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Feira de Santana
2013
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA – UEFS.
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA.
Dissertação apresentada ao
Programa de Mestrado em História
Cultura e Poder da Universidade
estadual de Feira de Santana-Ba para a
obtenção do título de Mestre em
História.
Área de concentração História
Cultural.
Orientador: Prof. Dr. Rinaldo
César Nascimento Leite.
Feira de Santana
2013
MIRANICE MOREIRA DA SILVA
Aprovado em:
Banca examinadora
___________________________________
Prof. Dr. Rinaldo Cesar Nascimento Leite (Orientador)
UEFS
____________________________________
Prof. Dr. Milton Araújo Moura.
UFBA
________________________________________
Profª. Drª. Ana Maria Carvalho dos Santos Oliveira.
UEFS
Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado
CDU: 394.25(814.22)
Aos meus amores eternos:
Olímpio, Joana e Cleonice. Obrigada por tudo.
AGRADECIMENTOS
SILVA, Miranice Moreira da. Entre máscaras e serpentinas: por uma história dos festejos
carnavalescos feirense. 1891-1939. Dissertação (Mestrado). Departamento de Ciências
Humanas e Filosofia. Universidade Estadual de Feira Santana, Feira de Santana-Ba, 2013.
Os festejos carnavalescos da cidade de Feira de Santana-Ba, entre os anos de 1891 e 1939, são
o foco desse estudo. Trata-se de um trabalho que segue pelo campo da história cultural e
busca compreender as práticas e os significados múltiplos que esse cenário festivo apresenta.
É identificada na cidade a existência do entrudo, do carnaval e da micareta. Este trabalho
considera tais denominações fazem parte de uma festa, que são os folguedos carnavalescos,
pois do ponto de vista prático apresentam elementos similares. Entretanto, quando tratamos
do aspecto dos significados, eles assumem caracteres diferentes, sobretudo entre as disputas
de representação entre o entrudo e o carnaval. Ao longo do trabalho busca-se entender os
conceitos de festa e festas carnavalescas, sob a perspectiva histórica e antropológica;
descrevem-se as práticas, como e quando ocorriam as festas carnavalescas na cidade; analisa-
se como eram significadas as práticas carnavalescas. Percebe-se nessa etapa o caráter
educativo da festa, de como a festa é apropriado como um espaço difusor dos ideais de
civilidade. As principais fontes utilizadas foram os jornais, Folha do Norte, Folha da Feira, O
Progresso e O Arlequim. Além dos jornais, recorreu-se ao livro 31 anos de Micareta de
Helder Alencar, que faz uma espécie de almanaque festivo, e também a Revista Panorama da
Bahia, que fez um número comemorativo de 50 anos de folia, na qual foi construído um
retrospecto das festividades carnavalescas.
SILVA, Miranice Moreira da. Entre máscaras e serpentinas: por uma história dos festejos
carnavalescos feirense. 1891-1939. Dissertação (Mestrado). Departamento de Ciências
Humanas e Filosofia. Universidade Estadual de Feira Santana, Feira de Santana-Ba, 2013.
The carnival celebrations in the city of Feira de Santana-BA, between the years 1891 and
1939, are the focus of this study this is a work that follows the field of cultural history, seeks
to understand the practices and the multiple meanings that this scenario festive presents. It
identified the existence of the town entrudo, carnival and micareta. This paper considers such
designations are part of a party that is the carnival amusements, for the practical point of view
have similar elements. However, when dealing with the aspect of meaning, they assume
different characters, especially between representation disputes between the entrudo and the
carnival. Throughout the work seeks to understand the concepts of party and carnival
celebrations, in the historical and anthropological perspective, describes the practice as and
when occurred the carnival celebrations in the city, looks like they were meant practices
carnival. It can be seen at this stage of the educational character party, as the party is an
appropriate space diffusing the ideals of civility. The main sources used are newspapers,
Folha do Norte, Folha da Feira, O Progresso and O Arlequim. In addition to newspapers,
resorts to the book 31 years Micareta Helder Alencar, which makes a sort of almanac festive,
and also the magazine Panorama da Bahia, which has a number commemorating 50 years of
micareta, which makes it a retrospect the festivities carnival.
INTRODUÇÃO___________________________________________________________10
Bibliografias_____________________________________________________________123
Fontes__________________________________________________________________128
Anexos _________________________________________________________________130
INTRODUÇÃO
1
Esse movimento teve como idealizadores Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernanda Braudeu, Georde Buby,
Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie. Este último produziu um dos maiores clássicos sobre o carnaval.
O carnaval de Romanes. A revista foi uma inovação no pensamento histórico, que propunha: “Em primeiro
lugar, a substituição da história tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema. Em segundo
lugar, a história de todas as atividades humanas e não apensa história política”. BURKE, Peter. A Escola doa
Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: UNESP, 1997. P. 11-12.
2
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
Portugal. Difel. 1990. Esse texto de Chartier é justamente uma tentativa de buscar respostas para a insatisfação
coma frente da história cultural desenvolvida na França nas décadas de 60 e 70.
3
CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma opinião sobre as representações sociais. In: CARDOSO, Ciro Famarion;
VAINFAS, Ronaldo. (0rg.). Domínios da História: teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Campus, 1997. P. 14.
4
Cf. Burke, a marca deixada pela antropologia através dos trabalhos de Geertz foi importante para a chamada
nova história cultural. BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.2005
11
cotidiano e as práticas de determinada sociedade. Isso deve ser pensado sem perder de vista
os conflitos sociais envolvidos nas formas de brincar. Sobre esse aspecto, a história cultural
possibilita pensar a história sob outros ângulos. Trouxe à discussão sujeitos antes não
contemplados pelo estudo da História. Além disso, fez emanar novas abordagens históricas;
permitiu pensar a construção dos significados da cidade e de que forma esses sujeitos a
ocupam, quais as interpretações eles imprimem nesse espaço, que é constantemente
construído e re-significado.5
Essa óptica cultural retoma a ideia dos sujeitos e as suas práticas culturais, porém isso
não significa um abandono dos aspectos econômicos e sociais. Durante muito tempo,
erroneamente a História Cultural foi associada ao abandono das estruturas e de um relativismo
extremo. Sobre essas críticas, Flamarion6 afirmou que na verdade Chartier teria se tornado tão
reducionista quanto o que ele havia criticado, pois teria priorizado as relações culturais como
fatores determinantes das sociedades. O que ocorre é justamente o contrário, no estudo das
práticas culturais as estruturas são levadas em consideração para contextualizar o objeto de
estudo.7
A proposta da História Cultural é voltar o olhar para as especificidades estruturais do
loco da sua pesquisa8. Durante um longo período esta temática foi vista como uma perspectiva
irrelevante. Contudo os aspetos do cotidiano apresentam questões políticas, econômicas e
sociais, não existe ruptura entre esses universos, eles estão imbricados, misturados de tal
forma que a sua separação é inviável. E quando tal prática separatista é efetuada, limita o
âmbito histórico e as possibilidades do objeto de estudo.
Por este motivo, é pertinente uma leitura das “pequenas estruturas”, pequenas no
sentido da busca das especificidades, pois as generalizações na História Cultural correm o
mesmo risco de qualquer análise histórica, que é o da homogeneização, que recai na anti-
história. Isso porque se percebermos as estruturas culturais como uma massa uniforme, perde-
se o sentido da pesquisa, a busca pelo peculiar, pois ao construir uma história
contemplaríamos todas as outras e a pesquisa teria um fim pronto e determinado, restando
5
Sobre festas, ver PRIORE, Mary Del. Festa e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000. A
historiadora, logo na introdução, faz uma espécie de defesa da temática, apontando para as possibilidades
festivas ao afirmar que se trata de: “Expressão teatral de uma organização social, a festa é também fato político,
religioso ou simbólico” p. 10. Afirma ainda que seja uma temática que além da pura descrição dos festejos,
obriga o historiador sobre as abordagens metodológicas para esta análise.
6
FLAMARION, op.cit.
7
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Nesse trabalho Chartier faz a
seguinte caracterização dos estudos de história cultural: “A História Cultural, tais como a entenderam, tem por
principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é
construída, pensada, dada a ler” p. 17.
8
Idem, p.17
12
apenas a pura reprodução. Contudo, a história, antes de qualquer coisa, é movimento. Não se
pode perder de vista que as práticas culturais são resultado de ações humanas, de sujeitos
localizados em um tempo e um espaço historicamente construído. E as ações humanas
mudam, se repetem, são significadas re-significadas dentro de um contexto que é próprio de
cada realidade.
A partir de uma observação, Chartier afirmou a partir da percepção das peculiaridades
podem ser compreendidas as relações entre sistemas de crença, valores culturais e
representações, pois a realidade é descontinua e heterogênea9. Isso não significa que as micro
realidades sejam recortado de contextos “maiores”, e que entre elas não existam relações. Pelo
contrário, através desses “close-ups” pode-se pensar essa relação entre as estruturas
“menores” e “maiores”. As festas são características das comunidades, porém o formato e a
dinâmica que ela assume é própria de cada lugar. Embora estabeleça ligações com outras,
mesmo que tratem da mesma festa, os seus significados e suas re-significações são únicos.10
A crítica à História Cultural e principalmente ao modelo de representações consistiu
no fato de que haveria apenas uma inversão da pirâmide. Segundo os críticos, a História
Cultural não teria proposto nada de novo, e sim uma substituição dos fatores econômicos em
prol dos culturais11. Porém essa crítica tornou-se frágil ao passo que os estudos culturais
indicavam para a busca das especificidades. Não foi proposta pelos estudiosos culturais uma
hierarquia, e sim uma análise que possibilitou pensar nas relações e em práticas do cotidiano,
bem como a negação de modelos prontos. Todavia não significa que as especificidades
neguem uma totalidade, há uma ligação entre essas estruturas.
Sob esta perspectiva, o presente trabalho analisa as origens das festas carnavalescas
em Feira de Santana-Ba, no período entre 1891 e 1939. O termo festejos carnavalescos12 é
mais adequado nesse trabalho, pois dentro desse recorte temporal foram identificadas práticas
denominadas de entrudo, carnaval e micareta. A partir da análise desse recorte, objetiva-se
9
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações
10
GINZBURG, C. Olhos de Madeira: Nove Reflexões sobre a Distância. São Paulo: Companhia das Letras,
2001. No capítulo que trata de representação faz uma ressalva sobre isso que o fato de existirem semelhanças
entre as culturas não permite associá-lo de forma indiscriminada, e tratá-las dessa forma é retirar delas o caráter
histórico. p.87.
11
As críticas feitas ao método da história cultural partiram, sobretudo, da escola marxista, afirmando que as
leituras eram subjetivas e que faltava algo que ligasse ao real, uma relação econômica ou social. Além disso, o
marxismo tradicional, ortodoxo, acusava os historiadores da história cultural de superestimar a homogeneidade
cultural. Sobre esse debate ver BURKE, O que é história cultural.
12
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800; tradução Denis Bottmann. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. Para Burke, festas carnavalescas enfatizam os termos da renovação, comilança,
sexo violência ou inversão. Isso no contexto europeu dos séculos XVI ao XVII. Em Feira de Santana optei por
está denominação, pois elas, o entrudo, o carnaval e a micareta, apresentam práticas semelhantes que as
permeiam, claro que sendo re-significadas, a partir de suas relações.
13
13
ALENCAR, Hélder. 31 anos de Micareta. Feira de Santana-Ba UEFS, 1968 também afirma que em Feira de
Santana existiam esporadicamente festejos do tipo carnavalescos após a quaresma, a páschoela, ou páscoa
carnavalesca.
14
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da Folia: uma história social do carnaval Carioca entre 1880 e
1920. São Paulo: Companhia das Letras. 2001.
14
15
LEITE, Rinaldo Nascimento. E a Bahia civiliza-se... Ideais de civilização e cenas de anticivilidade em um
contexto de modernização Urbana – Salvador (1912-1916) dissertação de mestrado. Salvador. UFBA, 1996. O
autor atenta para essa amplitude dos ideais de civilidade e modernidade “Eis, em síntese, as aspirações das elites
com referência à civilização e modernização: 1) atitudes racionalizadas moralizadas e cultas dos indivíduos; 2)
adoção de padrões culturais europeus; 3) reformas que permitissem a implantação de uma nova estética e a
introdução de modernas tecnologias, tais como a abertura de avenidas e o alargamento de ruas”. P.13. No caso
de Feira de Santana, os dois primeiros itens são pertinentes ao tratar das práticas. Porém o terceiro aparece como
um pano de fundo, pois a escolha dos espaços estava atrelada a esses ideais. As festas ocorridas em locais
fechados, as sedes das filarmônicas, eram classificados como adequadas e civilizadas, enquanto os cortejos
perpassavam por ruas largas da cidade a Rua da Direita, atual Conselheiro Franco.
16
Folha do Norte, Feira de Santana, Janeiro de 1910, nº 20, ANO II.
17
LOUZADA, Wilson (org.) Antologia de Carnaval. Cruzeiro, 1945. p, 11.
15
Santana. Helder Alencar18 determinou que em 1891 que havia carnaval nesta cidade, isso
fundamentado em uma publicação do Jornal O Município. Servindo como um contraponto a
essa discussão, Reginilde Santa Barbara afirma que “O carnaval feirense teve início em 1924,
sendo celebrada como a festa da civilização que fazia frente ao entrudo, prática que já havia
19
algum tempo, estava em desuso na cidade” . Tem-se, então duas datações diferentes em
estudos anteriores. Nesse caso o que causou a discordância foi a nomenclatura empregada,
ambos utilizaram a palavra carnaval, mas com sentidos diferentes, Santa Barbara identificou
1924, como o surgimento do carnaval dito civilizado, enquanto Alencar o empregou em um
sentido mais amplo. Por esse motivo ambos apontam para datas diferentes.
No trabalho com as fontes foi possível detectar e catalogar as práticas carnavalescas
nos jornais a partir de 1901, então a princípio seria seguro afirmar essa data. Entretanto em
uma matéria exibida em 1939 surge um forte indício de que o marco de 1891 seria também
coerente.
18
Cf. ALENCAR, Hélder. Op.cit. O trabalho de Helder Alencar é utilizado neste trabalho não enquanto uma
referência bibliográfica, mas como uma fonte, pois mesmo sem representar um documento do período estudado,
o autor faz um levantamento dos elementos carnavalescos desde a chamada prática do Entrudo.
19
SANTA BARBARA, Reginilde Rodrigues. O caminho da Autonomia na conquista da dignidade:
sociabilidade e conflitos entre lavadeiras em Feira de Santana (1929-1964). Dissertação de mestrado UFBA.
Janeiro/2007. p. 16.
20
Folha do Norte, Feira de Santana, 4 de fevereiro de 1939, Ano XXX. Nº 1543
16
esta cidade (Feira de Santana) havia estrondosos carnavais nesse período. Mais adiante, ao
elencar os anos áureos do carnaval da “Bahia”, falou “também entre nós as jardineiras” dando
a entender que nos anos citados havia nesta cidade os festejos, exemplificando com a
participação das Jardineiras. Esse indício aponta para a existência de carnaval em Feira de
Santana na última década do século XIX. Aliados ao fragmento do Jornal O comercial,
apresentado por Alencar e os dados da pesquisa é possível afirmar a existência de
manifestações carnavalescas em 1891 na cidade de Feira de Santana.
O recorte final foi estabelecido como 1939, por entender, através da leitura das fontes,
que é neste ano que a micareta deixa de ter a sua existência atrelada ao festejo de fevereiro,
pois entre 1937 e 1939, a micareta tinha a sua existência vinculada ao fracasso do carnaval.
Seria um festejo complementar a este, que não teria conseguido satisfazer aos anseios
festivos. O termo satisfazer foi amplamente utilizado no jornal Folha do Norte para justificar
a existência da micareta. A partir da década de 1930 noticiava-se uma insatisfação com o
carnaval, sentimento que foi atribuído aos participantes da festa. Porém como os jornais que
circulavam na cidade nesse período não tinham o espaço do leitor, não foi possível verificar
de onde partia essa insatisfação. Portanto essas questões serão discutidas com maior
profundidade no segundo capítulo.
A escolha desse marco, 1939, não indica o fim do carnaval. Esse término foi
sinalizado por Aldo Silva em 1944: “ De 1944 em diante, somente a micareta tem espaço na
imprensa, somente ela realiza-se na cidade, contando com o apoio do comércio e gerando
21
oportunidade de negócios” . O autor baseia-se no fim das fontes sobre o carnaval para
estabelecer o seu recorte. Porém assim como é ariscado determinar o nascimento de
manifestações culturais, também é perigoso determinar o fim. Identifica-se o ano de 1939,
como determinante para a substituição de datas festivas mediante o crescimento da autonomia
da micareta em relação ao carnaval.
O fato de identificar o ano de 1891 como um marco para analisar os festejos
carnavalescos não descarta a possibilidade de que muito antes disso, essa vivência
carnavalesca não estivesse presente na cidade. As práticas denominadas carnavalescas
apareceram em estudos, como o trabalho de Emanuell Le Roy Ladurie22 que afirma sobre a
sua existência em períodos mais remotos. As vivências carnavalescas nas sociedades são
bastante antigas. E não existe nenhum indício que descarte a possibilidade de em Feira de
21
SILVA, Aldo José Moraes. De terra sã a berço da Micareta: estratégias constitutivas da identidade social em
Feira de Santana. Revista de História Regional. 104-133, Inverno, 2008.
22
LE ROY LADURIE, Emmanuel. O carnaval de Romans: da candelária à quarta-feira de cinzas, 1579-1580.
São Paulo: Companhia das letras, 2002.
17
Santana ter sido diferente, ou seja, não podemos descartar a possibilidade de que as
manifestações carnavalescas tenham sido bem mais antigas do que esse marco de 1891.
A referência sobre essas práticas carnavalescas em 1891 aparece na fonte reproduzida
por Alencar23 do jornal O Município, em um levantamento feito pela Folha do Norte em 1939
no jornal. Voltam a aparecer notícias sobre o carnaval no jornal O Progresso em 1901 de
forma tímida e com pequenas notas. Essa escassez de notícias é justificada porque os jornais
que circulavam nesse período na cidade eram de pequeno porte, formado por quatro laudas,
logo as informações que seriam publicadas passava por um crivo de relevância, não eram
como os jornais de hoje, em que são divididos em diversos cadernos. Tudo de relevante
deveria caber naquele pequeno espaço; e nas primeiras décadas do século XX, o que
prevalecia nesses folhetins eram os aspectos políticos.
Voltando a trajetória festiva, segundo as fontes, o carnaval começou a declinar nos
anos 1930, quando lhe foi atribuída um contexto de “crise”. Em 1937, como uma tentativa de
resolver a “crise”, foi criada, por sujeitos do grupo Folha do Norte, a micareta, para
complementar o carnaval, que não teria conseguido suprir os anseios da “sociedade feirense”.
A partir de 1939, a micareta passou a representar os festejos carnavalescos na cidade, tendo
um maior destaque dentro dos meios de comunicação que o carnaval. Dessa forma, esse
recorte é essencial para entender de que forma se estabelecem as práticas carnavalescas em
Feira de Santana-BA e de que forma as relações que estão para além dos festejos interferem
nessa construção.
Para essa investigação, as fontes impressas fundamentam a pesquisa, apesar de
atualmente serem fontes bastante utilizadas, são instrumentos de leitura relativamente novos.
Os jornais utilizados foram: Folha do Norte, Folha da Feira, O Município, O Progresso.
Nesse sentido, Clóvis Ramaiana24 apresenta um panorama dos jornais feirenses, localizando-
os quanto ao espaço ocupado nas relações de projetos políticos; o que é pertinente, pois os
jornais não noticiam apenas, eles constroem significados.25
Além desses periódicos, foi utilizada a publicação O Arlequim (1939), que circulava
apenas no período da micareta. Esse folhetim tinha circulação gratuita e contava como diretor
23
ALENCAR, Alencar. Op.cit.
24
O L I V E I R A , C l ó v i s F r e d e r i c o R . M . De Empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em
Feira de Santana (1893-1937). Dissertação de Mestrado. UFBA. 2000.
25
SCHWARCZ, Lilian Moritz. Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final
do século XIX. São Paulo: companhia das Letras, 1987. Nesse texto a autora traz uma contribuição metodológica
para os historiadores que trabalham com jornais. “tudo (nos jornais) parecia então bastante ‘conhecido’, sendo
que, para o leitor mais distante, uma das dificuldades é justamente a de conseguir penetrar por esses valores às
vezes silenciosamente compartilhados nessa notícia pretensamente irrelevantes, mas ganha outro colorido
quando inserido em todo esse contexto” p. 62.
18
o personagem Zé- ri- alto, um personagem que faz alusão ao Zé-Pereira. “Quanto á origem do
nome, dizem uns que, em certas localidades de Portugal é o bombo, um instrumento musical,
conhecido por Zé-Pereira” 26. Tal personagem tinha como objetivo divulgar, com um mês de
antecedência, a programação e as músicas que seriam executadas durante os três dias de festa.
Uma característica marcante desse informativo era a presença de inúmeros anúncios das casas
comerciais da cidade.
Nessas publicações existiam mais anúncios do que notícia, por esse motivo, supõe-se
que o dinheiro que financiava essa publicação vinha da publicidade, permitindo a circulação
gratuita. Porém, nessa participação comercial há um ponto de controvérsia, pois as fontes
também indicam certa resistência dos comerciantes que não contribuíam a contento para a
realização dos festejos carnavalescos em fevereiro.
É importante pensar os jornais não apenas como instrumento de notícia e sim como
sujeitos que constroem as ideias de carnaval; pensá-los também enquanto objeto, pois atuam
diretamente no processo de construção dos significados dos festejos carnavalescos.
27
Roger Chartier em, A aventura do livro , atentou para o aspecto da produção dos
textos escritos, apontou para a necessidade de compreendê-los em conjunto, interligar os
processos da construção textual, analisar qual a intencionalidade e à que público a publicação
é direcionada. Como o autor dedicou a sua pesquisa às práticas de leitura, é importante não só
pensar a produção dos jornais, mas também a que público ele pretende atingir. No período
estudado não encontro a presença desse leitor nos jornais, pois estes em questão não
ofereciam um espaço para o leitor expressar sua opinião. Então, a forma de identificar esses
posicionamentos e a dimensão dessas leituras será percebida na prática, nas quais os conflitos
possibilitaram pensar os divergentes significados.
Para essas leituras históricas sobre os festejos carnavalescos feirenses, alguns autores
são fundamentais do ponto de vista teórico e metodológico, dentre eles Roger Chartier28. Este
pensou a tríade representação, prática e apropriação a partir da qual podemos tornar a festa
legível. Além disso, ajuda-nos a pensar a história a contrapelo, pois a historiografia do
carnaval costuma contemplar o carnaval das capitais, como Rio de Janeiro, São Paulo,
Salvador. Essa perspectiva aponta para contribuir para o estudo do carnaval. Pensar as
especificidades das vivências carnavalescas em Feira de Santana, mas articulá-las a uma
estrutura e um projeto de remodelação dos costumes e práticas que atendiam ao projeto
26
FAZENDA, Vieira. O Zé-Pereira. In Louzada. Op.cit, p. 41.
27
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador; conversações com Jean Lebrun. São Paulo:
UNESP/IMESP, 1999.
28
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações.
19
29
DARNTON, Robert. O burguês organiza seu mundo: a cidade como texto In: DARNTON, Robert. O grande
massacre de gatos. 4ª Ed. São Paulo. Graal 1986.
30
DAVIS, Natalie Zemon. Culturas do povo: sociedade e cultura no início da frança moderna. 2ª Ed. São Paulo.
Paz e terra, 2001.
20
31
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Media e o Renascimento: o contexto de François Rebelais.
São Paulo: HUCIREC. Brasília: 1993. p.6.
32
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Op.cit.
33
LAZZARI, Alexandre. Coisas para o povo não fazer: carnaval em Porto Alegre (1870-1915). Campinas, SP:
Editora da Unicamp/Cecult, 2001.
21
A festa carnavalesca, assim como todas as práticas festivas, revela várias facetas da
realidade social. Por ser uma produção específica de um tempo e de uma sociedade, sua
análise permite observar elementos culturais, sociais e a depender do enfoque, econômico. E
nos últimos anos, sobre a luz da Nova História Cultural, tem ganhado cada vez mais espaço
no campo histórico.
Segundo Mary Del Priore,
O tempo da festa tem sido celebrado ao longo da história dos homens como
o tempo de utopia. Tempo de fantasia e de liberdade, de ações burlescas e
vivazes, a festa se faz no interior de um território lúdico onde se exprimem
igualmente as frustrações, revanches e reivindicações de vários grupos que
compõem uma sociedade. Mas o tempo da festa eclipsa também o calendário
da rotina e do trabalho dos homens, substituindo-o por um feixe de funções.
Ora ela é suporte para a criatividade de uma comunidade, ora afirma
perenidade das instituições de poder34.
34
Del Priore, Mary Lucy. Festas e utopias coloniais. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 9.
24
que paira sobre os humanos e em um determinado período pousa com suas características
prontas e acabadas em uma localidade.
Nesse contexto, não cabe aos sujeitos históricos a reprodução inalterável da festa, eles
agem e constroem o festejo a partir de vivências bastante específicas. Isso não significa dizer
que os festejos antigos rompem definitivamente com os contemporâneos, porém a
particularidade é algo que deve ser levado em consideração.
Outro elemento caracterizador da festa é a ideia de oposição ao cotidiano. É inegável
afirmar que o período festivo altera o cotidiano das pessoas, havendo uma organização que é
atípica, entretanto não se pode confundir alteração da rotina com inversão do cotidiano.
Burke35, ao discutir sobre o carnaval na Idade Moderna, caracterizou esse período como “o
mundo de cabeça para baixo”, expressão comumente utilizada para referenciar os festejos que
antecediam a Quaresma. Porém Davis36faz uma colocação que parece muito mais coerente: o
mundo pode ser posto de cabeça para baixo, mas ele não é endireitado. Quando o camponês,
ou o operário vestia-se de rei ou burguês eles continuavam a reproduzir as práticas antigas. Os
papeis são invertidos, mas as práticas rotineiras não são esquecidas, elas estão mais presentes
do que nunca.
A festa era um momento “em que pessoas paravam de trabalhar, comiam, bebiam e
consumiam tudo que tinha”.37 O festejo representa um momento de extravagância com
características específicas que classificam um evento como festivo ou não: “era uma época de
desperdício justamente porque o cotidiano era uma época de cuidadosa economia. Seu caráter
de ocasião especial vinha simbolizado nas roupas que o povo usava para dela participar- as
melhores”.38 Apesar de atentar para a ideia de que um festejo não se desprende da realidade
que está inserida, isso não significa que ela não apresente certas rupturas momentâneas.
Os movimentos, as rupturas, que são características de todas as ações humanas,
também estão nos festejos, pois não podemos pensar que por serem consideradas tradições, as
festas são imutáveis, muito pelo contrário. Um dos exemplos é a dinâmica da cidade que
muda, havendo convergência das atenções para os festejos, sobretudo quanto ao comércio. O
vestuário foi um dos elementos típicos, em Feira de Santana os festejos carnavalescos
movimentavam o comércio da cidade, os reclames indicavam a festa como um motivo para
35
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800.
36
DAVIS, Natalie Zemon. Op. cit.
37
DEL PRIORE, Mary Lucy. Op.cit.
38
Idem. p 9.
25
investir nas roupas. “Para o carnaval, procurem o atelier de chapéus da Francellina de Mello
Lima” 39. Era comum anúncios como esses a medida que os festejos se aproximavam.
Essa ideia de movimento e de construção indica que a festa não existe até que os
sujeitos pensem, organizem e excutem. Desse modo ganham uma forma especifica a partir das
ações desses sujeitos, as escolhas, renúncias, conflitos e concepções da forma e do significado
de suas práticas. E por sua vez essas só têm sentido no momento em que estão sendo gestadas
e executadas. Os festejos são nada mais do que produções humanas, que estão localizadas em
um tempo e um espaço socialmente construído.
Del Piore40 enfatiza ainda uma alternância, uma dualidade na qual ou ela é fonte de
criatividade ou espaço que indica a perenidade das instituições de poder. Ouso dizer que não
há essa alternância; a festa é ao mesmo tempo fonte de criatividade e perenidade das relações
sociais. E ainda outras tantas possibilidades. As melhores definições das práticas festivas são:
multiplicidade, polissemia e re-significações. Nesse aspecto, Del Priore fez um
esclarecimento:
39
Folha do Norte. Feira de Santana, 3 de fevereiro de 1912. Ano IV Nº 105.
40
DEL PRIORE, Mary Lucy. Op.cit.
41
Ibidem. p.10.
26
festejos não houvesse nenhuma repressão. Mas a sua apresentação nos jornais indicava a
liberdade necessária à sanidade psicológica dos foliões. Para além da ideia da permissão, na
qual a população teria um espaço para enlouquecer e para vestir a fantasia, os festejos são
caracterizados como algo que é inclusive saudável à população:
Essa percepção apontada pelo jornal Folha do Norte não fugiu a algumas
interpretações sobre as idéias do permitido e do necessário. Em Feira de Santana, nas
primeiras décadas do século XX, era bastante comum em alguns setores aqui representados
pelo jornal. Os termos utilizados, a exemplo de “válvula de segurança” e “evitando
explosões”, indicavam outra interpretação ou função dos festejos, nesse caso o carnavalesco,
que era o de segurança pública, apontava para uma preocupação em conter as chamadas
explosões, que provocariam uma desordem e prejuízos à sociedade.
As festividades geralmente costumam ser divididas em categorias, a mais comum é a
separação entre as festas sagradas e as profanas, respectivamente, aquelas que são dedicadas
aos ritos religiosos, e as pagãs, representadas por todas as outras modalidades festivas que não
se aplicam ao primeiro grupo. Contudo isso não significa que essas modalidades não
estabeleçam entre si um diálogo. Essa divisão é construída a partir de uma percepção que
obviamente não traduz toda a complexidade. O próprio festejo carnavalesco tem a sua
determinação temporal limitada por um elemento cristão que é a Quaresma.
As festas apresentam um panorama bastante fértil ao pesquisador. Outro exemplo
dessa relação entre o profano e o sagrado é o próprio movimento entre essas duas esferas.
Pensar esse trânsito entre o sagrado e o profano é romper com barreiras específicas de que os
participantes dessas modalidades festivas eram distintos e opostos. Os festejos religiosos, a
exemplo da Festa de Santana, padroeira da cidade, tinham até a década de 1980 um momento
sagrado da novena e os eventos considerados profano, que era o bando anunciador, a levagem
da lenha e as lavagens da igreja. Estes em alguns discursos de padres tinham um caráter
42
Folha do Norte, Feira de Santana, 13 de Janeiro de 1932. Ano XXIII, Nº 1178.
27
carnavalesco.43 E segundo Batista, os grupos que cantavam nessa festa eram os mesmos que
estavam nos festejos carnavalescos, bem como os patrocinadores da festa eram os mesmos.
43
Cf. BATISTA, Silvania Maria. Conflitos e comunhão da festa da padroeira de Feira de Santana. Feira de
Santana: UEFS, 1997.
44
LE ROY, LADURIE, Emmanuel. Op.cit.
45
Cf. LE ROY LADURIE, Emmamnuel. Op. Cit. O carnaval assume funções nas sociedades, que são mutáveis a
partir dos interesses do momento.
46
PINHEIRO, Marlene M. Soares. A travessia do avesso: sob o signo do carnaval. São Paulo: ANNABLUME,
1995.
28
Essa mudança ocorreu na França a partir do século XVI e serve de exemplo para
aprofundar um pouco mais o debate. Trata-se de uma análise de carnaval que apresentou duas
concepções: uma cristã e outra não cristã. Entretanto ambas apresentaram como característica
47
LE ROY LADURIE. Op. cit. p.321.
48
Idem, p. 32.
49
Idem. p. 323.
29
50
Cf. Araújo, Patrícia Vargas. Folganças populares: festejos de entrudo e carnaval em Minas Gerais no século
XIX. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: PPGH/UFMG; Fapemig; FFC, 2008.
51
Ibidem.
52
DAVIS, Natali Zemon. Op.cit. DARNTON, Robert. Op.cit.
30
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Porto Alegre53 por ser considerada violenta. O entrudo também
abrigava o costume de atirar laranjinhas de cera, com águas de cheiro, que ao serem
arremessadas não causavam tantos danos.
E partir da década de 1880 foi forjada uma oposição entre o entrudo e o carnaval,
importado da cultura veneziana e francesa. Essa oposição, segundo Cunha54, só passou a
existir nesse momento, ou seja, antes desse período, carnaval e entrudo não eram percebidos
como coisas diferentes, significavam a mesma coisa, festejar os dias de Momo.
A prática carnavalesca teve, em Feira de Santana através dos jornais, sua existência
associada ao elemento cristão, a ideia do carnavalle; uma referência à carne. Essa
conceituação do carnaval pode ser pensada em dois aspectos. O primeiro está associado à
alimentação. “Foi a carne que compôs a palavra carnaval. O maciço consumo de carne de
53
CUNHA, Maria Clementina. Op. cit. ARAÚJO, Patrícia Vargas. Op.cit. LAZZARI, Alexandre. Op.cit.
54
CUNHA, Maria Clementina. Op. cit.
55
Folha do Norte, Feira de Santana, 14 de fevereiro de 1931. Ano XXII. Nº 1126.
31
porco, de vaca e outras” 56. A comilança anterior ao período de jejum e abstinência da carne.
A Quaresma é um período que os fiéis tinham um resguardo maior, quarenta dias sob uma
orientação de não dar tanta importância aos prazeres da carne, com uma alimentação restrita,
e com dedicação maior às orações. Isso para esperar o momento maior que é o domingo de
páscoa. Porém essa concepção não está relacionada apenas ao aspecto alimentar, ela se
referencia também ao aspecto sexual, em oposição ao espiritual. O mundano ganhava ênfase
antes do recolhimento espiritual, uma despedida dos prazeres do corpo, o carnavalle.
Além dos festejos do período carnavalesco, havia também a festa pós-período
carnavalesco que era a micareta, um festejo que até os dias atuais ocorre depois da
Quaresma. Isso porque os festejos, por consenso, não ultrapassam o início da quaresma.
Classificar os folguedos nessas duas etapas é apenas uma das possibilidades de investigação,
existem ainda outras concepções que pensam a carnavalização para além da relação com a
Quaresma.
Essa multiplicidade é explicada porque as manifestações populares têm como principal
característica a polissemia e as re-significações, e com as práticas carnavalescas não poderiam
ser diferentes. Ao longo da trajetória de cada sociedade, os sujeitos imprimiram na sua forma
de brincar sentidos diferentes que dialogaram com o contexto social que está inserido, por isso
ao trabalhar festejos carnavalescos os significados mudam de acordo com o momento
estudado.
Para a compreensão de tal temática alguns aspectos são importantes antes de
iniciarmos uma leitura mais cuidadosa sobre os folguedos carnavalescos. A primeira coisa é
reconhecer que o carnaval além de uma prática festiva, é também uma significação. São
folguedos associados à ideia de civilidade.
Em segundo lugar, convencionou-se por muito tempo estabelecer uma linearidade
dentro desse âmbito festivo. Essa concepção obedece à seguinte lógica: a primeira experiência
carnavalesca foi entrudo, uma herança da colonização portuguesa. Dentro dessa cronologia
limitadora, o entrudo teria sido substituído na passagem do século XIX para o século XX.
Substituição essa que teria sido fomentada por uma “necessidade” de reformulação dos
costumes. Dentro do quadro das representações, o carnaval surgiu com suas plumas e confetes
trazendo para o Brasil os ares europeus. Entretanto, as críticas tecidas ao entrudo apareceram
muito antes, nos meados do século XIX foi possível verificá-las.
56
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. p.253.
32
Alvarás e editais lançados pela polícia para dar fim ao festejo, até que, em
1854, a polícia por meio de um delegado mais combativo, conseguiu
extingui-lo. Mas era época mesmo do entrudo chegar ao fim, pois já
começavam a surgir no Brasil os primeiros bailes de forma que as
brincadeiras de rua iam sendo substituídas por novos divertimentos, como o
Zé-Pereira (Folia ao som de tambores e zabumbas) e Estrondos, espécies de
blocos atuais.57
A ideia de sequência festiva é algo que apareceu nas fontes, como algo imediato: fim
de uma modalidade, início da outra. Entretanto essas rupturas são bastante questionáveis.
Como barrar as práticas de um costume e automaticamente iniciar outro? Será mesmo que
eram práticas diferentes? As diferenças atribuídas entre o entrudo, carnaval e micareta são
diferenciações que não são perceptíveis quanto às práticas, elas pairam nos significados que
lhes são atribuídos, nas reapresentações atribuídas. As práticas carnavalescas são mutáveis,
porém essa mutação não ocorre de forma abrupta e sem estabelecer releituras e re-
significações.
No estudo específico de Feira de Santana, essa cronologia seguiu adiante com a
invenção da micareta, oficialmente inaugurada em 1937, que seria um festejo a realizar-se
quinze dias após o termino da quaresma. Imediatamente, chega-se a uma conclusão: as
práticas carnavalescas, mesmo que não contenham em suas práticas elementos religiosos,
mantém uma relação direta com o aspecto cristão católico.
A micareta, também uma prática carnavalesca, trouxe um problema histórico que deve
ser tratado com bastante atenção, pois essa modalidade provoca uma dúvida quanto a sua
classificação representativa, isso porque é considerado um carnaval fora de época, dessa
forma seria apenas uma mudança de data. Então qual seria a especificidade? Isso será
discutido mais adiante.
O importante, nesse momento, é compreender essas manifestações enquanto práticas
carnavalescas e não como festas diferentes. Vale ressaltar também que estas práticas não
devem ser analisadas dentro da perspectiva da rivalidade. Isso porque dentro do jogo das
representações convencionou-se que as práticas festivas estabelecem entre si elementos
antagônicos. Entre entrudo e carnaval, por exemplo, a ideia de bárbaro versus civilizado.
As disputas e os conflitos não partem unicamente dos simpatizantes do entrudo, do
carnaval ou da micareta; os conflitos existem independentes dessas divisões. Em alguns
57
PINHEIRO, Marlene M. Soares. Op.cit. p. 86.
33
momentos inclusive os conflitos entre tais folguedos aparecem, mas eles são muito mais
visíveis nas reapresentações que são forjadas, desavenças que também ocorrem na prática,
mas não com o mesmo peso. As fontes indicam inclusive a convivência entre tais práticas
dentro do cenário brasileiro (entrudo e carnaval) e no âmbito feirense (entrudo, carnaval e
micareta).
Nesse conceito não há nada que limite as práticas carnavalescas a uma data específica,
não faz referência a um período carnavalesco. A princípio na realidade européia e segundo a
visão do autor, bastava que houvesse essas características para que a manifestação fosse
classificada enquanto carnavalesca. Porém há uma barreira que não poderia ser ultrapassada,
seu limite é a Quaresma: “a estação do carnaval começava em janeiro, ou mesmo em finais de
dezembro, sendo que a animação crescia à medida que se aproximava a Quaresma” 59.
Os elementos destacados por Burke não podem ser transpostos para a realidade
feirense, mas alguns aspectos são pertinentes. O desfile, o cortejo dos grupos que brincam os
“dias de Momo” pelas principais ruas da cidade em Feira de Santana, representava uma
característica que é pertinente aos festejos carnavalescos em geral. O cortejo “principal” tinha
58
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. p. 248.
59
Idem. p. 248.
34
como palco a Rua da Direita, atual Rua Conselheiro Franco. As disputas também davam a
tônica dos festejos carnavalescos, sejam disputas entre clubes ou as guerras de serpentinas,
bem como o uso de máscaras.
Maria Isaura Queiroz discutiu algo permite lembrar o fato de que os festejos não
constituem uma homogeneidade.
Esse é um dado relevante, que por vezes pode passar despercebido, o fato de que não estamos
tratando de uma unanimidade. Algumas publicações e as próprias manchetes de jornais nos
levam a essa falsa ideia, que não traduzem a complexidade. Essa divisão entre carnavalescos e
não carnavalescos é importante para romper a ideia de harmonia e aceitação.
A explicação para os não-carnavalescos é mais ampla, pois considera a infinidade de
motivos que levam ao não aceitar a festa. Entretanto, os carnavalescos também abrigam uma
gama de motivos que os colocam nesse grupo; os músicos podem estar ali por divertimento,
mas também por uma oportunidade financeira, assim como os outros grupos sociais:
comerciantes, políticos, grupos que utilizam o espaço para festejar como um lugar de disputa
de memória e aqueles que participam pela diversão. São complexas as relevâncias
carnavalescas.
Nessas discussões sobre o significado carnavalesco associado ao aspecto religioso,
Maria Isaura Queiroz apresentou, a partir de suas memórias de carnavalesca, conforme auto
denomina-se, certos questionamentos:
60
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Carnaval brasileiro: o vívido e o mito. São Paulo: Brasiliense; 1999. p.
14.
35
Esse afastamento do significado religioso é prático. A maioria das pessoas que estavam
festejando não associava a sua atuação a um elemento religioso, porém essa relação continua,
pois o carnaval ainda tem como seu limite temporal a quarta-feira de Cinzas, e as tentativas de
transpor esse limite ainda podem causar desconforto nos grupos religiosos. E no período que
se detém essa pesquisa, o desconforto por parte dos líderes religiosos com os festejos de
momo era muito forte.
Ao que parece a aceitação do carnaval era algo tolerável, pois logo após esse
momento, a Quaresma ‘limparia’ os excessos e restabeleceria a ordem. Porém o retorno nos
eventos mundanos afrontaria e muito a religiosidade. Estas foram palavras do Padre Almicar
que declarou livremente que os organizadores desse evento carnavalesco eram os inimigos da
igreja. Segundo Silvania Batista, a filarmônica 25 de Março foi impedida de participar dos
festejos de Santana por seu estreito envolvimento com o carnaval fora de época, boicote que
também ocorreu em relação a Filarmônica Euterpe feirense.
Sobre os festejos carnavalescos, Sebe63 fez uma divisão para pensar o carnaval. Com o
objetivo de buscar as origens carnavalescas, procurou na mitologia egípcias explicações.
Afirmou que a gênese carnavalesca estava no culto voltado á deusa Ísis, a deusa da natureza,
que em festas era homenageada pelos mortais durante as colheitas. Nesse período, ainda antes
da era cristã, o tempo da alegria seria o tempo da fecundação, o nascimento do resultado do
61
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Op.cit. p. 14.
62
Livro do tombo I da Catedral de Santana. (1930-1968). In: BATISTA, Silvania Maria. Op.cit.
63
SEBE, José Carlos. Carnaval, carnavais. São Paulo. Editora ática, 1986.
36
64
SEBE, José Carlos. Op.cit. p.11
65
PINHEIRO, Marlene M. Soares. Op.cit. p.14.
66
Idem. p. 63.
67
Idem p.14.
37
Segundo as crônicas e os autores, esta era uma festa bastante popular, logo seria
oportuno que a Igreja católica quisesse ter sobre os festejos algum domínio, mesmo que fosse
só para limitar sua atuação, nesse caso antes do período da Quaresma.
Houve uma tentativa de estabelecer um formato para o festejo, não que isso já não
ocorresse, mas era necessária uma normatização que atendesse aos interesses de uma
comunidade cristã. Não apenas estabelecer o momento adequado para que os festejos
carnavalescos acontecessem, mas retirar dele o significado “pagão”, e atribuir um significado
cristão.
Porém a mesma antropóloga Marilene Pinheiro70 afirmou que manifestações
carnavalescas podem apresentar-se em vários outros momentos, sem a obrigatoriedade de
uma data fixa. A autora conseguiu identificá-los em vários momentos, distintos do chamado
período carnavalesco.
Essa percepção apresentada por Pinheiro justifica-se por acreditar que qualquer rito
que saia da normalidade, que quebrasse a ordem poderia ser considerada carnavalização.
“aqui se encaixaria perfeitamente o recente movimento dos ‘caras-pintadas’, quando a
sociedade brasileira, ou partes dela, saiu às ruas, num ritual carnavalizado, a exigir o
impeachment. Nos rostos, as máscaras pintadas” 71. As máscaras e as palavras de ordem, nesta
concepção, são linguagens carnavalescas.
68
PINHEIRO, Marlene M. Soares. Op.cit. p.14
69
ARAÚJO, Patrícia Vargas Lopes de. Op.cit. p. 24
70
. PINHEIRO, Marlene M. Soares. Op.cit. p 63.
71
PINHEIRO, Marlene M. Soares. Op.cit. p 63.
38
A autora buscou elementos dentro dos eventos festivos que os identificassem como
carnavalescos ou não. Ainda sobre o entendimento de que o movimento dos caras pintadas
seria um momento de prática carnavalesca fez a seguinte afirmação: “a certeza de que, por
meio de uma ação não violenta, protegido pela ‘brincadeira’ e o disfarce da máscara
ritualística, conseguiu inverter a situação do país”.72 Nesse fragmento Pinheiro levou em
consideração dois aspectos: as máscaras e o desejo de inversão do país.
As máscaras em forma de pintura foram utilizadas por alguns grupos, e ao que parece,
não tinham a mesma concepção que encontro nas fontes ao trabalhar os folguedos
carnavalescos. Ao invés de disfarçar algo, o objetivo naquele momento do impeachment era
enfatizar o nacionalismo e identificar o porquê da luta. Além disso, apontou esse movimento
dos caras pintadas como um evento político que esteve disfarçado pela brincadeira, e por uma
ação que não violenta. Teria sido esse elemento, caracterizado pela autora como carnavalesco,
o responsável pela mudança política? A insatisfação e a ruptura não ocorreram no campo
carnavalesco, as máscaras que a autora cita foram instrumentos de protesto que demonstraram
a insatisfação com o contexto político, porém não foi a o único elemento nesse processo. A
autora entende os eventos carnavalescos como um momento que além de quebrar a ordem, é
algo pacífico, brincadeiras e confraternização. E que esta teria sido uma alternativa para
inverter a condição política naquele período.
Essa prática de mascarar-se se apresenta como elemento de análise dos festejos
carnavalescos, tanto para os historiadores quanto para os antropólogos: “o povo usava
máscaras, alguns com narigões, ou fantasias completas. Os homens se vestiam de mulher, as
mulheres de homens, outros trajes populares eram os de padre, diabos, bobo, homens e
animais selvagens” 73. Sobre a importância do disfarce, a antropóloga Pinheiro faz a seguinte
inferência: “o rosto é a marca evidente da identidade, é aquilo que de imediato nos diferencia
uns dos outros, porque é o retrato do eu. Então, a persona mascarava de simbólico o
simbólico” 74. O rosto, segundo a autora, é a primeira máscara, que representa a pessoa, e em
um momento de carnavalização, usa outra máscara, essa de cunho provisória facilmente
retirada. Por isso usa o termo “mascarar de simbólico o simbólico.
A metamorfose é nesse aspecto a palavra chave. O disfarce talvez seja o elemento que
dê a sensação de liberdade, pois através disso as pessoas agem sem serem identificadas e sem
ter que enfrentar a cobrança moral após os festejos carnavalescos. Porém quanto à possível
72
Idem. p. 19.
73
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. p. 249.
74
PINHEIRO, Marlene M. Soares. Op.cit. p. 30.
39
inversão social proporcionada pelo ato de se travestir é algo que suscita dúvida, pois, como foi
citada anteriormente, uma mulher ao se vestir de homem, altera o seu comportamento ou
reproduz o comportamento masculino? Ao vestirem-se de animais, reproduzem o
comportamento animal? E assim por diante. O fato de trocarem os papéis - homens/mulheres,
ser humano/ animal – não implica em uma transformação de comportamento. Essa inversão
significa que havia uma mudança dos atores, mas o roteiro e os personagens eram os mesmos.
Quando a autora afirmou ser um evento não violento, abriu outro ponto de discussão: a
violência não é travada apenas em batalhas corporais, existem linguagens que podem muito
bem, sem usar a força física, traduzir atos violentos contra quem se dirige. Um exemplo disso
é encontrado quando se analisa as músicas dos festejos feirenses. Verdadeiras batalhas sociais
eram travadas com um tom debochado e violento, batalhas essas fundamentadas no lugar
social de cada grupo. Isso seria uma violência simbólica, ou seja, é uma ação que apesar de
não usar a força bruta, o combate físico, causava um desconforto nos grupos criticados.
Em certa medida, a visão de Marilene Pinheiro alargou o sentido de festejos
carnavalesco. Um exemplo disso pode ser percebido nas comemorações religiosas, nas quais
qualquer manifestação que fuja da ordem religiosa é caracterizada como costumes
carnavalescos. Silvania Batista75, em seu trabalho sobre a festa de Santana na cidade de Feira
de Santana, apresentou um panorama sobre essa teia de relações entre as práticas
carnavalescas e festejos religiosos.76
É possível perceber os festejos carnavalescos como um complexo de práticas que
ganharam mais força em um período que antecedia a Quaresma, mas que seu conceito não é
restrito a isso, muito menos a uma temporalidade. No caso específico deste estudo, o foco é:
as práticas carnavalescas que ocorrem no mês de fevereiro/março (entrudo e carnaval)
abril/maio (micareta), este fora do período carnavalesco tomando como referência a
concepção cristã. Os meses tendem a variar porque a datação da Quaresma é pautada no
calendário lunar e não no solar, que é à base do nosso calendário.
Os antropólogos costumam localizar as festas enquanto uma quebra do cotidiano, uma
inversão social. Maria Laura Viveiro de Castro e Renata de Sá Gonçalves fazem a seguinte
consideração:
75
BATISTA, Silvania Maria. Op.cit.
76
Um exemplo dessa carnavalização, para além do que se convencionou chamar de Carnaval em Feira de
Santana, é o combate ao Bando Anunciador, como o próprio nome sugere, era um grupo que tinha a função de
anunciar os festejos de senhora Santana quinze dias antes do novenário de Santana. Porém tinha ares
carnavalescos, com músicas de tom jocoso, debochado e que tocavam muito fortemente a sexualidade. Essa
carnavalização estava desarticulada temporalmente dos festejos que ocorriam no mês de fevereiro, ou certos
casos, em março, a depender do calendário, contudo as práticas ocorridas naquele caracterizava o enquanto
carnavalesco.
40
Carnaval é bom para brincar, é bom para fazer, é bom para pensar. Festa
civilizatória, cujos rastros dourados buscamos na poeira do tempo. Festa
contemporânea sempre desdobrada em interrogáveis multiplicidade. Salve
sua majestade o Carnaval, o carnaval! Quando brincamos, colocamos sob
sua subversiva égide, que tudo descentra. Se o fossemos, nos engajamos em
seu febril vórtice festivo. Para tudo se acabar em cinzas na quarta-feira e
logo, quase sorrateiramente, retornar, renovando gradualmente forças até o
novo anúncio, em alto e bom som, da incomparável graça do aqui e do
agora. Quando pensamos sobre o carnaval, estamos também ao seu serviço,
e a mesma absorvente majestade requer que nos curvemos diante de sua
surpreendente complexidade77.
Essa concepção do carnaval coloca os sujeitos ao seu serviço. Ideia essa que apresenta
o festejo enquanto uma anomalia, algo que é estranho ao cotidiano. Talvez nessa concepção
se fundamentassem as manchetes dos jornais: “Vai começar o Tríduo de Mômo”, “Mômo
vem ai!”. O reinado nunca é dos homens e mulheres que compõem a festa. Ele é de Mômo, o
deus da folia e do riso, um ser que paira no imaginário das pessoas. Assim, a loucura e os
desmandos são sempre anistiados, pois estes estão a serviço do festejo, e extravasar é normal
durante esse período.
A ideia da monarquia da folia é realmente bastante forte em Feira de Santana nos
primeiros anos do século XX: “Está decretada para mais algumas hora o início do Regime
oficial da alegria. Ao poder do eterno deus do riso e da loucura jamais resistiu a gente sadia e
moça sem preocupações e sem mágoa.” 78
Em certa medida é pertinente, pois os festejos não aparecem dentro de uma rotina, eles
não ocorrem todos os dia, então nessa concepção ocorre sim um rompimento. Contudo não é
possível, dentro da perspectiva histórica, conceber os festejos como uma inversão. Natalie
Davis79, mesmo trabalhando uma realidade diferente da que abordo, faz uma ressalva sobre
essa idéia de inversão. A outra nos diz que um mundo de ponta cabeça pode ser modificado,
mas não endireitado, ou seja, por mais que as coisas sejam alteradas, elas ainda seguem uma
ordem social e econômica que atravessa a festa. “Pensar a festa como a instauração
77
CAVALCANTI, Maria Laura, GONÇALVES, Renata (org.) Carnaval em múltiplos planos. Rio de Janeiro,
Aeroplano, 2009. p. 9.
78
Folha do Norte. Feira de Santana. 6 de fevereiro de 1932. Ano XXIII Nº 1177.
79
DAVIS, Natalie Zemon. Op.cit.
41
A limitação geográfica talvez seja facilitada até pela própria disposição do espaço
urbano, que permite uma aglomeração e funciona como um ponto de encontro. Wilson
Louzada82, em 1945, ampliou um pouco mais as possibilidades, apontadas pela delimitação
feita por Maria Isaura Queiroz. Segundo ele, os festejos carnavalescos, por ele identificado
como entrudo, eram praticados apenas entre os habitantes dos centros urbanos, e entre as
populações sertanejas esses festejos eram menos praticados. Faz uma ressalva de que se o
lugar fosse desenvolvido, em suas palavras, adiantado, essas práticas eram possíveis. Para
Louzada, os festejos carnavalescos eram característicos dos centros urbanos, mas isso não
implicaria a inexistência dessas manifestações fora desse eixo.
Esta primeira delimitação prioriza apenas o espaço físico, indicando inclusive a
convergência de pessoas tanto do campo quanto da cidade para festeja. Por ser um local que
concentra a administração e o sistema de serviços, a cidade oferecia uma facilidade maior de
aglutinação de pessoas e a organização do evento. Mas o pensamento de Louzada já aponta
outro aspecto:
80
ARAÚJO, Patrícia Vargas Lopes de. Op.cit. p. 36.
81
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Op.cit. p. 14.
82
LOUZADA, Wilson. Op.cit.
42
Essa interpretação indicou não só o espaço físico, mas o comportamento das pessoas
como condição de existência para os festejos carnavalescos. Nesse caso o fator que
possibilitaria os festejos carnavalescos era o grau de adiantamento da localidade. Esse
adiantamento estaria ligado ao grau de urbanização em cidades que não fossem tão “matutas”,
e também quanto à densidade populacional.
Talvez essa concepção de Louzada sirva para justificar uma preocupação esboçada nos
jornais na época em Feira de Santana: “a comissão também, conjuntamente com o governo da
cidade estão empenhados em proporcionar ao povo um espetáculo digno dos foros de
civilidade dessa maravilhosa cidade” 84. Era como se a presença do festejo indicasse um grau
de “desenvolvimento”. Essa era uma preocupação presente nos jornais, o que foi um
importante instrumento da formação de significado e das representações, mas isso é tema do
último capítulo, quando essa questão será retomada.
Os olhares sobre os festejos carnavalescos são diversos também, e Sebe85 faz uma
classificação, dividindo os estudiosos do carnaval em dois grupos. Para os pesquisadores
continuistas, o carnaval é uma festa antiga, que sempre existiu, mas que com o passar do
tempo foi adaptada. Nessa concepção, o carnaval aparece como a comemoração da vida,
sendo que o elemento da beleza é fundamental. Os circustancialistas formam o segundo
grupo, concebendo o carnaval muito mais pelos valores momentâneos que aparecem na
celebração. Isso não implica em um abandono de uma tradição, mas entendem que as
especificidades explicam muito melhor que as visões generalistas, uma festa que é renovável.
Essa última categoria tem ganhado muito espaço dentre as pesquisa, pois há um entendimento
que a ideia da linearidade limita muito o campo de estudo.
83
LOUZADA, Wilson. Op.cit. p. 11.
84
Folha do Norte. Feira de Santana, 4 de março de 1939. Ano XXX, Nº. 1554.
85
SEBE, José Carlos. Op.cit.
43
Leonardo Pereira86 fez considerações sobre festejos carnavalescos: não se deve pensar
em uma sucessão de representações que não se encontram e não lutam no campo social pelo
domínio. Foi citada anteriormente uma perspectiva que coloca os festejos carnavalescos em
uma sequência que obedece à lógica do entrudo, carnaval e micareta, está última em algumas
cidades. Porém o erro é entendê-las como festas opostas. Os jogos do entrudo, carnaval e
micareta enquanto práticas culturais não cabem em uma datação específica, muito menos o
estabelecimento de um único significado.
A caracterização dos jogos do entrudo é um tema constante dos viajantes estrangeiros,
que em seus diários retratam o que mais acham de pitoresco nas sociedades visitadas. Um
desses relatos é propício neste momento, aquele dos missionários D.P. Kidder e J.C. Fletcher,
que estiveram no Brasil entre 1836 e 1865. Dessas viagens resultou o livro Brazil and the
Brasilians. Nesse relato de viagem fizeram a seguinte caracterização:
Esse fragmento apresentou concepções da prática festiva. Fizeram uma comparação entre o
entrudo e o carnaval da Itália. O entrudo corresponderia ao carnaval da Itália, ligação que foi
feita em correspondência ao período carnavalesco.
A idéia do tempo do permitido, aquele em que as pessoas se entregam aos prazeres
mundanos diante dos dias limitados, foi mais uma vez reforçado. Além disso, algo que parece
obvio, mas aponta para a característica de movimento histórico, para ideia de que tradição não
86
PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. O carnaval das letras: literatura e folia no Rio de Janeiro do
século XIX. 2. Ed. rev. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 2004
87
D.P. Kidder e J.C. Fletcher (1836-1842/ 1851-1865). Op.cit.
44
Não era com chuva de confetes que as pessoas se saudavam nos dias do
entrudo, mas com chuveiros de laranjinhas e ovos, ou antes, com bolas de
cêra feitas com forma de laranja e ovos, cheias d’água (...). Êsse jogo não se
limitava às crianças ou às ruas, mas era feito na alta roda, tanto quanto na
classe inferior, fora e dentro de casa “88
A prática de jogar objetos contendo água uns nos outros era uma característica que
sempre apareceu nas descrições que tratam do entrudo, e embora essa tenha sido uma prática
cultural associada aos negros escravizados e sua linhagem, segundo os memorialistas89, esse
hábitos considerados bárbaros perpassavam entre as classes. Evidente que há que se fazerem
algumas ressalvas, para não cometermos o erro de eliminar as particularidades das práticas
entre grupos sociais e econômicos diversos.
O entrudo, como foi citado no tópico “O carnaval é mutável”, teve um significado
não-cristão e que sofreu com o tempo mudanças em seu significado, passando por um
processo de cristianização, com um significado atribuído pela Igreja católica. A concepção de
entrudo que chegou ao Brasil foi o de sentido cristão. Segundo Moraes Filho90, o entrudo
chegou às terras brasileiras por meio dos navegantes portugueses. Estes viajantes
colonizadores teriam colhido no Oriente, especificamente na Índia, muito dos elementos que
se transformaram no entrudo português. Essa prática lusitana, assim como afirmam Patrícia
Araújo91 e Marlene Pinho92, era diferente das que ocorriam no resto da Europa. Ambas citam
o seguinte trecho:
88
LOUZADA, Wilson. Op.cit. p. 13.
89
MORAES FILHO, Melo. Op.cit
90
Idem.
91
ARAÚJO, Patrícia Vargas Lopes de. Op.cit.
92
PINHEIRO, Marlene M. Soares. Op.cit.
93
DANTAS, Júlio. Gazeta de Notícias, 21/02/1909. Apud: PINHEIRO, Marilene. Op.cit. p. 81.
45
94
ARAÚJO, Patrícia Vargas Lopes de. Op.cit. p.120.
46
O capítulo que segue adentra pelo universo das práticas e de como a feitura dos
festejos acabaram por construir um cenário festivo feirense. Perceber os grupos e de que
forma os feirense, das primeiras décadas do século XIX, saldavam momo.
Capítulo 2
Os carnavais da Cidade.
48
Helder Alencar assegurou que “são antigas e muito antigas as festas de Momo na feira
de Santana. Elas datam de quando o carnaval ainda era uma festa bárbara, denominadas de
95
entrudo” . Alegou que na cidade prevalecia a prática do entrudo, e somente por volta de
1891 as práticas carnavalescas, associadas à ideia de civilizado teriam surgido na cidade.
Porém essas delimitações conceituais partem de uma atribuição de significado e
representações forjadas e trata-se muito menos de uma ruptura das práticas. Negar as
mudanças abruptas a ponto de separar as festas não significa imobilidade. As práticas mudam,
pois, como trata de um evento histórico o movimento lhe é inerente
Os festejos apareciam separados e noticiados como se fossem categorias diferentes:
entrudo, carnaval e micareta. O antagonismo estabelecido entre o entrudo e o carnaval foi
algo que transpôs o ambiente festivo, como foi dito anteriormente, era uma disputa de
significado. A criação do conflito entre carnaval e entrudo foi algo que esteve para além dos
festejos. Ela envolveu a negação de costumes considerados bárbaros como resultado do desejo
de reforma comportamental, como um projeto de transformar os hábitos e imprimir um novo
modelo social. Porém nesse capítulo trataremos o que foi separado, como uma coisa só:
práticas carnavalescas, a ponto de descrevê-las como práticas e não como significados.
O primeiro passo é caracterizar as práticas dentro de sua organização. As práticas
caracterizadas como o entrudo envolviam a confecção das laranjinhas. Segundo a observação
de Morais Filho, ao estabelecer um diálogo entre os festejos do Rio de Janeiro e Salvador, no
ano de 1886, a confecção das laranjinhas e limões era algo que movimentava a comunidade
muito antes dos folguedos:
95
ALENCAR, Helder. Op.cit.
96
MORAIS FILHO, Melo. Op.cit. p. 132.
49
Morais Filho identificou a movimentação quase um mês antes do evento festivo, com
a confecção dos elementos que são essenciais às brincadeiras. O festejo começava antes
mesmo das folganças, a preparação da festa era o momento da gestação, o momento em que
está sendo pensada, articulada. Essa gestação movimentava os espaços tanto quanto a festa em
si.
A dinâmica econômica também era fomentada, eis mais um dos múltiplos significados
da prática do entrudo, mas uma possibilidade analítica que os festejos carnavalescos
apresentam. Ao que tudo indica esse fabrico das laranjinhas e limões era uma atividade
feminina, tanto em Salvador quanto no Rio de Janeiro.
Ainda segundo Moraes Filho, esses festejos traziam consigo durante a prática várias
intencionalidades e a constante introdução de novos elementos. No contexto de Minas Gerais
os limões e as laranjinhas-de-cheiro eram considerados, dentro do entrudo, uma forma mais
comedida de festejar: “no século XIX foram incorporadas à brincadeira os limões-de-cheiro,
considerados uma forma mais refinada de jogar. Contudo, o refinamento acabava quando
esgotava a provisão de limões.” 98
Mesmo tratando especificamente do entrudo, tal pratica carnavalesca apresentava
divisões na forma de seus jogos: um entrudo mais sofisticado que utilizavam os limões-de-
cheiro e as laranjinhas-de-cheiro; e um entrudo que era mais “violento”, no qual usava
vermelhão, pó de peixe. Um agressivo e outro adequado. Porém essa inserção de elementos
“grosseiros” não foi exclusividade de Minas Gerais, no contexto baiano há indícios de tal
prática.
97
MORAIS FILHO, Melo. Op.cit. p. 133.
98
ARAÚJO, Patrícia Vargas Lopes. Op.cit. p. 41.
50
O trecho a seguir abriu uma discussão quanto uma das utilizações e intencionalidades do
entrudo que era considerado adequado:
99
Sulfato vermelho de mercúrio pulverizado. In: AMORA, Antônio Soares. Minidicionário Soares Amora da
língua português – 19 ed. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 763.
100
MORAIS FILHO, Melo. Op.cit. p. 132.
101
Idem. p. 136.
102
Folha do Norte. Feira de Santana, 29 de Janeiro de 1910. Ano II. Nº 20
51
Santana das primeiras décadas do século XX era similar aos jogos identificados em outros
momentos e espaços. Dada a resistência ao jogo do entrudo, perceptível na crítica a essa
prática carnavalesca, é provável que o disfarce utilizado para esconder caroços e pedras
recobertos de ceras tenha sido utilizado pelos feirenses, mas isso é apenas uma hipótese, as
fontes não apontaram para essa complexidade.
O hábito de jogar coisas é característico dos festejos, seja atirar laranjinhas e águas
(cheirosas ou pútridas) sejam serpentinas ou lança-perfume. Os festejos eram organizados em
três dias, iniciavam-se no domingo e terminavam na terça-feira, antes da quarta-feira de
cinzas, o que seria a data limite para a realização dos festejos carnavalescos. Durante esses
três dias, identificados como gordos, os dias de fartura e extravagância, retomando o que foi
discutido no primeiro capítulo, a oposição aos dias de resignação e Quaresma.
Carnaval
Embora as repetidas pancadas de água que estiveram quase dando fim aos
folguedos e as folias carnavalescas nesta cidade, ocorreram tudo muito
animado em todos os pontos da mesma.
Especialmente entre os foliões clube Filhos da Turquia, exhibindo um
“visioso” carro alegórico, com estandarte, seguindo um grande número de
mascarados a pé ou a cavalo. Durante os dois dias de folguedo não se deu o
menor distúrbio, se bem que se notava muita concorrência de povo.
No dia 17 houve espetáculo no theatro Santana, com a assistência do referido
clube.103
103
O Progresso. Feira de Santana, 24 de fevereiro de 1901, Ano I, Nº 6º.
52
Segundo esse fragmento, pode-se afirmar que nos festejos carnavalescos feirenses
existia a presença, já no começo do século XX, de carros alegóricos como elementos festivos
e estandartes. Essa era uma das principais características dos festejos carnavalescos em sua
forma civilizada, ou seja, o carnaval enquanto representação de uma forma de brincar era
marcada pela presença de carros alegóricos. Era o carnaval para se ver, feito normalmente
pela elite que poderia bancar os gastos com os carros. Outro indício era sobre a espacialidade,
quando afirma que o festejo foi animado em todos os pontos da cidade. Deve se lembrar que a
cidade na passagem do século XIX para o XX não tinha as proporções atuais, mas nos permite
deduzir que havia manifestações carnavalescas espalhadas pela cidade e não apenas em um
ponto específico.
Nesse momento foi identificado apenas um grupo carnavalesco, os Filhos da Turquia,
o nome sugestivo, pois faz referência a um elemento oriental. Cabe então uma especulação
sobre qual seria a explicação para o nome desse clube. Segundo os dados do IBGE104, na
passagem do século XIX para o século XX o Brasil passou a receber um grande contingente
de imigrantes árabes: “entre 1871 e 1900 apenas 5400 pessoas tinham aportado no Brasil e
95% dos imigrantes eram árabes” (...) até 1920, mais de 58.000 imigrantes árabes haviam
entrado no Brasil, sendo que o estado de São Paulo recebeu 40% deste total “105.
O período de imigração árabe para o Brasil de forma mais significativa coincide com o
surgimento do grupo que fez referência a essa cultura oriental. Entretanto nos dados do IBGE,
o estado da Bahia não apareceu como um dos maiores destinos desses imigrantes, o que não
significa que eles não tenham chegado ao solo baiano. Como os jornais costumavam publicar
notícias mundiais, as pessoas poderiam tomá-los como referência sem necessariamente ter
influência direta de um Turco, para que o Clube Filhos da Turquia tenha existido. Além
disso, nesse período o contexto árabe era um motivo carnavalesco, o seu luxo e riqueza eram
referências para a confecção das indumentárias.
Outra questão é quanto à dinâmica da festa, costumava-se festejar durante três dias:
domingo, segunda e terça-feira, porém a fonte cita apenas dois dias de festejo ocorridos nas
ruas. O último dia, ao invés da realização do festejo ocorrer no espaço público, ela foi
organizado pelo clube os filhos da Turquia, no Teatro Santana. Isso não aponta para uma
regra, na qual dois dias dos festejos eram na rua e o último em clubes, trata-se apenas de um
exemplo, que demonstra a existência dos festejos tanto em espaços públicos, quanto em locais
particulares.
104
http://www.ibge.gov.br/brasil500/arabes/razaoemigarabe.html
105
Idem.
53
Echos do Carnaval.
Evohé... Evoé...
Zig zig Bum! zig bum! Bum... bum...
Fomos surpreendidos na última terça-feira gorda com o passeio de um grupo
carnavalesco que quebrou a monotonia da nossa terra. Uma verdadeira
surpreza, pois tão mysteriosamente foram organizados, que nossa população
tão grande fartura de alegria teve.
Evohé!... Evohé!...
Aos sons de estridulo Zé-Pereira, acompanhado de reco-reco, bombos e
tambores, vimos um formidável grupo que trazia letras douradas de seus
dous anos de existência, (...) O Grupo Carnavalesco Flor de Arromba
compunha um grupo de cincoenta phantasiados z’elhos, diabos, reis,
princesas, morcegos, burros, caveiras diabinhos e muitos jagunços armados
de espingardas a tira colo, foices no lombo, chuchos, paus, etc.106
Sobre o carnaval de 1910 encontrou-se apenas notícias quanto à terça feira. Mas isso
não implica que nos dias anteriores não tenha ocorrido o carnaval. Como foram citados
anteriormente, os jornais desse período eram de pequeno porte e especificamente o jornal
Folha do Norte tinha uma circulação semanal. Nesse caso, a notícia referente à terça-feira
havia ocorrido há quase uma semana, logo o noticiário não era tão detalhado em virtude da
divisão em quatro laudas de tudo que havia sido “relevante” ao longo da semana que passara.
Por esse motivo existia uma limitação quanto aos detalhes dos festejos.
Voltando à análise da fonte, o ato de se fantasiar não seguia uma norma, na qual cada
grupo devesse sair às ruas com as mesmas indumentárias. Nesse caso dos festejos das
primeiras décadas do século XX em Feira de Santana, não se apontou para a normatização das
vestimentas. As fantasias eram as mais diversas possíveis. Sobre o trajeto feito pelo
aparentemente único cordão não houve nesse ano uma especificidade sobre as ruas, mas
apontou o paço municipal como um ponto de passagem e parada:
106
Folha do Norte. Feira de Santana, 12 de Fevereiro de 1910, Ano II. Nº 22
54
O cortejo percorria algumas ruas da cidade, porém tinha como ponto de referência o
paço municipal, muito embora a festa carnavalesca não fosse uma festa incluída no calendário
oficial da prefeitura. Além da reverência ao poder público, o cordão citado tinha uma aparente
organização, do ponto de vista do cortejo, na evolução e na cadência do desfile. O uso de
máscaras foi outra característica neste momento festivo.
O trecho abaixo representou um momento decisivo do festejo, pois era o momento em
que um homem fantasiado de rei entoava um cantou que aparentemente iniciava o festejo,
funcionando como um rito de passagem. Primeiro ele se apresentou ao poder público e ai
então os folguedos tiveram um início formal.
O canto entoado pelo majestoso rei foi este:
107
Folha do Norte. Feira de Santana, 12 de Fevereiro de 1910, Ano II. Nº 22
55
O início da letra mostrou uma espécie de apresentação, isso retifica o que foi dito
anteriormente, quando o rei da folia apresentou ao poder público e as suas intenções em nome
do seu povo, pois ele era um rei com seus súditos a pedir passagem. A letra expôs também
elementos contraditórios, pois é um povo violento que arromba ferro, mas em contrapartida é
denominado como um povo decente. A violência nesse caso referiu-se ao ato da alegria e não
do fazer mal. É uma música que funcionou como uma espécie de abre alas carnavalescas. Nas
duas últimas estrofes estabeleceu um comparativo com a vida ‘real’, na qual ele não é
imperador, pois afirmou “ali dentro... tenho dito, sou até imperador!”. A vida, segundo a
canção, devia estar aberta ao riso para o bem e as ilusões.
Voltando ao trecho que antecedeu a canção, a figura do Zé-Pereira apareceu como um
sujeito da festa que funcionava como um espírito festivo, se é que assim pode-se denominar.
E nesse momento abre-se um parêntese para afirmar que esse sujeito festivo não aparecia
apenas no período carnavalesco. No Folha da Feira ele aparecia como um personagem que
108
Folha do Norte. Feira de Santana, 12 de Fevereiro de 1910, Ano II. Nº 22,
56
assinava a parte humorística do jornal, pequenos textos de humor que também tinham um
caráter crítico.
Vale ressaltar que isso não implica em uma prática carnavalesca. Mas aponta para a
forma de como um elemento carnavalesco pode ser utilizado para além do período
carnavalesco. Como já foi mencionado, Zé-Pereira era o nome dado a um bombo que dava o
ritmo aos festejos carnavalescos. É uma personificação de instrumento musical carnavalesco.
Humorismo
57
Ao toque da fanfarra
Molequeira desabrida
Malcreada, patranheiras,
Pschlada, corriqueira,
Vive ahi, a solta, ao léo...
A polícia me parece,
Que s’quece dessa gente,
Remitente, estoleada...
Uns – de calças arregaçadas.
Outros – nus e sem chapéo.
Zé- Pereira.109
109
Folha da Feira. Feira de Santana, 27 de Junho de 1933, Ano V. Nº 246;
58
anos de 1911 a 1914 e o período de 1919 a 1921 foram os casos mais evidentes dessa escassez
de notícia. Entretanto, o fato de não ter sido noticiado, não implica automaticamente em uma
prova irrefutável para afirmar que não teriam existido os folguedos nesses anos. Não foi
encontrado, por hora, nenhum outro documento que aponte para a existência de práticas
carnavalescas na cidade nos períodos citados.
Contudo nesses anos de silêncios referentes aos folguedos carnavalescos eram
corriqueiros os anúncios que faziam referência ao carnaval da capital:
Pelo motivo das graves agitações porque, ora passa a Bahia e principalmente
sua capital, agitações que vão até enlutando lares, porque a combinação
política, no assalto do poder, não pesam crimes e até assassinatos, não mais
se effectuará o anunciado passeio de recreio a Sociedade 25 de Março à
cidade do Salvador, pelo carnaval deste ano.110
110
Folha do Norte. Feira de Santana, 3 de fevereiro de 1912, Ano IV, Nº 105.
111
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. A Rainha destronada, Discurso das Elites como sobre Grandezas e os
infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas da republicana. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2005. p. 319.
59
Essas foram as agitações pelas quais passavam a Bahia e essas manchetes ocupavam grande
parte dos folhetins da época.
Entretanto outros anúncios do mesmo ano de 1912 apontaram para a pertinência de
um clima carnavalesco: “Para o carnaval, procurem o atelier de Chapéus de Francellina de
113
Mello Lima” . O fato de uma casa comercial investir em um reclame anunciando serviços
voltados para o carnaval indicava que havia uma mobilização voltada para o festejo, pelo
menos naquele ano de 1912; quanto aos outros períodos, as fontes não permitem fazer tal
afirmação. Será que os festejos não aconteceram? Ou eles não foram noticiados devido ao
contexto político baiano? O dado do reclame indicou que a segunda é mais plausível, pois não
foi encontrado nenhum motivo que impedisse essa realização.
As chamadas para os passeios à capital não foram algo pontual do ano de 1912, eles
voltaram a aparecer em 1914, primeiro em forma de anúncio: “Carnaval de 1914. Pomposo
passeio de recreio da 25 de Março à capital do estado em 22 de fevereiro.” 114 Quando estava
mais próximo dos festejos, as chamadas eram intensificada e detalhadas:
Passeio à capital.
112
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. A Rainha destronada, Discurso das Elites como sobre Grandezas e os
infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas da republicana. p. 320.
113
Folha do Norte. Feira de Santana, 3 de fevereiro de 1912, Ano IV, Nº 105.
114
Folha do Norte. Feira de Santana, 21 de janeiro de 1914, Ano VI, Nº 206.
115
Folha do Norte. Feira de Santana, 14 de fevereiro de 1914. Ano VI, Nº 209.
60
A fonte permite afirmar que nos festejos carnavalescos existiam bailes a fantasia em
espaço privados, no caso específico das filarmônicas, ou seja, os folguedos não estavam
limitados ao espaço da rua. E o jornal posicionou-se como se a modalidade de festejo privado
representasse a totalidade carnavalesca, o que indica a posição ideológica desse veículo de
informação mediante a festividade. Ao que indica as fontes, a participação nesses bailes
ocorriam mediante pagamento, exceto, como sinalizou o fragmento, se fosse um sócio da
entidade promotora do baile.
Em 1923 ainda era tímida a aparição das notícias referentes às folganças
carnavalescas, mas uma delas e apresentou um elemento contraditório:
Carnaval.
Momo passou ao largo. E a cidade viveu os três dias da troca e da folia no
ram-mam de uma placidez inalterável
Nada, absolutamente nada assignalaria entre nós o Carnaval si não fora o
grupo Phantasmas, composto por geniais senhorinhas e que na terça-feira, á
tarde, percorreu esfuziante de alegria às ruas da urbe117.
O trecho apontou para um desânimo em relação aos dias de carnaval, indicou para
uma ausência dos festejos durante o período carnavalesco, que fora salvo pela ação de um
grupo. Essas lacunas fazem pensar se a referência de carnaval nesse período era uma prática
corriqueira ou uma construção, que tinha como ideal uma festa carnavalesca comum as
cidades tidas como urbanizadas. Isso porque os festejos, pelo menos neste ano, segundo a
116
Folha do Norte. Feira de Santana, 25 de fevereiro de 1922, Ano XIV, Nº 519.
117
Folha do Norte. Feira de Santana, 17 de fevereiro de 1923, Ano XV, Nº 670
61
fonte, foram idealizados e realizados apenas por um grupo. Logo, o carnaval era realizado,
mas não com o empenho que em alguns momentos lhe era atribuído e nem com uma grande
efervescência.
Durante os anos 1920, as notícias eram pontuais geralmente uma reportagem que
apresentavam um resumo dos dias festivos, reportagens mais sucintas:
Esse fragmento permitiu fazer algumas afirmações: mesmo não especificando as ruas
pelas quais passavam o carnaval, tinha um segundo ponto de referência além do paço
municipal, que era o coreto da Igreja de Sant’ Anna, que vem a ser a catedral da cidade. As
caracterizações das práticas também eram constantemente renovadas, o ato de usar fantasias,
usar máscaras e molhar uns aos outros com o lança perfume e as batalhas de confetes. “A
frente de suas legiões aguerridas e fartamente municiadas de confetes, serpentinas e
perfumadores e lança-perfume, Momo – o eterno deus do Riso e da loucura aproxima-se.”119
O carnaval tinha como prática a guerra das serpentinas, dos confetes e do lança perfume.
Comparando à prática do entrudo, encontramos mais semelhanças que divergências. No
entrudo a guerra era feita com laranjinhas e pós. A guerra de objetos, molhar uns aos outros
era a mesma. Em ambos os casos, o que mudou foram os objetos utilizados.
Foi a partir da metade da década de 1920, que os jornais, sobretudo a Folha do Norte,
apresentaram uma preocupação maior em anunciar os folguedos não apenas durante o festejo,
mas também com certa antecedência, inclusive apresentando uma comissão e certo empenho
118
Folha do Norte. Feira de Santana, 21 de fevereiro de 1925, Ano XVII, Nº 776.
119
Folha do Norte. Feira de Santana, 30 de janeiro de 1926, Ano XVIII, Nº 858.
62
em realizar algo melhor. Talvez essa preocupação tenha surgido a partir da percepção de este
espaço festivo também era um espaço de disputas políticas, o que justificaria a atenção dada
aos festejos:
A forma como os festejos eram abordados mudaram com a administração de Raul Silva como
diretor do jornal Folha do Norte, pois foi dado ao festejo um destaque que permitiu uma
análise mais aprofundada e detalhada, começando as reportagens a partir do mês de Janeiro.
120
Folha do Norte. Feira de Santana, 30 de janeiro de 1926, Ano XVIII, Nº 858.
121
ALENCAR, Helder. Op.cit.
122
SILVA, Aldo José Moraes. De terra Sã à berço da micareta: estratégias constitutivas da identidade social
em Feira de Santana. p.122.
63
Passeio à capital.
Essa facilidade pode ter colaborado, mas a prática da migração rumo ao carnaval
soteropolitano não surgiu por causa da rodovia.
Outro ponto a ser pensado, que foi suscitado por Aldo Silva:
O chamado êxodo não era algo que promovia o esvaziamento da cidade, apenas alguns
grupos, por sua questão social vantajosa, tinha acesso ao carnaval soteropolitano. A
concorrência com o carnaval de Salvador é anterior à construção da rodovia. O que mudou foi
a forma como essas alternâncias, entre carnavais mais expressivos e os menos entusiasmados,
passavam a ser tratados pelos veículos de informação.
123
Folha do Norte. Feira de Santana, 14 de fevereiro de 1914. Ano VI Nº 209.
124
SILVA, Ala do José Moraes. De terra Sã à berço da micareta: estratégias constitutivas da identidade social
em Feira de Santana. p.123.
64
125
Revista Panorama da Bahia, 20 de abril de 1987, Ano 4, nº 80. p. 12.
65
Além de concorrer com o carnaval da capital do Estado, existiam outras localidade que
tinha o festejo carnavalesco pré-quaresma, nesse caso ocorreu também uma migração do
clube carnavalesco para o recôncavo, a cidade de Muritiba. Dessa forma, o esvaziamento da
cidade não ocorria só por causa da construção da BR. 324, tendo como destino apenas
Salvador, visto que os grupos carnavalescos tinham outros destinos.
A maior atenção dada às décadas que antecedem a criação da micareta apresenta um
panorama de como se deram os festejos. O primeiro dado é que o evento festivo passou a ser
noticiado, como já foi dito, com quinze dias de antecedência e não mais em uma nota de
véspera. “O Carnaval avisinha-se: mãos à ombro foliões. Falta apenas uma quinzena para que
Momo – o eterno e sempre almejado deus do riso e do prazer - surja, dominador, na urbe
127
feirense, instituindo seu ephemero, mas salutarissimo reinado” . As notas sobre o festejo
cresciam gradativamente à medida que este se aproximava e existia um apelo, uma espécie de
justificativa para valorizar o momento:
126
Revista Panorama da Bahia, 20 de abril de 1987, Ano 4, nº 80. p. 12.
127
Folha do Norte. Feira de Santana, 31 de Janeiro de 1931, Ano XXII, Nº 1124.
128
Folha do Norte. Feira de Santana, 7 de Fevereiro de 1931, Ano XXI, Nº 1125.
66
Carnaval
Está decretada para mais algumas horas o início do regime oficial da alegria.
Ao poder do eterno deus do riso e da loucura jamais resistiu a gente sadia e
moça sem preocupações sem mágoas.
129
Folha do Norte. Feira de Santana, 14 de fevereiro de 1931, Ano XXII, Nº 1126.
130
Folha do Norte. Feira de Santana, 21 de fevereiro de 1931, Ano XXII, Nº 1127.
67
Apresentem-se, foliões!
Mais uma quinzena a decorrer e implanta-se nesta urbe o regime
momocratico.
O eterno deus risonho renuncia jamais o seu pomposo reinado e seus adeptos
são incontáveis em todos os centros cultos.
São, muitos muitíssimos os citadinos que anseiam pelo tríduo da folia, em
que renovarão as batalhas incruentas a confetes, serpentinas, perfumadores,
ou melhor, lança perfumes.
Essas rodas elegantes de mocelinhas jovens e rapazes discutem-se a
adaptação de figurinos carnavalescos para os dias 11 e 13 de fevereiro
próximo, nos quais além dos corsos e passeatas vespertinas, affectara-se-ão
bailes a fantasia em várias partes. (...) Haverá surpresa.
Dizem-nos que projetam um bloco dos camisas...
Ah! O ledor tem interesse em saber qual o motiz? Com franqueza;
ignoramos. 134
134
Folha do Norte. Feira de Santana, 27 de janeiro de 1934, Ano XXV, Nº 1280.
135
Folha do Norte. Feira de Santana, 27 de janeiro de 1934, Ano XXV, Nº 1280.
69
Passou breve, fugaz como todas as coisas que proporcionam prazer, o tríduo
da Folia. Os folguedos dos primeiros dias de reinado de Momo único
decorreram algo frio, pesas da elevada temperatura ambiente. Fizeram-se
notadas inconveniências e falhas.
O movimento comercial da tardinha e da noite de sábado afiguraram-se a
muitas pessoas promissor de extraordinária animação affluencia de foliões a
Avenida da Alegria, (denominação dada por experimentando carnavalescos
às ruas Conselho Franco e dos Remedios, onde a circulação avulta em dias
de carnaval) o que, no entanto, não ocorreu (...). Os momophilos feirenses
querem ressarcir-se da relativa frieza do carnaval citadino e da quarentena
nesta de abstinência, promovendo festa álacre em sábado de aleluia e
domingo de Páschoa.136
Nesse trecho indica a organização de uma festa posterior ao carnaval, com um complemento
ao carnaval. Tratou também das falhas que impediram a realização de um festejo satisfatório,
isso na percepção do jornal. E alguns grupos carnavalescos já estavam a organizar o novo
festejo. Estes aparecem como informativos.
136
Folha do Norte. Feira de Santana, 17 de fevereiro de 1934, Ano XXV, Nº 1281.
137
Folha do Norte. Feira de Santana, 17 de fevereiro de 1934, Ano XXV, Nº 1281.
70
Os dois primeiros anúncios não seriam o suficiente para definir que essa seria uma
prévia da micareta, pois a queima de Judas é algo comum do sábado de Páscoa, porém por
estar aliada ao carnaval, é como uma espécie de ação para desencadear outro momento
carnavalesco que permite fazer tal afirmação. Hipótese esta que é fortificada com o último
anúncio, que é a criação de um novo bloco especialmente para a Mi-carême, um clube
aparentemente feminino, as Melindrosas.
Ainda sobre a “crise”, há uma contradição sobre esse suposto fracasso do carnaval de
1934. O jornal Folha da Feira faz o seguinte balanço
Carnaval e carnavalescos
138
Folha da Feira. Feira de Santana, 19 de Fevereiro de 1934, Ano 1934, Nº 281.
71
Essa reportagem retomou um momento anterior aos festejos daquele ano, porém
verificou-se que uma denominada crise do carnaval não significava o desinteresse geral para
com os festejos antecedentes a Quaresma. Segundo a fonte, existiam pessoas organizadas para
permanecer na cidade durante a festa e promover os folguedos carnavalescos. O Jornal Folha
da Feira quando tratava do mesmo período do apresentado pelo Jornal Folha do Norte,
apresenta uma versão um pouco mais branda sobre a suposta “crise”, indicava para uma
organização que prometia animação.
139
Folha do Norte. Feira de Santana, 9 de Março de 1935, Ano XXVI, Nº 1338.
140
Folha da Feira. Feira de Santana, 25 de fevereiro de 1935, Ano VII, Nº 333
141
Folha da Feira. Feira de Santana, 4 de março de 1935. Ano VII, Nº 344.
72
Ao analisar as duas reportagens que trataram do mesmo momento festivo, pareceu que
eram duas cidades diferentes e na verdade eram. As concepções dos grupos jornalísticos eram
diferentes e isso interferiu na forma de ler a cidade, e nesse caso específico o momento
festivo. Enquanto o Jornal Folha do Norte apontou para o não acontecimento dos festejos em
alguns momentos dos três dias alegando um esvaziamento da cidade, o Jornal Folha da Feira
firmou que havia foliões e que estes saíam às ruas. Por esse motivo é que afirmar uma crise
carnavalesca é algo muito perigoso, muito provavelmente poderia ocorrer uma crise
econômica ou de outro caráter na cidade e como os festejos são produções de um contexto
social havia a alternância entre carnavais mais pomposos, por assim dizer, e os festejos mais
simples.
Muito embora tenha sido convencionado dizer que a micareta teria surgido no ano de
1937, devido as fortes chuvas que teriam interrompido o bom andamento do carnaval daquele
ano, é plenamente possível afirmar que se trata de um mito fundador. Isso porque antes
mesmo disso a prática carnavalesca pós-quaresma já era apontada em anos anteriores.
Em 1934, ao apresentar um panorama festivo daquele ano, o Jornal Folha do Norte
fez referência a um complemento festivo que ocorreria após a Quaresma, fonte que inclusive
já foi citada: “Cogita-se da organização de um novo bloco ou cordão que pretende estrear nas
próximas festas da Páschoa, vulgarmente chamado de Mi-carême, no qual figurarão 30
senhorinhas e outros tantos rapazes de nossa sociedade”.142.
Inclusive, o documento abaixo aponta para isso:
Saudações cordiais.
Pelo presente solicitamos de V.S. o seu voto a um dos nomes desta lista, que
deverá substituir, de acordo com o concurso público em toda a imprensa, o
nome ”Mi-carême”.
142
Folha do Norte, Feira de Santana, 17 de fevereiro de 1934, Ano XXV, Nº 1281
73
A fonte não permite afirmar categoricamente, mas a forma como foi tratado esse
festejo carnavalesco realizado após a Quaresma indicou uma familiaridade, como se esse não
fosse o primeiro, mas algo que era possível de acontecer com muita tranqüilidade. Outro
aspecto que se tornou comum a partir de então foi ler esse folguedo carnavalesco como um
143
O “x” colocado ao lado da palavra micareta indica uma marcação de um voto da enquete aplicada. Essa
marcação foi feita à caneta no documento original.
144
Associação dos Chronistas Carnavalescos, 1 de abril de 1935, Bahia.
145
Folha do Norte. Feira de Santana, 16 de Março de 1935, Ano XXVI, Nº 1339.
74
A micareta foi este ano o segundo carnaval. Superou todas as festas dessa
natureza anteriormente realizada em brilho, arte e beleza.
O contágio da alegria ali reinou durante três dias, causando as mais
agradáveis impressões aos visitantes.
Os bailes e as fantasias excederam todas as expectativas, enquanto os grupos
cantavam e álacre, os clubes, as fantafarras e os cordões faziam para eles
momentos deleitosos, vivendo momentos de emoção.
Enfim, a micareta de Feira de Santana foi uma das maiores festas do gênero
que se pode imaginar147.
O Folha do Norte apontava que a suposta crise teria ocorrido devido ao êxodo de
foliões e com a micareta, segundo essa fonte, ocorria justamente o contrário. Isso porque a
cidade passou a ser uma alternativa para aqueles que desejassem prolongar os festejos
carnavalescos. Talvez por isso esse momento carnavalesco tenha ganhado maior notoriedade,
pois não haveria a concorrência com os outros carnavais.
Nesse contexto de “crise”, a micareta passou a ser noticiada de forma mais
contundente. O que antes podia ocorrer de forma eventual como uma páscoa carnavalesca
ganhou um destaque maior. Essa é uma modalidade de carnaval fora de época que no ano de
1937 passou a ter uma comissão: “Manoel da Costa Ferreira, Adalberto Sampaio, Alvaro
Moura, João Matos, Manoel Narciso da Natividade, Gumercindo Almeida, Manoel Fausto
dos Santos, Rosalvo França, Arlindo Ferreira e Lindouro Lima.” 148
146
Folha do Norte. Feira de Santana, 9 de janeiro de 1937. Ano XXVII Nº 1434.
147
O tempo. Castro Alves, 10 de abril, 1937.
148
ALENCAR. Helder, op.cit.
75
Porém outra fonte indicava nomes diferentes para a comissão de 1937: “organizados
por Cl. Heráclito de Carvalho (Prefeito de Feira de Santana) como presidente. Comissão
executiva: Oscar Erudilho, Hermógenes Santana, Álvaro Moura Carneiro, Rodolfo Balalai,
149
Pedro Matos e Vitor Santana” . O crucial aqui não é averiguar qual foi a verdadeira, visto
que as duas podem ter existido, mas pensar que não havia uma homogeneidade, vários grupos
podiam organizar o festejo, não necessariamente estaria sobre o controle de um grupo apenas.
E o envolvimento do prefeito da cidade apontou para o envolvimento de políticos em uma
modalidade carnavalesca, que passava a receber um “apoio” de grupos privilegiados da
cidade. Não se deve perder de vista que esses espaços também serviam e servem de palco de
disputas políticas, de construção de uma memória.
Nos anos subsequentes a folia pós-quaresma passou a ganhar cada vez maior destaque
no Jornal Folha do Norte, e andou atrelada ao “fracasso” do carnaval:
O caráter condicional da micareta mais uma vez apareceu, pois ela só foi realizada devido ao
“fracasso” do carnaval. Tanto que o festejo “complementar” só é anunciando mediante um
balanço daquele carnaval.
A fonte também indicou para a diferença entre mi-carême ou meia-quaresma e os
festejos que ocorriam em Feira de Santana. No cenário feirense, a festa era realizada após o
fim da quaresma. E essa reportagem apresentou uma contradição, afirmou que os termos mi-
carême e micareta eram inadequados. Entretanto, nessa mesma edição o jornal lançou mão ao
149
Documento lotado no Museu Casa do Sertão localizado na Universidade Estadual de Feira de Santana-Ba.
150
Folha do Norte. Feira de Santana, 16 de abril de 1938, Ano XXIX, Nº 1501
76
mesmo tempo das duas nomenclaturas como títulos de reportagens. Isso apontou para uma
divergência interna sobre qual seria a melhor palavra para simbolizar o festejo pós-quaresma.
Sobre o conceito de micareta, a fonte indicou que esta teria sido uma mistura de vocábulos em
português e francês, uma tentativa de adaptar o termo francês aos hábitos carnavalescos de
usar máscaras. Já o conceito de mi-carême veio da França:
Nessa perspectiva a micareta foi uma reinvenção do carnaval após o período carnavalesco. E
mesmo sendo noticiado como Mi-carême em várias reportagens, o que ocorria em Feira de
Santana não era um evento de meia-quaresma. Porém Vanicléia Santos apontou para a
existência da mi-carême em sua forma original em Jacobina, assim como Feira, interior da
Bahia:
151
SANTOS, Vanicléia Silva. Os ritos e os ritmos da micareta no sertão da Bahia. Projeto História. São Paulo,
vol. 28. Jun 2004.p. 244.
152
GAUDIN, Benoit. Da mi-carême ao carnabeach: história da(s) micareta(s). Tempo social vol.12. São Paulo,
May, 2000. p. 48-49.
77
Não é o foco descobrir o local em que a micareta fora criada, e a busca pelas origens
não é algo primordial para esta discussão, mas o que a tornou peculiar nesta cidade. O fato da
repercussão e a visibilidade dada à micareta e ainda com maior visibilidade que o próprio
carnaval deu à cidade o título de percussora do evento. Enquanto em outras cidades a micareta
tinha um caráter de segundo carnaval, para os feirenses aos pouco ele estava se tornando o
principal evento carnavalesco.
Ao contrário do que era noticiado sobre o carnaval, o festejo pós-quaresma esbanjava
alegria e era satisfatório:
153
SANTOS, Vanicléia Silva. Op. cit. p. 247.
154
Folha do Norte. Feira de Santana, 1928. Apud GAUDIN, Benoit. Op.cit. p.50.
155
Folha do Norte. Feira de Santana, 16 de abril de 1938, ANO XXIX, Nº 1501.
78
E no ano seguinte, 1939, as notícias sobre o festejo pós-quaresma apareciam assim que
os festejos carnavalescos de fevereiro terminavam às vezes na mesma matéria que trazia os
informativos sobre o carnaval ou o seu resumo. Neste ano, de 1939, após o fim do festejo foi
“modesto”, isso sob a perspectiva do jornal Folha do Norte.
156
A partir das leituras das fontes, entende-se que esse termo faz referência ao segundo domingo depois do
domingo de páscoa.
157
Folha do Norte. Feira de Santana, 30 de abril de 1938. ANO XXX Nº 1503.
158
Folha do Norte. Feira de Santana, 18 de fevereiro de 1939, ANO XXX, Nº 1545.
79
O primeiro elemento a ser analisado é o fato de uma decadência no aspecto decorativo, não
haveria a mesma pompa de outros anos, não existiria acréscimo das gambiarras, cedidas pelo
governo municipal. Porém um elemento contraditório surge, mesmo com essa perda
decorativa, o jornal indica que ocorrerá carnaval e que nele todos os elementos necessários
para a sua realização. Nesse caso o caráter modesto pareceu estar muito mais atrelado à
decoração do que ao entusiasmo das pessoas.
Em 1939, após os festejos carnavalescos, ainda surgia a ideia da micareta como uma
festa que só ocorreu porque o carnaval não tinha conseguido o seu objetivo, isso na
perspectiva dos editores do Jornal Folha do Norte.
Agora mesmo, porque não se sentiu fartamente agraciado pela folia, Zé-povo
a desejar por uma segunda quadra de prazer, a qual parece não sonegar em
16, 17 e 18 dia abril provindouro pela paschoéla, pois é para a realização da
qual vai agir, desde já uma comissão organizadora, com esse objetivo a qual
conta com o valioso apoio do governador desta comuna e com o concurso do
comércio progressista.159
A atenção que não foi dada ao carnaval em fevereiro por parte da prefeitura, quando
este não complementou a iluminação, pareceu que não é a mesma dada ao carnaval de abril.
Nessa edição, o jornal destaca o apoio valioso do prefeito da cidade. Isso porque, além da
iluminação, o poder público também era responsável pela segurança. Entretanto, mesmo com
os elementos para a realização da festa (cordões, grupos, batucadas e músicos), durante o
Domingo gordo “não houve alvorada carnavalesca. A carreatas matinais não se congregaram
em bandos como nos anos anteriores.” 160
Na edição seguinte do jornal, em um balanço sobre o carnaval daquele ano, voltou-se a
cogitar a realização da Mi-carême em virtude do “fracasso” carnavalesco.
159
Folha do Norte. Feira de Santana, 25 de fevereiro de 1939, ANO XXX, Nº 1546.
160
Folha do Norte. Feira de Santana, 25 de fevereiro de 1939, ANO XXX, Nº 1546.
161
Folha do Norte. Feira de Santana, 4 março de 1939, ANO XXX Nº 1547.
80
Mediante a importância que passou a ser atribuído aos festejos carnavalescos de abril,
o grupo Folha do Norte lançou um folheto denominado de O Arlequim. Esse folhetim tinha
como editor chefe Zé-Pereira, um pseudônimo. A organização dos conteúdos seguia a
seguinte dinâmica: as laterais de todas as páginas eram ocupadas com reclames das mais
diversas áreas. Espremida entre os anúncios duas colunas resumiam a programação festiva,
desde os bailes das filarmônicas aos cortejos – incluindo horários e ponto de concentração.
Em sua segunda parte, as músicas que seriam executadas e seus respectivos compositores
eram apresentados bem como a que agremiação estava vinculada. Pode-se afirmar que a
maior parte desse folheto era ocupada por patrocinadores, logo o apoio dos comerciantes era
de muita importância.
O Jornal Folha do Norte deu a seguinte nota sobre o folheto:
O Arlequim
Devemos uma boa notícia aos Srs. Negociantes industriais, que devem, o
quanto desejarem, divulgar amplamente suas mercadorias e produtos assim
aos que se deleitavam com leitura leve.
Em comemoração a futuros folguedos carnavalescos de abril vindouro.162
Configuram-se os augúrios.
A festa de franca alegria de arte e fino gosto de civilização e cultura que a
feira celebrou, da noite de 15 a de 18 do passante, constituíram um
verdadeiro segundo carnaval, magnífico e concorridíssimo mais do que o
primeiro, effectuado em Fevereiro deste ano.163
Nesse ano de 1939 a micareta passou a ganhar autonomia diante dos festejos de
fevereiro. Ela não foi apresentada mais enquanto uma festa complementar que estaria
condicionada ao carnaval. Indicou pela primeira vez que a micareta ocorreria em 1940,
independente do sucesso ou não do carnaval.
162
Folha do Norte. Feira de Santana, 25 de Fevereiro de 1939, ANO XXX, Nº 1546.
163
Folha do Norte. Feira de Santana, 22 de abril de 1939, ANO XXX, Nº 1554.
81
Ao contrário do que acontecia durante o carnaval, quando era noticiado que a cidade
estava vazia nos festejos pós-quaresma a lotação era garantida inclusive com a presença de
pessoas de outras cidades, ou seja, ocorria o movimento inverso. Nesse momento a cidade
passou a ser um atrativo para as cidades vizinhas, garantindo, sem concorrências, o sucesso do
festejo.
É importe ressaltar que a micareta não representou uma oposição ao carnaval, ela não
trouxe uma modalidade nova de se festejar, os mesmos sujeitos, grupos que faziam parte do
carnaval permaneceram na micareta. A micareta foi re-significação da mi-carême, o qual
assim como ocorreu em outras localidades, assumiu uma característica carnavalesca como um
segundo carnaval. Em Feira de Santana, além dessa re-significação, cada vez mais
representava o principal evento carnavalesco, colocando os festejos de fevereiro em segundo
plano.
164
Folha do Norte. Feira de Santana, 29 de abril de 1939, ANO XXX, Nº 1555.
165
Folha do Norte. Feira de Santana, 29 de abril de 1939, Ano XXX, Nº 1555.
82
166
ALENCAR. Helder. Op.cit.
167
AMORA, Antônio Soares. Minidicionário Soares Amora. 19ªed. São Paulo: Saraiva 2009
168
Segue a lista das mulheres dessa comissão: Jacy Assis, Ceres Figueredo, Eurina Boaventura, Cremilda
Sampaio, Mariana Assis, Eunice Alves Boa Ventura, Maria Luisa Motta, Eldira Boaventura, Bernadete Lima
Santos.
Capítulo 3
Carnaval e micareta: a construção dos significados festivos
84
Na ocasião em que Moraes Filho escreveu este artigo, na Bahia do fim do século XIX,
a divergência entre carnaval e entrudo não aparecia com tanta evidência. E mais uma vez
apontava mais semelhança do que diferenças, quando afirmou que as conseqüências funestas
não tão positivas eram resultados tanto do carnaval quanto do entrudo. A ideia do carnaval
como um espetáculo perfeito e oposto ao entrudo ainda não tinha atingido o seu auge. Mesmo
que no discurso de Moraes Filho entrudo e carnaval já apareciam como festas distintas.
169
MORAIS FILHO, Melo. Op.cit. p.129.
170
Idem.p 129.
85
171
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações.
172
CUNHA, op.cit.
86
O foco do trabalho de Márcia Barreiros Leite era sobre as mulheres de elite. Entretanto
é pertinente fazer algumas colocações para não cometer equívocos sobre a leitura do entrudo.
O festejo carnavalesco denominado de entrudo não era algo específico de uma classe social,
não se pode partir da premissa de que o entrudo era de uma classe economicamente baixa e o
carnaval de classes abastadas. Moraes Filho, em seu texto sobre o entrudo, deixou
transparecer o envolvimento de diversos grupos sociais e também o envolvimento de
mulheres no festejo: “Ninguém que trouxe o chapéu alto deixava de tornar-se alvo às
pontarias dos rapazes e das moças, que, das janelas ou dos cantos das ruas, disparavam-se os
projéteis do entrudo.” 174
A contribuição de Márcia Barreiro Leite é para pensar as diferenças entre entrudo e
carnaval, fundadas a partir de disputas ideológicas. Contudo mesmo sendo bastante cuidadosa
ao afirmar que havia uma inviabilidade da presença feminina com segurança durante o
entrudo. É arriscado fazer esta afirmação, pois, ao que parece, essa insegurança teria sido
forjada para justificar a supervalorização do carnaval como algo mais adequado. É pertinente
que o discurso elaborado a partir do século XIX tenha recomendado a não participação das
famílias no que era denominado de práticas incivilizadas. E nessa construção as elites tiveram
um papel importante, que foi destacado por Rachel Soihet, quando fez um estudo sobre o
histórico da gênese da diferenciação entre entrudo e carnaval:
173
LEITE, Márcia Maria Barreiros. Educação, cultura e Lazer das mulheres de elite em Salvador 1890-1930.
Salvador-Ba, 1997. p. 162.
174
MORAES FILHO. Op.cit. p. 130.
87
175
SOIHET, Rachel. A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca, da Belle époque ao tempo de
Vargas. Uberlândia: EDUFU, 2008, p. 81.
176
LEITE, Márcia Maria Barreiros. Op.cit. p. 162.
177
Cf. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo.
Cia das Letras, 1997.
178
Folha da Feira. Feira de Santana, 19 de junho de 1933. Ano V, Nº 247.
88
perpassava por negar tudo o que vinha anteriormente, pelo menos o que era conveniente, visto
que a organização social não foi transformada com a República.
O cenário carnavalesco no Brasil também foi alvo dessas reformas. O entrudo, que
segundo Moraes Filho, foi trazido ao Brasil pelos colonizadores, deveria ser substituído pelo
carnaval, que significaria um rompimento com as heranças coloniais e imperiais. E
retornamos a citação que inicia esse capítulo: “é que o entrudo é nosso e o carnaval,
estrangeiro179”
Em Feira de Santana o entrudo foi utilizado como um elemento para fortalecer a ideia
do carnaval, a partir do antagonismo a bem social que lhe foi atribuído. Áurea Miranda,
poetisa feirense do século XIX, início do XX fez um poema que ajudou a pensar as dualidades
e antagonismos que identifica na festa.
A festa e o mendigo
179
MORAIS FILHO, Melo. 1986. p.129.
180
MIRANDA, Áurea. Fragmentos D’ Alma... Versos da adolescência. Instituto Histórico e Geográfico da
Bahia. MCMXVIII. Bahia.
89
Apesar de esse não ser um poema que trata especificamente do carnaval, trouxe a
inspiração para pensar o jogo das oposições simbólicas. Isso porque a autora trouxe no
mesmo texto dois aspectos que ela considerou opostos: a festa e o mendigar. Ela tem um
posicionamento religioso e sua crítica é feita a festa em defesa da caridade. Porém ela usou a
estratégia da oposição e trouxe à tona a festa para mostrar como ela era um empecilho à
caridade, algo que não estaria preocupado com o próximo. Ela usou a festa para depreciá-la.
Nessa obra ela caracterizou a festa dentro de um caráter negativo, pois impede a
percepção do cuidado com o outro necessitado. A festa, assim como foi apresentado em
outras interpretações, estaria em oposição à miséria, pobreza. Entretanto, nessa visão, era a
extravagância e as cantorias que simbolizam o negativo, o elemento que desvirtuava. A
punição para tal comportamento estava no acolhimento do diabo, mais uma vez a posição
entre as ações corretas (sagradas) da caridade, e o riso, cantoria, ações condenáveis (profano).
E é esse ponto que serve como analogia para pensar a construção do ideal festivo em
Feira de Santana. Os jornais no início do século XX não o caracterizavam pura e
simplesmente, o intuito era de fundamentá-lo, para isso lançou-se mão do entrudo, da mesma
forma que Áurea Miranda fez com a festa. Entre os documentos analisados há apenas uma
reportagem que teve como tema principal o entrudo e quase nada se fala das práticas, a notícia
é fundamentada na oposição entre o entrudo e o carnaval. Ao invés de descrevê-lo, a matéria
faz uso do entrudo para depreciá-lo e apresentar o carnaval como o adequado. Mas assim
como no Brasil, em Feira de Santana essa contradição foi construída de forma lenta, em
alguns momentos, esse mesmo entrudo, combatido, era aceito e praticado sem maiores
ressalvas.
Sobre Feira de Santana, Helder Alencar trouxe pistas de que em 1877 existia a prática
carnavalesca denominada como entrudo e não havia em seu relato nenhum indício de que esta
fosse combatida, ou que pertencesse a um grupo social específico.
181
ALENCAR. Helder. Op.cit.
90
Feira, que é já uma cidade adestrada e que muito merecidamente gosa dos
foros de civilidade deve abolir por uma vez esta velha, archaica e perniciosa
diversão. Substituindo-a pelos vários entretenimentos do carnaval, cujas
festas traduzindo o prazer e a alegria constitui hoje o chic das cidades mais
cultas, mais civilizadas do mundo, onde a graça e a pilheira, o belo e o
agradável fizeram desaparecer para sempre as grosseiras laranjinhas e as
estúpidas seringa.184
O entrudo era uma prática carnavalesca comum em muitas regiões do país, Louzada
185
afirmou ser o entrudo uma prática que se limitou aos habitantes dos centros urbanos, e no
interior do país essa prática não encontrou espaço. Porém em Feira de Santana, interior da
182
PEREIRA, Cristina. S. Os senhores da alegria: a presença das mulheres nas grandes sociedades
carnavalescas cariocas do século XIX. IN: CUNHA. Op.cit.
183
Idem, ibidem, p. 317.
184
Folha do Norte. Feira de Santana, 29 de janeiro de 1910, Ano II, Nº 22.
185
WILSON Louzada. op.cit.
91
Bahia, os jogos do entrudo pareciam estar presentes ainda, pelo menos era o que noticiavam
os jornais186, que como na fonte anterior demonstrava interesse em substituí-lo, sob a
justificativa de não combinar com a civilidade que a cidade apresentava naquela ocasião.
Segundo Moraes Filho, no contexto baiano esta ideia também estava sendo fundamentada:
Nesse aspecto não se via no entrudo uma grande ameaça, a não ser por algumas
atitudes grosserias, mas nada que fosse comprometer a alegria, muito pelo contrário. Essa
análise sobre o entrudo na Bahia ajudou a questionar a ideia de que o carnaval teria se
sobreposto o entrudo, que entrou em desuso graças a sua incivilidade. Nesse caso, é
justamente o tom debochado que atraía a participação das pessoas. Quando afirmou que o
entrudo irradiava “no lar doméstico” para a maioria dos foliões, o entrudo não representava
uma grosseria aos seus costumes, pois estas eram executadas em seus lares, além das ruas.
“Esse jogo não se limitava as crianças ou ás ruas, mas era feito na alta roda, tanto quanto na
classe inferior, fora e dentro de casa.” 188
Em Feira de Santana, segundo Alencar189, o entrudo passou a ser uma prática
condenada por um ramo da sociedade. Essa condenação era feita através do jornal, veículo de
informação importante na construção de um ideal de festa carnavalesca.
O comercial (jornal que circulou na cidade por algum tempo) (...) condenava
em 1871, o entrudo feirense, com a seguinte nota ‘o divertimento do entrudo
186
Sobre a presença do entrudo no interior da Bahia ver MARQUES, Edicarla dos Santos. Uma história social
dos carnavais de Amargosa: modos de brincar e os “cão”, 1940-1980. Dissertação (Mestrado) UEFS. Feira de
Santana-Ba, 2010.
187
MARQUES, Edicarla dos Santos . Op.cit. p. 129-130.
188
LOUZADA, Wilson. Op.cit. p. 13.
189
ALENCAR. Helder. Op.cit.
92
passou nesta vila sem lamentar-se de graça alguma, graças ao desuso em que
vai caindo êsse péssimo brinquedo. 190.
Segundo essa fonte, há indícios de que o combate ao entrudo foi feito no mínimo a
partir de 1871, mas nesse momento ainda não sobre a justificativa de incivilidade, e sim por
sua violência. Assim que os ideais de civilidade na cidade de Feira de Santana começaram,
ainda no império. Porém ganhou maior vigor na cidade no final do século XIX início do
século XX, momento que coincidiu com o advento da República. Isso se explica pelo fato de
se negar ainda mais tudo que fizesse lembrar o Brasil colonial e imperial. E ao passo que se
avançava para o século XX, esse significado negativo em relação ao entrudo ganhava maior
fôlego.
190
Idem, p.18.
191
Folha do Norte. Feira de Santana, 29 de Janeiro de 1910. Ano II, Nº 20.
93
prática erradicada na cidade. Se assim fosse, esse tipo de problema não aconteceria; logo, a
prática do entrudo era recorrente e tal costume não estava extinto. Esse retorno indicou uma
resistência da tradição, o modelo do carnaval civilizado encontrava um obstáculo para ser
implantado. E a sua implantação perpassava pela negação e depreciação do entrudo.
O apelo para a moral familiar passou a ser um instrumento na tentativa de minar a
prática do entrudo. Esses costumes poderiam destruir a possibilidade de desenvolvimento. O
trecho denotou uma profunda insatisfação, e chegou a ameaçar as autoridades, caso uma
providência não fosse tomada. Esses prejuízos provavelmente estavam relacionados ao
projeto civilizador. Todo o esforço em remodelar os costumes estaria ameaçado caso o
entrudo continuasse a fazer parte dos costumes festivos. E o antônimo desse hábito era o
carnaval, “adequado”, “civilizado”. Em Feira de Santana um fragmento retirado do Jornal O
comercia, citado por Alencar, disse: “Em 1891 embora ainda persistisse o entrudo, a imprensa
falava do Carnaval (...). O Carnaval vencia o Entrudo com seus limões e laranjinhas de cera,
192
com água perfumada ou excremento” . O carnaval surgia como prática carnavalesca ainda
envolta no jogo do entrudo, com a persistência dos sujeitos em praticá-lo. Tratava-se de uma
disputa, uma guerra simbólica, na qual a civilidade representada pelo carnaval lutava para
vencer e livrar a sociedade da barbárie.
Não se pode perder de vista que os adeptos do entrudo reagiram a essa imposição,
mesmo que isso não aparecesse de forma explícita nas fontes; a dificuldade na extinção da
festa apareceu na quantidade de tempo para a implantação do carnaval e na própria fala dos
intelectuais da época: “o carnaval vencia o entrudo”, a vitória advinha de uma longa batalha
na mudança da mentalidade. Essas práticas foram re-significadas no carnaval e em seguida na
micareta. As mudanças de significado estavam na forma como o evento festivo passou a ser
percebido e pó isso passaram a ser desiguais, e em alguns momentos, opostos, mas isso não
significava que as práticas sejam diferentes, quanto a sua execução.
Em 1917, outro aspecto peculiar, percebeu-se uma reportagem que não retratava a
realidade feirense, porém bastante significativa para compreender o conflito ideológico a
respeito da realidade estudada:
193
Folha do Norte. Feira de Santana, 17 de fevereiro de 1917, Ano IX, Nº 362.
194
Folha da Feira. Feira de Santana, 4 de março de 1935, Ano VII, Nº 344.
95
Nesse trecho, o jornal caracterizou “Os Duvidosos” como um grupo esforçado que
lutava para alcançar a civilidade, mas ainda tinha em suas raízes elementos que contradiziam
essa prática. A denominação de caboclos é uma denominação dada à miscigenação entre o
branco e o indígena. Em outro momento, diz que trazer o caboclo e os tambores fazia
referência ao Brasil de “hontem”. Isso deveria ser superado, porque remetia a um período
colonial. Nesse documento, a crítica foi direcionada aos “Duvidosos” que, mesmo
esforçando-se, ainda estão com elementos atrasados de um país que é o de “hotem”, porém a
sua crítica é mais sutil. O Jornal Folha do Norte era mais direto ao combate ao entrudo:
“separa-se o joio do trigo, a cicuta do agrião a festa do riso será um benefício para o orgasmo
social.” 195
Essa disputa foi travada no plano prático, visto que alguns se mantiveram fiéis ao
entrudo, mas foi no campo da ideias que ela foi mais forte. As disputas ocorrem não apenas
em relação ao entrudo e carnaval. Os conflitos certamente ocorriam dentro dos adeptos do
“civilizado” carnaval e os praticantes do entrudo. Isso porque esses conflitos eram
alimentados pelos posicionamentos sociais e por diferentes percepções e interpretações. E a
existência de tais conflitos não criou barreiras intransponíveis.
Em meio as proibições e críticas, o entrudo, em algumas localidades do Brasil, passou
a ter modificações, em uma tentativa de adequar o jogo a um molde mais “civilizado”.
Segundo Louzada, ao tratar da proibição do entrudo: “os carnavalescos passaram a usar de
outros meios menos grosseiros, e começa-se a empregar, em lugar de violentas, duchas,
196
banhos muito mais delicados, banhos de flores” . Sugeriu-se a substituição de elementos,
mas a prática de jogar objetos nos outros era a mesma, contudo apegaram-se nessas pequenas
transformações.
Como foi caracterizado no segundo capítulo, o entrudo tinha como característica
principal o fato de molhar as pessoas com limões de cera ou laranjinhas recheadas de líquido,
que poderia ser de qualquer espécie. E foram com base nisso, que, segundo Rachel Soihet, os
higienistas pautaram a sua justificativa para fundamentar a proibição:
195
Folha do Norte. Feira de Santana, 13 de fevereiro de 1932, Ano XXII, Nº 1178
196
LOUZADA, Wilson. Op.cit. p. 14.
96
O desejo defendido pela Revista Semana de São Paulo, que foi trazida por Soihet - que
estava totalmente inserido na teia de relações políticas e foi um eficiente formador de opinião
e memória - era um projeto de civilidade para as cidades, que tomavam a realidade européia
como o modelo ideal. Porém a sua aplicabilidade em Feira de Santana encontrou entraves que
dificultaram a sua execução. Esses entraves não foram algo exclusivo da cidade de Feira de
Santana, pois no texto de Rachel Soihet tratou disso ao afirmar que proibições não
significavam a aceitação e aplicabilidade imediata198.
Assim como o saber médico foi utilizado para justificar o combate ao entrudo no
contexto brasileiro, em Feira de Santana ele também foi utilizado, como uma necessidade
psicológica, a ideia de válvula de escape. E além da justificativa médica, científica, havia
também a social e moral que era discutida e apresentada nos jornais:
O papel de preservar a moral era também uma atribuição dos foliões e toda e qualquer
atitude que indicasse para isso deveria ser valorizada, e foi isso o que aconteceu em 1932. O
saber médico serviu para criticar o entrudo, em Feira de Santana ele também serviu para
197
DÓREA, Escragnolle. Entrudo e carnaval. Revista da semana. São Paulo, v.34, nº. 11, 25 de Fevereiro. 1934.
Apud: SOIHET, Rachel. Op.cit. p 85.
198
SOIHET. Op. cit. apresenta a participação da imprensa e dos intelectuais na construção dos festejos na
primeira metade do século XX: “Também inúmeras são as crônicas de intelectuais condenando o entrudo, para o
que se vale de uma série de pretextos, em especial da oposição civilização/selvageria. Esse fato demonstra que
não foi fácil terminar com tão consagrada manifestação cultural, pois se forjavam reiteradamente, novas formas
de conservá-las. Assim, lançam-se em 1878, as bolas carnavalescas (...) em substituição os antigos limões de
cheiro. (...) Um ano depois surgem as bisnagas, igualmente proibidas pela polícia e substituídas por seringas, que
lançavam água, vinagre...” SOIHET, Rachel. A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca, da Belle
époque ao tempo de Vargas. Uberlândia: EDUFU, 2008. p.86.
199
Folha do Norte. Feira de Santana, 13 de Fevereiro de 1932. Ano XXIII, Nº 1178.
97
justificar a presença do carnaval e a questão moral servia para dar á essa modalidade
carnavalesca a ideia de tranquilidade e harmonia. Isso foi um forte elemento da implantação
dos ideais de civilidades, que em alguns momentos foi traduzido como questão de ordem e
moralidade.
A preocupação em aliar Feira de Santana à ideia de civilidade também apareceu em
um poema de Áurea Miranda, poetisa feirense do início do final do século XIX e início do
XX. Apesar de ter passado muito mais tempo em Salvador do que em Feira de Santana
mantivera contanto com a cidade e fez o seguinte poema:
A Feira de Santana
Apesar do poema não ter como principal temática a civilidade, mostrou, entre outros
elementos, uma busca pelo progresso, que em seu poema já havia sido alcançado. Sob um
ponto de vista romântico enfatizou uma cidade que era perfeita, na qual a natureza foi
exaltada, a ponto de causar orgulho. Porém colocou a cidade como um lugar de esperança, um
local que estar por vir algo melhor.
200
MIRANDA, Áurea. Fragmentos D’ Alma... Versos da adolescência. Instituto Histórico e Geográfico da
Bahia. 1907.
98
Esta preocupação com o progresso, como já foi discutida, estava em todos os aspectos.
E através dos clubes carnavalescos, inspirados nos carnavais e bailes a fantasia européia, era
apresentada a forma mais adequada de festejar e a partir de então, até o comportamento
festivo seria moldado. O surgimento de associações como os clubes carnavalescos eram
anunciado com destaque de primeira página. Dentre esses clubes carnavalescos estavam “Os
Filhos da Turquia”:
Grupos como os Filhos da Turquia eram considerados “amigos da folia”. Qual seria o
argumento para considerá-los amigos da folia? Existiriam os inimigos? Deixo um indício para
ser fomentado: “Quantas vítimas, quantos prejuízos não têm sido causado por tão
202
extravagante evento” esse evento extravagante era o jogo do entrudo. Seriam esses os
inimigos da festa e da cidade? Eleger um “inimigo” justificava a luta e os esforços para
construir um carnaval ideal.
E nesse jogo de representações, o entrudo foi fundamental para implantação do
carnaval, não porque as suas práticas fortaleceram ao festejo civilizado, mas porque a partir
da oposição, criou-se uma espécie de cisão, quem era adepto do carnaval estava quase que
automaticamente em oposição ao entrudo. E como os ideais de civilidade já estavam presentes
na mentalidade de alguns setores da sociedade, essa foi uma estratégia eficaz. E com o passar
do tempo o termo entrudo deixou de aparecer nas reportagens que tratavam dos festejos,
passando a ideia de superação, algo que foi naturalmente superado.
201
O Progresso. Feira de Santana, 24 de fevereiro de 1901, Ano I. Nº 6.
202
Folha do Norte. Feira de Santana, 29 de janeiro de 1910, Ano II. Nº 20.
99
Nesse documento foi identificado o ano de 1891 como um marco para as atividades
carnavalescas, porém uma organização formal só foi fundada em 1924204. Então nesse
intervalo, cabe a problematização de qual teria sido a atividade carnavalesca realizada. As
fontes apontavam, como foi discutido anteriormente, para a existência de agremiações
carnavalescas anteriores à 1924, como o exemplo dos “Filhos da Turquia”, então este poderia
ser o marco para a suposta sobreposição do entrudo e implementação de um carnaval, este
sim nos moldes civilizados.
E esses moldes de civilidade estavam para além dos festejos carnavalescos, apareciam
em diversos âmbitos de lazer. As reportagens apresentavam notícias sobre as filarmônicas,
que eram apresentadas como uma alternativa “civilizadora” de diversão, sobretudo a 25 de
Março e a Vitória, as mais antigas da cidade, que além das diversas atividades de lazer, eram
também colaboradoras dos festejos carnavalescos. Segundo Aline Santos,205 a Filarmônica 25
de Março, surgiu em 25 de Março de 1868 e esta teria dado origem a Vitória a partir de
divergências internas em 1873, organizada pelo Padre Ovídio Alves. E essas primeiras
filarmônicas estavam presentes em muitos espaços de lazer, sejam nos religiosos ou profanos.
Organizavam passeios, como foi discutido no capítulo anterior, eram vistos como os
responsáveis pelos eventos de bom gosto:
203
ALENCAR, Helder, op.cit. P. 21.
204
Esse marco serviu de base para a fundamentação de Reginilde Santa Barbara para Justificar o marco do
surgimento do Carnaval nesta cidade.
205
SANTOS, Aline, op.cit. p. 3.
206
Folha do Norte. Feira de Santana, 29 de novembro de 1909. Ano I, Nº 10.
100
207
O Município. Feira de Santana, 7 de fevereiro de 1910, Ano II, Nº 81.
208
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginária. RBH. Junho de 2007.
209
Folha do Norte. Feira de Santana, 20 de Novembro 1909, Ano I. Nº 12.
101
jornal Folha do Norte, entrou em campanha em prol da sua realização, como uma forma de
comprovar que, assim como as cidades desenvolvidas, Feira de Santana estava inserida nesse
processo.
O apelo para que a festa do carnaval ocorresse, e que se sobrepusesse aos hábitos do
entrudo passou pelo fim do século XIX, e adentrou o século XX. As notas começavam, em
sua maioria, ressaltando a grandiosidade e superioridade da festa da “civilidade” e sua
superioridade. E a capital do país cada vez mais se tornou uma referência mais forte.
A ideia de vitória do carnaval sobre o entrudo mais uma vez foi utilizada, percebe-se
que o entrudo apareceu como um coadjuvante, e como algo superado, mas então porque citá-
lo? É justamente com o propósito de sepultá-lo que ele foi retomado, parece entranho isso,
mas era fundamental reafirmar a sobreposição, mais do que esquecê-lo era necessário
lembrar-se desse feito e quem foi o responsável por isso, fortificando cada vez mais a ideia do
carnaval como absoluto. Porém na prática a aplicabilidade dos significados não encontrava a
mesma eficácia.
210
Folha do Norte. Feira de Santana, 10 de fevereiro de 1934, Ano XXVI, Nº 1282.
211
Folha do Norte. Feira de Santana, 7 de fevereiro de 1931, Ano XXI, Nº 1125.
102
A micareta surgiu enquanto uma festa regular em 1937, porém essa modalidade de
carnaval fora de época ocorria na cidade muito antes. “A primeira micareta ocorreu na cidade
em 1934, realizada pelo cordão ‘os duvidosos’” 213. Porém essa modalidade era feita de forma
esporádica, sem o compromisso de apresentarem-se todos os anos. Inicialmente o festejo pós-
quaresma foi identificado como mi-carême. Essa nomenclatura deixou de ser utilizada, pois
ocorriam quinze dias após a quaresma.
212
Folha do Norte. Feira de Santana, 21 de fevereiro de 1932, Ano XXII, Nº 1176.
213
ALENCAR, Alencar. Op.cit. p.25
103
A micareta não foi ao que tudo indica uma invenção abrupta, essa prática de “complemento”
do carnaval ou comemoração de fim de quaresma era costume corriqueiro em Feira de
Santana. Então o foco neste momento é compreender o porquê uma festa secundária, no
contexto carnavalesco, ganhou espaço e essa visibilidade em detrimento do “civilizado”.
Observar que quanto a esse festejo, a crise não atingia a micareta. Esta modalidade, segundo a
fonte, ocorria sem maiores problemas.
Esse documento suscita a hipótese de que havia uma diferenciação entre os grupos que
praticavam a micareta. O texto relata que dois grupos diferentes realizaram a festa de fim de
Quaresma, porém a um foi atribuído o sucesso e a outro o desânimo. E o responsável pelo
embrião da micareta não foi o festejo realizado no Bairro da Barroquinha e sim o organizado
na Filarmônica Vitória, realizado pela “mocidade feirense”.
A páscoa carnavalesca, um festejo carnavalesco realizado ao término do período da
Quaresma, realizada em 1934 foi caracterizada como pálida, mas este foi o primeiro baile
carnavalesco pós-quaresma, porém não foi reconhecido como embrionário. Descobrir quem
inventou a micareta não é o objetivo aqui e sim questionar o porquê das escolhas, os
silenciamentos e as ênfases. Isso é fundamental para a construção de uma memória festiva.
Talvez a resposta para tal questionamento comece a ser percebida a partir da mudança
de postura diante da “crise” carnavalesca e a forma como o “novo” festejo foi caracterizado:
“festa essencialmente popular e necessária a todos os povos, ela não exige no entanto, pompas
215
e luxo, requintes de arte, como alguns presumam” . As notícias a partir de 1937 ganharam
outro modelo, que parte de uma versão mais simplificada. O chic não era mais o objetivo da
festa e a alegria passa a ser o argumento essencial. A idealização da micareta mantinha
característica ordeira tão desejada pelos idealistas, mas segundo a fonte, não era uma festa
luxuosa, e talvez esse tenha sido o diferencial da micareta, que mantinha o seu caráter
educador, mas com uma leveza maior quanto ao rigor dos trajes e indumentária. E também
porque dentro do projeto de construção festiva e com o empenho dos articulistas o rejeitado
entrudo já teria sido vencido.
Se antes o objetivo do carnaval era civilizar através das pompas e luxo, a micareta
pregava o “arrebatamento de alegria louca, franca e sã que outrora dominava a cidade nos dias
214
ALENCAR, Helder. Op.cit. p. 25.
215
Folha do Norte. Feira de Santana, 25 de fevereiro de 1939, Ano XXX, Nº 1544.
104
216
de folguedo carnavalesco.” . Era uma proposta que tentava harmonizar elementos da
loucura, que caracteriza os festejos carnavalescos, devendo também atentar para a sanidade
comportamental.
Diante da análise das fontes no contexto da passagem do carnaval para a micareta,
apresenta-se a hipótese de que a escolha da mi-carême como festa carnavalesca foi a solução
encontrada para superar o “fracasso” do carnaval, como foi discutido no segundo capítulo. O
mesmo jornal Folha do Norte, que indicava a necessidade de uma festa “civilizada”,
europeizada, passa a construir outra imagem. Nessa representação, o objetivo era buscar
elementos que atraíssem os foliões. Essa “nova” modalidade revisitou práticas antes
combatidas: “Os caboclos da aldeia, também estão se arrumando... Uma índia já falou em
nome do pajé declarando que os caboclinhos estarão na rua, com toda a sua grande tribo,
arcos e fichas.”217
As referências mudaram. O índio, pajés, que em outro momento eram vistos como
referentes a um país de hontem, a exemplo da crítica feita aos “Duvidosos” passaram, a partir
dessa nova reconfiguração, a ser valorizado. E nesse período as concepções sobre a
construção social do país mudou. A partir da década de 1930 houve uma tendência maior a
valorização nacional, o nacionalismo de Vargas. Porém não se perdeu as ideias civilizadoras,
só que na micareta elas foram diluídas, apresentadas com mais sutileza: “A comissão da mi-
carême, conjuntamente e com o governo municipal da cidade, está empenhados em
proporcionar ao povo um espetáculo digno dos foros de civilização dessa terra
maravilhosa.”218 Os ideias de civilidade apareceram, no entanto não da forma como era feito
nos anos de 1891 a 1937. O método de enfrentamento direto e negação de práticas do entrudo
não eram tão evidentes quanto antes.
Como o carnaval era associado a uma prática civilizadora, tópico discutido no segundo
capítulo, esse festejo, que ocorria em fevereiro, não conseguia satisfazer, sendo denominado
de “crise carnavalesca”. A apropriação de um costume já existente na cidade teria sido uma
alternativa para dar continuidade ao projeto de implantar um festejo carnavalesco que
atendesse aos anseios de civilidade. A partir de então passou a ser construído em torno do
festejo uma estrutura que a tornou mais evidente que o segundo carnaval.
216
Folha do Norte. Feira de Santana, 25 de fevereiro de 1939, Ano XXX, Nº 1544.
217
Folha do Norte. Feira de Santana, 9 de abril de 1938, Ano XXIX, Nº 1501.
218
Folha do Norte. Feira de Santana, 11 de março de 1939, Ano XXX, nº 1548
105
É provável que ao mesmo tempo em que ocorria o carnaval, essa modalidade até então
esporádica tenha tido a liberdade de mesclar elementos pertencentes ao entrudo e ao carnaval.
Sem os rigores de ser classificada como bárbara ou civilizada. A micareta apresentava
elementos referentes aos batuques que antes era criticado: “A ruidosa massa humana que de
certo vai encher com a sugestão das fantasias, coloridos de vozes dos entusiásticos, de ruídos
doidos ás ruas da cidade, já esta compondo a ressonância para os três dias da Mi-carême,
fazendo roncar a cuíca, os tambores.” 221
Conseguir estabelecer na cidade um modelo festivo adequado só foi possível quando
ocorreu uma mudança de data, saindo do mês de fevereiro para depois da Quaresma. Não
ocorre em Feira de Santana uma sobreposição de festas. A oposição entre carnaval e entrudo,
inventada nos últimos anos do século XIX foram travadas no campo das idéias e das práticas.
O “segundo carnaval”, que em outras localidades era apena um complemento, ganhou
em Feira de Santana feições de protagonismo. O ano de 1939 fecha com o seguinte balanço:
219
O Arlequim. Feira de Santana, 15 de abril de 1939, Ano I, Nº 1.
220
ALENCAR, Helder. Op.cit. p. 25.
221
Folha do Norte. Feira de Santana, 4 de março de 1935. Ano XXX Nº 1548.
106
Carnaval
222
Folha do Norte, Feira de Santana, 22 de abril de 1939, Ano XXX, Nº 1554.
223
Poema publicando no Jornal Folha do Norte, Feira de Santana, 25 de fevereiro de 1933, Ano XXIV, Nº 1231.
107
Georgina Erismann era uma poetisa muito conhecida na cidade, tendo composto
inclusive o hino à Feira de Santana. Ela costumava publicar seus textos e poesias com
frequência nos jornais da cidade. Este seu poema foi publicado às vésperas do carnaval
feirense de 1933. Algumas ideias nesse poema suscitaram algumas questões. A primeira dela
trouxe a referência de que os festejos retiram da cidade o pó das amarguras. Nessa perspectiva
apresentada no poema, havia uma desarticulação e uma quebra da rotina, que significaria uma
pausa dos problemas em detrimento de uma alegria que é externa.
Outro aspecto legível no poema é o fato de identificar a festa como manequins da
“vida o gozo repartido” - ao que parece, essa confraternização, o ato de repartir, deveria ser
tomado como um exemplo a ser seguido. Arlequim, com seus gestos de mesura, ou seja, de
cortesia significava o exemplo a ser seguido para além do festejo para a vida. O espaço festivo
é também um local de apresentação de modelos educativo, na qual os foliões também são
espectadores, pois apesar da aparente desventura e extinção da ordem, existem os dias
específicos, os locais do cortejo, bailes e tocatas. A ordem e o modelo fazem parte dos
festejos carnavalescos e as intencionalidades e os projetos são perfeitamente aplicados nesses
momentos.
Trouxe ainda a figura do Pierrot, que sofrera por uma desilusão amorosa da sua
Colombina. Erismann comparou a tristeza de Pierrot a uma desilusão da humanidade, logo o
carnaval seria uma ilusão para distrai os percalços. A tristeza de Pierrot tem seu consolo no
toque do seu bandolim, enquanto a humanidade tem no carnaval a revanche dos dias de
martírio. Nesse aspecto, a autora acabou corroborando com a ideia difundida de quebra na
ordem e de que nesses festejos os conflitos desapareceriam. Isso porque a ideia que
prevaleceu sobre os festejos carnavalescos foi de harmonia.
Entretanto os conflitos existem em todas as relações, muito embora boa parte dos
conflitos existentes nos festejos tenha surgido muito mais por conta das representações
atribuídas às práticas. Existiam também as disputas práticas para ver quem fazia o melhor
festejo, quais as melhores fantasias e músicas.
Os festejos envolviam competições que iam desde a disputa dos sambas ou marchas
carnavalescas até as fantasias, alguns cordões faziam mistério quanto à vestimenta justamente
para surpreender os foliões e também aos outros blocos, apresentando o que havia de melhor.
Mesmo assim, as disputas estavam presentes dentro do festejo, seja ela como resultado
das representações ou fruto de disputas carnavalescas entre carros e canções.
As manchetes dos jornais costumavam imprimir aos festejos, sejam eles denominados
como carnaval ou micareta, um caráter de unanimidade, como se estes fossem algo que
representasse a cidade com anúncios do tipo: “E a cidade viveu os três dias da troca226 e da
227
folia” . As notícias sobre os festejos carnavalescos seguiam a lógica de apresentar a festa
enquanto um elemento pertencente a uma cidade que se apresentava enquanto singular. Essa
postura não estava relacionada pura e simplesmente ao ato de anunciar os elementos
característicos da festa. Mas também de imprimir um ideal de cidade.
224
Folha do Norte. Feira de Santana, 23 de fevereiro de 1935, Ano XXXVI. Nº 1336
225
Folha do Norte. Feira de Santana, 23 de fevereiro de 1935, Ano XXXVI. Nº 1336.
226
A pesar de na grafia original a palavra esteja como troca, é possível que tenha erro e a possibilidade é que seja
troça, que segundo o dicionário significa zombaria, escárnio, caçoada. In: Amora, op.cit. p. 740, um termo que
melhor se adapta a citação.
227
Jornal Folha do Norte. Feira de Santana, 17 de fevereiro de 1923, Ano XV. Nº 670
109
228
As propostas de sociedades civilizadoras, que buscavam as reformas morais, não
estavam limitadas apenas às filarmônicas. Os cordões também eram noticiados nos jornais,
seguiam os mesmos preceitos e nessas reportagens era evidenciada a contribuição educadora
dos festejos pelos grupos que as organizavam. A reportagem com o título A festa oficial da
folia está chegando afirmava o seguinte:
228
Cf. SILVA, Aldo José Moraes. Natureza sã, civilidade e comércio em Feira de Santana: elementos para o
estudo da construção da identidade social no interior da Bahia (1833-1927) Dissertação do Mestrado (UFBA)
Salvador, 2000. As tendências de civilização nesta cidade tiveram início ainda no período imperial e assim como
no restante do país ganhou mais força com a implantação da República e envolveu o projeto modernizador aliado
ao discurso higienista e científico. No caso de Feira de Santana, o alinhamento das casas, cuidados com a
salubridade e reformas que buscavam a civilização.
229
Folha do Norte. Feira de Santana, 31 de Janeiro de 1931, Ano XXII. Nº 1124
230
PESAVENTO, Sandra. Op.cit.
110
Isso porque essas linguagens são extremamente móveis, ao passo que ao analisá-las
deve-se considerar essa mobilidade para não correr o risco de aprisioná-las em modelos que
não correspondem às vivências e a complexidade que estão inseridas, pois elas são social e
temporalmente construídas; fora de seu contexto elas perdem o sentido.
Segundo Pesavento231, existem diversas formas de significar a cidade através da
literatura, imagens, músicas, oralidade e a escrita. Destaca-se, a partir dessa contribuição, a
festa, um elemento que está inteiramente imbricado nas formas de representar as cidades. A
construção dos festejos perpassa pela atuação de sujeitos. Os sujeitos não são pacientes, que
apenas sofrem a ação. Trata-se de uma ação reflexiva, na qual estes praticam e sofrem as
consequências de tal prática. Nesse sentido, as intencionalidades surgem. Como a cidade é
múltipla, em seus significados e integrantes, essa diversidade propicia a pluralidade festiva,
pois é infundado dissociar uma coisa da outra.
As festas constituem-se como um espaço de comemoração e brincadeiras, além disso,
é também um espaço de disputas e conflitos, sejam estes de situações consideradas simples,
corriqueiras, ou de disputas políticas. Isso porque a presença política era comum.
A música, nesse contexto festivo, tornou-se palco desses conflitos e como uma forma
de identificação dos grupos. Na década de 1930 os blocos mais famosos eram: As
Melindrosas, Os Filhos do Sol e A Flor do Carnaval, e através das suas marchinhas percebem-
se o perfil de cada um desses clubes e quais eram os elementos que alimentavam os conflitos
da micareta em Feira de Santana.
A primeira música232 a ser analisada é de autoria do cordão Flor do Carnaval, que fez
referência a participação de clubes externos que participavam da micareta sob o caráter de
reforços:
Os amantes do Sol
Saiam da rua
Deixem a Flor
Deixem a Flor
Que não tem piruá
O Cruz Vermelha veio da Bahia por ouvir falar
Que a Flor do Carnaval desta vez ia abafar
E este ano ainda não vieram nada
Para o ano é que a coisa está gozada
A Cruz Vermelha veio mesmo?
Veio sim sinhô
231
PESAVENTO, Sandra. Op.cit.
232
O que se faz aqui é uma analise de letras de musica e não da musicalidade. Pois não podemos saber que tipo
de e entonação era dada em cada nota, o ritmo isso certamente enriqueceria nossa análise.
111
A música carnavalesca foi direcionada aos Filhos do Sol que levantaram esforços na
tentativa de vencer outros blocos. Uma questão que se constrói ao longo dessa análise: será
que esse era um conflito apenas para ganhar a disputa de uma Micareta? Ou uma disputa de
percepções da sociedade e modos de vida que estão além do festejar? Para começar a
responder essa pergunta analisa-se o trecho da música que afirma: “aqui não tem piruá”. Os
Filhos do Sol, a quem se dirigem essas marchinhas tinha em sua estrutura mulheres de classe
média alta de Feira de Santana e estas teriam promovido a vinda de clubes da capital. A Flor
do Carnaval, dissidente das Melindrosas, era composta por moças filhas de lavadeiras do
Tanque da Nação. Apareceu um elemento de diferenciação de classe entre as mulheres e
homens que brincavam micareta em feira de Santana.
Além desses elementos sociais, é possível perceber a crítica que se faz aos Filhos do
Sol, que lançou mão de elementos externos, tomando os como superiores em uma tentativa de
ganhar o carnaval, tendo a “Bahia” 234 como parâmetro de qualidade.
Outra letra comemorativa da vitória da Flor do Carnaval apresentou outros elementos
a serem problematizados:
com apena “nosso grande esforço”. Essa letra possibilita entender que as rivalidades
carnavalescas representavam também oposições políticas; enquanto os Filhos do Sol
buscavam referências externas, tidas como mais moderna, a Flor do Carnaval defendia a
valorização do local. Isso ajuda a compreender o porquê da viagem das Melindrosas à
Muritiba ter sido um dos motivos de desavenças internas, que resultou a Flor do Carnaval.
Sobre essa cisão, Aloísio Resende compôs uma marchinha para o clube das
Melindrosas em resposta a divisão do bloco, intitulada: Gosta de mim quem quer.
Outra composição ainda sobre a rivalidade entre Melindrosas e Flor do Carnaval dizia
assim:
Pisa na fulô
Pisa na fulô
Quero ver você pisar...
Na pisada do vapor
Pisa, pisa, pisa,pisa
Eu plantei um pé da Flor
Lá no meu quintal,
Para dar ao meu amor
No dia de Carnaval
Pisa na fulô
Já mandei ver no
Barbalho
Porque foi que isto se deu;
Depois de tanto trabalho
Meu pé de fulo
Morreu.
Essa rivalidade dos clubes carnavalescos estendida até a música e apresentada nos
desfiles, cantadas diversas vezes durante a festa, correspondia ainda à divisão dos foliões, que
235
Revista Panorama da Bahia. 20 de abril de 1987, Ano 4. N°80. p.13
113
não estavam envolvidos diretamente na organização dos festejos antes de apoteose festiva.
Os que simpatizavam com as Melindrosas eram avessos aos adeptos dos Filhos do Sol e
ressentidos com a Flor do Carnaval. “em algumas ocasiões, a disputa saiu das partituras e no
meio da avenida, foi decidida a tapas e puxões de cabelos energicamente trocados pelas
garotas”236.
O festejo micaretesco não se resumia as renuncias da seriedade. Até que ponto o
carnaval e a micareta eram “confets... risos... loucura... (...) serpentinas multicores rasgando o
espaço”? Como afirmavam os poetas da época, que apresentavam um caráter romântico,
idealizado, e noticiado pelo jornal Folha do Norte, chegando a ser até contraditório ao que nos
apresentam as letras musicais. Essas letras apresentavam conflitos que não eram exclusivos ao
âmbito da festa e passavam a denunciar posturas de uma estrutura social e os conflitos dessa
sociedade que produzia na micareta.
Os Filhos do Sol e as Melindrosas além de blocos distintos eram de classes
econômicas e sociais opostas; a primeira oriunda de uma localidade onde se concentravam a
elite da sociedade feirense, Campo do Gado, onde hoje é o Nordestino. O segundo bloco
originário de um dos bairros pobre da cidade onde se concentravam as lavadeiras da cidade237.
Esse conflito social estava também presente nas musicas: “Lavadeira, teu sabão tira lodo.
Lavadeira, lava a roupa do teu sinhô”238
Esse trecho fez parte de uma das músicas cantadas pelos “Filhos do Sol”, na qual
tentam uma desvalorização do Cordão das “Melindrosas”. O termo lavadeira, nessa letra,
assumiu um caráter depreciativo; em um propósito de associá-las ao lodo, em oposição ao
limpo, que não se envolve com a sujeira. Em resposta as “Melindrosas” respondem:
236
Revista Panorama da Bahia. 20 de abril de 1987, Ano 4. N°80. p.13
237
Sobre as lavadeiras do Tanque da Nação ver em Santa Barbara op.cit.
238
Revista Panorama da Bahia. 20 de abril de 1987, Ano 4. N°80. p.13
239
Idem. p.13
114
Afirmaram com isso que as lorotas que cantavam não impediram de serem derrotados
na micareta, sua “limpeza nobre”, não fazia deles vencedores do carnaval. E em seguida
cantavam para os “Filhos do Sol”:
Me deixe, me deixe
Que eu sou da fontinha
Me deixe, me deixe
Seu negro sedutor
Me deixe, me deixe
Seu negro traidor240
Essa letra das “Melindrosas” estabeleceu uma identificação “que eu sou é da fontinha”
faz referência à ideia de pertencimento ao bairro Tanque da Nação, no qual existia uma fonte
e ao redor da qual se reuniam as lavadeiras.
O conflito entre Filhos do Sol e Flor do Carnaval resultou em uma paródia da música
lig-lig-lig-lé, cantada pelo cordão Flor do Carnaval para os Filhos do Sol, direcionada
especificamente ao Coronel da Guarda Nacional Álvaro Simões:
Vai o coroné
Na ponta do pé
Lig, lig, lig, lig, lig, lig, lé
Dançando no Sol
Que lindo papé
Sinhô
Esse negócio de Sol não convém
Não vá
Fazer o astro
Demais se esquentar
Isto
Parece coisa de candomblé
Lig, lig, lig, lé
O mais feroz
Maneca cala essa boca
Deixa de tanto falar
Onde foi que já se vil cachorro, sem dormir?
Ferroz é urso, pantera,
Hiena, tigre, leão
Mas, o cão quem foi que disse?
Só você meu paspalhão
O cachorro, sempre foi
Meigo, terno e prazenteiro,
Assim nos diz o Fiel.241
240
Revista Panorama da Bahia. 20 de abril de 1987, Ano 4. N°80. p.14
115
Pode-se analisá-la em duas etapas; a primeira foi direcionada ao “coroné” que faz o
papel vergonhoso nos “Filhos do Sol”. O segundo ponto foi em relação a Maneca Ferreira,
um dos idealizadores da Folha do Norte que propuseram a micareta, um dos porta-vozes dos
“Filhos do Sol”.
Como sinalizou Santana242, as festas constituem um ponto de encontro entre as mais
diversas pessoas e esse encontros nem sempre são harmoniosos. Esses indivíduos ocupam as
festas e a significam de forma bastante particular. Essas experiências estão o tempo todo nos
espaços das festas. Nesse ambiente festivo ocorrem batalhas e confraternizações, guerras não
apenas no sentido momesco de serpentinas e águas cheirosa (carnaval) ou pútrida (entrudo),
mas também em relação à forma de pensar uma cidade e um modo de festejar ideal.
As apropriações dos espaços e dos significados na festa apontam para uma divisão de
tais festejos. Foi possível identificar em Feira de Santana a princípio dois espaços: os locais
abertos (rua) e os ambientes fechados (privados). O primeiro era o local onde os desfiles dos
clubes carnavalescos ocorriam. O segundo fez referência aos bailes que geralmente eram
realizados nas sedes das filarmônicas, que se apresentavam enquanto um local adequado para
brincar os dias de Momo. Entretanto essa classificação não significa algo estático que
impediria o trânsito dos sujeitos entre esse dois espaços.
Ocupantes dos locais abertos, os cordões funcionavam como uma estrutura
organizada, porém não tão burocratizada quanto os clubes. Apresentavam um caráter mais
popular, se é que assim se pode denominar. Essas “classificações” não permitem criar
fronteiras rígidas entre elas, pois as fontes indicaram o trânsito entre esses grupos. Esses
“limites” eram bastante frágeis e extremamente móveis.
O cordão das “Melindrosas” era um dos exemplos desse movimento. A Revista
Panorama da Bahia, ao confeccionar um caderno comemorativo sobre os 50 anos de
micareta, deu indícios de um movimento pendular:
241
Revista Panorama da Bahia. 20 de abril de 1987, Ano 4. N°80. p.14
242
SANTANA, Charles D Almeida. Op.cit.
116
243
Panorama da Bahia. 50 anos de folia. 1987 p. 13
244
Idem. p.13
117
pensar os festejos e como eles são construídos na memória das pessoas e, o mais importante, a
circulação nos vários espaços festivos
No cenário festivo da cidade, as filarmônicas assumiam características diversas e
exemplifica a mobilidade de grupos que atuavam em festejos carnavalescos e também em
outras atividades. E ao executar esse movimento traziam e levavam grupos, permitindo as
trocas de influências.
245
SANTOS, Aline. Op.cit. p. 4-5.
246
SANTA BARBARA, Reginilde. Op.cit.
247
Panorama da Bahia. 50 anos de folia. 1987. p. 13
118
O Dalvaro (aqui pra nós) está tomando a frente da cousa. Disseram-me que
irá evidar todos os esforços para trazer os carros da “Cruz vermelha” já
arranjou uns 2.000$, mas são preciso 4.000$! Isso Santana intera! Contanto
que a Cruz Vermelha venha.248
O sujeito citado era um dos proprietários do jornal Folha do Norte, Dalvaro Silva, irmão de
Arnold Silva. Nesse aspecto, o jornal se mostrava mais uma vez atuante na construção da
festa.
Assim como tinham que pagar para que outros grupos viessem à Feira, era possível
que as associações feirenses também recebessem por isso. Talvez isso explique o porquê em
pleno período carnavalesco os grupos aceitassem sair da cidade para participar de outros
carnavais. Esse movimento certamente trouxe contribuições para que as transformações
ocorressem, ações estas que deram o movimento à festa.
Após a análise desse movimento, percebe-se uma a relação das festas carnavalescas
com outras modalidades. Foi citado anteriormente que tais eventos estabeleciam relações
tanto com as festas religiosas locais quanto com carnavais em outras cidades. Este último
fomentado pelos passeios promovidos pelas agremiações. As relações carnavalescas não
podem ser classificadas como estruturas rígidas, elas são móveis e articula-se com outros
setores. Por esse motivo estão associadas com as relações do cotidiano que perduram para
além dos dias de Momo.
248
Folha do Norte. Feira de Santana, 16 de abril de 1938, Ano XXIX, nº 1561.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os festejos em geral são uma temática recente para o universo dos historiadores, fruto
da ascensão da história cultural que trouxe à luz historiográfica objetos que eram tratados no
campo antropológico. Com o acréscimo desse campo do saber, os historiadores puderam
ampliar as possibilidades de leituras históricas. Para isso foi conveniente estabelecer diálogo
com outras fontes de saber, especificamente a antropologia e trazer maior riqueza as
discussões.
Voltando especificamente para os festejos carnavalescos, práticas que estiveram
presentes desde muito cedo nas experiências humanas, sendo identificadas desde a
antiguidade clássica. Essas festividades sofreram mutações e refletiram em suas práticas e
sentidos e em cada momento e local assumiram características peculiares. Isso porque as
experiências humanas não são vivenciadas da mesma forma em todos os lugares. Cada
localidade guarda suas peculiaridades, um contexto que lhe é próprio e que interfere na forma
como os grupos festejam. Entretanto, enfatizar as peculiaridades e afirmar que cada lugar
abriga um contexto que é particular e único não indica uma desarticulação com contextos
maiores. Muito pelo contrário, tudo está interligado, mas o que traz a peculiaridade é a forma
como os grupos entendem o contexto e atuam no que é peculiar.
A presença dos festejos carnavalescos foi identificada ainda no Brasil colônia, fruto
da influência lusa, praticado sob o formato de entrudo. Os estudos no Brasil sobre tais
folguedos, muitos citados ao longo do texto, indicam que tinham como características gerais o
hábito de molhar as pessoas e sujá-las em um jogo do qual participavam os mais derivados
grupos sociais. Aparentemente essa prática encontrou um ambiente propício para a sua
realização até meados do século XIX. Até esse momento não é identificado nenhuma
associação negativa para com ele.
A partir de meados do século XIX, essa relação começou a ganhar outros rumos. Ao
que tudo indica esse não foi um movimento isolado, estudos sobre festas carnavalescas no Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Porto Alegre, Salvador indicam a transição entre o século XIX e o
século XX como um marco decisivo re-significação dos folguedos carnavalescos. A oposição
criada entre carnaval e entrudo ganhou força com a entrada no século XX. Naquele momento
passou a existir uma divisão entre as festas carnavalescas no Brasil, o entrudo começou a ser
associado a tudo que era incivilizado e o carnaval como sinônimo de civilidade e
modernidade. Momento este que coincidiu com a mudança política do país, que deixara de ser
120
monárquico e construía-se em republicano. Essa mudança perpassava não apenas pelo aspecto
político, criar um novo país significava, além da estrutura política, significava construir uma
imagem e conduta que fosse diferente e isso incluía também as formas de lazer e as
festividades. Os ideais de civilidade, modernidade progresso deveriam ser aplicados em todas
as esferas.
Ao analisar o caso de Feira de Santana é possível localizar a tentativa de implantar
esse projeto. As fontes jornalísticas, que foram a base desse trabalho, em quase todas as
edições faziam referência aos festejos carnavalescos como um sinônimo de avanço e
desenvolvimento da urbe. Mas diferente do que aconteceu no restante do país, essa disputa
ideológica ganha essa dimensão a partir da primeira década do século XX. Ao passo que
enfatizavam a grandiosidade e os benefícios do carnaval, faziam criticas ao entrudo, muitas
vezes denominadas práticas bárbaras. O que indica possivelmente a permanência das práticas
denominadas como entrudo ainda no século XX nesta cidade. E isso não foi algo específico
de Feira de Santana. Na cidade de Amargosa-Ba, segundo Edicarla Marques249 houve a
entrudo nas primeiras décadas do século XX.
Percebeu-se que na construção do carnaval os jornalistas lançaram mão da depreciação
do entrudo, nas primeiras décadas do século XX ele foi citado em oposição ao carnaval e
através disso, era evidenciada a importância do festejo “civilizado”. Essa aparição do entrudo
para exaltar o carnaval foi desaparecendo dos jornais sobre a justificativa de que este havia
sido superado pelos bons hábitos do carnaval. Por isso é seguro afirmar que a utilização do
entrudo com este sentido de antagonismo foi fundamental para a construção do sentido do
carnaval.
Muito provavelmente isso possa ter acontecidos em outras localidades, pois a criação
de um projeto festivo e a sua apresentação à sociedade, não garante que este será aceito, sem
nenhuma intervenção, e sua aplicabilidade um sucesso. E quando se trata de manifestações
culturais, isso é ainda mais impreciso. Rachel Soihet250 foi direto nesse ponto, quando afirma
que os foliões cariocas, mediante as proibições policiais do uso das laranjinhas e limões de
cera, criavam outros elementos para driblar a vigilância popular e continuar com o jogo do
entrudo.
Havia diferenças entre as práticas, carnaval e entrudo, mas elas eram bastante simples,
mas foram ampliadas no aspecto simbólico. Enquanto os adeptos do entrudo molhavam as
pessoas e jogavam pós, no carnaval molhavam com lança-perfume e jogavam confetes e
249
MARQUES, Edicarla dos Santos. Op.cit.
250
SOIHET, Rachel, op.cit. p. 86.
121
serpentinas. As práticas eram bastante similares, fantasiar-se, sair às ruas ou aderir clubes
eram características presentes de forma geral nos festejos carnavalesco. Porém os seus
conflitos foram travados muito mais no campo das ideias e das representações do que na
prática. Dividir os festejos carnavalescos em categorias, entrudo, carnaval e micareta, e tratá-
los dentro de uma linearidade é uma questão ideológica.
A cidade de Feira de Santana, para além das dicotomias forjadas entre entrudo e
carnaval teria inventado o carnaval fora de época. De acordo com o senso comum, a micareta
teria sido criada em 1937 devido às fortes chuvas que impossibilitaram a realização do
carnaval naquele ano. Entretanto as fontes indicaram que nesta cidade o hábito, mesmo que
esporádico, de realizar um festejo carnavalesco após a quaresma não surgiu em 1937, há
indícios de que no mínimo em 1934 essa prática já existia, sobre a nomenclatura de páscoa
carnavalesca ou pascoéla carnavalesca.
O que acontece é que mediante uma suposta crise carnavalesca, a partir de 1937 esse
momento carnavalesco pós-quaresma passou a ser fomentado e visto como uma alternativa ao
“fracasso” de fevereiro. Naquele momento, existiam três nomenclaturas: segundo carnaval,
seguida mi-carême e por fim micareta, que foi a que se fundamentou e tornou-se a única
utilizada. Essas denominações também tinham seus significados políticos, os que defendiam o
termo segundo carnaval desejavam primar pela originalidade, que segundo eles não eram
contemplada como os termos mi-carême e micareta, ambos estariam ligados a influência
francesa, uma visão europeia da festa.
Sobre essa “crise”, ressalvas devem ser feitas, pois mesmo que aos noticiários
apontassem para o esvaziamento da cidade, o festejo ocorria, embora sem satisfazer as
expectativas de alguns. Sobre os motivos que teriam levado a essa crise, a construção da BR-
324 apareceu como a principal, pois teria facilitado o trânsito entre Feira de Santana e a
capital, Salvador. Porém não podemos afirmar que a concorrência tenha sido apenas com
Salvador, pois na década de 1930 alguns grupos além de migrarem para capital, transferiam-
se durante os folguedos para cidades como Muritiba - BA. Além disso, a migração ocorria
muito antes da construção da rodovia, pelo menos a parir da segunda década do século XX.
Por isso é ariscado determinar a existência de uma crise carnavalesca. Crise para quem, se os
festejos perduraram mesmo com a implantação da micareta? E se houvesse uma crise, eleger
um elemento apenas é igualmente perigoso.
Percebe-se também que os festejos carnavalescos nunca assumem um apenas um
significado. Essa temática traz em si a multiplicidade nas formas de festejar, nas formas de
interpretar e significá-las. Os espaços da rua (público) e dos salões (privados) são os mais
122
simples. Dentro dos salões a polissemia está presente, ali se encontram os foliões, os
organizadores e os músicos e cada um deles estabelece com a festa uma relação diferente.
No espaço da rua, essa polissemia ganha proporções ainda maiores, pois é um espaço
onde os mais diversos grupos ocupavam as ruas e nesse momento as suas relações e tensões
do cotidiano não desaparecem. Os comerciantes os músicos, que no espaço festivo poderia se
portar como um profissional em um momento e em outro ser folião. E a divisão desses
espaços não implica necessariamente a imobilidade entre esses espaços e grupos. O
movimento é outra característica dos festejos carnavalescos, os papeis são mutáveis.
Mesmo tendo estabelecido um recorte que buscou abarcar as festividades
carnavalescas, o trabalho não tem o objetivo de delimitar nascimentos e mortes, nesse caso do
carnaval, visto que a micareta, festa carnavalesca pós-quaresma perdura até os dias atuais e o
mesmo não aconteceu com o carnaval. Quando o assunto é manifestações culturais, precisar
nascimentos e mortes, a famosa busca pelas origens faz perder de vista a complexidade e o
movimento que elas assumem. Por esses motivos, todos os esforços da pesquisa foram para
compreender como os sujeitos praticavam e significaram dos festejos carnavalescos. E através
dele foi possível identificar que as festividades carnavalescas em Feira de Santana, além de
representarem um espaço de lazer e encontros, serviram também como um espaço de disputas
sociais, políticas e, sobretudo para a construção de memórias.
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Miranda, Áurea. Fragmentos D’ Alma... Versos da adolescência. Instituto Histórico e
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Anexo I.
Anexo II
Memorialistas.
Áurea Miradora
Nasceu em Feira de Santana, onde seus pais eram radicados e eram professores: Alípio
Severiano de Miranda e Amélia Severiano de Miranda, ambos atuavam profissionalmente em
escolas de Feira de Santana (Estado da Bahia). Áurea Miranda foi para Salvador, ainda bem
jovem para estudar na melhor escola formadora de professores, que era a Escola Normal.
Depois de diplomar-se, permaneceu na capital, exercendo o magistério.
A maior parte de sua atuação na cena literária da capital deu-se entre 1910 e 1920. Atuou
junto a periódicos, principalmente, como militante feminista, incrementando e descrevendo os
avanços da luta da mulher pelo voto no Brasil. Um trecho de seu artigo, "A Vitória do
Feminismo", mostra sua posição diante do mundo e da condição da mulher.251
Georgina Erismman:
251
http://www.escritorasbaianas.ufba.br/aurea/biotraj.html
132
Treze de Maio). Suas composições são diversificadas: fox trote, canção, valsas, tango de
salão, tango argentino, marcha carnavalesca: Ângelus, Campânula, Cantigas ao Luar, Garota,
Mártir, Mestiça, Moreninha, Noiva, Saci Pererê, Sayonara, Seresta, Sombra, Tropeiro, etc.252
Hélder Alencar:
Melo Morais Filho (Alexandre José de Melo Morais Filho), poeta, cronista e folclorista,
nasceu em Salvador (BA), em 23/02/1843 e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), em 01/04/1919.
Formou-se em medicina em Bruxelas, Bélgica, e revalidou o diploma no Rio de Janeiro em
1876. Colaborador de jornais e revistas deixou grande bibliografia etnográfica e folclórica.
Foi o primeiro tradicionalista do seu tempo. Encabeçando campanha pela valorização de
festas, autos e bailes populares, muitos dos quais encenou.
Publicou Cancioneiro dos ciganos, Rio de Janeiro, 1885; Ciganos no Brasil, Rio de Janeiro,
1886. Festas populares do Brasil, Rio de Janeiro, 1888, Festas do Natal, Rio de Janeiro,
1895; Cantares brasileiros: cancioneiro fluminense, 2 volumes, Rio de Janeiro, 1900; Festas
e tradições populares no Brasil, nova edição, revista e aumentada, Rio de Janeiro,
1901; Serenatas e saraus , 3 volumes, 1901-1902; Histórias e costumes, Rio de Janeiro,
1904; Fatos e memórias, Rio de Janeiro, 1904; Quadros e crônicas, Rio de Janeiro, s.d. 253
252
http://www.feiradesantanna.com.br/georginaerisman.htm
253
http://cifrantiga3.blogspot.com/2006/03/melo-morais-filho.html#ixzz2UPw91OCx
133
Wilson Louzada.
Literário brasileiro que concentrou sua produção em poemas publicados entre as décadas de
1940 e 1950 dentre eles: Cancioneiros do amor: poesia portuguesa (1950); Cancioneiro do
amor: poesia brasileira (1952); Antologia de Carnaval (1945). Em suas produções aparece
sempre como organizador da produção literária de sua época e de mais antigos.