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I - FRANCISCO CAMPOS
JARBAS MEDEmOS
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países do globo. É a luta sem fronteiras dos poderosos trustes e
monopólios pela garantia de mercados e de fontes de abasteci-
mento de matérias-primas, para uso efetivo e imediato ou poten-
cial. Coloniza-se a Mrica, a Oceania e parte da Asia. Sucedem-se,
febrilmente, as alianças econômicas e financeiras e os pactos di-
plomáticos e militares. Um historiador de tendências conservado-
ras como o norte-americano Louis Snyder diria: "EI sistema de
alianzas era el método aceptado para lograr la seguridad en un
mundo desequilibrado a causa deI choque de intereses imperia-
listas y de la lucha global por mercados, materias primas y co-
lonias. .. EI mundo entró en el siglo XX dividido y lleno de te-
mor. El problema más crítico que había entonces pendi ente era
el de la amenaza de la guerra." 1 Enquanto isto - e por causa
disto -, a tecnologia científica ganhava um lugar de destaque na
Universidade e um valioso status cultural. Afinal, a produção in-
dustrial diversificada, sofisticada, em massa e a baixo preço era
a arma de conquista de mercados e de aperfeiçoamento militar.
O poder militar nacional estaria, daí para a frente, umbilicalmen-
te condicionado pelo desenvolvimento econômico e industrial de
sua pátria, passando poder político e poder militar a se confundir
e a se equivaler. Surgem novas fontes de energia, tal como a ele-
tricidade e implantam-se as usinas hidrelétricas, e termoelétricas;
o motor de combustão interna; a utilização do aço, que suplanta,
com vantagem, a do ferro; surgem e implantam-se os sistemas de
telecomunicações - a telefonia, a telegrafia e a radiofonia; apa-
recem a mecânica de maior precisão e potência, a turbina a va-
por, o automóvel e o avião; a lâmpada incandescente; a química
orgânica, com os plásticos, as fibras artificiais e os vernizes; a
produção industrial em linha (a moving assembly de Ford), que
possibilitou a produção em massa em menor tempo unitário; a
técnica de fusão de empresas - vertical, das fontes de matérias-
primas ao produto já no balcão, e horizontal, associação de ramos
industriais e comerciais: surge a indústria petrolífera que se
interliga, numa mesma planta industrial, com as indústrias têxtil,
de calçados, de papel, alimentícia e de construções - as indús-
trias tradicionais: mecanizava-se a agricultura, com o desenvol-
vimento e a diversidade das máquinas, impulsionada pelas novas
fontes de energia; surgiam o fonógrafo, a placa fotográfica e o
filme. 2 Administrar, de modo geral, fosse o que fosse, deixava
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a) o sistema econonuco, já hegemônico à escala mundial, passa
a ser estruturado não mais ao nível de um capitalismo atomizado,
mas sim pelo capitalismo financeiro monopolista, que se mostrava
mais capacitado para operar em economia de escala, dentro da
concorrência internacional em busca de mercados, de matérias-
primas e de realização lucrativa de capital;
b) este predomínio de economias de escala no sistema econô-
mico global provoca e estimula, de modo dinâmico e progressivo,
as novas técnicas de administração e de organização do trabalho
social; ao empirismo sucede o planejamento; ao intuicionismo, a
racionalização; a Universidade começa a se transformar, a fim
de tornar-se apta a servir às novas condições de vida;
c) com a acentuação do desequilíbrio indústria-agricultura em
favor da indústria, as nações industriais assumem uma posição ni-
tidamente hegemônica sobre as nações agrícolas; culturalmente,
civilização passa a ser sinônimo de industrialização; intensifica-se,
de modo extraordinário, o processo de urbanização; a sociedade
urbano-industrial define-se como uma categoria histórica;
d) industrialização e urbanização provocam o aparecimento, no
cenário político e social, das grandes massas populares; define-se
o conceito de sociedade de massas. É ainda Louis Snyder que as-
sinala:
"La nueva industrialización estimuló el crecimiento demográfico,
la concentración de la población en las zonas urbanas, la agra-
Ilación de los problemas relativos e las grandes ciudades, la dis-
minución deI analfabetismo y la aparición de la prensa como gran
medio de informaéión"; 3 ao lado de ideologias otimistas, utilitá-
rias, pragmáticas e reformistas surgem, também, doutrinas apo-
calípticas da civilização ocidental: a revolução socialista torna-se
uma realidade histórica, com a Revolução bolchevique de 1917,
assim como a rebelião das massas, concretizada na Revolução me-
xicana dos anos 10; da I Guerra Mundial para a frente, guerras
e revoluções sociais se entrelaçam e se condicionam;
e) o nacionalismo econômico e político, o militarismo e o li-
vre-cambismo passam a ser, simultânea ou sucessivamente, pra-
ticados por todas as nações, dependendo de suas posições de força
dentro do sistema mundial; as grandes potências, que em geral
haviam atingido este status pelos caminhos do nacionalismo e do
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duráveis, como g~neros alimentícios) e de capitais, tornava-nos
uma nação atrasada face às nações industriais - as grandes po-
tências - que eram adiantadas. Em termos econômicos o Brasil
era o café e, depois, por um curto período, também a borracha
e nada além disto. Entretanto, achávamo-nos inseridos em um
sistema econômico mundial extremamente dinâmico e inovador,
onde, como vimos, a industrialização e o avanço tecnológico eram
o símbolo da civilização, do prestígio, da força e da hegemonia
mundial. As Forças Armadas de todos os países, fossem adianta-
dos ou atrasados, haviam percebido que o aprimoramento e a
modernização delas mesmas e, conseqüentemente, a salvaguarda
da segurança nacional de seus países, da qual eram institucional-
mente as responsáveis, estavam na dependência do desenvolvi-
mento industrial deles. Havia, portanto, entre nós, um consenso
favorável mais ou menos generalizado por todas as nossas elites
dirigentes 4 no sentido do encaminhar o Brasil na rota da indus-
trialização (em geral através do investimento estrangeiro), se
bem que a natureza desta, assim como os meios, os métodos e o
prazo histórico para atingi-la não fossem questões pacíficas e mui-
tas resistências fossem efetivamente criadas, se bem que não in-
superáveis, como o próprio tempo se encarregou de demonstrar.
O Brasil iniciou então o seu processo de industrialização que, des-
de a segunda metade do século XIX, se instalou entre nós como
um subproduto de nossa estratégia financeira. Esta última, já no
século XX, define-se e cristaliza-se em torno da valorização do
café, nos anos 10, da defesa permanente do café, nos anos 20 e
sustentação do café, nos anos 30. Desta forma, mais ou menos no
período de 1870/1880 para a frente, o Brasil inicia um ininter-
rupto processo de industrialização, que se estruturava lentamente
em ciclo, simultâneos ou não com os booms e com as depressões
da nossa economia cafeeira. Até possivelmente o término da II
Guerra Mundial (1945), aquele processo de industrialização se-
ria de futuro mais ou menos incerto e duvidoso, para firmar-se,
depois desta data, em termos mais definitivos.
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6. Face ao conjunto destas transformações que ocorriam inter-
na e externamente e sobretudo face a esta múltipla ruptura polí-
tico-institucional-cultural a que aludimos logo acima, a ideologia
brasileira, conforme deduzimos de grande parte da bibliografia
já lida, constituída dos próprios autores do período (1870-1945),
passou a problematizar, entre outros, os seguintes temas:
a) a conveniência ou inconveniência da industrialização do País;
indústrias naturais versus indústrias artificiais; livre-cambismo
versus protecionismo; destino agrário e futuro industrial do País;
o gigante adormecido em berço esplêndido;
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Secretário do Interior no Governo Antônio Carlos (1926/1930),
chegando, ao final da década de 20, a Ministro da Educação e
Saúde do Governo Ditatorial Provisório, sendo o primeiro ocu-
pante da Pasta. Ao longo de toda esta fase Campos revela-se um
político situacionista (aliás, é digno de nota que jamais em sua
vida militou nas hostes da oposição), defensor convicto da ordem
estabelecida e do regime então vigente, ou seja, das instituições
políticas da República Velha que perduraram até a Revolução de
1930 (que Campos ajudou a tramar e a deflagrar, na qualidade
de Secretário do Interior do Governo Antônio Carlos, um dos
próceres aliancistas mais destacados). Como deputado federal,
Campos é um agressivo crítico e opositor das sublevações tenen-
tistas e do programa da Aliança Libertadora, de Assis Brasil.
Defende, na Câmara dos Deputados, o regime da legalidade, o
senso da ordem, a civilização, o regime de Estado de Sítio, as
medidas de exceção e de repressão contra as manifestações mili-
tares de protesto as quais são vistas por ele como explosão de
"instintos primitivos", como "forças da desordem e da destruição,
espírito primário e jacobino", qualificando-as de "sombria aven-
tura" e "monstruoso atentado", de "agressão à ordem tradicional
do País", "morticínio fratricida", "flagelação da pátria", "legiões
de orgulho e concupiscência", referindo-se à "masorca de 5 de
julho". Quanto a Assis Brasil e à sua pregação liberal consubs-
tanciada no lema "Representação e Justiça", a qual, segundo
Campos, dava "cobertura ideológica" ao tenentismo ("... às ar-
mas sem programa emprestaria o seu programa"), qualificava-o
de "demagogo". A si próprio Campos dizia-se integrado na "for-
midável obra de defesa e de preservação moral e política do País."
Poucos anos depois, sob a Aliança Liberal, aliás compreensivel-
mente movido pelas injunções históricas e políticas e não obs-
tante as restrições que ele fazia aos tenentes, alia-se aos mesmos
e a Assis Brasil na preparação e na deflagração vitoriosa da Re-
volução de outubro de 1930 que viria justamente pôr fim ao re-
gime até então por ele defendido, o que ilustra, enfim, o relativa-
mente pequeno peso das convicções pessoais face a um processo
histórico determinado. Seria ainda de se assinalar aqui que Cam-
pos parecia perceber algo mais por detrás das sublevações tenen-
tistas e do programa da Aliança Libertadora, talvez uma "revo-
lução social anárquica." Leia-se este trecho de um discurso na
Câmara Federal: "Que abalos, se este movimento (a sediação mi-
litar) se propaga, sacudiriam o país, fazendo emergir ninguém
sabe que correntes de sentimentos, de idéias ou de paixões desses
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toda a década de 20, o exerC1ClO de cargos políticos e adminis-
trativos, estaduais e federais, conduziram-no, todos estes fatores
somados, a uma posição teórica e doutrinária que envolvia, ao
lllesmo tempo, o conservadorismo e a aspiração de modernização
institucional, característica fundamental de seu pensamento polí-
tico. Uma leitura atenta de suas obras nos anos 10 e na década
de 20, iniciando-se com o já mencionado discurso junto à herma
de Monso Pena, percorrendo seus pronunciamentos na Assem-
bléia de Minas e na Câmara Federal e depois os da Secretaria
do Interior, quando promoveu a reforma do ensino primário e
normal em Minas, mostra-nos que sua posição era, de certa forma,
singular e atípica no contexto político então dominante em nosso
País. Campos não poderia àquela época ser classificado como um
conservador tout court, um defensor do status institucional vigen-
te. Ao contrário da grande maioria dos componentes das elites
políticas que então dirigiam o nosso País, Campos já trazia ao
debate e à ação administrativa pública, na década de 20, os con-
ceitos e os programas que objetivavam a montagem, entre nós,
de um Estado Nacional, antiliberal, autoritário e moderno. Co-
locado dentro da estrutura de poder então vigente, nela traba-
lhava não certamente para solapar suas bases sociais - e nisto
qualificava-se como um conservador -, mas sim para substituir
e reconstruir, do alto, as suas instituições políticas e burocráticas,
modernizando-as. A nosso ver, Campos enquadrava-se com per-
feição naquela definição de Taine dada por Carl Schmitt: "Taine
balance entre l'éspoir d'un ordre nouveau à naitre de la décom-
position de l'ancien, et la peur du chaos." 11 Dizia Campos, por
volta de 1925: "Pela lei... em regimen democrático, se podem
fazer todas as transformações, por mais radicaes que sejam ... " 12
É visando um Estado nacional moderno que Campos inicia o seu
combate em vários fronts: investe contra a autonomia dos muni-
seu apelo a César, seu conceito de política como teologia, tudo em O Es-
tado Nacional (conferência intitulada A política e o nosso tempo) e na
Atualidade de Dom Quixote. Imprensa Oficial de Minas, 1967. Suas idéias
jurídicas, por sua vez, inspiraram-se nas tendências do positivismo jurí-
dico, da "publicização" do direito privado, à Kelsen e à Thering, bem como
nas correntes constitucionalistas que prevaleceram na Constituição de
Weimar (1919).
11 Schmitt, Carl. Le romantisme politique. Edição francesa de 1928, sendo
a original, alemã, de 1919.
12 Os crimes políticos e o julgamento pelo júri. Antecipações à reforma
política. cito
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ções de interesses transitórios", pleiteando sua substituição pela
"política e partido das realizações práticas e eficazes", de onde
se descortinariam os "interesses comuns" e onde prevaleceria "o
espírito de conciliação e de concórdia, de imparcialidade e de
justiça"; 11 investe contra os Parlamentos, pleiteando a iniciativa
e o monopólio da legislação pelo Poder Executivo e assinalando
a imprensa e os sindicatos como substitutos dos parlamentos:
"Eu creio que nesse caso dos parlamentos continuamos a ser ví-
timas de uma daquelas ilusões, atribuindo às Câmaras o mesmo
papel que elas representaram em outros tempos... em que as
Câmaras exerciam, efetivamente, funções políticas de alta rele-
vância, como únicos órgãos autorizados da opinião pública. Era
esta, porém, a concepção dos primeiros tempos do Parlamento,
a concepção das revoluções populares do século passado e do es-
pírito político educado no ambiente dos princípios revolucionários
do século XVIII. Do último quartel do século XIX para cá, as
assembléias legislativas vêm perdendo, aos poucos, a sua impor-
tância política, despindo as suas aptidões representativas para re-
vestir o caráter funcionarista ou administrativo que faz hoje,
dos Congressos, departamentos descentralizados da administra-
ção. .. A administração tende, portanto, a monopolizar em suas
mãos o trabalho legislativo, com grandes vantagens para a sua
simplicidade e regularidade"; 18 investe contra o Estado liberal
e as instituições democrático-liberais, as quais qualifica de "su-
perstição ou obsessão política", de "fraseologia política", aludindo
ao "dragão da ideologia democrática" que estaria já relegada ao
"muzeu de antiguidades políticas". 19 Dizia: "O que não posso
conceber é que neste momento em que a face das cousas se trans-
muda, recebendo um outro molde, estejamos enleiados neste ci-
poal de palavras e de fórmulas sagradas. .. O que caracteriza o
momento presente. .. é o predomínio das preocupações técnicas,
de ordem econômica ou administrativa, sobre as preocupações de
toda e qualquer ordem ou natureza." 20 Por outro lado, a moder-
nização institucional era ainda a este tempo referida por Campos
de um modo um tanto difuso e vago, mas de qualquer maneira
já bastante indicativa, ao início dos anos 20, de conceitos mais
definidos que iriam se afirmando no correr da década. Assim é
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como o nosso, aspira a um rápido e extenso desenvolvimento in-
dustrial".27 E ainda: "A nação não é, com efeito, apenas ordem
jurídica e moral, função de autoridade e de governo: é também,
e hoje, antes de tudo, uma usina e um mercado." 28 Enfatizava:
"Um paiz sem organização industrial e comercial, com toda a
sua majestade, as suas dragonas, os seus parlamentos, as suas de-
clarações de direitos não passará de um embrião nacional, com
uma vida de relação inteiramente artificial e inconsistente;" 29
"um paiz pobre é um paiz necessariamente votado às desordens in-
ternas e ao desprestígio externo." 30 Pleiteava, então, a transfor-
mação do Brasil de "paiz prodigiosamente rico em uma nação
igualmente rica": 31 revelaria, assim, a sua consciência de nosso
"atraso". Já ao encerrar-se esta primeira fase, vitoriosa a Revo-
lução de 1930, que Campos ajudara a tramar e a deflagrar enun-
cia, em seu discurso de posse no cargo de Ministro da Educação
e Saúde do Governo Ditatorial, no mesmo ano: "Havia no Brasil
dois paizes, o legal e o de fato: o paiz da mentira e o paiz da
realidade. A revolução é o protesto do último contra o primeiro;
são as necessidades e as exigências do Brasil, acordando do sono
e da abulia dos entorpecentes para reclamar os remédios verda-
deiros e eficazes. .. O trabalho de construção requer esse exame
severo e sem atração do presente, verificando quais as partes moles
e inaproveitáveis da estrutura e quais as sólidas e dignas de du-
rar, abrindo brechas onde for preciso, a fim de que se possa in-
suflar no interior confinado o sopro da renovação ... Na instrução
será indispensável considerar, a fim de que possamos atender às
exigências do estado atual de civilização e de cultura, que o Brasil
não é apenas um paiz de 'liberais', mas também, e sobretudo, um
paiz de produtores." ~2
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próprio governo e com a intermediação da Igreja) e sucedeu um
compromisso geral dentro das elites dirigentes pois que, afinal,
a modernização institucional gratificaria todos os seus grupos e
setores. A década de 30, com toda a sua agitação, não significaria
certamente outra coisa senão o jogo de ajustamento destes grupos
e setores na nova estrutura compósita de poder. Ora, se as insti-
tuições políticas que a Revolução de 30 havia levado à derrocada
eram fruto do Estado liberal, ainda que imperfeito entre nós; se
aquelas instituições "liberais" eram tidas por sinônimo de Estado
"dividido" e "desarticulado" enquanto que o Estado nacional a
que se aspirava seria um Estado hegemônico, "integrado", "mo-
nolítico", tornava-se evidente ao nosso pensamento político "ino-
vador" que o "liberalismo" era o responsável último por nosso
"atraso' e por nossa "fraqueza" face aos "povos civilizados". Des-
ta forma, a modernização de nossas instituições, naquela etapa
histórica, parece ter sido equivalente, segundo a fração mais di-
nâmica de nossa ideologia dominante, ao antiliberalismo, por este
caminho chegando-se ao Estado autoritário. O Estado moderno
brasileiro seria, desta forma, um Estado nacional e um Estado
autoritário, nesta ordem. 34 Era como se para chegarmos ao Es-
tado moderno e nacional tivéssemos de, forçosamente, penetrar
no Estado autoritário, lugar ideal para comprimir-se quaisquer
tipos de interesses que se colocassem, por este ou aquele motivo,
fora dos limites do projeto comum, racionalizado para o conjunto
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político, desde notadamente os anos 10, com Alberto Torres, (e
Francisco Campos foi um elo desta cadeia), vinha colocando pe-
rante as nossas elites dirigentes.
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elites, referindo-se, assim, sobretudo, ao jogo e ao equilíbrio entre
seus diversos setores e estamentos, também nos parece certo que,
pelo fato de haver quebrado e rompido a mecânica político-insti-
tucional até então vigente, logo alcunhada de República "Velha",
a Revolução de Outubro abriu, efetivamente, como possibilidade,
logo coadjuvada pelos efeitos da depressão econômica mundial, as
portas e as janelas do nosso país para uma fase de modernização
institucional, já alimentada em bojo, como vimos, nas duas dé-
cadas imediatamente anteriores. A Revolução trazia, em potencial,
as bases efetivas para a modernização institucional do país. Ou-
tra coisa não prova, decerto, a perplexidade que logo em seguida
tomou conta de nossos grupos revolucionários, assim como o le-
que de possibilidades na adoção de modelos políticos (e foi a partir
de então que se definiram, entre nós, de forma mais precisa, uma
"esquerda" e uma "direita") e a intensidade do debate ideológico
generalizado ao nível de nossa intelectualidade de então. Tudo isto
comprova, ao mesmo tempo, a profunda inquietação que afligia,
como conjunto, nossas elites dirigentes e a indefinição manifesta
(mas não certamente latente) do movimento revolucionário. A
indefinição manifesta tornara possível a conciliação geral de gru-
pos de vários matizes na trama e na deflagração da Revolução: a
progressiva definição latente operou os ajustes e os reajustes,
assim como as expulsões do bloco revolucionário antes coeso. Fos-
se qual fosse, porém, ao nível teórico, o debate ideológico, desde
os primeiros dias após a Revolução de 30, o Estado autoritário
começara, de modo concreto, sua caminhada no sentido de uma
hegemonia política sobre a Nação. O curto interregno liberal do
regime de 34 nada mais fez, na realidade, do que fornecer argu-
mento e uma base factual para o advento do Estado Novo.
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Secretário da Educação do Distrito Federal, Campos resumma
sua filosofia educacional no lema "Educação para o que der
e vier" e explicava: "O que se quer é que ela seja uma educação
para problemas, e não para soluções... uma educação para o
que der e vier, como se estivéssemos preparando uma equipe de
aventureiros para uma expedição em que tivessem de consumir
a sua vida, adaptando-se a circunstâncias que não poderíamos
, prever e realizando obras e trabalhos nunca antes realizados pela
raça humana. .. Perdemos as aquisições substanciais do passado
e não constituímos ainda um novo patrimônio." 46 Ao mesmo tem-
po que reclamava o advento da Escola Nova, Campos procurava
"a recuperação dos valores perdidos", os quais identificava com
a "religião", a "família" e a "pátria", assinalando que só "a edu-
cação poderá incumbir-se dessa tarefa".47 Fazendo o elogio do
decreto do ensino religioso do Governo Revolucionário Provisório,
o autor investe contra o liberalismo educacional: "Ao passo que,
sob a bandeira da doutrina liberal e em nome da liberdade de
cátedra, era permitido o ensino das mais extravagantes e destem-
peradas teorias e às escolas se franqueavam todas as superstições
científicas e todas as cosmogonias, teodicéias e teologias raciona-
listas, sob o rótulo fraudulento de ciência, fechavam-se à religião
as portas das escolas como si se tratasse de uma expressão espú-
ria da natureza humana." 48 Percebemos, assim, que no pensa-
mento de Campos o racionalismo, ao mesmo tempo que era in-
vocado favoravelmente para justificar a Escola Nova, era, tam-
bém, negativamente criticado quando se tratava da salvaguarda
dos valores culturais a serem preservados pela modernizaçãô.
Fixa sua posição anticomunista: "Há três laços que reúnem os
homens - a religião, a família e a pátria. Mais do que ninguém o
comunismo sabe disso. Ele combate os três ao mesmo tempo ...
As monstruosas ideologias internacionalistas visam apenas enfra-
quecer a humanidade no homem para transformá-lo mais facil-
mente em animal de um rebanho miserável, tangido pela fome e
pelo medo... Onde se rompem os vínculos, começa o reino da
morte e não o da liberdade e da justiça." 49 Mais tarde, em um
depoimento sobre Campos, Abgar Renault revelaria: "Lembra-me
que, em 1935. .. um estudo sobre a cidade universitária de Madri
arrancava-lhe (a Campos) este comentário: "No mundo de hoje,
46 Id. ibid. p. 6, 7.
47 Id. ibid. p. 153, 154.
48 Id. ibid. p. 150.
49 Educação e cultura. cit. p. 154, 161.
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neira, com a presença do então Governador do Estado, Olegário
Maciel: o objetivo declarado da Legião de Outubro era o de de-
fender e consolidar os princípios da Revolução de 30 e dar com-
bate aos seus inimigos, os quais, segundo o Manifesto da Legião,
eram três: "inimigos oriundos do velho regime (os governadores
depostos, os aderentes hipócritas e os viciados e corruptos de toda
a espécie), inimigos existentes no seio da própria revolução (os
revolucionários sem convicção e os revolucionários preguiçosos e
céticos) e inimigos de origem externa (todos os propagandistas
pregoeiros e apóstolos de doutrinas políticas exóticas e inaplicá-
veis para a solução de problemas brasileiros." 52 Em 1933, como
vimos, com a reconstitucionalização do país, Campos candidata-
se à Câmara Federal, por Minas, mas não se elege. Durante o
curto interregno constitucional exerce as funções de Consultor-
geral da República e de Secretário da Educação e Cultura do
Distrito Federal, e, também, sua cátedra de Filosofia do Direito.
Em 1937 é nomeado Ministro da Justiça, quando elabora a Cons-
tituição que objetivaria institucionalizar politicamente o Estado
Novo, instaurado por um golpe a 10 de novembro daquele mesmo
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vórcio, hoje confessado, entre a democracia e o liberalismo ... O
clima das massas não obedece às regras do jogo parlamentar e
desconhece as premissas racionalistas de liberalismo... As deci-
sões políticas fundamentais são declaradas tabu e integralmente
subtraídas ao princípio da livre discussão. O sistema constitucio-
nal é dotado de um novo dogma, que consiste em pressupor, acima
da constituição escrita, uma constituição não escrita, na qual se
contém a regra fundamental de que os direitos de liberdade são
concedidos sob a reserva de se não envolverem no seu exercício
os dogmas básicos ou as decisões constitucionais à substância do
regime ... A conseqüência do desdobramento desse processo dia-
lético será, por força, a transformação da democracia, de regime
relativista e liberal, em estado integral ou totalitário. .. A den-
sidade e a extensão da área de Governo torna cada vez mais
inacessíveis à opinião os problemas do Governo .. , As formas par-
lamentares da vida política são hoje resíduos destituídos de qual-
quer conteúdo ou significação espirituaL.. O que o Estado to-
talitário realiza é - mediante o emprego da violência, que não
obedece, como nos Estados democráticos, a métodos jurídicos nem
à atenuação feminina da chicana forense - a eliminação das
formas exteriores ou ostensivas de tensão política... O sufrágio
universal, a representação direta, o voto secreto e proporcional,
a duração rápida do mandato presidencial foram meios impró-
prios, senão funestos aos ideais democráticos .. , A linguagem po-
lítica do liberalismo só tem um conteúdo de significação didática,
ou onde reinam os professores, cuja função é conjugar o presente
e o futuro nos tempos do pretérito. Para as decisões políticas
uma sala de parlamento tem hoje a mesma importância que uma
sala de museu .. , Ora, a máquina democrática não tem nenhuma
relação com o ideal democrático. A máquina democrática pode
produzir e tem, efetivamente, produzido o contrário da democra-
cia ou do ideal democrático. .. O regime político das massas é o
da ditadura .. , Não há hoje um povo que não clame por um Cé-
sar"; 58 d) uma apologia das elites, vistas como agentes da His-
tória: "Uma nação vale o que valem as suas elites"; 59 "As elites
políticas, se querem sobreviver, devem participar das preocupa-
ções quotidianas do povo... Da sua inteligente solução depen-
derá o futuro das nossas instituições políticas, o regime de ordem
e de liberdade. .. Já começam a apontar no horizonte, carregadas
na crista das agitações populares, as novas elites, ainda rescen-
58 O Estado Nacional. cito p. 17, 21, 23, 27, 28, 30, 75, 77, 222.
59 Pela civilização mineira. cito p. 72.
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e no Brasil republicano. .. o clima de benignidade, contrário a
todos os extremos, o equilíbrio, a modéstia. .. o clima jurídico ...
A Constituição (de 1937) atende às realidades do Brasil. Atende
de tal maneira que se diria que, no Brasil, toda vez que se ten··
tava fundar um governo de verdade, as tentativas de governar
vinham sendo feitas nas linhas da atual Constituição"; 65 Campos
definia o Estado Novo em tennos de uma democracia não-liberal:
"É desnecessário insistir em que o Estado brasileiro, sendo de-
mocrático, é também autoritário"; 66 reivindicava um novo con-
ceito de democracia - que deveria ser "substantiva" por oposição
ao sentido liberal de democracia que seria "fonnal"; queria uma
democracia que "articulasse" o País - as regiões, as classes so-
ciais, os grupos e as facções - e não uma democracia "desarti-
culada" como entendia ser a democracia liberal; ambicionava uma
democracia "nacional" e não uma democracia de "separatismo"
e conflituosa, como seria aquela das autonomias regionalistas, dos
partidos políticos, dos debates parlamentares, das greves sindicais
e do egoísmo das associações profissionais deixados ao sabor de
seus próprios interesses particularistas, como entendia que o Es-
tado liberal fazia. Todos estes grupos e interesses seriam retirados
da órbita de uma composição contraditória e individualista onde
o liberalismo os colocara, para serem integrados, segundo sua
concepção autoritária, dentro do Estado e pelo Estado. Campos
pleiteava o Estado corporativo, que deveria, confonne mencio-
nava, ser progressivamente implantado entre nós: "A nova Cons-
tituição (a de 1937) é profundamente democrática. Aliás, a ex-
pressão democrática... não tem um conteúdo definido, ou não
conota valores eternos... A inauguração de uma nova era revo-
lucionária no mundo encontra a sua explicação precisamente no
fato de haverem as instituições democráticas adquirido um cará-
ter exclusivamente fonnal e mecânico, passando a servir, precisa-
mente, fins opostos ao ideal democrático. .. O liberalismo político
e econômico conduz ao comunismo .. , o Estado brasileiro organi-
zará a economia nacional em linhas corporativas." Enquanto a
democracia de partidos seria uma "guerra civil organizada e co-
dificada", o Estado Novo representaria a "estabilidade institucio-
nal", a "harmonia das classes sociais" e a "racionalidade adminis-
trativa".67 O Estado Novo seria um Estado forte, intervencio-
nista: "Para assegurar aos homens o gozo dos novos direitos, o
Estado precisa de exercer de modo efetivo o controle de todas as
65 O Estado nacional. cito p. 36, 68, 71, 73, 221, 228, 230.
66 Id. ibid. p. 8I.
67 Id. ibid. p. 39, 53, 61, 79, 86.
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dendo ao estado de apreensão criado no País pela infiltração co-
munista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda,
exigindo remédios de caráter radical e permanente; atendendo a
que, sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado de
meios normais de presunção e de defesa da paz, da segurança e
do bem-estar do povo ... " As suas principais "linhas de força",
segundo entendemos, poderiam assim ser resumidas: a) preemi-
nência da União Federal sobre os estados e os municípios; b)
preeminência do Poder Executivo sobre os demais poderes do Es-
tado; c) preeminência dos interesses do Estado sobre os interesses
dos indivíduos e das associações intermédias. Esta hierarquia po-
lítica estruturou, juridicamente, a Constituição. O Poder Legis-
lativo nela é exercido simultaneamente por três órgãos: a) o Pre-
sidente da República; b) o Parlamento - Câmara dos Deputados
e Conselho Federal; c) o Conselho da Economia Nacional, en-
carregado de dar uma estrutura corporativa ao nosso sistema eco-
nômico. Todos estes órgãos - o Presidente, o Parlamento e o
Conselho da Economia Nacional - eram constituídos pelo voto
indireto. A prevalência da União sobre os estados-membros e os
municípios é completa. Os prefeitos seriam nomeados pelos Go-
vernadores de Estados e estes pelo Presidente da República. Era,
aliás, a tese sustentada por Campos, como vimos, desde o início
da década de 20, quando deputado na Assembléia mineira. Du-
rante os oito anos de Estado Novo, este foi o regime de fato ado-
tado. O Parlamento era bastante limitado em seus poderes: são
reduzidas sua competência e iniciativa legislativas, suas decisões
são submetidas a prazo, torna-se possível sua dissolução pelo Pre-
sidente da República e reduz-se o quantitativo de deputados. Es-
tes últimos nem mesmo faziam parte do Colégio Eleitoral que
elegia o Presidente da República. A organização da Justiça per-
manecia mais ou menos a mesma da Constituição de 1934, mas
já agora vedava-se ao Poder Judiciário conhecer de questões ex-
clusivamente políticas. Esta era outra tese sustentada por Campos
na década de 20, quando deputado federal. Os direitos e garantias
individuais são limitados na medida dos interesses da ordem po-
lítica e social e estabelecia-se a censura prévia da imprensa. Na
ordem econômica, tentava-se um compromisso entre a iniciativa
privada, que era respeitada em seu "poder de criação, de orga-
nização e de invenção", intervindo o Estado somente onde aquela
fosse deficiente e a organização corporativa da economia, de im-
plantação progressiva. A legislação social e trabalhista é consa-
grada no corpo da Constituição proibindo-se as greves. Previa-
se a nacionalização "progressiva das minas, jazidas minerais e
quedas d'água ou outras fontes de energia, assim como das in-
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tal. I,75 Já anteriormente, no entanto, por volta de 1936, o Go-
verno iniciara os estudos visando à modernização do serviço pú-
blico, confiando-os a uma Comissão, de onde surgiu, efetivamente,
dois anos mais tarde, o Departamento Administrativo do Ser-
viço Público - DASP - ao qual se refere, também, a Constituição
de 1937. Onde realmente a atuação direta de Campos fez-se sen-
tir sobretudo foi na reforma dos códigos e da legislação, se bem
que àquela época o início efetivo, ainda um tanto inexpressivo,
das atividades de planejamento, não contou com a sua participa-
ção. Nada encontramos que comprovasse a presença de Campos
na elaboração do "Plano de reerguimento econômico e de apare-
lhamento material" do País, visando as indústrias do ferro, do aço
e do petróleo, mas confessamos que a nossa pesquisa aí foi bas-
tante ligeira. Parece-nos que o planejamento durante o Estado
Novo ficou afeto ao Ministério da Fazenda e, talvez, às Forças
Armadas. Da mesma forma a legislação social e trabalhista, ini-
ciada entre nós ainda nos anos 10, de forma esporádica, e que
somente viera a merecer um tratamento político e jurídico siste-
matizado com a Revolução de 1930 e durante a década que então
se abria, não teria contado com a participação efetiva de Campos,
tendo aí se notabilizado um outro autor de renome no período,
Oliveira Viana. A Constituição de 1937, como dissemos, incorpora
aquela legislação. Também Campos assinala a sua importância:
"Só o monumento das leis sociaes, que deram composição orga-
nica e coesão nacional aos elementos de produção e de trabalho,
basta para atestar a densidade do seu animo construtivo." 76
(Referia-se ao Estado Novo.) A reforma dos Códigos e da legis-
lação fora, também reivindicação da primeira hora da Revolução
de 30. O decreto n. 19 459, de dezembro daquele ano, subscrito
então pelo próprio Campos, já instituía uma Comissão Legislativa
"para elaborar os projetos de revisão ou reforma da legislação
civil, comercial, penal, processual, da justiça federal" entre ou-
tras atribuições. 77 Citando, sobretudo, como fontes de inspiração
doutrinária, os juristas norte-americanos e italianos (os primeiros
estavam então envolvidos com a experiência intervencionista do
New Deal e os segundos, com o fascismo), Campos promove a
reforma de nossos Códigos, dentro das linhas que sugerimos:
a) ênfase na nova posição e funções do Estado na vida social
moderna como árbitro privilegiado de conflitos intra-sociais, como
regulador da vida econômica e como responsável único pela for-
75 Id. ibid. p. 59.
76 O Estado Nacional. cito p. 36.
77 1931 - Os tenentes no poder. cit. p. 370.
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rápida e barata"; "de uma lado, a nova ordem política reclamava
um instrumento mais popular e mais eficiente para distribuição
da justiça; de outro, a própria ciência do processo, modernizada
em inúmeros países pela legislação e pela doutrina, exigia que se
atualizasse o confuso e obsoleto corpo de normas que, variando
de Estado para Estado, regia a aplicação da lei entre nós". 85
96 R.C.P. 1/74
protegidos pelo Estado ... Na ordem econômica, a liberdade con-
tratual precisa harmonizar-se com o princípio da solidariedade
social, com a proteção devida ao trabalhador, com os interesses da
economia popular, com a preocupação de reprimir a usura ...
Urge abolir semelhante critério de primado do interesse do in-
divíduo sobre o da tutela social." 93 Sobre a nova Lei do Júri,
assim se definia: "Privado de sua antiga soberania, que redun-
dava, na prática, numa sistemática e alarmante indulgência para
com os réus, o júri está, agora, integrado na consciência de suas
graves responsabilidades e reabilitado na confiança geral." 94 A
legislação econômica visava sobretudo o combate e a repressão à
usura, assim como aos chamados crimes contra a economia po-
pular (retenção e "atravessamento" de gêneros de primeira ne-
cessidade); 95 "A economia, de campo interdito à ação do Estado, e
entregue ao livre jogo da iniciativa privada e ao fluxo e refluxo da
oferta e da procura, passou a ser um terreno em que o Estado atua,
efetivamente, como propulsor, e, principalmente, regulador dos in-
teresses e das influências individuais." 96 O capitalismo era esti-
tnulado: "É necessário dar, aos capitais brasileiros, facilidades pa-
ra mobilizar-se com segurança, principalmente aplicar-se às in-
dústrias nacionais que a Constituição lhes reserva." 97 O naciona-
lismo econômico é enfatizado, ao tratar do Código de Aguas e Mi-
nas: "Nós conhecemos o número e a força dos interesses que se
movimentam em torno das riquezas nacionais e que nos cumpre re-
duzir aos seus limites legítimos se quisermos continuar como donos
desta terra." 98 E quanto ao petróleo: "O abastecimento do combus-
tível ... não podia continuar à mercê das competições e dos acordos
privados, que não tinham outro fim senão auferir o maior lucro
no menor tempo possível .. , Por outro lado, as pesquisas do com-
bustível nacional .. , estavam sendo inexplicavelmente prejudica~
das. "99 A Lei de Fronteiras merecia a seguinte justificativa:
" . .. no Brasil é preciso criar o que poderemos chamar de cons-
ciência da fronteira, isto é, fazer com que a fronteira deixe de
constituir somente um traço no mapa, para ser um sentimento,
alguma coisa de orgânico e inseparável da Nação. É preciso po-
voar a fronteira, impregná.la de brasilidade, vigiá.la ... " 100
93 Id. ido p.
128, 166.
94 Id. ido p.
130.
95 Id. ido p.
126, 127.
96 Id. ido p.
83.
97 Id. ido p.
156.
98 O Estado N acion.a.l. cito p. 140.
99 Id. ido p. 141.
100 Id. ido p. 121.
19. Campos, por volta de 1936, dissera: "O Brasil está exigindo,
no clima aquecido pela passagem do bólide moral das revoluções,
uma redefinição em termos de cultura, de vontade, de governo
e de justiça."IOI Alguns anos depois, já durante o Estado Novo,
afirmava que este teria "construído um Estado", suscitado no
país "uma consciência nacional". Teria unificado "uma Nação
dividida", colocado um ponto final "às lutas econômicas" e "im-
posto silêncio à querela dos partidos, empenhados em quebrar a
unidade do Estado e, por conseguinte, a unidade do povo e da
Nação." 102
98 R.C.P. 1174
20. Terceira Fase - 1945/1968: - afastando-se do Governo
ainda durante o Estado Novo, em 1942, é nomeado representante
do Brasil na Comissão Jurídica Internacional, onde permanece
até 1955. Em março de 1945, em entrevista concedida a O Jornal,
rompe com o Estado Novo, acusa Vargas de ter transformado o
regime em uma ditadura pessoal arbitrária, a exemplo das dita-
duras caudilhescas sul-americanas. Daí para a frente praticamente
se retira da vida política brasileira, retomando sua cátedra de
professor, suas atividades de advogado e jurista e também de fa-
zendeiro em Minas Gerais. Nesta terceira fase surge o volume
de Direito Constitucional, lI, inúmeros outros de Direito (coletâ-
neas de Pareceres), o discurso pronunciado em Ouro Preto nas
comemorações de Tiradentes, em 1953, sob o título de Problemas
cruciais da economia brasileira, a sua conferência Atualidade de
Dom Quixote, de 1949, e sua entrevista ao Correio da Manhã
de agosto de 1962, criticando as reformas de base do Governo João
Goulart, sua entrevista a O Globo, também em 1962, onde se ma-
nifesta sobre a expulsão de Cuba da Organização dos Estados
Americanos e finalmente seu último Parecer, de setembro de
1968, sobre O direito de propriedade e sua garantia em face da
Constituição. Foi também co-autor do Ato Institucional n. 1,
de abril de 1964, o que caracteriza toda a sua produção nesta ter-
ceira fase, na qual não nos deteremos, pelo fato de ultrapassar
o período histórico sob estudo, é a sua visível orientação neolibe-
ral ao lado de seu permanente e tradicional anticomunismo. Dizia,
em 1953: " ... não me refiro a entendimentos e conchavos polí-
ticos, ou à extinção das condições essenciais a uma vida pública
decente, que só poderá manter-se em uma atmosfera de choques
e de controvérsias políticas, por ser da natureza da opinião pú-
blica o de não ser monolítica ou maciça, mas de se compor da
variedade, da diversidade e da multiplicidade das correntes de
opiniões individuais, de grupos e de partidos ... Esta é uma con-
dição essencial ao funcionamento do regime democrático." 103 E
também: "Não se concebe regime democrático ou representativo
em que não haja liberdade de opinião. A liberdade de opinião é
da substância do regime democrático... A liberdade de opinião
não é apenas um conceito político. É um conceito de civilização e
de cultura. Todo o edifício do mundo moderno repousa sobre
este fundamento." 104 Tanto sua produção jurídica quanto seus
textos políticos desta fase enfatizam favoravelmente o liberalismo
Bibliografia