que foram
criadas para o exercício do planejamento metropolitano. E em diversos momentos, era o
setorialismo federal que demandava as políticas a serem implementadas enquanto
políticas metropolitanas; em outros momentos, os órgãos setoriais passavam ao largo
dos sistemas de planejamento urbano e regional dos estados, implantando de modo
isolado seus investimentos sobre os territórios metropolitanos.

77
A filosofia empresarial do BNH se manifestou também na mudança de perfil socioeconômico dos
financiamentos, que passou a se endereçar cada vez menos aos conjuntos de baixa renda e a se destinar
para a classe média.
238

5.3- A criação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a estruturação de


seu sistema de planejamento

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro, apesar de ser a segunda mais


populosa do país e, na década de 1970, ainda rivalizar com São Paulo quanto à
proeminência nacional em alguns setores econômicos, como o da gestão empresarial e o
da intermediação financeira, foi oficializada pelo Governo Federal tardiamente, por
meio da Lei Complementar no 20 de 1o de julho de 1974, mais de um ano após as
demais regiões metropolitanas.
A exclusão do Rio de Janeiro da LC 14/73 já indicava que o Governo Federal
iria intervir de modo especial na região, ou criando uma inovação federativa devido ao
aspecto sui generis da RMRJ, dividida entre os estados da Guanabara e do Rio de
Janeiro, ou proclamando a fusão dos dois estados, como ocorreu com a LC 20/74. O
regime de exceção dificultava a previsão do que seria decidido, já que a Presidência da
República não permitia o diálogo sobre seus projetos políticos.
A tese de Eros Grau (1974), sobre a jurisdição da administração metropolitana, a
considerava de incumbência estadual. Porém, quanto ao caso da RMRJ, o jurista
defendia que, por se tratar de uma área metropolitana interestadual, competiria à União
conduzir e dirigir a implementação do sistema de planejamento metropolitano, abrindo a
possibilidade da criação de órgão federal para tal função. Terminando sua tese ainda em
1973, Eros Grau não previa que Geisel, ao assumir a Presidência da República,
assumiria o arriscado projeto da fusão dos dois estados.
Conforme se viu no capítulo 3, a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de
Janeiro fundamentava-se, no essencial, na suposição de que um só estado conjugaria as
potencialidades dos dois, e daria maior racionalidade à ação do governo no
enfrentamento de seus problemas, muitos deles advindos, acreditava-se, da própria cisão
institucional.
Assim, a fusão permitiria a consolidação da área geoeconômica do Rio de
Janeiro, integrando a capital com seu entorno, tanto na escala estadual quanto na escala
metropolitana. Na exposição de motivos 113-B de 1974, ao contrário do que propunha
Eros Grau no tocante à RMRJ, o texto asseverava que era impossível o estabelecimento
de uma região metropolitana de caráter interestadual.
239

(...) a Região Metropolitana do Grande Rio tornar-se-á viável, o que


poderá modificar drasticamente a situação da infra-estrutura de
serviços básicos do segundo maior conglomerado urbano do País. O
fato de estar compreendido em dois Estados significou, na prática, a
exclusão do Grande Rio da Lei Complementar no 14 de 8 de junho de
1973, que estabeleceu no País oito regiões metropolitanas. É que no
modelo adotado, a ação executiva nas regiões metropolitanas cabe
principalmente aos Estados, ficando a União na função de supervisão
e de apoio financeiro e técnico. A dificuldade de definir o esquema de
direção de uma região em que dois Estados se colocam em pé de
igualdade frustrou, então e até agora, os esforços de formulação da
legislação correspondente. (EM 113-B/1974, in REVISTA DE
DIREITO DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO, p. 97)

Na LC 20/74 é criada, assim, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, formada


pelos seguintes municípios: Rio de Janeiro, Niterói, Duque de Caxias, Itaboraí, Itaguaí,
Magé, Maricá, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, São Gonçalo, São João
de Meriti e Mangaratiba.
Aplicaram-se à nova região metropolitana as mesmas regras da LC 14/73, quais
sejam: a criação dos Conselhos Deliberativo e Consultivo, com suas respectivas
atribuições; a definição dos serviços comuns a serem executados pela política
metropolitana; a vinculação da participação dos municípios na execução do
planejamento integrado e dos serviços comuns à preferência na obtenção de recursos de
origem federal.
A lei criou, ainda, o Fundo Contábil da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(FCRM), gerido pelo Conselho Deliberativo para financiar a política metropolitana. A
provisão de recursos para o FCRM seria garantida pela dotação orçamentária e
extraorçamentária destinada pelo Governo Federal, segundo apresentação de
planejamento adequado; pela operação de crédito interna e externa do Governo do
Estado; por parcelas do Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM), que seriam
destinados aos serviços comuns; e outras fontes inespecíficas de origem interna e
externa que eventualmente fossem obtidas pelo Governo do Estado.
Entre a publicação da LC 20/74 e a posse do governador Faria Lima, em 15 de
março de 1975, os grupos de trabalho da fusão elaboraram a legislação que fundava o
arranjo institucional da RMRJ, de modo que no dia da posse de Faria Lima, foram
publicados os decretos no 13 e no 15, o primeiro criando os Conselhos Deliberativo e
Consultivo e o segundo dispondo sobre suas competências e atribuições; e os decretos
no 14 e no 18, da mesma forma, criando a FUNDREM e dispondo o seu estatuto.
240

Já em 22 de julho de 1975, por meio do decreto-lei no 263, o governador Faria


Lima dispõe sobre o FCRM. A publicação desses decretos no mesmo dia da posse do
governo (com a exceção do decreto-lei 263/75) teve como objetivo a constituição de
uma legislação básica78 integrada e autorreferente, ou seja, cada decreto publicado
criava uma demanda institucional que era atendida por outro decreto publicado em
concomitância.
O decreto no 13 oficializava o que foi disposto na LC 14/73 a respeito dos
Conselhos Deliberativo e Consultivo. Em sua maior parte, o texto reproduz o que afirma
a legislação federal no que diz respeito à composição de membros e as atribuições
gerais dos conselhos. Além disso, insere artigos próprios referentes ao papel da
FUNDREM na composição do Conselho Deliberativo e na coordenação e na execução
dos serviços de interesse metropolitano.
No parágrafo 2o, que ratifica a constituição dos cinco membros do Conselho
Deliberativo, foi incluído um inciso que vincula ao Presidente da FUNDREM a função
de Secretário-Geral, tornando-o membro nato do conselho. No âmbito das competências
do Conselho Deliberativo, foi estabelecido que as deliberações desse cargo com relação
aos serviços de interesse metropolitano fossem sempre instruídas pelo parecer técnico
da FUNDREM, de modo a garantir a fundamentação das decisões políticas segundo os
elementos técnicos produzidos pela autarquia.
O decreto no 15 trata de especificar as competências dos Conselhos Deliberativo
e Consultivo, também em grande parte seguindo o estabelecido pela legislação federal.
Em adição, no que compete à função do Conselho Deliberativo coordenar e executar o
plano integrado de desenvolvimento da região metropolitana, estabeleceu-se em sua
elaboração a estreita articulação com os planos nacionais e estaduais de
desenvolvimento, que, como visto, foram consubstanciados no I PLAN RIO ao
desiderato de consolidação da RMRJ como segundo polo de desenvolvimento
brasileiro, de acordo com as diretrizes emanadas pelo II PND.
Ademais, caberia ao Conselho Deliberativo compatibilizar os planos locais em
execução, ou ainda em fase de elaboração, ao plano integrado de desenvolvimento da

78
Publicaram-se, nesse ínterim, outros decretos tratando da legislação metropolitana, como o decreto n o
16 de 15 de março de 2015, que tratava do regimento interno do Conselho Deliberativo e o decreto n o 46
de 11 de abril de 1975, referente ao regimento interno do Conselho Consultivo. As matérias desses
decretos destinavam-se a ordenar o modelo de trabalho dos conselhos.
241

região metropolitana, tornando-os destinos preferenciais dos repasses federais, como


rezava a legislação das regiões metropolitanas.
Por meio do decreto-lei no 14 de 15 de março de 1975, foi autorizado ao poder
executivo instituir, com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, a
FUNDREM, que ficaria sob supervisão da Secretaria de Planejamento e Coordenação
Geral da Governadoria do Estado. Por meio desse decreto, autorizou-se, ainda, o aporte
de recursos (Cr$ 24 milhões) para a SECPLAN implantar a estrutura básica da nova
autarquia. No decreto no 18 de 15 de março de 1975, foram definidas as competências e
atribuições da FUNDREM, por meio do seu estatuto. O decreto estabelece, assim, os
aspectos institucionais, patrimoniais, organizacionais e financeiros que dariam
concretude à autarquia.
A FUNDREM, segundo seu estatuto, teria por finalidade principal coordenar a
execução dos serviços comuns e assessorar tecnicamente a política metropolitana.
Especificamente, a FUNDREM executaria tarefas relacionadas à elaboração e à
atualização do plano integrado de desenvolvimento da região metropolitana à
programação e à execução dos serviços comuns, assim como à coordenação da
execução de outros serviços de interesse metropolitano que lhe fossem delegadas pelo
Conselho Deliberativo.
Quando autorizada por esse, a FUNDREM poderia também coordenar a
execução de outros serviços que atendessem a interesses específicos dos municípios
metropolitanos. Teria, ainda, importante autoridade técnica, que, além de dar
assessoramento e apoio aos Conselhos Deliberativo e Consultivo, deveria também dar
suporte ao planejamento urbano dos municípios metropolitanos, realizar estudos e
pesquisas sobre a região metropolitana e atuar na formação de recursos humanos, tanto
para o estado quanto para os municípios. Por fim, poderia manter convênios com
diversos órgãos municipais, estaduais, federais e mesmo internacionais, em assuntos de
interesse para a região metropolitana e também para a execução das atividades sob sua
responsabilidade.
Sua estrutura organizacional básica seria composta por quatro grandes setores: a
presidência geral, a superintendência, a diretoria de planejamento e a diretoria de
controle e análise. Outras unidades técnicas e administrativas poderiam ser criadas no
futuro, quando da elaboração do regimento interno da FUNDREM.
Em termos patrimoniais e financeiros, a Fundação teria patrimônio próprio
cedido pelo Governo do Estado e contaria com dotações orçamentárias e
242

extraorçamentárias designadas pelo estado e pelos municípios da região metropolitana.


Poderia, também, receber doações de pessoas jurídicas de direito público ou privado e
receber rendas eventuais provenientes de suas prestações de serviços. E o mais
importante: contaria com recursos transferidos pelo Conselho Deliberativo para a
execução de suas tarefas no planejamento metropolitano.
Esses recursos foram garantidos pelo FCRM, e deveriam ser justificados por
proposta orçamentária contemplando planos de trabalhos e acompanhada de prestações
de contas anuais e de relatórios descritivos das atividades desenvolvidas pela
FUNDREM ao longo dos respectivos exercícios orçamentários.
Segundo o decreto-lei no 263 de 22 de julho de 1975, a FUNDREM seria a
detentora do direito de aplicação dos recursos reunidos pelo FCRM. Segundo o decreto,
o fundo seria constituído por recursos de natureza orçamentária e extraorçamentária que
fossem transferidos pelo Governo Federal, mediante a apresentação de planejamento
adequado; por operações de crédito internas e externas; por parcelas de recursos
transferidos pelo ICM, segundo previsto no artigo 24 da LC 20/74 79; e por outras
eventuais fontes internas e externas.
Apesar de toda a aplicação dos recursos do FCRM ter que passar pelo crivo do
Conselho Deliberativo, assim como sua gestão financeira precisa ficar a cargo da
Superintendência do Tesouro Estadual da Secretaria de Fazenda, a legislação deixa bem
claro que pertencia à FUNDREM a responsabilidade operacional do uso dos recursos.
Caberia à FUNDREM elaborar o planejamento que justificasse a dotação orçamentária
para o FCRM, inclusive no tocante aos recursos federais, assim como somente essa
Fundação poderia pleitear, segundo a programação de seu planejamento, o resgate dos
recursos na conta do Tesouro Estadual. Por fim, também ficaria com a FUNDREM o
registro contábil do FCRM (identificando os ativos e os passivos) e a prestação de
contas do uso dos recursos.
Observa-se portanto que, pela legislação criada, a política metropolitana no ERJ
seria executada a partir do trinômio Conselho Deliberativo e Consultivo- FUNDREM -

79
Assim diz o artigo 24: “Sem prejuízo dos recursos de natureza tributária a que terá direito o Município
do Rio de Janeiro, neles se incluindo a participação da receita do ICM, o novo Estado aplicará,
obrigatoriamente, no referido Município, inclusive para atender ao pagamento de obrigações e encargos
relativos àquela área, os seguintes percentuais do ICM ali efetivamente arrecadados e pertencentes ao
Estado: 1975 – 100%; 1976 – 90%; 1977 – 80%; 1978 – 70%.” Ou seja, parte dos recursos do ICM
arrecadados no município do Rio seriam paulatinamente destinados ao FCRM.
243

FCRM80. Entretanto, toda a parte operacional da política metropolitana ficou centrada


na FUNDREM, já que a coordenação da execução dos serviços comuns, o
assessoramento ao Conselho Deliberativo, a produção técnica que levantaria quais as
ações necessárias ao interesse metropolitano e a gestão dos recursos para o fundo
contábil ficaram nas mãos da fundação.
Pode-se dizer que, a partir dali, a trajetória da questão metropolitana no ERJ
ficou soldada ao próprio desenvolvimento da entidade. Enquanto foi dado poder
financeiro e político à FUNDREM houve o esboço de uma política metropolitana no
Rio de Janeiro para o bem e para o mal. Quando esses poderes foram sendo negados à
FUNDREM, na prática negou-se a esfera metropolitana como escala da ação
governamental.
Mesmo com a criação de Secretarias de Estado destinadas à questão
metropolitana (SECDREM e SEDUR), o enfraquecimento da FUNDREM trouxe de
volta à RMRJ a conhecida fragmentação e a superposição das políticas públicas.

5.4- A vida e a morte da questão regional fluminense através da trajetória


institucional da FUNDREM

Antes de iniciar o estudo da trajetória da FUNDREM, faz-se necessário retomar


a análise de como a realidade da metropolização do Rio de Janeiro se impôs como uma
questão incontornável que exigia uma resposta institucional à cisão dos estados da
Guanabara e do Rio de Janeiro. O que se observa a partir dos debates da época e mesmo
atualmente, é que a questão metropolitana, apesar de irresoluta e desprestigiada na
agenda governamental ao longo dos últimos 30 anos, foi o fato que tornou obsoleta a
manutenção das fronteiras entre a cidade do Rio de Janeiro e seu entorno.

80
Uma ressalva deve ser feita em relação ao Conselho Consultivo, que conforme a própria legislação
analisada não teria maiores poderes do que propor medidas e demandar ações. Tratava-se, portanto, de
uma legislação centralizadora que levava a algumas implicações negativas para a administração
metropolitana. Em primeiro lugar, impunha aos municípios metropolitanos (com a exceção do município
do Rio de Janeiro) uma posição de fragilidade, principalmente diante da situação de quase inanição
orçamentária de parte deles. Em segundo lugar, acabou contribuindo para que a vinculação municipal ao
planejamento metropolitano fosse pautada por instrumentos de força política (lembrando que se tratava de
uma conjuntura autoritária) e de cooptação econômica, por meio das maiores facilidades de obtenção de
recursos. Quando esses dois instrumentos perderam sua força pelo processo de abertura política e pela
crise econômica, iniciou-se a derrocada do projeto da administração metropolitana.
244

Mesmo em análises cujo horizonte de reflexão não era a metrópole, como foi o
caso dos relatórios sobre a fusão patrocinados pela FIEGA e pela CIRJ (1969), a
conurbação metropolitana subjaz como causador das dificuldades que estariam
provocando o esvaziamento econômico da Guanabara, afinal, segmentos cada vez
maiores da indústria que atendia ao mercado carioca estavam se localizando na Baixada
Fluminense. Na própria LC no 20 de 1974 se deixava bem claro que a criação da região
metropolitana era a mais urgente das demandas que a fusão teria que atender.
Mesmo opositores notórios da fusão e entusiastas da recriação do Estado da
Guanabara, como é o caso do ex-prefeito do município do Rio de Janeiro, Israel
Klabin81, são taxativos em afirmar que a questão metropolitana é a principal barreira a
um eventual projeto de desfusão.

Hoje, o principal obstáculo à desfusão são os municípios que existem


em volta e que se fundiram funcionalmente com o Rio de Janeiro,
tornando fluidos os limites que antes eram claros e definidos. Hoje
existe uma dependência entre cidades-dormitório, áreas de serviço,
tipo porto de Sepetiba, há a inclusão dentro da cidade de áreas de
miséria maiores do que há 20 anos; enfim, hoje o problema é muito
mais complexo. Ainda seria possível (a desfusão), mas teríamos que
fazer um estudo muito profundo sobre a realidade metropolitana e não
mais da Guanabara, apenas. (KLABIN in MOTTA e SARMENTO,
2001, p. 205 e 206)

A interpretação de Klabin, no entanto, é ambígua, pois parece dizer que na


década de 1970 esse limite era claro, o que não confere com os relatos da época e com o
que os dados demográficos comprovam. A integração funcional metropolitana e as
interdependências advindas desse fato já estavam plenamente consolidadas. Mas é
muito significativo que se reconheça que, caso a desfusão ocorresse, como gostaria
Klabin, aquele limite territorial não seria mais possível.
Após a criação das oito regiões metropolitanas em 1973, ficando o caso do Rio
de Janeiro em suspenso, tornou-se muito claro que alguma solução institucional deveria
ser criada. Havia a proposta de Eros Grau (1974) de que o Governo Federal assumisse
as rédeas do processo, articulando e integrando as duas unidades federativas, como aliás
já estava sendo encaminhado por meio do GERMET – Grupo de Estudos da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro – que era de origem federal. E havia, evidentemente, a
81
Israel Klabin foi o prefeito do Rio nomeado por Chagas Freitas, ocupando o cargo entre 1979 e 1980.
Pediu sua exoneração justamente por discordar da fusão e considerá-la a principal causa das dificuldades
do município.
245

possibilidade da fusão, que como já se discutiu anteriormente, já fazia parte do debate


em torno das possibilidades dos dois estados.
De qualquer maneira, a institucionalização da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro segundo os marcos da legislação de 1973 não se daria sem os conflitos
federativos que estavam presentes nas outras regiões metropolitanas, mas que seriam
bastante agudizados pela peculiar situação institucional do Rio de Janeiro.
Nos outros estados, a principal questão era a respeito da autonomia municipal.
No Rio, a contradição envolvia necessariamente a autonomia estadual frente ao
Governo Federal. Mesmo que não se fizesse a fusão e a proposta pensada por Eros
Grau82 fosse a adotada, possivelmente sofreria enormes oposições, principalmente do
Estado da Guanabara. Isso porque, como demonstra o trabalho de Motta (2001), a
autonomia em relação ao Governo Federal sempre foi um tema sensível no campo
político carioca. Principalmente porque, após a inauguração de Brasília, os governos do
Estado da Guanabara procuraram reforçar seu insulamento, na tentativa de perpetuar a
centralidade política da antiga capital federal.
Ainda que possuíssem projetos políticos distintos, tanto Lacerda quanto Negrão
de Lima promoveram enormes investimentos públicos na cidade, com vistas a
reproduzir o status de caixa de ressonância e “capital de fato” do Brasil. Essa época foi
demarcada pela excelência dos quadros governamentais, que eram exaltados como
dentre os mais qualificados do país, assim como a capacidade do governo em executar
seus planos urbanísticos.
Porém, mesmo quando Chagas Freitas tentou desconstruir esse projeto de fazer
do Estado da Guanabara uma unidade diferenciada da federação e promoveu sua
estadualização (como outro estado qualquer), não se rompeu com esse horizonte
autocentrado da Guanabara, neste caso, não mais alimentando o aspecto nacional da
cultura política carioca, mas por meio das relações paroquiais do chaguismo.
Com efeito, apesar de a questão metropolitana ganhar cada vez mais força no
debate público e se tornar política governamental na esfera federal, do ponto de vista
político a tendência era deixar as coisas como estavam. Ainda que houvesse na própria
burocracia dos dois estados quadros interessados em compreender os fenômenos de

82
Não se está dizendo que o jurista fosse uma voz ativa no debate sobre os destinos da RMRJ e que a
proposta mencionada fosse originalmente sua. Apropriou-se da análise de Eros Grau sobre a questão
como uma possível alternativa viável à fusão.
246

integração funcional entre a Guanabara e o ERJ, a fronteira institucional funcionava


como uma barreira à curiosidade de muitos técnicos cariocas e fluminenses.

No estado essa questão do planejamento regional teve alguns


momentos, principalmente durante o governo da fusão, a partir de
1975. Quando trabalhei pelo Estado da Guanabara eu já tinha a
preocupação pela região metropolitana, mas infelizmente não
podíamos atravessar as fronteiras para pesquisa e para trabalho.
Podíamos, é claro, atravessar, mas não para pesquisa e trabalho.
Então, meus trabalhos na época ficaram muito concentrados na
questão urbana dentro da cidade do Rio de Janeiro. (Entrevista 6)

Constituiu-se, assim, uma dicotomia na época da fusão e que se manifesta ainda


hoje quando o tema é debatido. Por um lado, tornava-se cada vez mais notória uma
realidade concreta que preocupava importantes segmentos sociais, principalmente
aqueles formados nas profissões ligadas ao planejamento urbano e regional, mas
também alguns políticos. Por outro lado, havia o campo político dos dois estados, que
apresentava muitas resistências devido às prováveis alterações na correlação de forças
caso uma intervenção fosse realizada83. Essa dicotomia se manifesta inclusive nas
palavras de defensores da tese da fusão, mas que possuem muitas questões à violência
política que o ato significou.

A fusão foi feita de uma forma absolutamente discricionária e


autoritária. Não se discutiu a fusão. Era um tema interessante para ser
discutido, mas ela foi decretada autoritariamente. Uma prova
eloquente dos mecanismos que caracterizam uma ditadura foi
justamente a fusão. Alterou-se a vida de duas unidades da federação
de uma forma brutal, sem ao menos consultar seus habitantes. Apesar
disso, eu, que fui político pelo antigo ERJ, apesar de ser carioca, vejo
que este estado tinha muitas desvantagens gigantescas em relação à
Guanabara. Criou-se esse bolsão de pobreza ao redor do Guanabara.
Municípios como Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti,
Nilópolis, e do outro lado da baía São Gonçalo e Niterói, tinham uma
população enorme, de milhões de pessoas, que trabalhavam na
Guanabara, geravam PIB e receita estadual, mas que moravam no
antigo ERJ, que ficava com a responsabilidade de atender à demanda
de moradia, saúde, transporte, educação etc., dessa população. Só que
o antigo ERJ não tinha os recursos para atendê-los, porque a receita

83
Esse conservadorismo das forças políticas quanto a uma possível fusão ou mesmo outra intervenção
federal não era, evidentemente, total. Ele se manifestou principalmente na Guanabara, já que era
dominado pelo partido oposicionista, o MDB, que receava ser deslocado autoritariamente do governo do
estado. A ARENA da Guanabara, por outro lado, sonhava com essa intervenção, com vistas de derrubar a
hegemonia emedebista. Tanto que o perfil “apolítico” de Faria Lima desagradou muito mais aos arenistas
do que os emedebistas do novo estado.
247

era gerada na Guanabara. Era uma distorção muito grande que foi
gerando essa gigantesca favela que é a Baixada Fluminense. Se não
fosse feita a fusão para corrigir isso, eu não sei em que situação
estariam os municípios da Baixada Fluminense. A fusão veio a
corrigir isso, na medida que a receita gerada por essa população da
Baixada veio a ser arrecadada pelo novo estado, possibilitando
redistribuir melhor a renda. Ou seja, essa receita poderia, assim, ser
aplicada na Baixada Fluminense e de fato foi aplicada lá ao longo do
tempo, de modo que a região melhorou substancialmente depois da
fusão de 1974. Ainda tem carências enormes, mas melhorou muito em
relação ao período anterior. Essa distorção tinha que ser, realmente,
corrigida, agora a forma como foi realizada, autoritariamente, que foi
errada. Apesar disso, sempre me coloquei a favor da tese da fusão.84

Ou seja, mesmo que o diagnóstico fosse correto e houvesse uma urgência no


encaminhamento de uma solução aos problemas territoriais gerados pela
metropolização, do ponto de vista político esse debate ainda não estava suficientemente
estabelecido. Por isso, tanto a fusão quanto seus desideratos nunca tiveram uma
organicidade política nos dois antigos estados, de modo que toda a trajetória
institucional de planejamento criada por meio do Governo Faria Lima foi condicionada
pelas assimetrias entre a racionalidade tecnocrática, pretensamente apolítica, e a
racionalidade dos campos políticos carioca e fluminense.
A contradição estrutural que acabou por inviabilizar precocemente a questão
regional fluminense na agenda governamental, com manifestações nos arranjos
institucionais de planejamento urbano e regional, é que eles se legitimaram por meio
dos diagnósticos e de critérios técnicos, dos quais a FUNDREM é o mais fiel
representante.
Por outro lado, tais arranjos procuraram manter um tenso distanciamento da
reflexão e do embate político. A consequência foi que quando o poder que sustentava a
racionalidade tecnocrática começou a perder força, tanto em nível federal quanto
estadual, as instituições ligadas à agenda da questão regional fluminense de um modo
geral, e da questão metropolitana, especificamente, sofreram com o esvaziamento e, por
fim, a extinção silenciosa. Essa é a conclusão que, antecipadamente, coloca-se nesta
análise sobre a FUNDREM: sua trajetória foi condicionada por essa tensão irresoluta
entre as duas racionalidades.

84
Saturnino Braga, senador do ERJ na época da fusão. Entrevista concedida em 30 de outubro de 2014.
248

5.4.1- A efêmera força da FUNDREM: controle sobre recursos escassos e o viés


tecnocrático durante o Governo Faria Lima

Foi sob o Governo Faria Lima que a FUNDREM conheceu sua fase de maior
atividade e prestígio. Ela era “a menina dos olhos tanto do secretário de planejamento
quanto do próprio governador, quanto do prefeito do Rio de Janeiro, que na época era o
Marcos Tamoyo (...) Ainda era uma época em que se acreditava, realmente, que o
crescimento do Estado do Rio de Janeiro em termos econômicos estava centrado na
região metropolitana”85.
Como já se demonstrou, tentou-se materializar institucionalmente o desiderato
da integração espacial das políticas setoriais do governo no âmbito metropolitano, como
foi predito no I PLAN RIO como método de intervenção governamental.
A força da FUNDREM durante essa primeira fase deveu-se a dois fatos: o
controle de um aporte não desprezível de recursos federais depositados no FCRM e a
legitimação do Governo Faria Lima por meio da eficiência tecnocrática. O
empoderamento da autarquia por meio desses dois fatos foi ainda mais realçado pelo
quadro geral de escassez que dominava os municípios metropolitanos, com exceção do
Município do Rio de Janeiro.
Segundo Gondim (1986), a FUNDREM dispunha de todos os instrumentos que
faltavam aos municípios, como os recursos para investir em infraestrutura, serviços
urbanos e planejamento, assim como poder político, garantido pelo Governo Federal,
para sobrepor-se às pressões dos grupos de interesses locais. Nessas condições, não era
difícil à FUNDREM e ao Governo Faria Lima colocar em prática o planejamento
impositivo, defendido por Eros Grau (1974) como uma alternativa à autonomia dos
municípios em seus próprios assuntos.
Segundo Gondim (1986) durante os quatro anos do Governo Faria Lima, o
FCRM e a FUNDREM comandaram uma quantidade de recursos maior do que a
maioria das secretarias de Estado, com exceção da de educação e da de obras públicas,
sendo ainda a quinta autarquia com maior disponibilidade financeira, atrás somente do
Metrô, do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), da Companhia Estadual de
Águas e Esgotos (CEDAE) e da Companhia Estadual de Habitação (CEHAB).
85
Entrevista 1. Esse testemunho fez parte de uma citação maior transcrita no capítulo 4 para apontar a
inconsistência institucional do planejamento da integração com o interior. Aqui realça-se o apreço da
FUNDREM entre as principais figuras do Governo da Fusão.
249

Nos dados que foram publicados nos relatórios de gestão do Tribunal de Contas
do Estado, os orçamentos do FCRM e da FUNDREM, juntos, chegaram a participar
com mais de 2,16% das despesas estaduais em 1977 e 1,53% em 1978. É importante
lembrar que esses eram recursos destinados especificamente à institucionalidade
metropolitana.
Além desses, a FUNDREM beneficiou-se também de recursos indiretos, que
eram ligados aos orçamentos de outros órgãos, mas que procuraram trabalhar nesses
anos iniciais em parceria com o planejamento da FUNDREM. Um ponto que deve ser
destacado é que a rubrica de desenvolvimento regional nada mais é do que a soma dos
recursos destinados ao Fundo Contábil e à FUNDREM, o que reflete que, como se
observou anteriormente, de fato a falta de uma institucionalidade análoga à FUNDREM
impediu a formulação, de um planejamento regional estadual que contemplasse as
outras regiões do ERJ. Para o Governo Faria Lima, o desenvolvimento regional ficou
restrito à região metropolitana.

Quadro 5: Despesas estaduais no sistema estadual de desenvolvimento regional


durante o Governo Faria Lima
1976 1977 1978
Despesa
Executada 16.500.921.269,55 24.884.127.275,33 33.596.020.303,39
FUNDREM 19.637.438,86 18.044.504,97 35.010.033,00
FCRM 104.781.553,00 519.363.503,80 480.204.179,57
Desenvolvimento
Regional 124.418.991,86 537.408.008,77 515.214.212,57
% FUNDREM 0,12% 0,07% 0,10%
% FCRM 0,64% 2,09% 1,43%
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (valores em Cr$)

O poder político é exercido através do controle de capitais (econômicos,


simbólicos, políticos) que são escassos ao conjunto do meio social em questão. Criado
no âmbito de um processo autoritário e polêmico de fusão, um órgão como a
FUNDREM, que intervinha no complexo jogo federativo brasileiro, precisaria possuir
em seu controle esse estoque de capital que fosse ausente dos municípios
metropolitanos. No caso do Rio, o poder da FUNDREM nos seus primeiros anos deveu-
se ao acesso a recursos do FCRM, enquanto os municípios metropolitanos possuíam
graves limitações orçamentárias em virtude, por um lado, da centralização tributária
realizada pelo Governo Federal e, por outro, pelas próprias fragilidades na organização
econômica desses municípios.
250

A FUNDREM tornou-se, nesse ínterim, uma fonte fundamental para


investimentos nos municípios metropolitanos, principalmente os da Baixada
Fluminense, capturados pela promessa dos incisos tanto da LC 14/1975 quanto da LC
20/1974, que garantiam acesso privilegiado a recursos federais, caso aderissem ao
planejamento realizado pelos órgãos metropolitanos. Nesse sentido, a carência
municipal, tendo em vista a centralização tributária de 1967, foi central para o exercício
do poder metropolitano.

Quando criaram a região metropolitana, eu tinha dúvidas sobre duas


regiões: a do Rio de Janeiro e a de São Paulo, devido ao poder
econômico dos polos. A de São Paulo era menos pior do que a do Rio
de Janeiro, porque tinha uma região metropolitana pesada, com muita
força econômica no ABC, que faz com que os prefeitos não tenham
tanta carência. A questão era o nível de carência e aqui no Rio todos
os municípios da região metropolitana, com exceção de Petrópolis,
eram muito carentes. (Entrevista 2)

Porém, segundo Gondim (1986), havia flutuações na correlação de forças, pois


os projetos da FUNDREM tinham que passar pelas prefeituras de um modo ou de outro.
Não era todo projeto que era aceito pelos prefeitos, havendo também resistências à
implantação dos planos diretores e do próprio macrozoneamento, que no fim virou um
mero documento de interesse acadêmico. Havia também os riscos da cooptação dos
técnicos da FUNDREM que mantinham contatos diretos com as prefeituras, que não
raro eram tratados como funcionários das mesmas.

Eu estava me tornando um membro do quadro local de funcionários e


eu não queria isso. Se você não tem diretriz, é absorvido... Você pode
se tornar um funcionário municipal, que não é comprometido com o
entorno do município e com a autoridade metropolitana. Se este se
torna distante, você perde a perspectiva metropolitana, porque não
pode falar sobre as diretrizes metropolitanas por sua própria conta.
Isto não é uma questão individual, mas deve ser definida pela
organização. (Apud GONDIM, 1986, p. 240 )

Apesar de esse estado de coisas ter sido mais característico a partir do Governo
de Chagas Freitas, Gondim (1986) afirma que já estava dado no Governo Faria Lima.
Durante esse período, constituiu-se uma tensão interna entre a ala dos planejadores
metropolitanos, ligados à direção da FUNDREM e considerados a elite da autarquia, e
os técnicos que tinham por incumbência fazer a mediação das demandas das prefeituras.
Tal tensão seria uma manifestação, na própria FUNDREM, daquela dicotomia que se
251

apontou anteriormente entre a legitimação tecnocrática que governou o projeto da fusão


e a esfera política, que foi preterida no processo.

A dificuldade era que a gente reconhecia que a FUNDREM era um


órgão técnico, mas ao mesmo tempo a gente acreditava que não existia
essa coisa de um órgão técnico pura e simplesmente. Afinal, a região
metropolitana era formada pelos municípios da Baixada, os
municípios do outro lado da baía de Guanabara. Então o Maurício
Nogueira86, que era um cara muito técnico, da área de planejamento, e
o pessoal da outra área, que eram os que faziam a mediação entre os
prefeitos, que faziam o que chamávamos na época de “picadinho”, que
atendiam às demandas específicas dos prefeitos e secretários das
prefeituras e do próprio estado, ficavam em choque permanente.
(Entrevista 1)

Era uma tensão que refletia, por um lado, as resistências das prefeituras que
enxergavam um flagrante atentado à autonomia municipal, e por outro lado dependiam
dos recursos de que a FUNDREM dispunha. A principal dificuldade se dava na relação
entre o Município do Rio de Janeiro, a FUNDREM e o próprio Governo Estadual. De
certa maneira, o Município do Rio de Janeiro era a principal dificuldade do projeto da
fusão, dado que perdera a antiga autonomia de cidade-estado e, ao mesmo tempo, apesar
dos pesares, possuía uma força econômica própria que lhe garantia relativa
independência do Governo Estadual e, principalmente, da FUNDREM.
A primeira crise entre o Município do Rio de Janeiro e a FUNDREM se deu
logo nos primeiros meses da fusão, entre o prefeito escolhido por Geisel, o carioca
Marcos Tamoyo, e o indicado para a presidência da FUNDREM, o paranaense Jayme
Lerner. Esse último havia sido preterido como prefeito do Rio de Janeiro em virtude da
proximidade de Tamoio com o ministro Golbery Couto e Silva.

Mesmo não tendo conseguido levar o Lerner para a prefeitura,


achávamos que continuava sendo importante a ideia de trazê-lo. A
tentativa de solução foi entregar a ele à FUNDREM, que iria nascer
em 15 de março de 1975. Foi um erro meu. A FUNDREM era pouco
para ele, pois era, mais que tudo, um órgão de planejamento regional e
urbano, de formulação e equacionamento de projetos, que não contaria
com recursos vultosos para administrar. Dependeria da estrutura
estadual e dos municípios do Grande Rio, inclusive o do Rio.
(...)
Ambos (o Marcos Tamoio e o Lerner) tinham uma visão muito
diferente, formação diferente, objetivos diferentes. O problema do uso
do solo, a questão dos gabaritos, as regras para ocupação de novas

86
Maurício Nogueira Batista, arquiteto, foi, entre outras coisas, diretor de planejamento da FUNDREM
durante o Governo Faria Lima.
252

áreas, em tudo o Lerner e sua equipe poderiam nos ajudar, respaldar,


tornar-se um contraponto importante, mas infelizmente não deu certo.
Tentamos durante algum tempo, acho que pouco mais de um mês.
Mas, no fundo de tudo, estava o seguinte: o perfil do Lerner era o de
prefeito do Rio de Janeiro. A FUNDREM era muito pequena para ele.
(RONALDO COSTA COUTO in MOTTA e SARMENTO, 2001,
p.118)

O conflito entre Jayme Lerner e Marcos Tamoio reflete mais do que intrigas
palacianas. Havia a enorme discrepância em termos de capacidade de atuação e mesmo
prestígio político, entre ser prefeito do Rio de Janeiro e presidente da FUNDREM.
Quando Ronaldo Costa Couto diz que a FUNDREM não contaria com recursos vultosos
para administrar, afirmação contrária ao discurso predominante, deve-se entender em
termos relativos, ou seja, em relação ao orçamento mais aquinhoado da prefeitura do
Rio de Janeiro.
Lerner, que fora prefeito de Curitiba e ganhara projeção devido à sua visão
urbanística aplicada à cidade, não teria na FUNDREM a mesma autonomia para
executar sua visão pessoal do planejamento, além de lidar principalmente com a
periferia metropolitana, onde a escassez e os “picadinhos” políticos imperavam.
Sob as mãos de Marcos Tamoio configurou-se um clima de enfrentamento que
superou as querelas com Jayme Lerner, atingindo o próprio governador Faria Lima e o
secretário de planejamento Ronaldo Costa Couto. Ainda segundo o relato desse último,
o prefeito do Rio de Janeiro, à vontade no cargo devido ao seu suporte junto a Geisel e
Golbery, seguiu caminhos próprios, criando embaraços ao projeto da fusão e
alimentando os traumas criados na cidade desde 1960.

(...) os jogos políticos individuais do prefeito Tamoio não nos


ajudavam, principalmente quando atingiam a própria fusão. Como ele
também era executor do projeto e tinha sido escolhido pelo governo
Geisel, parecia, de certo modo, que falava de dentro da fusão.
Realmente, tinha posição privilegiada para bombardear.
(...)
Ele passou a atuar num universo próprio, cada vez mais desvinculado
ao projeto da fusão; chegou a polemizar com o próprio governador.
Acho que politicamente fez o jogo errado: apostou muito no Rio como
vítima, talvez porque houvesse grande hostilidade da parte da
população carioca com relação à própria ditadura, que a fusão
representava, querendo ou não. Mas a verdade é que o discurso de
vítima, de que o Rio tinha empobrecido, de que os cariocas estavam
pagando a conta da fusão, aparentava ser um bom filão político,
apesar de não ter qualquer fundamento. (RONALDO COSTA
COUTO in MOTTA e SARMENTO, 2001, p. 119 e 120)
253

Uma das principais manifestações da dissensão entre a prefeitura do Rio de


Janeiro e o projeto da fusão levada a cabo pelo Governo Faria Lima era na
insubordinação da prefeitura à política metropolitana na FUNDREM. A pauta da
autonomia do município do Rio de Janeiro, que era particularmente muito sensível na
cidade devido à sua história político-institucional, legitimava o não alinhamento da
prefeitura com o planejamento metropolitano.
Isso, no entanto, não era original do Rio de Janeiro, que comungava essa
problemática com os outros municípios metropolitanos, mas a diferença estava no fato
de que a principal atração da FUNDREM, que era a disponibilidade de recursos
mediante a adequação do planejamento municipal à esfera metropolitana, não tinha
efeitos no município do Rio de Janeiro, que tinha capacidade de captação de recursos
por fora da esfera estadual.

Havia uma interpretação do prefeito, e ele passava isso para seus


subordinados, que a atuação do estado através da política
metropolitana poderia ferir a autonomia municipal. Ele achava que um
planejamento metropolitano qualquer iria ferir a autonomia municipal,
então ele achava que não se devia atender a esse planejamento. Tanto
que a prefeitura quase não usou recurso do FUNDES, preferindo atuar
sobre outras bases. Eu participei da elaboração de um plano de ações
imediatas para angariar empréstimos na Caixa Econômica Federal, o
que foi de fato feito. Então, começou-se a buscar recursos em outros
órgãos ao invés do FUNDES. Politicamente, a região metropolitana
entrou numa hierarquia de esferas de governo, entre a estadual e a
municipal. Ficou difícil alcançar um entendimento político sobre o
que significaria essa entidade no meio entre o estado e o município.
Os municípios da Baixada, no entanto, se adaptavam ao planejamento
metropolitano para poderem receber os recursos para executar obras.
Já a Prefeitura do Rio achava que tinha que ter autonomia total nisso.
(Entrevista 3)

Tal quadro de empoderamento por meio do controle de recursos federais se


manifestou na inoperância do Conselho Consultivo como fórum de fato dos municípios
da região metropolitana a balizar as decisões do Conselho Deliberativo, e desse como o
tomador de decisões da política metropolitana, conforme dizia a legislação federal.
Segundo Gondim (1986), a FUNDREM era subordinada apenas à SECPLAN e ao
próprio governador, o que lhe conferia total independência em relação mesmo ao
Conselho Deliberativo, cujas reuniões tornaram-se nada mais do que uma mera chancela
às decisões já tomadas pela cúpula do governo, segundo as prescrições técnicas da
FUNDREM.
254

Mesmo as demandas municipais no Conselho Consultivo seriam mediadas e, de


certa maneira, “orientadas” pelo corpo técnico da autarquia. A própria postura do
prefeito do Rio de Janeiro contribuía para o esvaziamento dos dois conselhos, já que
com capacidade financeira suficiente para uma administração relativamente autônoma,
o município não raro não participava das reuniões dos conselhos metropolitanos.

Essa relação (com a FUNDREM) existiu mais para os outros


municípios, não para o município do Rio de Janeiro. Por exemplo, o
Conselho Deliberativo, que era presidido pelo governador, era
composto por todos os prefeitos87. Acho que o Tamoio nunca foi a
uma reunião. Não havia diálogo entre a prefeitura e a FUNDREM. Já
os demais municípios, quando precisavam de recursos recorriam à
FUNDREM. A força dela era essa. (Entrevista 3)

O quadro não se repetia nos demais municípios, que devido ao controle do


FCRM pela FUNDREM tornava as prefeituras menos resistentes aos projetos
metropolitanos. O caso da destinação dos resíduos sólidos é bastante representativo.
Desde o início, esse projeto foi pensado para destinar os resíduos sólidos na periferia
metropolitana, fosse na Baixada Fluminense, fosse na área de Niterói e São Gonçalo.
Sendo assim, foi destinada uma área na localidade de Gramacho, em Duque de Caxias,
que a partir de 1978 tornou-se o principal depósito de lixo da região metropolitana,
principalmente do município do Rio de Janeiro.

O aterro sanitário de Gramacho era uma necessidade do Rio de


Janeiro, que era responsável por cerca de 90% do lixo que era
depositado lá. Ele foi conseguido no município de Duque de Caxias
com a intermediação da FUNDREM, que provavelmente concedeu
algumas contrapartidas financeiras para o município aceitar a
construção do aterro em seu território. Era um problema sério da
cidade do Rio de Janeiro, já que o aterro do Caju já estava esgotado.
Assim, Gramacho só foi possível com a interveniência da
FUNDREM. (entrevista 4)

O que se depreende desses fatos é que desde o início, da mesma maneira que a
própria política da fusão, a política metropolitana empreendida por meio da FUNDREM
não foi realizada a partir da construção de um consenso político sobre a importância do

87
Cabe lembrar aqui que o Conselho Deliberativo era composto por cinco membros nomeados pelo
governador, sendo um de uma lista tríplice indicada pelo prefeito do Rio de Janeiro e outro indicado pelos
demais municípios metropolitanos. Na verdade, o Conselho Consultivo é que era composto por
representantes de todos os municípios.
255

planejamento metropolitano para a região, ainda que se considere o momento político


de ditadura.
Por não possuir uma validação pública, a política metropolitana buscou sua
legitimidade na eficiência tecnocrática, em cujo ambiente social os argumentos em prol
tanto da fusão quanto da própria necessidade da viabilização do planejamento
metropolitano tinham melhor acolhida. Mesmo no município do Rio de Janeiro, onde a
resistência à FUNDREM foi maior, havia nos quadros técnicos da área de planejamento
urbano um entendimento sobre a urgente necessidade em se fazer um planejamento
integrado do município com o entorno metropolitano.

Talvez por influência de pessoas ligadas ao planejamento, dos quais


eu fazia parte, sentiu-se a necessidade de um entrosamento maior com
o Governo do Estado, com a região metropolitana e com o estado
como um todo. Tanto que o PUB-RIO88 foi elaborado de modo a
alertar para uma série de medidas que deveriam ser de cunho
metropolitano. Na verdade, praticamente dizíamos que seria
impossível fazer um planejamento do município do Rio de Janeiro
sem levar em conta o planejamento metropolitano. Havia uma
hierarquia do planejamento, que na época era o II PND em nível
nacional, o I PLAN RIO, em nível estadual e a própria região
metropolitana, que começou a fazer uma série de normas
metropolitanas. Então, o melhor que o município teria que fazer,
diante dessa hierarquia, era adaptar seu planejamento aos outros
planos existentes. Nós os técnicos, entendíamos dessa maneira, mas os
políticos não. (Entrevista 3)

Esse relato exprime com clareza aquela contradição que já se mencionou


anteriormente no tocante à questão regional fluminense e à questão metropolitana em
particular após a fusão, que é a dicotomia entre a racionalidade da esfera técnica e
burocrática do Estado, e a racionalidade do campo político carioca e fluminense.
A desconfiança e o mal-estar entre os técnicos da FUNDREM e de outros órgãos
setoriais e o meio político é bastante evidente nos relatos da maioria dos entrevistados
com que se teve oportunidade de contatar na pesquisa da tese. A opção do Governo
Faria Lima em não se envolver em querelas políticas e se legitimar por meio da
eficiência tecnocrática tornou a burocracia ligada ao planejamento um ator privilegiado
para a intervenção governamental no território. Apesar do autoritarismo da ditadura, o
Governo Faria Lima é, em geral, considerado um bom governo segundo a ótica das
88
Plano Urbanístico Básico do Rio de Janeiro fazia parte do Sistema Municipal de Planejamento, criado
pelo Decreto-Lei Estadual no 168 de 7 de julho de 1975 em consonância com o I PLAN RIO. Era o órgão
do Município do Rio de Janeiro responsável pelas políticas de desenvolvimento urbano municipais. Em
princípio deveria se articular com a FUNDREM no tocante à política metropolitana.
256

oportunidades de trabalho para os profissionais de planejamento, o que coincidiu com o


período de maior e melhor atividade da FUNDREM.

O projeto da fusão naquele momento foi um ato autoritário, logo a


população não foi ouvida. Politicamente eu discordava do processo,
do método, mas eu não posso discordar dos profissionais que tiveram
um espaço para trabalhar. É incontestável que tínhamos um espaço
para trabalhar. Os profissionais foram ouvidos. Mas a população, as
comunidades de uma forma geral não foram ouvidas. Foi de cima para
baixo. Felizmente, havia uma equipe de profissionais, provenientes
principalmente do Estado da Guanabara, que vinham da experiência
da SURSAN89, tinham uma tremenda responsabilidade, uma tremenda
experiência, que formaram um quadro muito bom. Junto com isso,
havia o BNH, que naquela oportunidade tinha disponibilidade
financeira, de modo que era possível fazer investimentos com projetos
bem elaborados. (Entrevista 5)

Dispondo de recursos federais razoáveis nos primeiros anos da fusão e


prestigiados pelo governador Faria Lima como parte indispensável de sua
administração, o quadro técnico trabalhou com relativa desenvoltura. Relativa porque,
conforme afirma Gondim (1986), mesmo o governador Faria Lima e seu secretário de
planejamento, Ronaldo Costa Couto, não tinham plena autonomia para exercer suas
funções, ora remetendo ao Governo Federal a chancela para seus projetos, ora
executando, por meio de autarquias como a FUNDREM, os investimentos prioritários
federais.
No próprio I PLAN RIO, como já se demonstrou, o Governo Faria Lima se
coloca na posição de adequar seu planejamento aos objetivos do II PND. Não obstante,
na esfera em que cabia alguma margem de manobra, como por exemplo mediar através
do trabalho técnico como esses projetos prioritários seriam executados, os quadros
profissionais ligados ao planejamento aplicavam com desenvoltura o que os bancos
universitários haviam lhes ensinado90.

O Governo Faria Lima foi o período em que mais se fez o


planejamento regional, não tenho dúvidas de dizer isso. Foi um
período muito rico. Mas claro, politicamente era um momento

89
Superintendência de Urbanismo e Saneamento, criada durante o Governo de Negão de Lima no Estado
da Guanabara.
90
Quanto a isso, deve-se levar em conta os paradigmas teóricos que eram ensinados nas ciências afins ao
planejamento urbano e regional na época. Estava-se, no Brasil, no auge do paradigma de planejamento
que era alimentado, na geografia, pelo menos, pelos modelos espaciais das teorias da localização (Lösch,
Weber, Christaller) e da polarização.
257

péssimo, já que estávamos em plena ditadura militar. O Faria Lima era


militar, mas até por questões particulares, tinha um perfil diferente.
Ele resistiu muito, porque via que não tinha perfil para ser governador,
mas aceitou. E por isso o seu governo foi conduzido pela equipe
técnica, que tinha muito espaço para discussão. Então, do ponto de
vista técnico, foi o momento em que mais se produziu, e dentro dos
princípios que a gente gostaria sempre de trabalhar, porque o Faria
Lima facilitava muito isso. Havia o CEDES, o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, que ele conduzia, mas era
muito assessorado. A Lysia Bernardes, que era um furacão em pessoa,
assessorava muito o governador, conduzindo muito para essa área dela
que era o planejamento territorial. Eu me lembro que até mesmo as
decisões de investimento para o estado, como a construção ou
melhoria de uma estrada, fazia-se todo um trabalho técnico para
provar que aquela obra era necessária, porque a estrada serviria para
escoar tal produto. A parte orçamentária era muito bem trabalhada,
pois a distribuição de recursos era muito vinculada às necessidades
reais e não a fins politiqueiros, para ajudar tal prefeito... mesmo
porque os prefeitos eram nomeados pela ditadura, então não tinha
muito isso. (Entrevista 6)

Um dos problemas mais urgentes na implantação da RMRJ era a falta de


informações sobre a região e a grande heterogeneidade dos poucos dados existentes. No
município do Rio a situação, como era de se esperar, era menos grave, já que a cidade
contava com uma rica trajetória de construção de planos urbanos desde o início do
século XX. Mas no restante dos municípios o quadro era desolador.
A solução encontrada no início do Governo Faria Lima foi elaborar projetos
prioritários setoriais, para o atendimento de demandas imediatas da fusão e, ao mesmo
tempo, iniciar um enorme investimento na produção de conhecimentos sobre a realidade
físico-territorial da região metropolitana. Esses estudos seriam a base para as
intervenções mais estruturais.

Nesse campo, a FUNDREM partiu quase do zero – não tínhamos, há


quatro anos, um conhecimento seguro sequer da realidade física da
região metropolitana – mas já se pôde acumular um estoque de
informações, através de uma série de estudos e investigações
sistemáticas, que hoje asseguram razoável realismo e eficácia na
formulação de uma política regional de médio e longo prazo.
(SAMPAIO in NEURB, 1979, p. 12)91

O trabalho de produção de conhecimentos da FUNDREM tinha duas funções


complementares, que era a criação de uma base de dados que fundamentasse a atividade

91
Trata-se de uma comunicação de Fernando Talma Sampaio, que em 1979 era presidente da FUNDREM
no final do Governo Faria Lima, no seminário promovido na PUC-RIO em janeiro de 1979.
258

de planejamento, por um lado, e o esforço de modernização das instituições municipais


por meio da implantação das técnicas e da racionalidade do planejamento.
No primeiro caso, a FUNDREM canalizou recursos para o desenvolvimento de
vários projetos que tinham como âmbito de atuação toda a região metropolitana, ainda
que muitos desses projetos fossem de caráter setorial. No segundo caso, a FUNDREM
patrocinou e assistiu a elaboração de planos diretores físico-territoriais de todos os
municípios, com exceção do município do Rio de Janeiro, articulando-os ao
planejamento global da região metropolitana. Praticamente toda a produção de dados e
conhecimentos da FUNDREM foi produzida entre 1975 e 1982, sendo que
posteriormente não há indícios de nova produção técnica da FUNDREM.

Quadro 6: Os principais documentos da produção técnica da FUNDREM


Ano da
Principais Estudos e Pesquisas produzidos pela FUNDREM publicação
Levantamento de dados cartográficos 1978
Planos diretores de 11 municípios metropolitanos 1978
Alternativas de expansão urbana: reurbanização x reedificação 1979
Macrozoneamento da região metropolitana do Rio de Janeiro 1979
Resíduos sólidos da região metropolitana do Rio de Janeiro 1979
Recreação e lazer na região metropolitana do Rio de Janeiro 1979
Política de localização industrial da região metropolitana 1982
Plano diretor de transportes 1982
Plano de desenvolvimento da região metropolitana do Rio de Janeiro 1982
Água para a região metropolitana do Rio de Janeiro 1982
Evolução urbana da região metropolitana do Rio de Janeiro 1984
Melhoria da circulação da Baixada Fluminense Nd
Estratégia global de desenvolvimento Nd
Política de finanças públicas municipais Nd
Região Metropolitana do Rio de Janeiro: sua inserção no espaço social e econômico
brasileiro Nd
Fontes: Relatório de atividades 1978; Acervos UFRJ e Biblioteca Nacional (internet)

Em suma, a FUNDREM durante o Governo Faria Lima assumiu um papel ímpar


no Sistema Estadual de Planejamento, executando, apesar das contradições, uma
verdadeira função de órgão de planejamento regional. Com o avanço da crise
econômica brasileira e as inconstâncias da política urbana federal, no entanto, a
fundação começou a perder força já com Chagas Freitas, que a reorganizou e mudou seu
direcionamento. Para muitos que assistiram àquele momento, apesar de não ter se
caracterizado como o fim da FUNDREM, seus desideratos iniciais foram sendo pouco a
259

pouco modificados e o perfil tecnocrático foi cedendo espaço aos interesses que
atendiam à racionalidade da política de clientela.

5.4.2- A FUNDREM começa a perder o viço: a fase transicional durante o Governo


Chagas Freitas

Pode-se considerar o Governo Chagas Freitas como um período de transição


para a FUNDREM, já que a autarquia permaneceu em plena atividade, continuando os
projetos que vinham sendo já desenvolvidos, porém sem criar nada de novo em termos
de planejamento metropolitano, com uma ou outra exceção. Conforme demonstrado no
quadro 6, alguns dos principais documentos técnicos produzidos foram finalizados no
Governo Chagas, como foi o caso da política de localização industrial, o
macrozoneamento e a consequente legislação proposta para a institucionalização desses
projetos.
Houve mudanças na estrutura da FUNDREM, alterando-se significativamente o
perfil dos principais cargos. Alguns que tinham papel relevante no período Faria Lima
tiveram seus contratos estendidos para terminar seus projetos inacabados. Veja-se o
caso específico da coordenadora do projeto de localização industrial, que ao fim do
Governo Faria Lima saiu da FUNDREM e foi convidada para trabalhar no IPEA, em
Brasília. No entanto, continuou atuando como consultora para terminar o relatório que
não havia ficando pronto.

Minha participação no governo teve duas fases, a primeira como


assessora da diretoria de planejamento e coordenadora do projeto de
localização industrial e uma outra época como consultora. Isto
aconteceu da seguinte forma: quando mudou o governo, o novo
secretário de planejamento me convidou para continuar como
consultora do projeto de localização industrial, que não estava
finalizado. Ele me disse que para poder justificar o trabalho do
macrozoneamento, iria precisar do produto final do meu trabalho
sobre a política de localização industrial. Nosso esforço em subsidiar a
elaboração do macrozoneamento tinha ocorrido em detrimento da
disponibilidade de tempo para escrever o documento final do projeto
sob nossa responsabilidade. Naquele momento eu já estava no IPEA
em Brasília, e ele me contratou para passar os fins de semana no Rio
para terminar esse projeto. (Entrevista 1)

O trabalho de Gondim (1986) detalha as mudanças que foram implementadas na


FUNDREM com a chegada de Chagas Freitas ao Palácio da Guanabara. Em primeiro
260

lugar a substituição da racionalidade tecnocrática pela lógica clientelística foi


determinada logo no início do governo, por meio do Decreto 2572 de 6 de junho de
1979. Nele, ficou estabelecido que todas as nomeações para cargos da administração
direta e indireta não poderiam ser feitas sem a prévia e expressa anuência do
governador. Isso foi ratificado no próprio PDES do Governo Chagas Freitas, que
centralizou sob sua supervisão todos os passos de seu governo.
Essa prática foi continuada no Governo Brizola e só foi revogada em 15 de maio
de 1987, por meio do Decreto 9942, que instituiu a realização de concursos públicos
para o preenchimento de vagas do serviço público. A consequência desse decreto para a
FUNDREM foi que os cargos diretivos foram ocupados por profissionais da confiança
de Chagas Freitas, alguns com experiência na administração pública, porém sem
formação na área de planejamento urbano e regional, como foi característico do quadro
do período Faria Lima.
A segunda mudança foi a reforma administrativa na FUNDREM, que foi
subdividida em diversos departamentos que criaram espaços para o crescimento
significativo do número de funcionários, que passou de 160 em 1979 para cerca de 200
em 1982. Isso não significou, porém o aumento da atividade planejadora, que segundo
relata Gondim (1986) aparentava certa morosidade, com “muitas pessoas fazendo nada
e poucas trabalhando muito” (GONDIM, 1986, p. 165). Sob Chagas Freitas, a
FUNDREM deixou de ter a estrutura simples herdada do período Faria Lima para ter
novas hierarquias e uma divisão do trabalho mais detalhada (Quadros 7 e 8, abaixo).
261

Quadro 7: Estrutura organizacional da FUNDREM entre 1975 e 1979


Diretoria de planejamento
Superintendência
Presidência Diretoria de controle e análise
Departamento de finanças
Departamento de administração
Assessoria da presidência
Conselho jurídico
Fonte: Gondim (1986)

Quadro 8: Estrutura organizacional da FUNDREM entre 1979 e 1983


Assistência técnica
Diretoria de obras públicas Obras públicas estaduais
Obras públicas locais
Reforma administrativa
Pessoal
Tesouro
Diretoria de administração Divisão de
Presidência Administração e finanças Orçamento
e finanças finanças
Contabilidade
Serviços
gerais
Controladoria
Serviços metropolitanos
Diretoria de planejamento
Transportes
metropolitano
Desenvolvimento urbano
Assessoria da
presidência
Fonte: Gondim (1986)

Por meio dessa reestruturação organizacional, intencionava-se reorientar a linha


de atuação da FUNDREM na região metropolitana. No PDES do Governo Chagas
Freitas, expressa-se que a fase da instituição do sistema de planejamento e a elaboração
dos planos de uso do solo e do macrozoneamento foram etapas já concluídas, cabendo,
dali por diante, a FUNDREM se concentrar no esforço de implementação das ações
prioritárias.

Cumprida a etapa de elaboração de planos imediatos, e


institucionalizado o sistema de planejamento, a grande tarefa estará
voltada para os aspectos da administração e da gerência
metropolitana. A este respeito, cabe registrar, que, para tanto, a
estrutura da FUNDREM foi modificada, visando a melhor aparelhá-
la para esta finalidade. A nova estrutura da FUNDREM dá especial
ênfase à coordenação dos transportes e ao equacionamento dos
serviços públicos comuns. A atuação da Fundação continuará, no
entanto, orientada para as tarefas de planejamento e coordenação,
262

deixando aos órgãos setoriais, estaduais, municipais e privados,


conforme o caso, a execução e operação dos serviços. (PDES –
Chagas Freitas, p.155)

Com efeito, a nova fase da FUNDREM criara novas demandas de que a estrutura
bastante simplificada herdada do Governo Faria Lima não daria mais conta. O foco na
coordenação do setor de transportes e no equacionamento dos serviços comuns, por
exemplo, não tinha representação no órgão, sendo necessário, portanto, criar novos
setores para essas atividades. Segundo o relato de um dos membros da chefia da
FUNDREM naquele período, a reestruturação teria articulado melhor as funções da
autarquia.

A subdivisão anterior era baseada em projetos em curso ou em


atividades permanentes como o mapeamento; não havia nem sistema
centralizado de informações (...) nem uma supervisão física e
financeira. Como não havia essas coisas e muitos projetos estavam
sendo concluídos (...) nós identificamos a necessidade de promover
uma nova divisão que permitisse uma melhor articulação; (...) Antes,
havia um presidente e um superintendente, e as diretorias abaixo da
superintendência. Nós mudamos para o presidencialismo. Além disso,
identificamos áreas em que a FUNDREM não atuava: transportes,
desenvolvimento comunitário, saneamento; a ênfase era apenas no
controle do uso da terra. Então, essas atividades começaram a se
acumular nas mãos do diretor de planejamento. Isso levou à criação de
tais subdivisões. (Entrevista citada por Gondim, 1986, p. 162)

Na prática, a reestruturação organizacional da FUNDREM, ao seguir um modelo


“presidencialista” para a hierarquia institucional, centralizou as decisões nas mãos de
Chagas Freitas, já que o critério de indicação dos cargos de chefia era a confiança do
governador no nomeado, confiança garantida não pela competência técnica, mas pela
fidelidade ao poder do chefe político.

O Chagas Freitas, sendo um animal exclusivamente político como ele


era, viu na FUNDREM uma ferramenta para ele atuar politicamente
em todos os municípios da região metropolitana. Na verdade, o
homem forte da FUNDREM era o Chagas, já que ele colocava gente
de sua confiança na direção (...), de modo que quem mandava de fato
era ele. (Entrevista 2)

Segundo Gondim (1986) a nova estrutura organizacional permitiu, também, a


criação de uma intrincada burocratização da fundação, em que cada projeto passava por
numerosos setores do governo até chegar às mãos do governador, que dava sua chancela
final. Permitia-se, assim, a inflexão da FUNDREM, que no Governo Faria Lima possuía
263

um estilo mais pragmático, à rede de clientela que Chagas Freitas havia instalado no
aparato governamental. Daí que aquela sensação de morosidade mencionada
anteriormente ter caracterizado a fase chaguista da FUNDREM.
Outra implicação da reestruturação da FUNDREM foi a transformação de sua
atuação na região metropolitana, passando a exercer uma função de executora de obras
principalmente na Baixada Fluminense, função que não era exercida anteriormente.
Isso fica claro pela criação de uma diretoria especificamente dedicada às obras
públicas e de um setor de serviços metropolitanos na diretoria de planejamento. No
novo estatuto, aprovado em 15 de agosto de 1979, além de alterar a estrutura
organizacional, criou-se novas competências não constantes no estatuto de criação da
FUNDREM em 1975. O documento original colocava à entidade o papel principal de
assessoramento, apoio técnico, pesquisa e coordenação de projetos. A parte de execução
seria exercida através de convênios e contratos. No estatuto de 1979, acrescentou-se a
função executora:

Art. 2o – A Fundação tem por objetivos:


(...)
IX- Propor, prestar ou executar quaisquer outros serviços, tarefas ou
obras, compatíveis com a natureza de suas finalidades, e necessárias
ao atendimento de seu objetivo permanente. (ESTATUTO DA
FUNDREM, 1979, p. 2)

A possibilidade de a FUNDREM também executar obras seria utilizada por


Chagas Freitas para ampliar sua capacidade de atuação principalmente na Baixada
Fluminense, lugar onde sua influência política era limitada em épocas anteriores pela
fronteira do Estado da Guanabara.

O Chagas passou a utilizar a FUNDREM para executar obras na


Baixada, o que antes não era feito. Então, a FUNDREM passou a
executar e fiscalizar obras na Baixada Fluminense e essa é a principal
diferença entre os dois governos. Na visão de Chagas, Faria Lima não
atendeu à Baixada como deveria, então utilizou a FUNDREM para
tocar as obras do Governo na Baixada. Assim, a FUNDREM passou a
licitar e coordenar obras. (Entrevista 4)

A justificativa para esse novo direcionamento foi que a FUNDREM era um


órgão que, apesar do excelente quadro técnico e da produtividade na atividade de
planejamento e produção de dados sobre a região metropolitana, era muito pouco
264

efetiva na operacionalização dos planos, que rapidamente se transformavam em letra


morta — fato que foi mencionado na tese de Gondim (1986).
Segundo um entrevistado, a pequena capacidade executória da FUNDREM
devia-se a dois fatos: por um lado, a centralização das decisões na equipe próxima do
governador Faria Lima no próprio Conselho Deliberativo, em que o presidente da
FUNDREM seria um assessor; e, por outro, ao serem entregues aos prefeitos, os planos
elaborados pela FUNDREM eram pouco eficazes pela própria escassez de quadros nas
prefeituras metropolitanas, com exceção do Rio de Janeiro, evidentemente.
Ao fim, grande parte dos recursos do Fundo Contábil teria sido destinada a
projetos específicos, como o caso do metrô, que, como se sabe, foi um dos
investimentos mais importantes do Governo Faria Lima e que se transformou, segundo
textos da época demonstram, em passivo para os outros governos. A mudança de foco
da FUNDREM com o Chagas Freitas teria permitido a FUNDREM exercer, realmente,
seu papel de coordenação.

Em termos de região metropolitana, o Governo Faria Lima pegou o I


PLAN RIO e fez o que dava para fazer, mas não fez tanta coisa assim.
Se o Lerner tivesse continuado, pelo espírito dele, poderia ter sido
diferente em termos de execução. O Faria Lima fez muitas operações,
como a construção do metrô e mesmo para o Município do Rio de
Janeiro, através dos recursos do Fundo Contábil. As decisões eram
muito fechadas: assinava ele, o presidente da FUNDREM, que era na
prática o seu assessor nessa área, e três representantes dos municípios.
Ou seja, a FUNDREM não participava tanto assim em termos de
execução de projetos, de obras. Atuou muito pouco nesse sentido. Em
termos de urbanismo a FUNDREM fez, em alguns municípios apenas,
um plano diretor nos moldes da SERFHAU, que eram feitos para o
prefeito pegar aquilo e em alguns meses executar. Mas os prefeitos
não tinham quadros para desenvolver aquilo, então rapidamente os
planos viravam letra morta, ficavam de lado e os prefeitos faziam suas
coisas. (...) No Chagas Freitas, a FUNDREM passou a ser um órgão
realmente de coordenação. O Faria Lima usou muito o Fundo Contábil
para pegar recursos para o metrô, para o DER, entre outros.
(Entrevista 7)

No entanto, há uma opinião muito comum de que, nesse ínterim do Governo


Chagas Freitas, a FUNDREM foi, paulatinamente, sendo instrumentalizada segundo a
racionalidade da política clientelística, perdendo seu caráter tecnocrático. As
contradições do próprio projeto da fusão, que foi assentado nas imposições do Governo
Federal e que não logrou construir algum consenso político em torno do tema durante
265

seus primeiros quatro anos, rapidamente ganharam corpo quando a conjuntura que
impôs tanto a fusão quanto a institucionalização da região metropolitana se modificou.
No bojo desse processo, estão os arranjos institucionais de planejamento urbano
e regional criados sob os marcos da racionalidade tecnocrática que foram reorientados
para atender aos interesses mais imediatos das redes de poder político já consolidados
na região metropolitana. A mudança de orientação da FUNDREM sob Chagas Freitas
deve ser interpretada nesta perspectiva para se compreender o início de sua derrocada.
Ao fim, a FUNDREM, assim como todo o aparato estadual foi, cada vez mais,
capturada pela lógica politiqueira, ainda que os quadros ainda mantivessem o perfil
profissional.

O antigo Estado do Rio de Janeiro era dominado pela política do


coronel. Existiam verdadeiros feudos. Era o Tenório Cavalcanti92 em
Caxias, por exemplo, e havia outros no resto da Baixada Fluminense.
E como todo feudo, o chefe faz o que quer, da forma que quer. Ele não
dá muito para a população não ficar satisfeita demais e ficar
independente, mas também não dá pouco pois, afinal, precisa da
população. Era uma relação muito complicada com esses coronéis.
(...)
No Governo Chagas Freitas (…) as ações eram politiqueiras. Não
eram políticas, era politiqueiras, interessadas no retorno eleitoral.
Continuava a história do feudo. Quando terminava uma obra, alguém
sempre solicitava um palanque para inaugurar, colocar certas pessoas,
aquela discussão barata, de Jorge Leite93 e outros políticos da época.
Não havia uma política integrada. No Governo Faria Lima foram
criados os órgãos, eram discutidas as interfaces, havia propostas, havia
uma visão do que iria acontecer, mas não teve continuidade. No
Chagas Freitas o objetivo era fazer barulho. Era fácil pois havia
dinheiro. O BNH na época tinha muito dinheiro ainda. Mas deixou de
haver planejamento integrado. Mas, pelo menos, a FUNDREM tinha
facilidade para fazer os investimentos. (Entrevista 5)

Nota-se que o movimento da FUNDREM e da política metropolitana em direção


aos interesses “politiqueiros” dos caciques que eram capturados para a máquina eleitoral
chaguista mudou a natureza da contradição entre o município e o metropolitano. Se
antes o metropolitano se impunha pelo quadro de escassez técnica e financeira dos

92
Nascido em 1906 no Estado de Alagoas e formado advogado, Tenório Cavalcanti foi vereador em Nova
Iguaçu nos anos de 1936 e 1937 e deputado federal pelo antigo Estado do Rio de Janeiro por três
mandatos, entre 1951 e 1964. Era conhecido como “o rei da Baixada” por aliados e “deputado pistoleiro”
por adversários. Faleceu em Duque de Caxias em 1987.
93
Nascido no Rio de Janeiro em 1930, era advogado. Foi subchefe da Casa Civil de Chagas Freitas no
Estado da Guanabara entre 1966 e 1969. Foi deputado estadual entre 1970 e 1982 e entre 1991 e 1993,
quando assumiu a Secretaria Estadual de Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia no Governo Leonel
Brizola. Em 1981 e 1982 foi presidente da ALERJ e em 1986 elegeu-se deputado federal.
266

municípios, com Chagas Freitas a escassez foi transformada numa espécie de trunfo
eleitoreiro, em que o aliado local e o governador auferiam dividendos políticos por meio
do uso das capacidades da FUNDREM e dos recursos do Fundo Contábil. Perdeu força,
assim, a imposição do metropolitano ao municipal, prevalecendo, após isso, a lógica do
“feudo” em aliança com a máquina chaguista.
Durante o Governo Chagas Freitas, a FUNDREM contou, ainda, com certo
aporte de recursos do Fundo Contábil, que continuou a ter uma participação nos gastos
do Estado — e até superior ao verificado durante o Governo Faria Lima. Isso permitiu a
manutenção dos projetos que já estavam sendo desenvolvidos, assim como da nova
estrutura e das funções que o órgão metropolitano passou a exercer. Conforme
demonstrado no quadro 4.8, houve uma drástica diminuição dos recursos nos anos de
1979 e 1980, mas os gastos foram recompostos nos anos de 1981 e 1982.
Diferentemente do Governo Faria Lima, no entanto, a rubrica desenvolvimento regional
não era limitada à região metropolitana.

Quadro 9: Despesa orçamentária com planejamento urbano e regional do Governo


Chagas Freitas
1979 1980 1981 1982 1983
Despesa Executada 48.985.473.488,82 96.949.854.732,15 200.291.560.730,23 446.218.906.198,55 870.128.361.097,81
RMRJ/FUNDREM 56.957.000,00 171.244.000,00 304.420.000,00 831.068.753,00 1.305.705.504,29
FCRM 30.283.363,69 73.181.097,37 5.714.988.261,13 9.050.000.000,00 nd
Desenvolvimento
Regional 87.240.363,69 244.425.097,37 6.899.576.261,13 12.199.070.861,34 4.952.377.210,81
% FUNDREM 0,12% 0,18% 0,15% 0,19% 0,15%
% FCRM 0,06% 0,08% 2,85% 2,03% nd
%
Desenvolvimento
Regional 0,18% 0,25% 3,44% 2,73% 0,57%
Fonte: TCE-RJ

Esses dados não confirmam, a princípio, a informação dada, mas sem


demonstração de dados, por Gondim (1986) de que durante o Governo Chagas Freitas
houve uma diminuição nos recursos. A própria autora diz, no entanto, que o número de
projetos em andamento era equiparável ao do período Faria Lima, já que alguns eram a
continuidade do que já vinha sendo realizado da administração anterior. Mas uma
verdadeira resposta só será possível caso seja realizada toda a tarefa de adequar os
valores nominais apresentados nas prestações de contas a um preço constante, devido à
acelerada depreciação inflacionária daqueles anos, o que foge do escopo desta pesquisa.
267

As informações que se conseguiu coletar durante as entrevistas dão conta de que


de fato havia, ainda, boa disponibilidade financeira para o exercício das funções da
FUNDREM e do planejamento urbano e regional como um todo. Mas boa parte desses
recursos tinha que ser prospectada ad hoc em Brasília, tarefa para a qual as boas
relações de Chagas Freitas com os militares de Brasília eram fundamentais.

(…) quando a Lysia saiu com o governo da fusão, eu fui ocupar o


cargo dela como superintendente de desenvolvimento urbano e
regional na SECPLAN durante o Governo Chagas Freitas. E eu dei
continuidade àqueles projetos, embora fosse sob Chagas Freitas, pois
eu tinha muita autonomia na secretaria devido aos recursos federais
que conseguia em Brasília. Eu ia a Brasília como se fosse à Zona Sul,
ia para o aeroporto pela manhã para participar de uma reunião à tarde
e depois voltava. Ia a Brasília, conseguia recurso, voltava e contratava
gente para a FAPERJ e fazíamos os trabalhos. Assim, conseguimos
fazer durante o Governo Chagas Freitas 18 planos locais. (Entrevista
6)

No entanto, a maior parte do orçamento da FUNDREM e do Fundo Contábil


passou a ser proveniente de recursos próprios do governo estadual, a partir de operações
financeiras que utilizavam a estrutura do BANERJ para a captação de recursos. Essa
estratégia, esse método, esse modus operandi etc garantiu a existência de recursos para
os investimentos, apesar de isso ter gerado maior comprometimento do orçamento
estadual com o serviço da dívida94.

(Os recursos federais) diminuíram muito e foi praticamente o governo


do Estado que passou a arcar com os recursos da FUNDREM, a não
ser quando íamos a Brasília “vender” um projeto na área de
transportes e outros. Praticamente todas as obras passaram a ser feitas
com recursos do estado. A fusão já tinha acontecido. (Entrevista 8)

O financiamento do metrô, por exemplo. O Faria Lima conseguiu


entregar quatro estações, entre Estácio e Glória, com o dinheiro
federal. Já no Chagas Freitas, teve que se fazer operações financeiras
via BANERJ, tentando montar uma contrapartida para que o Estado
fosse capaz de fazer mais estações. (Entrevista 7)

94
A mensagem de Brizola à ALERJ, em 1984, diz o seguinte: “O Tesouro Estadual era peça decorativa e
a gestão estava centralizada, curiosamente, no Banco do Estado do Rio de Janeiro. Este, por sua vez,
encontrava-se estruturalmente atingido, a ponto de 25% do endividamento realizado pelo Estado em 1982
ter servido de suprimento de caixa para o BANERJ, num momento em que todo o sistema financeiro
operava lucrativamente. A operação irresponsável da dívida pública produziu perdas no mercado aberto, a
partir de junho daquele ano, estimadas em 20 bilhões de cruzeiros.” Continuando a mensagem, Brizola
acusa o Governo Federal de limitar a rolagem da dívida, o que exigiu ao Governo Estadual a destinação
de parte das receitas arrecadadas para o pagamento dos compromissos imediatos do serviço da dívida,
comprometendo, por conseguinte, a capacidade de investimentos do estado.
268

Não obstante, conforme já se afirmou anteriormente, ao longo do Governo


Chagas Freitas as atividades de planejamento que estavam sendo finalizadas foram se
esgotando, apesar de aproveitadas para a execução de obras na região metropolitana, e
pouca coisa nova foi sendo realizada até o final do governo, preparando o terreno para a
derrocada durante o Governo Leonel Brizola.
No estatuto de 1979 percebe-se que a pesquisa e a produção de dados foi
marginalizada no rol de atribuições da FUNDREM em comparação com o estatuto de
1975. Nesse, era expresso que a fundação deveria “elaborar estudos, pesquisas e
projetos exigidos para o equacionamento de problemas da Região Metropolitana do Rio
de Janeiro.” (ESTATUTO DA FUNDREM, 1975, p. 3).
Em 1979, ficou definido que a FUNDREM deveria “coordenar programas e
pesquisas de interesse dos municípios da Região Metropolitana, ainda que não
relacionados com os serviços comuns” (ESTATUTO DA FUNDREM, 1979, p. 2 –
grifo meu). Infere-se que no primeiro estatuto se concede à FUNDREM uma autonomia
na elaboração de estudos, que, bem ao estilo tecnocrático, seriam realizados segundo os
imperativos criados pela problemática metropolitana. Já em 1979, o inciso é no mínimo
ambíguo, já que condiciona que as pesquisas ao interesse dos municípios
metropolitanos.
Na prática isso significou um uso clientelístico dos estudos, que na verdade
deixaram de ser retroalimentados.

O Chagas Freitas não desenvolveu a FUNDREM, ele somente a usou.


Todas as informações mapeadas não só pela FUNDREM, mas pelos
órgãos estaduais, que procuravam trabalhar em interface, foram
utilizadas pelo Chagas Freitas como propostas politiqueiras. Ele
correlacionava as informações técnicas com os feudos politiqueiros.
Ele não deu continuidade ao planejamento, não acompanhou a
evolução dos dados, não procurou um feedback dos resultados do que
foi planejado. Eles usaram o que havia sido produzido, esgotaram as
informações e não fizeram mais. (Entrevista 5)

Concluindo, o período do Governo Chagas Freitas se caracterizou como uma


fase de transição, tanto devido às contingências externas, já que se iniciava o
arrefecimento do projeto de crescimento da economia brasileira em marcha forçada
(CASTRO e SOUZA, 1985) e a consequente aceleração da abertura segura e gradual
dos militares para a democracia, quanto por elementos internos ao ERJ, que era o
269

retorno à velha política chaguista, mas naquele momento se estendia aos valiosos
estoques de eleitores da periferia metropolitana.
No âmbito institucional, isso significou mudanças de rumos a partir de usos e
práticas que eram novidadeiros diante dos arranjos que foram costurados pelo modelo
de governo de Faria Lima, pretensamente apolítico e pautado pelos ditames da
eficiência tecnocrática.
Na FUNDREM isto significou mudanças na estrutura organizacional, que se
tornou mais complexa e intrincada, diminuindo o espaço da atividade de planejamento,
que era a função mais prezada durante o período Faria Lima, para se concentrar na
coordenação de execução de obras, principalmente na Baixada Fluminense.
Além disso, os cargos diretores da FUNDREM continuaram sendo ocupados por
pessoas de perfil profissional, ainda que não ligados necessariamente ao campo do
planejamento urbano e regional. O critério era a proximidade e a lealdade ao
governador, que seria o verdadeiro homem forte da FUNDREM. Assim, pouco a pouco
a lógica tecnocrática tão característica dos primeiros anos dessa fundação foi cedendo
espaço para a lógica politiqueira do chaguismo.
Apesar disso, não seria no Governo Chagas Freitas que a FUNDREM
encontraria seu ocaso, já que os recursos que atraíam os municípios metropolitanos
pauperizados ainda irrigavam o Fundo Contábil e a instituição ainda contava com
quadros técnicos de perfil profissional. O que se observou foi que, após as mudanças
empreendidas por Chagas Freitas na estrutura e nas funções da FUNDREM, ocorreu um
arrefecimento na atividade planejadora do órgão, principalmente no que tange à
produção de conhecimentos para além do que já vinha sendo desenvolvido do Governo
Faria Lima.
Segundo Gondim (1986), apenas os projetos de preservação nos municípios de
Petrópolis e Itaboraí foram novidades desse período. Outros projetos como o plano
diretor de transportes, o plano de desenvolvimento da região metropolitana, o
zoneamento industrial e os planos de uso de solo eram demandas do Governo Federal.
Além disso, a autora atesta que ao longo desse período o próprio Governo Federal cada
vez mais passou por cima da FUNDREM na execução de projetos federais, gerando,
também, certa “insubordinação” dos órgãos setoriais ao papel coordenador da autarquia.
O que o Brizola herdou foi uma FUNDREM ainda com um quadro significativo
de técnicos, porém, já imersa na política clientelística do chaguismo e em processo de
enfraquecimento como órgão de planejamento. Ainda assim, em plena atividade. A
270

chegada de Brizola, no entanto, foi uma ruptura em vários sentidos e que, infelizmente,
representou para a FUNDREM um rápido processo de esvaziamento e invisibilidade.

5.4.3- A derrocada da FUNDREM durante o Governo Brizola

A partir do Governo Brizola, as informações sobre a FUNDREM tornam-se


extremamente precárias. Após o fim do Governo Chagas Freitas, cessam os trabalhos
técnicos da FUNDREM e, a não ser por informações documentais dispersas, como a
portaria que trata da criação da SECDREM e da saída da FUNDREM da Secretaria de
Planejamento, a autarquia parece “sair do mapa” até que surge a notícia de sua extinção
em 1989.
A pesquisa de Gondim (1986), que foi até recentemente o único trabalho
sistemático sobre a FUNDREM, cobriu apenas até o fim do Governo Chagas Freitas. As
informações que se dispõe para essa parte da pesquisa baseiam-se apenas nos
testemunhos das entrevistas que se conseguiu realizar e que, com uma ou outra exceção,
atestam o mesmo diagnóstico. Afinal, o que dizer de um órgão que rapidamente chegou
aos limites da insignificância?
Conforme já se demonstrou na análise do plano de governo de Brizola, ocorreu
nesse período uma verdadeira ruptura com o Sistema Estadual de Planejamento, que
fora criado por Faria Lima e capturado, mas não extinto, por Chagas Freitas. E devido a
esse rompimento, o Governo Brizola representou para muitos profissionais que
trabalharam com o planejamento urbano e regional a verdadeira derrocada do
planejamento. Percebe-se que, além de um inconfessável teor ideológico em muitas
falas, persiste certo mal-estar com o tipo de governança instaurado por Brizola, que não
partilhava praticamente nada com as expectativas dos profissionais que faziam parte dos
quadros estaduais naquele momento.
A ruptura operada pelo Governo Brizola deu-se devido a pelo menos três fatos
centrais. O primeiro foi a conjuntura política que cercou as eleições para governadores
em 1982, e que levou Brizola para o Palácio da Guanabara. Segundo, a perspectiva de
governo de Brizola seguia uma racionalidade completamente distinta do tecnocratismo
de Faria Lima e rompia, também, com a máquina chaguista, que os cariocas já
conheciam (e à qual os fluminenses aderiram). O terceiro fato foi a ruptura operada pelo
próprio Governo Figueiredo com os programas de planejamento urbano e regional que
271

eram financiados com os recursos federais e que tornaram ainda mais difíceis a situação
financeira do ERJ.
Segundo Sento Sé (1997) a vitória de Brizola nas eleições de 1982 foi um marco
para o brizolismo e para o ERJ. Ela surpreendera a todos, já que no início do ano
Brizola não tinha mais do que 5% das intenções de voto para governador, muito atrás de
Sandra Cavalcanti (PTB) com 52% das intenções e Miro Teixeira (PMDB), discípulo de
Chagas Freitas, com 23%.
Deve-se levar em conta, ainda, que a permissão para as eleições diretas em 1982
foi dada sob as normas do chamado “Pacote de Novembro”, que obrigava o voto para
todos os cargos eletivos em candidatos do mesmo partido, com o fito de beneficiar o
PDS, herdeiro da ARENA, e no máximo permitir ao PMDB manter-se como oposição.
Os novos partidos, como o PTB e os mais radicalizados, PDT e PT, teriam
enormes dificuldades em se estabelecer eleitoralmente devido justamente à fragilidade
de seus quadros partidários naquele momento, já que havia o risco real de debandada de
oposicionistas para o PMDB. Chagas Freitas, por exemplo, que durante algum tempo
participou do PP de Tancredo Neves, retornou para o PMDB fluminense, partido pelo
qual seu pretendido sucessor Miro Teixeira se lançaria como candidato a governador.
A articulação de Brizola para a candidatura no pleito de 1982 teria que superar
uma série de obstáculos e oposições. Primeiro, teria que se reestabelecer na cena
política brasileira no curto espaço de tempo entre o retorno do exílio e a disputa
eleitoral, necessitando urgentemente reconstruir sua liderança a partir do trabalhismo e,
com isso, uma rede de aliados que permitissem sua candidatura. Ademais, as oposições
dentro do Governo Federal eram ferrenhas, assim como na imprensa carioca, que a
divisar as pretensões de Brizola, divulgavam os riscos que uma possível vitória sua
traria ao processo de abertura política “lenta, gradual e segura” dos militares.
A estratégia de Brizola e do PDT foi, segundo Sento Sé (1997), bastante criativa
e eficiente. Além de seu carisma pessoal e de sua oratória inflamada e popular, os
partidários do gaúcho se dedicaram a uma aguerrida campanha corpo a corpo pelas
periferias da região metropolitana e também no interior, alçando a figura do candidato
como o único representante genuíno no Rio de Janeiroo da oposição à ditadura.
Além disso, o PDT empreendeu um enorme esforço para arrebanhar cabos
eleitorais e lideranças políticas para seus quadros, de modo a carregar seus votos. Por
meio desse enorme voluntarismo e do frisson causado pelo brizolismo, contra todas as
expectativas Brizola conseguiu os votos necessários, principalmente nos subúrbios da
272

capital, mas também com boa margem na Baixada Fluminense. No interior, por outro
lado, o apelo de Brizola foi muito reduzido. Veja-se o depoimento coletado de um
militante brizolista por Sento Sé (1997, p. 254)

No início, pouca gente acreditava que o Brizola pudesse ganhar. Mas


ainda assim, a gente foi à luta. Subimos tudo quanto foi morro dessa
cidade. Fomos para a Baixada, pegamos trem e fomos para o interior.
A gente não tinha recurso nenhum. Era só a confiança nele que movia
a gente. Isso foi crescendo e deu no que deu. No início nós parecíamos
um Exército de Brancaleone, mas acabamos conseguindo ajudar o
Brizola a chegar ao poder.

A forma como ocorreu a eleição, as oposições existentes e o perfil político de


Brizola são decisivos para entender a relação que se estabeleceu a partir de 15 de março
de 1983 entre o novo governador e o quadro deixado por Chagas Freitas. Dadas as
condições políticas daquele momento, Brizola julgava que não podia se dar ao luxo de
confiar em qualquer um que fosse partícipe na burocracia do estado de um projeto
ditatorial, como foi o da fusão, e de uma prática política clientelística e adesista, como
era o chaguismo. Logo se estabeleceu um ambiente de desconfiança entre grupo que
chegava e os quadros antigos. Colocar nas posições-chave pessoas de sua confiança e de
seu partido foi uma das iniciativas que criaram conflitos na burocracia estadual e em
particular no Sistema Estadual de Planejamento.

O Brizola partia do princípio de que não podia confiar nem no PMDB,


que era dominado pelo Chagas, nem nos outros partidos. Tinha que
ser o pessoal do partido dele, que não tinha quadros, então ele colocou
quem estava entrando no PDT. Foi uma loucura, porque o Brizola
provocou muitos conflitos. Eu tenho a impressão que parte do
pensamento político do Brizola em relação à administração pública
era provocar o máximo de conflitos entre as secretarias, de modo que
ele pudesse comandar tranquilamente. (Entrevista 3)

Na FUNDREM, a maior fonte de conflitos foi a mudança de status da autarquia


no arranjo institucional do Estado, pois tendo sido o planejamento urbano e regional
deslocado da agenda governamental, a FUNDREM, como maior representante
institucional da área, foi posta em completa marginalidade.
Para muitos técnicos, isso significou o fim de uma carreira profissional no
estado, ou, pelo menos, uma imposição de mudança em sua área de atuação. A Direção
de Planejamento Metropolitano e Serviços Comuns, segundo o testemunho do último
diretor nomeado por Chagas Freitas, teria ficado acéfala durante um mês após a posse
273

de Brizola, aguardando uma nova nomeação, paralisando completamente suas


atividades.

O governo que se seguiu não tinha a visão do órgão metropolitano.


Eu, que era cedido da CEDAE, voltei para lá, mas fiquei o primeiro
mês do Governo Brizola esperando a nomeação de meu sucessor.
Nesse meio tempo, as coisas ficaram meio em suspenso. Veja bem,
um mês para nomear um novo diretor. Assim, a FUNDREM perdeu
força devido ao não entendimento do que é o órgão metropolitano.
(entrevista 4)

A criação da SECDREM em maio de 1984 pode parecer, à primeira vista, uma


valorização da questão metropolitana na agenda governamental, afinal, uma nova
secretaria de estado seria dedicada ao tema. Na prática, no entanto, representou uma
involução institucional da questão. Como já se apontou no capítulo 4, atestou-se, na
verdade, a inutilidade da FUNDREM para o governo, já que a autarquia foi deslocada
do âmbito da SECPLAN, isolando-a do planejamento do ERJ.
Além disso, por meio da SECDREM, o Governo Brizola retirou qualquer
resquício de autonomia que pudesse ter sobrevivido do Governo Chagas Freitas na
formulação de projetos metropolitanos. A diferença era que a FUNDREM era um órgão
juridicamente autônomo, enquanto a SECDREM, por sua vez, era uma secretaria
subordinada às decisões do governador. Um dos entrevistados, que inclusive foi um dos
fundadores do PDT, assume que a SECDREM serviu para:

Fazer composição política, ter mais um secretário. Na época, alguns


de nós achávamos que era desnecessário. Quando você faz uma
secretaria, você (se) nivela com os outros. Mas não precisava ter uma
nova secretaria, precisava ter um órgão autônomo ligado ao governo,
para fazer projetos de Estado, e não projetos de governo. Para ter a
capacidade de juntar as coisas, articular as ações. Não se trata de
subordinação, mas de organização e planejamento. Então, quando fez
uma secretaria, (Brizola) colocou um político. (Entrevista 5)

A FUNDREM tinha potencial para ser um órgão poderoso caso lhe fossem
dadas as condições técnicas e financeiras para a realização de suas funções definidas
pela legislação. Isso teria ficado claro nos seus primeiros anos em relação às
depauperadas prefeituras da periferia metropolitana, quando havia certo orgulho pela
existência de uma elite profissional relativamente empoderada pelo viés tecnocrático; e
274

com o Chagas Freitas, que enxergou na FUNDREM um órgão para a execução de obras
em áreas carentes com grande potencial eleitoral.
O cálculo de Brizola foi diferente daquele feito por Chagas Freitas: ele não
buscou cooptar a FUNDREM através do enquadramento do corpo técnico na sua esfera
de influência, mas aprofundou seu esvaziamento retirando-lhe qualquer autonomia
institucional.

O Brizola era um político com uma sensibilidade muito realista.


Reconhecer a criação de um poder administrativamente com um
mínimo de autonomia na região metropolitana significaria a criação de
um poder paralelo ao Governo do Estado. O Brizola jamais permitiria
isso. Aliás, nenhum governador aceitaria, o Chagas Freitas tampouco.
A institucionalização da região metropolitana criaria, necessariamente,
um poder paralelo ao Governo do Estado, sendo que no Rio de Janeiro
isso seria particularmente forte, porque a região metropolitana
representava dois terços da população e da economia, até mesmo mais
do que isso. Então essa máquina política, que seria a
institucionalização da região metropolitana, confrontaria muito o
Governo do Estado. Nenhum governador queria saber disso. Todos
eles, depois de Chagas Freitas, ignoraram. (Saturnino Braga)

Essa opinião foi seguida pela do entrevistado que foi ligado ao PDT naquela
época.

As secretarias são órgãos executores, na maioria das vezes, mas


precisava de alguém acima, planejando e coordenando todo o mundo,
fazendo a interface entre as secretarias e mesmo com outros governos.
Eu já ouvi o Saturnino dizendo isso, e eu concordo. Por que a
FUNDREM era considerada poderosa? Porque ela tinha ligação direta
com as prefeituras e isso era um enorme poder: negociar com os
prefeitos para fazer os investimentos. E o Chagas Freitas se aproveitou
muito disso, usava a FUNDREM para fazer as negociações políticas e
não para identificar as demandas e fazer projetos para resolvê-las.
Voltamos à questão dos feudos... Então o Governo Brizola tirou a
responsabilidade da FUNDREM, que por sua atuação tinha poder, e
nivelou com a criação da SECDREM. (Entrevista 5)

Cabe a indagação de por que Brizola tomou uma postura tão diferente daquela
tomada por Chagas Freitas. A resposta talvez esteja no perfil político bastante diferente
de ambos e, principalmente, nas diferentes condições em que assumiram o Governo do
Estado.
Apesar da fusão, Chagas Freitas não perdeu sua influência no novo estado,
conseguindo prevalecer sobre o cacique fluminense Amaral Peixoto, que era inclusive
275

mais próximo à direção nacional do MDB. Brizola, ao contrário, teve que rapidamente
construir uma base política que em sua maior parte encontrava-se fora do aparato do
Estado, principalmente entre aqueles com perfil mais “popular”. Isso fica claro na sua
plataforma de governo, cujo discurso era voltado para os anseios dessa extensa camada
da população fluminense. Já a relação com os profissionais que estavam no Estado era
de desconfiança.

A impressão que eu tenho, depois de viver aquele momento, é que


havia certo amadorismo, como se fosse um diretório acadêmico
ocupando um cargo. Eles estavam vindo do exterior, eram exilados, o
que dava toda uma conotação política de desconfiança com quem já
estava no estado, que tinha trabalhado durante os governos da
ditadura.
(...)
Eu acho que houve uma contradição, por várias questões. Porque se
criou uma secretaria (SECDREM), mas que por trás não tinha
nenhuma diretriz de planejamento. Colocaram pessoas nessa secretaria
que não tinham a mínima condição de contribuir para o planejamento
metropolitano. Sinceramente, acho que, nessas condições, era
preferível não ter essa secretaria, porque ela gerou muito desgaste para
as pessoas que trabalharam nela. Essa é a visão que eu tenho. Já nos
resquícios da FUNDREM já se vinha fazendo isso. O Brizola quando
assumiu não tinha equipe para montar, então ele nomeou muito cabo
eleitoral, gente sem a mínima condição de discutir a região
metropolitana, dentro do ponto de vista que eu sempre preservei que é
a parte conceitual, que é discutida na universidade, apesar de na
prática ser completamente diferente.
(...)
Depois, muitos da equipe técnica da FUNDREM pediram para ser
realocados para outros órgãos, tanto que quando Moreira Franco
extinguiu a FUNDREM, o decreto dizia que quem estava cedido a
outros órgãos permaneceriam nos mesmos. (Entrevista 6)

Tais conflitos e contradições foram agravados pela própria visão que Brizola e
sua equipe tinham do tipo de planejamento que era paradigmático até aquele momento.
No capítulo 4 apontou-se para as críticas ao planejamento expressas no PDES do
Governo Brizola e que refletiam a visão pessoal de Brizola sobre o tema. Alimentava-se
a perspectiva de que o planejamento, não só tal qual era feito, mas a concepção em si,
era uma das características do modelo político autoritário da ditadura brasileira, que
afastava a população, principalmente a maioria pobre, das decisões sobre as políticas
governamentais. Daí que a entrada das pessoas ligadas ao PDT pode ser creditada, além
de à conjuntura política que marcou a eleição de Brizola, à essa visão de proximidade
do Estado com as comunidades.
276

O Brizola, como ele mesmo dizia — e eu tive durante muitos anos


uma gravação que ele fez nos jardins do Palácio da Guanabara —era
um governo que trabalhava com os anseios da comunidade. Então ele
era contra o planejamento. Foi uma época em que não se planejava.
Mas temos também que relativizar, porque ele governou na década de
1980, em que a inflação era altíssima e o mercado atualizava os preços
com frequência. (Entrevista 6)

Tal aproximação das demandas das comunidades careciam, no entanto, da


construção de outras institucionalidades que permitissem a construção de novos
modelos de planejamento participativo, mas era mediada pela marcante presença do
carisma do governador, que não deixava de atender, quando possível, às necessidades
sempre urgentes apresentadas pelas comunidades historicamente depauperadas.

O Brizola era muito imediatista, muito pragmático. Ocorria um


problema e ele queria resolver logo. Ele tinha uma cabeça
progressista, mas com uma atitude de interior. Era o perfil do
caudilho... ele era gaúcho. Costumava falar: “Fulano veio a mim, me
pedindo para fazer tal coisa e eu mandei Sicrano ir lá resolver.” Ele
criticava tanto o coronelismo, mas tinha uma atitude semelhante.
(Entrevista 5)

Evidente que não se está dizendo que o Governo Brizola se limitou a agir no
“picadinho”, mas fica claro que a crítica de Brizola ao planejamento tecnocrático não
foi seguida de uma formulação clara e alternativa de planejamento. O Governo Brizola
ficou muito caracterizado por projetos bastante avançados do ponto de vista político,
como no caso do projeto dos CIEPs, mas ao mesmo tempo, eram projetos focalizados,
setorializados, e mesmo assim permeados por certo improviso.
Não há registro, por exemplo, de uma ação da FUNDREM no planejamento da
instalação das escolas projetadas por Oscar Niemeyer. Ficou para a posteridade
imaginar o que a expertise da FUNDREM poderia ter contribuído para o
desenvolvimento da política de educação pensada por Darcy Ribeiro95.
Na proposta do Governo Brizola, a atividade de planejamento deveria seguir
uma lógica distinta daquela que imperou nos governos anteriores. Na mensagem de
1984, o governador comunicou a mudança de orientação do modus operandi da

95
Na entrevista 6, houve o seguinte comentário sobre os CIEPS: “O Governo Brizola teve muitas coisas
boas, como o plano do Darcy Ribeiro para os CIEPs, que era uma proposta pedagógica fantástica, mas
que nunca foi implementada. Se limitou à construção dos CIEPs, tinha que construir 500, transformando
o programa em CIEP pelo CIEP.” Ou seja, o programa teria perdido seu caráter global devido à
concentração no esforço de garantir a estrutura física.
277

SECPLAN, que deixaria para trás “as atividades burocráticas que amarravam seu
desempenho”, passando a efetivamente planejar e integrar as diversas áreas do governo,
além de ter sido alçada ao papel de assessoramento direto do governador. Essa nova
forma de planejar que foi defendida por Brizola seguia uma lógica bastante sui generis.
A visão da equipe próxima a Brizola96 era simplificar e flexibilizar o
planejamento de modo a criar as condições materiais para a execução dos programas
prioritários estabelecidos pelo governador — principalmente o Programa Especial de
Educação.
Para tanto, em primeiro lugar tentou-se quebrar a estrutura hierarquizada e
burocrática do Sistema Estadual de Planejamento, que seria, na verdade, nada mais do
que uma projeção da estrutura do Ministério de Planejamento do Governo Federal e que
no Rio de Janeiro fora tomado pela burocratização construída pela máquina chaguista,
que como já se mencionou a respeito da FUNDREM, trouxe certa morosidade ao
planejamento.
Para a equipe de planejamento de Brizola, a situação do ERJ após sete anos de
fusão e diante da profunda crise dos anos 1980 exigia uma flexibilidade para se
enfrentar, com rapidez, os principais problemas do estado. O trabalho de pesquisa e
produção de dados técnicos passou a enfocar pequenos estudos específicos para
políticas pontuais, ao contrário do padrão dos dois governos anteriores. Apesar disso,
ainda foram elaborados projetos de longo prazo, como o Rio Ano 2000, que ficou sob
os auspícios de Darcy Ribeiro, o vice-governador.
O foco na execução dos projetos prioritários conferiu ao planejamento do
Governo Brizola um caráter eminentemente ad hoc em relação à mobilização dos
recursos humanos e materiais do Sistema Estadual de Planejamento. A filosofia que
visava a quebrar as rígidas estruturas burocráticas teve como efeito prático a mobilidade
de pessoal segundo as necessidades surgidas ao longo do governo.
No caso da FUNDREM, apesar de institucionalmente o governo ter
marginalizado sua atuação, a autarquia serviu como fonte de saber técnico
especializado, ofertando, por cessão, profissionais para órgãos mais importantes naquele
momento.

96
Aqui sintetizam-se as informações colhidas na entrevista 9, realizada com destacado membro da equipe
de planejamento do primeiro Governo Brizola e que chegou a ocupar a cadeira de secretário de
planejamento.
278

Na outra ponta, a FUNDREM também serviu para contratação de pessoas que


fossem necessárias para a execução de projetos específicos. Isso gerou, evidentemente,
conflitos, pois foi um choque entre dois horizontes sobre como deveria funcionar a
máquina pública: a ideologia tecnocrática muito forte entre os profissionais da
FUNDREM por um lado, e a concepção de espírito público dos brizolistas, para quem o
mais importante era o atendimento às demandas sociais.

Qual era o conceito? O sujeito era servidor público! Por acaso era
metroviário, por acaso era da FUNDREM ou da FAPERJ. Então, se
para o interesse público era conveniente que ocorresse uma
movimentação horizontal, você vai compondo. No metrô, por
exemplo, havia um grupo de estatísticos da melhor qualidade. Assim,
trouxemos gente de lá. E a FUNDREM também tinha, só que a
percepção dos servidores da FUNDREM foi de esvaziamento. Eles
não compravam essa ideia de que houvesse uma superestrutura
racionalizadora e ordenadora que fazia o controle.
(...)
Do ponto de vista de investir nos recursos humanos com vistas a esse
planejamento governamental, com vistas a fazer pequenos trabalhos,
que estiveram tradicionalmente na mão da FUNDREM, com vistas a
trazer técnicos para o governo, a FUNDREM acabou sendo uma
provedora de mão de obra sem muita função no governo. Isso não
quer dizer que se matou o órgão, pois às vezes, no governo, a
criatividade é muito importante, e muita coisa nasceu ali. (Entrevista
9)

Tal modus operandi encontrou muita resistência devido à existência de certo


saudosismo do modelo tecnocrático que vigorou no Governo Faria Lima. Isso se
manifestou na cisão, já mencionada, entre o político e o técnico, discurso, aliás,
difundido até o período atual.

Encontramos muita resistência na máquina pública. O tecnocratismo


estava muito arraigado. Era como se o nosso papel fosse o exercício
político e o deles era o monopólio da técnica, e nós não éramos isso.
Eu mesmo não tinha mandato. Eu fazia questão de dizer o tempo todo
que a ideologia da secretaria era o exercício da visão geral do governo
e não a reprodução do mandato de ninguém. Havia alguns que tinham
essa orientação, mas eu, que inclusive fui secretário no último ano,
combatia essas práticas. Mas muitos servidores tinham arraigada a
ideia que eles eram permanentes e nós só estávamos de passagem.
(Entrevista 9)

Por fim, e não menos importante, estava a profunda crise financeira que foi
imposta ao ERJ em virtude do bloqueio dos repasses federais, em especial daqueles
relacionados à política urbana e metropolitana, que a partir de meados de 1983 deixaram
279

de ser disponibilizados para os entes estaduais97. Para o ERJ isso foi particularmente
dramático, pois haviam se passado somente oito anos da fusão, e o estado ainda se
encontrava em pleno processo de consolidação institucional.
Segundo as informações coletadas nas prestações de contas do Governo Brizola,
verifica-se que houve uma acentuada queda da destinação de recursos para o Fundo
Contábil e para a rubrica de desenvolvimento regional em relação ao último exercício
fiscal do Governo Chagas Freitas.
A verba destinada à FUNDREM paulatinamente foi diminuída, apesar de
manter-se na faixa que teve durante os governos anteriores (lembrando que em Faria
Lima, se chegou a destinar 0,07% das despesas gerais a essa fundação). A SECDREM,
por outro lado, foi, de longe, a secretaria menos aquinhoada do estado, o que confirma o
diagnóstico da pouca importância que teve na burocracia estadual. Quanto ao Fundo
Contábil, em específico, a rubrica deixou de ser anotada na prestação de contas, com
exceção do ano de 1984, quando ainda assim foi ínfima, apontando para o abandono
desse fundo devido à falta de recursos federais.

Quadro 10: Despesa orçamentária com planejamento urbano e regional do


Governo Brizola
1983 1984 1985 1986
870.128.361.097,8 2.766.424.803.826, 11.322.555.998.420, 38.738.767.933,4
Despesa executada 1 00 00 3

FUNDREM 1.305.705.504,29 3.581.007.026,00 12.704.829.143,00 32.287.117,66

FCRM nd 460.000.000,00 nd nd

SECDREM nd 77.350.959,00 885.387.119,00 4.149.117,88


Desenvolvimento
Regional 4.952.377.210,81 230.000.000,00 nd 5.136.173,65
% FUNDREM 0,15% 0,13% 0,11% 0,08%
% FCRM nd 0,02% nd nd
% SECDREM nd 0,00% 0,01% 0,01%
%
Desenvolvimento
Regional 0,57% 0,01% nd 0,01%
Fonte: TCE-RJ – Valores em Cr$

97
Segundo Santos et al (2014) a extinção do FNDU em 1983 desestimulou os governos estaduais a
continuarem as políticas metropolitanas, da mesma maneira como como deixou de atrair os municípios a
aderirem à estrutura de planejamento.
280

Segundo registram as mensagens de Brizola à ALERJ e as informações


prestadas na entrevista 9, o Governo Brizola realizou um grande esforço para recompor
as capacidades de investimento estadual, por meio da tentativa de tornar mais eficiente o
aparelho arrecadador, das negociações com o Governo Federal para reverter o bloqueio
de financiamentos da CEF, do BNH e do BNDES, do esforço de rolagem da dívida do
Tesouro do Estado, e da adoção de medidas de austeridade.
Com efeito, para além das opções políticas e administrativas do Governo Brizola
que acentuaram a marginalização do planejamento urbano e regional no arranjo
institucional estadual, a escassez de recursos para a realização de investimentos, em um
contexto de fusão ainda incompleta, terminou por praticamente matar, por inanição,
todo o sistema de planejamento que tinha a FUNDREM como eixo central. Todo
recurso que era passível de uso foi aplicado nos programas prioritários do governo,
utilizando-se inclusive, sempre que possível, aqueles procedimentos já mencionados de
horizontalidade da alocação de recursos.

5.4.4- A eutanásia da FUNDREM: o Governo Moreira Franco

Apesar de, ao contrário de Brizola, contar com grande apoio de importantes


segmentos do empresariado e da imprensa carioca, o Governo Moreira Franco passou
deixando poucas marcas significativas de sua administração. Como se demonstrou,
adotou um discurso completamente diferente de Brizola, ao defender uma estratégia
regionalista para o ERJ, para a qual a recolocação do planejamento do tipo tecnocrático
seria um passo fundamental.
Para tanto, fez uma nova regionalização, em substituição às regiões-programa98,
já em desuso, criou a Fundação CIDE, criou a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e
Regional (SEDUR) e prometia, em seu plano de governo, devolver à FUNDREM suas
antigas funções de planejamento e coordenação da política metropolitana.
De fato, durante o Governo Moreira Franco, houve uma destinação sem
precedentes desde a fusão à rubrica específica do desenvolvimento regional, sendo que
a SEDUR chegou a ser uma das secretarias mais aquinhoadas do governo. O Fundo

98
Segundo o relato da entrevista 6, essa nova regionalização promovida pelo Governo Moreira Franco ao
contrário das regiões-programa não se baseou em estudos fundamentados pelas teorias da regionalização.
As regiões-programa tinham tido como referência os indicadores de centralidade urbana e polarização. As
regiões de governo do Governo Moreira Franco eram baseadas no conhecimento empírico do governador
e de sua equipe, o que foi responsável pela criação de regiões que, segundo os cânones do saber técnico,
não possuem fundamento para o planejamento.
281

Contábil, por outro lado, continuou com uma participação ínfima e a FUNDREM
manteve aproximadamente na mesma faixa histórica de gastos (entre 0,10% e 0,15%),
menos em 1989, quando foi extinta.

Quadro 11: Despesa orçamentária com planejamento urbano e regional do


Governo Moreira Franco
1987 1988 1989
Despesa executada 110.423.280.241,83 908.269.525.469,51 11.351.472.627,70
FUNDREM 129.336.258,00 1.089.902.768,00 3.951.353,10
FCRM 12.000.000,00 2.561.209.332,00 nd
SEDUR 21.923.271,37 47.914.179.348,30 328.331.449,11
Desenvolvimento regional 12.079.528.872,00 80.760.482.073,60 1.515.636.215,36
% FUNDREM 0,12% 0,12% 0,03%
% FCRM 0,01% 0,28% nd
% SEDUR 0,02% 5,28% 2,89%
% Desenvolvimento regional 10,94% 8,89% 13,35%
Fonte: TCE-RJ. Valores em Cz$.

Não obstante tais elementos, o Governo Moreira Franco, como já assinalado, se


caracterizou pela sua inexpressividade política e programática. Isso se expressou na
pequena efetividade das medidas que supostamente recolocariam o planejamento no
centro da ação governativa.

É muito triste dizer isso. Mas até para criticar é preciso haver um fato
para fazê-lo. Acontece que no Governo Moreira Franco não existe
nenhum fato que possamos avaliar positivamente ou negativamente.
Foi um governo que passou. Foi um governo de benesses entre seus
pares, que no princípio teve bom trânsito no Governo Federal, e nada
além disso. (...) a política de saneamento foi horrível, não investiu no
interior do ERJ, não investiu na antiga Guanabara, mal teve a
manutenção do que já existia. Simplesmente não há como definir seu
governo. (Entrevista 5)

O Governo Moreira Franco foi um desastre, mas começou


relativamente bem nos dois primeiros anos, pelo menos na parte de
planejamento. Mas ele teve quatro secretários de planejamento e cinco
subsecretários em quatro anos. Nenhum governo resiste a isso.
(Entrevista 6)

Assim, o que se verificou, apesar da retórica e dos recursos que foram destinados
à área de desenvolvimento regional, foi a continuação do esvaziamento do arranjo
institucional de planejamento urbano e regional do ERJ. O Sistema Estadual de
282

Planejamento já fora desmontado durante o Governo Brizola, e durante o Governo


Moreira Franco o processo se aprofundou. Isso porque, no Governo Brizola, apesar da
atividade de planejamento ter sido desacreditada, havia programas setoriais de grande
alcance que marcaram a trajetória governamental naquele momento.
O Governo Moreira Franco, ao contrário, nem reestabeleceu o planejamento
tecnocrático, nem constituiu programas governamentais de fôlego. Mais do que seus
antecessores, o Governo Moreira Franco se concentrou principalmente em projetos ad
hoc, dependendo da influência política de seus proponentes.

Funcionou na época do Moreira Franco da mesma forma como


funciona hoje. Os órgãos setoriais têm seus programas, mas não é
planejamento, são programas de investimentos. E esses programas são
encaminhados de uma maneira assistêmica pelos órgãos para
aprovação só de verba. O gestor do órgão que tiver mais poder
político junto do governador consegue aprovar esse ou aquele projeto.
(...) Assim, os recursos são alocados para os projetos daqueles órgãos
que possuem maior poder político junto ao governador, e também por
sua capacidade de convencimento. (Entrevista 4)

Ao se reconstituir a história da FUNDREM durante o Governo Moreira Franco,


nota-se que a autarquia se transformou em sombra de si mesma. Entre a posse do
governador em 15 de março de 1987 e a extinção da FUNDREM em junho de 1989,
aprofundou-se processo de esvaziamento iniciado com Brizola, com a fundação
perdendo por completo sua identidade institucional e transformando-se em órgão
marginal da estrutura estadual.
A FUNDREM reproduziu, na verdade, a falta de identidade do próprio governo.
Muitos dos seus técnicos encontravam-se cedidos para outros órgãos e aqueles que
permaneceram na autarquia ficaram sem o que fazer. A perda do prestígio e da
centralidade da FUNDREM foi simbolizada pela própria localização física da autarquia.

O processo de extinção da FUNDREM durante os governos Brizola


e Moreira Franco pode ser observado na própria localização da
entidade. Ela ficava alojada no Palácio da Guanabara, no terceiro
andar do prédio anexo. Aquele prédio, que hoje abriga a Casa Civil,
é um símbolo, porque foi construído para a Secretaria de
Planejamento do Estado da Guanabara, ainda no Governo Negrão de
Lima. Simbolizou, portanto, o planejamento, porque foi construído
para abrigá-lo. Quando veio a fusão, o Faria Lima consolidou a
divisão do prédio: a FIDERJ no segundo andar, a FUNDREM no
terceiro andar, no quarto andar a subsecretaria de orçamento, no
quinto e sexto andares a SECPLAN propriamente dita. Com o
283

Chagas Freitas já começou a misturar, pois ele começou a levar


outros órgãos para o prédio, gerando problemas de espaço. Foi
ficando apertado e iniciou-se o deslocamento dos antigos órgãos, até
que, quando o Moreira Franco entrou, a FUNDREM estava no
convento na Praça Afonso Pena, na Tijuca.
(...)
A FUNDREM foi literalmente despejada, indo parar no convento
próximo à Praça Afonso Pena. Nesse momento muita gente migrou,
alguns inclusive vindo trabalhar comigo (na SECPLAN), porque não
aguentavam trabalhar no convento. Isso porque não tinha mais nada,
era uma coisa deprimente. (Entrevista 6)

A criação da SEDUR, em substituição à SECDREM, apesar da maior


disponibilidade de recursos na pasta, não significou nenhuma mudança para a situação
da FUNDREM, que continuou subordinada a uma secretaria que lhe subtraía a
autonomia. Situação contrária àquela encontrada nos governos Faria Lima e Chagas
Freitas, quando a FUNDREM era complementar à SECPLAN, ou seja, fazia parte do
eixo central do planejamento governamental, tendo papel de assessoramento para os
assuntos metropolitanos e sendo um dos setores do governo com maior prestígio
profissional, assim como com os maiores salários.
A SEDUR, como foi informado por um dos entrevistados, era na verdade uma
espécie de secretaria de obras. Mas ainda assim, antigos nomes que eram ligados ao
início da FUNDREM estavam nessa secretaria, chegando a se esforçar para recolocar a
FUNDREM nos antigos caminhos, porém sendo um esforço individual, sem muito
apoio político, não conseguiram reverter a situação da FUNDREM, que fisicamente já
se encontrava alijada de sua posição de outrora.

O Governo Moreira Franco criou a SEDUR, à qual a FUNDREM


era ligada, e de que Maurício Nogueira foi diretor. Como eu disse,
o Moreira Franco começou com algumas ideias, mas depois caiu
numa decadência total. A própria SEDUR não conseguiu manter a
FUNDREM. O fato era que fisicamente a FUNDREM na época da
sua extinção já estava completamente alijada, esquecida no
convento, sendo que seus melhores técnicos já haviam
providenciado sua saída há muito tempo. Uma arquiteta que
trabalhou comigo e era um excelente quadro, quando começou o
desmonte saiu do estado. Disse que não queria mais. E isso ocorreu
com vários técnicos. Foi a desintegração total daquela equipe
técnica da FUNDREM. E quem ficou não tinha mais condições
para trabalhar.
(...) Quando a FUNDREM foi extinta, a verdade é que ninguém ia
mais lá. Ela foi acabando mesmo, de modo muito triste. E os
técnicos foram abandonando. Porque quem era profissional e
queria trabalhar, queria crescer profissionalmente, pedia para sair
da FUNDREM. Um secretário ou outro fazia a requisição e eles
284

saíam, porque a FUNDREM não tinha nem a força, nem a moral


para negar. (Entrevista 6)

A extinção da FUNDREM nada mais foi do que o apagar das luzes e o fechar de
portas de um órgão que na prática já deixara de existir há muito tempo. São escassas as
referências da decisão de Moreira Franco em extingui-la, a não ser pequenas notas na
imprensa, sem muito destaque. A justificativa da decisão, de que a FUNDREM se
tornara um antro de corrupção, conforme se mencionou no capítulo 4, foi tão
irrelevante, que quando ainda hoje se fala do fato, a maioria dos entrevistados nem se
lembra do ocorrido, alguns até mesmo duvidando da notícia.
O que fica demonstrado pela reação dos entrevistados é que na verdade o caso
noticiado na época foi algo completamente marginal, sem importância, pois a
FUNDREM já estava com os dias contados pelo próprio processo de esvaziamento
iniciado por Brizola e concluído por Moreira Franco. O fato era que a FUNDREM já se
encontrava em estado terminal e sua extinção nada mais foi que sua eutanásia.
Por fim, todo o legado do trabalho da FUNDREM, materializado nos seus
trabalhos técnicos, nos seus relatórios de atividades anuais, no importante trabalho
aerofotogramétrico e de cartografia, após alguma discussão entre os responsáveis pela
destinação do acervo, acabou sendo enviado para um depósito de propriedade do estado
na Avenida Brasil99. A partir dali foi-se perdendo grande parte do acervo do que, um
dia, e apesar de seus descaminhos, produziu-se a respeito de uma política regional de
desenvolvimento metropolitano.

O acervo foi transferido para um depósito na Avenida Brasil. Só que


depois vieram governos que não tinham a mínima preocupação com
os destinos do acervo. O Brizola voltou e fez alguns programas
financiados pelo Banco Mundial na região metropolitana, como o
Baixada Viva, que depois virou Nova Baixada, e o GEDEG, que era
para a despoluição da baía de Guanabara. Mas eram programas.
Enquanto isso, o acervo ficou lá abandonado. Se o Governo Moreira
Franco foi ruim, o Marcelo Allencar, que veio depois do Brizola, foi
um desastre. Ele veio com a filosofia do Fernando Henrique Cardoso
da desestatização. Iniciou-se o período das concessões e ninguém se
preocupava com o que havia antes. Se você for ler o plano de governo
do Marcello Alencar vai ver que o carro-chefe era a desestatização, ou
seja, esvaziar o Estado e privatizar. (Entrevista 6)

99
Segundo o relato da entrevista 6, houve um acirrado debate no grupo responsável pelo espólio da
FUNDREM. Uns defendiam que o acervo fosse transferido para a Fundação CIDE, onde ele seria
preservado. Outros, que fosse destinado para o depósito da Avenida Brasil de modo provisório, pois
alguns ainda alimentavam a esperança de refundar a FUNDREM. A segunda opinião acabou
prevalecendo.
285

Um fim melancólico para o órgão que sintetizou um dos trunfos que


justificavam a fusão, que era a criação da região metropolitana do Rio de Janeiro. Sua
extinção nada mais foi do que a conclusão na esfera institucional daquilo que na política
já se tinha feito há muito tempo: a exclusão da questão regional fluminense da agenda
do ERJ.

5.5- A representatividade da FUNDREM no esvaziamento da questão regional


fluminense

A FUNDREM foi o mais importante órgão criado no ERJ desde a fusão no que
se refere ao planejamento urbano e regional. Foi, na verdade, o único órgão de
planejamento regional que o estado logrou ter, já que desde o início faltou ao interior
uma institucionalidade autônoma direcionada para a produção de conhecimentos e
propostas de desenvolvimento. Assim, apesar de dedicada a um aspecto peculiar da
questão regional fluminense, a problemática metropolitana, a FUNDREM sintetizou em
sua trajetória a força e o ocaso da questão na agenda governamental.
Portanto, a partir da análise feita neste capítulo, pode-se constatar duas
conclusões principais sobre essa trajetória.
Em primeiro lugar, apesar da existência de algum debate desde pelo menos o
final da década de 1950, a demanda pela institucionalização da região metropolitana do
Rio de Janeiro não ocorreu a partir da agenda local, mas pelas deliberações da cúpula do
Governo Federal. O antigo Estado da Guanabara continuava às voltas com as
implicações de ser uma ex-capital, de modo que centrou suas preocupações em como
manter a centralidade do município do Rio na política nacional. Consequentemente,
com algumas exceções, a intelligentsia carioca continuava cega ao que ocorria ao seu
redor. Já o antigo ERJ, debilitado pela estagnação econômica da maior parte de seu
território, se encastelava no provincianismo.
Com a criação da legislação concernente às regiões metropolitanas e aos arranjos
institucionais que deveriam dar conta da problemática urbana e metropolitana em nível
nacional, o cenário transformou-se rapidamente para os dois antigos estados, e os
militares se mostraram dispostos a tomar alguma resolução para o caso do Rio de
Janeiro.
286

Nas vésperas da decisão autocrática de realizar a fusão, havia grande dúvida


sobre como a legislação metropolitana daria conta da segunda metrópole nacional,
naquela época não tão distante de São Paulo em termos populacionais e mesmo
econômicos. A julgar pelos textos jurídicos sobre a legislação metropolitana, esperava-
se que houvesse alguma composição interestadual, regulada por órgão do Governo
Federal, não sendo prevista a fusão como a melhor saída devido ao imbróglio político
que se avizinhava a tal decisão.
Quando Geisel assumiu, porém, a proposta da fusão foi logo colocada na
agenda, à revelia de um debate político mais qualificado tanto em nível federal quanto
em nível dos dois estados. Por outro lado, a demanda pela criação oficial da região
metropolitana do Rio de Janeiro apontava para o diagnóstico de que alguma intervenção
federal devesse ser realizada, mesmo que por meio da fusão, que era, como se
demonstrou ao longo da tese, uma opção atraente para certos segmentos das elites
cariocas e fluminenses. O problema era que esse debate vinha perdendo força ao longo
da década precedente, mas foi recolocado autoritariamente na agenda pelo viés
tecnocrático que caracterizou o Governo Geisel.
Nesse sentido, quando o governador Faria Lima foi empossado como interventor
da Presidência da República, lhe faltava legitimidade política, que ele tentou compensar
pela opção pela racionalidade tecnocrática, a “arquiteta” da reestruturação institucional
que operacionalizaria a construção do novo estado. Sendo, então, a questão regional
fluminense e em especial a questão metropolitana os motes centrais do projeto da fusão,
o arranjo institucional criado para o planejamento da região metropolitana do Rio de
Janeiro seguiu o exigido pelas leis complementares 14/1973 e 20/1974, buscando ainda
barrar “contaminações políticas” na forma de atuar dessas instituições. Ou seja, por uma
decisão de cúpula do Governo Federal com base em uma justificativa de caráter
tecnocrático, gerou-se uma irreconciliável cisão dessa racionalidade com os campos
políticos que dominavam os estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.
Chega-se, assim, à segunda conclusão: na falta de um aprofundamento do debate
político sobre a necessidade da fusão para criar a região metropolitana do Rio de
Janeiro, perdeu-se a oportunidade de incluir a organicidade da questão metropolitana (e
da questão regional) na agenda política do novo estado.
A contrapartida pelo estilo tecnocrático de governar ficou, assim, dependente da
força da política urbana que era feita pelo Governo Federal. O arrefecimento e o
posterior cancelamento do apoio federal ao projeto da fusão e à institucionalidade
287

metropolitana acabaram por alijar a questão da agenda. Sobrou, no entanto, uma firme
cisão entre a racionalidade dos técnicos e a racionalidade dos políticos, manifestada no
clima de desconfiança entre a burocracia estadual e a maior parte dos políticos,
independentemente de suas opções ideológicas.
Salta aos olhos, por exemplo, o certo saudosismo de muitos profissionais de
carreira da época do Faria Lima, que apesar do autoritarismo político do regime,
concedia boas condições para trabalhar. Por outro lado, a falta de organicidade política
que caracterizou a fusão e a sua agenda levou ao abandono das instituições ligadas à
questão regional fluminense, quando do avanço da racionalidade política frente ao
enfraquecimento do viés tecnocrático.
A trajetória institucional da FUNDREM foi um termômetro dessas contradições.
Criada segundo a racionalidade tecnocrática e amparada por um arranjo institucional de
âmbito federal, a FUNDREM teve nos seus primeiros quatro anos o viço da juventude.
Composta por quadros técnicos formados na área de planejamento urbano e regional
que tinham espaço para colocar em prática o que aprenderam nos bancos universitários,
com o apoio do governo e aquinhoada com boa disponibilidade de recursos, a
FUNDREM apresentou intensa atividade de produção de dados e elaboração de
projetos. Localizada próximo ao eixo central do Governo Faria Lima, no prédio anexo
onde ficava a SECPLAN, a FUNDREM ocupava um lugar de prestígio junto ao
governo, sendo uma voz relevante nas decisões governamentais.
Apesar disso, havia choques entre a racionalidade tecnocrática da FUNDREM e
o campo político dos municípios da região metropolitana. Isso se manifestou
principalmente em relação à prefeitura do Rio de Janeiro, que, não obstante a
desorganização criada pela fusão, possuía certa autonomia financeira para realizar seu
próprio planejamento, independentemente da FUNDREM.
Apesar de setores dos quadros técnicos municipais possuírem mais
identificações do que diferenças em relação ao planejamento metropolitano, a força da
racionalidade política carioca se sobrepôs, fundamentando um quadro de oposição da
prefeitura em relação às intervenções da FUNDREM. As demais prefeituras, no entanto,
não possuíam a mesma margem de manobra financeira e técnica que o Rio de Janeiro, o
que as tornou mais abertas à FUNDREM devido à disponibilidade financeira que existia
através do Fundo Contábil. Ainda assim, não se tratava de uma relação sem conflitos e
tentativas de cooptação dos técnicos ligados aos “picadinhos”.
288

Durante o Governo Faria Lima, a FUNDREM se concentrou muito mais nesse


trabalho inicial de produzir conhecimentos sobre a região metropolitana e elaborar
projetos técnicos. Quando Chagas Freitas assumiu o governo, a orientação da
FUNDREM sofreu uma mudança de rumo. Apesar de dar continuidade aos projetos em
andamento, concluindo-os, o novo governo transformou a FUNDREM também em um
órgão executor, atividade que inicialmente não era prevista como uma das competências
da FUNDREM. A FUNDREM tornou-se maior, sofrendo uma reestruturação
administrativa que ampliou o número de diretorias e de departamentos setoriais.
Verificou-se uma discreta, porém firme perda de espaço do tecnocratismo em
favor do avanço da lógica clientelística do chaguismo. Apesar de ter mantido o perfil
profissional do quadro técnico, a FUNDREM passou a ser dirigida por pessoas que,
antes de tudo, eram da inteira confiança do governador, ainda que algumas delas não
tivessem expertise na área de planejamento urbano e regional. Com isso, a FUNDREM
teve uma mudança de posição na estrutura do governo, deixando de ser uma espécie de
assessora especial para assuntos metropolitanos para ser o meio pelo qual se poderia
realizar obras que davam visibilidade política ao governo e a seus aliados políticos na
Baixada Fluminense, onde havia um precioso estoque de eleitores.
No entanto, a FUNDREM continuava importante. Começava a perder, porém, o
viço da juventude. O suporte federal passou a ser cada vez mais incerto, sendo
necessários pedidos ad hoc de recursos junto aos órgãos federais. O Fundo Contábil
passou a ser irrigado com uma participação maior do Tesouro Estadual, fragilizando a
viabilidade a longo prazo dessa fonte de recursos. E por fim, a mudança da competência
da FUNDREM arrefeceu uma de suas atividades mais importantes, que era a produção
de conhecimentos e de dados sobre a realidade metropolitana. Apesar de ainda se
manter ativa, as condições que suportaram sua criação e sua filosofia de trabalho já não
estavam presentes ou estavam, pelo menos, marginalizadas. A agenda governamental
começava a mudar.
A ruptura ocorreu com o Governo Brizola, que por razões internas e externas
abdicou de continuar utilizando a estrutura de planejamento metropolitano. Entre as
razões externas está principalmente a deterioração da situação fiscal do estado em
virtude tanto da crise econômica que se abateu sobre o país quanto do passivo herdado
dos governos anteriores, que se endividaram pelos custos da própria fusão e de grandes
projetos como o metrô. Em razão da crise econômica, o Governo Federal bloqueou os
investimentos ligados à política urbana e metropolitana a partir de 1983, assim como
289

dificultou a obtenção de novos financiamentos. O Fundo Contábil perdeu


completamente sua serventia, pois deixou de receber os recursos tanto federais quanto
estaduais.
Porém, mais do que uma crise de financiamento, a ruptura com o Sistema
Estadual de Planejamento — e em especial com o planejamento metropolitano —
ocorreu devido à própria filosofia do governo, que era um crítico mordaz do
tecnocratismo. Além disso, a chegada de Brizola desestruturou o campo político ao
combater a máquina chaguista instalada na burocracia do estado e ao tentar substituí-la
pelo brizolismo.
A FUNDREM sofreu um completo esvaziamento naquele momento. Foi
deslocada da posição formal que ocupava como órgão formulador e executor da política
metropolitana, diretamente ligada à SECPLAN, e substituída pela SECDREM, à qual
passou a ser subordinada.
A SECDREM era uma secretaria de menor importância, a pasta com menor
orçamento do governo e, na prática, não exercia nenhum papel relevante para a região
metropolitana. A FUNDREM passou a ser ocupada por gente ligada ao PDT, que não
tinha formação condizente com o perfil da autarquia e, por outro lado, passou a ser uma
provedora de profissionais qualificados para outros setores do serviço público estadual,
segundo a orientação do modelo de planejamento do governo cujo foco era atuar em
torno de programas setoriais prioritários. O processo de esvaziamento da FUNDREM
foi materializado pela sua saída do prédio anexo ao Palácio da Guanabara, que
simbolicamente desde o Governo Negrão de Lima, ainda no Estado da Guanabara, era
associado à atividade de planejamento.
A chegada de Moreira Franco ao governo representou somente o agravamento
da situação da FUNDREM, apesar das promessas não cumpridas de recolocá-la no seu
papel de coordenação. A única mudança operada por Moreira Franco foi substituir a
SECDREM pela SEDUR como pasta hierarquicamente superior à FUNDREM.
Apesar de a SEDUR ter sido muito mais bem aquinhoada de recursos
orçamentários do que a SECDREM, isso não se manifestou numa melhoria da política
metropolitana. A FUNDREM continuava sendo um espectro de si mesma, isolada em
um convento e sem nenhuma função, de modo que sua extinção foi feita sem dramas e
com poucos lamentos. Pouco respeito se teve, depois, com seu legado, já que mesmo
seu espólio fora abandonado, e o tempo e o desleixo à memória, tão característico no
290

ERJ, acabaram por destruir a maior parte dos documentos que contavam a curta história
da FUNDREM.
291

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante sua formação territorial, o ERJ foi seguidamente fraturado por eventos
político-institucionais, que aprofundaram as assimetrias geradas pelo processo
econômico de desenvolvimento desigual derivadas da sua inserção na divisão regional
do trabalho no Brasil.
Caracteriza esse processo a inter-relação de múltiplos fatores que, a partir de
diferentes escalas geográficas, são sintetizados numa formação socioeconômica
específica. No caso do ERJ, as contradições territoriais oriundas da forma como se
estruturou a economia fluminense, sua inserção na dinâmica do capitalismo brasileiro e
as fragmentações criadas pela ação do Estado, em especial do Governo Federal,
inseriram-se no debate público como uma problemática específica do ERJ, que se
denomina nesta tese como questão regional fluminense.
A criação do Município Neutro em 1834 deu origem a dois fenômenos
relacionados e contraditórios. Por um lado, descolou a cidade do Rio de Janeiro da
Província Fluminense, transformando-a no território da capitalidade, base para a
construção da imagem da nação. Por outro, não extinguiu as relações de polarização e
complementaridade com o entorno pertencente à Província Fluminense.
Essa complementaridade foi fundamental durante os anos de consolidação do
Império, pois os recursos que garantiram a estabilidade do poder da corte sediada no
Rio de Janeiro provinham do interior fluminense. Da mesma maneira, o pleno
desenvolvimento da cafeicultura só foi possível por meio do financiamento concedido
pelo capital mercantil e bancário sediado na cidade do Rio de Janeiro. Essa exercia
ainda a função de mercado de consumo para diversos outros gêneros que eram
produzidos na antiga província, caso do açúcar produzido nas planícies de Campos dos
Goytacazes, que se destinava principalmente ao consumo interno. Nesse sentido,
verifica-se que quando da primeira cisão institucional, a riqueza que permitiu à cidade
do Rio de Janeiro a centralidade e lhe garantiu a condição de capital era, em grande
parte, gerada pela Província Fluminense.
Entretanto, a consolidação da função político-administrativa na cidade do Rio de
Janeiro, principalmente após a Proclamação da República, fez do setor público o
principal motor do desenvolvimento da cidade, permitindo a industrialização e a
diversificação das atividades terciárias.
292

A aceleração da integração nacional por meio da formação do mercado interno,


ainda que passasse a ser liderado por São Paulo, não trouxe grandes problemas à cidade,
visto que, na condição de capital, se beneficiava diretamente com a arrecadação de
tributos de todo o país.
O antigo ERJ, por sua vez, começava a sua lenta agonia, causada pela
decadência da cafeicultura, com exceção do Norte Fluminense que, em relativo
isolamento, trilhava caminhos próprios com a agroindústria açucareira. Mas mesmo
essa atividade pouco a pouco seguiu o mesmo caminho da cafeicultura, sendo
igualmente sobrepujada pela atividade desenvolvida no interior de São Paulo.
Formaram-se, assim, duas dinâmicas distintas entre a cidade do Rio de Janeiro e
o antigo ERJ: (1) um processo de perda de participação relativa tanto do antigo ERJ,
quanto da cidade do Rio de Janeiro; (2) o retardamento da sensação de crise na cidade
do Rio de Janeiro devido à cisão institucional e à presença maciça do setor público em
sua economia. Essas dinâmicas distintas estão na base do processo de desenvolvimento
desigual do ERJ. Porém, para ser uma questão regional, esses fenômenos precisam ser
alçados à condição de problemáticas cuja resolução deve ser encaminhada para a esfera
do Estado.
No ERJ isso não ocorreu até às vésperas da segunda ruptura institucional: a
transferência da capital para Brasília. Diante da perspectiva de perda de segmentos
importantes do setor público sediados na cidade do Rio de Janeiro, iniciou-se intenso
debate sobre o futuro tanto dessa quanto do ERJ.
A tese do esvaziamento econômico do então Distrito Federal animou a
formulação da ideia da fusão, que repararia a separação artificialmente realizada pelo
Império. O ponto comum daqueles que defendiam a ideia era que, a despeito das
diferenças forjadas após décadas de cisão institucional, as complementaridades da
cidade do Rio com seu entorno eram fortes o suficiente para propor a maior
racionalidade da medida.
Além de a cidade do Rio de Janeiro depender de recursos que eram originários
do antigo ERJ — caso do abastecimento de água — havia o processo de metropolização
que estava induzindo a transferência de plantas industriais para fora do território
carioca.
Por outro lado, os defensores da tese da criação do Estado da Guanabara
argumentavam que as diferenças econômicas, políticas e sociais eram grandes demais
para serem reconciliadas por meio da fusão, de modo que esse ato geraria mais
293

problemas do que soluções. Apesar do debate, o tema não chegou a entrar na agenda
governamental, pois segundo previsto na Constituição de 1946, após a construção da
nova capital a cidade do Rio de Janeiro seria transformada em estado.
Os primeiros anos do Estado da Guanabara foram bastante prósperos. Com
disponibilidade de recursos estaduais e municipais em um único caixa, os governos
Lacerda e Negrão de Lima empreenderam uma série de obras urbanas que
modernizaram e embelezaram a cidade. Além disso, o Estado da Guanabara não perdera
de imediato todas as funções de capital, sendo considerada a capital de fato do país,
apesar de Brasília. Isso era reafirmado principalmente por Carlos Lacerda que, tendo em
vista seu objetivo de alcançar a presidência, tentava transformar, sob sua administração,
o Estado da Guanabara em um modelo para o país.
Não obstante, segmentos importantes do empresariado carioca, representados
pela FIEGA e pelo CIRJ, continuavam a manter em debate a tese da fusão como solução
para o “esvaziamento” da Guanabara, que estaria, segundo os estudos patrocinados por
essas entidades, perdendo indústrias para outros estados, incluindo o antigo ERJ. Sem
inserção, no entanto, do tema na agenda governamental carioca, o pleito era dirigido ao
Governo Federal, que poderia levar à frente a proposta.
Foi somente em 1974, com a posse de Geisel, que a causa foi atendida, ainda
que muito mais pelas convicções geopolíticas de Geisel e seu principal estrategista,
Golbery do Couto e Silva, do que em atendimento às solicitações do empresariado
carioca. A fusão foi realizada à revelia do debate público tanto na Guanabara quanto no
antigo ERJ.
Politicamente sem legitimidade, o Governo Federal buscou na racionalidade
tecnocrática as justificativas para a fusão, que se remeteram aos temas que já haviam
feito parte das discussões ocorridas desde 1958. Apontando para a artificialidade da
cisão entre dois territórios que na verdade seriam um só, a exposição de motivos da LC
no 20 de 1974 inseriu como objetivo da fusão a consolidação do segundo polo de
desenvolvimento do Brasil por meio da integração da Guanabara com o antigo ERJ, em
especial pela criação da RMRJ, que seria o principal indutor do desenvolvimento
econômico do novo estado.
Com efeito, por meio do ato autoritário do Governo Federal, que engendrou a
terceira ruptura institucional ocorrida no ERJ, se inseriu a questão regional fluminense
na agenda governamental do novo estado. Sem apresentar organicidade política, a
294

questão foi formulada e enfrentada segundo a perspectiva tecnocrática, que foi a que
caracterizou o Governo Faria Lima, o responsável por realizar a fusão.
O I PLAN RIO foi o documento-chave para a implementação da fusão, em que o
Governo Faria Lima expôs de modo detalhado as linhas mestras da sua administração.
O plano se coaduna com os objetivos do II PND, que destinava ao ERJ o projeto de
consolidar, a partir da RMRJ, o segundo polo de desenvolvimento brasileiro, visando a
reduzir a concentração econômica em São Paulo.
No âmbito desse objetivo geral, o Governo Faria Lima colocou dois objetivos
principais à ação governamental: promover a integração metropolitana de modo a dotar
a RMRJ das condições para a realização dos desideratos do segundo polo de
desenvolvimento; e a integração da capital com o interior fluminense por meio da
desconcentração dos investimentos e da irradiação do desenvolvimento da RMRJ para
as demais regiões fluminenses. De modo explícito, o Governo Faria Lima procurava,
segundo uma perspectiva tecnocrática, criar uma nova coerência espacial que superasse
os dilemas territoriais da questão regional fluminense.
Nos meses que antecederam a data oficial da fusão, 15 de março de 1975,
diversos grupos de trabalho executaram as tarefas necessárias para o início do novo
governo, dentre as quais, a criação dos arranjos institucionais que seriam responsáveis
pelo planejamento urbano e regional do ERJ.
O planejamento seria coordenado pela SECPLAN, que teria uma coordenadoria
especial, a DESUR, auxiliada por dois órgãos técnicos de apoio, a FUNDREM e a
FIDERJ. A FUNDREM teria como atribuição dar assistência técnica aos municípios
metropolitanos em assuntos de planejamento urbano e regional e coordenar o
planejamento dos serviços comuns. A FIDERJ teria a função de produzir estudos e
pesquisas socioeconômicos, setoriais, regionais e urbanos que subsidiariam o processo
de planejamento do governo. Além disso, daria a assistência técnica necessária aos
municípios e aos grupos privados interessados em realizar investimentos no estado.
Em seus primeiros anos de atuação, a FUNDREM chegou a exercer a função de
um autêntico órgão de planejamento urbano e regional. Realizou uma série de estudos
especializados que deram origem aos planos diretores dos municípios metropolitanos,
excluído o Município do Rio de Janeiro, e que foram a base do Macrozoneamento da
Região Metropolitana.
A FIDERJ, por sua vez, realizou uma série de estudos que subsidiariam o
planejamento de todos os municípios do interior, assim como estudos voltados a temas
295

setoriais. Porém, a FIDERJ era um órgão mais próximo da função exercida pelo IBGE,
do que aquilo que a FUNDREM estava a caminho de se tornar, um órgão regional.
Ou seja, apesar de reflexões importantes sobre a necessidade de desenvolver o
interior, do ponto de vista institucional o Governo Faria Lima construiu, atendendo à
legislação federal, uma institucionalidade mais robusta para a região metropolitana,
enquanto o desenvolvimento do interior ficou circunscrito a engajamentos pessoais de
alguns funcionários da SECPLAN.
Assim, na ausência dessa institucionalidade para o interior, a FUNDREM foi o
principal órgão criado em consequência da inserção da questão regional fluminense na
agenda governamental. A FIDERJ também estaria ligada a essa questão, porém de
forma secundária.
Durante o Governo Faria Lima, a FUNDREM conheceu sua fase de maior
crescimento e prestígio, de modo que se tornou um dos símbolos da lógica tecnocrática
que caracterizava a gestão. Essa forma de racionalidade se contraditava com a
racionalidade dos campos políticos tanto do Município do Rio de Janeiro quanto dos
demais municípios metropolitanos. No entanto, com esses últimos, a FUNDREM
exercia certo poder de atração devido ao fato de ter acesso aos recursos do FCRM para
financiar a execução de projetos de interesse metropolitano.
Além disso, a legislação federal prometia recursos extra aos municípios que se
inserissem no planejamento metropolitano. Como a maioria dos municípios
metropolitanos possuía baixa capacidade financeira, o diálogo com a FUNDREM era
visto com bons olhos. Não foi o caso do Município do Rio de Janeiro que, tendo um
orçamento razoável e um quadro técnico qualificado, não se enquadrou no planejamento
realizado pela FUNDREM, limitando consideravelmente sua capacidade de intervenção.
Faltava à FUNDREM uma organicidade política, sendo seu poder derivado da
força do projeto da fusão e do apoio federal a subsidiar o planejamento metropolitano
através da liberação de recursos para o FCRM. O conflito entre a racionalidade política
e a racionalidade tecnocrática era latente, de modo que ausente a necessidade de
financiamento de políticas públicas, a capacidade de intervenção da FUNDREM
praticamente se extinguia. Não obstante, esse não era um problema durante os quatro
anos do Governo Faria Lima.
A posse de Chagas Freitas como governador representou o retorno das velhas
práticas clientelísticas na máquina de governo. Apesar de o Governo Faria Lima ter
deixado a fusão ainda inacabada, o Governo Chagas Freitas não colocou o projeto como
296

prioridade de sua gestão. O desiderato do segundo polo de desenvolvimento foi


abandonado, assim como toda a programação derivada dele. No seu governo, a questão
regional fluminense começou a ser retirada da agenda governamental.
A FIDERJ foi sumariamente extinta em 1980, aumentando ainda mais a
fragilidade institucional das políticas voltadas para o interior fluminense. Entretanto,
não houve rupturas com todo o arranjo institucional herdado de Faria Lima, mas a
tentativa de cooptação para o âmbito do chaguismo. Na FUNDREM isso se manifestou
na reestruturação realizada no órgão, que se tornou mais burocratizado, sendo dirigido
por pessoas de perfil profissional, porém, não necessariamente com formação na área de
planejamento urbano e regional, como nos anos anteriores.
As atribuições da FUNDREM também foram alteradas, já que deixou de ser tão
somente um órgão de planejamento para adquirir também funções de execução de
serviços públicos na Baixada Fluminense. Com isso, a FUNDREM tornou-se uma
auxiliar na estratégia clássica do chaguismo, que era a inauguração de inúmeras obras
de grande visibilidade, com o fito de conquistar votos para seus aliados políticos.
O trabalho técnico da FUNDREM, no entanto, perdeu força. Apesar de trabalhos
importantes terem sido publicados nesses anos, muitos deles eram apenas a finalização
do que já estava em andamento.
O FCRM, no entanto, tornou-se mais dependente dos recursos próprios do
estado, já que durante o Governo Chagas Freitas a disponibilidade de recursos federais
começou a diminuir, contribuindo, com isso, para a ampliação das dificuldades
financeiras do estado.
Durante o Governo Brizola ocorreu a ruptura tanto com os resquícios do modelo
tecnocrático de Faria Lima quanto com o modus operandi do chaguismo. Fosse por
convicções ideológicas do governador, que alinhava o planejamento ao autoritarismo da
ditadura, fosse pelos contingenciamentos de recursos do Governo Federal, a ação
governamental deixou de alimentar o fluxo do sistema estadual de planejamento,
deslocando-se para a execução dos programas prioritários do governo.
No caso específico do planejamento urbano e regional, o Governo Brizola
adotou como diretriz a articulação sem intermediários entre o executivo estadual e as
prefeituras. Isso se refletiu na FUNDREM, que foi totalmente esvaziada de suas
funções, sendo desvinculada da SECPLAN e subordinada à SECDREM, que
formalmente assumiria as atribuições que antes pertenciam à FUNDREM.
297

Tal ação significou a completa retirada da questão regional da agenda


governamental, visto que partir do Governo Brizola a FUNDREM a tornara-se um
órgão completamente marginal, ocupado por pessoas sem perfil profissional, enquanto
alguns dos que ainda estavam no órgão eram solicitados por outras repartições do
estado.
Tal situação não mudaria com a chegada ao Palácio da Guanabara de Moreira
Franco, que apesar de adotar o discurso de retorno do planejamento e da adoção de uma
perspectiva regional para a ação governamental, na prática aprofundou o desmonte do
que sobrou do sistema de planejamento estadual. A despeito de prometer em seu plano
de governo recolocar a FUNDREM no papel de coordenação da política metropolitana,
continuou mantendo-a subordinada à secretaria que substituiria a SECDREM, a
SEDUR.
A SEDUR foi mais bem aquinhoada de recursos do que sua antecessora, mas
isso não representou a melhoria das condições de funcionamento da FUNDREM, que
fora esquecida em um convento na Tijuca. Seu completo abandono tão somente atestava
que a agenda que motivou sua criação já estava há muito alijada das preocupações dos
grupos políticos que cercavam o governo. A extinção da FUNDREM foi a
concretização no âmbito institucional do fim de um debate na esfera pública.
Concluindo, em resposta às questões centrais desta tese, pode-se dizer que a
questão regional fluminense se inseriu no debate público sempre em consequência de
eventos que eram externos ao campo político carioca e fluminense. Apesar das
evidências concretas, as inércias construídas a partir da cisão de 1834 ganharam
organicidade nas relações de poder que se constituíram na cidade do Rio de Janeiro e no
antigo ERJ.
Foi a partir das rupturas institucionais impostas pelo Governo Federal que as
problemáticas que dariam origem à questão regional fluminense emergiam no debate,
porém sem levar a ações mais substanciais para seu enfrentamento. Isso ocorreu em
primeiro lugar com a transferência da capital e durante a fusão, que foram dois eventos
que ocorreram à revelia das forças políticas locais.
Com a fusão, a questão regional fluminense, formulada de modo mais explícito,
foi inserida na agenda governamental por grupos também alheios ao campo político
local. A concretização institucional dessa agenda, que foi o Sistema Estadual de
Planejamento, do qual a FUNDREM foi uma peça central, se constituiu a partir de uma
racionalidade que se opunha à racionalidade política.
298

Desse modo, a questão regional fluminense tornou-se um tema caro às elites


profissionais da área de planejamento, enquanto na esfera política ela rapidamente
perdeu a organicidade. Sua continuidade dependia da forte presença do ator que mais
incentivou sua inserção na agenda: o Governo Federal, fato que não se estabeleceu. A
perda de espaço da racionalidade tecnocrática e a crise de seu grande patrocinador
devolveram o novo estado à esfera da política local, que rapidamente esvaziou a agenda
que promoveu a fusão.
Assim, por falta de organicidade política, oriunda da forma com que a fusão foi
realizada e do esvaziamento político do Governo Faria Lima, a questão regional
fluminense e a institucionalidade ligada a ela foram abandonadas, ainda que as
problemáticas sociais e territoriais da questão estivessem mais presentes do que nunca.
299

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