Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Ele criou uma farsa filosófica, vestiu-a de suposta complexidade e se tornou o guia
intelectual da esquerda.
Não obstante todas essas monstruosas distorções ópticas, preciso reconhecer que uma parte
da sociedade humana funciona exatamente como Gramsci a descreve. Qual parte? Ora, a
intelectualidade militante, é claro. Ela funciona como Gramsci diz que funciona, não
apenas pela razão demasiado óbvia de que essas pessoas leram Gramsci e fazem o que ele
sugere - isto é, não apenas no sentido vulgar de profecia auto-realizável -, mas porque todo
o sistema de Gramsci é uma racionalização das ambições de poder dessa categoria de seres
criados pela expansão do ensino: o "proletariado intelectual", como o chamava Otto Maria
Carpeaux, as massas de classe média pseudoletradas, que não encontram uma função útil na
sociedade e um belo dia acabam por descobrir, com mal disfarçado alívio, que, em vez de
se matar, elas podem simplesmente inventar uma nova sociedade à sua imagem e
semelhança. Sinais de como será essa nova sociedade já estão mais que visíveis no mundo
contemporâneo, e sua imagem é, cuspida e escarrada, a cara de Antonio Gramsci.
Quando uma situação se torna confusa a ponto de desafiar toda a compreensão humana e
parecer uma treva demoníaca, é porque alguém está mentindo e algum dado fundamental
foi escamoteado da discussão pública. A intelectualidade ativista, que tem o domínio sobre
todos os canais de formação da mentalidade - desde as escolas primárias e os consultórios
de psicoterapia até os grandes organismos internacionais como a ONU e a Unesco,
passando por uma infinidade de ONGs que dão palpite em tudo -, vive e prospera sob a
sombra protetora de um discurso de luta de classes onde a única classe que nunca aparece
no ringue é ela própria. E quanto mais ela segue Antonio Gramsci, persuadindo-se de que
não é senão humilde servidora de capitalistas ou proletários, mais ela chega à perfeição da
invisibilidade, que consiste em tornar-se invisível a si própria. Eis o motivo do sucesso de
Antonio Gramsci: o intelectual gramsciano é o sujeito que pode começar sua carreira como
manipulador de consciências infantis numa escola primária e terminá-la no posto de um
Stálin ou de um Fidel Castro, sem nunca ter de se dar a mínima conta de que fez algo em
proveito próprio. Uma ideologia como essa é o mais poderoso analgésico de consciências
que já se colocou à venda no mercado da torpeza universal. Para sujeitos complicados e
cheios de conflitos, como geralmente o são os intelectuais na juventude, é tudo quanto
pediam ao capeta. Antonio Gramsci é o Papai Noel das consciências pueris sequiosas de
auto-engano.