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1 A NATUREZA EVASIVA DO SUJEITO EDA IDENTIDADE CONSTITUCIONAIS

A identidade do sujeito constitucional (constitucional subject) é tão evasiva e


problemática quanto são difíceis de se estabelecer fundamentos incontroversos para os
regimes constitucionais contemporâneos. A própria ideia de constitucional subject é ambígua
porque, no idioma inglês, o termo “subject” tanto pode se referir àqueles que se sujeitam à
Constituição, ou seja, ser portador da ideia de súdito, quanto aos elaboradores da
Constituição, aos que a fizeram, como ainda à matéria que é objeto da Constituição (subject
matter). Mais ainda, mesmo que estivéssemos claramente de acordo sobre “quem” e “o que”
a expressão constitucional subject designa, o conceito de identidade constitucional continuaria
sobrecarregado de dificuldades. Não se trata apenas da dificuldade decorrente de a identidade
constitucional ser propensa a se alterar com o tempo, mas, igualmente, de sua tendência a se
encontrar mergulhada em complexas e ambíguas relações com outras identidades relevantes;
tais como as identidades nacionais, as étnicas e as culturais. Para se estabelecer a identidade
constitucional através dos tempos é necessário fabricar a tessitura de um entrelaçamento do
passado dos constituintes com o próprio presente e ainda com o futuro das gerações
vindouras. O problema, no entanto, é que tanto o passado quanto o futuro são incertos e
abertos a possibilidades de reconstrução conflitantes, tornando assim imensamente complexa
a tarefa de se revelar linhas de continuidade. Ainda que a real intenção dos constituintes fosse
plena e claramente acessível, permaneceria em discussão o quanto e em qual medida e
extensão ela deveria ser relevante ou vinculante para uma determinada geração subsequente.
E, dado que a intenção dos constituintes sempre poderá ser apreendida em diversos níveis de
abstração, sempre haverá a possibilidade de a identidade constitucional ser reinterpretada e
reconstruída. Pelo menos no que toca às constituições escritas a identidade constitucional é
necessariamente problemática em termos da relação da Constituição com ela mesma. Um
texto constitucional escrito é inexoravelmente incompleto e sujeito a múltiplas interpretações
plausíveis. Ele é incompleto não somente porque não recobre todas as matérias que ele
deveria idealmente contemplar, mas porque, além do mais, ele não é capaz de abordar
exaustivamente todas as questões concebíveis que podem ser levantadas a partir das matérias
que ele acolhe. Mais ainda, precisamente em razão da incompletude do texto constitucional,
as constituições devem permanecer abertas à interpretação; e isso, no mais das vezes, significa
estarem abertas às intepretações conflitantes que pareçam igualmente defensáveis. Assim não
é possível que se apreenda um quadro adequado da identidade constitucional dos Estados
Unidos sem que se suplemente o texto constitucional com a longa corrente de interpretações
e elaborações que perpassa dois séculos de decisões da Suprema Corte. No entanto, a
legitimidade desse quadro mais amplo foi vigorosamente contestada, por exemplo, pela
tentativa de um recente Procurador Geral de minimizar a importância das decisões da
Suprema Corte na conformação da identidade constitucional do país, ao proceder a uma
distinção entre “a Constituição” e o “Direito Constitucional.” Mas mesmo os mais exaltados
originalistas, textualistas e puristas não foram capazes de simplesmente repudiar o legado da
Suprema Corte (ou não desejaram fazê-lo) em suas tentativas de limpar a identidade
constitucional de todos os excessos e impurezas. Um outro problema atinente à relação da
Constituição com cia mesma, é o da relação das emendas constitucionais com a identidade
constitucional. Dado que algumas constituições explicitamente restringem o âmbito das
emendas válidas e outras não o fazem, e uma vez que a facilidade com que uma Constituição
pode ser emendada varia de país para país, em que ponto as emendas à Constituição
ameaçam destruir a identidade constitucional? Em casos extremos, como o da Hungria no
curso de sua recente transição do socialismo para a democracia, o processo de emenda foi
empregado para realizar uma revisão total da Constituição, negando assim qualquer
identidade da Constituição anterior com a resultante do processo de emenda. Mas o que dizer
de casos menos extremos, como o dos Estados Unidos antes e depois das emendas resultantes
da Guerra Civil? A transição do reconhecimento constitucional da legalidade da escravidão
para o seu explícito banimento constitucional, subverte ou reforça a identidade constitucional
americana? O confronto entre a identidade constitucional e outras identidades relevantes, tais
como a nacional, as étnicas, religiosas ou culturais, toma-se inevitável pela tensão entre o
pluralismo inerente ao constitucionalismo contemporâneo e a tradição. Como habilmente
observa UIrich Preuss, a ordem constitucional requer a imposição de limites à disseminação da
identidade comunitária pré-política da nação. Assim é que, cm um importante sentido, a
identidade constitucional compete com outras identidades relevantes, opondo-se a elas. Por
exemplo, em um país com um forte compromisso constitucional com o pluralismo religioso, a
identidade constitucional não somente deve se discernir de qualquer identidade religiosa, mas
deve se colocar como uma barreira contra a possibilidade de a identidade nacional tornar-se
subserviente aos dogmas fundamentais de qualquer religião. A identidade constitucional não
seria tão problemática se ela pudesse simplesmente ser definida em oposição às relevantes
identidades acima mencionadas. Uma tal definição negativa, contudo, colocaria a identidade
constitucional em um nível tão alto de abstração que a tornaria praticamente inútil. Assim, por
exemplo, a identidade constitucional contemporânea é conformada hoje, dentre outras coisas,
pelo respeito aos direitos fundamentais de igualdade e de liberdade de expressão. Mas se
desvinculados de todos os laços e identidades nacionais ou culturais relevantes, esses direitos
constitucionais fundamentais permaneceriam por demais amorfos para permitir aplicações
cogentes. Sem dúvida, como seria possível decidir, sem qualquer referência à identidade
nacional ou cultural, se a igualdade constitucional requer a igualdade material ou de
resultados ou apenas a igualdade formal ou de oportunidade?15Ou se a liberdade de
expressão do pensamento envolve o direito a proferir discursos extremistas?

Em última instância, a identidade constitucional é problemática porque além de


permanecer distinta e oposta a outras identidades relevantes, é inevitavelmente forçada a
incorpora-las parcialmente para que possa adquirir sentido suficientemente determinado ou
determinável. Ainda que os constituintes tivessem podido escrupulosamente evitar se referir a
essas outras identidades ao elaborarem um texto constitucional amplamente fundado, traços
das identidades deixadas de fora indubitavelmente se esgueirariam de volta ao corpus
constitucional, como um subproduto da interpretação e da elaboração das normas
constitucionais. Os intérpretes constitucionais não podem se despir completamente de sua
identidade nacional ou cultural. Assim é que a questão-chave passa a ser a de como a
identidade constitucional pode se distanciar o suficiente das outras identidades relevantes
contra as quais ela precisa forjar sua própria imagem, enquanto, ao mesmo tempo, incorpora
elementos suficientes dessas identidades para continuar viável no interior de seu próprio
ambiente sociopolítico.

Baseado nas observações precedentes, podemos concluir que a identidade


constitucional surge como algo complexo, fragmentado, parcial e incompleto. Sobretudo no
contexto de uma constituição viva, de uma living constitution, a identidade constitucional é o
produto de um processo dinâmico sempre aberto à maior elaboração e à revisão. Do mesmo
modo, a matéria constitucional (the constitucional subject),- de qualquer modo que seja
definida - parece condenada a permanecer incompleta e sempre suscetível de maior definição,
de maior precisão. Tomemos como exemplo a expressão “Nós, o Povo” (“We The People”) que
emerge grandiosa e envolta em brumas como o sujeito constitucional nos Estados Unidos. Em
abstrato, “Nós, o Povo” parece ser completamente envolvente em seu abraço aparentemente
pleno tanto dos constituintes quanto de todos aqueles a quem a Constituição se aplica. “Nós, o
Povo” reúne os constituintes e os que se encontram sujeitos à Constituição, assim como os
governantes e os governados, de modo muito semelhante a como o contrato social de Jean
Jacques Rousseau deveria gerar a unidade a partir da multiplicidade, por meio da adesão à
vontade geral. Além disso, se “Nós, o Povo” tanto formula a Constituição quanto
voluntariamente se submete às suas normas, aos seus preceitos, a matéria coberta pela
Constituição seria inerentemente legítima enquanto aquela que o constituinte livremente
escolheu para impor a si próprio e que voluntariamente escolheu incluir no exercício de sua
capacidade de cidadão de um Estado Democrático de Direito. Em suma, quando se enfoca
“Nós, o Povo” em abstrato, considerando-o como uma unidade envolvente a compreender o
constituinte e o cidadão sujeito à Constituição, parece possível superar as exasperantes
dificuldades decorrentes do “quem” e do “o que” o sujeito e a matéria constitucionais
envolvem.

A unidade de “Nós, o Povo” quando abordada de um ponto de vista mais concreto, no


entanto, fragmenta-se. Por um lado, os autores da Constituição Americana de 1787, um grupo
de homens brancos e proprietários, não representavam de modo algum todos aqueles que
estariam sujeitos às suas prescrições constitucionais. Por outro lado, quando se contextualiza a
assertiva “Nós, o Povo” em seu cenário histórico próprio, longe de se encontrar aí a expressão
de uma verdadeira unidade, verificamos que ela consubstancia uma contradição absoluta. O
sentido de “Nós, o Povo” no Preâmbulo da Constituição de 1787 não pode ser apreendido sem
a afirmação segundo a qual “todos os homens nascem iguais” (‘ all men are created equal”),
sancionada na Declaração da Independência Americana de 1776.21 Com base no credo
fundamental de que todos os “homens” - com o sentido de “seres humanos” - nascem iguais,
“Nós, o Povo” deveria se referir a, no mínimo, todos os adultos com residência permanente
nos EUA em 1787.22 Entretanto, à medida que a Constituição de 1787 omite a escravidão, não
se pode dizer com justiça que a expressão “Nós, o Povo” incluía os escravos afro-americanos
então vivendo nos EUA. Assim, o “Nós, o Povo” de 1787 é inconsistente com a afirmação de
que “todos os homens nascem iguais.” Além do mais, a exclusão dos afro-americanos do “Nós,
o Povo”, nega a possibilidade de qualquer verdadeira identidade entre os autores da
Constituição de 1787 - tomado o termo “autores” no sentido mais amplo possível como
inclusivo de qualquer um que pudesse razoavelmente estar propenso a voluntariamente
aquiescer com os termos dessa Constituição - e todos os que se encontravam sujeitos ao peso
de suas prescrições. Indubitavelmente, nem a história, nem a lógica justificam a inclusão dos
afro-americanos no “Nós, o Povo”, tal como ele existia anteriormente à Guerra Civil norte-
americana.

Esse rápido olhar inicial sobre a identidade constitucional, bem como sobre o sujeito e
a matéria constitucionais revela que é bem mais fácil determinar o que eles não são do que
propriamente o que eles são. Ao construir sobre essa intuição, esse insight, exploro a lese
segundo a qual, em última instância, é preferível e mais acurado considerar o sujeito e a
matéria constitucionais como uma ausência mais do que como uma presença. Em outros
termos, a própria questão do sujeito e da matéria constitucionais é estimulante porque
encontramos um hiato, um vazio, no lugar em que buscamos uma fonte última de legitimidade
e autoridade para a ordem constitucional. Além do mais, o sujeito constitucional deve ser
considerado como um hiato ou uma ausência em pelo menos dois sentidos distintos:
primeiramente, a ausência do sujeito constitucional não nega o seu caráter indispensável, daí a
necessidade de sua reconstrução; e, em segundo lugar, o sujeito constitucional sempre
envolve um hiato porque ele é inerentemente incompleto, e então sempre aberto a uma
necessária, mas impossível, busca de completude. Consequentemente, o sujeito constitucional
encontra-se constantemente carente de reconstrução, mas essa reconstrução jamais pode se
tornar definitiva ou completa. Da mesma forma, de modo consistente com essa tese, a
identidade constitucional deve ser construída cm oposição às outras identidades, na medida
em que ela não pode sobreviver a não ser que permaneça distinta dessas últimas. Por outro
lado, a identidade constitucional não pode simplesmente dispor dessas outras identidades,
devendo então lutar para incorporar e transformar alguns elementos tomados de empréstimo.
Em suma, a identidade do sujeito constitucional só é suscetível de determinação parcial
mediante um processo de reconstrução orientado no sentido de alcançar um equilíbrio entre a
assimilação e a rejeição das demais identidades relevantes acima discutidas.

A tese segundo a qual a identidade do sujeito constitucional se desenvolve em um


hiato ou na ausência, guarda certas afinidades marcantes com a teoria psicanalítica do sujeito
de Sigmund Freud e de Jacques Lacan e com a teoria filosófica do sujeito de Georg Hegel. A
seguir buscarei delinear certas intuições, determinados insights, desenvolvidos por essas
teorias para elaborar algumas das características-chave de minha tese. Na Parte 2, em
particular, refiro-me a essas teorias para determinar a posição do sujeito constitucional e para
justificar a necessidade de sua reconstrução. Tendo concluído que o sujeito constitucional é o
sujeito do discurso constitucional, na Parte 3, argumento que as principais ferramentas de
reconstrução são a negação, a metáfora e a metonímia - a primeira, central na filosofia de
Hegel, e todas as três nas teorias de Freud e Lacan. Finalmente, na Parte 4, fundado na
dialética da reconstrução tal como elaborada na Parte 3, exploro o potencial e as limitações do
sujeito constitucional em sua luta por alcançar um equilíbrio em um cenário sociopolítico
sempre mutante.

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