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Winnicott e a posição

ética do analista
Winnicott and the analyst’s ethical position

Resumo Neste texto, tendo como foco a obra de Winnicott,


discute-se a posição ética do analista, a qual deve ser capaz de
fornecer sustentação à condição originária do indivíduo e, assim,
favorecer seu processo maturacional. Tal sustentação, por orig-
inar-se de uma ética da autonomia, parece não ser comparável
a outras formas terapêuticas que visem apenas à eliminação do
sintoma, ou à adaptação do paciente, por intermédio de técnicas
de sugestão, sem oferecer alternativas que contribuam para o
desenvolvimento e a expressão criativa do self. A fim de ilustrar a
posição de sustentação desempenhada pelo analista, será apre-
sentada uma discussão da análise de uma paciente de Winnicott,
a analista Margareth Little. Nessa análise, a referida posição de-
sempenhou um papel fundamental no que diz respeito a Winn-
icott lidar com as intensas ansiedades psicóticas da paciente e, Karina Codeço Barone
dessa forma, favorecer sua integração e desenvolvimento emo- Universidade de
São Paulo (USP)
cional. Ao respeitar as necessidades específicas do self do paci-
kcbarone@gmail.com
ente, a posição de sustentação constitui uma posição ética de
respeito à alteridade.
Palavras-chave winnicott; setting (psicanálise); ética.

Abstract Based on Winnicott’s theory, this paper discusses the


analyst’s ethical position, which should be able to give support
to the individual’s original condition, thus favoring his maturing
process. Such support, which is linked to an ethics of autonomy,
seems different from other kinds of therapy that provide only
the elimination of symptoms, without offering alternatives that
contribute to the development and the creative expression of the
self. In order to illustrate the position maintained by the analyst's
support, we will focus on the analysis of a patient of Winnicott’s,
analyst Margaret Little. In such analysis, the referred position
played a key role in dealing with the intense psychotic anxieties of
the patient and, consequently, in promoting her integration and
emotional development. By respecting the specific needs of the
patient's self, this is an ethical position that respects otherness.
Keywords winnicott; setting (psychoanalysis); ethics.
Winnicott e a posição ética do corre bem, o desenvolvimento do verdadeiro
analista: a necessária mudança no self do bebê manifesta-se em um estado de
setting continuidade do ser. Tendo em vista a impor-

W
innicott (1964) relembra que o tância dada por Winnicott aos processos ma-
princípio norteador da psicanálise, turacionais do self, o estado de continuidade
tal como havia sido estipulado por do ser supõe um constante vir a ser. Contudo,
Freud, é a interpretação do inconsciente a par- quando há o fracasso ambiental, sobrevém
tir das associações do paciente. Essa técnica é um estado de congelamento.
adequada ao atendimento de pacientes cons- O congelamento funciona como prote-
tituídos como pessoas totais. O transcorrer do ção do verdadeiro self do sujeito, que aguar-
tratamento é facilitado por uma “cooperação da uma situação ambiental mais favorável. É
inconsciente do paciente”1 e pelo estabeleci- necessária uma posição específica de susten-
mento de uma neurose de transferência. tação exercida pelo analista, que possa desfa-
A técnica psicanalítica clássica também zer a situação de congelamento e despertar
pode ser aplicada de maneira proveitosa no no paciente um sentimento de esperança de
atendimento de pacientes que estão no início que, finalmente, o ambiente poderá oferecer
do processo de integração dos objetos e das o que o paciente necessita.
partes de seu eu. Em sua obra, Winnicott enfatiza o âm-
Para Winnicott, há, ainda, um terceiro bito pré-representacional das experiências
grupo de pacientes, composto por sujeitos precoces. Assim, a ansiedade situa-se no re-
que sofreram privações precocemente, por gistro do próprio corpo, não tendo sido se-
não terem recebido o “cuidado pré-verbal em quer assimilada pelo psiquismo na forma de
termos de holding e handling”.2 Ser privado uma representação. É por essa razão que a
desses cuidados conduz a doenças de caracte- experiência de holding vivida com o analista
rísticas psicóticas, as quais demandam ao ana- merece destaque. No trabalho com pacientes
lista organizar “um tipo complexo de ‘holding’, que experimentaram quebras em seu próprio
incluindo, se necessário, cuidado físico”.3 sentido de existência, a interpretação nem
A análise padrão não traz benefícios a sempre pode ser utilizada de maneira provei-
esses pacientes, que reclamam uma mudança tosa, em virtude dos distúrbios de comunica-
no setting com o objetivo de permitir a neces- ção existentes. As falhas experimentadas por
sária regressão à dependência e a retomada esses pacientes parecem ter acontecido em
do desenvolvimento maturacional. Para Win- momentos precoces, nos quais a comunica-
nicott, no atendimento desses pacientes, o ção verbal ainda não tinha sido consolidada.
analista deve evitar fornecer interpretações Durante esse período inicial, a comuni-
prematuramente, porque durante muito tem- cação estabelecida entre o bebê e sua mãe se
po o que será necessário é o estabelecimento dá de maneira silenciosa por meio da confiabi-
de um holding, o qual é fundamental pelo fato lidade experimentada pelo bebê, pois, segun-
de existir no paciente uma tendência para de- do Winnicott:
sintegrar-se. No caso do paciente regredido, o
não atendimento das necessidades do self re- [a]tos de confiabilidade humana es-
produz a privação sofrida no início de sua vida. tabelecem uma comunicação bem
Essa compreensão a respeito do fracas- antes da fala significar qualquer coi-
so ambiental privilegia a ideia da experiência sa – a maneira como a mãe se colo-
do ser com o seu ambiente. Quando tudo ca quando embala a criança, o som
e tom de sua voz, tudo comunica
1
WINNICOTT, 1961, p. 110. bem antes de a fala ser entendida.4
2
Idem, 1968a, p. 147-8.
3
Idem, 1961, p. 109. 4
Idem, 1968a, p. 147.

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Por intermédio da regressão à depen- manter em silêncio. A partir de uma presen-
dência, o paciente necessita de que sejam ça implicada e reservada do analista, torna-se
reconstruídas as fundações dessa forma si- possível ao paciente tanto comunicar suas
lenciosa de comunicação, com base na expe- experiências traumáticas quanto recobrar a
riência de confiabilidade proporcionada pela necessária privacidade do self. Essa ideia de
posição de sustentação exercida pelo analista. Winnicott é relacionada à sua teoria a respei-
Dessa maneira, silenciar o ato interpretativo to da capacidade para estar só. Estar sozinho
parece ser mais importante do que pronunciá- encontra-se no centro do desenvolvimento
-lo, pois, durante a fase regressiva, a interpre- do verdadeiro self.
tação pode vir a constituir uma intromissão A ênfase dada ao silêncio associa-se, so-
prematura da realidade. Na fase de absoluta bretudo, ao conceito de verdadeiro self. De
dependência do ambiente, a comunicação ou acordo com Phillips (1988), ao postular a exis-
é silenciosa (quando a confiabilidade está as- tência de um núcleo incomunicado no verda-
segurada), ou traumática (rompendo a conti- deiro self, a psicanálise de Winnicott não cabe
nuidade do ser do bebê). Por intermédio da perfeitamente na concepção de ser uma prá-
sustentação oferecida pelo analista, busca-se tica eminentemente interpretativa. Isso leva
reconstruir a comunicação silenciosa: Winnicott a reformular seu entendimento a
respeito da psicanálise. Para ele, “[p]sicanáli-
[a] comunicação ‘silenciosa’ é de se não é apenas uma questão de interpretar
confiabilidade, pois, de fato, prote- o inconsciente reprimido; é antes a provisão
ge o bebê de reações automáticas a de um setting profissional para confiança, no
intromissões da realidade exterior, qual esse trabalho pode ter lugar”.7
reações essas que quebram a linha Neste texto, consideramos a posição de
de vida do bebê e constituem trau- sustentação do analista como a provisão des-
matologia. Um trauma é aquilo con- se setting que proporciona confiança e, assim,
tra o qual um indivíduo não tem de- estimula o desenvolvimento maturacional.
fesa organizada e, assim, um estado Uma vez instalado um estado mais re-
confusional sobrevém, seguido tal- gressivo, é grande a demanda que recai sobre
vez pela reorganização de defesas, o analista, porque os pacientes regredidos
de um tipo mais primitivo do que necessitam de “contato humano, e sentimen-
aquelas que eram boas o suficiente tos reais, e ainda assim precisam colocar uma
antes da ocorrência do trauma.5 confiança absoluta na relação na qual eles são
maximamente dependentes”.8 Por essa ra-
Com essa afirmação, Winnicott chama a zão, Winnicott salienta que é de suma impor-
atenção para a importância do silêncio. A te- tância o analista perceber seus limites e evitar
oria de Winnicott sobre a comunicação tem estimular a regressão do paciente quando ele
um aspecto paradoxal6 (COELHO JÚNIOR; sabe que não poderá adotar a posição ade-
BARONE, 2007), pois o autor enfatiza tanto a quada para lidar com esse estado regressivo.
necessidade de se comunicar quanto a de se Ao aproximar a regressão à retomada
do desenvolvimento, possibilitada pela nova
5
Idem, 1969, p. 259.
oferta de provisão ambiental, Winnicott atri-
6
Uma discussão mais detalhada sobre esse tema bui um significado positivo aos movimentos
encontra-se no artigo A importância da teoria de regressivos do paciente. No entanto essa con-
Winnicott sobre a comunicação para a construção do sideração exige que o analista passe a ocupar
significado ético da psicanálise (COELHO JÚNIOR;
BARONE, 2007). Uma versão desse trabalho foi
um lugar específico na transferência, um lugar
apresentada em Londres no evento denominado
Winnicott Today, organizado pela University College
7
WINNICOTT, 1970, p. 114-5, grifos nossos.
of London, em 2006.
8
Idem, 1961, p. 109.

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de sustentação. Dada a existência de um esta- Little considera que sua mãe era incapaz de
do regressivo no paciente, é fundamental que alcançar o estado de preocupação materna
essa posição de sustentação do analista seja primária e, assim, não podia identificar-se com
eminentemente ética, ou seja, que respeite a sua filha e atender às suas necessidades. Lit-
alteridade do paciente e, assim, proporcione tle esclarece ter havido elementos positivos
a retomada do desenvolvimento do verdadei- no comportamento materno – tal como seu
ro self do paciente. senso de humor e seu amor pela jardinagem,
A seguir, discutimos como a modificação os quais, aliados à estabilidade de seu pai,
do setting e a oferta da sustentação ambiental impediram que ela enlouquecesse completa-
foram elementos fundamentais na análise de mente. Como resultado, Little alcançou um
funcionamento que mesclava uma aparente
uma paciente de Winnicott, a analista Marga-
normalidade – à custa de um falso self que
reth Little.
permitiu a ela estudar e trabalhar – com inten-
sas ansiedade e insegurança em relação à sua
As análises de Margareth Little existência e identidade.
O objetivo de Ella Sharpe, segundo Lit-
Um equívoco analítico: a experiência tle, era “fornecer um [ambiente] em que fos-
com a técnica clássica9 se seguro ser sexual ou hostil”10. Entretanto a
Margareth Little, uma respeitada psica- necessidade da paciente era a de um ambien-
nalista, apresenta de maneira contundente a te que pudesse fornecer confiabilidade para
diferença entre as técnicas clássica e modifi- ela “ser”. A configuração do espaço psicana-
cada em psicanálise, com base em sua própria lítico com a ênfase na interpretação da sexu-
experiência como paciente. Little (1990) re- alidade ou da hostilidade dirigida à analista
conhece como a modificação no setting pro- repetia a falta de confiabilidade de seu am-
posto por Winnicott ajudou-a a regredir a uma biente da infância, por negligenciar as verda-
fase de dependência ao ambiente e, finalmen- deiras necessidades de seu self. Desse modo,
te, a elaborar suas ansiedades psicóticas e a analista falhara, assim como sua mãe havia
constituir sua identidade com segurança. falhado em fornecer-lhe um ambiente seguro.
Little considera que a sua primeira ana-
Freud (1915-1917) já havia constatado a
lista, Ella Sharpe, não foi capaz de avaliar seu
dificuldade de aplicação da técnica clássica
estado borderline e psicótico, o que trouxe
da psicanálise no atendimento das neuroses
problemas irreparáveis ao campo transferen-
cial. O início do tratamento com Ella Sharpe narcísicas e das psicoses. Nesses casos, a difi-
foi marcado por um medo de extrema magni- culdade do paciente é em relação ao estabe-
tude, o qual, na opinião de Little, consistia em lecimento da própria existência e identidade.
uma psicose de transferência (e não uma neu- A questão sexual, embora possa estar presen-
rose de transferência), com base em experi- te, não é a mais importante. No tratamento
ências traumáticas reais vividas na infância. psicanalítico de Little com Ella Sharpe, ficou
Little relata que o ambiente de sua in- patente que a analista não pôde reconhecer a
fância foi marcado pela intensa ansiedade de magnitude da gravidade do quadro da pacien-
sua mãe, a qual esteve prestes a cometer sui- te. Segundo Little,
cídio durante a sua terceira gestação. Havia
no comportamento materno uma alternância [o] quadro global de minha aná-
entre atenção invasiva e descaso. Isso impe- lise com a Srta. Sharpe é o de luta
dia a configuração de um ambiente suficien- constante entre nós, ela insistindo
temente bom, ora por excesso, ora por falta. em achar que o que eu dizia era
devido a um conflito intrapsíquico
9
Não se pode deixar de considerar que o relato
do paciente a respeito de sua própria análise não
constitui um relato imparcial dos fatos. 10
LITTLE, 1990, p. 36.

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relacionado com a sexualidade in- reconheceu que o luto pela perda de seu pai
fantil, e eu tentando dizer-lhe que parecia ser mais importante em sua relutân-
meus problemas reais eram ques- cia. Outros exemplos são narrados por Little,
tões de existência e identidade: eu com o objetivo de ilustrar o fato de a realida-
não sabia ‘quem era’; a sexualida- de ser desconsiderada constantemente, em
de (mesmo conhecida) era total- favor da interpretação da transferência. Certa
mente irrelevante e sem sentido, a ocasião, Ella Sharpe, diante do relato de Little
menos que a existência e a sobre- sobre a morte de uma tia querida, forneceu
vivência pudessem ser tidas como “uma interpretação de transferência sobre
certas, e a identidade pessoal pu- as suas próximas férias”.13 Para a paciente,
desse ser estabelecida.11 essa explicação parecia ser tão ilógica quan-
to às falas de sua mãe. Ao privilegiar uma
Ignorar essa diferença entre os pacien- interpretação da transferência em termos
tes traz graves consequências para o trata- edipianos, a analista retira todo o valor dos
mento, por se desconsiderar a existência de aspectos da realidade. Isso é problemáti-
um severo déficit de constituição. A tarefa co por não levar em conta as experiências
terapêutica deve auxiliar na própria constitui- traumáticas reais e, com isso, além de não
ção de um psiquismo que foi impedido de se ser possível elaborar a situação traumática,
constituir. Privilegiar a interpretação do con- ocorre uma repetição do trauma.
flito sexual incrementa a falta de compreen- Depois de seis anos de análise, Little
são na análise, como testemunha Little: havia combinado com Ella Sharpe o término
da análise. Porém, em um feriado anterior ao
[c]erta vez falei sobre como queria período marcado para o término da análise, a
‘ser alguém’, referindo-me a ser uma analista morreu subitamente.
verdadeira pessoa, não ninguém, Após essa experiência, Little procurou a
ou uma ‘não-pessoa’, como achava Dra. Payne, que, após escutá-la, constatou o
que era. Isso foi interpretado como nível de gravidade de sua doença psicótica e
um desejo meu de tomar o lugar da a encaminhou para Marion Milner, que a aten-
minha mãe, de ser a minha mãe fi- deu durante quase um ano, até que Winnicott
sicamente, em seu relacionamento tivesse um horário para atendê-la.
sexual e capacidade reprodutora.12
Winnicott e a posição
Little sentiu-se particularmente incom- de sustentação
preendida na análise no momento da morte de O papel da realidade, a regressão à de-
seu pai, que coincidiu com uma ocasião na qual pendência, a posição de sustentação do ana-
ela deveria apresentar um artigo na Sociedade lista e a modificação do setting foram temas
Britânica de Psicanálise. Little comenta ter de- centrais da análise de Margareth Little com
sejado adiar sua apresentação, mas diante da Winnicott. Esse percurso analítico, que du-
insistência da analista, aceitou fazê-la, embora rou de 1949 a 1955, ajudou-a a consolidar sua
tenha sentido um grande incômodo. identidade.
Ella Sharpe atribuiu sua falta de vontade Winnicott faz referência ao atendimen-
em apresentar o artigo a um sentimento de to de Little, de maneira sigilosa, em algumas
inveja direcionado à analista por sua capacida- passagens de sua obra. Podemos saber que
de de produzir artigos. Por mais que um senti- se trata de Little por causa do relato da pa-
mento de inveja pudesse estar presente, Little ciente a respeito de sua análise. Winnicott
(1949) reconhece que a experiência prévia
Ibid., p. 35.
11

Ibid., p. 36.
12
Ibid., p. 39.
13

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de Little com a técnica psicanalítica clássica A necessidade de fornecer esse tipo de
não foi capaz de modificar o aspecto central holding deriva da compreensão de Winnicott
de seu adoecimento, por negligenciar a ne- (1988) de que, quando há regressão à depen-
cessária regressão à dependência. Quando as dência, o cuidado físico veicula um cuidado
necessidades regressivas da paciente pude- psicológico que é de suma importância para
ram ser atendidas na análise, passou a existir a integração da personalidade. Se, durante
“uma progressão natural com o verdadeiro um atendimento psicanalítico, o analista pas-
self, em vez do falso self em ação”.14 sa a lidar com processos esquizoides, é pre-
No momento em que Little procura Win- ciso reconhecer que se está lidando com um
nicott, ele reconhece que ela “está doente, fenômeno que se assemelha aos momentos
mas também há muita saúde mental aí”.15 Little iniciais do processo maturacional, nos quais a
sentiu-se angustiada, com receio de que, mais dependência do ambiente é um fato que não
uma vez, a sua grave doença fosse deixada de pode ser negligenciado. Assim, a oferta de
lado, e suas partes saudáveis recebessem mais uma experiência real – literal – de holding visa
atenção. Winnicott percebeu sua angústia e a alcançar uma experiência simbólica signifi-
acrescentou que a saúde mental ficaria para cativa19 que estimule a integração e o desen-
depois, porque, naquele momento, o funda- volvimento. Nesses casos, a maneira como o
mental era preocupar-se com a doença. analista constrói e mantém o setting torna-se
A partir dessa compreensão a respeito tão (ou mais) importante quanto interpretar a
da constituição da paciente, Winnicott cons- fala do paciente.
trói um setting capaz de permitir a regressão No atendimento de Little, o holding
à dependência, com o intuito de explorar, na manifestava-se, por exemplo, no aumento do
transferência, áreas de predomínio de angús- tempo da sessão de maneira a adequar-se ao
tia psicótica. O objetivo de Winnicott era o ritmo da paciente, ou no atendimento da pa-
de “fornecer o ambiente propício, onde era ciente em sua própria casa por cerca de três
seguro estar”.16 O holding – advindo de uma meses, durante o período em que ela esteve
posição específica do analista no setting – doente e não conseguia sair de casa. Vemos
passou a ser o aspecto mais importante de nesses exemplos que alguns arranjos reais em
seu atendimento. O holding era exercido relação ao tempo e ao espaço da sessão, ou
tanto literalmente quanto metaforicamente. seja, ao manejo do setting, veiculam um cui-
No olhar da paciente, o holding manifestava- dado essencial ao desenvolvimento. Algumas
-se metaforicamente pelo fornecimento de vezes, era necessário transferir o holding a
“toda a força do ego que o paciente não po- outra pessoa, para que Winnicott pudesse,
dia encontrar em si mesmo, e retirá-la, gradu- por exemplo, sair de férias. Em uma dessas
almente, quando o paciente fosse capaz de ocasiões, Winnicott e Little planejaram juntos
cuidar de si mesmo”.17 a hospitalização dela, a fim de que recebesse
Havia também a experiência de um hol- os cuidados de que necessitava e, sobretudo,
ding exercido literalmente, quando Winnicott a fim de prevenir uma tentativa de suicídio. O
segurava as mãos de Little enquanto ela per- próprio Winnicott conduziu Little ao hospital
manecia “escondida debaixo do cobertor, ca- e manteve contato com ela e com a equipe do
lada, inerte, retraída, apavorada, com raiva ou hospital durante o período de internação.
em lágrimas, dormindo e às vezes sonhando”.18 Winnicott (1969) estende o termo hol-
ding para cobrir a área de cuidado do indiví-
duo (bebê ou paciente) na qual deve existir
14
WINNICOTT, 1949, p. 249.
15
LITTLE, 1990, p. 50.
16
Ibid., p. 47.
17
Ibid., p. 46-7. 19
Há uma associação com a proposta de SECHEHAYE
18
Ibid., p. 46-7. (1951) de “realização simbólica”.

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comunicação silenciosa, para que a confiabi- facilidade por outros analistas. Contudo, isso
lidade no ambiente se reinstale e possa ser não significava que Winnicott aguentasse qual-
tida como certa. Nessa área, de acordo com quer coisa, nem que carecesse de firmeza. Sua
Winnicott, existe “comunicação em termos firmeza e honestidade encorajavam o cresci-
físicos”.20 Essa comunicação conta com uma mento da paciente, com base em sua capaci-
linguagem que se manifesta na experiência de dade empática de sentir com e pela paciente.
reciprocidade entre analista e paciente (seme- Winnicott (1949) compreendia a maneira
lhante à comunicação existente entre o bebê como Little se jogava no divã, que havia sido
e sua mãe). A experiência de reciprocidade de- interpretada por sua analista anterior como
pende da posição da mãe (ou do analista) em um ataque histérico, como um acting-out a fim
colocar-se no lugar do bebê (ou do paciente) e, de reviver o processo de nascimento. Duran-
assim, atender às suas necessidades. te os acting-outs, a respiração e o movimento
Uma experiência de reciprocidade ocor- corporal da paciente modificavam-se, e ela
ria, por exemplo, quando Winnicott respeita- relatava sentir uma intensa pressão em sua
va o ritmo próprio de Little. Isso permitia a cabeça. A pressão era tão intensa que o ana-
ela encontrar uma forma de viver que fosse lista devia sustentar sua cabeça, para que o
própria, evitando reagir às intromissões ex- processo de nascimento pudesse ser revivido.
ternas. Conforme o relato de Little, Quando esse processo atingiu sua fase mais
aguda, houve uma intensa ansiedade de que
[l]ogo ele [Winnicott] descobriu a cabeça da paciente fosse esmagada. A sen-
que durante a primeira metade de sação de destruição da cabeça da paciente foi
todas as sessões não acontecia coi- associada à existência de um período de per-
sa alguma. Eu não conseguia falar da de consciência, na infância, o qual só pôde
até atingir um estado ‘inalterado’, ser assimilado pelo self da paciente quando foi
não perturbado por qualquer inva- aceito como morte. Porém, quando essa expe-
são, como me pedirem para dizer o riência pôde se tornar real para a paciente, ela
que estava pensando etc. Era como substituiu a palavra “morte” por “não-saber”.
se eu tivesse de assimilar o silêncio Para Winnicott, a “aceitação do não-saber pro-
e a calma que ele proporcionava. duziu tremendo alívio. ‘Saber’ tornou-se trans-
Aquilo era muito diferente das per- formado em ‘o analista sabe’, isto é, ‘compor-
turbações da infância, do estado ta-se de maneira confiável em adaptação ativa
de ansiedade da minha mãe e da às necessidades do paciente”.22
hostilidade geral da qual eu sempre Winnicott considera que a paciente er-
senti necessidade de fugir para en- gueu sua vida a partir de um funcionamento
contrar paz.21 mental intelectualizado (na cabeça), que se
tornou o lugar privilegiado de seu viver. Esse
A fim de manter o foco nas necessidades funcionamento difere significativamente do
da paciente, a interpretação era oferecida ape- funcionamento saudável, no qual existe uma
nas em um momento oportuno. Por levar em integração psique-soma como base do fun-
consideração a dependência atuante na trans- cionamento do verdadeiro self. A percepção
ferência, Winnicott era cauteloso ao interpre- acertada da paciente de um sentido de fal-
tar a transferência, a fim de não introduzir um sidade em relação à sua vida derivava desse
elemento de persecutoriedade na paciente. funcionamento mental. O acting-out, susten-
Havia também uma predisposição a acei- tado pela atenção do analista aos movimen-
tar acting-outs que não seriam tolerados com tos respiratório e corporal da paciente, per-
mitiu a retomada de uma existência mais real.
20
WINNICOTT, 1969, p. 260.
LITTLE, 1990, p. 46.
21
WINNICOTT, 1949, p. 250.
22

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De acordo com Winnicott, foi apenas com 47 sustentado [to be held], quando
anos de idade que a paciente alcançou uma amor significou cuidado físico e
elaboração psíquica de seu funcionamento fi- adaptação.25
siológico, algo muito diferente do “trabalho
intelectual que pode com facilidade tornar- Para Winnicott (1963a), o analista está
-se artificialmente uma coisa em si mesma e sustentando a paciente ao mostrar, em suas
falsamente um lugar onde o psiquismo pode palavras, que ele entende o grau de angústia
hospedar-se”.23 que está sendo experimentada por ela. O efei-
Para sair desse falso estado de funcio- to da sustentação proporcionada por Winni-
namento, houve a necessidade de viver uma cott conduziu Little a mudanças tão profundas
fase quase sem funcionamento mental, na que um antigo amigo seu comentou não ser
qual respirar era tudo. A presença do analista possível reconhecer nela a mesma pessoa que
como testemunha dos movimentos corporais ela tinha sido no período anterior à análise.
e de respiração da paciente permitia saber Para Little, Winnicott “não era um guru,
que a paciente estava viva e, pouco a pouco, [...] não havia doutrina, nem ‘ritual’ [...] nem
alcançar um psiquismo autêntico e integrado ‘experiência mística’.26 O fundamental era a
(um estado diferente da falsa intelectualiza- provisão de um ambiente que pudesse dar
ção de seu funcionamento anterior). sustentação e, com isso, permitir a regres-
Outro aspecto relevante para Little era são e a elaboração das intensas ansiedades
a inclusão de dados da possível realidade vi- psicóticas. Assim, na análise, busca-se criar
venciada na situação traumática infantil. O um ambiente propício ao desenvolvimento,
comentário feito por Winnicott à Little de que da mesma maneira que a mãe se posiciona
“[s]ua mãe é imprevisível, caótica, e estabele- em relação ao seu bebê. Entretanto, como é
ce o caos ao seu redor”24 trouxe grande alívio salientado por Little (1990), o paciente adul-
à paciente, ao permitir que fosse reconhecido to não é como o bebê e pode vir a reagir aos
o grau de inadequação de seu ambiente de novos fracassos ambientais com um corpo de
origem. Para Little, a fala de Winnicott, ape- adulto, o que pode levá-lo à reconstrução de
sar de não ser uma interpretação, teve um defesas ou ao suicídio. Há, sobretudo, o risco
efeito interpretativo e engendrou importan- de o analista sucumbir a uma contratransfe-
tes mudanças em seu self. Winnicott salienta rência psicótica, ou de ser atacado pelo pa-
que uma ciente. Constata-se que o atendimento de pa-
cientes regredidos constitui uma tarefa árdua
interpretação oportuna [well- para o analista, pois é exigido dele suportar “a
-timed] e correta no tratamento ansiedade, a culpa, o sofrimento, a aflição, a
analítico dá um sentimento de ser insegurança e a sensação de impotência, [su-
sustentado [of being held] fisica- portar] o que não podia ser suportado”.27
mente, que é mais real (para o não- Em um manuscrito28 no qual relata algu-
-psicótico) do que se um holding mas notas de sua análise com Winnicott, Little
real ou acalento [nursing] tivesse reconhece que Winnicott pôde sintetizar, em
tido lugar. Uma compreensão vai poucas palavras, como ela se sentia:
mais profundo e, pela compreen-
são, demonstrada pelo uso da lin- o mundo sem sentido de minha
guagem, o analista sustenta [holds] vida, desde a tenra infância até
fisicamente, no passado, isto é, no 25
WINNICOTT, 1988, p. 61-2.
momento da necessidade de ser 26
LITTLE, s. n., p. 2.
27
Idem, 1990, p. 64.
Ibid., p. 251.
23 28
Agradecemos aos Arquivos da Sociedade Britânica de
LITTLE, 1990, p. 50.
24
Psicanálise.

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aquele momento, e a falta de sen- final de sua análise. Nessa etapa, Winnicott
tido de muito da minha análise an- forneceu uma interpretação que, segundo
terior, e então tornou possível que Little, teve um efeito de revelação:
eu encontrasse sentido – nele e em
mim. Isso me liberou do controle [e]le me disse que o medo de ani-
daquele caos, e de meu ‘falso self’, quilação que eu sentia estava rela-
de modo que eu pude começar a cionado com a ‘aniquilação’ que já
encontrar meu eu ‘real’ que eu nun- ocorrera: eu havia sido aniquilada fi-
ca tinha conhecido, e encontrar um sicamente, mas de fato sobrevivera,
mundo diferente, [um mundo] real, e estava agora revivendo emocional-
no qual aquele self real podia viver e mente a experiência passada.31
funcionar diferentemente.29
Para Little, a afirmação de Winnicott
O reconhecimento pelo analista da si- sintetizava o sentimento que ela carregou du-
tuação traumática da infância permite dis- rante toda a sua vida de não ter uma existên-
criminar o ambiente da análise do ambiente cia própria. No fim do tratamento, Winnicott
traumatogênico da infância e, consequente- disse a Little que havia chegado o momento
mente, construir a confiabilidade no ambien- em que ela deveria assumir as rédeas de sua
te da análise. Para que isso ocorra, é preciso vida e ser autêntica em relação a si mesma.
uma atitude empática e franca do analista. Ao Ao avaliar os resultados de seu trata-
escutar o relato de Little de que sua mãe cen- mento com Winnicott, Little considera que o
surava seu choro e frequentemente dizia-lhe fundamental foi a possibilidade de se estabe-
para alegrar-se porque logo ela [Little] estaria lecer como uma pessoa em sintonia com seu
“morta”, Little comenta que Winnicott teria verdadeiro self e com sua capacidade criativa.
ficado bastante zangado e comentado: “[e]u Ademais, houve a construção da confiança de
realmente odeio a sua mãe”.30 A capacidade que a vida vale a pena, um sentimento que
de empatia do analista permitiu à paciente não existia anteriormente.
experimentar a emoção que havia sido repri- O próprio Winnicott (1954) reconheceu
mida e, assim, a integração da personalidade que a análise de Little lhe exigiu um cresci-
foi estimulada. mento pessoal que, embora tenha sido dolo-
Outro fator de suma importância é a roso em alguns momentos, enriqueceu signi-
confirmação pelo analista das impressões da ficativamente sua própria identidade.
paciente. Certa ocasião, Winnicott confirmou
a Little sua impressão de que ele parecia so- Considerações finais
frer de trombose coronariana. Esse episódio,
por mais que significasse o afastamento de “Nós recebemos uma comunica-
Winnicott por causa de seus próprios proble- ção silenciosa, durante um período
mas de saúde – o que foi muito doloroso para de tempo, de que nós éramos ama-
Little –, trouxe a ela um ganho significativo, dos, no sentido de que podíamos
porque tinha sido permitido a ela confiar em confiar na provisão ambiental e, as-
suas percepções. sim, seguir com nosso crescimento
Após um período de internação durante e desenvolvimento.” (Winnicott,
as férias de Winnicott, Little retornou ao seu 1968a, p. 147)
trabalho e às sessões com ele. Nessa época, a
paciente já percebia que entrava em uma fase Ao debruçar-se sobre a relação esta-
belecida entre a mãe e o bebê, com especial
29
LITTLE, s. n., p. 4.
30
Idem, 1990, p. 48. Ibid., p. 63.
31

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ênfase nos efeitos da presença do outro para de extrema relevância para a construção do
a constituição do sujeito, vemos que ques- espaço terapêutico, independentemente do
tões relativas à alteridade, dependência e grau de comprometimento do paciente. Em
independência permanecem especialmente relação a esse tema, Winnicott (1964) comen-
relevantes para o psicanalista em sua prática. ta que existem, no paciente, uma parte sau-
Winnicott compreende o desenvolvimento dável e uma enferma. A composição de tais
individual a partir do encontro entre as ten- partes varia de forma significativa entre as
dências inatas maturacionais e um outro signi- pessoas e, assim, em alguns pacientes a parte
ficativo que forneça holding (mãe-ambiente). saudável pode ser maior do que em outros.
A potencialidade desse encontro em gerar No entanto, Winnicott enfatiza que:
experiências de subjetivação encontra-se pre-
sente tanto na relação entre a mãe e o bebê [n]ão se pode de nenhuma forma
quanto na relação entre analista e paciente. A diminuir a adaptação às necessi-
sustentação de um outro humano é, portanto, dades do paciente, por saber que
necessária à saúde psíquica. o paciente tem uma quantidade
A preocupação com a posição do ana- considerável de personalidade sau-
lista deriva das mudanças introduzidas por dável. Está-se lidando com a parte
Ferenczi para o atendimento de pacientes doente, e essa é tão doente quanto
mais comprometidos, para os quais o modelo possível.33
terapêutico advindo da clínica da histeria não
era adequado. Ferenczi (1927-8) destaca a Winnicott (1961) salienta que as tendên-
empatia do analista na sessão, que permite a cias em direção à maturação e ao desenvolvi-
ele “sentir com” o paciente e, dessa maneira, mento estão sempre em ação, a não ser que
ajudá-lo. Há, aqui, uma contundente crítica à sejam bloqueadas por falências de sustenta-
técnica clássica em psicanálise e uma propo- ção. Assim, a psicanálise baseia-se na provi-
sição da necessária implicação real do analista são de confiabilidade a partir de uma posição
no processo. específica de sustentação. Ao confiar nas ten-
Winnicott reconhece que a modificação dências inatas de crescimento e desenvolvi-
do setting apresenta uma função preponde- mento, a posição de sustentação passa a ser o
rante no atendimento de pacientes que so- paradigma da posição do analista.
freram privações ambientais severas precoce- Winnicott chama a atenção para a ex-
mente. Para corrigir a falha ambiental, o papel periência vivida entre analista e paciente e
da regressão passa a ocupar um lugar funda- salienta a importância de oferecer um setting
mental no atendimento. Essa situação exige humano, e não invasivo. Em um manuscrito34
que o setting se modifique a partir da própria no qual tece algumas considerações a serem
necessidade do paciente. discutidas por um grupo de supervisão, Win-
O holding exercido pela mãe permite ao nicott relata um caso em que a
bebê desenvolver-se de acordo com seu ver-
dadeiro self. Para Winnicott, a “família con- idéia da experiência psicossomática
tinua esse holding, e a sociedade sustenta a é vitalmente importante porque a
família”.32 O próprio atendimento em saúde totalidade da área intelectual está
mental é um derivado profissional desse tipo bloqueada. Esse é um sintoma dos
de sustentação exercida inicialmente pela famí- mais importantes. A interpretação
lia e pela sociedade, que permite o pleno de- é particularmente fútil aqui porque
senvolvimento das tendências maturacionais.
A posição de sustentação do analista é 33
Idem, 1964, p. 100.
34
Agradecemos a possibilidade de pesquisar os arquivos
WINNICOTT, 1961, p. 107.
32
da Sociedade Britânica de Psicanálise.

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ela se relaciona com a área da per- confia que “o relacionar-se e o comunicar-se
sonalidade que está indisponível. significativos são silenciosos”.36
Neste caso, portanto, tem-se um Deve existir entre analista e paciente um
exemplo útil do exagero da ne- tipo de comunicação silenciosa, a qual repre-
cessidade de se comunicar psicos- senta um aspecto saudável do diálogo entre
somaticamente. Com base nisso, o eu e o outro. É um silêncio que se conecta
pode surgir alguma oportunidade com o núcleo do verdadeiro self, que se man-
para troca verbal que tenha signi- tém isolado. Para que isso aconteça, é fun-
ficado tanto para o paciente, como damental que o analista saiba se manter em
para o analista.35 reserva e esperar, porque frequentemente “é
o silêncio do paciente que contém a comuni-
Winnicott (1965) acrescenta que, no cação essencial”.37
caso em questão, ao privilegiar a comuni- Para que seja possível simplesmente cres-
cação psicossomática (pela necessidade da cer, é preciso que o ambiente dê sustentação às
paciente), o que é feito na análise é um alar- tendências inatas dirigidas ao desenvolvimen-
gamento do conceito de holding para cobrir to. Por sua teoria distintiva a respeito da cons-
todo o espaço terapêutico. Para ele, o concei- tituição humana – que concebe a existência de
to de holding pode ser esticado em qualquer tendências inatas dirigidas ao desenvolvimen-
grau, para cobrir o que é feito pelo analista, to e um núcleo incomunicado do verdadeiro
quando se contrasta a análise baseada na co- self –, Winnicott reformula a prática analítica e
municação psicossomática com a análise ba- atribui relevância à posição de sustentação do
seada na troca verbal. analista. Esta adquire importância fundamen-
Devemos salientar que essa experiência tal para lidar com o fenômeno da regressão à
de comunicação psicossomática (silenciosa) dependência, que pode ocorrer em qualquer
é uma situação que existe em qualquer aná- análise, nem que seja por um curto período de
lise, porque se trata, basicamente, da possi- tempo. Estar nessa posição significa sustentar
bilidade de comunicação com o verdadeiro o processo, o que implica que o analista tenha
self. Ao lado da importância da comunicação “uma crença na natureza humana e no proces-
significativa entre analista e paciente, há uma so maturacional”.38
profunda valorização do silêncio. Winnicott

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LITTLE, M. Ansiedades psicóticas e prevenção: registro pessoal de uma análise com Winnicott. Rio
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36
Idem, 1963b, p. 184.
37
Idem, 1968b, p. 633.
35
WINNICOTT, 1965, p. 1-2. 38
Idem, 1954, p. 292.

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Dados da autora:
Karina Codeço Barone
Psicanalista, mestre em Estudos Psicanalíticos pela Tavistock and Portman Clinic, mestre
e doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP, autora do livro “Realidade e Luto:
um estudo da transicionalidade” (São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2004). Subvenção: CNPq

Recebido: 16-09-2011
Aprovado: 20-03-2012

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