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PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2000, 20 (1), 30-39

Inclusões e Inclusões:
a Inclusão Simbólica
Muitos são os desafios encontrados na tarefa de proporcionar uma oportunida-
de de escolarização a crianças com problemas de desenvolvimento. O termo
Educação Especial é utilizado hoje de maneira ambígua e contraditória. Uma
“inclusão simbólica” configura-se como uma possibilidade real de inclusão, ao
contrário das tentativas atuais de “inclusão física” (ou convívio obrigado) realiza-
da em muitas escolas.

Luiz Fernando Ultimamente, muito se tem falado a respeito educação especial) permite a inclusão social,
Belmonte Mena de inclusão/exclusão social. Desde a exclusão possibilitando um acompanhamento diferen-
de diferentes grupos étnicos, raciais, religio- ciado às pessoas que tenham necessidades
Estudante do sos, à exclusão dos pobres e miseráveis; a especiais, um ritmo diferente para aprender,
5o ano do curso de adequando-se às suas capacidades, conheci-
Psicologia do exclusão das mulheres dos processos produti-
Instituto de vos e dos cargos de poder, a exclusão do tra- mentos e aptidões? Ou pelo contrário, a cria-
Psicologia da balhador dos processos de trabalho, nas soci- ção de espaços protegidos só contribui para
Universidade edades capitalistas; e a tão falada exclusão das aumentar a discriminação e o preconceito,
de São Paulo (USP). excluindo do convívio social as pessoas que
minorias. Traço aqui um recorte, buscando
contribuir para a discussão de um tipo especí- são diferentes, limitando-as em um espaço
fico de exclusão: a das pessoas com deficiên- “protegido”, longe dos olhos da sociedade?
cia e/ou doença mental, analisando também
as alternativas que pretendem a sua inclusão: A Exclusão em Outros Lugares
a “educação especial”, e mais especificamen-
te, a importância das Oficinas Abrigadas de O termo “exclusão” é hoje objeto de estudo
Trabalho. Ou seja, a questão da necessidade de diferentes Ciências, e busca dar conta de
ou não de uma educação especial, de um tra- diferentes fenômenos do mundo. A biologia
balho especial, de uma atenção especial. de Darwin, ao explicar através da seleção na-
tural o processo pelo qual os seres mais evo-
30 A questão fundamental desta discussão é con- luídos, mais fortes, mais capazes, mais de-
troversa: a criação de oficinas abrigadas (ou senvolvidos, sobrevivem em relação aos mais
Inclusões e Inclusões:a Inclusão Simbólica

fracos ou menos evoluídos, legitima (em al- e depravados teriam um certo tipo de rosto,
guns setores) a exclusão social como tendo um determinado formato de nariz, um tama-
origem em processos biológicos, naturalizan- nho de cérebro específico, determinando,
do suas causas. Desse modo, pouco o homem assim, as pessoas que teriam tendência à
teria como escolha, frente ao determinismo criminalidade e à depravação, tão somente
da natureza. pelas suas características físicas.

Na Antiguidade, eram comuns atos “seleti- Diferentemente da visão naturalista da exclu-


vos”. Mostra-nos Amaral (1995) que, no iní- são, Crochik (1997) aponta para os aspectos
cio da era cristã, Sêneca (4-65 d.C.) justifica o culturais e busca neles uma releitura da sele-
infanticídio argumentando: ção natural de Darwin. Diz ele que a seleção
natural que a biologia propõe, muitas vezes
“...nós sufocamos os pequenos monstros; nós para naturalizar a exclusão, não pode mais ser
afogamos até mesmo as crianças quando nas- aplicada da mesma maneira. Atualmente, diz
cem defeituosas e anormais: não é a cólera e ele, “a cultura ocidental tenta romper a lei da
sim a razão que nos convida a separar os ele- natureza de seleção dos mais aptos, porque
mentos sãos dos indivíduos nocivos.”(p.46) há o reconhecimento de que a tarefa de
adaptação é coletiva, e porque há o reco-
Na Grécia Antiga, as pessoas deficientes/dife- nhecimento da impossibilidade da auto-sus-
rentes/desviantes tinham, conforme o mo- tentação individual desvinculada da cultura”.
mento histórico, seu destino selado com a Discute, assim, a importância da convivência
morte, ou simplesmente eram abandonadas. com pessoas diferentes/desviantes/deficientes,
Citando Fustel de Coulanges (1957), Amaral onde o trabalho de um mostra a incapacidade
nos conta que o estado greco-romano tinha o e a fragilidade do outro, e a possibilidade de
direito de não permitir cidadãos disformes ou somar esforços perante um bem comum di-
monstruosos, e ordenava ao pai que matasse minui a competição, possibilitando o desen-
o filho que nascesse nessas condições.(1995, volvimento da civilização.
p.43)
Ao analisar a formação cultural e suas contra-
Platão escreve, em seu Livro III da “Repúbli- dições, Crochik busca os elementos objetivos
ca”: e subjetivos que permitem a segregação.
Mostra-nos ele que a questão da diferença
“(A Medicina e a Jurisprudência) cuidarão ape- (“Eu sou diferente dele”), como base da se-
nas dos cidadãos bem formados de corpo e gregação, não é necessariamente fruto de
alma, deixando morrer os que forem corpo- preconceito. Ela estaria na essência da huma-
ralmente defeituosos (...) é o melhor tanto nidade, ou na gênese do processo de
para esses desgraçados como para a cidade humanização. É ela que permite a diferencia-
em que vivem.”1 ção entre as experiências, e a elaboração da
subjetividade, na distinção entre dentro e fora,
A exclusão social ocorreu desde tempos Eu e não-Eu. “A diferença”, diz ele, “é o que
imemoriais, não só no caso de deformidades permite a elaboração do conceito”.
físicas ou mentais. Dependendo do momen-
to histórico e da sociedade em questão, ocor- Por outro lado, a negação da diferença (“Eu
reu também através da (des)valorização de sou igual à ele”) não permite a superação do
atributos, características e comportamentos, preconceito, mas pelo contrário, o exacerba,
como a língua, o credo, a escolha sexual, onde na medida em que o mascara. Apesar de o
muitas vezes essas características eram dadas mandamento politicamente correto dizer que
como biologicamente determinadas. Como somos todos iguais, a dura realidade é que 1- in Amaral (1995), p. 44.
exemplo, cito as idéias de Lombroso2, cuja não somos todos iguais. Somos diferentes, e 2-in Alexander & Selesnick
teoria de que os criminosos representam um merecemos respeito. Ser diferente - livre de (1968), p.221.
fenômeno biológico degenerado foi muito di- qualquer qualificação, se melhor ou pior, mas
fundida no final do século passado, contribu- ser diferente e só - e assumir a diferença é o
indo para o crescimento do chamado racismo primeiro passo para acabarmos com o precon- 31
científico. De acordo com ele, os criminosos ceito. Diz Crochik:
Luiz Fernando Belmonte Mena

“ Isso não quer dizer (...) que o conceito na atenta para o fato de que devemos observar
ciência predisponha ao preconceito, quando suas capacidades e deficiências, sem o que
ao contrário ele é, ao se relacionar efetiva- não poderemos ajudá-lo de uma maneira real.
mente com o objeto e não com sua deturpa- Vale salientar que as pessoas que são regidas
ção, um antídoto àquele.”(1997, p.13) por esses tipos de conduta agem na melhor
das intenções. São levadas por sentimentos
Porque Não Diferenciar? de assistencialismo, paternalismo, por uma
necessidade imensa de ajudar as pessoas.
A negação da diferença pode ser entendida Pensam que acabando com as diferenças,
como uma estratégia utilizada para a manu- evitarão o preconceito.
tenção do equilíbrio intrapsíquico, através da
eliminação da fonte de insegurança, perigo, Amaral4 conta de um dia em que ela chegava
tensão ou ansiedade. Diz-nos Freud (1919) que à Faculdade de Psicologia na qual é docente.
a experiência de estranheza só ocorre a al- Chovia muito, e ao estacionar o carro na vaga
guém quando há algo de semelhante nele, destinada à pessoas com deficiência - ela tem
mas deslocado de alguma maneira. O estra- uma deficiência numa das pernas - vaga que
nho só pode ser experienciado quando ele se está, pelas razões óbvias, posicionada estrate-
diferencia de algo que é familiar. Algumas gicamente bem em frente à entrada do pré-
vezes, esse estranhamento pode causar uma dio, percebeu que a vaga havia sido ocupada
ameaça ao “bem estar” psíquico e social, pela por uma colega (que não tinha nenhuma defi-
ameaça de mudança que acarreta: mudança ciência física). Parou então em outra vaga. Mais
do que pensamos, do que acreditamos, do tarde, ao encontrar essa colega, reclamou de
que somos. E mais: mudança das leis que con- sua atitude, no que esta respondeu: “Porque
trolam e regem as sociedades, dos padrões é que só você pode ter esse privilégio? Você
culturais, dos paradigmas. é uma pessoa como todas as outras.” Queria
dizer com isso: Eu não te diferencio, não te
Amaral (1995)3 analisa possíveis formas de re- discrimino. Nessa atitude, até bem intencio-
ação a situações de enfrentamento do dife- nada, tentava acabar com o preconceito. De
rente ameaçador. Porém, examinemos somen- maneira inversa, anulando as diferenças entre
te uma delas, de especial importância para a elas, mostrava sua dificuldade em lidar com o
presente discussão. A negação da diferença sentimento e a sensação que a deficiência da
pode ser expressa na atenuação, na compen- colega proporcionava nela, e que dessa ma-
sação, e na simulação. A atenuação é obser- neira, a impedia de um real auxílio à amiga.
vada em comportamentos que podem ser tra-
duzidos pelas seguintes frases: “Não é tão gra- A Educação Especial
ve assim; poderia ser pior”. Dessa forma, pro-
cura não entrar efetivamente em contato com A questão da educação especial tem sido
o outro, e com o sentimento que envolve esse muito discutida atualmente, mas a questão
contato: pena, asco etc. A compensação tra- não é recente. Num primeiro momento, quan-
duz-se em frases do tipo: “É deficiente físico do de sua concepção e implementação, era
mas é tão inteligente; é autista mas memori- aclamada como a salvação para as crianças que
za melhor que uma pessoa normal”. A con- não conseguiam - ou não podiam - acompa-
junção adversativa mas serve para atenuar a nhar uma classe normal. Nos últimos anos, a
primeira afirmação, compensando-a pela se- opinião dos psicólogos e educadores tem
gunda. De outro modo, poderíamos dizer a mudado, coincidindo com as publicações e
mesma frase, colocando um e no lugar do artigos que condenam a educação especial,
mas: Ele é deficiente físico e muito inteligen- com o principal argumento de que ela é uma
te. “prática segregacionista”.
3- p.113-117.

4- Comunicação pessoal. A terceira forma, a simulação, é expressa pe- O termo Educação Especial define, por um
las seguintes afirmações: “É cega, mas é como lado, práticas educativas para crianças e ado-
se não fosse; é deficiente mental, mas é como lescentes que precisam de um atendimento,
32 se fosse normal.” Não é. Isso não significa metodologia, atenção e instrumentos especí-
que não tenha nenhum valor, mas somente ficos que se adequem às suas necessidades
Inclusões e Inclusões:a Inclusão Simbólica

especiais: deficiência auditiva, física, mental, Há que se fazer uma primeira distinção. Se-
visual, ou doença mental. Desse modo, é uma gundo Bissoli Neto (1997), num levantamen-
conquista da sociedade, na medida em que to junto a professores de educação especial
atende à pessoas que não conseguem usu- da rede pública, feito em 1995, 20.616 alu-
fruir dos processos regulares de ensino, sensi- nos estavam matriculados no ensino especial,
bilizando-se e adaptando-se às diferentes ne- dos quais 15.356 (quase 75%), estavam fre-
cessidades individuais. Por outro lado, o ter- quentando classes especiais para alunos com
mo Educação Especial é também entendido deficiência mental. Consta do levantamento
como uma prática segregacionista, pela ma- que 90% desses alunos possuíam avaliação
neira como se desenvolveu ao longo dos anos, diagnóstica, e 10% não tinham nenhuma ava-
servindo para legitimar a discriminação e o liação. Desses 90%, temos:
despreparo das instituições de ensino para li-
dar com as chamadas “crianças-problema”,
separando-as das outras crianças. Utiliza-se,
para essa separação, de instrumentos “cienti-
ficamente validados”: as avaliações psico-
diagnósticas, feitas pelos psicólogos para en-
caminhar a criança para uma ou outra classe,
ou muitas vezes pedidas pela escola para le-
gitimar a separação já feita pela professora.
Segundo Bueno (1993), “a educação especial A negação da
tem cumprido esse duplo papel na socieda- diferença pode ser
de: de democratização do ensino, e de legi- entendida como
timação da ação seletiva da escola regu- uma estratégia
lar.”(p.57) utilizada para a
manutenção do
Para discutir a validação, a importância e a equilíbrio
eficácia da educação especial, devemos atentar intrapsíquico,
para as várias formas nas quais esta se desen- através da elimina-
volveu, e que coexistem atualmente: ção da fonte de
insegurança,
1) escolas especiais, especializadas para aten- perigo, tensão ou
der crianças com deficiência física e/ou men- ansiedade.
tal, distúrbios do desenvolvimento, ou com
dificuldades de aprendizagem;
l a maioria dos alunos foi encaminhada com
o diagnóstico de “educáveis”;
2) escolas convencionais, públicas e privadas,
l outros com problemas de aprendizagem;
que implantaram o sistema de “classe especi-
l outros foram diagnosticados como
al”, espaço criado para os alunos que apre-
sentam dificuldade em acompanhar uma clas- limítrofes;
se regular. l outros foram encaminhados por apresenta-
rem problemas emocionais;
3) escolas convencionais, que na ânsia de re- l outras situações foram encontradas nos en-
solver as críticas a respeito da discriminação caminhamentos para a classe para deficientes
(feita pelas outras crianças e pelos professo- mentais: alunos classificados com autismo;
res) que uma “classe especial” produz dentro com deficiência auditiva, visual, física; proble-
de uma escola, inserem essas crianças em mas de fala e/ou visão; imaturidade/lentidão;
classes regulares, onde convivem com crian- problemas familiares; problemas de
ças sem deficiência, com o método regular agressividade e/ou comportamento; e outros
de ensino. São acompanhadas, algumas ve- problemas, como gagueira e defasagem de
zes, por um atendente ou psicólogo (às vezes idade.
uma outra professora), dentro da classe, pro-
curando formas de favorecer tanto a Observam-se, assim, dados imprecisos de ava- 33
integração social quanto o aprendizado. liação e diagnóstico, além de erros grosseiros
Luiz Fernando Belmonte Mena

que denunciam a falta de critérios rigorosos cias diferentes. Por um lado, ela está servin-
para tal avaliação. Em um texto sobre as clas- do para legitimar uma prática discriminatória
ses especiais, Machado, Souza e Sayão (1997) e segregacionista, atendendo às crianças que
mostram os “graves equívocos no processo de “não deveriam estar ali” (crianças que foram,
avaliação psicológica, quer em função de con- por exemplo, diagnosticadas erroneamente).
siderar que a base do problema escolar é de Por outro lado, existem crianças que realmen-
caráter estritamente emocional, familiar e te têm deficiência mental e/ou doença men-
cognitivo, quer em função dos instrumentos tal, sérios comprometimentos cognitivos e/ou
utilizados tradicionalmente pelos psicólogos emocionais, ou os chamados “distúrbios glo-
para sua realização, limitados no que se refe- bais do desenvolvimento”5. O ponto, então,
re à avaliação do potencial de aprendizagem que se deve colocar - e que vem sendo es-
escolar.”(p.72) Mostram ainda que tais lau- quecido - é que a educação especial pode ser
dos psicológicos consideram a priori que a boa e pode ser ruim, depende de para quem
queixa escolar é fruto de um problema da cri- e para quê.
ança e de suas relações familiares, não levan-
do em conta a escola (que escola é essa, que Os profissionais que trabalham nas escolas
diretora e professora são essas, que concep- especializadas, nas oficinas abrigadas e nas
ções têm acerca dessa criança e de suas atitu- clínicas psicológicas, sabem que existem cri-
anças que não têm os recursos mínimos ne-
cessários de subjetivação, constituição do Eu,
ou desenvolvimento cognitivo, que lhes per-
mita acompanhar uma classe normal, ou sim-
plesmente relacionar-se com uma classe nor-
mal, e possam beneficiar-se dessa relação.
Talvez o nosso desejo fosse realmente o de
que a escola e o mercado de trabalho (a soci-
edade em geral) pudessem realmente acolher
a diferença, para que todas as pessoas pudes-
sem viver juntas, integradas. O fato é que uma
mudança desse nível exigiria, antes de mais
nada, uma mudança na forma como a socie-
dade está estruturada atualmente, como pen-
sa a diferença, e como lida com ela. Como
diz Schwartzman (1997), “nós e nossas crian-
ças teríamos que passar a ver os diferentes,
os deficientes e os não capazes como muito
des), e não levando em conta as questões mais semelhantes a nós do que nos parece
sócio-econômicas que atravessam as relações atualmente”(p.65). E não negando as diferen-
da criança com a escola - e da escola com a ças, sendo simplesmente pessoas.
criança - e da criança com o ensino. Dessa
maneira, denunciam que, muitas vezes, o pro- Mas temos um problema prático: a sociedade
blema não está na criança, mas no próprio não tem, hoje, capacidade de uma integração
sistema educacional. dessa natureza. O que se vê atualmente é a
errônea denominação de “integração” à
Segundo Bissoli Neto, aproximadamente 55% colocação de crianças seriamente comprome-
dos alunos que freqüentam as classes especi- tidas em classes normais, onde não há ne-
ais para deficientes mentais não são clientela nhuma condição pedagógica, educacional e
da educação especial. terapêutica para que ela aprenda algo, ou para
que ela se integre com seus colegas. Muitas
5- Classificação do DSM-IV.
Nesse sentido, devemos diferenciar, para que vezes, realiza tarefas diferentes das propostas
possamos entender do que falamos e assim, aos demais alunos, orientada ou ajudada por
contribuir de algum modo para a discussão: a um atendente particular, o que também con-
34 educação especial existe e está a serviço tribui para aumentar a sensação de estranhe-
de duas populações, com duas conseqüên- za dos outros.
Inclusões e Inclusões:a Inclusão Simbólica

Colocar junto não significa integrar. Pelo das vezes, os dois propósitos: além de não
contrário, parece mais uma “integração selva- contribuir para a aprendizagem, pois não cons-
gem”, onde a criança está somente no mes- titui espaço e método propícios, também não
mo espaço físico, mas com outra professora, possibilita a integração social, pois não basta
e realizando outras tarefas. Nos mostra estarem juntas para integrarem-se. (Existem
Schwartzman (1997) que pretender que in- alguns trabalhos sendo desenvolvidos nessa
divíduos seriamente comprometidos possam direção, com uma “colocação acompanhada”
se beneficiar de um programa, método e ma- do aluno com deficiência ou doença mental
terial formulado para atender a crianças nor- dentro de classes regulares, produzindo resul-
mais é deixar de levar em consideração que a tados positivos, como é o caso do Grupo Pon-
diferença entre ambos é mais do que quan- te, da Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida,
titativa. Desconsiderar essa diferença pode na USP. Contudo, vale ressaltar que tal inser-
contribuir, por um lado, para aumentar o pre- ção nem sempre recebe tal respaldo técnico,
conceito e a discriminação, através dos me- um trabalho de acompanhamento feito junto
canismos que já vimos anteriormente, não per- com a criança, com a família, com os profes-
mitindo que a diferença seja dita, e não per- sores, e com a direção da escola. Essa colo-
mitindo que os profissionais - psicólogos, pro- cação, na maioria das vezes, é descuidada,
fessores, educadores - lidem com os senti- ou desacompanhada, e somente agrava o pro-
mentos que tais crianças provocam neles. Mis- blema.)
turando-as, tenta-se diminuir a angústia. Por
outro lado, não permitimos uma chance ver- Educação Terapêutica
dadeira para que estas crianças possam ter
suas capacidades desenvolvidas, através de Kupfer (1997) traça um histórico das propos- ... através da
programas específicos que respeitem suas di- tas de educação da criança psicótica, desde divisão das classes
ferenças. Não permitimos que a criança cres- os primeiros registros, que datam de 1800, em normais e
ça, do seu jeito, sem que permaneça eterna- para chegar nas atuais propostas de atendi- especiais, a escola
mente na sombra das outras. (A legislação atual mento. Diz ela que a primeira tentativa de já pré-instala uma
tenta, também, sanar o problema, determi- tratamento de uma criança psicótica foi separação imagi-
nando que tantos % das vagas oferecidas anu- educativa, realizada pelo médico Jean Itard nária, através da
almente pelas escolas sejam obrigatoriamen- com o pequeno Victor, uma criança encontra- classificação: “esta
te ocupadas por crianças com distúrbios do da nos bosques da França. Este primeiro trata- é a classe dos
desenvolvimento. Segundo Schwartzman, ape- mento educativo foi uma tentativa de tratar o normais, essa é a
sar de bem intencionada, esta medida visa menino ensinando-o a humanizar-se. Apesar classe dos outros”.
uma “solução fácil e ilusória para o problema deste início ter sido um fracasso, segundo o
da educação especial”.) próprio Itard, ele inaugurou uma nova manei-
ra de pensar e tratar a psicose: supondo uma
Da mesma maneira, a criação das classes es- humanidade em Victor, ou em outras pala-
peciais também não resolve o problema. Atra- vras, supondo um sujeito, que poderia vir a
vés da separação do espaço físico, através da dizer-se.
divisão das classes em normais e especiais, a
escola já pré-instala uma separação imaginá- Essa é a aposta da Educação Terapêutica, que
ria, através da classificação: “esta é a classe nasceu em Bonneuil com Maud Mannoni e
dos normais, essa é a classe dos outros”. continua em outras instituições, onde trata-
mento e educação nascem juntos como uma
Se a criação das classes especiais tenta resol- forma de atendimento a crianças com distúr-
ver, por um lado, o aspecto da facilitação da bios do desenvolvimento. Bonneuil está atra-
aprendizagem, através da aplicação de um vessada por um eixo teórico psicanalítico, e
método e material específico para as crian- segundo a própria Mannoni, de uma forma
ças, além de um profissional habilitado (con- paradoxal: “O paradoxo de Bonneuil é que
dições que nem sempre são respeitadas), ela não se pratica aí a Psicanálise, mas tudo o que 6 - in Kupfer (1997), p.56.
falha, por outro, ao promover a separação, a se faz aí baseia-se rigorosamente na psicanáli-
rotulação, a discriminação e a segregação. Na se, à qual não se recorre como técnica de
outra alternativa, onde as crianças são coloca- ajustamento mas, outrossim, como subversão 35
das numa classe normal, falham, na maioria de um saber e de uma praxis.”6
Luiz Fernando Belmonte Mena

Essa linha de tratamento é oposta à “apologia ficiência e/ou doença mental, como uma pos-
do adestramento” hoje praticada na maioria sibilidade de desenvolvimento bio-psico-soci-
das instituições para autistas, psicóticos e de- al, através de sua inserção no mundo do tra-
ficientes mentais, onde o importante é ensiná- balho. Realizam aí diferentes atividade
los a atravessar a rua, fechar os botões e ir ao artesanais, na maioria das vezes sem fins lu-
banheiro, sem perturbar os adultos. Mostra crativos, além de outras atividades pedagógi-
Kupfer que a diferença em tratar uma criança co-terapêuticas, como música, educação físi-
como adestrável, diferente de supôr um su- ca etc.
jeito onde ainda existe somente uma marca,
é que o psicótico “até pode eventualmente Através de um estudo realizado sob a supervi-
aprender algumas palavras, já que elas têm são de Fábio de Oliveira, do CPAT-USP (Cen-
valor instrumental, mas não tem à disposição tro de Psicologia Aplicada ao Trabalho), foi feita
significantes que o representem, com os quais uma análise institucional de uma Oficina
possa se dizer, e fazer surgir o sujeito.”(p.59). Abrigada, a Alternativa, procurando entender
Mais uma vez, a questão é ter em mente o qual era o papel e a importância do significante
que se pretende: de um lado temos a apolo- trabalho para as pessoas com deficiência e/ou
gia do adestramento, um tratamento que em doença mental. Este estudo tomou outras pro-
seu fim último visa a sociedade, seu confor- porções, na medida em que foram aparecen-
to, bem-estar e o mínimo de incômodo. De do questões que permeavam o funcionamen-
outro, uma prática que visa o bem-estar do to da instituição, de seus objetivos implícitos
psicótico, com o objetivo de tirá-lo do gozo aos imaginários, no tratamento dos distúrbios
mortificador em que está mergulhado, ajudá- do desenvolvimento. Assim, passamos a pro-
lo a nomear esse gozo, e assim, posicionar-se curar o sentido do trabalho para a instituição,
na cadeia simbólica. Uma Educação Terapêu- e como esse significante institucional contor-
tica, que mais que as palavras, preocupa-se na o significado do trabalho para as pessoas
com a articulação entre palavra e significante, que lá trabalham.
entre palavra e emergência do sujeito.
Procuramos no estatuto da entidade as dire-
O Trabalho trizes que regem o funcionamento da Ofici-
na. A principal dúvida era saber se a Oficina
As Oficinas Abrigadas de Trabalho inserem- tinha como meta a profissionalização dos
se, ao meu ver, também sob o termo Educa- artesãos, e se assim fosse ela serviria como
ção Especial. Elas foram criadas como uma al- um meio para possibilitar uma futura inserção
ternativa para essas crianças com deficiência no mercado formal de trabalho. Por outro lado,
e/ou doença mental que, ao crescerem e tor- se seu objetivo era tão somente (como se fos-
narem-se adultos, saem da escola (os que fre- se pouco) possibilitar o desenvolvimento bio-
quentaram uma escola) e não conseguem uma psico-social do artesão, onde o trabalho seria
inserção no mercado de trabalho. Muitos de- um instrumento (valiosíssimo) a mais, mas não
visando diretamente a inserção no mercado
les ficam em casa, ajudando a família em pe-
formal.
quenas tarefas domésticas. Têm seu desen-
volvimento retardado (ou até impedido) em
No primeiro caso - profissionalizante - a Ofici-
suas diversas formas possíveis (cognitivo, mo-
na seria um meio para alcançar um fim outro.
tor, emocional, artístico, intelectual etc.), para
No segundo - terapêutica - a Oficina seria um
o qual é indispensável o contato com a socie-
fim em si mesma, no sentido de que não vi-
dade e a cultura, com seus elementos consti-
tutivos, com o Outro, responsável pela cons- saria tanto o “resultado” (o aprendizado de
trução do corpo e do sujeito psíquico, dos li- técnicas de trabalho), mas o próprio processo
mites e das bordas. Dentre esses elementos, através do qual ele pode se desenvolver.
dois são de especial importância: a escola, que Seguindo estes dois possíveis caminhos, tería-
ajuda na construção de uma identidade de mos: na primeira hipótese, a Alternativa, como
criança, e o trabalho, alicerce da identidade oficina profissionalizante, tendo como objeti-
adulta (pelo menos na nossa cultura). vo a reinserção da pessoa na sociedade, vi-
sando capacitá-la, através do aprendizado de
36 As Oficinas Abrigadas de Trabalho nasceram, técnicas, servindo como um meio para que
assim, de uma necessidade do adulto com de- possa ingressar em um trabalho real.
Inclusões e Inclusões:a Inclusão Simbólica

Assim:

Família Alternativa Sociedade


Pessoa Empresa

Na segunda hipótese, a Alternativa, como Oficina Abrigada de Trabalho, visaria o desenvolvi-


mento do sujeito, buscando sua integração e participação no grupo social em que vive - seja a
família, a própria Oficina (e seus integrantes), ou a sociedade de maneira geral. Assim, busca
defender o direito para que eles tenham acesso aos recursos sociais existentes, como a música,
a educação física, o batuque, a escolaridade, e o próprio trabalho. Este não visaria o lucro ou a
produtividade em si, mas seria um elemento para a realização pessoal (e profissional) da pessoa
com deficiência. Nesse sentido, a Oficina não seria um meio.

Assim, temos:

Família Sociedade
Pessoa Alternativa

Desta maneira, a Alternativa, como institui- Estes elementos constitutivos da cultura estão
ção da sociedade, como representante legíti- espalhados pelas ruas, pelas bancas de jornais,
ma e concreta da cultura, assegura já a pelas lojas, na televisão, na farmácia, no ôni-
integração, no que eu chamo de “Inclusão bus. Estão “disponíveis a todos” e possibilitam
Simbólica”. Para explicar tal posição, temos a construção da subjetividade. Através deles,
que lembrar que, ao falarmos em inclusão na nós somos quem somos, e através deles nos
sociedade, devemos pensar que a “socieda- sentimos representantes da sociedade, e po-
de” de que tanto se fala, e na qual tanto de- demos reconhecer o outro também como re-
fende-se a inclusão, é um corpo teórico e presentante.
abstrato. Ela só existe concretamente através
da cultura e de seus elementos constitutivos. Eu poderia ilustrar esse reconhecimento no
(O “Outro” só existe e se materializa nos “ou- meu trabalho com música, no chamado “Gru-
tros”) É nas instituições que ela toma forma, po do Batuque”, uma das atividades ofereci-
na família, escola, trabalho, igreja etc, e atra- das na instituição. Será que eu deveria tentar
vés delas, nos elementos da cultura dos quais colocar um aluno meu numa bateria de esco-
todos nós compartilhamos: a língua, a escrita, la de samba, como a Mangueira? Será que
a leitura, as danças (o “balé das meninas”), assim eu estaria promovendo sua integração
os esportes (o “futebol dos meninos”), a pin- na sociedade? Provavelmente não. Mas fazen-
tura, as artes plásticas, a música, o cinema, o do uma bandinha na Alternativa eu estou,
batuque do carnaval e da capoeira, e até o porque batucar o samba que todos batucam é
cartão de ponto que se bate na entrada e na integrar. Usar a timba, o reco-reco, o agogô, o
saída do trabalho, ou o salário que se ganha tamborim, o pandeiro, que todos usam, é 37
no fim do mês etc etc etc.) integração. E quando um sambista ouve e se
Luiz Fernando Belmonte Mena

identifica com as pessoas, com os instrumen- A “inclusão simbólica” configura-se, então,


tos, com o grupo, e reconhece-os como sam- como uma forma possível de inclusão, no aces-
bistas, assim como ele, isso é integração. A so aos elementos da cultura, através dos quais
isso eu chamo “Inclusão Simbólica”: a autori- nos reconhecemos e reconhecemos o outro.
zação e a permissão para que os elementos Integração é reconhecimento. É assim que
culturais sejam compartilhados por todos, e uma escola especial (ou oficina abrigada) pode
através desse compartilhamento, possam ser possibilitar a inclusão e a integração, através
reconhecidos como pertencentes, integrantes de todas as atividades que propõe, através dos
e representantes da cultura. elementos que capta e oferece, pondo à dis-
posição de pessoas que, de outro modo, es-
Por muitas razões, as pessoas com deficiência tariam impossibilitadas de procurarem por si
ou doença mental “não podem servir-se” (ou mesmas esses elementos, impossibilitadas de
não têm permissão para) dos elementos da estudar, de trabalhar, de tocar um instrumen-
cultura: não freqüentam uma escola, não tra- to, de pertencer. Da mesma maneira, eu acre-
balham, não tocam um instrumento, não pe- dito que a colocação dessas pessoas numa
gam um ônibus. Muitas vezes ficam somente fábrica qualquer, onde provavelmente reali-
em casa. zariam uma atividade repetitiva e estereotipa-
da, seria uma falsa inclusão, onde provavel-
mente - como a experiência nos mostra - se-
riam discriminadas e deixadas de lado, numa
pseudo-inclusão, assim como colocar um
autista numa classe normal.

Assim, concluindo nas palavras do psicanalista


Alfredo Jerusalinsky (1997), a proposta de uma
Educação Especial esbarra, inevitavelmente,
com os “perigos da discriminação e da
marginalização, e também com uma dura re-
sistência familiar e social. Uma dura resistên-
cia freqüentemente formulada num falso
democratismo, que confunde uma questão de
sintoma com uma questão de direito, num
igualitarismo puramente imaginário, muito mais
destinado a satisfazer o narcisismo dos profis-
sionais do que as verdadeiras necessidades das
crianças que padecem destas dificulda-
des.”(p.93)

Oferta de Significantes

O pano de fundo para a análise feita com a


Alternativa - se servia como um meio ou se
era um fim em si mesma - retoma a questão
da Educação Especial, que sempre deve estar
presente, ao analisarmos os objetivos das ins-
tituições: para quê educar. Mais uma vez, cor-
remos o risco de almejar a apreensão de apti-
dões e conteúdos (ou palavras), para fazer o
psicótico ocupar um lugar em algum lugar,
revelando assim que de fato ele não ocupa (e Luiz Fernando Belmonte Mena
Rua Corcovado, Ent. 60, Aptº 31 - Lapa
nunca ocupou) lugar algum. Nesse caso, no CEP. : 05038-040 - São Paulo/SP
38 dizer de Lerner (1997), “a criança ocupa, ain- Tel.: (11) 861-3106
E-mail: luizmena@hotmail.com
da, o lugar da falência do ideal”.(p.69)
Inclusões e Inclusões:a Inclusão Simbólica

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