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Os anos 90 foram marcados por esse intenso e ácido debate em torno dos pressupostos
psiquiátricos tradicionais e dos diferentes modelos de tratamento, da rede alternativa de
serviços e do abolicionismo manicomial.
Paulo Amarante [7] persiste que o debate acabou repercutindo positivamente na opinião
pública. Leis do mesmo tipo foram aprovadas em diversos estados e experiências de
desmontagem de estruturas manicomiais passaram a ser implantadas em todo o país. A
transformação do modelo virou prática política e social antes mesmo de virar lei, a
despeito do fato de muitas das experiências não vingarem no Brasil. A reforma
psiquiátrica veio a reboque das práticas inovadoras que a anteciparam.
Os questionamentos eram vários nessa nova logística em saúde mental que agora
despontava. Os desafios eram complexos e, de certa forma, nesse novo paradigma,
desconhecidos. Pertinentes e ainda atuais, diante do eterno devir das sociedades
complexas, as dúvidas seguem sem respostas fixas: Qual é a melhor saída para a rede
pública de saúde mental no Brasil? Que papel devem ter os hospitais psiquiátricos? São
necessários? Como atender adequadamente aos pacientes mais graves? Como lidar, no
Estado Democrático de Direito, com o tratamento involuntário? [8]
Antes de empreender esforços absurdos para responder tais questões e encontrar saídas
definitivas e satisfatórias que dê conta do mecanismo, vale destacar que a reforma, antes
de qualquer análise, garantiu o “direito de existir” dos pacientes, colocando em pauta as
questões relacionadas aos sujeitos invisíveis submetidos aos tratamentos psiquiátricos
asilares (e excludentes) tradicionais. Instituir a lei (apesar de não ser o suficiente nessa
busca desinstitucionalizadora) foi um ganho significativo nesse embate crítico (e de
certa forma abolicionista). É, portanto, a conquista do “direito de negar” as instituições
violentas, como pregava Basaglia.
O movimento pela reforma psiquiátrica no Brasil foi, por isso, um dos movimentos
contra a dominação política mais longos, inventivos e bem estruturados de nossa
história. Expressou-se na capacidade coletiva de inserir, no seio de um contexto social –
mesmo o constituído por palavras de ordem, iniquidades, violência explícita – o
pressuposto de qualquer discurso prepositivo: a refutação. Foi assim que, lentamente, a
luta contra o modo ‘manicomial’ de tratar a loucura se transformou também em uma
prática contra-discursiva no seio daquilo que por definição não permite diálogo [9].
Há que se observar, sempre em destaque, que a luta que se desenvolve é contra uma
lógica hospitalocêntrica inocuizadora, na busca contínua da responsabilidade/autonomia
e valorização dos sujeitos, como também, da superação do aparato manicomial para
que, de uma forma equivocada, não se transforme numa mera humanização e
autorreprodução desse sistema, anulando os atores enquanto sujeitos de direitos e de
transformação. E mais, a reforma brasileira, assim como a italiana, precisa ser vista e
compreendida como um derivado do processo de desinstitucionalização, ainda que não
atingido plenamente em seu campo prático. Isso porque, no momento em que profere o
objetivo da superação asilar, já confirma e alarga a ação desinstitucionalizadora.
Em tempos políticos e sociais sombrios, inclusive para a saúde mental brasileira [12], é
muito importante que continue havendo um intenso trabalho sociocultural,
administrativo e político para articular a sociedade a essa bandeira, concedendo
autonomia aos poderes municipais através da participação popular, na tentativa de
fortalecer as engenharias locais de serviços e redes assistenciais [13]. Assim será
possível, talvez, reacender a temática e continuar na luta para que não haja mais
retrocessos e para que, minimamente, seja possível executar o que determina a Lei
Antimanicomial evitando, assim, que esta não caia em letra morta no ordenamento
jurídico brasileiro.
A conjuntura presente, que intensifica o risco das conquistas duramente obtidas, exige um
posicionamento que reafirme e radicalize nossos horizontes. É preciso sustentar que uma
sociedade
para todos e cada um; que a vida é o valor fundamental; que a sociedade sem manicômios é
uma
arranjos e experiências, que gritam com voz forte a potência deste cuidado. Combatemos a
cada dia
viver. Gravamos, em corpos e mentes, a certeza de que toda a vida vale a pena, a ser vivida em
sua
Romper com a cultura manicomial e com todas as formas de opressão social, para construir
possibilidades de convívio com as diferenças é essencial em uma sociedade democrática que
preza pelos Direitos Humanos.
Porém 30 anos depois de Bauru, que temos diante de nós agora? Temos um duro combate a
travar, não apenas em defesa da reforma psiquiátrica, mas da liberdade e da democracia. A
luta agora é contra a coalizão neoliberal e fascista que tomou o poder em nosso país, e pratica
um desmantelamento dos importantes avanços das políticas de bem-estar social. Faz isso sob
a proteção de um estado de exceção, que criminaliza a política, os movimentos sociais e
sindicatos, e adota práticas de intimidação que lembram o terrorismo de estado. A crise social
e a iniquidade se aprofundam. Tecnocratas sinistros são colocados à frente dos programas
sociais, para destruir o SUS, o SUAS, a renda do trabalho, a CLT, o emprego, a soberania
nacional. Na saúde mental, congelam a habilitação de novos CAPS, transferem recursos para
os hospitais psiquiátricos e para comunidades terapêuticas, desrespeitam e tentam
desmantelar uma política pública, de saúde mental, construída coletivamente, sustentada por
lei e aprovada por 3 conferências nacionais.
É ilusório pensar que a estratégia de resistência da reforma psiquiátrica pode ficar restrita ao
plano da gestão. A luta é contra o golpe de estado de 2016.
Nosso movimento é muito forte, tem uma imensa base social. Vamos mostrar nossa
capacidade de resistência, nos articulando com uma ampla frente progressista em defesa da
sociedade sem manicômios, da liberdade, da democracia, e contra todas as formas de
fascismo.
1 - Penso que todo sujeito humano é um sujeito de desejo e de direitos. É preciso que a
sociedade se organize para acolher e incluir a todos em sua singularidade. Independente da
estrutura de discurso que cada um conseguiu organizar e utiliza para construir seus laços
sociais. Somos únicos, diferentes, é preciso então respeitar essa diversidade.
3 - Portanto como disse acima, esses avanços de 30 anos de luta, com práticas até então
implementadas com os CAPS e RAPS, uma semana depois encontra um retrocesso com a
chamada reforma psiquiátrica.
O que acontece é a dificuldade de ouvir o sujeito que não fala o nosso discurso. Portanto o
retrocesso é preocupante e a desconsideração da subjetividade do portador da doença mental
e maior ainda.