Vous êtes sur la page 1sur 104

1

Os pecados
capitais do
Cambeba
-------------------------------------------------

Artur Bruno,
Aírton de Farias e
Demétrio Andrade

Fortaleza - 2002
2

--------------------------------------------------------------------------------
Copyright © 2002 Artur Bruno, Aírton de Farias e Demétrio Andrade

Capa e Projeto Gráfico: Wiron Teixeira


Ilustração da capa: Os Sete Pecados Capitais: Hyeronimus Bosch (1450-1516)
Impressão: Expressão Gráfica
--------------------------------------------------------------------------------
B898p Bruno, Artur
Os Pecados Capitais do Cameba./ Artur Bruno; Airton de Farias; Demétrio Andrade. Fortaleza: Editora: Expressão
Gráfica, 2002. 204p. Traz anexo de tabelas com dados estatísticos.
1 - Política Pública - Ceará
2 - Cambeba - Ceará
3 - História Política Cearense
CDD 320.98131
Catalogação na fonte por Norma Marques David de Sousa CRB 3/765
--------------------------------------------------------------------------------
3
Sumário

Prefácio

Apresentação

1ª Parte: A geração Cambeba

1. O "galeguinho"
2. Os empresários no poder
3. A hegemonia burguesa
4. O limite das mudanças

2ª Parte: Os pecados capitais do Cambeba

Introdução
1. Neocoronelismo
1.1. O Ceará entre a dominação tradicional e a modernidade
2. Autoritarismo
2.1. Relação com a sociedade
2.2. Assembléia Legislativa e Serviço público
2.3. Movimento social
2.4. Plebiscito e referendo
3. Falta de transparência
3.1. O caso BEC
3.2. O caso BNB
3.3. A SEFAZ sob suspeita
3.4. Prestação de contas
3.5. Orçamento
3.6. Dívida do Estado
4. Concentração de renda
4.1. Indústria x agricultura
4.2. A guerra fiscal
4.3. Renda concentrada
4.4. Desemprego

5. Descaso social
5.1. Saúde
5.2. Educação
5.3. Telensino
5.4. Condições domiciliares
5.5. IDH
6. Desprezo pela justiça
7. Excesso de publicidade
Conclusão
Referências Bibliográficas
Anexo de tabelas
Sobre os autores
--------------------------------------------------------------------------------
4
Prefácio

ARTUR BRUNO, DEMÉTRIO ANDRADE e AÍRTON DE FARIAS demonstram competência, coragem e grande
vigor científico ao enfocar um tema estritamente político, que colocou o Ceará na mira da mídia nacional nos
últimos anos denominados como os da ``geração Cambeba''. Os autores renovam seu compromisso político e,
reforçando a causa popular, colocam à disposição dos cearenses, um texto analítico que põe em xeque o ``governo
das mudanças'', um conjunto de medidas que se diziam capazes de modificar o perfil e o desempenho do Ceará,
parte da promessa de campanha da geração que está no poder desde 1986. Analisando com brilho o processo
político recente do Estado e demonstrando conhecimento profundo da situação do Ceará, os autores constroem com
maestria um discurso competente, onde o texto, de excepcional qualidade, prende o(a) leitor(a) pela sua forma
amena.

Informações eivadas de dados e estatísticas fundamentam o conteúdo do livro que trata o tema de forma séria e
conseqüente. Todos os argumentos, fundados no pressuposto dos ``sete pecados capitais'', foram conduzidos com
acuidade e argúcia. A primeira parte, de responsabilidade de Airton de Farias, explica com qualidade, uma análise
científica do processo político que conduziu o ``Galeguinho'' - apelido como ficou conhecido o governador Tasso
Jereissati - à frente do governo do Estado, estabelecendo os ``limites das mudanças'', com o empresariado no poder.
O texto desperta acentuado interesse ao enfocar o papel dos jovens empresários que, no final da década de 1970,
haviam revitalizado o CIC -

Centro Industrial do Ceará, fundado em 1919 e que se encontrava fora da cena política cearense. Os autores
conseguem, a partir deste nicho, dar um enfoque especial à política cearense. Retomam o apelo do grupo renovador
do CIC, contra o coronelismo, este visto como expressão do atraso dominante no Estado. Os coronéis,
representantes da tradição, são percebidos como responsáveis pelos mais diversos arranjos espaciais dominados
pela miséria e pelo atraso. A tônica discursiva dos autores parte do pressuposto que a ``geração cambeba'' chega ao
poder apregoando a modernidade e anunciando sua capacidade de compreender e alterar a complexa trama de
relações que envolvia a dinâmica social cearense, imposta pelo governo dos coronéis, presente com força total no
contexto dos anos 1980. No campo da política, o tema discutido pelos autores é um dos mais palpitantes. O Estado
ganha interpretação de qualidade, garantia de uma leitura acurada de sua realidade. Em suas trajetórias, os autores
têm renovado o compromisso de exímios observadores das mudanças ocorridas na sociedade cearense. Esse
conhecimento, quando cotejado com o quadro nordestino, deixa o Ceará em desvantagem, malgrado os parcos
dados disponíveis capazes de viabilizar uma análise comparativa mais completa e conclusiva. Artur Bruno coloca
sua competência política, adquirida em muitos anos de dedicação ao magistério e ao parlamento como vereador e
deputado, fazendo dos movimentos sociais, especialmente, os ligados à educação, sua grande bandeira de luta.
Homem afável, ataca o campo do adversário com a polidez e segurança de quem conhece a dinâmica da máquina
do Estado no trâmite de seus diversos órgãos públicos. Sua vida política traduz-se em prática docente de qualidade
ímpar. ``OS PECADOS CAPITAIS DO CAMBEBA'' é o amálgama do feliz encontro dos três autores que reúnem
experiência e forte poder de fogo, capaz de minar o campo do adversário com informações precisas e verdadeiras e,
antes de tudo, decodificadas com sabedoria e desenvoltura na abordagem das questões mais prementes. O teor
crítico do livro encontra respaldo numa fundamentação teórico-conceitual de qualidade. O roteiro metodológico
garante vanguardismo em sua análise. A edição deste livro é um ganho para o (e)leitor(a) que poderá discernir, no
contexto da política cearense, os ônus e os bônus dos resultados da vigência do modelo de gestão do Cambeba.
Com este livro, o (e)leitor(a) adentrará no cotidiano cearense das escolas, dos postos de saúde e hospitais, dos
conjuntos habitacionais, dos assentamentos de reforma agrária, do campo e da cidade, na longa espera do povo por
melhoria de sua condição de vida.

Ao resgatar a tônica do discurso contida nas falas e práticas políticas do ``governo das mudanças'', os autores não
desqualificam os governantes. Ao contrário, são capazes de reconhecer ganhos, atribuindo-lhes a condição de
sujeitos políticos, portadores de respeito, direitos e dignidade. Essa capacidade de ver, de olhar para o outro, de
fazer política com ética e respeito, faz a diferença. Traduz a capacidade da oposição em construir uma alteridade
onde a ética se faz presente. Essa postura confere aos autores uma galhardia firmada na crença de um trabalho sério
e comprometido com as transformações sociais. A garantia do sucesso do livro reside, certamente, no fracasso do
modelo de gestão tão bem apreendido e assimilado pelos autores. A profundidade da pesquisa e o percurso
metodológico seguido permitiu um desvendar, um desocultamento do real, do concreto da realidade cearense,
favorecendo que viessem à tona, as vicissitudes do cotidiano de milhões de cearenses subjugados ao mundo da
miséria nos espaços rurais e urbanos de nosso Estado. A análise fecunda autorizou a apreensão do desmanche do
que fora a dinâmica do mundo rural cearense. Ao mesmo tempo, revelou quão tem sido desafiadora, a
sobrevivência da classe média, premida por rebaixamento dos salários e forte pressão do mercado. A pesquisa foi
esmiuçada pela equipe que não deixou nenhum aspecto da gestão sem análise. Os autores assimilaram as
5
temporalidades diferenciadas contidas nas gestões Tasso, Ciro, Tasso, Tasso. Buscaram apreender na dinâmica do
poder sob a égide do grupo ``cambeba'', a regulação formal das relações burocráticas impostas pelo Estado e pelo
aumento acentuado da informalidade do mundo do trabalho. A pertinência do tema coloca-o como leitura
obrigatória para os que se interessam pela política cearense. Não temos dúvida de que ``OS PECADOS CAPITAIS
DO CAMBEBA'' será obra de referência local, regional e nacional para todos os interessados na compreensão da
realidade do estado. Os questionamentos postos no livro inauguram um momento novo, colocando em xeque o
resultado de políticas públicas assumidas pelo modelo de gestão da ``geração cambeba'', onde os sete pecados
capitais aparecem na manifestação do neocoronelismo, do autoritarismo, na falta de transparência, na concentração
de renda, no descaso social, no desprezo pela justiça e no excesso de publicidade. Esses ``pecados capitais'' são
sempre tratados com rigor analítico, longe da postura piegas da crítica pela crítica. Fugindo da banalidade que
empobreceria a interpretação e avaliação de temas tão polêmicos, os autores tecem toda uma trama elucidativa da
complexidade gerada pela gestão do ``governo das mudanças''. Destacamos mais uma vez que a metodologia
adotada para abordar o tema fez com que os autores apreendessem com fidelidade os traços dominantes do modelo
de governo, traduzidos na desigualdade da produção do espaço cearense. Estão de parabéns os autores pela
acuidade da análise e excelência do conteúdo. Há muito o Ceará carecia de uma leitura crítica com enfoque político
reunindo um deputado atuante, engajado nas lutas populares, um historiador competente e um jornalista perspicaz e
profundo em suas análises. Preocupados em orientar o livro de forma que não se assemelhasse a um trabalho
acadêmico, os autores elaboraram um texto que, pela sua qualidade, subsidiará a sociedade em questões prementes,
presentes, inclusive, na academia. Estamos de parabéns todos nós que confiamos na forma ética de fazer política e
alimentamos a crença de que é possível ter e de que teremos um Ceará melhor - justo, digno, bom e bonito para
todos!

Prof. José Borzacchiello da Silva


Prof. Titular da UFC
--------------------------------------------------------------------------------
6

Apresentação

Este livro é o resultado do esforço concentrado de três professores que aceitaram o desafio de analisar um grupo
político que persiste na função de segurar as rédeas do poder no Ceará. Para que a ética seja preservada com o
leitor, é oportuno afirmar que são três cidadãos de oposição - Artur Bruno é parlamentar pelo Partido dos
Trabalhadores (PT), desde 1988; Demétrio Andrade é de imprensa sindical desde 1991 - com clara vivência
política e aspirações ideológicas de esquerda. Aírton de Farias é um professor com concepções libertárias. A obra,
portanto, não é imparcial (de fato, porém, a bem da verdade, a objetividade absoluta não existe).

É necessário esclarecer que este estudo não se pretende científico ou acadêmico, embora beba em ambas as fontes.
Mas não é um simples jogo ideológico de posições. É uma obra que se afirma crítica, mas dentro de padrões
lógicos, fundamentados com dados e afirmações que podem ser verificadas em obras de referência citadas ao longo
do texto. Para isso foram utilizadas as melhores e mais atualizadas fontes bibliográficas, legislativas, jornalísticas e
de pesquisas institucionais.

É um livro que quer fornecer ao cidadão - desde o mais comum até o mais intelectualizado -, numa linguagem
simples e clara, uma visão sobre a realidade histórica e social do Ceará no período dominado pelos tucanos.
Enquanto os pecados capitais - na segunda parte, escrita por Artur Bruno e Demétrio Andrade - traçam um
dignóstico dos governos tucanos, o livro, em sua primeira parte, preocupa-se em oferecer uma contextualização do
período analisado, realizada pelo historiador Aírton de Farias.
Os autores também asseveram que os sete pecados capitais apontados - considerados como os mais importantes -
não esgotam os problemas verificados na análise. Há outros que merecem estudos igualmente aprofundados.

Embora fincado dentro de uma ideologia, o livro também não se pauta por problemas de ordem pessoal e nem faz
avaliações irresponsáveis. Seu objetivo não é a polêmica rasteira, mas abrir um debate franco, honesto, aparando
arestas, aprimorando políticas públicas e apostando na mudança de concepção de governo ou, quem sabe, do
próprio grupo político.

Agradecimentos especiais a todos nos que ajudaram nesta empreitada. Ao professor e economista Alfredo Pessoa
Oliveira, quase um co-autor, pelos dados e sugestões concedidas. Aos parlamentares - e respectivos assessores -
que dispuseram sua produção legislativa - deputado federal José Pimentel (PT) - em especial ao chefe de gabinete
Vicente Flávio -; deputados estaduais João Alfredo (PT), José Guimarães (PT), Eudoro Santana (PSB), Francisco
Lopes (PCdoB), Mauro Filho (PPS), Paulo Linhares (PPS); e o vereador José Maria Pontes (PT). Aos amigos
Franzé Sousa e Vagner de Farias, "digitadores-mores" da primeira parte do livro. À professora Celeste Cordeiro e
ao professor Idevaldo Bodião, pela disponibilização de suas pesquisas. Aos advogados João de Deus Duarte Rocha,
presidente da Associação Cearense do Ministério Público; Humberto Heitor Ribeiro e Carlos Augusto Medeiros de
Andrade, respectivamente presidente e diretor da Associação dos Defensores Públicos do Estado, pela presteza de
suas informações. À Teresa Porto, pela cuidadosa revisão.

Os autores
--------------------------------------------------------------------------------
7

Primeira parte

A Geração
Cambeba
Airton de Farias
--------------------------------------------------------------------------------
8

"Você canta na cidade,


Cá no sertão eu infrento.
A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divera
Precisa tê sofrimento".
(Patativa do Assaré)

O "Galeguinho"

A 15 de março de 1987, o estreante na política e empresário Tasso Jereissati tomava posse no comando do
executivo cearense. O "galeguinho dos olhos azuis", como ficou conhecido na campanha eleitoral de 1986, devido
ao seu fenótipo, diferente da população, conseguira derrotar os famosos coronéis do Ceará (Virgílio Távora,
Adauto Bezerra e César Cals ) e inaugurar uma nova etapa na história política do Estado.

A vitória de Tasso constituiu-se um duro golpe nas tradicionais oligarquias locais. Todavia, não significou o fim da
dominação das elites econômicas sobre o povo cearense. Na verdade, o grupo político do governador, formado
principalmente pela burguesia industrial, rompera com as antigas elites, assumindo o controle dos destinos do
Estado. A chegada de Tasso foi o coroamento de um projeto político burguês, cujas origens estão no ano de 1978,
envolvendo o Centro Industrial do Ceará.

O CIC fora fundado em 1919 com o objetivo de defender os anseios da embrionária indústria cearense e preparar a
frágil classe empresarial para contrapor-se ao operariado, que naquele momento igualmente se arregimentava por
melhores condições de vida. Entre os seus primeiros presidentes estavam Tomás Pompeu de Sousa Brasil e o ex-
governador João Tomé de Sabóia e Silva (1916-20). Contudo, num Estado pobre, de economia agro-exportadora, a
rigor serão poucos interesses industriais a representar. Assim, já nos anos 1920 o CIC acabou esvaziado com o
aparecimento de outras entidades de classe, como a Federação da Agricultura, Comércio e Indústria do Ceará
(FACIC), reunindo ao mesmo tempo comerciantes, industriais e proprietários rurais.

Em 1950 apareceu a Federação das Indústrias do Ceará (FIEC) - da mesma forma que suas congêneres em outras
unidades da federação, dentro da concepção sindical getulista -, cujo presidente passou a acumular
automaticamente a presidência do CIC. Esse atrelamento entre as duas entidades permaneceria até 1978, quando
um grupo de "jovens empresários" assumiu o controle do Centro Industrial e implantou sua autonomia em relação à
FIEC.

No que diferiam esses "novos empresários" ? E por que obtiveram tanto destaque a ponto de assumir o Governo do
Estado? O que defendiam? Para responder tais indagações é preciso fazer uma breve análise da história econômica
cearense.

O Ceará teve na pecuária e no algodão os pilares de sua economia. Região pobre, de solos ruins, sujeita às secas
periódicas, o Estado por isso também nunca apresentou elites fortes como acontecia na Zona da Mata açucareira de
Pernambuco. Conforme brilhante trabalho do professor Josênio Parente1, um dos traços típicos do Ceará é a
fragilidade de sua economia e, por conseguinte, de suas classes dirigentes.

As próprias elites, porém, perceberam a necessidade de mudar esse quadro de fragilidade. Apoiadas num contexto
do nacional desenvolvimentismo, em moda no Brasil nos anos 1950 e 1960, passaram a estimular a industrialização
cearense, na intenção de fortalecer a economia estadual e consolidar a classe dominante - não dava mais para ficar
esperando por chuvas ou pelas cíclicas demandas do mercado externo por nossos produtos agrícolas. Caberia ao
Estado fornecer os "estímulos industriais", pois a burguesia local não tinha capital para tanto. Nesse sentido, foi
fundamental a criação do Banco do Nordeste (BNB, em 1954) e da Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE, fundada em 1959 e extinta em 2001), além das administrações do governador Virgílio Távora
(1962-66/ 1979-82). BNB e SUDENE, por meio da elaboração de projetos, construção de obras infra-estruturais e
incentivos fiscais, possibilitaram não só um surto industrial, como prepararam toda uma gama de técnicos,
estudiosos e administradores, os quais seriam igualmente aproveitados na gestão dos governos estaduais do
nordeste (por exemplo, o ex-governador Gonzaga Mota era um técnico do BNB ). O Coronel Virgílio Távora ( já
falecido e ironicamente apontado pelos atuais dirigentes do Estado como uma das "forças do atraso cearense")
criou as bases do processo de industrialização do Estado - ele que traz a energia elétrica da usina de Paulo Afonso
1
PARENTE, Francisco Josênio Camelo. A fé e a razão na política. Fortaleza: Ed UFC/UVA, 2000.
9
para o Ceará (fundamental para qualquer indústria), cria o BEC (Banco do Estado do Ceará), amplia o porto do
Mucuripe, oferece incentivos fiscais para montagem de fábricas vindas do Centro-sul, instala o pólo industrial de
Maracanaú...

Assim, aos poucos, o Ceará vai se industrializando - em geral, com fábricas do setor tradicional, ou seja, indústrias
têxtil e de vestuário, calçados e artefatos de tecidos - e dando força política à burguesia local. Esta era composta na
maior parte por cearenses natos, autodidatas, homens com pouca instrução, "formados nos balcões e nas
máquinas". A maioria desses empresários vieram de atividades comerciais anteriores - nas quais muitos
enriqueceram por contrabando ou por outra forma espúria2.Reuniam-se na tradicional FIEC e apresentavam uma
visão corporativista do mundo (ou seja, preocupavam-se apenas com os interesses dos industriais), beneficiando-se
dos financiamentos, empreguismo, corrupção e clientelismo do Estado.

A FIEC, por isso, não questionava as estruturas de poder, que, obviamente eram favoráveis aos seus membros.
Limitava-se a apoiar as ações dos governantes e tecnocratas nacionais, e a comparecer simbolicamente em
festividades do Estado. A entidade constituía-se um ótimo local para se tomar café com biscoitos. Tinha uma casca
de mofo e conservadorismo.

Durante a ditadura militar, o presidente da FIEC, José Flávio da Costa Lima chegou a enviar, junto com
empresários de outros estados, um documento ao presidente João Figueredo no qual expunha temores com a
distensão política e o retorno à democracia. É bom lembrar que boa parte do empresariado brasileiro tinha apoiado
e contribuído com o golpe de 1964 como forma de barrar as medidas reformistas (tidas por "comunistas") propostas
por João Goulart.

No final da década de 1970, não obstante, surgiu uma nova geração de empresários no Ceará que ia aos poucos
assumindo o comando das indústrias e comércios. Era um grupo homogêneo, de idade variando entre 35 e 45 anos,
diferente dos pais pelo fato de ter passado pelas universidades e feito curso de pós-graduação. Os "rapazes" tinham,
pois, maior embasamento teórico e técnico, e uma concepção diferente da realidade. Sabiam, estudavam o que era
capitalismo, o que é uma sociedade capitalista e qual deve ser o comportamento dos capitalistas.

Para aqueles "jovens empresários", não deveriam os industriais estar sujeitos aos burocratas estatais, mas no
comando do Estado. Não lhes agradava ter de pagar propina para conseguir recursos para um projeto industrial; não
desejavam depender dos "humores" dos tecnocratas da ditadura - tudo isso dificultava a acumulação de capitais.
Queriam acabar com os "intermediários", almejavam um Estado menos intervencionista, rápido, ágil, "moderno", a
seu total dispor.

Em 1978, o já citado presidente da FIEC, José Flávio da Costa Lima, percebendo a homogeneidade desse grupo
jovem e suas diferenças com os tradicionais empresários, resolveu ceder-lhe o quase desativado CIC, que dessa
maneira foi desligado da Federação das Indústrias. A intenção de Costa Lima era que os "meninos"
desenvolvessem suas "potencialidades", uma vez que era difícil a convivência dessas duas gerações numa mesma
entidade.

A partir daí o CIC entrou numa nova fase, mobilizando não só o empresariado, mas outros segmentos sociais e
tendo notável presença na vida pública cearense. Enquanto a FIEC ligava-se apenas ao governo, o Centro Industrial
buscava também contato com os movimentos sociais, especialmente com a facção empresarial paulista conhecida
por "grupo dos oito", que ainda em 1978 já havia lançado um manifesto defendendo a abertura política da ditadura.

O primeiro presidente do CIC nessa nova etapa (gestão 1978-1980) foi Benedito Clayton Veras Alcântara (Beni
Veras), empresário do ramo de confecções ( executivo da Indústria Têxtil Guararapes, atual proprietário da
Confex). Natural de Crateús, filho de um alfaiate marxista, militou no movimento estudantil e foi ligado ao Partido
Comunista Brasileiro (PCB), o que lhe deu uma boa experiência nos movimentos de massa - daí porque é ainda
hoje considerado o "guru" do grupo. Ao lado de Beni estavam outros pesos pesados da economia cearense, como
Tasso Jereissati (Grupo Jereissati), Francisco Assis Machado Neto (Construtora Mota Machado), Byron Costa de
Queiroz (executivo do Grupo Ivan Bezerra), José Sergio de Oliveira Machado (Indústria Têxtil Vilejack), Edson
Queiroz Filho (Grupo Edson Queiroz), Ednílton Gomes de Soarez (Colégio Sete de Setembro) e Amarílio Proença
de Macedo (Grupo J. Macedo).

2
CARVALHO, Jáder de Carvalho. Aldeota. São Paulo, Exposição do Livro, 1963. P. 377.
10
A nova postura do CIC logo provocou alguns atritos com o conservadorismo da FIEC - o que , contudo, não era
suficiente para uma ruptura estrutural, pois, afinal, todos eram empresários. Beni, Tasso, Amarílio e companhia
romperam com o estigma corporativista que as entidades representativas estavam impregnadas. Desenvolveram um
projeto político arrojado. O CIC começa a defender uma gestão empresarial da administração pública, sem
clientelismo, fisiologismo, paternalismo ou corrupção. Critica duramente o mal gerenciamento dos recursos
públicos, a grande quantidade de funcionários públicos com baixa produtividade e a falta de um projeto econômico
compatível com os anseios empresariais mais "modernos".

Os "jovens" também atacavam a política industrial para com o nordeste - o Governo Federal privilegiava a
economia do centro-sul. Posicionava-se contra o controle e intervencionismo estatal na economia (esse discurso,
note-se, aparecia sem o vigor que ganhou recentemente com o avanço do neoliberalismo) do país. Apresentavam
uma preocupação com a grave questão social brasileira, em especial com a cearense - não porque fossem
"bonzinhos" (também!), mas porque, melhorando o padrão de vida da população, esta compraria mais confecções,
refrigerantes, cervejas, etc, que eles vendiam! Tinham um discurso social-democrata, de defesa da propriedade
privada e da atuação do Estado apenas para minorar as mazelas sociais. Na visão do CIC, precisava-se "humanizar"
o capitalismo...

Definiram-se as lideranças do CIC desde o momento da reorganização da entidade, como portadores da missão de
conscientizar os industriais do Ceará sobre problemáticas locais, regionais e nacionais, de modo a habilitá-los para
a atuação política. Instrumentaliza tais propósitos a realização periódica de "debates", "seminários", "encontros",
envolvendo personagens do meio empresarial, intelectual e político do país, acontecimentos acompanhados de
grande publicidade local e nacional. Cristaliza-se, assim, a substantivação da entidade como "forum de debates"3.

Há aqui já contradições entre o discurso e a prática dos "jovens empresários". As raízes familiares destes ligavam-
nos aos velhos industriais, que por sua vez enriqueceram através dos estímulos, vícios e virtudes do Estado. A
geração CIC era "neta" da SUDENE, BNB, do FINOR, instituições as quais aplicaram vultosas quantias de
dinheiro público em suas empresas. Seriam os "jovens empresários" os mais adequados moralmente para fazer
aquelas críticas? E mais: os "meninos" falavam em democracia, porém em 1979 apoiaram o governador Virgílio
Távora (eleito indiretamente e indicado pelo presidente-ditador Geisel) e até deram sugestões administrativas ao
secretário de planejamento do coronel, Luis Gonzaga da Fonseca da Mota. Referendaram mesmo a eleição (direta)
de Mota para o comando do executivo estadual em 1982, contra o candidato do PMDB, Mauro Benevides, que,
pelo menos a princípio, representava o ideal de redemocratizar o país.

No ano de 1980, assumiu a segunda direção do CIC na nova etapa, sob a presidência de Amarílio Macedo e, em
1981 a terceira diretoria, entregue a Tasso Jereissati. No discurso de posse deste, há uma passagem na qual pela
primeira vez fica explícito a projeto burguês de conquistar o poder: O CIC tem o compromisso em nível estadual,
regional e nacional com a formação, o mais rápido possível, de uma classe política e forte, capaz de influenciar e
até assumir o poder4.

Com o desmoronar da ditadura militar, a crise econômica brasileira e a pressão popular pela redemocratização do
país no início da década de 1980, o Centro Industrial incrementou sua atuação política, ganhando cada vez mais
uma imagem "progressista"e de oposição aos desmandos do país. Os "rapazes" estimulam o governador Gonzaga
Mota a romper com os "padrinhos"políticos "coronéis", fundam um comitê "pró-eleições diretas já" para presidente
e, com a impossibilidade destas, apóiam a eleição de Tancredo Neves em 1985.

Contudo, possuíam os "jovens empresários" consciência de que, para realizar as "mudanças" preconizadas,
necessitavam, efetivamente, conquistar o poder institucional. A possibilidade de tal intento surgiria em 1986,
quando da sucessão do governador Gonzaga Mota.

Mota, conhecido pelos amigos como "Totó", foi eleito pelo PDS em 1982, para governar o Estado como produto do
vergonhoso Acordo de Brasília, em que, por um pacto entre os "donos tradicionais" do Ceará, os coronéis Virgílio
Távora, Adauto Bezerra e César Cals, dar-se-ia a cada qual um terço da administração pública, restando a Gonzaga
Mota "carimbar os papéis". "Totó", jovem, atiçado por vários setores sociais e sentindo o gosto sedutor do poder,
acabou rompendo gradativamente com os coronéis. Ganha destaque na mídia nacional ao cortar relações com a
ditadura militar e apoiar Tancredo Neves, indo acomodar-se com seu grupo político no PMDB.
3
LEMENHE, Maria Auxiliadora. Família tradição e poder. São Paulo. Anna Blume/Ed. UFC, 1995, p-191.
4
Jornal o Povo, 16/09/1981.
11

Gonzaga, todavia, reproduzia em seu mandato os vícios das administrações dos velhos coronéis: clientelismo,
empreguismo, desorganização da máquina pública, ineficiência ... Explodiam escândalos a todo momento e em
todos os órgãos do Estado. Conta-se que várias portarias de nomeação de funcionários públicos foram "dadas"a
deputados e cabos eleitorais para distribuição com eleitores. Há mesmo o caso de um deputado estadual que pode
dispor de 200 portarias para oferecer "de presente" aos formandos de uma turma que paraninfou ...

Para complicar, o mandato de Mota (1983-1987) compreendeu a catastrófica seca de 1979-84, a mais longa do
século XX, na qual pela enésima vez assistiu-se a cenas dramáticas e sofrimento dos cearenses: retirantes do
interior pedindo esmolas em Fortaleza, crianças, mulheres, velhos passando fome, mortes, saques, violência, abalo
da economia local etc. O funcionalismo público teve seus vencimentos atrasados vários meses — o governo, para
atenuar a situação, dava aos servidores vales, que o espírito jocoso do povo (o famoso jeito "Ceará moleque")
chamava de "gonzaguetas", o "dinheiro"de Gonzaga Mota!

Quanto a sua sucessão, a princípio, "Totó" procurou negociar com os coronéis Virgílio Távora, César Cals (ambos
do PDS) e Adauto Bezerra (do PFL) para que, junto com o PMDB, marchassem unidos numa composição de forças
imbativéis. Mas a discussão sobre quem encabeçaria a chapa inviabilizou qualquer coligação.

Depois, Mota pensou lançar como candidato do PMDB ao governo o ex-senador Mauro Benevides, político
conservador. Suas chances de triunfo nas eleições eram remotas, sobretudo pela falta de recursos financeiros e
porque era um nome tão tradicional quanto o dos coronéis. Ao que consta, por intervenção do então Presidente da
República José Sarney, "Totó"acabou indicando como candidato, para surpresa de muita gente, o mais destacado
daqueles "jovens empresários"que haviam revitalizado o CIC: Tasso Jereissati.

Tasso Ribeiro Jereissati nasceu em Fortaleza no ano de 1947, sendo filho do senador Carlos Jereissati, figura que
exerceu intensa atividade política no Estado nas décadas de 1950-1960 como presidente do velho PTB. Com a
morte precoce do pai em 1963, o "galeguinho" mudou-se para o centro-sul do país, formando-se em administração
na Fundação Getúlio Vargas (São Paulo). Tasso era então um dos homens mais ricos do Ceará, dono de uma
holding que envolvia shopping centers (Iguatemi), hotéis, moinhos, agroindústrias, fábricas de bebidas (Coca-cola)
etc. Em abril de 1986 ingressa no PMBD a convite de Mota, que, na prática não passou de um trampolim para que
os "jovens empresários" conquistassem o comando do Estado — tanto que depois, "Totó" seria totalmente
renegados pelos "meninos" do CIC.

Para Jereissati, o PMDB era excelente lugar, pois antes de tudo, é o partido da situação no governo do Estado. Em
segundo lugar, por que encontra, nos princípios defendidos historicamente pelo MDB-PMDB, meios para
sacramentar as contestações aos antigos quadros políticos então em disputa. Da parte do PMDB não haveria melhor
candidato. O Jereissati traz consigo as bases industriais do CIC e da FIEC e com elas recursos para financiar a
campanha eleitoral, tem visibilidade nacional como grande empresário, o apoio de proprietários (locais e nacionais)
de meios de comunicação e considerável prestígio junto a setores emergentes das classes média, conquistado como
liderança empresarial progressista5.

Os "jovens empresários" necessitavam, porém, confrontar-se com duas forças políticas: os três coronéis e suas
bases interioranas (leia-se "currais eleitorais"), bem como as esquerdas, que em 1985 elegeram sensacionalmente
Maria Luiza Fontenele para a Prefeitura de Fortaleza.

Derrotar os coronéis, por incrível que pareça dizer isso hoje, foi bastante fácil. Em Fortaleza, onde existe um
eleitorado mais crítico e politizado, César, Adauto e Virgílio possuíam pouca penetração. No interior, seus currais
eleitorais estavam em franca desestruturação, e não possuindo orientação ideológica, eram facilmente cooptáveis.
Na verdade, o ocaso dos coronéis evidenciava mais uma vez a fragilidade das antigas elites cearenses. Os coronéis
dominaram o Estado com punho firme graças ao apoio da ditadura. Com a democracia liberal, dividiram-se e
sucumbiram. Ao mesmo tempo, o eixo tradicional da economia, centrado no binômio gado-algodão, e sustentáculo
dos poderes locais deles no interior, após sofrer abalos contínuos, ruiu por completo como um castelo de areia.

As sucessivas secas nos anos 1970, culminando com a desesperadora estiagem de 1979/84 quase liquidou a
pecuária. O algodão entrou em colapso no final da década de setenta, colapso esse que igualmente ocorreu em
outros Estados e que se liga à política do Governo Federal voltada para dificultar as exportações, baixando os
preços da fibra para beneficiar as indústrias têxteis do país. Assim, os cotonicultores tiveram seus lucros reduzidos,
5
LEMENHE, Maria Auxiliadora. Op. Cit. p. 206-7.
12
não melhorando a qualidade da lavoura e perdendo espaços no mercado internacional. Além disso, faltou política
de investimento por parte dos governos, e quando havia, os recursos eram inacessíveis aos pequenos lavradores.
Para completar, as próprias secas e a praga do bicudo (a qual o governo não combateu eficientemente) acabaram
por liquidar o algodão em poucos anos. A cotonicultura, sustentáculo de nossa economia por séculos, tem hoje uma
importância mínima para o Estado, pois os empresários do CIC ao conquistarem o poder não se empenharam em
modificar o quadro de colapso. O Ceará na atualidade, incrivelmente, importa o algodão.

Portanto, a crise da economia cearense destruiu a força das oligarquias municipais interioranas, as aliadas naturais
dos coronéis. Para complicar, mudanças estruturais ocorriam ainda no Estado — o capitalismo avançava no meio
rural; surgiram grandes projetos agroindustriais (frutas para exportação, pecuária intensiva, lavouras de qualidade
etc.), incorporando novas técnicas de produção, dispensando mão-de-obra, "engolindo" terras de pequenos
camponeses ou impondo-lhes relações assalariadas.

Desempregados, sem-terras, assalariados ... veja que aos poucos os sertanejos vão conquistando a sua
"independência política", ou seja, rompem os sistema de "troca de favores"e fidelidade que assegurava o voto dos
trabalhadores aos candidatos dos donos da terra (e nos coronéis!). Para tal "independência" (que não quer dizer que
as condições de existência do povo melhoraram) contribuiu ainda a Igreja Católica, que, atuando com sindicatos,
Comissões Pastorais da Terra (CPT), Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e partidos de esquerda, procurou
organizar os sertanejos na conscientização política e luta contra o latifúndio explorador — não é à toa que nos anos
1980 eclodiram vários conflitos no campo (entre 1985-90 registraram-se 21 assassinatos de trabalhadores rurais6).

Surgia no sertão o chamado "voto solto", ou seja, aquele voto que não tem uma orientação ideológica que pré-
determine a sua direção, mas que também já não tem cabresto"7. Esse voto, que sempre predominou nas capitais
brasileiras e que tende a se expandir pelo interior cearense, pode ser conseguido pela compra — intermediada por
cabos eleitorais — ou através de discursos eficazes por meios de comunicação em massa. E discursos eficazes e
muita propaganda Tasso realizou nas eleições de 1986.

Quanto às esquerdas, a questão era outra. Em 15 de novembro de 1985, a cidade de Fortaleza conheceu uma das
maiores surpresas eleitorais de sua história: Maria Luiza Fontenele, do PT, elegeu-se prefeita derrotando os
"favoritos", Paes de Andrade (PMDB) e Lúcio Alcântara (PFL), e contrariando todas as pesquisas de opinião. Era
um evidente sinal de como as tradicionais oligarquias estavam em crise, abrindo espaços para "novos atores
políticos", entre os quais obviamente encontravam-se os "jovens empresários"e os setores progressistas. Os
primeiros tinham um projeto político burguês-capitalista; os segundos não possuíam um plano claro alternativo, e
pagaram um preço alto por isso. Os esquerdistas, recém-saídos da clandestinidade, não perceberam com realismo o
significado daquele momento. Ficaram com suas lutas internas, picuinhas ideológicas e medíocres objetivos
imediatos — lutas, picuinhas e objetivos que a direita antiga e a "turma do CIC" estimularam. O bonde da história
passou e os segmentos populares não o pegaram.

Maria Luíza não logrou êxito em sua administração. As razões para tanto são várias. O "Grupo da Maria"
(dissidente do PC do B) cometeu vários equívocos. Defender o povo não implica abrir mão do diálogo com outros
setores sociais. Maria Luíza, socióloga, deputada estadual em duas legislaturas pelo PMDB, isolou-se na prefeitura.
Inabilidosamente, atritou-se com as várias facções do Partido dos Trabalhadores, cujas disputas também
atrapalhavam a Gestão Popular — acabou depois expulsa da agremiação. Maria defrontou-se igualmente com a
forte oposição de certos movimentos populares, ligados ao arqui-rival PC do B.

Imagine uma mulher desquitada, de esquerda, no comando de uma cidade importante do país — lembre-se que era
a primeira vez que os setores progressistas administravam uma capital brasileira. Faltou experiência. As classes
dominantes e os governos estadual e federal promoveram um escandaloso boicote à petista. Na época, vigorava a
constituição de 1967, a qual impunha uma forte centralização do poder. Isso significa que, entre outras coisas, os
prefeitos não tinham autonomia para gastar; para qualquer obra importante deveriam pedir dinheiro aos executivos
estadual e federal. Ora, Sarney, Gonzaga Mota e depois Tasso dificultaram ao máximo o repasse de recursos à
administração de Maria — para que "alimentar"o inimigo? Sem dinheiro era complicado administrar uma
prefeitura falida, com dívidas gigantescas. Os servidores, com salários atrasados, entraram em greves (greves,
quem diria, apoiadas pelas elites). A cidade teve seus serviços essenciais quase que paralisados; professores,

6
LEMENHE, Maria Auxiliadora. Ob. Cit. p-214.
7
CARVALHO, Rejane Maria Vasconcelos A. Voto rural e movimentos sociais no Ceará. Fortaleza. NEPS. 1990.
(mimeo). p-81.
13
médicos, garis de braços cruzados; escolas, hospitais fechados; lixo se acumulando pelas ruas; buracos na
pavimentação das avenidas.

Fontenele, e isso até seus detradores reconhecem, buscou moralizar a máquina pública, acabando com o
empreguismo, com os "funcionários fantasmas" etc. Proliferou a ocupação de terrenos por pessoas sem moradia,
havendo a conivência da prefeitura. Essa agressão à propriedade privada assustou as classes dominantes. A Câmara
Municipal — dominada por vereadores reacionários e de honestidade duvidável — fazia contra Maria radical
oposição e várias vezes tentou cassar-lhe o mandato. As bases de apoio iam diminuindo. A imprensa realizava
críticas sistemáticas e diárias: além de não veicular notícias promocionais da prefeitura, diariamente alardeava os
problemas da cidade com destaque.

A imagem vitoriosa da Maria da campanha foi rapidamente substituída pela imagem da prefeita "incompetente",
rótulo que atingiu duramente a esquerda, de modo especial ao PT, inviabilizando suas pretensões eleitorais nas
disputas majoritárias posteriores no Ceará8.

Nesse contexto de ebulição política é que disputaram as eleições de 1986. Os "jovens empresários" organizaram o
"Movimento Pró-Mudanças" que, além do PMDB, aglutinou até parte da esquerda cearense, no caso o PCB e o PC
do B. Sua chapa era: para governador Tasso Jereissati; para vice, Castelo de Castro e para as vagas senatoriais
Mauro Benevides e Cid Carvalho. Ao mesmo tempo, os coronéis e as velhas elites formavam a "Coligação
Democrática", com o PFL, PDS e PTB: para governador, Adauto Bezerra (PFL); para vice, Aquiles Peres Mota
(PDS) e para o senado, César Cals (PDS) e Paulo Lustosa (PFL). O PT, coligando-se com o Partido Socialista
Brasileiro (PSB) lançou a seguinte chapa: para governador, Padre Haroldo Coelho (PT); para vice, Valton Miranda
Leitão (PSB) e para o senado, Cleide Bernal (PT) e Régis Jucá (PSB).

Quando o PMDB referendou a candidatura de Tasso Jereissati, os coronéis arguíram a vitória antecipadamente e
cometeram o erro estratégico de subestimar o adversário político: "o que é mais fácil para você: disputar com um
profissional (Adauto Bezerra) ou com um amador (Tasso)?". Jereissati não deixou essa indagação de Bezerra sem
resposta : "Sou um amador de poder, mas sou um profissional do espírito público. Toda a minha vida foi pautada
nos princípios relativos ao espírito correto da palavra"9.

A campanha desenvolveu-se em meio a um confronto entre o "moderno"e o "arcaico". O sucesso nacional do Plano
Cruzado e a retórica "mudancista" foram importantes para Tasso. A candidatura do "galeguinho" passava-se como
uma ruptura com os coronéis, com a ditadura, com o Estado corrupto, ineficiente e paternalista. A ligação da
pobreza ao domínio das antigas oligarquias e a promessa de pôr fim à miséria absoluta no campo tiveram bastante
ressonância junto ao povo. Pela primeira vez, um candidato das elites usava um discurso essencialmente de
esquerda. A coligação com os comunistas aproximou Tasso dos movimentos organizados de trabalhadores,
enquanto a mobilização dos empresários colocava à disposição da campanha muitos recursos, entre os quais os
financeiros. Vários intelectuais e padres apoiaram o Projeto das "Mudanças".

O discurso do "novo", ao lado de um eficiente marketing político, elaborado por competentes agentes publicitários
nacionais, encantaram as massas miseráveis dos sertões. Ressalte-se que, num país no qual parcela significativa da
população é pobre, analfabeta ou semi-analfabeta e não tem recursos ou acesso facilitado a informações críticas ou
alternativas (jornais, livros etc.), a televisão tornou-se um poderoso instrumento a serviço da classe dominante. A
mídia eletrônica tem-se caracterizado como fundamental nas eleições. Os "marketeiros" apresentam os candidatos
ao eleitor como quem quer vender uma mercadoria. Até os comícios políticos ganharam uma "roupagem
eletrônica", um verdadeiro "show televisivo", daí o aparecimento de uma nova expressão, "showmício". Nesse
quesito é impossível negar a superioridade do grupo empresarial que organizou a campanha do candidato do
PMDB - pode-se dizer que o marketing de Tasso marcou o início de uma nova forma de fazer propaganda no
Ceará, referência mesmo nacional.

O conteúdo da campanha de Adauto era ridículo. Fundava-se no slogan "Te conheço Ceará", buscando lembrar o
que os coronéis haviam feito pelo Estado, isto é, ressaltando a "gratidão" e o "voto de favor", exatamente elementos
da política tradicional em que Tasso tanto batia. Adauto apontava que Gonzaga Mota havia "destruído" o Ceará —
8
CARVALHO, Rejane Vasconcelos Accioly de. Transição democrática brasileira e padrão midiático publicitário
da política. Campinas: Pontes. Fortaleza. UFC, 1999, p-131.
9
MARTIN, Isabela. Os empresários no poder. Fortaleza. Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Ceará.
1993, p-56.
14
ora, mas o Coronel era vice do "Totó" e, portanto, cúmplice dos atos denunciados ... Jereissati era visto como
"candidato dos comunistas" devido à aliança do PMDB com os PC's — em Juazeiro chegou a circular um panfleto
no qual se lia que o "Galeguinho" era a "besta fera" que viria destruir a cidade de Padre Cícero. Paradoxalmente,
tachava-se o "Galeguinho" de ser um "representante das multinacionais" (o empresário produz no Ceará a Coca-
Cola, produto símbolo do imperialismo norte-americano). Denunciava-se violências praticadas por Jereissati contra
trabalhadores rurais nas propriedades dele.

Esforço inútil de Bezerra. O longo ciclo dos coronéis os havia desgastado. Até a expressão "coronel Adauto"
lembrava o secular coronelismo nordestino, matriz de tanta desgraça de nosso povo...

Um outro fator fundamental na campanha do "Galeguinho" foi o uso da máquina pública — e olha que o
"Movimento Pró-mudanças" pregava a moralização do Estado. O PMDB em 1986, anunciava-se de oposição, mas
tinha o apoio do governador Gonzaga Mota e o poder em nível federal (Presidente Sarney)... Contradições e mais
contradições. Sabe-se que Tasso condicionou sua candidatura à permanência de "Totó" no executivo estadual até o
fim do mandato, pois caso contrário, a direção do Ceará passaria às mãos dos adversários coronéis.
Escandalosamente, o governo realizou a admissão sem concurso, de centenas de servidores públicos —
logicamente, futuros eleitores do candidato das "mudanças". Num momento em que a desarticulação da economia
algodoeira atingia as finanças dos municípios interioranos, concessões a estes de benefícios imediatos, ou
promessas de vantagens futuras, produziram não poucos deslocamentos de chefes políticos do PDS-PFL para o
lado do "Galeguinho", o que era anunciado com muito alarde e euforia na imprensa como "avanço do moderno".
Os "jovens empresários" faziam alianças com as velhas e corruptas oligarquias que tanto criticavam... Sem o uso
desses "dispositivos do coronelismo", pairam sérias dúvidas se o triunfo de Tasso teria sido tão tranqüilo como foi.

Mas a inevitabilidade da vitória não foi suficiente para evitar perturbações à candidatura "mudancista". Já no início
da campanha, começaram a ocorrer atritos entre Tasso e o governador Gonzaga Mota. Este, que abdicara de uma
eleição garantida na Câmara Federal para ficar no comando do Estado e "facilitar" o triunfo de Jereissati, sentia-se
constrangido em ouvir do empresário críticas ásperas sobre a questão social do Estado, da corrupção da máquina
pública ou ainda sobre o vergonhoso "Acordo de Brasília" que o havia levado ao poder em 1982.

Contudo, a separação definitiva entre os dois líderes ocorreu devido ao Banco do Estado do Ceará (BEC). O banco
estava quase falido e envolvido em escandalosas negociatas que favoreciam algumas poucas "pessoas de
influência". Nos bastidores, segundo o advogado Aroldo Mota10 comentava-se que o Banco Central iria intervir no
BEC — o que, feito durante a campanha, abalaria a imagem de Tasso como candidato oficial. A fim de evitar a
intervenção federal, os "jovens empresários" exigiram uma medida "moralizante", a demissão do presidente da
entidade, Fernando Terra — este seria , como se diz no linguajar popular, o "boi das piranhas".

Mota, de início, comprometeu-se com a exigência; mas, em seguida, pressionado pela família, voltou atrás. Isso
irritou o grupo do CIC e Gonzaga afastou-se da campanha. "Totó" e "Galeguinho" chegaram a trocar insultos pela
imprensa. Mais uma vez a criatura rebelara-se contra o criador. Depois, passado o pleito eleitoral, houve a
intervenção no BEC.

Mesmo assim, o "Movimento Pró-mudanças" obteve uma vitória esmagadora, inclusive no interior, reduto dos
coronéis: elegeu Tasso (com 52,3% dos votos válidos contra 30% de Adauto), os dois senadores e a maioria dos
deputados estadual e federal. Adauto não conseguiu derrotar Jereissati sequer em Juazeiro, sua terra natal. A era
dos coronéis acabara. Inaugurava-se um novo ciclo de poder no Estado. Começava a Geração Cambeba.
--------------------------------------------------------------------------------
Os Empresários no Poder

O domínio secular das oligarquias, a ditadura militar e o ciclo dos coronéis deixaram uma herança maldita para os
cearenses. Em 1986 o Estado estava praticamente quebrado, apresentando um quadro alarmante de pobreza e
concentração de renda, além de uma máquina administrativa ineficiente, corrupta e sobrecarregada de servidores
públicos, muitos dos quais "fantasmas", outros em greve devido ao atraso de três meses de pagamento. A
arrecadação de impostos era suficiente para cobrir apenas dois terços da folha de pagamentos. O BEC estava sob
intervenção federal. Nos sertões, além da miséria em larga escala, predominava impunemente os crimes de
pistolagem. A falta de dinheiro era tanta que cada soldado da Polícia Militar tinha uma cota de apenas duas balas
por mês.

10
MOTA, Aroldo. História política do Ceará - 1987/91. Fortaleza. Multigraf Editora 1992,p-38.
15
Foi em meio a esse quadro quase apocalíptico que Tasso Ribeiro Jereissati, aos 37 anos, assumiu o governo em
1987. Passando a administrar da nova sede do executivo, no Centro Administrativo Governador Virgílio Távora, no
bairro do Cambeba (palavra que desde então passou a designar os governistas e seus simpatizantes), suas ações
voltaram-se para colocar em prática o projeto político-burguês defendido pelos "jovens empresários" do CIC.

O ponto básico — e isso é importante para compreender o que se falará adiante — que caracterizaria a Geração
Cambeba foi a "modernização" da máquina administrativa cearense, ou seja, promoveria uma gestão empresarial
do Estado, de modo que se buscasse o equilíbrio orçamentário, a eficiência da máquina pública e a probidade no
trato com a coisa pública. Assim, obter-se-ia um Estado "enxuto e eficiente", que em vez de servir a "grupos
clientelistas", possibilitasse a acumulação e expansão capitalista no Ceará — do que, obviamente quem mais se
beneficiaria seria a própria burguesia dirigente e, em menor escala, o povo. Formava-se uma oligarquia urbano-
industrial, com bastante poder político, ao contrário das frágeis oligarquias tradicionais.

Nesse sentido, quinze decretos assinados por Tasso após a cerimônia de posse provocaram enorme repercussão.
Foram demitidos de uma só vez quase trinta mil funcionários contratados ilegalmente na administração Gonzaga
Mota. Outros vinte mil servidores "fantasmas" foram chamados a comparecer ao local de trabalho sob pena de
serem excluídos da folha de pagamento. Particulares foram intimados a devolver ao Estado os bens públicos que
usufruíam. Combateu-se a corrupção.

Ao mesmo tempo, o Cambeba saneava o BEC e recuperava a estrutura arrecadadora do Estado — informatizaram-
se os postos de arrecadação de impostos, contrataram-se mais fiscais, reformulou-se o aparato legal tributário,
promoveram-se campanhas publicitárias etc. O Ceará fez pioneiramente no Brasil o que o jargão neoliberal chama
de "ajuste fiscal", isto é, fortaleceu as finanças públicas, fosse aumentando as receitas, fosse diminuindo as
despesas (inclusive com um brutal achatamento salarial dos servidores ), visando ampliar a capacidade de
investimento do Estado em infra-estrutura (porto, aeroporto etc.), e mesmo possibilitar incentivos fiscais para atrair
indústrias.

Segmentos sociais ligados às estruturas tradicionais reagiram às medidas do "Galeguinho". Boa parte da imprensa
entrou em choque com ele, devido à demissão de jornalistas de cargos públicos e ao não pagamento de dívidas
contraídas pela gestão "Totó" com donos de jornais, rádios e televisão. Conforme Aroldo Mota11, profissionais de
imprensa recebiam dinheiro ( os chamados "birôs") para bajular os coronéis, e propalava-se que determinados
veículos de comunicação tinham suas folhas de pagamento cobertas pelo erário público estadual. O Cambeba
deixou de veicular inicialmente propagandas nos jornais locais.

O PMDB não era, na verdade, o partido do governador, mas apenas um instrumento para levar os "jovens
empresários" ao poder. Membros da agremiação romperam ainda em 1987 com Tasso, pois sentiam-se
desprestigiados pela nova administração. As secretarias mais importantes do "Governo das Mudanças" foram
ocupadas por técnicos e empresários do CIC, constituindo-se estes o núcleo central do poder decisório: Sérgio
Machado dirigia a Secretaria de Governo (tratando da coordenação política da gestão); Assis Machado Neto deixou
a presidência do Centro Industrial para ocupar a Secretaria de Transporte e Obras; Beni Veras foi nomeado
Assessor Especial do governador; Byron Queiroz ficou com a Secretaria do Planejamento; Francisco Lima Matos,
técnico do BNB, presidiu a Secretaria da Fazenda. O PMDB ocupou lugares secundários e inexpressivos no
governo, salvo talvez o secretário de agricultura, Eudoro Santana, ligado à ala esquerda daquele partido.

Os peemedebistas reclamavam da falta de acesso ao governador. Acostumados a receber e distribuir cargos entre os
seus correligionários, ficavam indignados ao não terem seus pedidos aceitos. Esperavam inocuamente na sala do
secretário Sérgio Machado, num verdadeiro "chá de cadeira". Consideravam isso um "desrespeito" aos políticos. A
"rebelião"do partido era também incitada pelo ex-governador Gonzaga Mota, totalmente isolado das decisões
administrativas por Jereissati (posteriormente "Tótó" iria para o PTB, voltando ao PMDB após a saída de Tasso da
agremiação).

Desta forma, o PMDB rachou. Parte da sigla, englobando vários deputados estaduais (entre eles Antonio Câmara,
Presidente da Assembléia Legislativa) e federais, além do próprio "Totó", passaram a se opor ao governador,
enquanto a outra parte, sob a chefia de Mauro Benevides, continuou ligada ao Cambeba.

Contando com a minoria na Assembléia Legislativa, o executivo enfrentou enormes dificuldades para desenvolver
o "projeto mudancista", sendo rotineiro o choque entre os dois poderes. Mas Tasso não deixou por menos. Ao
11
MOTA, Aroldo. Op. Cit. p-109.
16
longo do seu quadriênio (1987-91), procurou desestruturar as bases eleitorais remanescentes dos adversários
(chamados genericamente de "forças de atraso", de "reacionários"e de detentores de interesses contrariados), ao
mesmo tempo em que se preparava para as eleições municipais de 1988 e estaduais de 1990.

Assim é que: a) reedita na Secretaria de Governo, sob a coordenação de Sérgio Machado, funções análogas à da
Secretaria para Assuntos Municipais do governo de Adauto Bezerra, por meio da qual conquista a adesão de
prefeitos interioranos; b) realiza obras de maior vulto em municípios-chave, em diferentes regiões do Estado
particularmente em Juazeiro do Norte e Canindé [em cuja sede transitam, como centro de peregrinação de fiéis de
Padre Cícero e São Francisco, considerável número de eleitores] (...); c) faz alianças com o PDS e PFL nos
municípios onde encontra oposição do PMDB; d) institui as categorias de agentes de saúde e agentes de mudança.
Como corpos móveis de servidores, se ocupam, respectivamente em oferecer técnicas sanitárias às populações
interioranas e exercer as funções de liderança comunitária na capital do estado. Ambos operam como forma
institucionalizada de "cabos eleitorais"; e) estreita os vínculos com as direções de federação e sindicatos dos
trabalhadores rurais; e f) promove a candidatura de empresários, executivos de empresa e profissionais de formação
universitária para cargos do legislativo e, em menor extensão, para as administrações municipais12.

O Cambeba se orgulha em dizer que, a partir de Tasso os "segmentos organizados" do povo passaram a participar
direta e democraticamente das decisões governamentais, sem intermediação de políticos. Isso não é bem verdade.
O que o governo chama de "participação" não vai além de mera execução e gestão dos programas. Ora, num
quadro (dito) de escassez de recursos para eventos sociais, são os movimentos populares, e não o "Governo das
Mudanças", que serão responsabilizados pela seleção dos beneficiados dos projetos (muitas pessoas carentes ficam
fora destes) e por eventuais "falhas" na execução dos mesmos. Portanto, constitui-se um modo de "não queimar" a
imagem de Tasso e companhia.

Além disso, investe-se no processo social: em vez da comunidade espontaneamente organizar entidades defensoras
de seus interesses, é o governo que estimula essa criação, de modo que se formam associações populares dóceis e
subservientes ao grupo no poder. Isso explica por que nos últimos anos proliferaram no Ceará associações da noite
para o dia com a velocidade de um carro de corrida! Não poucas vezes, as lideranças dessas entidades são ligadas a
correligionários cambebistas, desmentindo pois a idéia ingênua de que os programas sociais do Cambeba não sejam
paternalistas e politiqueiros. O que há é uma nova forma de clientelismo, "mais moderno".

A Secretaria de Trabalho e Ação Social foi — e é — uma notória cooptadora de entidades e lideranças populares.
Os "agentes de mudanças", "agentes de saúde" e outros "agentes" quaisquer retransmitem a ideologia oficial para o
meio popular — e obviamente obtêm votos para o Cambeba. A FETRAECE ( Federação dos Trabalhadores do
Estado do Ceará), que apoiou a eleição de Tasso em 1986, foi por anos um mero fantoche nas mãos do governo,
visando manipular os sertanejos, sobretudo porque em 1989 o Movimento dos Sem-Terra (MST) passou a atuar no
Estado por uma verdadeira e popular reforma agrária. Curiosamente, o "Governo das Mudanças"até que se dispôs a
fazer no início uma reforma agrária, mas que não levou adiante por pressão dos latifundiários e das grandes
empresas agro-industriais — prova disso foi a saída da Secretaria da Agricultura de Eudoro Santana13.

O isolamento de Tasso em relação aos movimentos políticos e sociais de oposição lhe valerá a pecha de autoritário.
As manifestações populares com as quais o Governo não concorda, como nos tempos da ditadura e dos coronéis,
são chamadas de "manipulação das esquerdas"e truculentamente reprimidas muitas vezes.

O autoritarismo cambebista logo fez o PCB e o PCdoB migrarem para a oposição — até hoje os comunistas são
cobrados por terem apoiado Tasso. Curiosamente, aos adversários do governo iria acoplar-se uma das peças
fundamentais da nova fase do CIC, Amarílo Macedo — o motivo? O mesmo: a intolerância tassista.

Amarílio Macedo, ao contrário de Jeressati e demais cambebistas, gosta de dialogar como os setores organizados
da sociedade civil. Durante a campanha de 1986, foi o coordenador dos "Grupos Pró-mudanças" que eram
organizados nos municípios cearenses para apoiar Tasso e discutir projetos de interesse das comunidades. Vitoriosa
a chapa do "Galeguinho", esses grupos foram mantidos, tornando-se quase um governo paralelo. Isso começou a
preocupar o Cambeba, afinal era um poder de mobilização muito grande nas mãos de alguém independente e que
não se submetia ao centralismo do "Governo das Mudanças".
12
LEMENHE, Maria Auxiliadora. Op. Cit., p-225.

Vide BEZERRA, Bernadete Ramos. Clientelismo e Modernidade: O Caso do Programa de Reforma Agrária no
13

Governo Tasso Jereissati. Fortaleza. UFC/NEPS/Programa de pós-graduação em sociologia. 1994.


17

Macedo foi pressionado e acabou por dissolver aqueles grupos de discussão — mas também rompeu com Tasso.
Era uma fissura no Grupo do CIC (o empresário Edson Queiroz Filho também seria outro que romperia com o
Cambeba). Os efeitos da ruptura seriam notados nas eleições municipais de 1988. Macedo articulara o movimento
suprapartidário "Fortaleza, Sim; Cambeba, não", cujo propósito era arregimentar o "voto útil" para o mais forte
candidato de perfil progressista, o radialista policial e deputado estadual Edson Silva, do PDT. No entanto, a
divisão das esquerdas dificultou essa ação (o PT e o "Grupo da Maria" — agora no Partido Humanista — lançaram
candidatos próprios).

Em resposta, o Cambeba atacava: "Fortaleza, sim; Cambada, não". Tasso lança como candidato do PMDB a
prefeito da capital o seu jovem líder na Assembléia Legislativa, deputado Ciro Ferreira Gomes. Foi uma eleição
acirrada, na qual a direita, com o apoio da mídia, ressaltava a "incompetência" da esquerda, embora os
peemedebistas estivessem bastante desgastados com o patético Governo Sarney. Ciro vence apertado, com
diferença de menos de 1% dos votos sobre Edson Silva (note que, se os progressistas estivessem unidos,
provavelmente ganhariam de novo a prefeitura fortalezense). Euforia do Cambeba. Conquistar Fortaleza era
fundamental no projeto burguês de monopolizar a política cearense — o governo elegeu ainda 37% dos prefeitos
interioranos.

As primeiras ações de Gomes como gestor municipal (1988-90) foram com o intuito de "recuperar" e "modernizar"
Fortaleza. Contando com apoio financeiro do governo estadual (já que a prefeitura não possuía recursos), a cidade
foi limpa, os buracos das ruas tapados, o funcionalismo em dia com seus vencimentos etc. Os níveis de
popularidade de Ciro e Tasso alcançaram as alturas, sendo considerados os "melhores administradores" do Brasil,
segundo as pesquisas de opinião.

Mesmo assim o Grupo do CIC não se sentia confortável no PMDB. Inclusive, a oposição local de setores do
partido fez-se refletir na Executiva Nacional. Em 1987, quando o Presidente da República José Sarney fez um
convite para que Tasso assumisse o Ministério da Fazenda, o nome do "Galeguinho" foi vetado pelo então
deputado federal Ulysses Guimarães (presidente da sigla e eminência parda da Presidência).

Jereissati entendeu finalmente que não encontraria espaços no PMDB para ampliar o projeto político do CIC, fosse
no Estado ou nacionalmente. Passa a procurar novo partido. Em 1989 haveria eleições diretas para presidente da
República — as primeiras após o fim da ditadura militar. A direita, as elites, a maior parte da imprensa, apoiaram
um "aventureiro", o demagogo Fernando Collor de Mello, do inexpressivo Partido da Reconstrução Nacional
(PRN), para barrar as chances de vitória da esquerda (Lula, do PT, Brizola, do PDT).

Tasso se nega a apoiar o candidato do PMDB ao Palácio do Planalto, o mesmo Ulysses Guimarães, e acena com a
possibilidade de apoiar Collor — vários de seus secretários mais à esquerda deixam os cargos por isso . Mas havia
dificuldades para Jereissati aderir à campanha do "caçador de marajás". Nacionalmente, Collor teve a adesão do
PFL, que no Ceará era liderado por Adauto Bezerra, o coronel que Tasso tachava de exemplo maior das "forças do
atraso" no Estado. O Grupo do CIC, então acabou apoiando o candidato Mário Covas, do PSDB ( Partido da Social
Democracia Brasileira, fundado em 1988 a partir de uma dissidência do PMDB), sigla à qual se filiou em 1990 com
a maioria dos seus correligionários, esvaziando o PMDB local.

O PSDB possuía espaços os quais poderiam — e foram — ocupados pela Geração Cambeba. Tanto que, ao
encerrar seu mandato como governador em 1991, Tasso foi eleito presidente nacional daquela agremiação. Nas
eleições presidenciais de 1989, em termos do Ceará, no primeiro turno venceu Collor, ficando em 2º lugar Brizola
(vitorioso em Fortaleza), em 3º Mário Covas e em 4º lugar, Lula. No segundo turno, Jereissati pronunciou-se
"neutro" e seus partidários empenharam-se na campanha de Collor, vitorioso no Estado (embora Lula tenha ganho
em Fortaleza).

A relação do governador Tasso (e depois Ciro) com Collor foi delicada. O presidente colocou adversários políticos
de "Galeguinho" em cargos importantes da máquina federal no Nordeste e no Ceará. Adauto assumiu a
superintendência da SUDENE; Luís Marques, o DNOCS.

O "caçador de marajá" chegou a mandar realizar uma devassa fiscal nas empresas de Jereissati. Isso mudou,
contudo, quando, acossado com a possibilidade do "impeachment" em 1992, o alagoano buscou apoio do PSDB —
Tasso chegou a ser convidado para ocupar um ministério de Collor. Mas aí já era tarde demais... E o "caçador" foi
"abatido" da presidência após as denúncias de corrupção do caso PC.
--------------------------------------------------------------------------------
18
19
A Hegemonia Burguesa

Em 1990, aconteceu mais um choque entre a burguesia industrial cambebista e as antigas forças oligárquicas, agora
reforçadas pelo PMDB. Tasso, no melhor estilo do "centralismo democrático", indicou como candidato do PSDB
ao governo o prefeito Ciro Gomes, com base em algumas pesquisas de opinião. Essa indicação marcou o início do
afastamento do "Projeto das Mudanças" de Sérgio Machado, que contava ser o candidato tucano ( pássaro símbolo
do PSDB ).

Importante ressaltar que, para dor de cabeça do Cambeba, com a candidatura de Ciro ao Executivo Estadual, a
prefeitura da capital passou para o vice Juraci Magalhães, pertencente ao agora inimigo PMDB. Médico,
Magalhães fora um dos fundadores do MDB no Ceará e um de seus principais dirigentes. É um hábil político de
bastidores, tanto que não havia até então ocupado nenhum mandato público. Sua indicação para vice de Ciro em
1988 fora um prêmio pela militância de décadas no partido. Juraci logo impôs sua forma de administrar, impedindo
o PSDB de reconquistar a prefeitura de Fortaleza nas eleições seguintes (em 1992, elegeu um preposto para o
cargo, Antonio Cambraia; 1996, voltou ao poder e em 2000 foi reeleito).

É Juraci um homem público tradicional, de estilo populista, que faz política "de modo antigo". Suas gestões em
Fortaleza caracterizaram-se pelo largo uso da mídia, construção de grandes estruturas de "impacto visual"
(remodelação da Praça do Ferreira, abertura de novas avenidas, edificação de viadutos, construção de um grande
hospital etc, em geral estruturas localizadas no centro e nas áreas mais ricas da cidade) e de obras pequenas na
periferia (pavimentação e saneamento de ruas, construção de praças), tudo de discutível alcance social numa
metrópole injusta e miserável como Fortaleza. É bom ressaltar que parte da população da cidade gosta desse tipo de
administração; para os moradores "a noção de bem-estar também está relacionada à beleza, ao asseio e à agitação
das áreas nobres, que para eles toma a forma de uma imensa área de lazer e lhes lembra que habitam uma cidade
bonita"14. Com Magalhães, Fortaleza virou um canteiro de "obras, amigos e votos". Mantém uma relação dita como
fisiologista com a Câmara Municipal e existem várias denúncias de irregularidades e favorecimento envolvendo
sua gestão e familiares, vereadores e empresários.

Voltemos a tratar das eleições governamentais de 1990. O vice de Ciro na chapa oficial foi Lúcio Alcântara, antigo
aliado dos coronéis, agora no PDT, e o candidato ao senado, o "guru" Beni Veras" (PSDB). Era a coligação
"Geração Ceará Melhor".

Os adversários formaram uma super aliança para tentar derrotar o Cambeba: a coligação PFL-PDS-PMDB-PTR-
PSD-PTB apresenta como candidato a governador Paulo Lustosa, economista, ex-secretário de planejamento no
governo Adauto Bezerra, ex-deputado e ex-ministro do governo Sarney. Pretendendo contar com largo prestígio
político de Virgílio Távora [falecido em 1988], a ausência deste é tentativamente, compensada com a candidatura a
vice da viúva Luiza Távora, creditada junto aos moradores da periferia de Fortaleza por trabalhos de assistência
social15. A chapa oposicionista, denominada "Compromisso Ceará Verdade", completava-se com a candidatura de
Paes de Andrade ao Senado.

A apresentação para o governo de Lustosa, um técnico — portanto, de feição "moderna" contrapondo-se ao estigma
de "força do atraso" — foi inócua. Com muito dinheiro, prestígio e contando com o apoio da máquina pública, Ciro
foi eleito governador já no primeiro turno, com 54% dos votos. A coligação PSDB-PDT elegeu 10 deputados
federais e 22 deputados estaduais, assegurando ao Cambeba ampla maioria — verdadeiro "rolo compressor"— na
Assembléia Legislativa. A partir de então o poder legislativo virou um apêndice do "Governo das Mudanças".
Consolidava-se o projeto político do CIC no Estado.

Ciro Ferreira Gomes nasceu em Pindamonhangaba (SP) no ano de 1957, mas foi criado em Sobral, onde sua
família chefiava um dos mais tradicionais grupos políticos do norte cearense. Figura jovem, de "boa aparência",
orador excepcional, sua vida pública caracterizou-se pela incoerência ideológica e a busca constante de novos
espaços políticos. Militou no movimento estudantil na Faculdade de Direito (pela qual bacharelou-se — é
advogado), elegendo-se deputado estadual em 1982 pelo PDS dos coronéis. Depois, ingressou no PMDB e
reelegeu-se deputado estadual em 1986, tornando-se líder e defensor de Tasso na Assembléia Legislativa. Sua

COSTA, Frederico Lustosa da. Televisão e política: a campanha municipal de 1992 em Fortaleza. Fortaleza.
14

UFC/NEPS/Programa de pós-graduação em sociologia, 1996, p.16.


15
LEMENHE, Maria Auxiliadora. Op. Cit. p. 224.
20
"moderna" administração à frente da prefeitura de Fortaleza credenciou-o a ser eleito governador com apenas 33
anos, um dos mais novos do Brasil.

Tornar Gomes governador foi uma jogada arriscada de Tasso, afinal, ele não é empresário, muito menos
pertencente ao grupo original do CIC de 1978 e no Ceará havia uma tradição das "criaturas rebelarem-se contra os
criadores e alçar vôo sozinhas" ante a fragilidade das elites. Ciro, todavia, é o que podemos chamar de "burguês
gerencial", ou seja, um elemento da classe média a serviço do empresariado dominante. Ciro continuaria o projeto
capitalista iniciado por Jereissati no Estado. Seu grupo político (os "ciristas") era pequeno e não muito expressivo,
não tendo condição de romper com a burguesia, contentíssima com a "modernidade administrativa" de Tasso (em
1992, Fernando Cirino Gurgel, ex-presidente do CIC, tornou-se presidente da FIEC, o que significou que os agora
já não tão "jovens empresários" consolidaram sua influência para todo o setor empresarial). O Centro Industrial
ficou com cargos importantes dentro do governo Ciro, como a Secretaria da Fazenda, entregue a Byron Queiroz.

A vinculação de Ciro ao projeto empresarial das "mudanças" fica evidente quando em 1991 ele aceita a criação do
"Pacto de Cooperação" (fundado pelo dinâmico Amarílio Macedo, que assim se reaproximava do Cambeba). Tal
"Pacto" consiste num fórum permanente no qual empresários discutem suas necessidades e apontam as "soluções"
ao governo, que, obviamente se esforça em atendê-las.

Ciro difere de Tasso no modo de governar. O "Galeguinho" é um gestor empresarial, reservado (são raras suas
entrevistas na imprensa local), sisudo, que guia o Estado com mão-de-ferro. Gomes apresenta o mesmo estilo
intolerante, mas tem rasgos do mais puro populismo. Sabe que no Brasil, país sem partidos políticos fortes , é o
carisma da figura pública que o torna líder respeitável. Daí suas declarações bombásticas, os "torpedos", os quais
provocam polêmicas e o projetam nacionalmente. Ciro é um típico exemplo de político profissional.

No poder, o governador atrita-se com vários setores. Briga com professores devido a um discutível "provão" para
avaliar o nível do magistério; critica acidamente médicos em greves (que estariam "querendo atrair clientes para
um plano particular de saúde"), polemiza com a imprensa e juízes da Justiça do Trabalho, reprime sem-terra e
manifestações da CUT, compra até briga com o Conselho de Enfermagem do Ceará, o qual chegou a considerar os
"Agentes de Saúde"como "incompetentes" — disse Ciro a esse respeito numa revista de circulação nacional: nós
temos o reconhecimento mundial a uma estratégia e não vamos atender a um sentimento fascistóide de
corporativismo. Não toco no assunto, não converso. Não discuto. Não negocio nada. Eles vão à merda16.

Para ratificar a idéia de "grande líder destemido", Gomes usa como poucos a mídia. Aliás, não só ele mas toda a
Geração Cambeba. O Ceará é ainda hoje um dos Estados que mais investe em propaganda no Brasil. Os comerciais
do governo vinculados na televisão impressionam pela qualidade técnica. Artigos são publicados em vários jornais
e revistas não só locais, mas também nacionais. Periódicos do centro-sul e até internacionais publicam reportagem
evidenciando o "progresso cearense" (escasseiam as matérias críticas). Parece que o Ceará é uma "ilha da fantasia",
um "paraíso de modernidade e prosperidade". Para divulgar o Estado (e, lógico, seu nome) Ciro chegou a ajudar
financeiramente a novela da Rede Globo "Tropicaliente" (1994), cuja trama passava-se no Ceará e exibia toda a
infra-estrutura turística e industrial. O mesmo ocorreu com a Escola de Samba "Imperatriz Leopoldinense", campeã
do carnaval do Rio de Janeiro de 1995 com o enredo "Mais vale um jegue que carregue que um camelo que me
derrube ... lá no Ceará".

Obviamente, afirmar que o prestígio do Cambeba deve-se apenas ao uso da mídia é ser injusto e ingênuo. O
crescimento econômico e industrial do Estado angaria apoios. Na gestão Ciro (1991-95) o SANEAR (projeto
gigantesco para ampliar a rede coletora de esgotos) foi importantíssimo; preocupou-se com a educação,
aumentando os gastos na área (embora sem muitos resultados positivos — ampliou o questionável método do
"telensino"); esforçou-se para recompor o salário do magistério (que passou a receber um reajuste de 10% a mais
que o restante do funcionalismo público); auferiu alguns bons resultados na saúde: ampliou-se a cobertura vacinal,
diminuiu-se a incidência de várias doenças (apesar dos surtos de dengue e cólera em 1993-94 — o próprio
governador foi vitimado pela perigosa dengue hemorrágica), reduziu-se a mortalidade infantil (o que valeu ao
Estado o prêmio Maurice Patè, da UNICEF, em 1993) etc.

Do mesmo modo que não podemos atribuir aos "coronéis" a idéia absoluta de "forças do atraso", também não se
pode associar totalmente o Cambeba à "modernidade plena". Tem igualmente seus vícios, usando ações e
instituições públicas para benefícios particulares.

16
Playboy, Julho de 1992, p. 115.
21
A este respeito é exemplar a principal obra executada pelo governador Ciro Gomes, em Fortaleza. Construindo
um parque ecológico com a finalidade de preservar o meio natural, delineia-se um sistema viário que, referenciado
pelo Shopping Center Iguatemi de propriedade do então presidente nacional do PSDB, Tasso Jereissati, não só
amplia o acesso ao centro de compras, como o torna parte integrante do parque. As vantagens desse
empreendimento público para o proprietário são óbvias17.

Em 1992 Ciro defrontou-se com mais uma seca de nossa história. E como se fosse um roteiro ruim de teatro,
repetiram-se as cenas trágicas de desespero, fome, mortes e saques. Pena que nessa peça da vida real não haja final
feliz para o povo. Fortaleza "incha" com os retirantes e vê ameaçado o abastecimento d'água, que só não foi ao
colapso porque numa verdadeira "operação de guerra" construiu-se em apenas três meses, usando a mão-de-obra de
5.000 mil homens, o denominado "Canal do Trabalhador"18, o qual, com seus 115 Km de extensão, trouxe água do
Rio Jaguaribe para a capital. Ciro foi visto como "herói" pela façanha...

Outro transtorno para Gomes foi a derrota do candidato do PSDB, Assis Machado Neto, na eleição municipal de
Fortaleza em 1992. A vitória ficou com o candidato de Juraci Magalhães (agora "arqui-rival" do governador), o
desconhecido e inseguro Antonio Cambraia. Apesar dessa frustração, de maneira genérica, o pleito foi favorável
aos tucanos no resto do Estado. O PSDB elegeu 92 dos 184 prefeitos. Com municípios falidos ante a crise
econômica — por incrível que pareça, várias cidades do Ceará só têm alguma movimentação financeira quando são
pagas as pequenas aposentadorias dos anciãos sertanejos —, para sobreviver vários prefeitos acabam aderindo ao
Cambeba. Em 1995, por exemplo, já 109 chefes de executivos municipais eram do PSDB, número que aumentou
nos anos seguintes. Este é um dos flancos mais abertos do "Governo das Mudanças": o fato de abrigar hoje
esclerosados grupos oligárquicos no interior, os mesmos que ontem adornavam os palácios dos coronéis. São
elementos que não possuem nenhum compromisso social. Almejam só manter os privilégios, e vários deles estão
envolvidos em negociatas e atos de corrupção, que o "rolo compressor" governista impede de apurar...

O governo Ciro Gomes (...) não quebra de todo a continuidade administrativa, prosseguindo no modelo de
industrialização, enfatizando, contudo, sua interiorização; preocupou-se com o ajuste fiscal, sem deixar de ceder a
pressões pontuais19.

Em setembro de 1994, Ciro deixou o executivo cearense para ocupar o cargo de Ministro da Fazenda do governo
de Itamar Franco. Isso porque o prestígio do jovem político poderia abafar um escândalo envolvendo o então
ministro Rubens Ricúpero (sucessor do cargo do presidenciável e futuro presidente Fernando Henrique Cardoso),
que chegou a confessar nos bastidores de uma entrevista (gravada, porém pela TV) que o Plano Real era eleitoreiro
(de fato...) e o governo não possuia escrúpulos, pois "mostrava para a opinião pública o bom e escondia o ruim".

Ciro, assim, ganhou maior projeção nacional e passou a alimentar o sonho de presidir o Brasil. "Esquecido" depois
pelo presidente FHC, e vendo poucos espaços políticos no PSDB nacional — muito ligado ao empresariado de São
Paulo com quem o ministro teve alguns atritos —, Gomes deixou o "ninho tucano" em 1997 e ingressou no
pequeno PPS (Partido Popular Socialista, facção majoritária do antigo PCB que renunciara ao marxismo com a
derrocada do pseudo-socialismo no mundo). Tornou-se, então, um duro crítico do modelo neoliberal implantado no
país por Fernando Henrique.

Contraditoriamente, porém, Ciro continuou a apoiar no Ceará Tasso, que apóia FHC e aplica no Estado a mesma
fórmula econômica... Há uma explicação do porquê Gomes ter esse comportamento: sabe perfeitamente da
hegemonia da oligarquia urbano-industrial no Ceará e que os inimigos do Cambeba sobrevivem politicamente com
dificuldades (as esquerdas, Juraci Magalhães), ou são cooptados (o ex-prefeito Antonio Cambraia, Edson Silva) ou
implacavelmente extintos (que digam os coronéis e aqueles peemedebistas que romperam com Tasso). Ciro foi
candidato à Presidência da República em 1998, ficando em 3º lugar (derrotou FHC no Ceará, contando com um
"discreto" apoio de Tasso).

17
LEMENHE, Maria Auxiliadora. Op. Cit. p.237.
18
Segundo o SINDIAGUA (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente), se o Cambeba
houvesse adotado soluções alternativas (como construção dos açudes Choró/Aracoiaba, duplicação da Estação de
Tratamento D'água Gavião, campanha de conscientização paro o uso comedido de água etc.), a ameaça do colapso
poderia ter sido evitada. O canal apresentou vários problemas técnicos (vazamentos, rompimentos etc), operando
com uma vazão menor do que o projetado.
19
PARENTE, Francisco Josénio Camelo. Op. Cit. p-202.
22
Ainda em 1994, Tasso Jereissati foi reconduzido ao governo cearense com 43,8% dos votos, derrotando no 1º
Turno seu principal opositor, Juraci Magalhães. O PSDB igualmente elegeu os dois senadores, Lúcio Alcântara
(que deixara portanto o PDT) e Sérgio Machado, bem como a maioria dos deputados estaduais e federais.

Com o segundo governo (1995-99), Tasso consolida sua liderança política não só no Estado, mas igualmente em
nível federal, favorecido pela eleição de FHC para presidência. Manteve o estilo "cambebista"de governar,
desenvolvendo grandes projetos estruturais capazes de fortalecer a economia industrial de Ceará. Daí a construção
do Porto do Pecém, e a internacionalização do aeroporto Pinto Martins (igualmente no objetivo de incrementar o
turismo no Estado), o Metrofor (para mais rápido escoar a mão-de-obra), os linhões Banabuiú-Fortaleza e da
CHESF (ampliando a oferta de energia elétrica ), melhoria das rodovias estaduais, interligação das bacias
hidrográficas, construção do açude Castanhão (o que implicou na construção da primeira cidade planejada do
estado, Nova Jaguaribara, pois a antiga foi inundada pelas águas do açude) etc.

O "Galeguinho" goza de ampla popularidade entre os cearenses, conforme registram as pesquisas de opinião —
tanto que, com a possibilidade jurídica da reeleição, foi mais uma vez eleito para o Executivo Estadual em 1998
(derrotando ironicamente seu "padrinho político" Gonzaga Mota, do PMDB) novamente já no Primeiro Turno com
52% dos votos. Credenciou-se a ser o candidato do PSDB nas eleições presidenciais de 2002.

Mas isso não livrou Tasso de dificuldades. Uma delas foi o aumento da violência — conseqüência direta da
dramática situação social brasileira. A geração Cambeba diminuiu sensivelmente os crimes de pistolagem no
Estado, embora estes continuem a ocorrer, alguns por motivações políticas claras, como o assassinato do prefeito
de Acaraú João Jaime Ferreira Gomes em 2000. Assaltos, roubos, homicídios e seqüestros atormentam a
população, sobretudo na periferia de Fortaleza e no interior, áreas menos assistidas pela polícia.

Há igualmente não poucos casos de violência praticados pela própria polícia: extorsões, tráfico de drogas, torturas,
execuções de criminosos, suspeitos e inocentes . É uma força policial preparada para reprimir, não para prevenir,
mesmo quando a questão é político-social. O corporativismo policial muitas vezes impede a punição dos soldados
responsáveis.

Obviamente que a culpa não é apenas dos policiais. Eles são o produto de uma política de Segurança Pública a qual
sempre viu com desconfiança e reprimiu o negro, o pobre e o favelado. As penitenciárias do Estado são chiqueiros
humanos e rebeliões ocorrem constantemente — numa delas inclusive, foi feito refém o então Arcebispo Dom
Aloísio Lorschaider em 1994. Os soldados recebem uma má formação, autoritária, nas academias militares, são
tratados asperamente por seus oficiais e submetido a uma sobrecarga desumana de trabalho, têm uma baixa
(humilhante) remuneração e falta-lhes melhores condições de trabalho (o que em muitos casos custa a vida desses
policiais ao defrontar-se com marginais melhor armados). Tudo isso ajuda a entender a paralisação policial de julho
de 1997, quando houve troca de balas entre grevistas e o GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais), deixando
vários feridos. Tasso, para o delírio dos reacionários, não negociou com os manifestantes, prendeu os líderes,
afastou quase uma centena de policiais (civis e militares) participantes do movimento. Mas a crise da segurança
pública continuou ...

Nos anos 1990, com Fernando Henrique Cardoso, o PSDB abraçou com entusiasmo o modelo econômico
neoliberal, imposto ao terceiro mundo pelas grandes potências capitalistas. O neoliberalismo, ao contrário do que
muitos pensam (e falam), defende sim a presença do Estado na economia, mas a serviço da grande burguesia,
eliminando garantias sociais da classe trabalhadora _ é a liberdade para explorar (ainda mais) o povo. Jereissati
reproduziu tal modelo no Ceará (de certo modo, os germes do neoliberalismo já estavam contidos no discurso do
CIC de 1978). No ano de 1998 privatizou-se a TELECERÁ (comprada pelo grupo nacional TELEMAR) e a
COELCE (que passou para um consórcio de chilenos, espanhóis e portugueses). Os serviços tiveram sua qualidade
reduzida — e as tarifas escandalosamente elevadas. O atendimento ao público é um horror. Funcionários
competentes foram demitidos e terceirizou-se a mão-de-obra, provocando, aliás, vários óbitos de eletricitários
menos experientes. O BEC — novamente falido em algumas negociatas nunca devidamente explicadas — foi
federalizado (isto é, passou para as mãos do Governo Federal) e em breve deverá igualmente ser privatizado.

O Cambeba hegemoniza a política cearense. Implantou-se no Estado um modelo capitalista que, infelizmente não
alterou substancialmente a situação de pobreza da maioria da população. Há, contudo, abalos no palácio do rei.
Longos períodos no poder desgastam qualquer governante. As dissidências pipocam e as oposições crescem.
Amarílio Macedo tem potencial político. Edson Queiroz Filho também. Welington Landim, político natural de
Brejo Santo e Presidente da Assembléia Legislativa, trocou o PSDB pelo PSB e almeja o Executivo Estadual (em
2001, Jereissati perdeu a maioria tranqüila que tinha no Legislativo). Segmentos progressistas crescem — em 2000,
23
por pouco as esquerdas, com Inácio Arruda/Artur Bruno (PCdoB/PT), não ganharam as eleições de Fortaleza
(Juraci foi reeleito). O senador Sérgio Machado, um dos quadros mais importantes da geração Cambeba e do CIC,
rompeu com Tasso e ingressou no PMDB, sonhando governar o Ceará. No mesmo partido desponta o empresário
Eunício Oliveira com igual pretensão. Há outras lideranças emergentes, enquanto no PSDB faltam nomes
carismáticos — os tucanos não conseguiram produzir novas lideranças de destaque.

Mas não basta ficar na crítica vazia ao Cambeba. Os opositores, se desejam obter o poder, precisam contrapor um
projeto político alternativo, capaz de mobilizar a sociedade e dar ao Estado um novo rumo (de preferência,
beneficiando sobretudo os mais humildes). Sem essa estratégia, é subestimar o aparato institucional e a base
econômica empresarial de Tasso e companhia. E, em política, os que subestimam os adversários pagam um preço
alto.
--------------------------------------------------------------------------------
24
25
O limite das "mudanças"

Com o final do terceiro mandato de Tasso em 2002, a Geração Cambeba irá igualar em tempo de permanência no
governo à oligarquia Accioly — 16 anos. No projeto de implantação capitalista, é inquestionável o sucesso
alcançado pelos "jovens empresários". O Ceará de hoje é bem diferente daquele de 1987. Mudanças realmente
ocorreram. Os diversos números do IBGE, SUDENE, IPLANCE e BIRD comprovam isso. O Produto Interno
Bruto no Ceará aumentou consideravelmente, como será visto adiante. O Ceará é um dos Estados que mais crescem
no país.

A grande alavanca desse crescimento foi a indústria, verdadeira "menina dos olhos do Cambeba". Nos últimos
anos, instalaram-se centenas de indústrias no Estado, de modo que o setor cresceu numa média anual de 3,6% — a
participação da indústria na composição do Produto Interno saltou de 19% em 1970, para 27% em 1998.

Para ter essas indústrias, o Cambeba desenvolve uma agressiva política fiscal, atraindo empresas nacionais e até
estrangeiras. O Estado isenta as fábricas de 75% do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)
por até 15 anos. O percentual e o tempo de isenção amplia-se à medida que as indústrias são instaladas mais
distantes da região metropolitana de Fortaleza, num claro objetivo de levar investimento para os sertões (embora as
indústrias continuem se concentrando próximo à capital). O Executivo fornece ainda o básico, como o terreno
(doado ou financiado aos empresários), água, energia e telefone. Chega mesmo a construir os galpões das indústrias
e recrutar os trabalhadores.

Esses dados fazem os cambebistas darem pulos de alegria, orgulhosos. Mas desviam a conversa quando são
lembrados da hecatombe social cearense. O duro dia-a-dia do nosso povo contrasta com os dados econômicos e a
propaganda do "Governo das Mudanças". O modelo do Cambeba beneficia principalmente os mais ricos, acirrando
as desigualdades sociais. Reproduz-se o velho artifício de fazer o bolo da riqueza crescer, sem reparti-lo. A
população fica com alguns farelos e os mesmos comensais de sempre se empanturram de lucros.

A concentração de renda no Ceará constitui-se uma obscenidade. É a terceira do Brasil (e olha que este é um país
dos mais injustos do mundo na distribuição de riquezas). De uma população em 2000 de 7,4 milhões de habitantes,
cerca de 3,2 milhões estão inseridos num bolsão de miséria desesperador. Apenas uma ínfima minoria é que pode
consumir carros importados, freqüentar shoppings centers, vestir "roupas de grife"— e essa minoria mantém a
lucratividade das grandes redes empresariais do Estado. No Ceará, quem ganha acima de 5 salários mínimos (cerca
de 3,9% da população, mais ou menos 280.000 pessoas) é um privilegiado. Esses dados já foram piores, mas se
esperava bem mais de uma geração de governantes que chegou ao poder prometendo acabar com a miséria
absoluta.

O trabalhador cearense recebe 40% a menos que os do Sul/Sudeste. Esse aliás, é um dos outros atrativos que
levaram empresários a fechar suas fábricas em outras regiões e instalarem-nas aqui. Na ótica dos aliados do
Cambeba, "para quem não ganhava nada, um salário mínimo é um bom salário". Ora, isso é vergonhoso. O trabalho
chega, mas esses níveis salariais mantêm o povo na situação de pobreza e na mesma escala social. O empresário
fica cada vez mais rico, já o empregado ...

Os empregados de algumas indústrias não possuem garantias trabalhistas (férias, décimo terceiro-salário, etc.),
chegando a trabalhar treze horas por dia. O segredo está na criação de "cooperativas" — os operários "associam-se"
para produzir autonomamente para a indústria, e não apresentam oficialmente nenhum vínculo empregatício com a
empresa. Isso é uma clara burla das leis trabalhistas do país, denunciada inclusive por membros locais da Justiça do
Trabalho, que "misteriosamente" acabaram afastados das suas funções...

Os incentivos que o governo dá aos capitalistas significa sacrifícios para os cearenses — corte no ICMS quer dizer
menos dinheiro para saúde, educação, moradia etc. Será que vale a pena tais isenções? Com o avanço tecnológico,
as fábricas cada vez menos geram postos de trabalho. E quando acabar o tempo de isenção, a empresa não irá para
outros Estados que ofereçam mais vantagens? E por que os pequenos e médios empresários locais também não têm
esses privilégios?

A agricultura do Ceará está em estado terminal. A rigor, a maior parte dos recursos que o Cambeba destina ao setor
só beneficia as grandes agro-indústrias. O Cambeba não conseguiu superar a crise que atingiu a agricultura, senão
agravou-a. O drama é que a agricultura absorve a maioria da mão-de-obra cearense. E tome êxodo rural,
favelização, violência, mendicância, prostituição...
26
Não bastam estatísticas positivas. O Ceará só irá mudar de fato quando superar a pobreza absurda de sua gente.
27

Segunda parte
-----------------
Os pecados
capitais do
Cambeba
Artur Bruno e
Demétrio Andrade
--------------------------------------------------------------------------------
28
Um diagnóstico da política do PSDB no Ceará

Depois da verificação histórica realizada na primeira parte desta obra, entraremos numa outra fase de crítica: um
diagnóstico, a partir de dados de pesquisas públicas, da atuação do PSDB em todos esses anos à frente do Governo
do Estado.

A população cearense testemunha atualmente a quarta gestão consecutiva dos tucanos20, apadrinhada por setores
expressivos do empresariado cearense. O governo Tasso III vem consolidar várias tendências políticas, sociais e
econômicas que merecem uma avaliação mais apurada para que possamos fazer uma análise correta do momento
atual e uma projeção balizada do que podemos esperar num futuro próximo, quem sabe apostando numa correção
de rumos.

O governo "mudancista", no início, tinha um discurso iluminista, modernizador e anti-coronelista, centrando fogo
no combate à miséria. De fato, houve avanços em alguns setores específicos. O Ceará hoje destaca-se no cenário
nacional por ter uma máquina administrativa saneada, enxuta e com suas finanças em dia. A imagem de seriedade e
austeridade do atual governador porém confunde-se às vezes com uma aura de competência absoluta que não se
coaduna com a verdade.

Desde 1986, neste longo domínio tucano no Estado do Ceará, a falácia de vender a imagem do Estado como uma
"ilha da fantasia" aos poucos vem sendo desmontada.

O governo modernizou o sistema de tributação e arrecadação, instituiu uma burocracia profissional para
administrar a coisa pública e investiu na priorização do aspecto econômico da administração, com ampliação das
redes de transporte e comunicação como possibilitadores do fomento do comércio, da indústria e do turismo.

Por conta disso, o marketing do Cambeba insiste neste último ponto como fundamental da diferenciação dos
governos recentes em relação aos coronéis. Porém, é preciso salientar - para fazer justiça à história, como salienta o
economista Francisco José Soares Teixeira21 - que foi à época do governador Virgílio Távora que foram plantadas
no Estado as condições infra-estruturais que permitiram esta evolução (sistema rodoviário, telecomunicações,
energia de Paulo Afonso etc.). Aliás, como veremos adiante, o crescimento do PIB experimentado pelo Ceará foi
muito maior no período dos coronéis do que na Era Tucana. Sobre a atuação de Virgílio Távora, lembra Josênio
Parente que a mesma

Foi decisiva para a aceleração do Ceará na rota do III Pólo Industrial no Nordeste, que se consolidara apenas na sua
volta ao governo, em 1979, indicado por Geisel.Távora plantou, naquele primeiro momento _ 1962/66 _, as bases
desse processo que culminaria numa industrialização mais intensa. A obra estrutural mais significativa neste
primeiro governo foi ter trazido a energia de Paulo Afonso para o Estado. No seu retorno ao governo (1979/82), ele
toma um conjunto de iniciativas que consolidará o processo de industrialização. Concretizada a infraestrutura de
transporte, habitação, entre outros, para a instalação do Distrito Industrial no município de Maracanaú, na Grande
Fortaleza, houve o empenho pessoal para a aprovação de projetos privados pela Sudene, no sentido de dar vida
àquele empreendimento, até estimulando a instalação de empresas do Sudeste, naqueles setores tradicionais e mais
identificados com a vocação industrial cearense, como o grupo Gerdau, Vicunha, Têxtil Machado, Artex, entre
outras. (...). Virgílio Távora representou, deste modo, a elite esclarecida e administrou com competência a transição
do conservadorismo para a modernidade.22

Estudo do deputado Eudoro Santana mostrou que a taxa média anual de crescimento do PIB de 1974 a 1986 na
indústria (13,46%), serviços (10,19%) e agropecuária (1,47%) foi maior que no período 1986 a 1998, quando da
administração tucana, quando a indústria cresceu 4,15%, os serviços 3,30% e a agropecuária decresceu em mais de

20
Tasso Jereissati - 1987 a 1990. Foi eleito pelo PMDB em 1986, em 1989 foi para o PSDB. Ciro Gomes - 1991 a
setembro de 1994. Foi eleito pelo PSDB. Em 1994 foi escolhido para ser ministro da Fazenda do Governo de
Itamar Franco. Francisco Aguiar, presidente da Assembléia Legislativa na época, assumiu o Governo do Estado.
Tasso Jereissati - 1995 a 1998. Reeleito em 1998 para o mandato de até dezembro de 2002.
21
TEIXEIRA, Francisco José Soares. Ceará, terra dos outros: uma avaliação do projeto do Governo das
Mudanças. Fortaleza, agosto de 1999 (mimeo).
22
PARENTE, Josênio Camelo. A fé e a razão na política: conservadorismo e modernidade das elites cearenses.
Edições UFC/Edições UVA, 2000. p. 120.
29
6%. De modo geral, o PIB cresceu, em média, por ano, no primeiro período 8,04%, contra apenas 2,95% no
período de domínio do Cambeba.

Os governos do PSDB vêm sistematicamente repetindo neste período práticas equivocadas do ponto de vista
administrativo que passaremos a chamar, nesta obra, numa alusão às convenções religiosas, de "pecados capitais".
No original grego, a palavra pecado define um alvo não alcançado, assim como uma meta não cumprida. Nada
mais propício então para fundamentar esta analogia que ora passaremos a discorrer.

O conceito de pecado _ como transgressão contra a vontade de Deus _ e as descrições das falhas de caráter e de
comportamento mais graves que merecem esse nome fazem parte da tradição judaico-cristã, mas aparecem na
Bíblia de maneira dispersa. Os sete pecados capitais só foram enumerados e agrupados no século VI, pelo papa São
Gregório Magno (540-604), tomando como referência as cartas de São Paulo. Também são chamados de "mortais",
porque significariam a morte da alma _ em contraste com os pecados veniais, considerados menos ofensivos.

Capital vem do latim caput (cabeça), significando que esses sete são como mães de todos os outros pecados. Como
antídotos a esses vícios principais, a Igreja medieval contrapõe as seguintes virtudes: disciplina (para combater a
preguiça), generosidade (avareza), castidade (luxúria), paciência (ira), temperança (gula), caridade (inveja) e
humildade (soberba).

Ora, temos aqui no Ceará um grupo que monopoliza o poder há anos, a partir dos pressupostos de gerência
empresarial, ancorados na lógica capitalista. Assim, temos no Ceará, na Era Cambeba, a possibilidade de listar sete
pecados capitais, ou, também se poderia dizer, sete pecados do capital. Numa livre associação com as transgressões
apontadas pela Igreja Católica, os pecados capitais do Cambeba são: neocoronelismo, autoritarismo, falta de
transparência, concentração de renda, descaso social, desprezo pela justiça e excesso de publicidade.
--------------------------------------------------------------------------------
30
Neocoronelismo23

"O político brasileiro é um sujeito


que vive às claras, aproveitando as gemas
e sem desprezar as cascas"
(Barão de Itararé)

O primeiro pecado capital do Cambeba é o neocoronelismo. Os pressupostos ideológicos do CIC visavam o


rompimento com o "tempo dos coronéis". Aqueles empresários almejavam a afirmação de uma burguesia local,
moderna. Paradoxalmente, se ressentiam em relação ao poder centralizado, o conluio com o Estado, os benefícios
que eram direcionados para áreas políticas, sociais e econômicas que não lhes favoreciam. A era "das mudanças"
transformou-se num continuísmo maquiado com um discurso apelativo pela modernização dos costumes. Mas as
contradições são muitas e evidentes.

Apesar desta "modernidade" ser o principal bordão do marketing do PSDB, a base política de sustentação do
Governo são as oligarquias carcomidas, autoritárias, clientelistas que existiam à época do coronéis. Houve
mudanças, é verdade, mas os vícios políticos persistem.

Algumas das práticas políticas adotadas pelo Cambeba não diferem das que eram correntes à época dos coronéis. O
coronelismo, filho dileto do patrimonialismo e o patriarcalismo _ notadamente através do seu veio mais comum, o
clientelismo _ persistem nas relações entre o Estado e sociedade no Ceará.

Max Weber faz a separação clássica dos três tipos de dominação: a legal (impessoal, burocrática, estatutária,
disciplinadora, valorizadora da competência), a carismática (devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes
mágicos, heróicos, intelectuais ou de oratória) e a tradicional. É justamente aqui que reside a distinção das análises.
Weber fala em duas formas distintas de dominação tradicional: a estrutura puramente patriarcal de administração e
a estrutura estamental. Na primeira, os valores pessoais são os mais importantes na ação gerencial, na segunda, os
servidores já encontram-se investidos em seus cargos por privilégio ou concessão do senhor ou por negócio
jurídico24.

A Sociologia e a Antropologia brasileiras, ao estudar as relações entre Estado e cidadão, apresentam análises que
tendem a considerar mais ou menos importante a influência dos valores sociais sobre a administração do Estado _
ou vice-versa _, ou variam entre análises de fundo patriarcal ou estamental. Ambas porém são unânimes em
reconhecer que é dominação tradicional _ com algumas passagens históricas e pontuais pela dominação carismática
_ que impera na sociedade brasileira, em detrimento da dominação legal.

Esta tradição vem desde o patrimonialismo estamental português, que, no período colonial, usou o Brasil como
meio inesgotável de exploração e sustento da ostentação senhorial, através da especulação de prebendas25 baseadas
na partilha de terras e espoliação comercial, confiando as donatarias ao apertado círculo da nobreza burocrática26. O
poder, de eiva despótica, gravita em torno do rei e de sua aristocracia, no melhor estilo "manda quem pode e
obedece quem tem juízo", com um funcionalismo escorado numa política baseada no favor: a "vadiagem paga" em
busca de promoções à fidalguia e aos postos principais.

23
A rigor, o termo neocoronelismo já é utilizado formalmente na literatura acadêmica para designar o período
político da história cearense dominado pelos coronéis Adauto Bezerra, César Cals e Virgílio Távora. Mas é
retomado aqui por dois motivos: primeiro, por se entender que o período de domínio do Cambeba é _ mesmo com
todas as suas diferenças _ uma extensão do poder disseminado naquele período; segundo, por acreditar que esta
designação restrita ainda não foi assimilada pela maioria da população.
24
Cf. WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima. In: Sociologia. Coleção Grandes Cientistas
Sociais. São Paulo: Ática, 1997. 6 ed. p. 128 a 141.
25
"Quando as formas de sustento (alimentação, emolumentos, terras e oportunidades apropriadas de rendas,
taxas ou impostos) são conferidas sempre de novo, com apropriação individual mas não hereditária, sendo
tradicionalmente determinada sua extensão ou clientela, trata-se de prebendas, e quando existe um quadro
administrativo principalmente mantido desta forma trata-se de prebendalismo". WEBER, Max. Economia e
Sociedade. p. 154.
26
Cf. FAORO, Raymundo. Os donos do poder. p. 119.
31
As práticas patrimoniais permaneceriam introjetadas nas relações sociais brasileiras em todos os momentos de
sua história. Mesmo em momentos que guardavam certa aura de ruptura, o estamento se verga mas mantém a
autoridade. O Império27 continuará distribuindo títulos e mantendo a rédea curta no trato com seus súditos por meio
do Poder Moderador, instituindo um parlamentarismo dócil e com eleições fictícias, perpetuando o mercantilismo
voltado para a exportação, controlado rigidamente por ditames econômicos e desprezando a possível formação de
uma burguesia nacional fazendária ou proto-industrial28. Paradoxalmente, mesmo sem o investimento em uma
política agrícola, é no Segundo Reinado que vai se estabelecer de vez uma elite agrária _ de origem colonial29 -,
crivada no latifúndio mas com economia dependente do monopólio comercial garantido pelas benesses extraídas
pela relação de proximidade com o trono.

Por sua vez, a República vai ser gerada na decadência do Império, quando "emerge, no quadro estamental e
hierárquico, comunitariamente seletiva e progressivamente fechada, a sociedade de classes"30. Os poderosos _
fazendeiros, fabricantes de açúcar, criadores de gado _ sentirão a desnecessidade dos assentos artificiais. A
agricultura vai sair do esquema tradicional e reivindicar a entrada no capitalismo moderno31. O liberalismo
republicano procedente da Inglaterra, França e EUA vai ser adaptado ideologicamente e colocado a serviço desta
classe dominante de inspiração política bonapartista, ou seja, cuja representação é nitidamente artificial. As
empresas e indústrias vão apelar então para o crédito governamental direto e continuam dependentes do capital
externo32. A versão brasileira do liberalismo era a "liberdade para os interesses incapazes de granjear o patrocínio
do governo e proteção para os importantes"33.

A República vai colaborar na construção da tipologia política brasileira militarista e continuar o agrarismo, numa
simbiose que traria à luz o coronelismo34 e, futuramente, o tenentismo e o varguismo. O conservadorismo se
mantém, com o capital, a ciência e a lei calcadas pela justiça e pela força. As classes mantenedoras _ ligadas agora
27
Cf. FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 329 e 389. Ver em especial capítulos IX e X.
28
"A intervenção do governo não se circunscreve às finanças e ao crédito. Ao contrário, desse centro se irradia
sobre todas as atividades, comerciais, industriais, e de melhoramentos públicos. O Estado autoriza o
funcionamento das sociedades anônimas, contrata com os bancos, outorga privilégios, concede estradas de ferro
e portos, assegura fornecimentos e garante juros. A soma desses favores e dessas vantagens constitui a maior
parte da atividade econômica, senão a maior na soma, a mais relevante e ativa, regulada, incentivada e só
possível pela vida que o cordão umbilical do oficialismo lhe transmite. Atuante é a intervenção do Estado,
secundária a presença dos particulares, agentes públicos mascarados em empresários". FAORO, Raymundo. Op.
cit. p. 434.
29
"Toda estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos. (...). Se a rigor não foi uma
civilização agrícola o que os portugueses instauraram no Brasil, foi sem dúvida, uma civilização de raízes rurais".
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. p. 73.
30
Cf. FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 453. Ver capítulos XII, XII e XIV. Faoro permanece fiel à Weber, pois o
pensador admitia que "a situação estamental pode basear-se numa situação de classe de natureza unívoca e
ambígua". Neste caso, as classes estamentais nacionais são "classes proprietárias positivamente privilegiadas",
os chamados rentistas. Cf. WEBER, Max. Economia e Sociedade. p. 200-202.
31
Ricardo Antunes lembra bem que a mudança das classes proprietárias rurais pelas novas classes burguesas
empresariais industriais não exigirá uma ruptura do sistema, se caracterizando pelo reformismo "pelo alto". Ele cita
Francisco de Oliveira: "as classes proprietárias rurais são parcialmente hegemônicas, no sentido de manter o
controle das relações externas da economia, que lhes propiciava a manutenção do padrão de reprodução do
capital adequado para o tipo de economia primário exportador". ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e
partido no Brasil: da Revolução de 30 até a Aliança Nacional Libertadora. 2 ed. São Paulo: Cortez e Editora
Ensaio; Autores Associados, 1982. p. 66 e 67.
32
"O movimento federalista e liberal, desconfiadamente irmanado às promessas igualitárias que a plebe urbana
cultiva, preparou a ideologia republicana, mas não fez a República nem venceu no dia 15 de novembro. O golpe
militar, expresso numa parada, legitimou-se, com oportunismo na mudança da forma de Estado, adotada pela
pressão do ambiente, única e necessária alternativa à queda de D. Pedro II, que todo mundo sabia sem sucessor.
(...). O odiado Poder Moderador (...) encarnar-se-á, sem quebra de continuidade, em Deodoro e Floriano".
FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 535.
33
Cf. FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 608. Também em HOLANDA, Sérgio Buarque. Op. cit. p. 179: "as palavras
mágicas Liberdade, Igualdade e Fraternidade sofreram a interpretação que pareceu ajustar-se melhor aos nossos
velhos padrões patriarcais e coloniais, e as mudanças que inspiraram foram antes de aparato do que de
substância".
32
à lavoura, indústria, comércio, instrução, magistratura e forças armadas, com o funcionalismo já em franca
decadência _ primam pela conciliação dos conflitos entre capital e trabalho35, encastelando-se no poder federativo,
fomentando a origem das oligarquias estaduais.

O povo, por sua vez, passará ao largo das principais mudanças históricas, tramadas em acordos entre as cúpulas.
Como afirmara Holanda, "a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido", com "movimentos
aparentemente reformadores que partiram quase sempre de cima para baixo"36.

O patrimonialismo vindo do quadro familiar colonial persiste como modelo básico, na troca de favores
institucionalizada, num conluio entre o público e o pessoal que domina a política e a economia. "O resultado era
predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e
antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família"37.

Nesta realidade mazelada pelo clientelismo, o estamento patrimonial minoritário persevera, "em todos os tempos,
em todos os sistemas políticos", mantendo vínculos meramente utilitários com a classe política38. A burguesia
mantém múltiplas polarizações com as estruturas econômicas, sociais e políticas do País. Ele não assume o papel
de paladino da civilização ou de instrumento de modernidade. A burguesia se ajustara à situação segundo uma
linha de múltiplos interesses e de adaptações ambíguas, preferindo a mudança gradual e a composição à uma
modernização impetuosa.39

Este povo avesso a regras objetivas e impessoais, estruturalmente dependente deste tipo de poder40 onde o fazer
político "deixa de ser um direito e torna-se um benefício outorgado, em princípio revogável"41, prefere esperar com
fé soluções miraculosas para seus problemas ou apostar todas as fichas em líderes carismáticos. Assim foi com o
populismo42, em meados da década de 40, com o coronel dando passagem aos agentes semi-oficiais, os pelegos,
com o chefe de governo investido autoritariamente do papel de protetor e pai, transformando uma possível ação
sindical autônoma numa caricatura institucional atrelada ao Estado.

Mais adiante, em 1964, quando se sentiu minimamente ameaçada por uma organização ainda incipiente e
desarticulada da sociedade civil, a burguesia estamental não hesitou em usar do escopo da ditadura militar para
garantir, na gradualidade das mudanças, o tempo necessário de adaptação para a eternização do seu domínio43.
Assim foi na transição do regime militar para a Nova República, a contenção de ímpetos de parte a parte até se
34
O coronel se constitui uma "forma peculiar de delegação do poder público no campo privado", "a supremacia
tuteladora do poder público, agora seccionado nos principados e ducados estaduais, continuou a operar, num
molde próximo ao regime colonial, no qual o particular exercia, por investidura ou reconhecimento oficial, funções
públicas". O chefe político e o governo estadual mantém relações estreitadas pelo "compromisso" e "troca de
proveitos". FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 631.
35
Cf. FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 611.
36
HOLANDA, Sérgio Buarque. Op. cit. p. 160-161.
37
Id. Ibid. p. 82.
38
"A história da moderna burguesia brasileira é, desde o começo, uma história de transações com o Estado, de
troca de favores. O que talvez explique a apatia da burguesia brasileira, que nunca se pôs claramente o problema
da sua responsabilidade política como classe dominante. Ela atua por delegação, por interpostas pessoas, através
dos mecanismos do clientelismo político". MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de sociologia da
história lenta. São Paulo: Hucitec, 1994. p. 14.
39
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. p. 204 e 205.
40
"Em geral, entendemos por "poder" a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize sua
vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a resistência de outros que participam da ação".
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. p. 211. O próprio WEBER, citando Trotski ("Todo Estado se fundamenta na
força"), vai concatenar política e violência: "é o meio específico de legitimar a violência como tal, na mão das
associações humanas, que determina a peculiaridade de todos os problemas éticos na política". Id. Ibid. p. 148.
41
Cf. SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1988. p. 37.
42
Cf. FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 707.
33
chegar a um "novo equilíbrio entre Estado e sociedade, que continuasse a dar primazia ao Estado, eventualmente
modernizado e adaptado aos novos tempos"44. É sempre bom recordar que, na área econômica, isto implica no uso
de recursos públicos, que não se cansa de andar em par com o endividamento externo.

Numa leitura contemporânea, a sociedade civil é transformada em instrumento do Estado, sobre a qual é possível
fazer uma interpretação dos fatos atuais enxergando a presença viva de estruturas fundamentais do passado. Neste
sentido, a sociedade civil é induzida a estabelecer uma relação de troca de favores com políticos, o que no mais das
vezes se assemelha a institucionalização de uma corrupção generalizada.

A hodiernidade da política brasileira convive com a distribuição clientelista de benesses pelos políticos em troca de
fidelidade eleitoral, beneficiando as conveniências de seu grupo, quando não de sua família, numa sistemática que
evoca os antepassados lusitanos. A política do favor, da comissão, do presentinho, do trocado, toma conta do
imaginário das relações sociais do brasileiro. Na outra face da moeda, o Estado oferece suas tetas para o uso farto
do capital privado e consolidação do uso político das verbas oficiais. Os exemplos mais claros advêm das agências
de fomento regionais que, criadas com a desculpa pertinente de fortalecer o desenvolvimento de regiões mais
pobres, viraram em princípio cabide de emprego e, posteriormente, um veio inesgotável de clientelismo e
apropriação particular do erário. Juscelino Kubitschek, por exemplo, do PSD oligárquico, criou a SUDENE e
revigorou o DNOCS dentro de uma perspectiva de desenvolvimento assistencialista45.

Francisco de Oliveira identifica, na contemporaneidade, inclusive a necessidade da apropriação privada dos fundos
públicos para reprodução do capital. Tal fenômeno, de escala mundial, encontra no Brasil o ninho perfeito, a ponto
de o autor apresentar o orçamento público dentro de uma perspectiva de disputa ideal entre capital e trabalho46.
Mesmo em tempos neoliberais _ iniciados por Collor e levados adiante por Fernando Henrique Cardoso _
inspirados no monetarismo de Friedman que prega o Estado mínimo, os fundos públicos são manipulados
prioritariamente para atender interesses do capital privado.

O Ceará entre a dominação tradiconal e a modernidade

O Ceará não poderia escapar desta realidade. Quando ainda era uma donataria, dependia politicamente de ordens
diretas do poder central e só se autonomizou de Pernambuco na segunda metade do século XIX, graças ao algodão.
As oligarquias estabeleceram-se aqui desde a República Velha, como a comandada por Antônio Pinto Nogueira
Accioly, presidente da Província por três gestões. Além disso, houve uma grande influência da Igreja Católica,
principamente por conta do mineiro D. Manuel da Silva Gomes, primeiro arcebispo de Fortaleza, que consolidou a
aproximação da Igreja com o Estado e as formas de dominação tradicional, prioritariamente carismáticas. É válido
citar o exemplo do Padre Cícero, figura histórica misto de coronel e santo, que dominou a região do Cariri47.

O coronelismo perdurou no Ceará durante anos. Após 1964, houve o fenômeno do "neocoronelismo", com o "tripé"
Adauto Bezerra, Virgílio Távora e César Cals, que assumiram o poder à época do golpe militar e permaneceram à
frente do Estado até meados da década de 1980, diferindo da visão de seus antecessores tradicionais por
implementarem ações de caráter industrialista48. Alguns órgãos estatais fomentaram economicamente as diretrizes

43
"A natureza autoritária do presidencialismo e a forte lealdade dos militares à dominação burguesa, com sua
profunda e obstinada identificação com os alvos que ela perseguia, facilitaram sobremaneira o processo implícito
de domesticação particularista do Estado. É claro, de outro lado que a militarização das estruturas e das funções
do Estado nacional simplificou e fortaleceu todo o processo, conferindo, finalmente, à vinculação da dominação
burguesa com uma ditadura de classe explícita e institucionalizada uma eficácia que ela jamais alcançaria sob o
Estado democrático-burguês convencional. FERNANDES, Florestan. Op. cit. p. 308.
44
Cf. SCHWARTZMAN, Simon. Op. cit. p. 20.
45
Id. Ibid. p. 59.
46
Cf. OLIVEIRA, Francisco de. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis:
Vozes, 1998. Ver em especial os capítulos "O surgimento do antivalor" e "A metamorfose da arribaçã", este último
sobre a privatização dos fundos públicos no Nordeste.
47
PARENTE, Josênio Camelo. A fé e a razão na política: conservadorismo e modernidade das elites cearenses.
Fortaleza, Edições UFC/Edições UVA, 2000. p. 29-49.
48
GONDIM, Linda. Clientelismo e modernidade nas políticas pública: os "governos das mudanças" no Ceará
(1987-1994). Ijuí, Editora UNIJUÍ, 1998. p. 27.
34
políticas para a região Nordeste, especificamente para o Ceará, pelo fato de o Estado deter suas sedes, como o
Banco do Nordeste do Brasil (BNB), em 1959, e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).
Destaca-se ainda o trabalho da SUDENE, criada em 1959, a Comissão do Vale do São Francisco, de 1947, e a
Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), de 1945. Todos estes órgãos, apesar de sofrerem a influência
do tradicionalismo político e muitas vezes serem vítimas do clientelismo, desempenharam um papel fundamental
para a transição de um passado conservador para a modernidade49.

A dita modernidade veio com a reestruturação do Centro Industrial do Ceará (CIC) _ criado em 1919 e desativado
desde 1945 _ a partir de 1977, com a influência de vários jovens empresários. Os cinco primeiros presidentes _
Beni Veras, Amarílio Macêdo, Tasso Jereissati, Sérgio Machado e Assis Machado _ tiveram e têm ainda bastante
influência política no Estado. Todos apregoavam o discurso da modernidade e do combate à miséria. Tasso
Jereissati, em seu discurso de posse no CIC, falou que não havia "perspectiva, a longo prazo, para o empresário,
sem solução dos problemas sociais do país. Ou todos resolvemos, em conjunto, o problema da justiça social, ou
todos juntos pereceremos. A bandeira contra a miséria deve ser erguida por todos"50. Ideologicamente, consolidou-
se o aparecimento de uma burguesia empresarial no Estado, com pressupostos bem definidos por Jawdat Abu-El-
Haj:

O projeto político dos empresários do CIC divergiu da atuação corporativa patronal do


empresário brasileiro em geral. O novo projeto incorporou quatro elementos que delimitam a
base do governo Tasso e no discurso dominante da nova geração: 1) crítica severa da
estatização e do intervencionismo desenvolvimentista do setor público; 2) defesa intransigente
da economia de mercado e da propriedade privada como a essência de uma sociedade aberta e
democrática; 3) crítica da visão corporativa patronal e das posições conservadoras assumidas
pela classe empresarial brasileira; e 4) defesa do Nordeste e condenação dos desequilíbrios
inter-regionais51.

De fato, as novas concepções do CIC representaram algumas rupturas com as estratégias tradicionais de fazer
política. Mas este objetivo está longe de ser cumprido.

Nas eleições de 1998, por exemplo, as prefeituras do PSDB foram "rateadas" entre deputados. Por conta disso, a
Assembléia Legislativa passou anos sem demonstrar nem independência e nem autonomia em relação às diretrizes
do Governo. A situação surreal vivida pelo elenco parlamentar no teatro da política cearense fez com que seus
atores privilegiassem a atuação no sentido de arrancar aplausos do diretor do espetáculo, no caso o governador do
Estado, em detrimento da imensa platéia, no caso o povo, que ficava de mãos atadas diante de algumas cenas
dantescas.

O descompasso entre o que o governo prega e o que pratica ficou evidente na questão do FUNDEF. A CPI
realizada pela Assembléia Legislativa em 1999 _ a primeira do país sobre o tema e referência para os processos
investigativos que se instauraram posteriormente nos demais estados e no Congresso Nacional _ deixou evidente
que, embora a maioria das prefeituras pertença ao PSDB "moderno", foram vários os prefeitos que mostraram que
as práticas fisiológicas continuam a existir fortemente em todo Estado52.

Louve-se aqui publicamente a atitude da Executiva Regional do partido, que cassou a legenda de quatro dos
acusados. Porém, isso é muito pouco em relação ao que existe, já que as prefeituras do PSDB são dezenas e o
FUNDEF é apenas um caso isolado, um exemplo único de investigação levada a cabo a contento a partir de uma
iniciativa da oposição. Se todas as demais CPI's requeridas estivessem funcionando, a situação de muitas
prefeituras e lideranças governistas poderia estar comprometida.

Um projeto de governo que tem, segundo palavras do próprio governador, "o horizonte de uma geração" e que
pretende o "avanço da economia estadual, com foco voltado para o bem-estar social, com a melhoria da qualidade

49
Cf. PARENTE, Josênio Camelo. Op. Cit. p. 135-152.
50
Id. Ibid. 166-76.
51
ABU-EL-HAJ, Jawdat. A mobilização do capital social no Brasil: o caso da reforma sanitária no Ceará. São
Paulo: Anna Blume, 1999. P. 125.
52
Cf. CPI do FUNDEF: vitória da sociedade. Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, 2000.
35
de vida dos cearenses" não pode comprometer-se com práticas ligadas ao fisiologismo e clientelismo, dividindo
os recursos de projetos estaduais como aprouver seus interesses, em detrimento das reais necessidades da maioria
da sociedade.

Desta forma, promessas como a redução da pobreza, descentralização do crescimento e redução dos desequilíbrios
regionais, ampliação da participação dos mais pobres no processo de desenvolvimento viram meras figuras de
retórica frente à realidade apresentada.

Segundo a socióloga Linda Gondim, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do
Ceará (UFC) os "Governos das Mudanças" não promoveram uma ruptura profunda em relação à política dos
"coronéis". Ela também argumenta que o processo de "modernização" já havia iniciado na década de 60, durante a
gestão de Virgílio Távora, e, com o amadurecimento do processo de mobilização dos setores populares, as
condições para as "mudanças" também já estavam em curso.

Em entrevista concedida ao jornal O POVO de 4 de dezembro de 2000, ela afirmara que já "havia uma tendência de
rompimento com a estrutura do voto de cabresto. O grupo do Tasso conseguiu capitalizar essa tendência. Esse
governo reuniu em torno de si partidos de esquerda e um amplo movimento popular. Já nos dois primeiros anos do
1° governo Tasso, ele afasta esse perspectiva plural e faz outra opção (isolamento). Nesse sentido, abortou o
projeto de ruptura profunda que poderia ter havido"53.

A rigor, não houve uma ruptura política. Não existe mais aquela estrutura totalmente controlada pelos grandes
latifundiários, uma vez que a economia é outra. Mas o clientelismo não acabou, até porque não depende da vontade
dos políticos. Ele prospera porque não há a universalização dos chamados direitos sociais.

Além disso, como a opção foi realmente por um governo de maioria, muitos prefeitos do Interior, entre outros
políticos, aderiram ao PSDB sem compromisso com a modernização. Desde 1990, o governo tinha maioria na
Assembléia. O número de deputados do PSDB cada vez aumentou mais, e não necessariamente são pessoas que
tenham o mesmo perfil de Tasso Jereissati. São pessoas sem compromissos com reformas sociais, com as idéias
iniciais do CIC.

O governo não é aberto ao diálogo e encara as críticas de uma forma exageradamente defensiva. Isso levou à
criação e disseminação de um sentimento popular avesso ao "mudancismo", que podemos chamar de anti-
cambebismo. Caso o governo fosse mais aberto, com certeza teria menos opositores.

As derrotas consecutivas que os candidatos do PSDB, inclusive em nível nacional, têm sofrido em Fortaleza
mostram que esse modelo fechado não tem respaldo no público mais esclarecido. Além da capital, é válido ressaltar
o crescimento do PT em Juazeiro do Norte, onde a candidata da esquerda à prefeitura obteve votação considerável
nas eleições de 2000.

O coronelismo de asfalto no Ceará vai encontrar um forte fator de disseminação e controle: o nível de escolaridade
do eleitorado. O eleitorado cearense, é verdade, vem apresentando uma pequena melhoria no nível de escolaridade,
nos últimos anos. As estatísticas do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) revelam redução do percentual de
analfabetos. Em relação ao percentual de eleitores com curso superior completo não se observa crescimento de
1996 para as eleições de 2000, embora o índice ainda seja alto.

Nas eleições de 1996 o percentual de eleitores analfabetos, no Estado, chegava a 15,32%, em 1998, baixou para
14% e, pelo perfil divulgado em 2000, sofreu mais uma queda, ficando em 13,27%. Entretanto, o percentual
significativo é encontrado na faixa classificada como eleitores que apenas lêem e escrevem. Também houve uma
redução, porém bem tímida. Em 1996 o índice era de 42,09%, caindo para 39% em 1998 e para 36,73% em 2000.

Com a redução desses índices seria natural o crescimento dos percentuais de escolaridade nas faixas superiores, o
que realmente ocorre em relação com o ensino fundamental incompleto, fugindo a lógica no que se refere ao
primeiro grau completo porque o percentual também baixou. Em 1996 correspondia a 22,70% o índice de eleitores
com o primeiro grau incompleto, em 1998 esse índice subiu para 25% e este ano situa-se na faixa de 27,37%. Com
o primeiro grau completo o comportamento do eleitorado cearense nos últimos anos foi o seguinte: 1996 - 4,64%;
1998 _ 5% e; 2000 _ 4,90%.

53
Cf. entrevista ao jornal O POVO de 04/12/2000, "Os descaminhos das mudanças".
36
No que se refere ao ensino médio incompleto, em 1996 o índice era de 5,94%, em 1998 cresceu para 7% e 8,12%
em 2000. O nível superior continua sendo de difícil acesso ao eleitorado, sendo as alterações registradas
insignificantes. Em 1996, apenas 1% do eleitorado cearense estava na faixa de escolaridade superior incompleto.
Esse mesmo índice foi registrado em 1998 e em 2000 o percentual é de 1,02%. Em relação ao nível superior
completo, os dados do TRE indicam que em 1996 era de 1,59%, em 1998 chegou a 2% e 1,58% em 2000.

Esta falta de preparo do eleitorado favorece estratégias personalistas e utilitárias em relação aos partidos políticos.
Tasso Jereissati saiu do PMDB para o PSDB. Já Ciro Gomes oferece um verdadeiro caleidoscópio ideológico: veio
da ARENA, depois PDS, daí para o PMDB, foi para o PSDB e acabou no PPS, compondo com os partidos de
esquerda. A relação fisiológica com as oligarquias interioranas deu-se também com o uso de pequenos partidos _
PMN, PSD etc. _ em alianças conjunturais. Nunca é demais lembrar a aproximação ensaiada por Tasso Jereissati
com o PRN de Fernando Collor, nas eleições presidenciais de 1989, e a articulação com o PFL para consolidar a
aliança que levou Fernando Henrique Cardoso ao poder. Não há consistência ideológica no grupo político que está
à frente do Cambeba: os interesses econômicos e políticos _ a manutenção do poder a qualquer custo _ sempre
falam mais alto.

O Projeto São José, por exemplo, vem gerando desenvolvimento e polêmica no interior do estado. O Projeto visa
apoiar as comunidades rurais pobres organizadas para que possam superar a pobreza. As principais linhas de
atuação do projeto são: fornecer infra-estrutura social e econômica básica, além de oportunidades de geração de
emprego e renda às comunidades rurais pobres; apoiar as comunidades rurais no planejamento e implementação de
seus subprojetos; fornecer uma rede de proteção social aos beneficiários e suas famílias; alavancar mobilização de
receitas nos níveis municipal e comunitário.

Em sua primeira fase (junho de 1995 a junho de 2001), recebeu US$ 70 milhões do BIRD. Agora, na fase II (junho
de 2001 a junho de 2005), visa a redução dos níveis atualmente altos de pobreza rural, com um financiamento de
US$ 37,5 milhões. O projeto São José está presente em 176 dos 184 municípios do Ceará, em mais de 2 mil
comunidades do interior, beneficiando 150 mil famílias. Até hoje, 1.196.891 pessoas foram beneficiadas com as
obras sociais do projeto. Mas a que custo social?

Segundo matéria da revista Fale!, na prática, o desenvolvimento como expressão da vontade local esbarra na
estrutura de poder e interesses econômicos, numa fatídica e intrincada rede que envolve desde o cabo eleitoral até o
poder executivo estadual, passando por vereadores e prefeitos. A revelação é de autoria do ex-secretário de
Planejamento do Estado do Ceará, Antonio Cláudio Ferreira Lima. Sobre o Projeto São José, o economista afirma
que o mesmo "não é tão expressivo diante das necessidades" e, em boa margem, é administrado "para a
manutenção ou reprodução do poder"54.

Há outros questionamentos. Segundo Antônio Cavalcante55, que fez um estudo de caso realizado no município de
Quixeramobim, com quatro associações comunitárias, a participação popular se dá em moldes preocupantes. A
primeira forma de participação diz respeito a um estilo com características presencial ou passiva, em que o
envolvimento dos sujeitos nas comunidades se restringe geralmente a assistir as reuniões internas e a solicitar e
receber benefícios. A segunda forma observada tem a ver com a participação por incentivos materiais, isto é, os
associados são motivados a participar quando em troca se tem insumos concedidos pelo governo. A terceira diz
respeito a um estilo de participação tendencialmente controlado e manipulado de cima para baixo, de modo que as
demandas comunitárias nem sempre são respeitadas quando aprovadas na base, assim, refletindo um processo de
clientelismo político na liberação dos projetos.

Estas posturas geram desconfianças e denúncias. O deputado estadual Acilon Gonçalves, no relatório final da
Comissão Especial do Desmonte, cogitou pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
para se investigar o Projeto São José56. Algumas obras do Projeto estariam sendo contabilizadas por algumas
Prefeituras sob investigação da Comissão. À época, ficou evidente a dificuldade e a demora em o Governo do

54
www.revistafale.com.br (UNIVERSIDADE VALE DO ACARAÚ: "O local no global" _ janeiro de 2002).
55
CAVALCANTE, Antônio. O papel da participação na formulação, implementação e avaliação de uma proposta
de desenvolvimento rural sustentável: o caso do Projeto São José (Ceará). Tese de mestrado defendida na UFSC
(http://www.cfh.ufsc.br/~ppgsp/resumos/antonio_cavalcante.html).
56
Jornal Diário do Nordeste, 14/05/2001, "Projeto São José ameaçado com um pedido de CPI".
37
Estado responder à Comissão do Desmonte. O PSJ, de evidente necessidade social, parece ter virado uma porta
ideal para a entrada das velhas práticas clientelistas comuns no Estado.

Vivemos então no Ceará quer tentar passar uma imagem de "Estado moderno", gerenciado por empresários
travestidos de defensores da modernidade, mas que não superaram a estrutura de poder centralizada dos coronéis.
Na verdade, esta decisão tem tamanho peso que se reflete numa autofagia entre as próprias lideranças, que, não
acostumadas em compartilhar o poder, desconfiam uns dos outros, rompendo laços antigos _ como no caso do
senador Sérgio Machado _ e prejudicando inclusive a formação de novas lideranças. A leitura definitiva pode ser
dada pela socióloga Maria Auxiliadora Lemenhe, que afirma que no Ceará "... as elites (...) atuais não se
configuram como manifestações plenas de um poder moderno":

"A ascensão de Tasso Jereissati e Ciro Gomes ao poder se faz com a subordinação da
`máquina estatal'. A pobreza agravada no meio rural _ para o que à decadência da agricultura
tradicional se soma a ausência de políticas de desenvolvimento da economia agrícola _ coloca
uma população sem terra e/ou sem meios de torná-la produtiva e os dirigentes das
municipalidades como presas fáceis do clientelismo. Por outro lado, a retórica da moralização
da gestão pública e o controle sobre o Tribunal de Contas são reservas de poder mobilizadas
contra ou a favor de prefeitos nos seus pleitos junto ao governo estadual. Portanto, preservam-
se práticas que estão na essência do poder tradicional de base agrária"57.

O poder no Ceará, mesmo com a aura moderna dada pelo insistente veio publicitário, continua com fortes
contornos patrimonialistas. Não há, de fato, um embate entre os novos empresários do CIC e os "coronéis
retrógrados". O que existe é o uso estratégico da modernidade para manutenção do poder, e não para a
"concretização de posturas orientadas por princípios ético-políticos genuínos. As oligarquias envelheceram mas
deixaram seus herdeiros no poder. O drama não é cearense, é brasileiro"58.
--------------------------------------------------------------------------------

57
LEMENHE, Maria Auxiliadora. São Paulo: Annablume/Edições UFC, 1995. p. 236.
58
Id. Ibid. p. 237.
38
39

Autoritarismo

"A soberba é a própria excelência, que se aparentemente


é a aspiração a imitar a grandeza de Deus, realmente é
a transgressão da medida em que devemos desenvolver nossa
elevação. A soberba é um afã de glória com desprezo da
grandeza e glória de Deus, a quem se nega a servir. Nos encontramos
ante um pecado bem concreto e determinado,
capaz de criar um vício especialíssimo"
(Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica)

O segundo pecado é o autoritarismo, que resvala na falta de democracia. Tal postura, além de deixar clara a
soberba dos governantes tucanos, abre um vasto flanco para questionamento das ações administrativas. Não há bom
governo sem democracia. Não há como captar as reivindicações dos amplos setores sociais sem humildade. Para
Aristóteles, "os soberbos são insensatos porque se enganam sobre si mesmos: empreendem tarefas honradas e
acreditam que são dignos delas, mas fazem assim resultar só a própria insuficiência". A assertiva parece cair como
uma luva dentro da nossa análise.

Num exame preliminar do Plano Plurianual 2000-200359, nota-se de início a primeira das muitas contradições deste
documento. O PPA afirma, textualmente, que "o Estado do Ceará avançou na direção de uma sociedade mais
democrática e pluralista e está vivenciando um processo de amadurecimento político que contribui para a criação
de um ambiente profícuo à participação da sociedade, refletindo-se na transparência das ações e na impessoalidade
das políticas públicas".

Mais adiante, o PPA ressalta um dos conceitos preferidos do tucanato: "parceria", que seria constituída através dos
conselhos de desenvolvimento, pactos de cooperação empresa-governo e de associações de classe, os quais
desempenhariam "papel essencial e positivo na promoção mais ativa e sistemática de investimentos". É verdade
que houve avanços, como nos mostra Josênio Parente:

"No Ceará, Jereissati e seu grupo político realmente substituíram o clientelismo político ligado
ao Estado, o patrimonialismo, por formas mais modernas de legitimação. A ação direta na
comunidade é outro fator moderno de mediação política e de legitimação utilizada pelo grupo
do CIC. (...). A modernidade tem pois seus mecanismos de controle, não mais na mão do
Estado. Houve, portanto, um processo de transformação irreversível no Ceará, substituindo a
forma tradicional de fazer política por mecanismos mais modernos e até mais eficazes. A
relação do Estado com os movimentos sociais organizados passou a ser direta e houve também
um maior controle".60

O problema reside justamente no controle. Foram estabelecidos organismos, relações com a sociedade, mas dentro
de padrões autoritários. Mesmo com mecanismos de participação popular, o povo "participa" dentro de critérios
fechados e em instituições que, na maioria das vezes, não têm caráter decisório. Por mais discussões que se façam
na "base", a ordem final vem sempre de cima para baixo, como veremos adiante.

De uma forma geral, há outro problema. Este é, de fato, um governo que não gosta de ser questionado. Voltaire é o
autor da máxima: "posso não concordar com absolutamente nada do que argumentas, mas lutarei até a morte pelo
teu direito de dizê-lo". No Ceará, tentar contradizer as palavras que emanam do governo virou um espécie de
acinte. Há problemas na relação do governo do Estado com os demais poderes, tanto o Legislativo quanto o
Judiciário _ alvo de um capítulo específico neste trabalho _, na relação com os organismos da sociedade civil
organizada _ sindicatos, associações etc. _, e na relação com os funcionários públicos.

59
O Plano Plurianual é o documento pelo qual se formaliza o plano de governo para o período alvo da gestão.
Nele estão contidas as propostas de ação, o dignóstico do Estado em suas diversas áreas e o planejamento a ser
seguido.
60
PARENTE, Josênio Camelo. A fé e a razão na política: conservadorismo e modernidade das elites cearenses.
Fortaleza, Edições UFC/Edições UVA, 2000. p. 194.
40
Relação com a sociedade

A voz da sociedade organizada, que quer de fato falar, aos poucos vai sendo embargada. Os Conselhos Municipais
de Desenvolvimento Sustentável (CMDS) foram abandonados e os conselhos de participação criados no governo
passado não mais funcionam. Os mecanismos de participação, sem prezar pela autonomia dos seus componentes,
acabam virando um balcão de negócios onde a fidelidade aos pressupostos governamentais são a principal moeda
de troca.

Há que se destacar o pioneirismo do Ceará na criação dos conselhos _ os Conselhos de Saúde foram montados
ainda em 1985 _ e a iniciativa louvável do Cambeba neste sentido61. No Plano de Desenvolvimento Sustentável
(1995-98), lê-se: "o círculo vicioso da pobreza, gerado inicialmente pelas adversidades climáticas, e o crescente
esvaziamento econômico do interior do Estado provocaram, ao longo do tempo, a drástica redução na capacidade
de a população reagir às adversidades, construir seus próprios caminhos e determinar o seu destino. A pobreza
determinou a alienação e a ignorância de grandes parcelas da população, tornando-as prisioneiras de práticas
clientelísticas que perenizaram a dependência"62. No Plano de Governo 1995-1998, tenta-se implementar as
diretrizes do Projeto Áridas-seção Ceará (1993-94), elaborado por especialistas na conferência internacional
realizada em Fortaleza, em 1992, dentro da filosofia do desenvolvimento sustentável.

A interface com a sociedade seria realizada a partir de 20 Conselhos Regionais de Desenvolvimento Sustentável
(CRDS)63, auxiliados pelos CMDS. Havia ainda os Conselhos de Participação da Sociedade64. Internamente ao
governo, foram organizados os Grupos de Trabalho Interinstitucional (GTIs), na prática conselhos de secretários de
Estado, para discussão em conjunto de projetos estruturantes. Não se sustentaram nem os CRDS, nem os GTIs e
muito menos os Conselhos de Participação, cuja última reunião deu-se em dezembro de 199865. Os CRDS não
funcionaram porque, na prática, os deputados governistas tomavam assentos nas reuniões, a estrutura do conselho
foi determinada de cima para baixo e o governo não atendia às demandas levantadas. Para a sociedade, a imagem
que ficava era de que aquele era mais um órgão governamental.

Os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável66, por sua vez, foram criados em 1995, em todos os
municípios, apenas para dar satisfação à sociedade e responder às críticas sobre a centralização do poder. Os
CMDS foram anunciados como "uma estrutura de representação, de articulação, de integração, de orientação, de
acompanhamento e de mobilização da municipalidade, em sua busca de desenvolvimento sustentado e
compartilhado"67. Foi esta a única instância que vingou.
61
Atualmente, há Conselhos de Assistência Social em 182 municípios, 98 Conselhos do Trabalho, Conselhos de
Saúde em todos os municípios, 177 Conselho da Criança e do Adolescente, 113 Conselhos Tutelares, Conselhos
Comunitários de Defesa Social (163 na capital e 304 no interior), Conselhos Escolares em 730 escolas. Isso sem
falar nos Conselhos municipais de Educação e da Merenda Escolar, precariamente constituídos na maioria dos
municípios. CORDEIRO, Celeste. Democracia, conselhos e esfera pública local no Brasil: uma análise dos CMDS
no Ceará. Tese para concurso de professor titular da UECE. Janeiro de 2001. p. 94.
62
Plano de Desenvolvimento Sustentável do Governo do Estado do Ceará (1995-98), p. 8.
63
A gestão compartilhada de grandes projetos, como o Grupo de Trabalho Participativo do complexo industrial-
portuário do Pecém (CIPP), GT do Castanhão e os comitês da Bacia do Curu, Baixo Médio Jaguaribe e Banabuiú.
64
Os Conselhos de Participação da Sociedade eram formados pelo Conselho da Família e da Cidadania,
Conselho de Desenvolvimento da Cultura e Conseho de Desenvolvimento Sustentável, cujos membros foram
escolhidos pelo Governador entre personalidades de destaque e formadores de opinião, para a discussão sobre
questões estratégicas ao Estado.
65
Cf. CORDEIRO, Celeste. Democracia, conselhos e esfera pública local no Brasil: uma análise dos CMDS no
Ceará. p. 101.
66
Hoje, são 4.300 conselheiros que se encontram presentes em 160 das 184 cidades (apenas 18 com mais de 50
mil habitantes). Funcionando efetivamente, porém, só em 120 municípios. O CMDS é formado por representantes
da Prefeitura Municipal, Câmara de vereadores, Conselhos setoriais, setores significativos (comerciantes, artistas,
artesãos, religiosos, industriais e agricultores, entre outros), entidades maiores (associações, federações,
sindicatos e similares) e regiões comunitárias (distritos, sítios e bairros). CORDEIRO, Celeste. Democracia,
conselhos e esfera pública local no Brasil: uma análise dos CMDS no Ceará. p. 110.
67
Cartilha Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável: o que é, como funciona e a quem serve. Governo
do Estado do Ceará, 1995.
41

Por um lado, houve finalmente um reconhecimento, por parte do governo, de que ele estava isolado e que era
necessário abrir outros canais. Por outro lado, havia o receio de perder o controle. Ocorreu então uma "participação
supervisionada", que não é o melhor modelo, por não considerar estes conselhos de forma autônoma. Celeste
Cordeiro aponta um grave problema:

Um ponto negativo muitíssimo importante é que a máquina governamental como um todo ainda
não incorporou a idéia da gestão participativa como sistema. Ela, de modo geral, não mudou
sua postura para reconhecer efetivamente os Conselhos como parceiros institucionais. Aferra-
se ao corporativismo funcional e resiste à integração institucional e à participação
comunitária (...). A máquina administrativa é muito grande e a resposta às precárias iniciativas
de capacitação já realizadas é muito lenta, especialmente na ponta dos sistema, no interior do
Estado68.

Em nível de Estado, luta-se ainda contra o autoritarismo e as práticas patrimoniais. Em nível municipal, há a
possibilidade do desinteresse ou, o que é pior, do controle do prefeito sobre o CMDS, que serviria mais como uma
instância homologatória do que decisória. Em suma, os problemas enfrentados pelos CMDS são os seguintes:
desarticulação e funcionamento precário (falta de preparo, conhecimento das potencialidades do município e
compromisso dos conselheiros); pouca comunicação com o governo, entre os próprios comitês e entre eles e a
sociedade; falta de interesse do governo; falta de autonomia política e criação com caráter imediatista somente para
atender critérios técnicos69.

Mas há outros exemplos de falta de democracia nas relações com a sociedade civil. Houve também a grita da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que solicitou à OAB-CE entrar com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade contra a lei estadual que modifica atribuições da Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa
(Funcap)70.

O Artigo 20 da Lei 11.752, de 12 de novembro de 1990, de criação da Instituição, diz que à Funcap compete
estimular o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado do Ceará, por meio de incentivo à pesquisa, à
formação e à capacitação de recursos humanos, à geração e desenvolvimento da tecnologia e à difusão de
conhecimentos técnico-cientifícos. A lei dispõe que é finalidade da Funcap o amparo à pesquisa científica e
tecnológica no Estado do Ceará, em caráter autônomo ou complementar ao fomento, provido pelo Sistema Federal
de Ciência e Tecnologia (ao qual pertence o CNPq). Para a SBPC, ao mudar os objetivos da Funcap, a lei
contrariou o artigo 258 da Constituição Estadual que definiu a razão social da Fundação.

O projeto de lei foi apresentado na Assembléia pelo secretário de Ciência e Tecnologia, Ariosto Holanda, e
aprovado durante a convocação extraordinária da Casa, no final de 2000. Entre as mudanças aprovadas está a
permissão para que as verbas da Funcap sejam utilizadas pelos Centros Vocacionais Tecnológicos (CVTs) e pelos
Centros de Ensino Tecnológico (Centecs), carros-chefe do programa de capacitação do governo estadual. Em todo
o Ceará, são 43 centros.

Com a aprovação da lei, a gama de atribuições da Funcap foi ampliada, mas não houve um aumento no repasse das
verbas. Pela Constituição Estadual, está assegurado ao órgão 2% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS).

A lei desvirtua o sentido da Fundação. Desta forma, a atuação da Funcap, que já era comprometida pela limitação
dos recursos, vai ficar ainda mais ameaçada. A lei também introduziu mudanças na gestão da entidade. O cargo de
presidente da Funcap, que antes era preenchido pelo governador com base em uma lista tríplice elaborada por um
Conselho composto por técnicos e pesquisadores, agora será exercido, em caráter temporário, por um funcionário
já pertencente à administração pública.

68
CORDEIRO, Celeste. Democracia, conselhos e esfera pública local no Brasil: uma análise dos CMDS no Ceará.
p. 126.
69
CORDEIRO, Celeste. Democracia, conselhos e esfera pública local no Brasil: uma análise dos CMDS no Ceará.
p. 136.
70
Cf. jornal O Povo, 21/12/00, "Sobre as mudanças na Funcap", artigo de Jáder Onofre de Morais e jornal O Povo,
19/01/2001, "SBPC quer questionar mudanças na Justiça".
42
A lei também mudou a estrutura do Conselho, que passou a ter sete secretários de Estado entre seus 17 membros.
Isso transforma a instância num órgão político, que administraria um órgão científico. A Funcap perdeu totalmente
a possibilidade de independência. Como de costume, não houve discussão da matéria com a comunidade
acadêmica, pega de surpresa pela aprovação da lei. A SBPC ainda tentou discutir com o governador Tasso
Jereissati o projeto de lei encaminhado à Assembléia, mas o governador manteve-se irredutível.

Portanto, não adianta o governo divulgar que criou "novos canais de participação da sociedade abrindo espaços
para um processo de gestão compartilhada das políticas e projetos públicos". Isso não se sustenta. Não adianta criar
órgãos, que são importantes, como a Defensoria e a Ouvidoria, que vêm agregando significativos valores aos
cidadãos, se não há de fato uma interação com a sociedade civil. A democracia pressupõe o diálogo e um contrato
social, usando as palavras de Rousseau, que restabeleça como direito básico a igualdade entre os homens.

Assembléia Legislativa e Serviço Público

Os exemplos vão além e puderam ser testemunhados pelos parlamentares na Assembléia Legislativa do Estado. As
mensagens enviadas à Assembléia, até julho de 2001, vinham geralmente com o carimbo de "urgência" para
aprovação. Era uma batalha desigual a oposição conseguir marcar audiências públicas ou fazer com que o governo
negociasse com os segmentos sociais interessados na matéria a ser votada.

A subserviência do Legislativo, dada a maioria absoluta que havia na bancada governista, além do completo
desinteresse do Governador por este Poder _ na atual gestão, Tasso Jereissati nunca marcou presença à abertura dos
trabalhos da Casa, como é tradição. A situação só veio a se modificar quando o presidente da Mesa Diretora,
deputado estadual Welington Landim, saiu do PSDB, juntamente com mais seis parlamentares, para o PSB.

A política administrativa orquestrada pelo PSDB no Estado tem sido desastrosa para o serviço público. Vários
órgãos públicos foram extintos, outros privatizados e milhares de funcionários foram demitidos sem a necessária
discussão com os diversos segmentos sociais envolvidos. O serviço público não é encarado como prioridade pelo
governo, que trata o servidor _ à semelhança da instância tucana federal _ como vilão da conjuntura econômica.

Desde 1996, segundo o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Estadual (MOVA-SE), foram demitidos
milhares de servidores públicos cearenses (BEC - 1.105, Ematerce - 504, Cedap - 419, Codece - 308, Sine - 279,
IOCE - 273, Cohab - 227, Epace - 221, Cagece - 200, Seproce - 122). Por outro lado, a relação com os sindicatos
de trabalhadores e com as entidades dos movimentos sociais é péssima, marcada pelo autoritarismo.

Desde 1992, os servidores estaduais vinham reivindicando, sem sucesso, a criação de uma Comissão Permanente
de Negociação composta de forma paritária. Várias vezes, o Fórum Unificado de Servidores não foi recebido no
Cambeba. Somente em 2001, houve efetiva negociação, sendo que, de antemão, o governo deixou claro que não se
discutiria o valor do reajuste salarial. Ora, não se senta à mesa para negociar com as cartas marcadas. Não se
tratava, evidentemente, de negociação, mas de imposição de um ponto de vista unilateral.

Devido à nova configuração das bancadas de situação e oposição na Assembléia, a mensagem original do governo
sofreu emendas que foram aprovadas. Não foi à toa que, no dia 5 de setembro de 2001, os jornais locais deram com
estardalhaço a notícia da derrota do governo em plenário. Tasso Jereissati, porém, vetou as emendas, que
retornaram ao plenário. No dia 26 de outubro, um dia depois da instalação da CPI do BEC, a oposição na
Assembléia Legislativa conseguiu derrotar novamente o governo do Estado. Todos os seis vetos dados às emendas
à mensagem que concede reajuste de 10% aos servidores estaduais caíram. Desde 1990, Tasso Jereissati contava
com a maioria absoluta na Assembléia. A última vez que se havia derrubado um veto na Casa fôra em 1996,
mesmo assim numa matéria sem maiores problemas políticos, assinada pelo então governador em exercício,
Moroni Torgan71.

A nova correlação de forças na Casa, desencadeada com a saída do presidente Welington Landim do PSDB, deixou
o bloco governista desorientado. Desacostumados com o processo de negociação, com toda uma história de
truculência e autoritarismo, os tassistas sequer apareceram no plenário, com medo de perder. Para que os vetos
fossem derrubados, eram necessários 24 votos. Do lado oposicionista, ninguém perdeu a chance de comparecer à
histórica sessão. No momento da votação, 27 parlamentares responderam à chamada. O clima na Assembléia era de
pura euforia. As galerias da Casa ficaram lotadas de servidores do Legislativo, fazendários, policiais civis e
71
A matéria em questão trata da obrigatoriedade da implantação de portas eletrônicas em instituições bancárias,
de autoria do então deputado estadual Oman Carneiro, também integrante da bancada governista.
43
militares. Todos atingidos pelos vetos do Executivo. Como determina o Regimento Interno, todos os vetos foram
votados secretamente. Mas a cada resultado divulgado contra o Governo, seguiam-se aplausos e gritos de
entusiasmo72.

Entre as emendas incluídas pelos deputados, uma confere aos funcionários públicos o direito à gratificação por
produtividade em caso de afastamento do trabalho por licença médica. A oposição também aprovou a revisão anual
de salário dos funcionários do Poder Executivo. Outro ponto aprovado foi a transformação em lei de decreto
governamental de 1993 que institui o adicional noturno ao funcionalismo. E também a tão sonhada Comissão
Permanente de Negociação.

É preciso ainda fazer referência à questão do tratamento dispensado ao serviço público. O PPA afirma textualmente
que "as propostas de desenvolvimento e aperfeiçoamento da reforma do Estado apontavam inexoravelmente para a
melhoria dos serviços públicos prestados, o que ensejava o comprometimento do servidor público e sua
capacitação, capazes de aprimorar a qualidade de seu trabalho".

Ora, não adianta capacitar os servidores, tentar envolvê-los em amplo processo de mudanças, num "Modelo de
Gestão Participativa", se não há diálogo com as instituições representativas e não há um tratamento digno com
estes trabalhadores em relação a salários e condições de trabalho. Em 2001, mesmo com os servidores acumulando
defasagem salarial de 51,44%, o governo concedeu apenas 10%.

Isso prejudica, em primeiro lugar, o servidor, desmotivado e desvalorizado pela seqüência de medidas que reduzem
direitos e salários; em segundo lugar, o próprio Governo, que tem o desempenho de suas funções prejudicadas pela
carência de pessoal; e, finalmente, a população cearense, que aos poucos vai descobrindo que hoje não conta mais
com vários serviços anteriormente prestados pelo Estado, tendo de pagar do seu bolso para obtê-los.

As impropriedades governamentais vão além. O PPA, ao referir-se às mudanças administrativas a serem adotadas
para modernizar o serviço público, diz que "a participação dos servidores no processo de mudança será intensa,
gerando comprometimento e motivação". Bem se vê que a forma de o governo motivar os servidores é, no mínimo,
estranha.

Em 1999, esta "motivação" foi marcada pela edição de um pacote de medidas intitulado, pelos servidores, de
"pacotasso". Um pacote de medidas que restringiu uma série de direitos dos servidores. Foram extintas, entre outras
conquistas, o qüinqüênio, a licença-prêmio, o auxílio-doença, o abono pecuniário de férias e o montepio civil e
militar, além de instituir um sistema de previdência que aumentou o valor da alíquota de desconto para os ativos e
quis obrigar aposentados e pensionistas a contribuírem. O desconto só não foi efetuado por conta da decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu esta prática em todo o país, atingindo também o governo do
Estado do Ceará. O PPA novamente falseia a realidade quando promete que "serão revistas a estrutura de
atendimento às necessidades dos servidores, até mesmo quanto a problemas sociais".

Além da desvalorização do quadro permanente de servidores, o Cambeba fez uma clara opção pelo contrato
temporário terceirizado nos serviços desempenhados pela administração pública, semelhante às práticas do setor
privado da economia. Se a Constituição de 1988 _ que tornou obrigatório o concurso público para ingresso nos
quadros estatais _ representou um avanço contra o empreguismo patrimonial e clientelista, por outro lado a
terceirização permite a contratação sem critério _ consultorias, locadoras de mão-de-obra etc. _, sem vínculo
empregatício e sem controle social. Os custos com "serviços de terceiros e encargos" saíram de Cr$ 10,9 bilhões
em 1986 para Cr$ 25,8 bilhões em 199173.

A concepção autoritária no tratamento dos funcionários reflete negativamente nas áreas sociais, principalmente em
saúde e educação. Na educação, foi adotada a política do arrocho salarial. No segundo ano da gestão Tasso I, o
Decreto nº 10.170 determinou o cancelamento de todas as complementações de carga horária mensal, o que levou a
um corte drástico de professores _ mais de 3 mil _ necessários para o funcionamento da rede estadual de ensino,
carência que foi "resolvida" com a contratação de professores temporários. Este recurso diminui sensivelmente a
qualidade do conteúdo, compromete o planejamento pedagógico a longo prazo e prejudica os alunos, que volta e
meia se vêem sem professor na sala de aula.

72
Cf. jornal Diário do Nordeste, 05/09/2001, "Aprovadas emendas com o racha da bancada aliada".
73
GONDIM, Linda. Clientelismo e modernidade nas políticas pública: os "governos das mudanças" no Ceará
(1987-1994). Ijuí, Editora UNIJUÍ, 1998. p. 53.
44
Além do descontentamento salarial durante toda a Era Cambeba, durante a gestão Ciro Gomes os professores
enfrentaram alguns casos de autoritarismo explícito. Um deles foi o episódio do "provão", ou seja, o censo do
magistério, realizado juntamente com uma prova para avaliar o nível de todos os professores nas disciplinas do
ensino fundamental e médio, com o objetivo alegado de identificar necessidades de treinamento. A medida,
contestada por técnicos da própria Secretaria de Educação, gerou uma crise quando da decisão do governador de
sustar os contracheques de 1.500 professores que não compareceram aos locais onde a prova foi aplicada. Os
contracheques só foram liberados após intervenção da Justiça e de ocupação da sede da 1ª Delegacia Regional de
Ensino (DERE) por professores indignados. Além disso, em 1994, foi adotado _ sem qualquer discussão ou
preparação dos professores _, o sistema de telensino para todas as séries terminais do antigo 1º grau, no turno
diurno, em todas as escolas. Na área da saúde, 7 mil agentes foram contratados sem vínculo empregatício algum
pelo Programa Agentes de Saúde (PAS) _ criado pelo Decreto nº 19.945, de janeiro de 1988. A despeito dos
avanços alcançados na área da saúde, o autoritarismo governamental novamente se fez presente quando do
questionamento do PAS pelos enfermeiros, que alegaram que os agentes eram tecnicamente despreparados. No
mesmo ano, ao enfrentar a greve dos médicos, o governador afimou _ no jornal O Povo de 15/02/1992 _ que iria
demitir os participantes do movimento, associando a manifestação paredista a uma campanha para atrair clientes
para o plano de saúde Unimed74.

A truculência e a falta de diálogo levou o Executivo a cometer outros atos graves, sem a devida discussão. Como
exemplo, tem-se a privatização da COELCE. No dia 22 de maio de 2000, após atestar cobranças indevidas e não
atendimento a consumidores dentro dos prazos regulamentares pela empresa privatizada, a Agência Nacional de
Energia Elétrica (ANEEL) multou a COELCE. A Companhia Energética do Ceará pagou, dia 17 de novembro de
2000, R$ 6.964.180,70 à ANEEL, referente à multa. A multa aplicada pela ANEEL à empresa energética teve
como motivos alegados problemas de regulação de tensão em alguns pontos no interior do Estado e também
referentes a interrupções do fornecimento de energia no município de Baturité. Além da multa, a concessionária
teve de enfrentar outros problemas decorrentes das alegações que motivaram a punição, como a proibição ao grupo
de participar de licitações e leilões. O outro aspecto referia-se à possibilidade de cassação dos direitos de concessão
na distribuição de energia pela COELCE.

Ainda há o aspecto do tratamento ao qual vêm sido submetidos os funcionários da empresa desde a privatização.
Os acidentes de trabalho se acumulam na COELCE desde 1998. Os acidentes vêm se repetindo com uma
constância macabra. A empresa espanhola Endesa, que controla a COELCE, pouco faz para interromper essa
seqüência de mortes. Segundo dados do Sindeletro (Sindicato dos Eletricitários do Estado do Ceará), desde a
privatização já são 31 mortes por acidente de trabalho na empresa. Entre essas causas, poderiam ser citadas como
as principais: grande número de demissões (desde a privatização, cerca de 1.500 empregados foram para a rua,
geralmente, os mais experientes e qualificados); política de terceirização indiscriminada, com a contratação de
empresas não qualificadas; trabalho por metas, submetendo os trabalhadores a uma pressão insuportável; falta de
treinamento adequado.

Mesmo com a criação da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Ceará (ARCE), o Estado não
vem garantindo a direção, regulação e fiscalização sobre os serviços públicos com a finalidade de atender ao
interesse público. Tudo isso poderia ser evitado se o processo de privatização tivesse sido efetivamente discutido.
Dizer que a privatização melhora os serviços é um posição ambígua. Há más administrações tanto no âmbito
público quanto no privado.

Vários órgãos estão sendo "reestruturados", como a EMATERCE, o que significa demissões, enxugamento da
estrutura e redução de atribuições. Nas áreas de educação e saúde, há anos é necessário a realização de concurso
público para preencher vagas. Para suprir a carência de pessoal que ele mesmo provocou, o Governo apela para a
terceirização, contratando temporariamente trabalhadores _ que ganham mal _ a preços questionáveis.

Movimento social

Há várias passagens da história do Cambeba no Ceará que ilustram a truculência do governo em relação aos
movimento sociais organizados. As relações nunca foram tranqüilas. Quem já tentou chegar até o Cambeba com
uma manifestação qualquer sabe da dificuldade que se tem para conseguir entrar naquela área, guardada por um
fortíssimo aparato policial.

Por vezes, veículos vindos do interior para manifestações são vistoriados e barrados antes mesmo da chegada em
Fortaleza.
74
Id. Ibid. p. 56-66.
45

Alguns episódios são emblemáticos, marcados pela característica do uso da força em detrimento das tentativas de
diálogo. Em 1996, no dia 17 de dezembro, quando da reunião da cúpula do Mercosul, com presidentes de países da
América Latina, a tentativa de manifestação articulada pelas centrais sindicais dos países envolvidos foi
violentamente reprimida. Do batalhão de choque a helicópteros, todo um maquinário repressivo foi utilizado para
que os manifestantes ficassem a pelo menos dois quilômetros de distância do local do evento75.

Entre 29 e 31 de agosto de 1997, acompanhando o movimento de mesmo teor em vários Estados do Brasil _ cerca
de 4 mil policiais entraram em greve reivindicando reajuste salarial de 66% para os militares e abonos entre R$ 300
e R$ 500 para os civis. Numa manifestação com cerca de mil pessoas, no dia 29, na Praia de Iracema, os grevistas _
reunidos com o apoio de sindicalistas ligados à CUT _ foram agredidos pelo batalhão de elite da PM. Na troca de
tiros, foram feridos cinco policiais, entre eles, o comandante da PM cearense, coronel Francisco Mauro Alves
Benevides. A posição do governador _ elogiada publicamente pelo Presidente da República, Fernando Henrique
Cardoso _ foi autoritária não só pelo confronto em si: rompeu as negociações, solicitou o uso de tropas do Exército,
mandou demitir sumariamente os participantes e prender os líderes, abrindo vagas para contratação de novos
policiais76.

Naquele mesmo ano, em novembro, houve o conflito com os trabalhadores rurais que acamparam em frente à
Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), na avenida Bezerra de Menezes. No dia 28 daquele mês, cerca de
2.000 integrantes do MST fecharam a avenida cobrando auxílio para assentamentos. Na noite de 13 para 14 de
dezembro, cerca de 300 sem-terra ainda protestavam. Um grupo de 450 homens da polícia cercou os manifestantes
e impediu a passagem de água e comida. A disposição das forças policiais para a agressão ficou evidente quando
do deslocamento do próprio rabecão do Instituto Médico Legal (IML) para o local. Um padre que atirava
mantimentos por cima da barreira policial foi agredido, assim como o então deputado estadual Mário Mamede
(PT), que tentava intermediar o confronto. Várias pessoas que se solidarizavam com os agricultores que passavam
sede e fome _ inclusive mulheres e crianças _ foram proibidas de jogar água e comida.

Finalmente, na véspera do Natal de 1997, durante a celebração de Natal no presídio Paulo Sarasate, 23 presos
tomaram três reféns, entre eles, a coordenadora da Pastoral Carcerária, Eunízia Barroso. Eles conseguiram carros
para deixar o presídio com os reféns e a promessa da polícia de que a perseguição só começaria meia hora depois.
O acordo foi quebrado pela polícia, e os carros, com os vidros cobertos por papel, foram metralhados com os reféns
dentro. O saldo final foram oito fugitivos mortos. Todos os reféns foram feridos. A coordenadora da pastoral levou
dois tiros. No dia seguinte ao `'Natal de Sangue'', algumas autoridades do governo cearense afirmaram que os
culpados pela rebelião teriam sido os próprios integrantes da Pastoral Carcerária. O então arcebispo de Fortaleza,
D. Cláudio Hummes, divulgou uma carta classificando as acusações de `'irresponsáveis e levianas''. `'Não é, pois, a
presença dos agentes de pastoral nos presídios do Ceará que provoca as rebeliões. A rebelião, fruto do descaso e
abandono dos presos e presídios, confirma um sistema penitenciário arcaico e desumano'', dizia o documento do
arcebispo77.

Plebiscito e referendo

Caso o governo quisesse realmente estruturar "mecanismos de ausculta à sociedade" e "desenvolver metodologias
que permitam agir em tempo hábil na correção das insatisfações e na implementação das sugestões apresentadas
pelo cidadão", como diz o PPA, que implementasse então a participação direta da população mediante plebiscito ou
referendo, aprovado somente em 2001, após a divisão provocada na bancada governista com a saída do deputado
estadual Welington Landim (PSB), autor do projeto. A privatização da CAGECE, em pauta, seria uma boa chance
de testar os princípios da democracia direta, que tem num jurista cearense, Paulo Bonavides, um de seus defensores
mais ferrenhos.

Enfim, se não existe da parte do governo sequer a disposição de ouvir sugestões dos cidadãos _ que deveriam ser o
alvo prioritário do orçamento _ a tal "democracia" do Cambeba não passa de um castelo de areia.

75
Cf. jornal Folha de São Paulo, 18/12/96, "Polícia reprime manifestação no CE".
76
Cf. jornal Folha de São Paulo, 08/05/97, "Jereissati condecora 60 policiais"; Folha de São Paulo, 01/08/97,
"Governo afasta 96 e prende 23 policiais"; Folha de São Paulo, 31/07/97, "Ceará prende grevistas e esvazia
rebelião"; Folha de São Paulo, 31/07/97, "Governo estadual sufoca greve de policiais"; Folha de São Paulo,
30/07/97, "Comandante da PM é baleado no Ceará"; Folha de São Paulo, 30/07/97, "Conflito de policiais deixa
cinco feridos em Fortaleza".
77
Cf. jornal Folha de São Paulo, 24/05/98, "Bispo enfrentou crises em Fortaleza".
46

Tal postura não se coaduna com as diretrizes originais do CIC, expostas no Pacto de Cooperação, que afirmavam
que a sociedade cearense deveria adotar e defender novos conceitos, como os de "...competitividade, parceria,
complementariedade, compartilhamento e das visões sistêmica e de futuro, cadeias sócio-econômicas,
desenvolvimento sustentável, dentre outros". Na verdade, os defensores do Pacto acreditam que estes novos
conceitos produziriam "mudança nas organizações, propiciando a dinamização das universidades e das entidades de
classes e induzindo novas formas de criação de empresas e de órgãos governamentais e não-governamentais".
Longe de desmerecer o bom trabalho desenvolvido pelos integrantes do Pacto, como se vê, pelos exemplos
listados, o discurso está há anos-luz da prática.
--------------------------------------------------------------------------------
47
48

Falta de transparência

"A verdade é filha do tempo, não da autoridade"


(Francis Bacon)

"Aquele que não conhece a verdade é


simplesmente um ignorante,
mas aquele que a conhece e diz que é mentira,
este é um criminoso"
(Brecht)

O terceiro pecado capital do Cambeba é a falta de transparência. Assim como o personagem Harpagão, do
teatrólogo francês Molière, "o humano menos humano", para o qual "dar é uma palavra pela qual tem tanta aversão
que ele não diz nunca: eu lhe dou, mas: eu lhe empresto a juros", o tucanato é avaro com o poder e pródigo em
utilizar os recursos do erário de acordo com os seus interesses, consolidando uma oligarquia que usa o público de
forma questionável, ou seja, nem sempre em benefício da maioria da população. O Cambeba parece temer abrir
suas contas para o exame detalhado da sociedade, com receio de perder sua "galinha dos ovos de ouro". Por outro
lado, para esconder esta relação com o tesouro estadual, mostra uma fachada de austeridade, negando recursos e
direitos ao funcionalismo, cortando verbas sociais e administrando a Fazenda com mão de ferro.

A Assembléia Legislativa é testemunha deste mal. O governo não aceita ser investigado e abortou seguidamente
tentativas de instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito _ BEC, COELCE, merenda escolar etc. Pela
navalha afiada do Cambeba não passavam _ até o rompimento com o Presidente da casa, Welington Landim _
sequer simples requerimentos propostos por deputados de oposição no intuito de obter cópias de contratos suspeitos
publicados no Diário Oficial.

Os processos de privatização e a extinção de órgãos públicos nunca foram devidamente discutidos. As mensagens
financeiras são aprovadas de forma açodada e autoritariamente. Não há transparência sequer para saber onde foi ou
será aplicado o dinheiro arrecadado com a venda da COELCE.

Por várias vezes, denunciou-se na tribuna o atraso da prestação de contas bimensal, trimestral e mesmo anual do
governo do Estado. O problema da fiscalização era prejudicado pela subserviência da Assembléia Legislativa, em
decorrência da maioria parlamentar governista.

Fiscalizar ou mesmo questionar a "verdade" do mito da ilha da fantasia cearense é sempre uma tarefa inglória,
como se subversiva, como se o autor da argüição fosse alguém que se colocasse como uma pedra no caminho da
"modernidade".

Ao examinarmos o Plano Plurianual 2000-2003, percebemos que o governo do Estado ou não tem consciência
plena do que ocorre em seu Estado ou maquia a realidade. Textualmente, por exemplo, o PPA diz que "procurou-se
dar a transparência no uso dos recursos e nos resultados das ações de governo, estimulando-se as parcerias entre o
setor privado e as organizações não-governamentais para ampliar a participação".

Transparência é uma palavra que não consta no vocabulário tucano. Usando o argumento de incremento das
receitas, o governo do Estado promoveu a alienação de bens estaduais, em especial, a venda das ações da
COELCE. Depois, assinou o Protocolo de Federalização do Banco do Estado do Ceará, para posterior privatização.
Em nenhum dos dois casos, a discussão com a sociedade foi transparente.

O caso BEC

O Banco do Estado do Ceará (BEC) foi federalizado em 1998 e está em processo de privatização. Em 1998, o
Banco Central (BACEN) pronunciou-se alegando que o BEC estava no rol dos grandes devedores, de difícil
recuperação. Em 1996, a Associação dos Funcionários do BEC (AFBEC) havia percebido a sangria de recursos e
denunciou irregularidades na concessão de crédito feitas pelo BEC. No mesmo ano, a Associação moveu uma
representação junto à Procuradoria Geral da República e ao Banco Central elencando as suspeitas de
irregularidades com os ativos financeiros do BEC.
49
Tais irregularidades, entre outras, envolveriam o conglomerado EIT, a construtora GTF, um deputado e um
senador. Ademais, dentre os maiores devedores do banco, cadastrados pela central de risco como créditos em
liquidação ou de difícil recuperação, pelo menos sete casos são relacionados à empresas financiadoras da campanha
do governador Tasso Jereissati no ano de 1994, quais sejam: Construtora Sades Ltda. (dívida de R$ 10,0 milhões),
GTF Construções Ltda. (dívida de R$ 7,9 milhões), Construtora Bandeira de Melo Ltda. (dívida de R$ 1,7 milhão),
Econ - Empresa de Construção do Nordeste Ltda. (dívida de R$ 1,4 milhão), Omega Construção Indústria e
Comércio Ltda. (dívida de R$ 3,1 milhões), CIPA - Companhia Industrial de Produtos Alimentícios (dívida de R$
3,4 milhões) e Master Indústria Plástica Cearense (dívida de R$ 410,0 mil). De acordo com a Junta Comercial do
Estado do Ceará, as quatro primeiras tiveram falências decretadas por diversas Varas Cíveis de Fortaleza.

Todas estas irregularidades encontram-se expostas em detalhes na ação penal nº 2001.81.0012740-1, movida pelo
Ministério Público Federal, assinada pelo procurador da República no Estado do Ceará, Sr. José Gerim Mendes
Cavalcante. O requerimento nº 769-01 lista também as empresas já citadas e ainda outras. A denúncia 246-01
(baseada em cinco processos e três ofícios do Banco Central) cita como réus, nomeando crimes: José Monteiro
Alencar (gestão temerária e fraudulenta), Élfio Rocha Mendes (gestão temerária e fraudulenta), Maria Aurilene
Cândido Martins (gestão temerária e fraudulenta e concessão de empréstimo vedado), Ana Lúcia de Castro Coelho
(gestão temerária e concessão de empréstimo vedado), Maria de Fátima Cavalcante Pinheiro (gestão temerária e
concessão de empréstimo vedado), Pedro César Tavares Neto (concessão de empréstimo vedado), Dario Rodrigues
da Silva Júnior (concessão de empréstimo vedado), Eliardo Rodrigues (gestão temerária), José Domingos de Sousa
Filho (gestão temerária).

Não é demais lembrar que o governo do Rio Grande do Sul, em março de 1998, saneou seu banco estadual e
transformou a Caixa Econômica Estadual em agência de fomento, mostrando que a privatização não é a única
saída. Outros estados como Espírito Santo, Sergipe, Pará, Bahia e Santa Catarina também trilharam o caminho do
saneamento e transformação em agência de fomento. De acordo com a AFBEC tudo indica que o rombo não foi
fruto de obras sociais de combate à seca, redução do desemprego e nem tampouco para aumento de salário do
funcionalismo ou programas educativos. É tanto que em março de 1998 a Polícia Federal abriu inquérito para
apurar as irregularidades do BEC.

Os cinco maiores devedores do BEC totalizam juntos a quantia de quase R$ 82 milhões em créditos de difícil
recuperação ou irrecuperáveis, quais sejam: Amazônica Indústria e Comércio, EIT - Empresa Industrial, IPECEA -
Indústria de Pesca do Ceará, Brasil Oiticica S/A e Mendonça Tapetes e Carpetes Ltda. De acordo com a Junta
Comercial do Estado do Ceará (JUCEC) a Brasil Oiticica S/A teve falência decretada pela 8º Vara Cívil de
Fortaleza em 1989. Ainda segundo a JUCEC não foi encontrado qualquer registro da empresa Mendonça Tapetes e
Carpetes Ltda., em dívida com o BEC de R$ 10,8 milhões.

O BEC teve seu protocolo de federalização aprovado às pressas, quando várias denúncias fizeram com que os
parlamentares da bancada de oposição reivindicassem a realização de uma CPI _ finalmente aprovada após 5 anos
de tentativas infrutíferas _ para investigar o uso do banco para beneficiar empresários ligados ao governo.

A aprovação da CPI do BEC, em 25 de outubro de 2001, determinou a mais dura derrota até então sofrida pelo
bloco governista da Assembléia Legislativa, desde a rearrumação das forças entre a oposição e a situação na Casa.
Depois de cinco anos engavetada, a CPI do Banco do Estado do Ceará (BEC) foi instalada. O presidente da Casa,
Welington Landim (PSB), baseou-se no parecer da Procuradoria da Assembléia que atestou a legalidade da
investigação das transações financeiras da instituição entre 1995 e 1998. O órgão jurídico também analisou o
aditivo do líder do Governo, Moésio Loiola (PSDB), que propunha a extensão da investigação. Numa tentativa de
inviabilizar a CPI, o tucano e outros aliados reivindicavam que a apuração de supostas irregularidades
compreendesse desde a fundação do banco, em 1964, até a sua federalização, em 1999. A Procuradoria, no entanto,
indeferiu o pedido, alegando que o aditivo não obedecia ao preceito regimental de apresentar fato determinado.

Para se ter uma idéia da luta para instaurar a CPI, ainda em junho de 1997, o deputado estadual João Alfredo (PT-
CE) apresentou requerimento visando investigação das irregularidades administrativas e gerenciais praticadas pela
então diretoria do BEC, envolvendo recursos estaduais e a concessão ilícita de créditos, além da constituição
irregular de passivos. Apesar de em 1998 o requerimento de João Alfredo ter alcançado o número de assinaturas
necessárias, manobras da bancada do governo impediram sua instalação. O assunto ganhou repercussão nacional. A
revista Isto É publicou, em 12 de agosto de 1998, na matéria "Negócios entre amigos", que o "neocoronelismo
deteriora o BEC, que deixa de ser modelo de administração para entrar num PROER de bancos estaduais".
50
Segundo informações do parlamentar78, que é um dos deputados que compõem a Comissão Parlamentar de
Inquérito que investiga o BEC, há que se apurar as seguintes denúncias:

1) Os recursos destinados para sanear o BEC (R$ 954,2 milhões em 1998) somam quase a mesma quantia pela qual
foi vendida a Companhia Energética do Ceará - COELCE (R$ 1 bilhão);

2) Os créditos irrecuperáveis são estimados em R$ 700 milhões (R$ 873,8 milhões a preços de dez/2000) _
confrontando-se com os balanços positivos divulgados em 1995, 96 e 97, que tiveram lucros respectivamente de,
R$ 7,1 milhões; R$ 2,1 milhões e R$ 2,2 milhões _ e representam quase dez vezes o patrimônio líquido do BEC,
avaliado em 1997 (R$ 74 milhões). É quase quatro vezes o Patrimônio Líquido atual do Banco (em torno de R$
200 milhões). Isto é, depois de recuperado com os próprios recursos do empréstimo destinado à federalização e a
posterior privatização. Em 1987, na gestão Fernando Terra, o rombo do BEC era de R$ 316,8 milhões a preços de
1998, ou seja, menos da metade do de 1998. Os fatos indicam que tal cifra ganhou vulto na gestão 1995-1998. Já
que entre 1991-1994 o banco apresentou boa rentabilidade e foi louvado como modelo de banco público para o
país, destacando-se como o 12º banco da América Latina de menor taxa de risco;

3) A empresa Escolas Reunidas GEO, mesmo com três títulos protestados, conseguiu obter empréstimos do BEC
no valor de R$ 2 milhões em 1995 (R$ 3,6 milhões a preços de dez/2000), apesar do parecer desfavorável do
Comitê de Crédito da Agência Evilázio Miranda. A título de exemplo, foram liberados para o GEO, através dos
empréstimos em conta corrente (ECC) nº 85319/2, em 02/02/1996; 102.349-8, em 04/03/1996; 115.274-3, em
27/03/1996; 117.272-5, em 03/04/96, respectivamente R$ 600 mil, R$ 750 mil, R$ 200 mil e R$ 200 mil. Nas
palavras do procurador Gerim Cavalcante, "nessa mesma data (03/04/96), foi amortizada a quantia de R$
428.835,00, mediante a utilização de crédito decorrente da Operação 63, foi contratada nova operação no valor de
R$ 400 mil, com vencimento para 90 dias, oferecendo, a empresa, em garantia, uma duplicata, no valor de R$
1.100 mil, sacada contra o GEO e avalizada pelo senador Sérgio Machado, o que foi aprovado pela Diretoria, na
reunião 363, de 10/04/1996. Sucede que as Escolas Reunidas Ltda GEO STUDIO tinham um patrimônio líquido
correspondente apenas a 21% do valor da duplicata em causa, e registrou em seu balanço de dezembro/1995 um
prejuízo equivalente a 2,5 o seu patrimônio, sendo que o senador Sérgio Machado não tinha cadastro no BEC";

4) A Giassete Engenharia e Construções Ltda. contraiu empréstimos numa operação que o Departamento de
Crédito do BEC considerou de elevado risco. Entretanto, um fax de um secretário de governo do estado do Ceará,
para a diretoria do BEC possibilitou a transação. Prejuízo para o Banco R$ 5,9 milhões.

5) Lam Confecções S/A. Operação negada pelo comitê de crédito. Mesmo assim, a operação foi autorizada pela
diretoria do BEC. Prejuízo para o Banco de R$ 69 milhões.

6) Banco do Povo. Foi criada uma organização não governamental para trabalhar com microcrédito. As doações
para financiar a Instituição partiram do governo do Estado, do BEC e da Empresa EIT, por coincidência uma
empresa devedora do Banco. Desta Instituição nunca se ouviu falar, seu Presidente é o mesmo que dirigiu o BEC
no período 1995-98 (investigado pela CPI) e a sua diretoria também é quase a mesma do BEC no período
investigado.

7) Em pouco mais de dois anos, a diretoria do BEC gestão 1995-98 (constituída pelo Sr. José Monteiro Alencar _
presidente; Sr. Eliardo Ximenes Rodrigues - diretor administrativo; Sr. Élfio Rocha Mendes - diretor comercial); e
Sra. Maria Aurilene Cândido Martins - diretora de gestão e risco) inscreveu 3.555 operações irregulares, entre 1º de
janeiro de 1995 e 31 de maio de 1997, como Créditos em Liquidação (CCL). Um prejuízo superior a R$ 152
milhões. Mais de 50% dos créditos concedidos de forma irregular (sem parecer técnico) são de responsabilidade
exclusiva da diretoria do BEC gestão 1995-98. Tal gestão transformou a maioria das dívidas do banco em créditos
em liquidação (CCL), ou seja, reconheceu que os empréstimos eram de difícil retorno, desistiu de recuperá-los e os
inscreveu como prejuízo. Um mecanismo contábil que encobre as irregularidades e é responsável por grande parte
do rombo de R$ 700 milhões;

8) A ex-diretora BEC, Sra. Maria Aurilene Cândido Martins, ignora parecer técnico desfavorável da área de análise
de crédito do Banco e autoriza empréstimo, em 1995, de R$ 1,7 milhão (R$ 3,1 milhões a preços de dez/2000) à
Empresa Irma do Nordeste Ltda, administrada por seu próprio irmão, José Jerônimo Bernardo Cândido. Ademais, a
garantia hipotecária apresentada pela Irma do Nordeste era ilegal;
78
Cf. Pronunciamento do deputado estadual João Alfredo "Dívidas do Estado do Ceará _ BEC"
(www.joaoalfredo.org.br). Ver também o boletim semanal "Palavra Viva", do Gabinete do deputado estadual João
Alfredo - Nº17, de 03 de agosto de 2001.
51

9) Outra malversação do dinheiro público no BEC diz respeito a um financiamento imobiliário. Em maio de 1995,
a Sra. Ana Lúcia Castro Coelho, amiga do ex-presidente Monteiro Alencar e posteriormente conduzida à Diretora
de Risco do BEC, vendeu um imóvel adquirido em 1979 ao seu próprio marido (Raimundo Aguiar Camilo) e
solicitou novo financiamento ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), através do BEC, o que não é possível
pelas regras do SFH;

10) Em agosto de 1995, a Construtora GTF devia mais de 7 milhões ao BEC. Em setembro do mesmo ano tal
dívida foi renegociada por R$ 4 milhões. Ou seja, o banco perdoou mais de R$ 3 milhões em dívidas e ainda
concedeu um empréstimo de R$ 300 mil a construtora. A referida Construtora tinha 27 falências requeridas, 14 CL
(Créditos em Liquidação) junto ao Banco Real e ao Banespa, CCF (Cadastro de Emitente de Cheques sem Fundo)
junto ao Unibanco, BEC e Banco do Brasil, além de 68 ações executivas e nada menos do que 1.430 protestos até
23 de março de 1996. Detalhe interessante observado pelo Procurador Gerim Cavalcante: "é curioso, por outro
lado, que tal empresa, constituída em 17 de novembro de 1980, comente tenha começado a operar com o BEC a
partir de dezembro de 1994, vale dizer, no término do governo Ciro Gomes, após a eleição do governador Tasso
Jereissati e às vésperas da posse da nova diretoria do BEC, em fevereiro de 1995, tendo sido veiculadas
especulações de que tal empresa `pertencia', na verdade, ao então deputado Luís Pontes, primo afim do governador
Tasso Jereissati e seu favorecido político, tanto que presidiu a Assembléia Legislativa durante o segundo governo
Tasso, e foi eleito senador, com o apoio do governador";

11) O caso EIT: em julho de 1995 a EIT devia ao BEC R$ 8,3 milhões, mesmo assim a diretoria lhe concedeu um
crédito de mais R$ 10 milhões. É o exemplo clássico, juntamente com o caso GTF, das concessões de créditos
irregulares, desrespeitando normas do Banco Central e a boa técnica bancária. Nas palavras do procurador Gerim
Cavalcante, no documento supra-citado, "os indícios veementes são de que tais atos foram mesmo propositados,
com a finalidade de quebrar o BEC".;

12) O processo de desmonte: a federalização do BEC resultou num endividamento adicional do Estado do Ceará,
na redução de suas agências, no corte drástico de seus funcionários e na extinção de suas funções sociais. Em
contrapartida, não houve a tentativa de sanear e manter as funções públicas de um banco estatal e nem houve
punição para o descalabro administrativo e financeiro do banco, privilegiando a impunidade em detrimento dos
funcionários da instituição e da sociedade cearense.

Vale destacar que a idéia da CPI não partiu somente de uma iniciativa política da bancada de oposição. A
Procuradora da República no Ceará, Nilce Cunha, declarou no jornal Diário do Nordeste de 14/fevereiro/1998 que
o caráter das transações do BEC na gestão 1995-98... "são operações de concessão de crédito a familiares e
diretores do BEC e de suas respectivas empresas, deferimento de empréstimos graciosos para políticos ligados ao
partido do governo, liberação de recursos sem qualquer critério técnico para favorecer construtoras que prestam
serviços ao governo, renegociação de dívidas beneficiando empresários com ramificação política e amigos pessoais
de diretores do Banco, inclusive do seu presidente e transferências ilegais de vultosas quantias para o Banco do
Povo, onde Monteiro Alencar é também o presidente".

Segundo depoimento do diretor comercial do BEC, Élfio Rocha Mendes à CPI do BEC, no dia 20 de dezembro de
2001, na Assembléia Legislativa, os créditos em liquidação _ que podem ser entendidos como créditos de difícil
recuperação e, conseqüentemente, incorrer em prejuízo _ chegavam a R$ 806 milhões em dezembro de 1998.

O caso BNB

O BEC porém é só um dos capítulos do extenso livro de casos de falta de transparência da gestão cambebista. As
ligações do governo do Estado com o Banco do Nordeste também são alvo de investigações. Não é demais lembrar
que o Tribunal de Contas da União investiga irregularidades no Banco do Nordeste do Brasil (BNB), dentre elas, o
empréstimo de R$ 24 milhões a empresas do Grupo Jereissati, contrariando normas e pareceres técnicos do próprio
banco. À época, o BNB descumpriu regras do Banco Central quanto ao provisionamento de devedores duvidosos e
concentrou empréstimos em poucas empresas. Para se ter uma idéia, 1% das 337 mil empresas contratadas detém
40% dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). A apuração destes fatos porém é
sempre barrada.

A revista Isto É, em matéria intitulada "Coroné dos zóio azul", em 4 de agosto de 2000, tratou do assunto BNB,
informando a todo Brasil que o governador Tasso Jereissati é acusado de beneficiar suas empresas com dinheiro
público e de repetir as mesmas práticas dos velhos caciques cearenses. Segundo a matéria, a oligarquia dos antigos
52
coronéis da política cearense, vencida por Tasso em 1986, em nome da "modernidade", ainda continua, mediante
recebecimento de dinheiro público de forma privilegiada para usar em proveito próprio.

Novamente, é importante ressaltar que a acusação não parte somente dos políticos de oposição, mas dos auditores
do Tribunal de Contas da União. Eles realizam investigações no BNB, instituição federal presidida por Byron
Queiróz, integrante da Executiva Estadual do PSDB, indicado para o cargo por Tasso, de quem foi secretário de
Planejamento. De acordo com os auditores do TCU, a administração do banco é marcada por várias irregularidades.

A empresa Refrescos Cearenses _ integrante do Grupo Jereissati, cujo maior acionista é o governador do Estado _
recebeu cerca de R$ 24 milhões em empréstimos, quase três vezes mais que o valor máximo fixado por técnicos do
próprio BNB, com dinheiro do Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste (FNE). Além disso, o BNB
também concedeu à empresa de Tasso um outro financiamento, com juros de 7,7%, muito abaixo do cobrado a
outras empresas, que pagaram taxas de 11,37%. Em 1997, o BNB concedeu um empréstimo de R$ 7,8 milhões,
com dois anos de carência e correção pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), a taxa de juros mais baixa do
mercado à época. Acontece que o referido Grupo já devia anteriormente R$ 17,4 milhões ao BNB. Com este novo
empréstimo, o Grupo Jereissati passou a dever R$ 24 milhões, ultrapassando o limite permitido pelo Manual
Auxiliar _ Operações de Crédito (Título 6 - Limites de Risco, capítulo 1).

De acordo com o "Relatório de Visita e Avaliação de Risco" elaborado pelo BNB, o comprometimento máximo do
grupo Jereissati deveria estar limitado a 2% do Patrimônio Líquido do Banco, que correspondia a R$ 9 milhões.
Assim, a diretoria do BNB desobedeceu as suas próprias normas e por isto tais operações foram consideradas de
risco.

Isto rendeu inclusive uma reportagem na Folha de São Paulo dia 02/maio/1998 sob o título de "Banco estatal
favoreceu Tasso". Perguntado pela reportagem sobre tais irregularidades, Byron Queiróz tentou desqualificar os
técnicos do TCU, entretanto, tal disparate teve resposta oficial. Em nota oficial divulgada pela União dos Auditores
Fiscais de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, a entidade esclarece: "prestar contas de seus atos e
demonstrar como geriu os recursos públicos não é favor, é dever constitucional"... "o presidente do BNB cumpriria
melhor o seu dever como administrador se esclarecesse ao público as questões destacadas pela reportagem, dentre
outras: concentração de recursos do FNE bem como a concessão de empréstimos fora dos parâmetros técnicos
criados pelo próprio banco".

O fato é que desde a posse de Queiróz, sua gestão é marcada por duas grandes características. A primeira é a
péssima relação com os funcionários, que são perseguidos sistematicamente, tendo tido vários direitos
suprimidos79. Segundo o artigo "Banco do Nordeste do Brasil: fraudes e omissões", do deputado estadual João
Alfredo, "nos últimos anos, o BNB, ao invés de promover o desenvolvimento regional, aliou uma péssima gestão
bancária com maus tratos ao seu funcionalismo, justamente àquele que é obrigado a executar os maus negócios do
banco. Não há espaço para o descontentamento, para a contestação e para o diálogo. A crítica é abafada pela
hegemonia de micropoderes sustentados por uma lealdade que se omite, corrompe e frauda".

A segunda característica da gestão Byron são as várias denúncias de irregularidades. Segundo a Auditoria do
Tribunal de Contas da União no BNB - constam da Decisão Nº 247/99 do TCU, relativa ao Processo Nº
929.282/1998-1, as seguintes irregularidades:

1) BNB não segue as normas do CMN para provisionar os créditos de liquidação duvidosa, alongando períodos
permitidos pelo BACEN. Com isto não há redução de patrimônio líquido.

2) BACEN nunca fiscalizou o FNE.

3) Foram concedidos créditos a empresas em desacordo com pareceres técnicos do próprio BNB, bem como com
suas próprias normas internas.

4) Existe excessiva concentração de recursos para poucas empresas no FNE. 1% das operações realizadas acima de
R$ 100 mil concentra 40% dos recursos. Nas superiores a R$ 500 mil, 0,23% dos tomadores de crédito são
responsáveis por 29% dos recursos.

79
Cf. Pronunciamento do deputado federal José Pimentel (PT-CE), "A gestão temerária do BNB"
(www.josepimentel.com.br). Ver também documentos sobre CPI do FINOR.
53
5) Correlata à concentração, está a inadimplência, que, em 30/set/1998, apresenta um saldo de R$ 1,7 bilhão, que
corresponde a mais que o dobro do patrimônio líquido do BNB. Poucas empresas são responsáveis por 77% da
inadimplência. Devido à falta de rigor são realizadas operações com clientes de alto risco, gerando com isso, um
aumento da inadimplência.

6) O BNB tenta administrar esta situação através de renegociação de dívidas, que tornam o saldo em atraso em
saldo normal, sem que tenha havido amortização da dívida por parte do beneficiário.

7) Enfim, o BNB está usando dinheiro do FNE em favor de um pequeno grupo de grandes empresários que, embora
se revelando maus pagadores, sempre conseguem novos empréstimos do Banco.

Tais conexões revelam como o privado apropria-se do público e como as "relações de poder" determinam os lucros
privados. Outro aspecto relevante e que salta aos olhos é como o processo de endividamento do estado é peça
crucial na sustentação do sistema capitalista. Por fim, em contraposição aos arautos do neoliberalismo, constatamos
como Karl Marx: "não existe capitalismo sem Estado".

Enquanto isso, Byron Queiróz vai acumulando processos. Existe, por exemplo, na 21ª Vara da Seção Judiciária do
Distrito Federal, com autuação datada de 18 de agosto de 2000, uma Ação Popular promovida pelo Sr. Wilson
Alves Sales, oficial reformado do Exército Brasileiro contra ele, acusado de vir "dilapidando o patrimônio público
e ocultar e fraudar balanços financeiros do Banco do Nordeste do Brasil".

A fraude contábil, de acordo com a Associação dos Funcionários do BNB (AFBNB) e Associação dos Aposentados
do BNB (AABNB), consiste na divulgação incorreta do resultado bruto da intermediação financeira (RBIF) do
banco, essência da atividade bancária. Os resultados acumulados de 1996 até fevereiro de 2000 somam R$ 32
milhões positivos. De acordo com a referida Ação Popular "de forma dolosa, para ocultar ou pelo menos, para não
evidenciar a verdadeira dimensão de seus resultados escandalosos, o Banco deixou de incluir no ano de 1999, como
deveria, custos de captação de elevada monta na apuração dos resultados brutos da intermediação financeira
(RBIF)". Assim, se os referidos custos tivessem sido incluídos na apuração dos RBIF, como mandam as normas do
Banco Central e a boa técnica bancária, estes passariam dos R$ 32 milhões positivos, como divulgado pelo BNB,
para quase R$ 350 milhões negativos.

Com quase quatro meses de atraso, foi divulgado, em 14 de maio de 2001, o balanço do ano 2000 do Banco do
Nordeste. Para a AFBNB e AABNB, de acordo com auditorias independentes, o banco deixou de lançar R$ 1,3
bilhão como despesa "créditos irrecuperáveis". O lançamento de tais créditos, em cumprimento às normas do
Conselho Monetário Nacional, obrigaria o BNB a assumir um patrimônio líquido negativo de R$ 300 milhões.
Caracterizando assim crime de colarinho branco. A má administração e a insolvência do banco justificaria uma
intervenção do Banco Central do Brasil, a exemplo do que ocorreu com o BEC em 1987. De acordo com a nota da
AFBNB no jornal O Povo de 16 de maio de 2001... "Também continuam sem as devidas provisões as perdas com
operações de crédito feitas com recursos do FNE, também recomendadas pelo BACEN, em montante que o BNB,
afrontando as normas legais, recusa-se a informar, mas que com certeza montam a casa de bilhões de reais". Ou
seja, existe ocultação dos créditos irrecuperáveis da carteira de empréstimo do FNE. É tanto que recentemente um
PROER para os bancos públicos destinará R$ 2,1 bilhões para salvar o BNB. O que equivale a mais de duas vezes
o valor de seu patrimônio líquido de R$ 956,0 milhões em 31 de dezembro de 199980.

Mas os exemplos não páram por aí. O caso da relação do BNB com a construtora Encol é um exemplo significativo
da promiscuidade entre o público e o privado. Na gestão de Byron Queiróz, foi concedido empréstimo de mais US$
7 milhões à época para complementação de capital de giro da construtora ENCOL. Como garantia o banco recebeu
imóveis que já tinham sido vendidos pela empresa, ou seja, hipotecas ilegais. Tal operação é estranha na medida
em que financiar sistemas de habitação não é escopo e nem área de foco do banco, ficando esta atividade a cargo da
Caixa Econômica Federal (CEF). O mais escandaloso é que a falência da Encol S/A foi decretada pela Comarca de
Goiânia em 17 de maio de 1995, isto é, antes da negociação verificada entre o BNB e a referida empresa falida. É
um absurdo que o banco não soubesse disto.

O juiz da 1ª Vara Cívil do Rio de Janeiro, Dr. Marco Antonio Ibrahim, anulou a hipoteca em favor do BNB com
citações contudentes: "qualquer pessoa relativamente informada sabe que, mesmo antes do ano de 1995, a Encol já
apresentava evidentíssimos sinais de ruína financeira, atrasando obras e descumprindo obrigações Brasil afora. Ora,
80
Cf. artigo do deputado João Alfredo (PT), "Banco do Nordeste do Brasil: fraudes e omissões
(www.joaoalfredo.com.br).
54
as circunstâncias em que se deu o contrato firmado entre BNB e ENCOL, como se feito às escondidas, sem
ciência ou intervenção dos maiores interessados, parece mesmo ter construído um verdadeiro conluio contra os
consumidores"

Em conseqüência desta lista de atos questionáveis, o Ministério Público Federal quer afastar o presidente do Banco
do Nordeste, Byron Queiróz, e mais cinco diretores por improbidade administrativa na gestão do banco. Ex-diretor
do BNB por seis anos e meio, Jefferson Cavalcante Albuquerque optou por defesa individual, acusando o
presidente da instituição de praticar coação de diretores. Na defesa pessoal, o ex-diretor se defende e apóia o
afastamento de Byron Queiróz, e de seus dois assessores particulares: Antônio Arnaldo de Menezes e Everardo
Nunes Maia.

Segundo matéria publicada no jornal O Povo81, o procurador da República no Ceará, Alessander Sales, observa que
Byron Queiróz e os cinco diretores do banco deveriam fazer uma única defesa. Só que Jefferson Albuquerque,
visualizando que a ação não era contra o banco mas seus dirigentes, optou pela defesa individual. Segundo consta
no documento de defesa, Byron Queiróz vem administrando o BNB dentro de uma concepção absolutista,
concentrando em si todo o comando do banco, auxiliado por um pequeno grupo de servidores fiéis. "A diretoria só
homologa, pois não tem poder de deliberação. Para o Ministério Público esses fatos são gravíssimos pois apontam
concentração de poder na gestão do banco'', disse o procurador, acrescentando: "vamos reforçar o fato de que
houve coação. Se antes de termos provas concretas disso havíamos pedido o afastamento, agora queremos a saída
de toda a direção''.

Está nas mãos do juiz federal Ricardo Porto, da 8ª Vara da Justiça do Ceará, a decisão sobre a liminar, decidindo se
afasta ou não Byron Queiróz da presidência do banco. Caso a posição seja favorável ao Ministério Público, os
envolvidos poderão perder defintivamente a função pública, ter suspensos os direitos políticos por três ou oito anos,
tendo ainda que ressarcir ao erário dos prejuízos causados, o que não impedirá que continuem respondendo a outro
processo criminal.

A privatização de bancos públicos _ especialmente os estaduais _ é danosa, especialmente em regiões periféricas e


que apresentam os maiores índices de pobreza do país. Manipulações maquiavelicamente montadas fabricam
prejuízos para alguns bancos públicos, querendo convencer a opinião pública de que a privatização é a única saída
possível para saneá-los financeiramente.

Defendemos aqui as Instituições Financeiras Públicas e o resgate do seu caráter de desenvolvimento. Não adianta
nada um PROER para salvar bancos públicos, como foi feito recentemente, se não houver CPIs e apurações para
detectar os responsáveis pelos maus negócios dos bancos públicos. Entendemos que banco público pode aliar
lucratividade e ações sociais, redistribuindo renda por dentro.

Apresentamos aqui as conexões entre os Bancos Públicos que atuam no âmbito do Estado do Ceará, BEC e BNB,
demonstrando as "relações de poder" que existem entre o público e o privado e a suspeita de apropriação do
público pelo privado, o que viria a confirmar a associação entre lucros privados e poder público.

A SEFAZ sob suspeita

Segundo denúncia nº 01336727-7, feita pelo Dr. Antônio Ricardo Brígido Nunes Memória - Promotor de Justiça
Titular da 1ª Promotoria de Justiça do DECOM -, protocolada na Procuradoria Geral da Justiça em 31/10/2001, há
suspeitas de enriquecimento ilícito de funcionários da Secretaria da Fazenda, envolvidos em esquemas de propinas
e corrupção passiva. Tais enriquecimentos articulam-se como o beneficiamento no tratamento tributário de
empresas que estariam dilapidando as receitas estaduais.

Um funcionário integrante da Superintendência da Administração Tributária (SATRI), órgão que compõe a


estrutura da SEFAZ, garantiu ao Promotor Ricardo Memória ter conhecimento de atos que supostamente vinham
sendo praticados por alguns servidores lotados na SATRI, sem a devida observância de disposições legais contidas
no ordenamento jurídico. Disse mais: o Secretário da Fazenda foi informado por dois servidores em em reunião
realizada em 19 de julho 2001, em seu gabinete, de que alguns servidores estariam envolvidos no esquema de
propinas para darem pareceres de beneficiamento tributário a empresas. Portanto, segundo este funcionário, era do
conhecimento do Secretário da Fazenda o conteúdo das graves denúncias.

81
Jornal O Povo, 02/03/2002, "Ministério Público quer afastamento de Byron Queiróz".
55
Na denúncia, o Promotor relata que comenta-se entre os fazendários que a senha pessoal do chefe de gabinete
(Sr. João Batista Menezes) do Secretário da Fazenda teria sido utilizada para dar baixa em débito inscrito na dívida
ativa do Estado do Ceará. Uma carta anônima refere-se ao fato como "apagão de débitos da dívida ativa do Estado
do Ceará". Nas palavras do Promotor... "Não estamos falando aqui de meras infrações administrativas e sim de
gravíssimas infrações penais. Por que o secretário da Fazenda não levou ao conhecimento das autoridades
competentes fatos tão graves"?

Há denúncias também, de acordo com o Promotor Ricardo Memória, de beneficiamento indevido de várias
empresas com a Lei do REFIS (lei de parcelamento dos débitos tributários). A título de amostragem foram
coletadas algumas empresas (Marcosa S.A Máquinas e Equipamentos, HD Viagens e Presentes Ltda, La Delice
Indústria e Comércio de Alimentos Ltda, Manoel Canuto de Sousa, Carbomil S/A Mineração e Indústria, Plug and
Play Informática e Cerâmica Brasileira-CEBRAS) que foram indevidamente beneficiadas com o parcelamento de
seus débitos, mesmo tendo elas perpetrado condutas incompatíveis com a concessão do favor legal (as tais condutas
incompatíveis foram práticas de caixa dois e subtração de ICMS). A Lei Estadual que regulamentou os REFIS Nº
13063/00 proíbe a concessão de parcelamento de débitos às pessoas jurídicas que tivessem sido autuadas por
fraude, simulação ou conduta compatível com crime perpetrado em detrimento da ordem tributária.

Uma comunicação interna da SEFAZ Nº 107/2001 do Contencioso Administrativo Tributário (CONAT) para a
Superintendência da Administração Tributária (SATRI) pede providências no sentido de cancelar os REFIS
deferidos a tais empresas, subscrito pela auditora Helena Lúcia B. Farias. Portanto, existem provas de
beneficiamento de infratores da ordem tributária. Entretanto, estes infratores são premiados indevidamente com o
parcelamento de seus débitos.

Há também fortes indícios de enriquecimento ilícito de servidores da SEFAZ, principalmente, nas palavras do
Promotor "se o parâmetro tomado como referência for o salário auferido pelo funcionário". Um Auditor do Tesouro
Estadual recebe por mês R$ 2.500,00, já agregada a parcela de produtividade. O Promotor Ricardo Memória
coletou, a título de amostragem, o levantamento de bens de cinco Auditores/Técnicos da SEFAZ, reparando que
todos eles têm bens incompatíveis com a renda (imóveis caros e veículos importados, por exemplo).

Algumas irregularidades foram constatadas, relacionadas a algumas empresas. A Bezerra & Oliveira Limitada, por
exemplo, estaria movimentando uma escandalosa contabilidade paralela, operação conhecida pela expressão caixa
dois (inclusive foi ajuizada uma ação cautelar processo 2001.01.05145-0, resultando na apreensão de vasto material
da empresa, o qual foi entregue à SEFAZ por determinação do Juiz da 2ª Vara das Execuções Fiscais e Crimes
Contra a Ordem Tributária). Para o Promotor Memória... "os fatos demonstram com inarredável certeza de que a
empresa conduzira-se com o inequívoco propósito de sonegar tributos, usando de fraude, simulação e dolo
específico". Mesmo sabendo do ilícito, a SEFAZ apenas multou por omissão de receita tributária. Fez mais: deixou
de cobrar tributos devidos da referida empresa dos anos de 1997, 1998 e 1999 e ainda parcelou _ coisa que,
segundo o art. 82, IV do Decreto 24.569, de 31/07/97, só o governador poderia fazer - os débitos (de 2000 e
primeiro trimestre de 2001) em 5 anos. A empresa, que possuía uma dívida tributária de mais de R$ 7 milhões,
deveria pagar em torno de R$ 1,5 milhão ao ano. Mas, até agora, foram pagos só R$ 69.588,88. Para o Promotor
"esta foi uma verdadeira negociata firmada entre a SEFAZ e a citada pessoa jurídica e que o caso era de pleno
conhecimento do Sr. Secretário da Fazenda". Repare que este é só um caso dentre outros que são citados no
documento da promotoria.

Por sua vez, a Bermas Indústria e Comércio Ltda., dentre outras irregularidades, realizou, com anuência da SEFAZ,
transferências de créditos fiscais para empresas inscritas no Cadastro de Inadimplentes da Fazenda Pública
Estadual (CADINE). A SEFAZ emitiu parecer autorizando transferência de créditos da Bermas para a COELCE no
valor: R$ 2,4 milhões. Comenta-se entre os fazendários que a COELCE inclusive no período em que recebeu tais
transferências de créditos (10/11/200 e 06/02/2001) teve seu nome retirado do CADINE pela SEFAZ para poder
obter os referidos créditos. A COELCE estava no CADINE por ser uma das empresas inscritas na dívida ativa do
Estado do Ceará.

Ainda segundo o documento do promotor Ricardo Memória, em relação à empresa Beach Park Hotéis e Turismo
Ltda., a SEFAZ, mediante celebração do Termo de Acordo N º 1031 de 7/10/1999, concedeu ao Beach Park um
Regime Especial de Tributação que consiste, em linhas gerais, na dispensa de obrigações tributárias acessórias que
deveriam ser cumpridas quando da realização de operações de compra de produtos hortifrutícolas. Para o
Promotor... "por este termo de acordo a SEFAZ concedeu um regime Especialíssimo para o Beach Park, por meio
do qual o cumprimento de obrigações acessórias primordiais não foi apenas facilitado, mas sim dispensado". Este
56
termo de acordo foi firmado entre um parente do secretário (Guilherme Soárez) - representante do Beach Park e
o subsecretário - Alexandre Adolfo pela SEFAZ).

Nas palavras do Promotor... "não é preciso envidar maiores esforços para se concluir pela manifesta ilegalidade dos
dispositivos contidos no Termo de Acordo nº 1031/1999, que contrariam claramente as normas que disciplinam o
ICMS no Estado do Ceará". O Promotor vai mais além... "denota estar ocorrendo, em princípio, uma tênue e íntima
relação incestuosa entre o poder e os que fazem o poder na Secretaria da Fazenda, haja vista tal benefício
privilegiar diretamente uma empresa que tem como um dos seus proprietários e, ao mesmo tempo, acionista
majoritário, um administrador da res publica (a empresa INDEPENDÊNCIA EMPREENDIMENTOS
IMOBILIÁRIOS LTDA, maior acionista do Beach Park Hotéis e Turismo Ltda, pertence à família do Sr.
Secretário da Fazenda)". Ainda nas palavras do Promotor Ricardo Memória... "a celebração de tais acordos
constitui, em tese, uma verdadeira excrescência moral e jurídico-administrativa, podendo até adentrar no campo da
improbidade administrativa (Lei N º 8.429/92)".

Após citar outros casos, o documento do promotor Ricardo Memória é finalizado com um pedido à Procuradoria
Geral de Justiça (PGJ) uma investigação para apuração dos casos a partir de suspeitas de cometimento de crimes
funcionais contra a ordem tributária, improbidade administrativa, enriquecimento ilícito, corrupção passiva,
peculato, condescendência criminosa, advocacia administrativa, coação no curso do processo, usurpação de função
pública, apropriação indébita e formação de bando ou quadrilha. Para o Promotor Memória... "não resta qualquer
dúvida sobre a ocorrência de fortíssimos indícios a confirmar uma vasta gama de ilícitos e irregularidades
administrativas". Desta forma, o promotor requer da PGJ:

a) encaminhamento do requerimento à Promotoria da Moralidade Administrativa ou ao Grupo de Combate ao


Crime Organizado;

b) investigação nas empresas do Secretário da Fazenda, em especial de uma empresa citada na denúncia (Grupo
BEACH PARK);

c) investigação de todas as operações das empresas beneficiadas com o FDI, há indícios de que há irregularidades
na concessão de crédito;

d) investigar o Dossiê Shell (existente na SEFAZ) - venda de combustíveis com sonegação de ICMS;

e) investigar também as declarações de bens dos familiares dos funcionários denunciados em busca da
comprovação ou não do enriquecimento ilícito;

f) promover a oitiva de 11 agentes da SEFAZ enumerados na denúncia.

Espera-se que o governo do Estado consiga justificar o uso de dois pesos e duas medidas para a cobrança de
tributos para as empresas cearenses. Caso a Justiça confirme a gravidade das denúncias que constam no documento
do promotor Ricardo Memória, estará configurado um caso de flagrante manipulação do erário em benefício de
poucos.

Prestação de contas

Na Assembléia Legislativa, coube à CPI das Bolsas82, iniciada em 1997 e finalizada em 1998, apurar a fundo, pela
primeira vez no longo período de domínio do Cambeba, denúncias de irregulidades envolvendo o governo do
Estado. Segundo o relatório final da CPI, presidida pelo deputado estadual Artur Bruno (PT), houve um desvio de
R$ 2,3 milhões da Secretaria de Educação _ que foi no mínimo negligente ao aceitar um contrato irregular _ pela
COPECE (Cooperativa dos Educadores do Ceará), que deveriam ser destinados ao pagamento de bolsas de estudo
em escolas particulares. Pela primeira vez no Estado, uma CPI investigou órgãos governamentais, quebrou o sigilo
bancário dos envolvidos e indicou os culpados à Justiça.

Segundo a prestação de contas enviada pelo Executivo ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), durante o ano de
1999, o Governo do Estado realizou 335 contratações de serviços ou produtos através de dispensa de licitação, num
82
Cf. Diário Oficial do Estado nº 35, 25/03/1998, "Comissão Parlamentar de Inquérito constituída para apurar
denúnciasde irregularidades no uso de recursos do Tesouro Estadual pela Cooperativa dos Educadores do Ceará.
Relator: Deputado Estadual Moésio Loyola.
57
dispêndio total de R$ 30.172.351,3883. Das 335 dispensas de licitação pedidas em 1999 pelo Estado, 195 se
referem a contratos de valor superior a R$ 8 mil, limite a partir do qual é exigida a realização de concorrência
pública, salvo casos especiais previstos na Lei n° 8.666/93.

No demonstrativo em poder do TCE, havia contrato de até R$ 3,27 milhões, efetuado pela Companhia de Gestão
dos Recursos Hídricos (Cogerh) com a firma Arquitetura, Construção, Saneamento Ltda. para obras no Canal do
Trabalhador. Há casos em que a informação do Tribunal não contém o valor dos contratos, o nome do contratado
ou objeto da contratação.

A Secretaria da Ciência e Tecnologia, por exemplo, contratou a Companhia Energética do Ceará (COELCE) para o
fornecimento de energia, mas não há, no relatório-resumo do TCE, a descrição do valor do contrato. Já a Secretaria
do Trabalho e Ação Social contratou 23 carros-pipas, no final de 1999, a diversos proprietários, mas também não
há o valor dos contratos.

Dos R$ 23,6 mil gastos pelo Estado em 1999 na aquisição de produtos ou contratação de serviços com
inexigibilidade de licitação, 59% são da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa). Foram R$ 12,76 milhões no setor. A
justificativa do secretário Anastácio Queiroz é de que os remédios comprados sem licitação têm fabricantes
exclusivos. Além disso, a Sesa contratou, sem licitação, serviços de anestesiologia e emergência, no total de R$
1,219 milhão.

A Assembléia Legislativa do Ceará aprovou, dia 9 de outubro de 2001, por unanimidade, requerimento de autoria
do deputado estadual Artur Bruno (PT), que solicita à Secretaria da Educação Básica do Estado - SEDUC - e do
Tribunal de Contas do Estado - TCE - informações sobre as irregularidades denunciadas pelo jornal Folha de São
Paulo acerca da compra de livros didáticos.

Segundo matéria da Folha, publicada no dia 17 de setembro de 2001, a SEDUC estaria comprando livros do
supletivo Telecurso 2000 a R$ 5,15, em quantidade, num preço mais caro que o preço de capa, encontrado nas
livrarias normalmente por R$ 4,80. A compra foi realizada sem licitação. Para receber o material no Ceará, gasta
mais 3% em transporte. O governo cearense desembolsa 39% a mais do que a livraria (R$ 5,15 em vez de R$
3,71)84.

O contrato da Seduc com a Editora Globo, assinado no dia 11 de abril daquele ano e publicado no Diário Oficial do
Estado do Ceará em 2 de maio, prevê a aquisição de material para o projeto Tempo de Avançar, do governo
cearense, fundamentado no método de supletivo Telecurso 2000. O programa pretende acelerar a formação de
alunos no Estado defasados em relação à série que deveriam estar cursando. Ao todo, o contrato e seu aditivo
prevêem o pagamento de R$ 11,3 milhões à editora.

Não houve licitação, de acordo com a Seduc, porque a Editora Globo tem exclusividade na produção dos livros e
dos vídeos que compõem o material didático do Telecurso 2000. O secretário de Educação, Antenor Naspolini,
assinou o contrato. Também não houve licitação para a contratação da Fundação Roberto Marinho pela Seduc. A
legislação prevê dispensa de licitação quando a instituição dedicada a projetos educacionais não tem fins lucrativos.

Ora, não se está respeitando nem a concorrência, valor fundamental do ideário capitalista.

Orçamento

O Estado deveria, através do diálogo, identificar o perfil dos segmentos sociais para se definir claramente os
produtos e serviços a serem oferecidos no atendimento de suas necessidades. Um bom termômetro para início desta
prática seria a adoção de uma idéia nascida no PT e já adotada por todos os governos que efetivamente têm
compromisso com a democracia e a transparência: o orçamento participativo. Ao invés de tornar o orçamento uma
"caixa preta", poder-se-ia democratizar a discussão por regiões, fazendo com que a própria população decidisse o
que é prioridade de investimento, de acordo com a importância atribuída por ela a cada item.

No jornal O POVO, do dia 05/12/00, este problema fica bem explícito numa matéria sobre os seminários regionais
de discussão do Orçamento Estadual para 2001. As Comissões de Orçamento e de Fiscalização da Assembléia
83
Cf. Jornal O Povo, "Governo compra R$ 30 mi sem licitação em 1999".
84
Cf. Jornal Folha de São Paulo, 17/09/2001, "Ceará paga mais que livraria por material do telecurso".
58
Legislativa promoveram seminários para discutir o Orçamento do Estado de 2001 e a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF). Dos 53 municípios convidados (Região Metropolitana de Fortaleza, Litoral Leste e Serra de
Baturité), apenas 21 estavam representados.

O desinteresse dos prefeitos em vir ao encontro ocorre porque o Orçamento é fechado. É difícil apresentar emendas
que sejam acatadas pelo Governo. O processo deveria ser inverso. Em vez de se discutir o Orçamento a poucas
semanas antes de sua votação, deveriam ser feitos seminários a partir do início do ano. Existe a omissão do
Governo Estadual, porque ele não debate com os municípios.

O Orçamento do Estado para 2001 foi aprovado _ com o voto contrário da bancada do PT _ dia 16 de dezembro de
2000, na Assembléia Legislativa e, das 209 emendas apresentadas, apenas 40 foram aprovadas. Outras 69 foram
prejudicadas (mesmo teor) e 100 foram rejeitadas, a maioria delas retiraram verbas da mídia governamental. O
relator do orçamento, deputado Heriberto Farias (PL), chegou a dar parecer favorável a 130 emendas mas, a partir
de conversas junto ao Governo, restaram apenas 40.

O Orçamento retrata a falta de preocupação com o social. Dez secretarias de Estado terão recursos menores que os
previstos para 2002: Segurança Pública, Fazenda, Ciência e Tecnologia, Trabalho e Ação Social, Desenvolvimento
Rural, Recursos Hídricos, Cultura e Desporto, Planejamento, Agricultura Irrigada e Defensoria Pública. As
secretarias de Turismo, Educação, Desenvolvimento Econômico e Administração tiveram o maior incremento
financeiro em relação ao estimado para este ano. No caso da agricultura e recursos hídricos, a redução é
preocupante, posto que o próprio Banco Mundial detectou problemas na área da agricultura no Estado, que
emprega de 40% a 42% da mão-de-obra, mesmo sem o necessário investimento dos Executivos Federal e
Estaduais.

Segundo o estudo do deputado José Nobre Guimarães85, relator do Orçamento do Estado para o ano de 2002, a
previsão de receitas e despesas é de R$ 6.017.020.924,06, o que significa um aparente crescimento, em relação à
mensagem do exercício de 2001, da ordem de 16,83%. No entanto, quando comparamos em relação ao autorizado
em 2001, temos uma redução da ordem de R$ 144.400.548,97.

ANO LEI LEI+CRED. EMPENHADO PAGO


(AUTORIZADO)
1999 4.165.887.711,52 6.449.777.917,89 4.990.919.118,84 4.822486.325,79
2000 4.362.606.284,44 5.421.577.824,91 4.031.284.223,31 3.846.832.543,47
2001* 5.149.936.860,42 6.161.421.473,03 3.666.018.403.39 3.511.791.457,20
2002 6.017.020.924,06
* Execução até outubro de 2001

Como se pode observar pela série histórica, o Orçamento Real do Estado do Ceará, simulando o mesmo valor de
2000 para 2001, tem uma média da ordem de R$ 4.351.162.521,82. Esse dado é de fundamental importância para
entendermos o poder absoluto no controle da execução orçamentária por parte do Executivo Estadual,
transformando a discussão do orçamento na Assembléia e com a sociedade numa simples encenação, como já foi
dito. Ocorre a distribuição entre as nove Regiões em que o Ceará encontra-se dividido. A mensagem para o
orçamento de 2002 prevê a seguinte distribuição entre as Regiões:

REGIÕES Nº DE 2002 % EM RELAÇÃO AO


MUNICÍPOS TOTAL
METROPOLITANA DE 13 861.113.341,58 14,11290
FORTALEZA
01
LITORAL OESTE 27 122.861.981,23 2,04190
02
SOBRAL/IBIAPINA 29 141.167.249,41 2,34613
03
SERTÃO DOS INHAMUS 16 88.896.784,98 1,47742
04
SERTÃO CENTRAL 21 129.375.979,81 2,15016
05
BATURITÉ 13 65.468.269,89 1,08805
85
Cf. pronunciamento do deputado estadual José Nobre Guimarães, de novembro de 2001, "Orçamento 2002: em
busca de transparência e compromisso social".
59
06
LITORAL 23 131.787.554,22 2,19024
LESTE/JAGUARIBE
07

CARIRI/CENTRO SUL 42 221.574.072,69 3,68245


08
ESTADO DO CEARÁ 4.254.775.690,25 70,71232
22
TOTAL 184 6.017.020.924,06 100

Fica claro que os valores destinados à REGIÃO 2286 correspondem a 97,78% da média do Orçamento realizado
nos períodos de 1999/2000/2001.

MÉDIA DO ORÇAMENTO GERAL R$ 4.351.162.521,82. RELAÇÃO ENTRE MÉDIA


REALIZADO 1999/2000/2001 DO ORÇAMENTO GERAL
REALIZADO
1999/2000/2001(%)
Previsão Região 22 - 2002 R$ 4.254.775.690,25 97,7848

Os números mostrados deixam claro que a "caneta" do governador é que decide os destinos dos recursos do Estado.
Não se realiza efetivamente a regionalização do orçamento de forma a se impedir a politização no momento de
liberação de recursos para os municípios cearenses. Na prática, ao longo desses 15 anos, os "mudancistas"
substituíram as famosas "verbas de gabinete", do tempo dos coronéis, pela fictícia Região 22. Mudou a aparência,
mantendo a essência da lógica da centralização de verbas.

O interessante é que, no conjunto do orçamento, raramente se executam as autorizações orçamentárias. Pelo


contrário. Existe, internamente, um grande remanejamento de verbas, o que termina por se ter uma execução
bastante diferente do que é discutido na Assembléia. Embora os números gerais correspondam ao acordado, uma
leitura mais aprofundada mostra que as aparências são diferentes da realidade. À exceção dos gastos com
publicidade, aprofundados no capítulo Excesso de Publicidade.

Finalmente, cabe destacar que grande parte do percentual orçamentário destinado à Secretaria de Desenvolvimento
Econômico _ por sinal generoso _ são atinentes a liberações para o Fundo de Desenvolvimento Industrial do Ceará
(FDI). Objetivando aquecer o debate sobre a transparência das contas públicas, seria conveniente exigir do governo
estadual a publicação dos gastos com incentivos fiscais, nominando por empresa o valor dos recursos públicos
utilizados. Dentro desta perspectiva, seria bastante satisfatório para o controle dos gastos públicos, se fosse
esclarecido quanto o Estado do Ceará efetua de pagamento, com recursos do FDI, de tarifas de água para
fabricantes de refrigerantes e cervejas. Lembrando-se de citar quem são os acionistas e controladores das empresas
beneficiadas.

A possibilidade de utilização de recursos do FDI para o pagamento de tarifas de água e esgoto, foi introduzida
através da Lei nº 11.073 de 15 de julho de 1985, editada durante a gestão do ex-governador Gonzaga Mota. Por
sinal ,é necessário também que Governo do Estado justifique por que, desde 1998, contrariando a Lei nº
10.367/1979, vem destinando mais de 10% da receita do ICMS ao Fundo de Desenvolvimento Industrial:

Percentual do ICMS
ANOS destinado ao FDI
1990 4,40%
1991 5,94%
1992 4,48%
1993 7,51%
1994 6,98%
1995 5,25%
1996 8,14%

86
Região fictícia, onde é alocada grande soma de recursos que são utilizados segundo os interesses do
Executivo.
60
1997 9,12%
1998 11,16%
1999 14,33%
2000 15,17%
Fonte: Balanço Geral do Estado

Dívida do Estado

Aliás, é preciso perguntar: se o Ceará é um Estado saneado financeiramente, como explicar o seu endividamento
crescente? Em 1999, o balanço geral acusou 16,65% dos recursos só para pagamento de encargos e amortização da
dívida pública, o que significou um aumento nominal em relação a 1998, segundo estudo do deputado estadual
Mauro Filho87, de 59,4%. A dívida contratual interna de 2000, em relação a 1999, teve crescimento de 5,51%. A
dívida contratual externa de 2000, em relação a 1999, cresceu mais ainda: 13,09%. Considerando como intocáveis
os recursos destinados ao pagamento da dívida, que está em franco crescimento, deve ocorrer no Ceará, a exemplo
do que já ocorre no Brasil, a redução de investimentos em áreas sociais para saldar estes débitos.

Setores como segurança pública e assistência à criança e ao adolescente já tiveram decréscimo considerável. E o
governo já incluiu os gastos de pesquisa e tecnologia dentro dos 25% destinados à educação. No balanço social de
1999, o Governo informa que gastou 62 milhões e 272 mil com a agricultura; no Projeto São José foram 26 milhões
e 700 mil; com Segurança Pública gastou 6,8 milhões; habitação 82,3 milhões (construindo 7.411 unidades
habitacionais); com a atração de 60 empresas industriais gerando 10.700 empregos diretos foram investidos 358
milhões e 700 mil.

Segundo o economista Alfredo Oliveira88, a situação da dívida em nosso Estado é preocupante. A dívida interna
aumentou mais de 2/3 entre 1998-2000 (66,6%) e a externa quase dobrou no mesmo período. Ademais, o estoque
da dívida do Estado do Ceará, que é o somatório das dívidas interna + externa + garantias, foi de R$
4.225.870.358,00 em 1999, R$ 4.109.793.812,00 em dezembro de 2000 e R$ 4,37 bilhões em junho de 2001. Entre
os credores internacionais, destacam-se os bancos KFW (Banco de Crédito e Desenvolvimento da Alemanha),
MLW, The OVERSEAS, além do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Internacional de
Reconstrução de Desenvolvimento (BIRD). Entre os credores internos, os maiores são BNB (construtoras EIT e
Queiroz Galvão), Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES),
Agência Nacional de Fomento à Inovação (FINEP) e Tesouro Nacional.

O principal motivo do aumento da dívida interna, entre, 1998 e 2000 foi o empréstimo para a Federalização do
BEC no âmbito do Programa de Incentivo à Redução do Setor Estadual na Atividade Bancária. Foram gastos R$
954 milhões a título de saneamento (R$ 144 milhões para recomposição do patrimônio líquido, R$ 175 milhões
para questões trabalhistas e R$ 635 milhões para a aquisição de ativos do BEC pelo Estado do Ceará). O Ceará é a
quinta maior dívida externa do país, atrás somente de Paraná, Rio, São Paulo e Bahia. Isto é fruto de uma estratégia
de sanear as finanças públicas para obter credibilidade junto à Comunidade Financeira Internacional, paralela à
estratégia de guerra fiscal.

Composição da Dívida Estadual (R$)


ANO DÍVIDA DÍVIDA TOTAL (A) RECEITA RELAÇÃO
INTERNA EXTERNA LÍQUIDA A/B89
REAL (B)
1997 1.444.197.468,02 329.643.797,49 1.775.841.265,51 1.908.387.000,00 0,93
1998 1.568.133.289,55 511.061.142,75 2.079.194.432,30 2.258.972.072,76 0,92
1999 2.477.005.736,99 837.529.302,41 3.314.535.039,40 2.511.421.830,85 1,32
2000 2.613.472.134,00 947.189.522,00 3.560.661.656,00 2.595.804.403,81 1,37
Fonte: Balanço Geral do Estado do Ceará, ano 2000, p. 66.

87
Pronunciamento do deputado estadual Mauro Filho, "Balanço Geral do Estado do Ceará _ 2000", da Comissão
de Orçamento, Finanças e Tributação, novembro de 2000.
88
OLIVEIRA, Alfredo José Pessoa de. "Ceará: endividamento estadual, indicadores sociais e renúncia fiscal".
Estudo realizado para o gabinete do deputado João Alfredo (PT-CE). 2001 (mimeo).
89
61
Obs: a receita líquida real é resultante da receita total realizada, excluídas as receitas de operações de crédito, de alienação
de bens, de transferências de capital, transferências constitucionais a municípios e os aportes para o Fundef.

Serviço da Dívida Pública Estadual (R$)


Discriminação 1997 1998 1999 2000
Juros da Dívida 137.594.771,00 154.865.172,00 180.160.157,00 172.503.366,00
Interna
Juros da Dívida 24.248.765,00 32.988.967,00 56.939.978,00 54.589.060,00
Externa
Amortizações da 282.699.040,00 151.976.790,00 653.580.785,00 162.161.258,00
Dívida Interna
Amortizações da 9.213.270,00 9.741.481,00 34.500.883,00 56.112.187,00
Dívida Externa
TOTAL 453.755.846,00 349.572.410,00 925.181.803,00 445.365.871,00
Fonte: Balanço Geral do Estado do Ceará, ano 2000, p. 67.

Ainda segundo o estudo de Alfredo Oliveira, o Estado do Ceará pagou, em média, R$ 37,1 milhões de juros e
amortizações por mês no ano de 2000. Isso corresponde, no ano 2000, a mais de R$ 1,0 milhão por dia de juros e
amortizações das dívidas interna e externa.90 Em 2000, o valor de juros + amortizações pagos corresponde a quase
1/4 do ICMS arrecadado. No ano de 1999 foram quase R$ 1,0 bilhão em pagamentos de juros e amortizações ou
R$ 77 milhões por mês, correspondendo a mais de 50% do ICMS arrecadado. Em relação à Dívida Ativa do Estado
do Ceará - impostos cobrados dos consumidores e não repassados ao Estado, ou seja, impostos não recolhidos
devidamente _ o valor chega a R$ 754.851.132,11 dos quais R$ 392.198.757,96, mais de 50%, está ajuizado. Como
ressaltou o deputado estadual Eudoro Santana (PSB), em pronunciamento feito na Assembléia Legislativa em
05/junho/2001, nos últimos seis anos a dívida ativa cresceu quase cinco vezes, pois seu valor era de R$ 164,0
milhões em dezembro de 1994. De acordo com Eudoro Santana, somente no exercício de 2000 houve um
acréscimo de R$ 123,0 milhões na dívida ativa do estado do Ceará. Pelo ritmo do endividamento, o próximo
governo receberá de herança uma dívida de mais de R$ 5,0 bilhões (é interessante comparar com a Receita Bruta
total do Estado efetiva para 2002; não chegará a R$ 6,0 bilhões), e mais, pagamentos crescentes de juros e
amortizações.

A lógica empresarial não pode prescindir da transparência, da ética, do respeito aos valores fundamentais da pessoa
humana. O Estado não é uma empresa privada: é uma instituição pública, a qual todo cidadão deve dar sua
contribuição para gerí-la e ter acesso a todas as informações quando quiser fiscalizá-la. Afinal, está em jogo o
dinheiro do contribuinte, os recursos de todos nós, e se quer ter o direito de saber o porquê, como e onde estas
verbas são aplicadas.
--------------------------------------------------------------------------------

Concentração de renda

"Quando se trata de dinheiro,


todos têm a mesma religião"
(Voltaire)

O quarto pecado é o crescimento econômico com concentração de renda. O Ceará cresceu, é vero, mas para poucos.
Poucos que não se satisfazem em engolir quase toda a renda que é produzida em nosso Estado. Para estes poucos,
não importam os famélicos que os rodeiam: há sempre mais um naco a ser comido, tal e qual os habitantes de Ultra,
90
Estabelecendo uma comparação, gastou nas ações e serviços públicos de saúde R$ 218,9 milhões no ano 2000
ou R$ 608 mil por dia. Tais ações e serviços compreendem: a secretaria de saúde, o fundo estadual de saúde, a
escola de saúde pública, o fundo de previdência do estado - SUSPEC, o Instituto de Previdência do Estado -IPEC
e uma parte da função saneamento (fonte: Balanço Geral do Estado do Ceará, ano 2000, p. 44).
62
terra dos glutões "que recortavam a pele para entufar a gordura", presente no texto clássico "Gargântua e
Pantagruel", de Rabelais, que ousou criticar a corrupção e a gula do establishment em pleno século XVI, com fina
ironia e humor.

A renda no Brasil é praticamente invariável há trinta anos. Ao invés das políticas públicas funcionarem como
redistribuidoras de renda, concentram cada vez mais. O maior exemplo é o Estado do Ceará que cresceu nos
últimos anos, pelo menos até 2000, acima da média nacional, entretanto, mantém péssimos indicadores sociais. A
Síntese dos Indicadores Sociais do ano 2000 do IBGE aponta o Estado do Ceará como 3º pior em distribuição de
renda (a concentração de renda é usualmente medida pelo Índice de Gini que varia de zero - perfeita igualdade - a 1
- desigualdade máxima), atrás apenas do Piauí e da Paraíba. O fato é que entre 1992-1999 a concentração caiu um
pouco em todo o Brasil, porém as posições relativas permaneceram.

O PIB do Ceará representa 14% do PIB do Nordeste. No período de 1985-98, o Ceará, com uma taxa média anual
de 3,5% de crescimento do PIB, vem experimentando desempenho econômico em ritmo mais intenso do que o
Brasil e o Nordeste, que registraram aumentos de 2,4% e 2,7% ao ano, respectivamente. Segundo o IPLANCE
(Fundação Instituto de Pesquisa e Informação do Estado do Ceará), a melhoria do desempenho da economia do
Ceará foi decorrente do crescimento de setores de Construção (210%), Comunicações (199%), Eletricidade, Gás e
Água (121%), Alojamento e Alimentação (103%), Comércio (82%) e Indústria de Transformação (49,6%). Note-se
que os setores que mais cresceram são ligados direta ou indiretamente - como no caso da construção civil - ao setor
público.

O PIB do Ceará atingiu a marca de R$ 19,3 bilhões, em 1999, a preço de mercado corrente, segundo o IBGE.
Dados provisórios mostram que o PIB teve uma variação negativa de 0,38% em 2001. A balança comercial, em
2001 registrou déficit (US$ 96,3 milhões) pelo nono ano consecutivo. Segundo a Mensagem do Executivo de 2002,
a safra de grãos, em 2001, teve volume 61,19% inferior a 200091. Mas o Ceará está bem colocado no ranking do
PIB. Ocupa a 10ª colocação do País e a 3ª do Nordeste, apresentando crescimento acumulado de 23,46% de 1996 a
199992. É um dos poucos estados em que a participação na composição do PIB brasileiro só fez crescer na série
histórica de quatro pesquisas do IBGE, realizadas entre 1985 e 1998. Em 1985, o Ceará contribuía com 1,72% da
riqueza nacional. Em 1990, nossa participação caiu para 1,62%. Em 1994, subimos para 1,89%. Em 1997, já era de
2,02%. Finalmente, em 1998 chegamos a 2,06%. Porém, o PIB per capita (PIB total sobre nº de habitantes) coloca
o Ceará na 21ª posição. O Estado continua pobre. Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e
Bahia estão melhores colocados.

Indicadores Macroeconômicos
VARIAÇÃO ANUAL DO PIB REAL DO BRASIL, REGIÃO NORDESTE E ESTADOS
SEGUNDO OS SETORES ECONÔMICOS - 1998/1997 E 1999/1998
Agrorpecuária Indústria Serviços TOTAL
ESTADOS Variação % Variação % Variação % Variação %
1998/97 1999/98 1998/97 1999/98 1998/97 1999/98 1998/97 1999/98
Maranhão -24,4 14,3 10,3 4,2 3,1 3,7 2,9 4,1
Piauí -22,3 29,8 10,6 4,7 4,0 5,1 3,2 6,7
Ceará -27,1 27,9 5,7 3,8 2,2 4,2 2,1 4,6
Rio G. do Norte -48,8 9,5 6,8 1,7 3,8 2,4 3,9 2,2
Paraíba -49,8 21,3 13,3 6,6 1,5 5,1 0,7 6,1
Pernambuco -21,9 14,9 1,6 0,9 2,3 2,3 1,1 2,5
Alagoas 4,0 0,3 9,3 -2,8 1,4 0,0 4,1 -1,0
Sergipe -12,7 6,9 4,8 6,2 1,1 4,2 0,8 5,2
Bahia -15,4 4,1 9,0 2,9 2,6 3,7 1,4 3,7
NORDESTE -23,0 10,6 7,9 1,7 2,4 3,1 1,5 3,3
BRASIL -0,02 9,49 -1,34 -1,69 0,83 1,33 -0,12 1,01
Fontes: IBGE/DPE/DECNA; SUDENE/CPE/INE/Contas Regionais

Há que se ressalvar o processo de involução percentual do PIB per capita cearense nos últimos 30 anos. É fato _ e é
louvável _ que a renda per capita passou de R$ 1.120, em 1985, para R$ 2.522 em 1998. Mas, de acordo com os
números da SUDENE, ainda sob o domínio dos coronéis, na década de 70 o PIB per capita do Ceará foi o maior do
Nordeste (8,8%). Na década de 80, sofreu uma brutal variação negativa, caindo para 2,9%, tornando o 4º pior da
região. De 1990 a 1998, a situação não melhorou, com o Estado apresentando uma média de apenas 3%. É preciso
lembrar porém que, na década de 70, o Brasil como um todo teve um crescimento acima da média, enquanto que as
décadas de 80 e 90 foram difíceis para todos os Estados brasileiros, tanto que este último percentual de 3% colocou
91
Jornal O Povo, 03/03/02, "CE registra déficit na balança comercial pelo 9º ano consecutivo".
92
Jornal Diário do Nordeste, 17/12/2001, "Crescimento acumulado do PIB do CE é de 23,46%, aponta IBGE".
63
o Ceará como 2º lugar do Nordeste em crescimento do PIB per capita. De 1970 até 1998, o Ceará apresenta uma
média geral de 5%, a terceira da região. Se por um lado não se pode condenar de forma incisiva a falta de
crescimento, por outro não se pode fazer proselitismo em cima de uma idéia falsa de um paraíso sócio-econômico
inexistente93.

Taxa média anual de crescimento do PIB per capita do Estados do


Nordeste e Brasil (%)
Estados 1970-79 1980-89 1990-98 1970-98
MA 6,2 6,2 3,2 5,3
PI 6,8 5,0 0,4 4,3
CE 8,8 2,9 3,0 5,0
RN 8,1 5,0 2,9 5,5
PB 4,9 4,1 1,5 3,7
PE 6,7 2,0 1,0 3,4
AL 6,7 2,9 2,2 4,0
SE 7,7 1,7 0,0 3,3
BA 6,3 1,5 1,8 3,2
Brasil 6,0 0,4 1,1 2,3
Fonte: SUDENE

Entre 1985 e 1998, o setor industrial, mesmo com uma taxa média de crescimento de 3,6% ao ano, revelou-se como
o segundo mais dinâmico entre os demais setores _ perdendo para o setor de serviços, que responde, em 1998, por
40,08% do PIB, com destaque para o subsetor da construção civil, fortemente demandado por obras do setor
público. A expansão do atual parque industrial cearense deve-se à entrada em operação de 208 novos projetos
industriais (de um total de 458 atraídos) entre 1995-98, perfazendo investimentos da ordem de R$ 1,5 bilhão.

Está previsto, nos próximos anos, a entrada em operação de 67 novas unidades industriais já em fase de
implantação, além das 183 em fase de projeto e das empresas que se instalarão em torno de dois
megaempreendimentos: Companhia Siderúrgica do Ceará (CSC) e Refinaria (de petróleo) do Nordeste (RENOR),
ambas a serem teoricamente implantadas no Complexo Industrial-Portuário do Pecém. Mesmo com todo este
incremento, a taxa média anual de crescimento do PIB do setor industrial cearense é apenas a 5ª do Nordeste,
conforme dados apurados pelo deputado Eudoro Santana junto à SUDENE, de 1992 a 199994. No caso das
exportações e importações, tem-se no Ceará um crescimento médio da taxa média anual de 2,91%, entre 1992 e
1999, ocupando o 4º lugar no desempenho da região. Se, por outro lado, examinarmos as importações, o Ceará
apresenta um crescimento médio bem maior de 13,32% ao ano, ocupando o 6º lugar. O que significa dizer que o
balanço do Ceará é negativo, o que não é bom, por conta da dependência dos produtos externos, que faz com que a
renda não fique dentro do Estado.

O setor mais dinâmico no período de 1985-98 foi o terciário, que cresceu 60,9% (3,7% ao ano), sob o impulso do
comércio, dos serviços de comunicação, do turismo e da prestação de serviços. Este setores responderam, em 1998,
por 54,30% do PIB. Todos eles são alvo constante de propaganda do governo, pois são de fato o carro-chefe do
desenvolvimento econômico do Estado. O número de turistas via Fortaleza, em 2000, por exemplo, chegou a
1.507.914. Segundo a avaliação da SUDENE acerca do PIB setorial do Ceará, no período de 1973 a 1996, o setor
de serviços saltou de menos de 50% para mais de 70%, enquanto a indústria estaciona num patamar que varia entre
20% e 30%, e a agricultura cai drasticamente de mais de 30% para cerca de 4%.

Ainda conforme o IBGE, os ramos de atividade da população economicamente ativa (PEA) demonstram que,
apesar do grande número de indústrias ter-se instalado no Ceará depois dos incentivos fiscais iniciados no governo
Ciro Gomes, o volume de mão-de-obra empregada no setor caiu, pois as indústrias instaldas são intensivas em
capital, ou seja, geram poucos empregos devido aos avanços tecnológicos. É válido lembrar que o Fundo de
Desenvolvimento Industrial (FDI) foi criado ainda em 7 de dezembro de 1979, pelo governador Virgílio Távora (lei
nº 10.367).

93
Cf. MARINHO, Emerson. O crescimento do Ceará nas últimas três décadas. Carta Cener n 01, junho de 2001
(boletim do CAEN-UFC).
94
Cf. Pronuncimenrto do deputado estadual Eudoro Santana (PSB), "Era Tasso II: o outro Ceará _ sem mídia nem
fantasia" (www.eudorosantana.com.br).
64
Em 1985, 41% dos trabalhadores cearenses estavam empregados na agropecuária, 36,7% em comércio e serviços
e 20,7% na indústria. Treze anos depois, no final do segundo mandato de Tasso Jereissati, a mão-de-obra
empregada na indústria chegava a 17,6%. Na agropecuária, 35,5% e 45,8% em comércio e serviços. Ampliando o
período de análise, segundo os dados do IPLANCE, percebe-se, em nível de criação de empregos, uma estagnação
no setor industrial, um aumento progressivo no setor de serviços e uma redução no setor agrícola.

De tudo o que o Ceará produz, mais da metade se deve ao setor de serviços. Este segmento _ que inclui os ramos
do comércio, alimentação e alojamento, transporte, comunicação, aluguéis, instituições financeiras, educação e
saúde mercantis, administração pública, serviços domésticos e outros serviços - foi responsável por 55% do
Produto Interno Bruto (PIB) do Estado em 1998, segundo os dados do IPLANCE. Apenas 5,6% do PIB
corresponde à agropecuária. A indústria, único setor beneficiado pela política de incentivos fiscais do governo
estadual, é responsável por 39,4% do PIB.

Com o esforço, entre 1996 e 1997, o setor industrial teve um salto de participação, passando de 33,9% para 38,1%,
continuando seu crescimento em 1999. Mas a expansão não conquistou o espaço do setor de serviços, que se deveu
mais à queda de participação da agropecuária, que era de 12,1% em 1994 e em 1998 já havia caído para 5,6%. No
final dos anos 70, a agropecuária era o principal motor econômico do Estado, e os serviços empatavam com a
indústria. A partir de 1985, os serviços passaram a responder por pelo menos a metade do PIB, enquanto a indústria
tinha 34% de participação. Há tempos o setor de serviços - a maioria pertencente ao setor público, principalmente
até 1998 - reivindica políticas específicas do governo do Estado, mas ainda não há sinalização sobre uma atenção
especial ao setor.

Lógico que, dentro do raciocínio midiático, de fato dá muito mais status fazer propaganda de um pólo industrial
que investir, por exemplo, na divulgação de ações ligadas às questões agrária e agrícola. Mas do ponto de vista do
povo, o mais importante é saber se o investimento realizado está gerando emprego e distribuição de renda.

Houve uma opção política por um projeto industrializante, sem priorizar a redistribuição de renda, com ganhos
restritos nas áreas de educação e saúde. Mas em termos de uma política massiva de emprego, que teria que atingir o
setor agrícola, isso não ocorreu.

A promessa de acabar com a miséria, feita desde do primeiro governo Tasso, passaria por um incisivo investimento
na agricultura. Num Estado como o Ceará, que tem quase 40% da força de trabalho concentrado na agricultura, não
se acaba com a miséria se a ênfase da economia é industrial.

Em sua coluna "Política", no jornal O Povo, de 19/11/2000, o jornalista Fábio Campos divulgou matéria da revista
Amanhã, que publicara um ranking dos Estados com base no estudo da empresa de consultoria Simonsen e
Associados, acerca da guerra fiscal. Segundo o estudo, o que conta para as empresas decidirem onde vão investir
são indicadores de potencial de mercado e facilidades operacionais (infra-estrutura, incentivos etc.). Apesar do
imenso esforço do Governo do Estado em dotar o Ceará de infra-estrutura, entre os quinze estados "ranqueados", o
Ceará, no período, estava em último lugar. A divulgação do ranking deu-se à época em que o Governo do Ceará
anunciava mais detalhes de sua nova "política industrial". Fábio Campos observou, acertadamente, que "talvez o
problema esteja exatamente no fato de ser uma `política industrial' e não uma `política de desenvolvimento
econômico'. Uma é restrita a um ramo da economia. A outra é abrangente, pressupõe planejamento e integra áreas
como educação, saúde, infra-estrutura etc.".

Na Pesquisa da Simonsen Associados, os números indicam o quanto, percentualmente, cada Estado ultrapassa ou
fica aquém da média brasileira. Considera-se a média dos 27 Estados igual a 100%95. O quadro aponta os estados
mais competitivos, com o Ceará em 15º lugar:

Os mais competitivos:
SP 182,2
MG 163,6
RJ 162,6
PR 157,4
RS 157,3
SC 150,0
BA 131,7
95
Cf. pesquisa da Simonsen Associados, publicada na revista Amanhã nº 172, de novembro de 2001
(www.amanha.com.br).
65
ES 130,9
GO 124,0
PE 114,0
DF 110,6
PA 107,1
MT 104,9
MS 102,9
CE 92,5
Fonte: Simonsen Associados, com base em indicadores de riqueza e infra-estrutura

O que mudou na classificação do Estado em cinco anos de ranking


2001 2000 1996
CEARÁ 15º 14º 13º
92,5 99,0 98,6

Em dezembro de 2001, o jornalista Fábio Campos faria nova referência à situação do Estado, como base dos dados
do ranking, lembrando que os dados sociais não eram considerados _ pois se fossem a colocação seria ainda pior:
"o resultado é mais um que desmonta o discurso dos tucanos do Ceará. Hoje, percebe-se que esse discurso começa
a mudar. O marketing do Cambeba está começando a apresentar as grandes obras de infra-estrutura como algo que
só no futuro poderá trazer resultados objetivos nos índices sócio-econômicos. Não se sustenta mais o marketing do
que ainda pode ser como se fosse algo já palpável. Vejam que, ao longo da década de 90, Pernambuco passou por
uma seqüência de desastrosos governos e acabou amargando uma longa fase de estagnação. Não foi à toa que o
PIB do Ceará praticamente encostou no PIB de lá. Bastou a chegada de uma gestão eficiente para que o nosso
vizinho retomasse a posição histórica. Hoje, segundo a pesquisa, o PIB do Ceará é de 10,717 bilhões de dólares. O
de Pernambuco alcança 13,694 bilhões de dólares"96.

Tem mais. O jornal O Povo noticiou a pesquisa "Políticas Públicas e seus Efeitos sobre a Produtividade da
Indústria Nordestina: 1985-1997"97, de autoria do professor do Curso de Pós-Graduação em Economia (Caen) da
Universidade Federal do Ceará (UFC), Flávio Ataliba Barreto. A pesquisa mostra que somente nos setores onde a
maior parte dos trabalhadores possui ensino médio completo (2° grau), a produtividade apresenta resultados
satisfatórios. Quanto maior o nível educacional - embora não seja este o único fator de empregabilidade - dos
trabalhadores mais elevada é a produtividade da indústria de transformação.

Dados do Banco do Nordeste, referentes a 1995, apontam que, de um espectro de 20 setores industriais, apenas
quatro têm a maior parte dos seus empregados com esse nível de escolaridade _ indústrias metalúrgicas (34%),
material elétrico e de comunicação (25%), química (46%) e bebidas (40%). Conforme Ataliba, para cada ano a
mais de estudos, o trabalhador aumenta em 14% a sua produtividade. No Ceará e Nordeste, o percentual sobe para
20%. A pesquisa comprova claramente que não adianta apenas alfabetizar ou capacitar por meio de cursos rápidos:
a educação é um investimento de longo prazo, e são necessários no mínimo 11 anos para a conclusão do ensino
médio.

A pesquisa analisou ainda os impactos dos incentivos dos fundos de Investimento e Financiamento do Nordeste
(Finor e FNE) e da política de redução das tarifas de importação sobre a produtividade industrial nordestina. Os
resultados apurados demonstram que adotar políticas de oferta de incentivos fiscais para as indústrias, ainda que
priorizando a formação de cadeias produtivas, de nada adianta se não houver investimentos voltados para educar o
trabalhador. Sem educação não existe produtividade e, conseqüentemente, falta competitividade. Os resultados
negativos vêm em conseqüência. O IBGE atestou, em 2001, que a produção industrial brasileira registrou queda, na
comparação com igual período do ano anterior. Entre os 12 estados pesquisados, a maior queda foi no Ceará, de
7,3% negativos98.

Indústria x Agricultura

96
Cf. jornal O Povo, 14/12/2001, Coluna Política, do jornalista Fábio Campos.
97
Jornal O Povo, 28/11/2000, "Pouco estudo, baixa produtividade".
98
Jornal Diário do Nordeste, 15/01/2002, "CE lidera queda na produção industrial" e, em 20/02/02, "Indústria
cearense acumula queda de 7,3%". Jornal Folha de S. Paulo, 20/02/2002, " Indústria de SP cresce mais que a do
país".
66
O governo do Estado justifica que a agricultura não é priorizada por causa da baixa qualidade do solo, que os
investimentos na área seriam inviabilizados. Mas estes são argumentos que apelam para a esfera da racionalidade
econômica. A questão da pequena agricultura é uma questão de eqüidade social. Se o critério for a rentabilidade, os
pobres vão sair perdendo sempre. Talvez valesse a pena sacrificar um pouco essa eficiência em nome de resolver
problemas de injustiça social, que é secular.

A agropecuária, no decorrer dos governos tucanos, continuou a perder posição na formação do PIB, chegando a
cair para 4% em 1998, por causa da estiagem. Porém é, ainda, o maior absorvedor ou mantenedor de mão-de-obra,
respondendo por 36,8% da população ocupada em 1997, comparativamente a 30% em 1987, mesmo com o
governo colocando o setor em segundo plano. No Brasil, 24,2% dos ocupados estão na agricultura. No Nordeste,
40,7%. Em 1999, segundo o IBGE, 39,7% da População Economicamente Ativa do Ceará vivia da agricultura.
Naquele ano, o setor industrial só empregava 17,5%, sendo que 8% destes pertencem somente ao setor da
construção civil e 9,1% à indústria de transformação.

A agricultura continua relegada a um patamar inferior, mesmo com a recuperação da produção de algodão e milho.
Como alertou o deputado Eudoro Santana, o governo do Estado tentou encobrir esta realidade divulgando um
crescimento na área em 1999 de 56%, referente a 1998. Mas omitiu o fato que 1998 foi um ano de seca com
produção irrisória, com queda de 22%, segundo o IBGE. Segundo o Relatório do Banco Mundial de 1999, a taxa
anual de crescimento do PIB agrícola caiu de 8% - no período 1981-86 _ para 1,3% _ no período 1987-97.

O governo porém não trabalha com a perspectiva do investimento no setor agrícola para gerar empregos. Em 1995,
o Diário Oficial do Estado publicava o Decreto nº 23.913, de 21 de novembro daquele ano, que determinava que
estavam excluídas do conceito de atividade de fundamental interesse para o desenvolvimento econômico do Estado
as indústrias tradicionais ligadas à extração alimentar de produtos de origem vegetal, beneficiamento elementar de
produtos de origem animal, torrefação e moagem de café, construção civil e outras atividades correlatas, fabricação
de açúcar e álcool. O Decreto ainda estabelecia como prioritário o tratamento a ser dado às indústrias de "alto
padrão tecnológico" instaladas na Região Metropolitana de Fortaleza.

O texto do próprio Plano Plurianual (PPA) é taxativo em relação ao tema: "É imperativo reconhecer que os
resultados alcançados no setor primário não conseguiram reverter o quadro dominante de produtividade agrícola
extremamente baixa, conjugada aos baixos níveis de educação e de renda da população rural. A indústria, a
despeito do dinamismo experimentado, desempenhou papel limitado como gerador de emprego, porquanto o
crescimento industrial em bases modernas tem restrições para absorver um contingente mais expressivo dos
segmentos mais pobres".

É um erro estratégico dar maior prioridade aos investimentos na indústria, principalmente levando em conta o
argumento de criar empregos. De fato, as indústrias instalaram-se no Ceará, mas principalmente por levarem em
conta o baixo nível salarial praticado por aqui. Os custos trabalhistas cearenses representam a metade do que é
gasto em São Paulo, por exemplo. Com a regionalização salarial implementada pelo governo federal, o nível de
remuneração deve cair ainda mais.

A Assembléia Legislativa aprovou, em 1998, a criação de uma Comissão Especial para verificar as condições de
trabalho das cooperativas instaladas em várias cidades cearenses. A imprensa local já publicou resultados de
diligências feitas pela Delegacia Regional do Trabalho em algumas cooperativas. São várias as irregularidades
constatadas, desde a falta de equipamentos até exigência de comprovante de internamento hospitalar para abono de
falta.

A cooperativa não é criada de forma espontânea, não há independência ou autonomia dos cooperados, não há
autogestão e nem liberdade de associação ou desassociação. Não existe capital variável dividido em quotas-parte
por associado e nem divisão proporcional do lucro adquirido a partir do trabalho de cada um. Na verdade, nestas
cooperativas os cooperados sequer têm noção da lucratividade do seu trabalho. Ao invés do trabalho autônomo, as
empresas interessadas controlam os cooperados, num regime de subordinação direta. Para estes trabalhadores, o
salário-mínimo virou teto. Em resumo, estas cooperativas não atendem às exigências da Portaria do Ministério do
Trabalho nº 925/95 e nem à Lei nº 5.764/71, que disciplinam as reais características e atribuições de uma
cooperativa. O que a DRT (Delegacia Regional do Trabalho) atestou é que existe muita exploração de mão-de-
obra. Empresas que se aproveitam da falta de vínculo empregatício para não arcar com os encargos sociais exigidos
pela Constituição Federal.
67
Isso é uma pena, pois o cooperativismo no Brasil cresceu 10,8% nos últimos dois anos, e é uma saída para
reduzir o desemprego no país e tirar da informalidade uma grande parcela dos 35 milhões de brasileiros que hoje
sobrevivem fazendo "bicos" ou prestando serviços. No Ceará, já existem cerca de 400 cooperativas e mais de 70
mil cooperados99. Em todo o Brasil são quase 6 mil cooperativas com mais de 5 milhões de participantes.

As falsas cooperativas aproveitam-se do expressivo estado de carência da população para pagar salários que beiram
à infâmia. O argumento usado pela bancada governista é um convite à escravidão, quando se diz que "é melhor
ganhar alguma coisa do que não ganhar nada". Na lógica deste raciocínio, num futuro próximo deveremos aplaudir
os empresários que, a despeito de lucrarem _ e muito _ com o trabalho de seus "cooperados", lhes oferecerem em
troca apenas a alimentação.

A guerra fiscal

É grave ainda saber que nosso Estado entrou de cabeça na guerra fiscal. Estas indústrias que vêm se instalando no
Ceará também se beneficiam dos incentivos fiscais criados pelo governo. De acordo com o Relatório do Banco
Mundial (BIRD), de 1995 a 1998, este programa aprovou investimentos da ordem R$ 3,3 bilhões, em contrapartida
de investimentos privados de R$ 1,8 bilhão.

Também por conta da guerra fiscal, a arrecadação de impostos no Ceará também não apresenta, no contexto do
Nordeste, um bom desempenho. Com relação ao conjunto de impostos federais, o Estado tinha em 1992 uma
participação de 16,59% e cai para 15,67% em 1999, uma queda de -5,55%, ficando portanto com o penúltimo lugar
em desempenho do Nordeste. Se tomarmos isoladamente o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) _ que é
indicador do setor industrial _ e o Imposto sobre a Renda, outro indicador do crescimento econômico, também
constatamos que o desempenho do Ceará no contexto do Nordeste é fraco. No caso do IPI, o Ceará ocupa o 5º lugar
em crescimento no período, ao passo que no Imposto sobre a Renda, a situação é ainda pior, pois o Ceará apresenta
um crescimento negativo ocupando o último lugar em desempenho100.

O PPA reconhece o problema: "o emprego industrial no Ceará, a despeito do forte crescimento do produto setorial
verificado no período de 1987-97, reproduziu tendência ocorrida em todo o Brasil de redução de sua importância
relativa, ao passar de 25,9% da população ocupada, em 1987, para apenas 15,2% em 1997. A explicação para esse
ponto reside no intenso processo de disseminação de novas tecnologias que implicam transformações radicais na
estrutura da produção, na organização dos mercados, nas condições do processo de trabalho (terceirização de mão-
de-obra) e nas formas de gestão das empresas".

A política de atração de investimentos industriais do governo do Estado, segundo a Secretaria de Desenvolvimento


Econômico (SDE), provocou, até fevereiro de 1998, a vinda de 370 empresas, em 52 municípios, gerando 82.219
empregos diretos. Repare-se que "indústrias atraídas" não significa "indústrias instaladas". É preciso ressaltar que,
dada a ênfase empregada pelo Cambeba à política industrial, o Ceará e a Bahia são os estados brasileiros que mais
praticam a guerra fiscal através dos incentivos de ICMS. No caso do Ceará, tais incentivos variam de 40% a 99%,
dependendo de fatores locacionais e da tipologia de indústria101.

RENÚNCIA FISCAL - FDI


ANO RENÚNCIA
FISCAL102

99
Há exemplos positivos de cooperativas no Ceará. O Projeto de Encubadoras Cooperativas Populares da UFC
conta com mais de 30 grupos que reúnem mais de 2 mil pessoas organizadas em cooperativas, dentro da idéia de
criar cooperativas populares com a finalidade de distribuir renda e tornar o cooperado o dono do seu negócio.
100
Cf. pronunciamento do deputado estadual Eudoro Santana (PSB), "Era Tasso II: o outro Ceará _ sem mídia
nem fantasia" (www.eudorosantana.com.br).
101
Para 2001 foi orçado R$ 195 milhões em renúncia fiscal. Para 2002 R$ 227 milhões. A experiência demonstra
que sempre se gasta neste programa mais do que o orçado. Cf. OLIVEIRA, Alfredo José Pessoa de. "Guerra
Fiscal", artigo publicado no jornal O Povo, de 22/07/2001.
102
Para 2001 foi orçado R$ 195 milhões em renúncia fiscal. Para 2002 R$ 227 milhões. A experiência demonstra
que sempre se gasta neste programa mais do que o orçado. Cf. OLIVEIRA, Alfredo José Pessoa de. Ceará:
endividamento estadual, indicadores sociais e renúncia fiscal. Estudo realizado para o gabinete do deputado João
Alfredo (PT-CE).
68
1991 22.164.823,00
1992 13.800.643,00
1993 19.363.462,00
1994 46.751.098,00
1995 67.281.589,00
1996 117.009.582,00
1997 133.975.928,00
1998 168.621.648,00
1999 220.815.044,00
2000 292.000.000,00
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE)

Estudo do economista Alfredo Oliveira103 mostra o quão é danoso ao erário a subtração de ICMS. Basta comparar
as taxas de crescimento do ICMS ano a ano da década dos 90. Fica evidente que as taxas de crescimento do ICMS
(em 1999/2000) estão menores em relação ao segundo governo Tasso Jereissati.

Taxa de crescimento do ICMS X taxa de crescimento da economia cearense (1991-2000)


ANO ICMS (em R$ milhões) TAXA CRESCIMENTO ICMS TAXA CRESCIMENTO PIB
(%) (%)
1991 1.279.942.892,86 - -
1992 1.141.158.455,92 -10,84 2,03
1993 1.113.299.192,70 -2,44 0,73
1994 1.304.613.924,64 17,18 6,26
1995 1.570.381.541,18 20,37 1,52
1996 1.757.267.334,71 11,90 3,93
1997 1.711.894.669,70 -2,58 3,62
1998 1.781.688.259,38 4,07 2,14
1999 1.815.181.819,66 1,87 8,89
2000 1.920.788.072,49 5,81 4,55
Fonte: Balanço do Estado do Ceará e Iplance.
Obs: Valores do ICMS corrigidos pelo IGP-DI de Dez/2000.

Ainda segundo Oliveira, a média de crescimento dos últimos 2 anos (1999/2000) da economia cearense (6,72%) é
quase o dobro da média de crescimento do ICMS (3,84%). Este período 1999/2000 coincide com elevados volumes
de renúncia fiscal (em média R$ 256 milhões para cada ano 1999/2000, ou seja, o ICMS cresce, mas a uma taxa de
crescimento menor). O fato é que a taxa de crescimento da renúncia fiscal entre os anos de 1999/2000 foi, em
média de 32%. Esta média já foi de quase 40% entre os anos de 1995-1998 que corresponde ao segundo governo
Tasso. A média de crescimento do ICMS entre os anos de 1995-1998, período do segundo Tasso, é de 8,44% ao
ano. Muito superior à média de crescimento da economia cearense no mesmo período (2,80%).

TAXA DE CRESCIMENTO DO ICMS X TAXA DE CRESCIMENTO DA ECONOMIA CEARENSE X TAXA DE


CRESCIMENTO DA RENÚNCIA FISCAL (1991-2000)
PERÍODO Taxa Crescimento PIB Taxa Crescimento ICMS Taxa Crescimento
(%) (%) FDI (%)
1991-1994 (Governo 3,00 1,30 48,03
Ciro)
1995-1998 (Segundo 2,80 8,44 39,54
Tasso)
1999-2000 (Terceiro 6,72 3,84 31,59
Tasso)
Fonte: Balanço do Estado do Ceará, Iplance e Tribunal de Contas do Estado.
Obs: Valores do ICMS corrigidos pelo IGP-DI de Dez/2000.
Obs 2: FDI (Fundo de Desenvolvimento Industrial)

Mesmo com um investimento tão ferrenho na atração de indústrias, o próprio Banco Mundial divulgou na Gazeta
Mercantil de 12 de junho de 2001 que o número de empregos gerados na indústria é modesto (pouco mais de 12
mil empregos por ano nos últimos cinco anos) e que o custo de um emprego direto ainda é muito caro: 16 mil reais
103
OLIVEIRA, Alfredo José Pessoa de. Ceará: endividamento estadual, indicadores sociais e renúncia fiscal.
Estudo realizado para o gabinete do deputado João Alfredo (PT-CE). Fortaleza, 2001, mimeo. Revista Economia e
Mais, nº 43, setembro de 2000, "Finanças sadias: para quê?".
69
por cada nova vaga criada. A renúncia nos últimos cinco anos chega a quase R$ 1,0 bilhão. Ademais, a maior
parte das empresas atraídas não compra matéria-prima cearense; não utiliza a pesquisa e tecnologia produzida no
Ceará; não treina o pessoal com as consultorias do estado e não utiliza as agências de publicidade locais para
veicular seus produtos.

Para o economista Alfredo Pessoa, a renúncia fiscal constitui-se uma estratégia cara, de uso intensivo em capital e
que tem limitado o emprego e seus efeitos em termos de redução da pobreza. Assim, a indústria cresce mas as taxas
de desemprego (aberto e total) no Estado, segundo o IDT (Instituto de Desenvolvimento do Trabalho) permanecem
em torno de 12-13%, assim como há dez anos atrás.

Ainda segundo o artigo do economista, a concentração espacial e setorial da indústria combinada com a falta de
estruturação do desenvolvimento industrial em cadeia podem anular os benefícios da guerra fiscal para quem a
pratica. O discurso da "inexistência do imposto" é falacioso na medida que os benefícios agregados da guerra fiscal
são nulos, um estado pode ganhar enquanto um outro, necessariamente, perde. Mais ainda, definida a estratégia de
localização de uma empresa, esta fica na cômoda posição de participante de um leilão que reduz a capacidade de
arrecadação da Federação. Esta política tem atraído, especialmente no Ceará, investimentos intensivos em capital,
limitando a geração de emprego e a redução da pobreza.

No texto "Reflexões sobre a política de desenvolvimento industrial do Ceará"104, o economista Flávio Ataliba
resume bem a avaliação que se tenta esboçar aqui: "uma política industrial tem sua importância quando ela possui
efeitos de transbordamentos para outros setores da economia e quando ela gera recursos tributários para o governo,
que podem ser utilizados em políticas sociais. No caso da política industrial do Ceará, esses dois efeitos parecem
ter pouca contribuição".

Para embasar seu pensamento, Flávio Ataliba cita a redução de 2% na arrecadação do ICMS de 1995 a 1998, em
decorrência da isenção de imposto promovida pela guerra fiscal; da instalação de indústrias no interior, que deixam
de pagar a mesma carga fiscal que pagariam na capital; e da estruturação subsidiada destas empresas, que as
colocam em situação privilegiada em relação às indústrias já em funcionamento e que pagam impostos
normalmente.

Receita Tributária
BRASIL, REGIÃO NORDESTE E ESTADOS
ARRECADAÇÃO DO ICMS - 1999/1998
VALOR (R$ 1.000) Variação %
ESTADOS Jan/Dez Jan/Dez
1998 (1) 1999 (1) 1999/98
Maranhão 479.514* 458.868* -4,3
Piauí 356.913 340.412 -4,6
Ceará 1.515.904 1.541.324 1,7
Rio Grande do Norte 567.899 614.280 8,2
Paraíba 610.170 605.357 -0,8
Pernambuco 1.914.215 1.793.663* -6,3
Alagoas 470.492 416.803 -11,4
Sergipe 399.157 396.497 -0,7
Bahia 3.007.170 3.023.236 0,5
NORDESTE 9.321.434 9.190.440 -1,4
BRASIL 67.814.694 67.885.421 0,1
Fonte: MF/DRF/COTEPE-ICMS; SUDENE/CPE/INE/Contas Regionais
(1) Valores a preços médios de Jan./Dez. de 1999, inflacionados pelo IGP-
DI da FGV.
(*) Valor Provisório.

Além disso, segundo o economista, não há no Ceará efeitos consideráveis da política industrial em outros setores
da economia _ insumos primários, bens intermediários de produção e maior demanda no setor de serviços. Isso
porque, dados os efeitos da globalização, os transbordamentos podem se dar em qualquer outro lugar do país ou do
mundo, e não necessariamente no Ceará. Numa situação fictícia, uma indústria de beneficiamento de castanha pode
muito bem comprar a matéria de outro Estado, caso o preço seja melhor, ao invés de apostar nos produtores locais.
É uma decisão privada, na qual o governo não tem ingerência alguma.

104
ATALIBA, Flávio. Reflexões sobre a política de desenvolvimento industrial do Ceará. Carta Cener nº 01, junho
de 2001 (boletim do CAEN-UFC).
70
Finalizando, Flávio Ataliba explica que "o estilo de desenvolvimento adotado tanto para o Ceará como para o
Nordeste está fortemente centrado em expandir a produção através do subsídio sobre o capital, o que reforça a
concentração de renda. Outros fatores, como educação e infra-estrutura, acabam sendo ofertados de forma
inadequada por estados e municípios que possuem baixíssimas taxas de poupança".

Renda concentrada

Os recursos, de fato, são mal distribuídos. O Fundo de Desenvolvimento Industrial do Estado destinou às micro e
pequenas empresas em 1998, segundo relatório do Tribunal de Contas do Ceará, apenas 4,2%, ou R$ 6,4 milhões
de um total de R$ 151,9 milhões. No programa de incentivos fiscais do governo, por exemplo, dos 369 projetos
aprovados, só 67 se destinavam a pequenas e médias empresas. Ressalte-se que são empresas deste porte _ e não as
grandes _ que respondem por quase 80% dos postos de trabalho.

Entre os municípios, concentração também é palavra de ordem. Dois terços das riquezas geradas no Ceará, no
período entre 1995 e 98, ficaram concentradas em apenas cinco municípios105. Segundo dados preliminares sobre o
PIB (Produto Interno Bruto) dos municípios apresentados pelo IPLANCE, Fortaleza, Maracanaú, Sobral, Caucaia e
Horizonte detêm 74% do PIB do Estado. Somente a Região Metropolitana de Fortaleza concentra 61,15% da
economia. Segundo estudo do IPLANCE, em 1998, Fortaleza tinha 37,98% do PIB estadual. Maracanaú 13,91%.

Sobral era o 4° colocado em 95, agora é o terceiro com 5,91%. Fortaleza detém mais de um terço do PIB estadual,
mas perde feio no quesito renda per capita. A Capital cearense fica atrás de, pela ordem, Maracanaú, Horizonte,
Eusébio, Pacajus e da petista Icapuí.

A situação de concentração se repete no comércio. Em setembro de 2001, quase a metade do faturamento total do
varejo na Grande Fortaleza pertence a apenas 10% das empresas. Elas ficam com 47,04% do total vendido,
enquanto as outras 90% das empresas faturam, juntas, 52,96%. Em outubro de 2001, as grandes empresas
abocanharam 25,05% do mercado, contra 8,31% das médias, 33,67% das micro - apresentando tendência ao
declínio -, e 32,97% das pequenas. Os dados, do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Nordeste (IPDC),
comprovam a concentração do varejo na capital cearense, que já era visível aos consumidores. O lado perverso é
que eles deixam de comprar dos pequenos fornecedores, que não têm preço ou escala para competir. 22 segmentos
do varejo fazem parte da pesquisa mensal do IPDC. Cerca de 600 empresas de pequeno, médio e grande porte
respondem ao levantamento feito pelo IPDC, que é um órgão da Federação do Comércio do Ceará (Fecomércio),
com a garantia de que os valores financeiros e os nomes das companhias sejam mantidos em sigilo. Com os dados,
o IPDC passou a fazer também um inédito cálculo do Índice de Gini, utilizado para medir a concentração em várias
áreas. No varejo da Grande Fortaleza, o índice de maio de 2000 foi de 0,62, maior do que o de maio de 1999, de
0,60106.

Mas, e a população? O que tudo isso significou para o cearense? O PPA novamente se contradiz ao afirmar que "as
políticas distributivas terão como suporte a educação, a qualificação profissional, o apoio aos pequenos negócios e
as ações compensatórias para os segmentos sociais marginalizados da economia de mercado". Bem se vê que o
governo do Estado acatou e até tentou pôr em prática as recomendações do Relatório do BIRD. Mas só no discurso.

As conseqüências da concentração de renda no Ceará são trágicas. Segundo o IBGE, no Brasil, o rendimento médio
da população ocupada em 1999 foi de 4 salários-mínimos (SM). No Ceará, 41,8% da população economicamente
ativa (PEA) ganha até 1/2 salário mínimo. Só 43% têm carteira de trabalho. 85,4% da PEA ganha até 2 SM (sendo
que na RMF - Região Metropolitana de Fortaleza - este número cai para 74,7%). Só 3,7% ganha mais de 5 SM.
Desta forma, o rendimento médio da PEA no Ceará, em 1999, foi de apenas 2,3 SM (ver anexo de tabelas).

O Ceará ocupa o 25° lugar no ranking de rendimento médio mensal da PEA do País e a sétima posição dentro da
região Nordeste. O salário médio dos trabalhadores cearenses, em comparação com o maior rendimento _ o do
Distrito Federa, tem variação a menor de 221%. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) de 1999, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a remuneração média
mensal dos cearenses ainda estava atrás de estados como Paraíba, Tocantins, Rio Grande do Norte e Sergipe e no
País todo ganha apenas de Alagoas, Bahia, Piauí e Maranhão. Segundo o IPLANCE, o rendimento médio do
Estado perde para o da região Nordeste como um todo, e chega a ser 77% menor do que a média brasileira.
105
Cf. Jornal Diário do Nordeste, 18/11/2000, "Concentração de riquezas em cinco municípios".
106
Cf. revista Comércio nº 28 (nov/dez/2001) e nº 29 (jan/2002), da Fecomércio/SESC/SENAC/IPDC-CE, na
"Pesquisa conjuntural do comércio varejista na Região Metropolitana de Fortaleza".
71

Ao verificarmos a taxa de atividade (PEA/população em idade ativa), descobriremos que 24,6% das crianças entre
10 e 14 anos trabalham. De 15 a 17, 47,3% dos jovens trabalham. O índice é alto também na terceira idade. 33%
das pessoas com 65 anos ou mais têm de continuar trabalhando para sobreviver. O Ceará é o 6º estado do Brasil e o
2º do Nordeste em relação ao percentual de cidadãos com 60 anos ou mais que precisam trabalhar para sobreviver.

O Índice de Gini da PEA _ medida do grau de concentração de renda, cujo valor varia de 0 (perfeita igualdade) até
1 (desigualdade máxima) _ no Ceará é de 0,598. É o 3º pior do país (ver anexo de tabelas). Os 50% mais pobres
acumulam apenas 15,7% dos rendimentos, enquanto a parcela de 1% mais rica abocanha 17,4% do total. Os 40%
mais pobres têm um rendimento médio de 0,5 SM, enquanto os 10% mais ricos têm um rendimento médio de 10,98
SM, ou seja, 21,76 vezes mais. Os 10% da população mais rica têm renda média familiar per capita de 6,43 SM,
enquanto os 10% mais pobres têm renda média familiar de 0,11 SM, ou seja, 59,8 vezes menos.

Se desfocarmos um pouco nosso olhar para acompanharmos as conseqüências desta política em relação ao
planejamento familiar, por exemplo, descobriremos outra tragédia: pelos dados do IBGE de 1999, 55,8% das
famílias que ganham até 1/2 SM no Ceará possuem crianças de 0 a 6 anos. 57,2% das famílias que ganham até 1/2
SM no CE possuem crianças de 0 a 14 anos. Qual será o futuro destas crianças? Perambular pelos sinais até cruzar
com agente do serviço social do governo.

Não é assim que o governo, como explicita no PPA, vai conseguir executar a "ampliação do acesso da população
aos serviços públicos essenciais" e conferir "avanços em indicadores sociais através dos quais se pode inferir
melhoria da qualidade de vida da população estadual". Há melhoras, mas ainda tímidas.

O Banco Mundial usa o valor fixo de R$ 65,00 para o Brasil para estabelecer a linha de pobreza. Levando em conta
este parâmetro, o BIRD apontou 49% dos cearenses abaixo desta linha. É a metade da população do Estado.
Destes, os que moram em Fortaleza continuam esbarrando, indignados, numa avalanche de carros importados, dos
quais nossa cidade, em termos proporcionais, é uma das principais consumidoras.

É lamentável que o PPA tente encobrir esta realidade, falando que há divergências em relação à linha de pobreza,
afirmando que os valores que deveriam ser considerados para efeito de cálculo seriam R$ 26,46 para Fortaleza, de
R$ 25,00 para o urbano e de R$ 21,72 para o rural. Em resumo, para o governo, quem ganha mais de R$ 27 por
mês no Estado não pode ser chamado de pobre.

Numa sociedade miserável como esta, a procura por emprego também ganha contornos de mendicância. A
incapacidade da economia de absorver o contingente da força de trabalho somada à baixa qualificação mostra um
alto grau de informalidade no mercado de trabalho cearense. Levando-se em consideração que a inflação
acumulada em Fortaleza, em 2001, foi de 8,74%, calculada segundo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do
IPLANCE, o resultado é devastador para a maioria da população.

A Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD) e o CENSO do IBGE mostram que _ considerando pobres a
população ocupada acima de 10 anos com renda até um salário mínimo _ o discurso do Cambeba de acabar com a
miséria no Ceará não saiu do papel. Há no Estado, segundo o IBGE, quase quatro milhões de pobres. O índice de
pobreza no Estado em 1980 era de 85,4% (4º pior do Brasil), passando para 84,9%, em 1992, e 79,4% em 1998 (3º
pior índice do país). Simulações sobre o Ceará mostram que, se o Estado crescer por sete anos a uma taxa de 4%
per capita (mantendo fixa a distribuição de renda), o nível de pobreza se reduzirá somente em cerca de 10%, já que
a renda dos mais pobres está num patamar muito baixo107.

Desemprego

As exigências econômicas empurram crianças e jovens para o mercado muito cedo, não dando a eles o tempo
necessário de qualificação. Os dados do IBGE são contundentes. Menos da metade dos jovens entre 15 e 17 anos só
estuda. O Ceará é um dos 5 estados do Brasil com mais trabalhadores sem remuneração: 482 mil, evidenciando alto
índice de precarização do trabalho. 96,4% dos trabalhadores domésticos não possuem carteira de trabalho assinada:
é o 6º pior índice do país.

107
Cf. FERREIRA, Pedro Cavalcanti. Política regional em novos moldes: mais educação e menos subsídios. Carta
Cener, nº 01, CAEN-UFC, junho de 2001.
72
A pressão sobre o mercado de trabalho em Fortaleza atingiu no mês de outubro de 2001 o maior índice desde
1985. A taxa de desemprego aberto foi de 17,62%. Os dados são da pesquisa do Sistema Nacional de Emprego
(Sine-CE) e do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT). A inatividade registrou 51,23%, contra 55,72%
no mesmo período de 2000. Já o setor informal passou de 49,14% para 48,87%. Em termos quantitativos, o
desemprego aberto em Fortaleza foi de 167.894 em outubro de 2000. O tempo médio de procura por trabalho
continua alto. A maior parte dos desempregados (25,22%) passa entre 7 e 12 meses na busca por uma ocupação108.

Segundo os dados do artigo do economista Paulo de Melo Jorge Neto, há no Ceará uma relação direta entre salário,
desemprego e desqualificação. Dados da PNAD/IBGE mostram que 50% dos empregados cearenses ganham
menos de um salário mínimo, sendo que 83,35% deles não possui carteira assinada. A proporção dos que ganham
mais aumenta para aqueles que possuem mais anos de estudos109. Em nível nacional, segundo dados do censo do
mercado formal divulgado pelo Ministério do Trabalho, o número de analfabetos no mercado formal de trabalho
caiu de 735 mil postos para 487 mil entre 1994 e 2000. Com a diminuição, os analfabetos passam a representar
1,86% dos trabalhadores com carteira assinada. A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) mostra que o grau
de escolaridade da força de trabalho vem aumentando. Enquanto caiu a participação dos analfabetos, há mais
trabalhadores com curso superior. De 2,5 milhões, eles passaram para 3,1 milhões de 94 a 2000. O censo também
revela que o salário médio do analfabeto foi de R$ 399,22 no ano passado. Para os funcionários com curso
superior, a média foi de R$ 1.914,79.110

Emprego e Rendimento
EVOLUÇÃO DO EMPREGO NO BRASIL, REGIÃO NORDESTE
E ESTADOS - 1999
ACUMULADO NO ANO Variação
ESTADOS
Admissão Desligamento Saldo %
Maranhão 49.835 51.506 -1.671 -0,99
Piauí 39.385 40.412 -1.027 -0,63
Ceará 179.590 173.767 5.823 1,22
Rio Grande do Norte 70.791 71.370 -579 -0,27
Paraíba 60.384 67.019 -6.635 -3,22
Pernambuco 209.448 217.698 -8.250 -1,30
Alagoas 57.270 63.530 -6.260 -3,31
Sergipe 44.155 47.532 -3.377 -2,52
Bahia 275.977 274.658 1.319 0,17
NORDESTE 986.835 1.007.492 -20.657 -0,69
BRASIL 8.181.425 8.377.426 -196.001 -0,96
Fontes: CAGED; SUDENE/CPE/INE/Contas Regionais

Ainda quanto à escolaridade, o índice de desemprego entre os trabalhadores que possuem formação superior em
Fortaleza chegou a 6,02% em agosto de 2001, enquanto em 2000 estava em 4,77%. Para quem tem apenas o ensino
fundamental, o índice cresce para 45,55%. Na capital, até a década de 80, de cada dez empregados, oito eram
assalariados e sete com carteira assinada. Nos anos 90, de cada dez, há apenas três assalariados e um com carteira
assinada.

E quais as conseqüências sociais mais imediatas desta realidade? Só para centrarmos num aspecto, podemos
afirmar que o modelo concentrador de renda é o verdadeiro motor da violência no Estado. Segundo o PPA, a
criação da Secretaria da Segurança Pública e Defesa da Cidadania foi "o marco das mudanças ora implementadas
no setor". O vetor dinâmico dessa secretaria é a integração operacional das forças de segurança formadas pela
Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros. As marcas dessa integração são os "Distritos-Modelos" e o
"Centro Integrado de Operações de Segurança (CIOPS)".

Mas a violência em Fortaleza encontra-se num patamar inaudito. Em 1999, segundo a Associação de Parentes e
Amigos de Vítimas da Violência - APAVV, foram 880 mortes à bala e à faca, o que significa 73 homicídios por
mês e mais de dois por dia. E esta escalada está em franca ascensão, embora o número de homicídios tenha caído
108
Jornal Diário do Nordeste, 22/12/2001, "Desemprego é maior desde 1985".
109
Jornal O POVO, 23/12/2001, "Renda, educação e trabalho no Ceará", artigo do economista Paulo de Melo
Jorge Neto.
110
Jornal Folha de São Paulo, 28/12/2001, "Analfabeto perde espaço no mercado". As informações abrangem 97%
dos estabelecimentos do país e foram tiradas da Rais (Relação Anual de Informações Sociais).
73
em 1998 a 2001. Em 2000, foram 1.299 homicídios, contra 1.296 em 2001. Mas o número de veículos furtados
aumentou 81,6% entre 2000 (1.119 ocorrências) e 2001 (2.032 ocorrências). Mesmo assim, o secretário de
Segurança, general Cândido Vargas Freire, afirmou que os números vinham para "deixar a sociedade cearense mais
tranqüila"111.

Principais ocorrências no Ceará por 100 mil habitantes


TIPOS JAN a NOV/2000 JAN a NOV 2001
Homicídios 1.174 1.184
Lesões corporais 5.186 5.143
Tentativas de homicídio 372 991
Violação de domicílio 5.022 5.274
Roubos 12.242 10.460
Furtos 9.106 8.085
Roubos de veículos 1.158 1.378
Furtos de veículos 990 1.829
Veículos localizados 2.057 2.802
Estupro 186 146
Uso de drogas 2.929 2.162
Tráfico de drogas 494 415
Trânsito fatal 804 817
Trânsito não fatal 5.554 5.098
Armas brancas apreendidas 4.366 1.626
Armas de fogo apreendidas 1.821 1.708
Totais 93.370 83.876
Fonte: CIOPS/SSPDC, PMCE, SPC, IML e Anuário Estatístico do Ceará

Se considerarmos os números decorrentes de mortes no trânsito, a situação mostra-se ainda mais crítica. Entre 1993
e 1998, houve 4.455 vítimas fatais em decorrência de acidentes. Em 1999, foram 824: 68 por mês e mais de duas
por dia. Em 2000, 804 e, em 2001, 817 vítimas fatais. A expectativa de vida é de apenas 66,1 anos, a sexta pior do
país. A violência reinante na sociedade, sem dúvida vem contribuindo significativamente para estes números,
embora o governador, em entrevista concedida ao jornal O POVO, em 6 de junho de 2000, tenha dito estar
"satisfeitíssimo" com a segurança pública no Estado.

É necessário ressaltar que por detrás da frieza das estatísticas encontram-se seres humanos que tiveram negado o
direito à vida. Urge se elevar a qualidade dos serviços de segurança a fim de que seja garantido o exercício dos
direitos individuais e do bem-estar coletivo, minimizando os problemas carcerários, humanizando as prisões, dando
condições de encarceramento mais digno e primando pela qualificação profissional do detento a fim de assegurar-
lhe o retorno à sociedade.

Tal realidade de violência e exclusão social irá continuar enquanto não houver uma drástica reformulação na
política econômica do Cambeba. Não há sistema de segurança pública que possa controlar a revolta de quem tem
fome, de quem não tem emprego, de quem não tem como sustentar a si mesmo e aos seus.

Há outro dado instigante: na chamada "Era Tasso", o Ceará teve investimentos públicos como em nenhum
momento na história. No ranking da pesquisa da Simonsen Associados, o Estado está em 6º lugar na obtenção de
recursos federais112. Tudo fruto de endividamento e de convênios com o governo federal e com programas
multinacionais, como em saneamento, transporte e turismo. Porém, muitos foram investimentos feitos de forma
equivocada, aumentando a miséria e não contribuindo de forma efetiva para a redução do desemprego e a
distribuição de renda.

De que adianta mater o binômio finanças administráveis/industrialização e todo um rigor técnico e racional na
máquina pública, se não há benefícios concretos para a maioria da população? Como nos ensinou Einstein, "o
principal objetivo de todo o progresso técnico deve ser o homem e o seu destino... para que as criações da nossa
inteligência possam ser uma bênção, e nunca uma maldição para a humanidade".
--------------------------------------------------------------------------------

111
Jornal O POVO, 29/12/2001, "General: balanço otimista do ano com números até novembro".
112
O Ceará ficou em sexto, atrás apenas de SP, MG, BA, RS e PR. Cf. Pesquisa da Simonsen Associados,
publicada na revista Amanhã nº 172, de novembro de 2001 (www.amanha.com.br).
74
75

Descaso social

"Para os ricos, a pobreza é incompreensível. Eles não


entendem por que as pessoas que querem jantar
não tocam simplesmente a campainha"
(Walter Bagehot)

O quinto pecado do Cambeba é o descaso social. Não que a geração Cambeba não tenha trabalhado. Longe disso.
Mas trabalhou segundo uma visão extremamente dirigida. No aspecto social, que é o que realmente interessa à
população, o trabalho foi ineficiente, desigual. E é clara a impressão que se tem de má vontade dos tucanos em
resolver os problemas sociais do Ceará: má vontade que aparece ao se examinar os investimentos orçamentários
para o setor - que não são suficientes e não têm a mesma prioridade dos investimentos econômicos -, na baixa
qualificação das tarefas voltadas para a assistência social e quando da desregulamentação, extinção e demissão de
funcionários de vários órgãos públicos de imensa importância no desempenho de serviços essenciais à população.

A adoção de um novo modelo de gestão pública permitiu aumento do investimento público mediante execução de
projetos estruturantes e possibilitou a realização de um bem-sucedido programa de atração de investimentos.
Embora o resultado desse desempenho mostre repercussões positivas na economia, isso não refletiu,
contraditoriamente ao que diz o PPA "na melhoria das condições de vida da população". Ou melhor, houve de fato
melhoras, mas ainda tímidas.

A aposta no desenvolvimento baseado em obras estruturantes _ SANEAR, METROFOR, Castanhão, Porto do


Pecém, unidades de energia eólica, PROURB, siderúrgica, aeroporto, gasoduto e interligação de bacias, entre
outras _ se verificou de extrema importância para o futuro do Estado e sua população. Porém, serviu muito mais
como base de divulgação das ações do Executivo, se mostrando ainda insuficientes em termos de melhorias
efetivas para a população no aspecto social.

Em linguagem franca, apesar dos expressivos resultados do setor econômico, o aumento da riqueza e da renda não
foi capaz de gerar transformações decisivas no perfil do desenvolvimento social, até pelo aspecto da concentração
já levantado anteriormente. É uma riqueza que beneficia poucos. Shakespeare nos ensina que "os miseráveis não
têm outro remédio a não ser a esperança". No caso do Cambeba, um dos maiores responsáveis pela miséria do
Estado, fica difícil sonhar com um futuro melhor.

A situação de Fortaleza, por exemplo, é crítica. São 712 mil habitantes morando em 614 favelas. Segundo a
Comissão Especial de Áreas de Risco da Assembléia Legislativa, na capital existem, atualmente, 79 áreas de risco,
onde sobrevivem 10 mil famílias. São áreas impróprias para habitação, em dunas, prédios abandonados e espaços
sob alta tensão elétrica, onde edificações são proibidas113. O déficit habitacional atual no Estado, segundo a
pesquisa "Déficit Habitacional no Brasil 2000", do IBGE, é de 408.021 unidades, ou 23,2%. É o sexto maior índice
do país em números absolutos e o quinto em termos relativos114.

Os indicadores sociais do Ceará estão muito aquém do aceitável. Houve de fato redução nas taxas de analfabetismo
e de mortalidade infantil, mas em decorrência também de políticas públicas macroeconômicas nacionais, podendo
ser citados aí o FUNDEF e o Programa de Saúde da Família, respectivamente.

Houve avanços que, a bem da verdade, devem ser registrados. O perfil educacional da mão-de-obra melhorou. O
aumento nos índices de matrícula escolar e alfabetização de adultos e jovens fez com que caíssem em 16,2% o
número de trabalhadores analfabetos e aumentasse em 28,6% daqueles com 15 anos e mais de estudo. Com relação
aos domicílios cearenses, os dados do IBGE mostram que aumentaram os números de domicílios urbanos com
acesso aos serviços públicos de abastecimento d'água e coleta de lixo. A mortalidade infantil também caiu115.

113
Cf. jornal O Estado, 21/12/2001, "10 mil famílias vivem em 79 áreas de risco" e jornal Diário do Nordeste,
12/02/2000, "Fortaleza tem 700 mil pessoas sem moradia".
114
Cf. Jornal Diário do Nordeste, 22/01/2002, "Estado precisa de 408.021 novas moradias".
115
Cf. Jornal O Povo, 13/02/2000, "Um balanço das mudanças no Ceará, 1987-1999", artigo do economista José
Nélson Bessa Maia.
76
Mesmo assim, ambos os índices são ainda muito altos. O coração da pobreza ainda é predominantemente rural e
associado ao baixo nível de escolaridade.

Palavra do Relatório do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)116: "Na verdade, a perda
de participação na renda para os mais pobres é claramente consistente com o resultado de que a profundidade da
pobreza parece ter aumentado substancialmente durante este período". Em suma, as condições de vida agravaram-
se para a faixa dos 50% mais pobres da população.

Os recursos públicos destinados à área social são pequenos se comparados aos incentivos industriais, dívida pública
e gastos com a construção das obras estruturantes. Há que se questionar o tamanho do custo social do saneamento
financeiro do Estado.

Saúde

Segundo o levantamento do vereador de Fortaleza José Maria Pontes (PT)117 , apesar do aumento real da população,
de 1994 a 1999 o Estado reduziu seus investimentos na área de saúde no orçamento geral. Atualmente, de cada R$
100 gastos com saúde, a União participa com R$ 70 e os estados e municípios contribuem com os R$ 30 restantes
(às vezes até menos). O grave é que a Constituição Estadual garante o direito ao atendimento a todo cidadão.
Ressalte-se que os recursos da União também são insuficientes. Dados de 1998 mostram que o gasto com saúde por
habitante no Brasil é inferior a US$ 200. Os EUA gastam US$ 4.270, a Suíça, US$ 2.250 e o Canadá US$ 2.250.

Ano Percentual do Orçamento destiando à Saúde


1994 6,06
1995 6,06
1996 5,85
1997 5,38
1998 5,27
1999 5,60
Fonte: SESA
O Estado, nos últimos 10 anos, reduziu em 15% o número de leitos para atendimento a pacientes do SUS, mediante
descredenciamento ou fechamento de hospitais. Dados da Secretaria de Saúde (SESA) mostram que dos 18.121
leitos existentes em 1994 sobraram 17.112 em 1998, caracterizando uma redução de 1.009 leitos. Nas UTI _
Unidades de Tratamento Intensivo _, o caso é ainda mais grave. Segundo o parâmetro da Organização Mundial de
Saúde (OMS), devem existir de 2 a 4 leitos hospitalares para cada mil habitantes, com os leitos de UTI
representantes de 5% a 10% do total. O ideal, segundo os critérios do Ministério da Saúde, é que houvesse, em
Fortaleza, 8.360 leitos, sendo 836 de UTI, e 11.512 leitos para a Região Metropolitana, com 1.151 de UTI. Ocorre
porém que, na prática, Fortaleza só possui 158 leitos de UTI em hospitais privados e 168 em hospitais públicos,
pouco mais de um terço do necessário. E o que é pior, exceto a capital, não existem leitos de UTI na RMF.

A área social ainda impõe grandes desafios dadas as condições de saúde da população, caracterizadas basicamente
pela ocorrência de doenças endêmicas, as decorrentes da falta de saneamento básico e as de origem ambiental;
precárias condições de moradia, principalmente daquelas localizadas em áreas degradadas.

Na saúde, persiste a desnutrição infantil e materna, a incidência e prevalência de doenças imunopreveníveis _ como
a tuberculose, a hanseníase _ e outras decorrentes das condições ainda desfavoráveis do saneamento básico _ como
a diarréia infecciosa, a esquistossomose, a verminose e a febre tifóide _, além das decorrentes das condições
ambientais como a dengue, as hepatites virais. Isto tudo está ligado às condições sócio-econômicas das famílias.

A preocupação aumenta se lembrarmos que, em 2001, foi assinado protocolo repassando as ações coordenadas da
vigilância epidemiológica e sanitária para o Estado, o que implicará na extinção da Fundação Nacional de Saúde -
116
O Grupo Banco Mundial é constituído por cinco organizações: o Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corporação Financeira
Internacional (IFC), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI) e o Centro Internacional de
Resolução de Diferenças Relativas a Investimentos (CIRDI).
117
Cf. cartilha "Diagnóstico da Saúde Pública no Ceará", publicada pelo gabinete do vereador José Maria Pontes,
a partir do relatório da Comissão Especial para investigação do funcionamento das UTUs e UTIs dos hospitais
públicos de Fortaleza.
77
FUNASA. Tal medida é fundamental para a transformação do atendimento à população. Ocorre que, a exemplo
do que aconteceu quando da criação do Sistema Único de Saúde _ SUS, a União repassa responsabilidades sem
disponibilizar os recursos necessários. Ora, um guarda sanitário da FUNASA ganha, em média, oito vezes mais que
um trabalhador em função semelhante pago pelo Estado. O que ocorrerá é que a população ficará à mercê de
agentes explorados, sem carteira assinada e sem observação de direitos trabalhistas básicos _ situação que já ocorre
nos municípios com guardas sanitários conveniados _ e sem o devido treinamento. Desta forma, a situação do
combate ao mosquito transmissor da dengue tende a piorar.

Não é à toa que os números da dengue chocam. No levantamento da SESA divulgado em dezembro de 2001 foram
confirmados só naquele ano, 28.072 registros da doença, com quase 50 mil notificações. Em 1999 foram 16.289
casos e, em 2000, 13.645. Em 2001, antes do final do ano, 132 municípios apresentaram casos de dengue,
representando 71,73% de todo o Estado. Só em Fortaleza foram 13.501 casos, distribuídos em 97,3% dos bairros da
cidade. 78 casos de dengue hemorrágica, distribuídos em 15 municípios, resultaram em sete óbitos. É a quarta
epidemia nos últimos 15 anos. O Ceará é o segundo colocado em todo o país em termos de dengue hemorrágica e
terceiro em número de notificações. Há que se fazer uma relação com os casos de cólera contabilizados em 1993 e
1994, quando o Ceará apresentou os maiores números do país, respectivamente com 22.738 casos _ 187 óbitos _ e
19.997 _ 159 óbitos.

Mas não é só a dengue que ameaça a saúde do cearense. Segundo dados da própria Secretaria de Saúde do Estado,
em 2000 foram notificados, no Ceará, 2.463 casos de hepatite viral, 1.016 de leishmaniose, 745 de
esquistossomose, 457 de rubéola, 145 casos de meningite meningocócica, só para ficar nos números mais
significativos. Em 1999, 117 crianças foram internadas só no Hospital Albert Sabin com calazar (leishmaniose
visceral), que registrou 4 óbitos. Em relação à hanseníase _ doença que tem no Brasil o segundo lugar do mundo
com o maior índice de incidência _ Fortaleza registrou, em 2000, 675 casos, enquanto o Ceará apresentou 1.962. A
tuberculose, em 1999, fez 3.858 vítimas no Estado.

Apesar da disponibilização de 8.200 agentes de saúde e da viabilização do Programa de Saúde da Família em 175
municípios, a mortalidade infantil é de 52,4 por mil, segundo o IBGE. É o 5º pior índice do Brasil (ver anexo de
tabelas). Além das doenças, a fome é também uma das causas da morte prematura. O Ceará, no mapa da fome,
ocupa a 3ª colocação em termos absolutos e a 1ª em números relativos.

O câncer de colo uterino, em 2000, fez 174 vítimas fatais, além de 565 pacientes que já se encontravam em fase
avançada. São números bem maiores que o previsto pelo Instituto Nacional do Câncer em nosso Estado. Na Europa
e nos EUA, esta patologia foi praticamente abolida, somente com uma política incisiva de prevenção nos postos de
saúde. Enquanto o poder público gasta R$ 4.781 para tratamento de uma paciente com câncer em fase invasiva,
gastaria R$ 5,37 para um exame preventivo de citologia oncótica. Isso mostra a falta de visão e organização
administrativa dos governantes em relação à saúde pública.

Fortaleza está entre os municípios cearenses com menor percentual de cobertura do Programa de Saúde da Família
(PSF). Apenas 17% da população da Capital tem acesso ao Programa, segundo dados da Coordenadoria Municipal
do PSF, que informa existirem 107 equipes do programa na cidade. Na Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), no
entanto, existe registro de apenas 97 equipes atuando em Fortaleza, o que corresponde à cobertura de 15,64% da
população da cidade. Em números absolutos, Fortaleza é o município com maior número de equipes no Estado.
Para assistir a mais de 2 milhões de pessoas, o município precisaria, segundo os cálculos da Secretaria, de 620
equipes.

No Ceará, existem 1.295 equipes cadastradas no Ministério da Saúde. Destas, segundo a coordenação estadual do
programa, 1.029 estão funcionando. Para atender à população, a equipe precisa de, no mínimo, um médico
generalista ou médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes
comunitários de saúde. Cada equipe atende a um total de 2.500 a 4.500 pessoas da comunidade. No Ceará, dos 184
municípios, só 32 oferecem 100% de cobertura no programa, conforme os registros do número de equipes
funcionando na Secretaria Estadual de Saúde para o mês de setembro de 2001. No mesmo período, 10 municípios
não estavam com nenhuma equipe funcionando. Sem contar com a Capital, o percentual de cobertura das cidades
cearenses é de 61%. Incluindo Fortaleza, a cobertura do Ceará cai para 50,7%118.

Educação

118
Cf. jornal O Povo, 23/10/2001, "PSF atende a apenas 17% da população em Fortaleza".
78
O IBGE ainda fornece números preocupantes para o Ceará na área de educação. A taxa de analfabetismo entre as
pessoas de 15 anos ou mais é de 27,8%, configurando-se no 4º pior índice do Brasil (ver anexo de tabelas), junto
com o Maranhão, à frente apenas de Alagoas e Piauí. Na zona rural, esta taxa eleva-se para 44%. Isso significa que
quase a metade da população rural do Estado maior de 15 anos é analfabeta.

Segundo o IPLANCE, são 1.336.694 de analfabetos no Ceará. Desse total, 49,2% (657.304 pessoas) têm entre 20 e
49 anos. 60,3% (806.856 pessoas) têm entre 40 e 60 anos. 27% (361.663) têm acima de 60 anos. A maioria desse
contingente que não sabe ler e nem escrever (55,3%) é do sexo masculino.

O analfabetismo funcional _ até quatro anos de estudo _ na faixa etária de 15 anos ou mais é de 46,4%, sendo a 5ª
pior do Brasil. Na zona rural, o analfabetismo funcional chega a 68,3%, a 3ª pior taxa do Brasil (ver anexo de
tabelas). Num quadro onde o desemprego conjuntural e estrutural crescem de forma avassaladora, tal situação soa
como uma verdadeira condenação ao desemprego para milhares de cidadãos interioranos. Este dado reforça a
necessidade de um maior investimento na agricultura, a curto prazo, já que o investimento em capacitação nesta
área específica pressupõe uma maior interação da comunidade com o tema.

Em compensação, a taxa de escolarização na idade entre 7 e 14 anos é de 94,8%, segundo o IBGE, apesar de o
governo do Estado divulgar um percentual de cobertura de 98%. Há que se ressaltar a ajuda do Fundo de Apoio ao
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), juntamente com a entrada em
vigor da nova Lei Federal de Diretrizes e Bases (LDB), que reforçaram a atuação descentralizada e o regime de
colaboração do Estado com os municípios, com perspectivas promissoras de melhoria de qualidade do ensino
fundamental. O Ceará detinha em 1992 uma taxa de escolaridade de crianças de 7 a 14 anos de idade, de 80,80%,
ocupando o 4º lugar entre os estados do Nordeste. Em 1999 melhora de participação, com 94,80%, mas cai de
posição para o 5º lugar. E o mais grave é que, com todo o esforço do Governo neste campo, o desempenho do
Ceará no período 92-99 é de 17,33%, o que lhe dá um pobre 6º lugar no contexto nordestino. Se observarmos,
entretanto, a variação de matrículas no ensino fundamental nos anos 1995, 1997 e 1999 - período da avaliação -
observamos que o Ceará tem um bom desempenho dentro do Nordeste, entre 1995 e 1999, ocupando o 2º lugar.119

Enfim, o Ceará apresenta um quadro positivo a longo prazo, já que existem hoje mais crianças na escola que antes.
Porém o nível de defasagem escolar (seja por repetência ou abandono) é ainda muito grande e aumenta
progressivamente em sentido diretamente proporcional à idade. Aos 7 anos, a defasagem é de 22,5%, aos 11,
73,8%, e aos 14, 85,6%. A média de anos de estudo no Ceará, medida em 1999 pelo IBGE, varia conforme a idade:
7 a 10 = 1 ano, 11 a 14 = 3,3 anos, 20 a 24 = 5,8 anos, mais de 25 = 4,1 anos.

Segundo o PPA, o insatisfatório desempenho escolar, que ainda apresenta taxas elevadas de evasão (12,3%) e
repetência (12,5%), reflete-se na distorção série - idade em todas as séries do ensino básico, para a qual ainda
concorre, entre outros fatores, a baixa qualificação dos docentes. O excessivo número de escolas de pequeno porte,
por sua vez, resulta na impossibilidade de o sistema oferecer padrões mínimos de funcionamento em todas as suas
unidades.

A questão da escolaridade é diretamente proporcional ao rendimento. Dados do IPLANCE mostram que 86% dos
cearenses com renda acima de 20 salários mínimos têm mais de 11 anos de estudos e 67% dos que recebem menos
de meio salário mínimo têm até três anos de escolaridade.

Ora, não há como se instalar uma educação de qualidade no Estado com professores ganhando mal. Qualificação
profissional significa dinheiro no bolso para estudar, comprar livros, fazer cursos. Mas o governo prefere fechar os
olhos, apostar no teleensino e em contratos de terceirização de mão-de-obra. Em 2001, já com o "reajuste" dado
pelo Cambeba, um professor em início de carreira, com o 3º normal, em regime de 100 horas/mês, tem uma
remuneração - incluídas vantagens e adicionais - de R$ 233,32. Um professor com licenciatura plena, em início de
carreira, em regime de 100 horas/mês, tem uma remuneração de R$ 380,06.

Segundo dados do Movimento pela Convocação dos Professores aprovados no concurso único para o magistério
realizado em 1997, há um banco de concursados com cerca de 4.500 professores esperando convocação e
nomeação. Só em 1999, foram feitos 2.013 pedidos de aposentadoria. No total há mais de 10 mil processos de
aposentadoria de professores emperrados na Secretaria de Administração e na Procuradoria Geral do Estado, que
gerariam a vacância de cargos efetivos. Desconhecendo o concurso, o Governo fez, só em 2000, mais de 5 mil
contratações temporárias.
119
Cf. Pronunciamento do deputado estadual Eudoro Santana (PSB), "Era Tasso II: o outro Ceará _ sem mídia
nem fantasia" (www.eudorosantana.com.br).
79

Embora não se possa deixar de reconhecer que houve um avanço significativo na cobertura escolar, a questão da
qualidade deixa muito a desejar. Entre 1995 e 1999, o Ceará respondeu pela inclusão de 29 mil alunos (crescimento
de 87%). Mas os alunos estão assimilando os conteúdos a contento? Segundo os dados do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica _ SAEB _, mediante pesquisa desenvolvida pelo MEC/INEP, a cada dois anos, em
parceria com as secretarias de educação nos Estados, isso não vem acontecendo. A última avaliação foi realizada
em 1999. No Ceará, foram levantadas informações em 112 municípios, 346 escolas e 16.862 alunos.

Variação da Matrícula Total no Ensino Fundamental.


Brasil, Regiões e Unidades da Federação. Anos de 1995, 1997 e 1999
Unidade da Matrícula no Ensino Fundamental Taxa de Crescimento entre os Anos
Federação 1995 1997 1999 1995 a 1997 1997 a 1999 1995 a 1999

Brasil 32.668.738 34.229.388 36.059.742 4,78% 5,35% 10,38%

Nordeste 10.145.208 11.184.186 12.492.156 10,24% 11,69% 23,13%


Ceará 1.406.702 1.746.108 1.868.119 24,13% 6,99% 32,80%

Fonte: MEC/INEP/SEEC

Variação da Matrícula Total no Ensino Médio.


Brasil, Regiões e Unidades da Federação. Anos de 1995, 1997 e 1999.

Matrícula no Ensino Médio Taxa de Crescimento entre os Anos


Unidade da
1995 1997 1999 1995 a 1997 1997 a 1999 1995 a 1999
Federação

Brasil 5.374.831 6.405.057 7.769.199 19,17% 21,30% 44,55%

Nordeste 1.144.344 1.353.691 1.732.569 18,29% 27,99% 51,40%


Ceará 151.473 201.820 261.815 33,24% 29,73% 72,85%

Fonte: MEC/INEP/SEEC

Quando se fala em qualidade, é interessante verificar a qualificação profissional dos docentes. Há um forte desnível
na região Nordeste. Enquanto as regiões Sul e Sudeste registram, nas séries iniciais, percentuais ao redor de 40% de
Funções Docentes com Grau de Formação Superior, as regiões Norte e Nordeste apresentam percentuais de 4,5% e
9,5%, respectivamente.

Desde 1995, o SAEB utiliza escalas de desempenho para descrever e comparar a performance dos alunos
brasileiros nas disciplinas avaliadas, Língua Portuguesa e Matemática. As escalas variam de 0 a 500 pontos, o
desempenho está ordenado de maneira crescente e cumulativa, o que significa que o nível 500 abrange todos os
demais. A estimativa de desempenho obtida para os alunos ou grupos de alunos em cada uma das três séries
avaliadas indica, portanto, o lugar que ocupam na escala.

Em todo Brasil, na 4ª série do Ensino Fundamental, o desempenho em Língua Portuguesa é preocupante. De


maneira geral, os alunos da 4ª série do Ensino Fundamental estão situados no "Nível 150 a 200" sendo capazes de
ler, com compreensão localizada, textos pequenos e simples, com temáticas próximas à sua realidade. As médias
do Brasil e das Unidades da Federação permanecem estáveis neste nível nos dois anos avaliados.

Na 4ª série em Matemática, os alunos se localizam, em geral, nos níveis "160 a 175" e "175 a 225". No primeiro
nível, o aluno é capaz de localizar objetos, reconhecer figuras geométricas simples, compreender dados
apresentados em gráficos de colunas e interpretar medidas em situações cotidianas. No segundo nível, o aluno
demonstra domínio na resolução de problemas que envolvam adição e subtração, situações cotidianas e
reconhecimento de figuras geométricas simples. O Brasil permanece no "Nível 175 a 225" nos dois anos avaliados.
Todos os estados da região Nordeste estão localizados no "Nível 160 a 175".

No Ceará, o nível atingido pelos alunos da 4ª série em Língua Portuguesa, que deveria ser de 200 a 250 foi 150 a
200, o que eqüivale à 2ª série ou ao ciclo I (alunos de 8 anos). O mais grave é que, de 1997 para 1999, a média
80
alcançada caiu de 182,33 para 156,21. Há uma nítida queda de desempenho, especialmente na rede estadual. As
maiores médias encontram-se nas escolas particulares.

Em Matemática, o resultado em nosso Estado foi ainda pior. A média de 168,35 obtida pelos alunos da 4ª série é
equivalente ao nível previsto para a 1ª série, ao ciclo I. O nível ideal ficaria entre 225 a 275. Repare-se ainda que
em 1997, na última avaliação, o resultado foi melhor: 184,48. Mesmo nas escolas particulares, a média (203,64)
ficou aquém do ideal.

Em todo o Brasil, nos resultados da 8ª série do Ensino Fundamental, em Língua Portuguesa, predomina o "Nível
200 a 250". Neste nível, o aluno lê com compreensão global pequenos textos, com frases curtas e vocabulário e
temática próximos à sua realidade. Em Matemática, os alunos da 8ª série se encontram no "Nível 225 a 275", o qual
se caracteriza pelo domínio das quatro operações com números naturais, a identificação dos elementos das figuras
geométricas, a interpretação de gráficos e tabelas, a leitura de medidas de temperatura, o estabelecimento de
relações entre diversas unidades de tempo e a manipulação do sistema monetário.

No Ceará, na 8ª série, o ensino de Língua Portuguesa teve resultados pífios. A média de 230 é equivalente a um
aluno da 4ª série, ou ciclo II. Em Matemática, a média de 240,61 na 8ª série também corresponde a alunos da 4ª
série. Novamente, neste caso, a média obtida em 1997 (243,85) foi maior que a de 1999. O detalhe é que mesmo na
rede particular, onde o resultado obtido foi melhor, os conhecimentos e habilidades eqüivalem a alunos da 6ª série.

Finalmente, na 3ª Série do Ensino Médio, em Língua Portuguesa, a média brasileira fica no "Nível 250 a 300". Em
Matemática, os alunos da 3ª série do Ensino Médio estão situados nos níveis "225 a 275" e "275 a 325". Os
Estados da região Nordeste, por sua vez, estão todos situados neste nível em 1999.

No Ceará, em Língua Portuguesa, os alunos do último ano do ensino médio obtiveram média de 258,66, em 1999,
que é proporcional aos alunos da 6ª série do ensino fundamental. Novamente, houve queda em relação à pesquisa
de 1997 (281,23). Em Matemática, a média conseguida (273,56) é também equivalente à 4ª série do ensino
fundamental, longe da média que seria ideal (425 a 475).

COMPARATIVO DAS FREQUÊNCIAS DAS IDADES DOS ALUNOS DE 4ª SÉRIE DO ENSINO


FUNDAMENTAL 1995/1997/1999

9 anos ou 14 anos ouSem


LOCALIZAÇÃO ANO 10 anos 11 anos 12 anos 13 anos
menos mais Informação
1995 7,69 33,08 17,87 13,28 7,85 8,69 11,54
BRASIL 1997 8,65 38,96 19,73 11,57 8,35 9,90 2,84
1999 11,86 37,68 18,09 10,71 7,57 12,49 1,60
1995 4,95 21,35 15,52 14,48 10,64 17,36 15,71
NORDESTE 1997 6,85 26,63 18,56 13,51 11,27 18,44 4,74
1999 8,57 22,95 18,00 14,22 12,07 22,36 1,84
1995 5,26 18,23 16,91 19,73 13,04 16,67 10,15
CE 1997 5,90 23,91 21,26 17,50 12,36 15,81 3,27
1999 12,81 29,92 17,68 10,60 8,82 17,64 2,53
Fonte: MEC/INEP/DAEB

Os dados do SAEB vêm servindo de base para a realização de uma série de estudos e análises que têm como
objetivo a identificação de fatores intra e extra escolares que influenciam o desempenho dos alunos brasileiros. Os
resultados dessas análises ampliam o conhecimento da realidade educacional brasileira e contribuem para a
discussão e formulação de políticas públicas de maior efetividade, uma vez que identificam fatores positivamente
associados ao desempenho dos alunos passíveis de intervenção.

Entre os vários fatores, destaca-se a utilização de livros didáticos, fundamentais para um melhor aproveitamento
dos conteúdos oferecidos. Por conta destes resultados, o deputado estadual Artur Bruno apresentou projeto de lei
obrigando o Estado a fornecer livros didáticos para os alunos do ensino médio.

Média de desempenho dos Alunos segundo Utilização de Livros Didáticos como Recurso Pedagógico por série e
disciplina - Brasil - SAEB/99
81
Desempenho segundo utilização de livros
didáticos
Disciplina Série
Não, a escola não tem
Sim, uso.
ou tem mais não usa.
4ª E.F. 170,76 163,65
Língua
8ª E.F. 232,68 217,96
Portuguesa
3ª E.M. 267,08 255,43
4ª E.F. 181,57 175,69
Matemática 8ª E.F. 245,92 240,89
3ª E.M. 281,18 261,82
Fonte:
MEC/INEP/DAEB

Tabela 3 - Média de desempenho dos Alunos segundo Utilização de Livros de Leitura por série e disciplina - Brasil -
SAEB/99

Desempenho segundo utilização de livros de


leitura
Disciplina Série
Não, a escola não tem ou tem mais
Sim, uso.
não usa.
4ª E.F. 171,06 158,08
Língua
8ª E.F. 232,45 222,64
Portuguesa
3ª E.M. 266,62 258,57
Fonte:
MEC/INEP/DAEB

Há a necessidade de responder a vários desafios. O combate às elevadas taxas de repetência, de abandono e de


evasão ainda presentes em algumas regiões brasileiras, bem como a busca permanente da melhoria da qualidade de
ensino, devem ser compromissos das autoridades ligadas à Educação, nas esferas municipal, estadual e federal.

No ensino superior, o Ceará também não vai bem das pernas. Segundo estudo do deputado estadual Paulo Linhares
(PPS), em 1999, o Estado do Ceará, com 608.718 jovens na faixa etária entre 20 e 24 anos, conseguiu matricular
apenas 8,6% deles. Em 2001, estimativas não oficiais mostram que o percentual elevou-se para apenas 9,17%. O
MEC coloca como desafio a meta de 30%. Ou seja, no prazo de 10 anos, ter-se-ia que atingir 200 mil matrículas,
sem levar em conta o crescimento demográfico. Nesta faixa, o Brasil tem a pior taxa da América Latina (14,8%),
que piora ainda mais no Nordeste (7,6%).

As universidades estaduais são responsáveis por 38,71% dos jovens matriculados, contra 34,27% das universidades
privadas e 27,02% da UFC. A partipação das universidades estaduais vem descrescendo. Basta lembrar que, em
1994, elas abarcavam 47% das matrículas120.

ANO Dependência administrativa Total


Pública estadual Pública Federal Particular
1994 18.846 10.797 11.226 40.869
1999 23.338 14.182 17.499 55.019
Fonte: Instituições de Ensino Superior do Estado do Ceará

Do ponto de vista interno, as instituições estaduais de ensino superior conseguiram ampliar o número de vagas
oferecidas, mas batem de frente com um orçamento que vem crescendo ano a ano apenas moderadamente (o Estado
comprometeu R$ 55,12 milhões em 1997 e 66 milhões em 2000), mas caindo proporcionalmente em relação ao
percentual comprometido no orçamento estadual. Enquanto o número de matrículas aumentou praticamente 25%,
de 1994 a 1999, o orçamento decresceu nas três universidades estaduais. A saída foi colocar em prática sistemas de
financiamento privados, baseados na institucionalização dos cursos mantidos pelos seus institutos. Mesmo assim, o
custo por estudante/ano das estaduais é extremamente baixo: US$ 1.413. Nos EUA, por exemplo, se gastam US$
14.610, na França US$ 6.030 e na Grécia 2.500.
120
Cf. Deputado Estadual Paulo Linhares: Relatório da Comissão Especial do Ensino Superior da Assembléia
Legislativa do Ceará. Fortaleza, 2000-2001.
82

Gastos (R$) ao ano 2000 1999 1998


/Universidade
FUNECE 40.026.027,69 50.229.174,20 50.874.718,11
UVA 10.174.395,55 8.864.816,64 8.785.836,10
URCA 9.486.023,31 9.042.890,05 7.490.624,35
Fonte: Relatório da Comissão Especial do Ensino Superior da Assembléia Legislativa do Ceará – Fortaleza, 2000-2001.

Telensino

Esta baixa qualidade na assimilação de conhecimentos, como atestou o SAEB, é preocupante e mostra uma grave
contradição em relação aos números de aprovação amplamente divulgados pela Secretaria da Educação Básica do
Estado. Ao longo do mês de julho de 2001, a SEDUC fez veicular dados do Censo Escolar 1999/2000, mediante
publicação de extensas matérias pagas nos jornais e inserções de peças promocionais em horários nobres da
programação de TV. O mote, repetido inúmeras vezes, era de que as taxas de promoção, repetência e evasão da
escola cearense, no ensino fundamental, colocavam o Estado à frente de todos os seus parceiros da região Nordeste.
Mas de que adianta uma aprovação tão significativa se a qualidade é ruim?

Segundo análise do professor Idevaldo da Silva Bodião121, o sistema de telensino é um dos principais vilões desta
história. Na verdade, a própria SEDUC, através do Sistema Permanente de Avaliação do Ensino do Ceará _
SPAECE, em 1998, concluiu que, em Matemática, 99,1% dos alunos das 8ª séries, das escolas públicas estaduais,
haviam obtido nota inferior ao valor cinco, considerada a média para ser aprovado; os dados relativos aos
conteúdos de Língua Portuguesa são relativamente melhores, sem, no entanto, deixar de ser preocupantes, já que
apenas 28% teriam sido considerados aprovados.

O sistema de telensino tem vários problemas. Na pesquisa do professor Bodião, verificou-se que era praticamente
impossível cumprir as agendas propostas, uma vez que as atividades de cada uma das aulas demandavam, sempre,
mais tempo do que o que lhes era oferecido. Os excedentes eram deixados como tarefas para casa, que não eram
abordados nas aulas seguintes, pois, na quase totalidade das vezes, havia novos conteúdos a serem abordados.
Outro problema é ainda que algumas emissões sejam visualmente ágeis, elas não conseguem se mostrar
envolventes, com razoáveis indícios de que os alunos não as haviam compreendido.

Os docentes, por sua vez, trabalham com conteúdos distantes da realidade do Estado e são obrigados a tratar de
assuntos para os quais não estão suficientemente preparados. Afora raríssimas exceções, os Orientadores de
Aprendizagem não conseguiram conduzir suas aulas de forma interessante por que, quando muito, tinham
formação inicial em apenas uma das disciplinas do currículo escolar, o que os fazia incapazes de perceber as bases
e lógicas que compõem os paradigmas das áreas do conhecimento de cada uma das disciplinas; essa limitação os
impedia de produzir criativos e competentes enfoques para os vários conteúdos propostos. Do ponto de vista legal,
os Orientadores de Apredizagem, por não serem os professores-autores _ que são considerados os verdadeiros
responsáveis pelas disciplinas, só a eles cabendo planejar, escolher, escrever e apresentar as aulas de cada conteúdo
escolar _ não podem introduzir nenhuma modificação na temática.

Na escola estudada pelo professor Idevaldo Bodião, os mapas de aprovações/reprovações/desistências das classes
do Telensino, dos anos de 1996 e 97, mostram que os índices de aprovações foram, sempre, superiores a 80%. Na
verdade, praticamente todos os alunos que se mantiveram matriculados até o final desses anos letivos foram
aprovados. O que ajuda a explicar esses generosos índices, e que, segundo o pesquisador, e que pode ser uma boa
representação do que ocorre em todo o Estado, é um conjunto de avaliações extremamente condescendentes,
principalmente nos momentos de reforços bimestrais e, mais ainda, nas recuperações do final do ano. Como conclui
o professor Idevaldo Bodião:

"Aprovar os alunos sem permitir-lhes compreensões tem, principalmente, na sociedade atual,


uma decorrência extremamente perversa, uma vez que, privar o indivíduo do conhecimento
crítico, dos conteúdos disciplinares é fragilizar sua participação enquanto cidadão; nessas
circunstâncias, a carteira de identidade se transforma em apenas mais um número, o diploma

121
BODIÃO, Idevaldo da Silva. Estudo sobre o cotidiano das classes do telensino de uma escola da rede pública
estadual do Ceará. São Paulo, 1999. Tese (doutorado) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
83
não abre as portas do emprego e o título de eleitor não o liberta da tutela de políticas
populistas, fisiológicas e oportunistas"122.

Condições domiciliares

Outro fato que mostra o baixo nível de vida da população cearense é o saneamento básico. Água e saneamento são
fatores fundamentais pela sua influência direta na qualidade de vida da população. Os resultados da pesquisa do
IBGE mostram que quanto maior a renda, maior a proporção de domicílios atendidos, tendência que se repete em
todas as regiões do Brasil.

Em primeiro lugar, a política habitacional do Estado está distante do êxito requerido e foi impulsionada na última
década apenas através de mutirões habitacionais, complementados com obras de urbanização. Segundo o PPA,
houve um processo de urbanização somente em 10 favelas da capital.

Vale registrar que, quanto ao esgotamento sanitário, a cobertura experimentou avanço substancial em Fortaleza,
especialmente com o Projeto SANEAR, que conferiu, segundo dados do PPA, uma ampliação da cobertura de 18%
da população, em 1992, para 60% em 1998.
Porém, o IBGE mostra que, no Estado, 23,1% dos domicílios particulares urbanos não são atendidos pela rede geral
de abastecimento d'água. Na RMF, a defasagem no atendimento da rede de abastecimento d'água atinge 20% dos
domicílios. Juntamente com Belém são as duas regiões mais precárias do Brasil neste tipo de serviço.

A rede de atendimento sanitário só contempla 24% (na RMF 34,7%) dos domicílios particulares urbanos. 63,1%
têm fossas. 12,5% não têm nenhum sistema. A Coleta de lixo no Ceará atende diretamente somente 66,7% dos
domicílios particulares urbanos. Na RMF, 79,9%.

Enfim, no Ceará só 26,3% dos domicílios particulares urbanos têm atendimento da rede geral de abastecimento
d'água, esgotamento sanitário e lixo coletado, simultaneamente (ver anexo de tabelas). Observa-se que o maior
percentual de domicílios que possuem estes três serviços básicos (66,3%) é localizado na população com 5 SM ou
mais. Só 15,7% dos domicílios atendidos pertencem à população que ganha até meio salário mínimo.

Mesmo sendo um Estado localizado no semi-árido e atingido pelas secas, o reuso das águas no Ceará ainda é uma
prática pouco utilizada, mas não é por falta de mecanismos e, tampouco, de tecnologia. Na verdade, o que está
faltando é uma regulamentação que estabeleça o padrão e a qualidade da água oriunda do reuso. Segundo a
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES), Seção Ceará, somente na RMF existem 17 lagoas de
estabilização. Destas, nove estão fazendo o reuso da água de forma informal. Este reuso é utilizado basicamente
para a horticultura e, também, em algumas plantações de frutas, a exemplo do côco. 69% delas são utilizadas nas
irrigações, 23% na indústria e apenas 8% pelo consumo doméstico.

Com base nestes números, a preocupação inicial é aplicar o reuso na irrigação, como forma de não desperdiçar a
água tratada que, além de escassa, tem um preço muito elevado. A prática também deve ser adotada pelas
indústrias, sem comprometer a qualidade da produção, sendo que a água de reuso seria utilizada no resfriamento
das caldeiras e demais serviços. Para se ter uma idéia, somente na Estação de Tratamento de Esgoto da Leste-Oeste
(ETE/Sanear) é remetida uma média de 3 metros cúbicos de esgoto doméstico por segundo. Todo este material é
tratado e, posteriormente, lançado ao mar em forma de água, sendo que poderia perfeitamente ser aproveitada pelas
indústrias, irrigações e até algumas atividades domésticas.

O ar de Fortaleza é mais poluído bacteriologicamente do que o de São Paulo, embora a capital paulista acumule
mais poluição industrial. Isso porque o esgoto ainda não é devidamente tratado em nossa cidade. A constatação é
do médico patologista Wander Mendes Biasoli, após exames de amostras de ar da capital cearense, registrados no
livro "Água e Saúde: o que você gostaria de saber e não teve a quem perguntar".123

Tais dados são preocupantes porque, segundo o PPA, a população cearense residente em áreas urbanas aumentou
sua participação de 65,3%, em 1991, para 69,2% em 1997. Em 1999, o IBGE calculou a taxa de urbanização do
Estado em 67%.

122
BODIÃO, Idevaldo da Silva. Op. Cit. 204.
123
Cf. jornal Diário do Nordeste, 10/08/2000, "Reuso da água é pouco utilizado", "Desperdício ocorre diariamente"
e "Ar da capital tem mais bactérias".
84
As causas básicas da intensa desruralização têm sido a fragilidade da economia rural e o efeito polarizador da
Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Realmente, a taxa anual de crescimento demográfico da RMF, ao longo
da década de 80, superou em duas vezes a taxa de variação demográfica do Estado. Com apenas 2,4% da superfície
estadual, a RMF abriga, segundo dados de 1997, 38,4% da população total, percentual que em 1991 era de 36,2%.
Em 1999, Fortaleza já concentrava 28,82% da população de todo o Ceará.

Sabe-se que a concentração da população em poucos centros urbanos provoca pressões acentuadas sobre os
serviços básicos de educação, saúde e saneamento e sobre a oferta de bens públicos. A mão-de-obra migrada do
campo porém não possui a devida qualificação profissional para incorporar-se às exigências impostas pelo
mercado, o que dificulta sua absorção, gerando exclusão social e aumentando as responsabilidades governamentais
a respeito.

A população cearense ainda vive sob condições domiciliares inferiores às da região e do Brasil. Apenas 53,9% têm
acesso à eletrificação rural, 59,4% ao abastecimento d'água adequado (ligado à rede) e 83,4% à iluminação elétrica,
contra 75,4%, 79,8% e 94,1%, respectivamente, no Brasil. Na região, o acesso à iluminação elétrica chega a 85,8%
da população, abastecimento d'água adequado (66,8%) e eletrificação rural (62,9%)124.

Mesmo com os resultados ainda abaixo do nível nacional e do regional, esses indicadores evoluíram bastante, nos
últimos 13 anos. Em 1986, o acesso à iluminação elétrica, abastecimento d'água e eletrificação rural era de 55,6%,
34,7% e 15,7%, respectivamente. Contudo, na melhoria do abastecimento d'água e eletrificação rural, em 1999, o
Estado ainda perdeu para o Piauí e Maranhão.

O destaque quanto aos indicadores de cobertura de serviços básicos no meio urbano cabe à taxa de atendimento
telefônico de 33,4%, no Ceará, contra 30% na região e 44,3%, no Brasil. O incremento da posse de bens de
consumo duráveis pela população cearense, entre 1990 e 1999, de acordo com o Iplance, mostra uma clara
melhoria na qualidade de vida do povo. Mesmo assim, apenas 56,6% da população possui geladeira (35,7% em
1990) e 74,9%, televisão, (43,5% em 1990).

IDH

Mas a melhor crítica a esta realidade pode ser tirada das palavras constantes do Plano Plurianual: "aliada à elevada
concentração de renda no Estado, verifica-se que os programas sociais ainda necessitam de ações corretivas e de
ampliação, bem como de uma maior participação da sociedade". Não é à toa, como apurou o IPEA, em 1996, que o
Índice de Desenvolvimento Humano _ IDH, medido entre 0 e 1, que leva em conta a expectativa de vida, o grau de
escolaridade e renda per capita _ do Ceará (0,590) é o 6º pior do Brasil.

Dos 184 municípios do Ceará, 181 apresentam Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo da média
nacional, apontada pelo Relatório de Desenvolvimento Humano para o ano 2000, preparado pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Com base no relatório, o Ceará está entre os 14 Estados com
IDH abaixo da média nacional. A média dos municípios varia de 0,282 (Barroquinha) a 0,551 (Crato). Somente os
municípios de Fortaleza, Maracanaú e Caucaia não estão entre as cidades com índice abaixo da média nacional. Até
mesmo grandes municípios, como Sobral (0,481) e Juazeiro do Norte (0,503), estão com IDH abaixo da média125.
De acordo com o IBGE, são mais de 4 milhões de pobres no estado. O Ceará é o quinto estado do Brasil com maior
número de pobres em valores absolutos.

IDH dos anos sessenta aos anos noventa


ANOS BRASIL NORDESTE CEARÁ SUDESTE
SESSENTA 0,447 0,192 0,134 0,579
SETENTA 0,579 0,263 0,231 0,728
OITENTA 0,746 0,448 0,389 0,813
NOVENTA 0,886 0,656 0,598 0,944
Fonte: IBGE. O IDH é ao contrário do índice de Gini, quanto mais próximo de 1, melhor a situação do estado ou da região.

124
Jornal O Povo, 29/07/2000, "Condições domiciliares são inferiores no Estado".
125
Jornal Diário do Nordeste, 05/03/2001, "Ceará tem baixo índice de desenvolvimento humano".
85
A postura irresponsável do governo tucano em relação à pobreza nos faz lembrar Bernard Shaw, que afirmava
que "o pior pecado contra nosso semelhante não é o de odiá-los, mas de ser indiferentes para com eles". É esta
indiferença que revolta os homens de bem quando vêem nos órgãos de imprensa propagandas que enganam a
população sobre sua realidade.
--------------------------------------------------------------------------------
86
87

Desprezo pela Justiça

"Quando se foi ameaçado de uma grande injustiça,


aceita-se a injustiça menor como um favor"
(Jane Welsh Carlyle)

O sexto pecado capital do Cambeba é o desprezo pela Justiça, ou seja, o desconhecimento das decisões do Poder
Judiciário, numa afronta a uma das pedras angulares da sociedade democrática. As entidades do serviço público e a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE) estão em campanha contra o não cumprimento por parte do Estado de
decisões judiciais, mesmo ações transitadas em julgado.

A OAB havia recebido, até abril de 2000, 173 denúncias sobre descumprimento de decisões judiciais pelo Estado,
inclusive transitadas em julgado, quando não cabe mais recurso. A maioria das denúncias é de servidores. Outros
20 processos dizem respeito a precatórios. É exemplar o descumprimento da lei nº 13.155/2001, publicada no
DiárioOficial do Estado em 19 de novembro de 2001, que trata da concessão de reajuste a uma parcela de
servidores públicos, cuja vigência era retroativa a julho daquele ano. A referida lei é fruto de um veto do
governador, dentre outros - todos derrubados pela Assembléia Legislativa (ver capítulo "Autoritarismo") -,
referentes ao reajuste salarial do funcionalismo estadual em 2001. O governo entrou com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN) contra a lei e simplesmente a descumpriu. Ocorre, como denunciou o advogado
Irapuan Diniz de Aguiar, em artigo publicado no jornal O Povo, do dia 14 de março de 2002, que a ADIN não
suspende os efeitos da lei. Em resumo, o governo - mais um vez - ignorou a lei, privando boa parte dos servidores
de usufruir de um reajuste devido há mais de seis meses. Como bem diz Aguiar, "os reflexos do comportamento
governamental são mais danosos por constituírem-se de um ato praticado pelo dirigente maior do Estado, a quem
cumpriria dar o exemplo de observância à lei, a fim de exigir dos governados idêntica conduta".

O desrespeito às decisões emanadas do Poder Judiciário vem gerando uma situação de insegurança jurídica e de
inquietação social. Essa prática nefasta e autoritária, que nega o próprio Estado de Direito. Diante de atitude tão
nociva e reprovável, a Justiça do Ceará não pode amedrontar-se.

Em 2000, pela primeira vez, a Bolsa de Valores Regional (BVRg) realizou leilões de viva-voz para vender
precatórios (título de crédito, decorrente de ações judiciais transitadas e julgadas que pessoas ou instituições têm a
receber do governo) devidos pelo governo do Estado do Ceará. Foram colocados à venda créditos, pertencentes a
pessoas físicas, jurídicas e instituições, no valor estimado de R$ 97 milhões, correspondentes a mais de 400
processos transitados em julgado.

Que moral tem um governo de exigir o cumprimento da lei de seus cidadãos se ele a descumpre ou não investe
suficientemente na sua estrutura a fim de aumentar sua eficácia? Ou não será a letra da lei igual para todos? Será
que a noção de justiça para o Cambeba é diferente da noção de igualdade?

A Constituição Federal estabelece que a República constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo por
fundamento a dignidade da pessoa humana. E para que este estado funcione, os poderes devem funcionar, cada um,
de forma soberana, independente e harmônica. Na sociedade democrática, as instituições representam um poder
que emana do povo e que deve ser exercido em seu nome.

Ao tratar "Da Administração Pública", no capítulo VII do Título III (Arts. 37 a 43), a Constituição Federal de 1988
estabeleceu diversos princípios constitucionais explícitos norteadores da Administração Pública. Além dos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, a Administração Pública norteia-se
por inúmeros princípios implícitos, quais sejam: motivação, razoabilidade, proporcionalidade, continuidade do
serviço público, supremacia do interesse público sobre o interesse privado, indisponibilidade do interesse público,
especialidade, responsabilidade civil objetiva, dentre outros126.

Ocorre porém que, ao descumprir reiterada e peremptoriamente as decisões do Judiciário _ liminares, de sentenças,
de acórdãos etc. _, o Estado do Ceará abala os alicerces da democracia institucional. Confunde-se a premissa básica
do direito igual para todos e as entidades públicas acabam por beneficiar interesses privados. Só o Poder Executivo
será soberano, traindo o acordo que prevê a independência do Poder Judiciário e comprometendo a harmonia
constitucional.
126
LEITE, José Dalton Vitorino. "Princípios constitucionais norteadores da administração pública. (Revista da OAB-
CE, nº 03 janeiro a julho de 1999 (www.oab-ce.org.br).
88

Como afirmou o advogado Paulo Quezado, quando na presidência da OAB-CE, se os tribunais funcionam como
meros apêndices do Poder Executivo, "o Estado será apenas Estado, substantivado, autocrático, sem democracia e
valendo-se do direito apenas para sofismar suas condutas. A dignidade da pessoa humana não passará de um figura
de retórica, vazia e sem majestade". E mais: "negar observância aos mandados da Justiça do Ceará é o mesmo que
destruir os fundamentos da legitimidade do próprio Estado".

Desta forma, cidadãos esperam que se lhes outorgue o direito constituído, declarado e mandado executar pelos
tribunais. Advogados angustiam-se ante à sucessão de procrastinações e tardanças injustificáveis na implementação
de decisões da Justiça. E o que é pior: a sociedade passa a descrer do Estado e da própria Justiça, enxergando no
sistema tido como democrático uma falácia orquestrada pela classe dominante para beneficar somente a ela e aos
seus eleitos. No Ceará, a Justiça parece ter cada vez mais um caráter privado.

Afinal, o que será de uma sociedade onde a lei é desrespeitada pelos seus próprios gestores, os que lhe juraram
obediência quando de sua posse? Todos somos prejudicados com a resistência em se reconhecer o primado da lei.
Não se trata de defender altos salários de servidores públicos. Em verdade, quem mais sofre são centenas de
pensionistas e aposentados com irrisórios proventos de aposentadoria e toda uma sorte de pessoas que se viram
privadas de seus direitos adquiridos.

O recebimento de precatórios pelos servidores, de ações já ganhas judicialmente, viraram uma novela. Com o
advento da atual Constituição de 5 de outubro de 1988, os pagamentos devidos pela Fazenda pública, em virtude de
sentença judiciária, estão devidamente disciplinados pelo artigo 100 e seus parágrafos.

Os tribunais reconheceram que os salários ou vencimentos de funcionários públicos têm caráter alimentar. No
entanto, todas as sentenças transitadas em julgado, nas ações propostas por funcionários públicos, por questões
trabalhistas, as execuções são processadas via precatórios, com o beneplácito dos Tribunais.

O artigo 33, do Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, reza que os precatórios judiciais, incluídos juros
e correção monetária, poderão ser pagos em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e
sucessivas, no prazo máximo de oito anos. Estabelece também que as entidades devedoras poderão emitir, em cada
ano, no exato montante do dispêndio, título de dívida pública não computáveis para efeito do limite global de
endividamento. Com isso foi criada uma moratória, com o longo prazo de oito anos, para que a Fazenda Pública
saldasse os seus débitos em decorrência de precatório, mas, ao mesmo tempo aceitável, uma vez que o constituinte
quis evitar que tais pagamentos não se transformassem em infindáveis prestações, de caráter vitalício.
Aproveitando-se dessa brecha, vários governantes emitiram títulos da dívida pública equivalentes a grandes somas.

No estudo "A ineficácia dos precatórios", o advogado Neuzemar Gomes de Moraes ressalta que "o mais grave,
horripilante, nojento mesmo, é que não utilizaram um centavo sequer desses recursos captados para o pagamento
de precatórios, tendo destinado os valores para o uso da máquina eleitoral, numa corrupção das mais desenfreadas e
destemidas já vistas até aqui. Como os criminosos de gravatas não sofrem pena, os culpados mais uma vez não
serão punidos. Na Justiça do Trabalho, onde as causas versam sobre direitos de trabalhadores, ainda tramitam por
ali inúmeros processos de funcionários públicos, e aí não deveria existir o precatório, exatamente porque o artigo
100, da Constituição, faz exceção ao crédito de natureza alimentar"127.

Não é de estranhar que o governo do Estado tenha questionado 31 itens da Constituição Estadual, promulgada em 5
de outubro de 1989, enviando pedidos de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal. É certo que alguns
itens são de fato inconstitucionais, por baterem de frente com a Constituição Federal. Mas outros pedidos se dão
somente porque o governo se sente tolhido pela lei quando quer tomar decisões de caráter mais drástico. O art. 166,
parágrafo 1º, por exemplo, estabelece a isonomia de vencimentos para os servidores da administração pública
direta, autarquias e fundações dos três poderes. O art. 167, incisos 12 e 13, parágrafos 1º e 2º tratam de vários
benefícios dos servidores estaduais, como licença especial e critérios para aposentadoria. Finalmente, o art. 283,
inciso 3, concede 100% de isenção de ICMS para estimular a confecção e comercialização de aparelhos para
pessoas portadoras de deficiência física128.

127
MORAES, Neuzemar Gomes de. "A ineficácia dos precatórios". (Revista da OAB-CE, nº 03 _ janeiro a julho de
1999 _ www.oab-ce.com.br).
128
Cf. jornal O Povo, 30/11/98, "Governo questiona 31 itens da Constituição estadual".
89
Outra mostra do descaso é o desrespeito ao Ministério Público quando da vacância nas comarcas do Ceará. Em
1999, 86% das comarcas estavam vagas no Estado, gerando protestos da OAB-CE e da Associação Cearense do
Ministério Público, no sentido de cobrar do governo a realização imediata de concursos públicos para suprir as
carências. O Ministério Público é o braço do Direito que de fato acolhe a população, notadamente os mais carentes.
Ele promove as ações penais públicas, zela pelos serviços públicos no sentido de preservar os direitos sociais,
promove inquéritos para proteção do patrimônio público, promove ações de inconstitucionalidade com fins de
intervenção da União nos Estados, exerce o controle externo da atividade policial, fiscaliza os estabelecimentos
prisionais. Como se vê, o prejuízo para os cearenses é enorme129.

A Constituição do Estado prevê um máximo de 600 processos para cada Vara. Mas com o atual quadro de
promotores, defensores e oficiais de Justiça _ principalmente no interior _ a realidade é bem diferente. Os
processos se acumulam. Em Juazeiro do Norte, por exemplo, somente um promotor responde por 5.500 processos.
Este mesmo promotor é responsável por três Varas, das Comarcas de Assaré, Antonina do Norte, Tarrafas e
Caririaçu, além das promotorias eleitorais destas cidades, o que gera uma carga total de cerca de 8 mil processos.
Em Sobral, maior cidade da Zona Norte, há apenas seis juízes e seis promotores e apenas um defensor público,
quando o normal seriam, no mínimo, oito. Este contingente reduzido tem de dar conta de cerca de cinco mil
processos130.

Mesmo com o anúncio do governo do Estado de realização de concurso público, este preencherá apenas 49 vagas,
o que não cobrirá as deficiências que existem em todas as 136 comarcas do Ceará. Segundo dados da Associação
Cearense do Ministério Público (ACMP), há uma carência total de 98 membros, ou seja, persistirá uma deficiência
de pelo menos 50 promotores na Procuradoria Geral. Além disso, o quadro de servidores é insuficiente.

Ainda segundo a ACMP, há na Procuradoria Geral um anteprojeto de lei, a ser encaminhado à Assembléia
Legislativa, objetivando a criação de 350 cargos para servidores do Ministério Público. Tal iniciativa, se posta em
prática, irá refletir diretamente na qualidade da prestação de serviços à sociedade.

Em termos de estrutura, em todo o Estado, existem apenas sete comarcas que possuem casas para promotores.
Somente cerca de 20% das comarcas possuem prédios de promotorias. O Orçamento do Estado destina apenas 2%
de seus recursos para sua gestão, o que compromete a estrutura organizacional administrativa para desempenhar, a
contento, todas as atribuições que lhe são conferidas pelas Constituição e demais leis. João de Deus Duarte Rocha,
presidente da ACMP, afirma que isso contribui para uma "prestação jurisdicional insatisfatória, no que pese o
esforço gigantesco desenvolvido pelos membros do Ministério Público para cumprirem sua missão constitucional".

O mesmo problema se repete quando se analisam os números relativos à Defensoria Pública Geral do Estado.
Segundo dados da Associação dos Defensores Públicos, 123 comarcas cearenses não possuem defensores. Em
2002 havia - em efetivo exercício - 118 defensores em todo o Estado, sendo apenas 12 para cobrir todo o interior. O
ideal é que houvesse pelo menos dois defensores públicos em cada uma das 325 varas (contando com os juizados
especiais, 20 na capital e 20 no interior) existentes - um para o réu e outro para o autor da ação. Por conta desta
defasagem, cada defensor acumula, por vara, em média, entre 800 e 1.200 processos.

É preciso salientar porém que a Defensoria Pública é uma conquista recente no Estado (antes, serviço semelhante
era proporcionado pela Coordenadoria de Assistência Judiciária do Estado - CAJE). Nascida em 1997, ainda está
em processo de estruturação. Alguns estados - como São Paulo, por exemplo - sequer possuem este serviço. E é
verdade também que, em 2002, o governo do Estado bancou a realização de concurso público - o último havia sido
realizado em 1994 - para preencher 50 vagas. A realidade, porém, mostra que o serviço continuará sendo prestado
de forma precária.

Tal situação evidencia que o Estado não consegue cumprir com a determinação constitucional de garantir apoio
jurídico ao cidadão, notadamente a população carente. Os defensores, além do acompanhamento dos processos,
também são responsáveis por acordos extra-judiciais e pelo atendimento e orientação à população. Sendo
humanamente impossível dar assistência adequada devido à intensa demanda, ocorre que muitas pessoas passam ao
largo deste serviço. A população carcerária e das delegacias, por exemplo, são diretamente atingidas pela falta de
defensores.

129
Cf. jornal O Povo, 08/08/1999, "Ceará tem 86% das comarcas vagas".
130
Jornal Diário do Nordeste, 17/01/2002, "Justiça funciona com dificuldades no interior" e "Sobral precisa de oito
defensores públicos".
90
O justo não é, nos ensina Aristóteles, algo diferente da eqüidade. Justo é, na concepção aristotélica, "o que
observa a lei e a igualdade", ou o que age conforme a lei e a eqüidade. A essência da virtude da justiça é a
igualdade.

Como já dissemos anteriormente, este é um governo que preza pela desigualdade social. Não seria ele, se
concordarmos com Aristóteles, o fiel cumpridor das noções básicas da Justiça.
--------------------------------------------------------------------------------
91
92

Excesso de publicidade

"A publicidade não tem nada a ver com a verdade.


Quando você quer seduzir alguém, conta a verdade?
Mostra os seus piores defeitos?"
(Nizan Guanaes)

"Pode-se enganar todo mundo o tempo todo,


se a campanha estiver certa e a verba for suficiente"

(Joseph E. Levine)

O sétimo pecado é o excesso de publicidade. Para o Cambeba, a aparência tem mais valor que a essência. Guy
Debord antecipou, ainda em 1968, que "o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade", e
que "o espetáculo é o discurso ininterrupto que a ordem atual faz a respeito de si mesma, seu monólogo
laudatório"131. Nenhum pensamento pode ser mais contemporâneo para definir a sustentação básica do PSDB
perante à população cearense.

Os gastos com propaganda em 1998 e 1999, segundo a execução orçamentária do Estado, superaram os valores
efetivamente gastos com outros órgãos de importância inquestionável, tais como a Defensoria Pública Geral do
Estado, SECULT, TCM, TCE, Ouvidoria Geral do Estado, Secretaria de Justiça, Procuradoria Geral do Estado e
toda a verba destinada à vigilância epidemiológica em todos os municípios.

Foram gastos em 2000 mais de R$ 16 milhões com publicidade, quase R$ 7 milhões a mais que o previsto no
Orçamento (R$ 9,7 milhões). A manutenção da verba integral para a publicidade nos anos seguintes motivou
críticas dos deputados de oposição. João Alfredo (PT) apresentou números comparativos com o que é gasto com
publicidade pelo Ceará.

Segundo cálculos do deputado estadual João Alfredo, o Estado gasta com publicidade por habitante o equivalente a
R$ 1,80, enquanto que São Paulo investe R$ 1,20 por habitante. Conforme dados de João Alfredo, a despesa com
mídia representa 0,013% do Produto Interno Bruto (PIB) de São Paulo e 0,059% do PIB cearense. O Rio Grande
do Sul gasta com publicidade apenas R$ 1,5 milhão132.

Este perfil prosseguiu inalterado. Em verdade, a grande mudança que o atual governo nos trouxe foi a sua relação
com os investimentos em propaganda. É só verificar as tabelas referentes aos orçamentos dos anos em questão133:

SEGOV (DIVULGAÇÃO E LEI LEI + CRÉD. EMPENHADO PAGO DIFERENÇA


VEICULAÇÃO DAS (AUTORIZADO) ENTRE O
AÇÕES AUTORIZADO E
GOVERNAMENTAIS) O EMPENHADO
(%)
1999 9.949.474,00 14.253.974,00 14.248.695,59 14.248.695,59 - 0,0371
2000 9.604.710,52 14.887.501,07 14.842.529,98 14.842.529,98 - 0,3021
2001 12.632.943,00 19.632.943,00 13.173.202,59 12.651.027,36 - 30,9026
2002 12.632.943,00

131
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 2 ed.
132
Jornal O Povo, 16/12/00, "Governo barra redução de verba para publicidade".
133
Dados do deputado estadual José Gumarães (PT): pronunciamento, de novembro de 2001, "Orçamento 2002:
em busca de transparência e compromisso social".
93
Como podemos perceber, em todos os exercícios, houve um crescimento entre o valor originariamente orçado e o
valor executado. Esse procedimento difere fundamentalmente do que ocorreu com setores fundamentais para o
nosso Estado. Somente a título de exemplo, observa-se algumas Secretarias:

SECRETARIA DA LEI LEI + CRÉD. EMPENHADO PAGO DIFERENÇA


AGRICULTURA (AUTORIZADO) ENTRE O
IRRIGADA 3
AUTORIZADO E O
EMPENHADO (%)
1999 0,00 22.349.297,00 2.200.891,50 2.148.471,54 - 90,0628
2000 51.834.025,39 57.046.676,92 14.968.834,77 12.889.940,22 - 71,7604
2001 13.422.000,00 18.335.624,50 4.952.804,87 4.680.333,56 - 72,9881
2002 33.776.950,00

SECRETARIA DE LEI LEI + CRÉD. EMPENHADO PAGO DIFERENÇA


DESENVOLVIMENTO (AUTORIZADO) ENTRE O
RURAL AUTORIZADO E O
EMPENHADO(%)
1999 100.348.995,35 106.873.337,72 64.963.378,30 63.454.706,10 - 39,2147
2000 103.895.233,53 103.163.333,74 73.663.396,65 71.506.118,15 - 28,5954
2001 88.337.847,23 200.772.279,49 53.067.348,43 51.284.169,85 - 73,5684
2002 68.482.075,00

SECRETARIA LEI LEI + CRÉD. EMPENHADO PAGO DIFERENÇA


DE RECURSOS (AUTORIZADO) ENTRE O
HÍDRICOS AUTORIZADO E
O EMPENHADO
(%)

1999 166.244.025,10 190.922.779,85 85.502.071,42 82.887.008,46 - 55,2165


2000 150.074.427,42 142.277.715,81 63.311.363,49 62.706.956,02 - 55,5052
2001 145.098.002,89 192.333.897,82 62.986.065,41 62.048.884,41 - 67,2518
2002 258.398.858,95

SECRETARIA LEI LEI + CRÉD. EMPENHADO PAGO DIFERENÇA


DE (AUTORIZADO) ENTRE O
EDUCAÇÃO AUTORIZADO E
BÁSICA O EMPENHADO
(%)
1999 574.758.258,65 808.881.407,70 456.388.743,63 428.075.940,92 - 43,5778
2000 597.644.999,79 749.704.117,71 473.843.449,48 450.962.031,29 - 36,7960
2001 777.957.061,03 938.921.434,14 450.126.256,75 427.109.865,26 - 52,0593
2002 508.548.817,98

Talvez esse tratamento diferenciado com os gastos com propaganda e divulgação indique uma pista das razões
pelas quais o governador venha sonegando informações à Assembléia Legislativa e à sociedade cearense, ao não
enviar o pedido de informações sobre os gastos com publicidade, institutos de pesquisas etc., apesar de já ter sido
solicitado oficialmente.

O uso constante da propaganda pelo Cambeba é feito mediante contratos sem fiscalização. O Tribunal de Justiça do
Estado suspendeu, em caráter provisório, em novembro de 2000, os efeitos da emenda que possibilitava ao
Governo do Estado omitir documentos que considerasse "relevantes" ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). A
decisão foi tomada por unanimidade, atendendo a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pedida pelo PDT.

No dia 6 de junho de 2000, o líder do Governo na Assembléia, deputado estadual Moésio Loiola (PSDB),
apresentou emenda à Lei Orgânica do TCE que possibilitou ao Governo do Estado omitir do TCE "o conteúdo de
94
pesquisas e consultorias solicitadas pela Administração para direcionamento de suas ações, bem como, de
documentos relevantes, cuja divulgação possa importar em danos para o Estado".

A publicação da Lei Orgânica do TCE no Diário Oficial do Estado, limitou a atuação dos auditores do TCE. Depois
da publicação da lei, absurdamente, os fiscais só podiam auditar o Estado mediante autorização expressa do
presidente do Tribunal. Isso quer dizer que os auditores do TCE já não podiam argüir qualquer ilegalidade nos
contratos ou atos praticados pelo Estado. A lei deu plenos poderes ao presidente e esvaziou os poderes dos
auditores.

Antes da publicação da lei, o TCE fazia, sem a autorização do presidente, entre 500 e 600 inspeções nas Secretarias
de Estado por ano. Hoje, o número de inspeções anuais caiu para zero. Em 2000, o Tribunal de Contas do Estado
do Ceará apenas deu andamento às provocações de auditoria que já existiam nas administrações anteriores.

O TCE pode finalmente cumprir o seu papel fiscalizador. E a primeira suspeita sobre os vários contratos celebrados
pelo Estado sem fiscalização é sobre a empresa pernambucana Marketing e Comunicação Institucional (MCI), que
detém a consultoria de comunicação do Cambeba. A MCI já recebeu do Governo do Estado do Ceará cerca de R$
2,2 milhões por serviços prestados de consultoria e marketing na comunicação publicitária do governo, de junho de
1999 até outubro de 2000. A empresa ainda recebeu mais duas parcelas de R$ 136 mil naquele ano, sempre com
abertura para renovação de contrato. A empresa é de propriedade de Antônio Lavareda, consultor de comunicação e
de campanhas políticas, entre elas, as do PSDB134.

Há outro problema de extrema gravidade quando se trata de publicidade: ela não é utilizada para divulgar ações de
interesse da comunidade. Se pelo menos boa parte destas verbas fossem utilizadas com fins de utilidade pública,
em campanhas educativas, a situação seria bem diferente. Um exemplo pode ilustrar mais esta irresponsabilidade.
Mesmo com gordas verbas publicitárias, o Estado _ e também a prefeitura de Fortaleza _ nunca destinaram verbas
consideráveis para divulgar a matrícula nas escolas públicas no final e no início de cada ano letivo.

Essa falta de divulgação maciça prejudica principalmente as crianças de 4 a 6 anos, porque muitos pais não sabem
que elas têm direito à educação pública, gratuita e de qualidade. Caso isso fosse realizado, vários problemas seriam
resolvidos, como a falta de cobertura, o atendimento de crianças por escolas mais próximas às suas residências,
otimização do oferecimento e preenchimento de vagas.

Durante todos os capítulos deste livro, enumeraram-se as contradições constantes no PPA, onde o governo parece
tão convencido de sua superioridade que não hesita em colocar num documento oficial uma série de inverdades ou
de metas que nunca foram cumpridas, deixando uma distância abissal entre intenção e gesto. Só a propaganda
ostensiva tem o poder de encobrir tantas diferenças entre o discurso e a prática.

O PPA afirma que a "forte relação entre as taxas de pobreza e os baixos níveis educacionais da população justifica
a escolha do governo estadual pela opção estratégica de educar para que se forme capital humano e para o
desenvolvimento de setores econômicos competitivos". O que se vê na realidade é uma qualidade de ensino
questionável, baixos salários pagos aos mestres e professores contratados temporariamente, mesmo com uma longa
lista de concursados na fila de espera.

O PPA demonstra a intenção de "fortalecer as universidades estaduais; expandir o acesso ao ensino superior;
ampliar o processo de capacitação dos docentes das universidades públicas estaduais em nível de mestrado e de
doutorado; recuperar, ampliar e construir instalações físicas, aparelhar laboratórios e bibliotecas universitárias. O
que se vê de fato são inúmeras carências na UECE e um percentual de repasse à FUNCAP que nunca foi cumprido.
Além disso, a despeito da importância de o Poder Público dominar e aperfeiçoar as tecnologias, o governo cearense
opta por caminhar na contramão da história, extinguindo órgãos como a Epace, por exemplo.

Outro absurdo constante no PPA afirma que o Estado, "ao longo dos últimos doze anos, vem implementando uma
política ambiental voltada para a conservação dos recursos naturais, combate à poluição urbana e rural e proteção
ao meio ambiente. (...) Por isso, a política ambiental do Estado volta-se emergentemente para a utilização racional
dos recursos naturais, promovendo-lhes a recuperação, conservação e preservação numa perspectiva de
desenvolvimento sustentável. Ora, um simples projeto do deputado João Alfredo, que determinava a proteção de
dunas e falésias, teve o veto direto do governador do Estado.

134
Cf. Jornal O Povo, 10/11/2000, "TCE recupera poder de fiscalizar consultoria".
95
Mas o PPA ainda contém outros problemas. Fala que "a questão da moradia afigura-se como fundamental" e que
"a habitação deve ser vista numa concepção de espaço de convivência como condição de exercício de cidadania
para o ser humano". Pergunta-se porque, se o governo tinha este ideal em mente, patrocinou a extinção da COHAB
_ Companhia de Habitação do Estado do Ceará _, único órgão governamental com a atribuição direta de coordenar
as ações habitacionais do Estado.

O governo cambebista da "ilha da fantasia" joga o jogo do espetáculo sem fichas. A Opção Estratégica IV do PPA
é garantir a oferta permanente de água e o convívio com o semi-árido. Afirma que "o desafio para o período de
1999-2003 é a ampliação da oferta d'água para evitar o colapso pela falta d'água em todas as sedes municipais, nas
pequenas comunidades e em Fortaleza". Em todo o mundo, a questão da água preocupa a comunidade,
notadamente em relação à preservação de mananciais. A disputa pela água será ferrenha neste milênio. Mesmo
assim, o governo do Estado já anunciou a privatização da CAGECE, no item 12 do "Memorando de Política de
Projeto de Reestruturação e Ajuste Fiscal de Longo Prazo do Estado do Ceará", de 16 de outubro de 1997, assinado
pelo governador Tasso Jereissati, usado como documento de justificativa para contrato de refinaciamento da dívida
estadual, assinada com o governo federal. Qual o futuro de uma sociedade que terá o fornecimento de água nas
mãos de uma empresa que visa somente o lucro? Sem dúvida, o mesmo "compromisso social" que a COELCE vem
demonstrando...

Está escrito também no PPA: "considerando-se o baixo nível educacional da população ocupada na agricultura,
dar-se-á prioridade para a capacitação técnica e gerencial ao produtor rural de agricultura familiar com vistas ao
aumento da produção e produtividade". Por várias vezes, a sociedade cearense acompanhou o movimento de
centenas de agricultores do MST que vêm à capital acampar em frente à Secretaria de Desenvolvimento Rural ou
do INCRA. Uma reivindicação histórica e persistente dos Sem Terra trata da obtenção de recursos para a
alfabetização dos acampados, que nunca é atendida integralmente. Que capacitação então quer se dar a quem
trabalha na terra?

Enfim, há, como diria Chico Buarque, uma grande distância entre intenção e gesto quando se analisa friamente as
ações do governo do Cambeba. Porém, quando se analisa o que é divulgado através de publicidade e se faz a
comparação com a realidade, a distorção é ainda maior. Não é à toa que as verbas publicitárias são sempre gordas
no governo do Estado: é que, para manter o mito da "ilha da fantasia", a propaganda deixou de ser um mero
acessório para virar uma coluna fundamental de sustentação da ideologia tucana.
--------------------------------------------------------------------------------
96
97

Conclusão

"Há um limite depois do qual a


tolerância deixa de ser uma virtude"
(Edmund Burke)

Estes são em resumo os sete pecados capitais do Cambeba: neocoronelismo, autoritarismo, falta de transparência,
concentração de renda, descaso social, desprezo pela justiça e excesso de publicidade.

Ao longo desta obra _ cujo grande mérito é justamente organizar a grande quantidade de fatos e dados atinentes às
questionáveis ações (ou a falta delas) e relações do poder Executivo do Estado do Ceará _ foi possível deixar claro
que há vários problemas administrativos não solucionados pelo grupo que permanece no Cambeba há quatro
gestões.

Capítulo por capítulo, apesar de registrado muitas vezes o reconhecimento pelo trabalho desenvolvido _ afinal,
após tantos anos, é de se esperar alguma iniciativa positiva _ nas referidas gestões em alguns setores específicos,
foi sistematicamente provado _ com fatos, números e dados obtidos de fontes públicas e/ou de reputação ilibada _
os vários fracassos desta geração empresarial que topou o desafio de governar um Estado.

Estado e empresa são entes distintos. Pouco vale para uma sociedade ter um Estado com sua máquina organizada e
com crescimento econômico, se não há repartição de benefícios entre seus componentes. Em verdade _ só para usar
uma expressão religiosa típica, condizente com o espírito dos pecados capitais que dá título a este livro _, este é um
pecado maior, que prescinde todos os demais em gravidade. O povo cearense continua na miséria, sem ver, na
prática, os resultados desta empreitada tucana.

É honesto reconhecer, ainda, que não é fácil administrar um Estado com todos os problemas econômicos,
climáticos, sociais e políticos como o nosso. E que não existe receita pronta para se fazer tal coisa. Por outro lado, a
cobrança por resultados se multiplica à medida em que os integrantes do governo tomam decisões verticais, sem
discussão com os diversos setores sociais, no melhor estilo absolutista. Quem se aventura a governar assim colhe os
ônus e os bônus desta centralidade na tomada de decisões. No caso da Geração Cambeba, os ônus são pesados e
devem ser creditados à minoria instalada no governo.

Portanto, está mais que na hora de desmascarar a face tão bem construída pela _ esta sim _ excelente e irretocável
política de comunicação e marketing do Cambeba, sob pena de continuarmos a ver um Estado administrado
privilegiando o ponto de vista empresarial, deixando a maioria da população sem o amparo devido.

Os sete pecados capitais, segundo as religiões cristãs, são a luxúria, a preguiça, a ira, a inveja, a avareza, a gula e a
soberba. Numa releitura genial, Mahatma Gandhi alertou que "os sete pecados capitais responsáveis pelas injustiças
sociais são: riqueza sem trabalho; prazeres sem escrúpulos; conhecimento sem sabedoria; comércio sem moral;
política sem idealismo; religião sem sacrifício e ciência sem humanismo."

Sem dúvida, são defeitos que podem ser atribuídos, sem medo de errar, aos que se encontram isolados, longe do
povo, no palácio de marfim do Cambeba.
--------------------------------------------------------------------------------

Referências bibliográficas

1. Material de referência

1. Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE de 2000


2. Resultado preliminar do Censo 2000 do IBGE
3. Plano Plurianual do Governo do Estado do Ceará (2000-2003)
4. Plano de Desenvolvimento Sustentável do Governo do Estado do Ceará (1995-98)
5. Execuções orçamentárias do Governo do Estado (1996 a 1999)
6. Cartilha Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável: o que é, como funciona e a quem serve. Governo
do Estado do Ceará, 1995.
7. Relatório do Banco Mundial (BIRD)
98
8. Pesquisa Mensal de Emprego e Subemprego do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (Sine/IDT) _
agosto de 2001.
9. Relatório sobre violência da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas da Violência _ APAVV, de 2000.
10. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica _ SAEB _, pesquisa desenvolvida pelo MEC/INEP em
1999.
11. Auditoria do Tribunal de Contas da União no BNB - constam da Decisão Nº 247/99 do TCU relativa ao
Processo Nº 929.282/1998-1.
12. Diário Oficial do Estado nº 35, 25/03/1998, "Comissão Parlamentar de Inquérito constituída para apurar
denúncias de irregularidades no uso de recursos do Tesouro Estadual pela Cooperativa dos Educadores do Ceará".
Relator: Deputado Estadual Moésio Loiola.
13. Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado do Ceará. Requerimento nº 769-01, ação
penal, processo nº 2001.81.0012740-1 e Denúncia nº 246-01, na 11ª Vara da Seção Judiciária do Ceará. Autor: José
Gerim Mendes Cavalcante, Procurador Regional da República.
14. Procuradoria Geral da Justiça. Denúncia nº 01336727-7. Autor: Dr. Antônio Ricardo Brígido Nunes Memória,
Promotor de Justiça Titular da 1ª Promotoria de Justiça do DECOM.

2. Sites consultados na Internet

1. Site do Iplance (www.iplance.gov.ce.br)


2. Site da Sudene (www.sudene.gov.br)
3. Site da OAB-CE (www.oab-ce.org.br)
4. Site do MEC (www.mec.gov.br)

3. Documentos e estudos de parlamentares

1. Deputado Federal José Pimentel (PT-CE): Relatório da CPI do FINOR e pronunciamento "A gestão temerária do
BNB" (www.josepimentel.com.br).
2. Deputado Estadual Eudoro Santana (PSB): pronunciamento realizado na Assembléia Legislativa em
05/junho/2001; pronuncimento "Era Tasso II: o outro Ceará _ sem mídia nem fantasia"
(www.eudorosantana.com.br).
3. Deputado Estadual José Gumarães (PT): pronunciamento, de novembro de 2001, "Orçamento 2002: em busca de
transparência e compromisso social".
4. Deputado Estadual João Alfredo (PT): pronunciamento "Dívidas do Estado do Ceará _ BEC"
(www.joaoalfredo.org.br); boletim semanal "Palavra Viva", Nº17, de 03 de agosto de 2001.
5. Deputado Estadual Paulo Linhares (PPS): Relatório da Comissão Especial do Ensino Superior da Assembléia
Legislativa do Ceará _ Fortaleza, 2000-2001.

6. Deputado Estadual Mauro Benevides Filho (PPS): "Balanço Geral do Estado do Ceará _ 2000" e "Orçamento
Anual - Exercício Financeiro 2002", da Comissão de Orçamento, Finanças e Tributação.
7. Vereador José Maria Pontes: cartilha "Diagnóstico da Saúde Pública no Ceará", publicada pelo gabinete do
vereador José Maria Pontes, a partir do relatório da Comissão Especial para investigação do funcionamento das
UTUs e UTIs dos hospitais públicos de Fortaleza.

4. Livros e publicações

ABU-EL-HAJ, Jawdat. A mobilização do capital social no Brasil: o caso da reforma sanitária no Ceará. São Paulo:
Anna Blume, 1999.

A face excludente do governo Ciro Gomes. Fortaleza: IMOPEC/ADUFC, 1994.

ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil: da Revolução de 30 até a Aliança Nacional
Libertadora. 2 ed. São Paulo: Cortez e Editora Ensaio; Autores Associados, 1982.

ATALIBA, Flávio. Reflexões sobre a política de desenvolvimento industrial do Ceará, Carta Cener nº 01, junho de
2001 (boletim do CAEN-UFC).

BESERRA, Bernadete Ramos. Clientelismo e modernidade. Fortaleza: UFC/NEPS/Programa de Pós-graduação em


Sociologia, 1994.
99
BARREIRA, Irlys Alencar Firmo. Sob o signo da contramão. Fortaleza: UFC/NEPS, 1992.

BARREIRA, César. Pistolagem e política in Revista de Ciências Sociais. Vol. 20/21. Nº½. Fortaleza. Edições
UFC, 1989/90.

BRAGA, Elsa Franco (coord.) A política da escassez. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha/Styllus
Comunicações, 1991.

BODIÃO, Idevaldo da Silva. Estudo sobre o cotidiano das classes do telensino de uma escola da rede pública
estadual do Ceará. São Paulo, 1999. Tese (doutorado) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
(mimeo).

CARVALHO, Jáder de Carvalho. Aldeota. São Paulo: Exposição do Livro, 1963.

CARVALHO, Rejane Vasconcelos Accioly. Transição democrática brasileira e padrão publicitário da política.
Campinas: Pontes; Fortaleza: UFC, 1999.

________________. Voto rural e movimentos sociais no campo. Fortaleza: NEPS, 1990. (Mimeo).

CAVALCANTE, Antônio. O papel da participação na formulação, implementação e avaliação de uma proposta de


desenvolvimento rural sustentável: o caso do Projeto São José (Ceará). Tese de mestrado defendida na UFSC
(http://www.cfh.ufsc.br/~ppgsp/resumos/antonio_cavalcante.html).

Cenários de uma política contemporânea. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 1999.

CORDEIRO, Celeste. Democracia, conselhos e esfera pública local no Brasil: uma análise dos CMDS no Ceará.
Tese para concurso de professor titular da UECE. Janeiro de 2001 (mimeo).

COSTA, Frederico Lustosa da. Televisão e política. UFC/NEPS/Programa de Pós-Graduação em Sociologia,1996.

CPI do FUNDEF: vitória da sociedade. Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, 2000.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 2 ed.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 13 ed. São Paulo: Globo, 1998
(vls. 1 e 2).

FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 2 ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1976.

FERREIRA, Assuéro. O crescimento recente da economia cearense. In: Revista de Economia Cearense, v. 26, nº 2.
Fortaleza. S.E. 1995.

FERREIRA, Pedro Cavalcanti. Política regional em novos moldes: mais educação e menos subsídios. Carta Cener
nº 01, junho de 2001 (boletim do CAEN-UFC).

GONDIM, Linda. Clientelismo e modernidade nas políticas públicas: os "governos das mudanças" no Ceará (1987-
1994). Ijuí, Editora UNIJUÍ, 1998.

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

LEITE, José Dalton Vitorino. Princípios constitucionais norteadores da administração pública. Revista da OAB-
CE, nº 03 janeiro a julho de 1999 (www.oab-ce.com.br)

LEMENHE, Maria Auxiliadora. Família, tradição e poder. São Paulo: Annablume/Edições UFC, 1995. p. 236.

MARINHO, Emerson. O crescimento do Ceará nas últimas três décadas. Carta Cener nº 01, junho de 2001 (boletim
do CAEN-UFC).
100

MARTIN, Isabela. Os empresários no poder. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Ceará, 1993.

MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de sociologia da história lenta. São Paulo: Hucitec, 1994.

MORAES, Neuzemar Gomes de. A ineficácia dos precatórios. Revista da OAB-CE, nº 03 janeiro a julho de 1999
(www.oab-ce.com.br)

MOTA, Aroldo. História política do Ceará, 1987-91. Fortaleza: Multigraf Editora,1992.

NOBRE, F. Silva. Mil e um cearenses notáveis. Rio de Janeiro: Casa do Ceará Editora, 1996.

OLIVEIRA, Alfredo José Pessoa de. Ceará: endividamento estadual, indicadores sociais e renúncia fiscal. Estudo
realizado para o gabinete do deputado João Alfredo (PT-CE). Fortaleza, 2001, mimeo.

OLIVEIRA, Francisco de. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis:
Vozes, 1997.

_____________. Elegia para uma re(li)gião. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e sociabilidade. São Paulo: Loyola, 1993.

PARENTE, Josênio Camelo. A fé e a razão na política: conservadorismo e modernidade das elites cearenses.
Fortaleza, Edições UFC/Edições UVA, 2000.

________________. Construindo a Hegemonia burguesa. UFC/NEPS, 1982.

________________. Institucionalização do PT. Fortaleza: UFC/NEPS/Programa de Pós-graduação em Sociologia,


1995.

PONTE FILHO, Aurélio. Biografia dos governadores do Ceará: 1935-90. Fortaleza. UFC/FCPC/Projeto História
do Ceará, 1990.

RORIZ Jr., Wilson. Sim senhor, coronel. Fortaleza: IOCE, 1986.

SILVA, José Borzacchiello da e CAVALCANTE, Tércia Correia. Atlas Escolar do Ceará. Fortaleza, Editora
Grafset, 2000.

SOUZA, Simone de (org) . Uma nova história do Ceará. Fortaleza. Edições Demócrito Rocha. 2000.

________________ Et Al. Fortaleza: a gestão da cidade. Fortaleza. Fundação Cultural de Fortaleza.1994.

SAMPAIO, Dorian. Anuário do Ceará. Fortaleza. Empresa Jornalística O Povo e Anuário do Ceará publicações
ltda.1996/1997

SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1988.

TEIXEIRA, Francisco José Soares Teixeira. Ceará, terra dos outros: uma avaliação do projeto do Governo das
Mudanças. Fortaleza, agosto de 1999 (mimeo).

TRANCOSO, Alfeu e outros. Os sete pecados capitais. Autêntica/PUC Minas. Belo Horizonte, 2001.

VIDAL, Márcia. Imprensa e poder. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará,1994.

WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima. In: Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São
Paulo: Ática, 1997. 6 ed. p. 128 a 141.

______________. Economia e Sociedade. 3 ed. Brasília: Editora UnB, 1994.


101
5. Periódicos

5.1. Jornais

Jornal Diário do Nordeste, 12/02/2000, "Fortaleza tem 700 mil pessoas sem moradia".
Jornal Diário do Nordeste, 10/08/2000, "Reuso da água é pouco utilizado", "Desperdício ocorre diariamente" e "Ar
da capital tem mais bactérias".
Jornal Diário do Nordeste, 18/11/2000, "Concentração de riquezas em cinco municípios".
Jornal Diário do Nordeste, "Muda o grau de instrução do eleitorado cearense".
Jornal Diário do Nordeste, 05/03/2001, "Ceará tem baixo índice de desenvolvimento humano".
Jornal Diário do Nordeste, 14/05/2001, "Projeto São José ameaçado com um pedido de CPI".
Jornal Diário do Nordeste, 05/09/2001, "Aprovadas emendas com o racha da bancada aliada".
Jornal Diário do Nordeste, 17/12/2001, "Crescimento acumulado do PIB do CE é de 23,46%, aponta IBGE".
Jornal Diário do Nordeste, 22/12/2001, "Desemprego é maior desde 1985".
Jornal Diário do Nordeste, 15/01/2002, "CE lidera queda na produção industrial".
Jornal Diário do Nordeste, 17/01/2002, "Justiça funciona com dificuldades no interior" e "Sobral precisa de oito
defensores públicos".
Jornal Diário do Nordeste, 22/01/2002, "Estado precisa de 408.021 novas moradias".
Jornal Diário do Nordeste, 20/02/02, "Indústria cearense acumula queda de 7,3%".
Jornal Folha de São Paulo, 18/12/1996, "Polícia reprime manifestação no CE".
Jornal Folha de São Paulo, 08/05/97, "Jereissati condecora 60 policiais".
Jornal Folha de São Paulo, 31/07/97, "Ceará prende grevistas e esvazia rebelião".
Jornal Folha de São Paulo, 31/07/97, "Governo estadual sufoca greve de policiais".
Jornal Folha de São Paulo, 30/07/97, "Comandante da PM é baleado no Ceará".
Jornal Folha de São Paulo, 30/07/97, "Conflito de policiais deixa cinco feridos em Fortaleza".
Jornal Folha de São Paulo, 01/08/97, "Governo afasta 96 e prende 23 policiais".
Jornal Folha de São Paulo, 02/05/1998, "Banco estatal favoreceu Tasso".
Jornal Folha de São Paulo, 24/05/98, "Bispo enfrentou crises em Fortaleza".
Jornal Folha de São Paulo, 17/09/2001, "Ceará paga mais que livraria por material do telecurso".
Jornal Folha de São Paulo, 28/12/2001, "Analfabeto perde espaço no mercado".
Jornal Folha de São Paulo, 20/02/2002, "Indústria de SP cresce mais que a do país".
Jornal O Estado, 21/12/2001, "10 mil famílias vivem em 79 áreas de risco".
Jornal O Povo, 30/11/98, "Governo questiona 31 itens da Constituição estadual".
Jornal O Povo, 08/08/1999, "Ceará tem 86% das comarcas vagas".
Jornal O Povo, 13/02/2000, artigo "Um balanço das mudanças no Ceará, 1987-1999", do economista José Nélson
Bessa Maia.
Jornal O Povo, 06/06/2000, entrevista com o governador Tasso Jereissati.
Jornal O Povo, 29/07/2000, "Condições domiciliares são inferiores no Estado".
Jornal O Povo, 10/11/2000, "TCE recupera poder de fiscalizar consultoria".
Jornal O Povo, 28/11/2000, "Pouco estudo, baixa produtividade".
Jornal O Povo, 04/12/2000, "Os descaminhos das mudanças".
Jornal O Povo, "Governo compra R$ 30 mi sem licitação em 1999".
Jornal O Povo, 16/12/2000, "Governo barra redução de verba para publicidade".
Jornal O Povo, 21/12/2000, "Sobre as mudanças na Funcap", artigo de Jáder Onofre de Morais.
Jornal O Povo, 19/01/2001, "SBPC quer questionar mudanças na Justiça".
Jornal O Povo, 22/07/2001, "Guerra Fiscal", artigo de Alfredo José Pessoa de Oliveira.
Jornal O Povo, 23/10/2001, "PSF atende a apenas 17% da população em Fortaleza".
Jornal O Povo, 19/11/2001, Coluna Política, jornalista Fábio Campos.
Jornal O Povo, 14/12/2001, Coluna Política, jornalista Fábio Campos.
Jornal O Povo, 23/12/2001, "Renda, educação e trabalho no Ceará", artigo do economista Paulo de Melo Jorge
Neto.
Jornal O Povo, 29/12/2001, "General: balanço otimista do ano com números até novembro".
Jornal O Povo, 03/03/02, "CE registra déficit na balança comercial pelo 9º ano consecutivo".
Jornal O Povo, 14/03/02, "Ficção legal", artigo do advogado Irapuan Diniz de Aguiar.

5.2. Revistas

Revista Amanhã nº 172, de novembro de 2001. Pesquisa da Simonsen Associados (www.amanha.com.br).


102
Revista Comércio nº 28 (nov/dez/2001), e nº 29 (jan/2002) da Fecomércio/SESC/SENAC/IPDC-CE, "Pesquisa
conjuntural do comércio varejista na Região Metropolitana de Fortaleza".
Revista Economia e Mais, nº 43, setembro de 2000, "Finanças sadias: para quê?". Artigo do economista Alfredo
José Pessoa de Oliveira.
Revista Isto É, 12/08/1998, "Negócios entre amigos".
Revista Isto É, 04/08/2000, "Coroné dos zóio azul".
Revista Fale! www.revistafale.com.br ("Universidade Vale do Acaraú: O local no global" _ janeiro de 2002).
Revista Playboy, Julho de 1992.
--------------------------------------------------------------------------------
103
104

Sobre os autores

Artur Bruno

Artur José Vieira Bruno, nascido em Fortaleza, em 4 de agosto de 1959, é pedagogo e há 24 anos se dedica à
formação da juventude, como professor de Geografia e Atualidades em cursos pré-universitários. Como
parlamentar, exerceu dois mandatos como vereador em Fortaleza e ingressou na Assembléia Legislativa do Estado
do Ceará em 1995, sendo reeleito em 1998, sempre pelo PT, partido ao qual é filiado desde 1986. Foi candidato a
vice-prefeito de Fortaleza pela Coligação Fortaleza de Todos (PT-PCdoB-PDT-PCB-PSB), na chapa encabeçada
por Inácio Arruda. É autor dos livros "Normas básicas da atividade cultural" (com Humberto Cunha), "CPI do
Fundef: vitória da sociedade" e "Educar é Preciso".
--------------------------------------------------------------------------------
Aírton de Farias

José Airton de Farias nasceu em Santana do Acaraú-CE, em 1973. É formado em Direito pela UFC e em História
pela UECE. Leciona em vários cursos pré-vestibulares em Fortaleza. São também de sua autoria as seguintes obras:
"História do Ceará - dos índios à geração Cambeba" (Tropical Editora,1998); "Caldeirão Vivo" (Tropical Editora,
2000); "Senador Alencar" (Edições Demócrito Rocha,2000); "Delmiro Gouveia" (Edições Demócrito Rocha,2001);
"História da sociedade cearense".
--------------------------------------------------------------------------------
Demétrio Andrade

Demétrio de Andrade Bezerra Farias nasceu em Fortaleza-CE, em 1969. Bacharel em Comunicação Social pela
Universidade Federal do Ceará (UFC), exerce há mais de 10 anos a profissão de jornalista como assessor de
imprensa parlamentar e sindical, além de trabalhar com ONGs e outras instituições (governamentais e da sociedade
civil). É mestre em Sociologia pela UFC. É professor substituto do curso de Comunicação Social da UFC e do
curso de Publicidade e Propaganda das Faculdades Integradas do Ceará (FIC). Autor do livro “Procedimentos e
rotinas do gabinete parlamentar” (2003), em parceria com os sociólogis Geraldo Accioly e Rosana Garjulli;
--------------------------------------------------------------------------------

Vous aimerez peut-être aussi