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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

Parecer nº 0732/2018 – MNG/PGR


Recurso Especial N.º 1.736.193/SP (2018/0086937-8)
Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Recorrido: ISADORA KATERENHUNK
Recorrido: ALEXANDRE RODRIGUES
Recorrido: DIOGO ARAÚJO GONÇALVES CINTRA
Relator: Ministro ANTÔNIO SALDANHA PALHEIRO – Sexta Turma

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CONSTITUCIONAL, PENAL MILITAR E
PROCESSUAL PENAL MILITAR. RECURSO
ESPECIAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA DE
CIVIL. ART. 125, § 4º, DA CF C/C ART. 9º DO CPM
C/C ART. 82 DO CPPM. COMPETÊNCIA DO
TRIBUNAL DO JÚRI. PRECEDENTES.
RECONHECIMENTO DE SUPOSTA EXCLUDENTE DE
ILICITUDE. ARQUIVAMENTO DO IPM, DE OFÍCIO.
IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO SISTEMA

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ACUSATÓRIO E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
1. As diretrizes previstas na CF/88, bem com as
obrigações internacionais de tratados de direitos
humanos, conduzem à conclusão de que a
jurisdição penal militar tem competência restrita
para o julgamento de crimes envolvendo violação à
hierarquia, disciplina militar ou outros valores
tipicamente castrenses. Em atenção ao devido
processo legal e a um julgamento justo,
independente e imparcial (CF, art.5º, LIV), a teor do
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
(art. 14) e da Convenção Americana de Direitos
Humanos (art. 8º), aliado ao princípio da proibição
do retrocesso, é inafastável o reconhecimento da
competência do Tribunal do Júri para julgar
militares que cometerem crimes dolosos contra a
vida de civis.
2. O arquivamento, de ofício, pelo juízo militar,
sem requerimento do titular da ação penal, implica
julgamento antecipado da lide e irremediável
invasão de competência do Tribunal do Júri, além
de violar, frontalmente, o sistema acusatório
vigente no país.
3. O parecer é pelo conhecimento e provimento do
recurso especial, para se anular a decisão que
determinou o arquivamento do inquérito policial,
que deverá ser encaminhado ao Juízo do Júri da
comarca de São Paulo/SP, conforme requerido pelo
Ministério Público.
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

Excelentíssimo Senhor Ministro Relator,

1. Trata-se de recurso especial interposto pelo


Ministério Público do Estado de São Paulo, com base na alínea “a” do
permissivo constitucional, por violação ao artigo 9º, do Código Penal Militar,
e aos arts. 54 e 82, caput e § 2º, ambos do Código de Processo Penal Militar,

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contra acórdão do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, assim
ementado (e-STJ fl. 361):

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELO


MINISTÉRIO PÚBLICO – PEDIDO DE REMESSA DE
IPM PARA O TRIBUNAL DO JÚRI – CRIME DOLOSO
CONTRA A VIDA DE CIVIL PRATICADO POR
POLICIAIS MILITARES – DETERMINAÇÃO DE

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ARQUIVAMENTO INDIRETO DOS AUTOS PELO
MAGISTRADO - ALEGADO ERROR IN PROCEDENDO
– VERIFICAÇÃO PRÉVIA DO FATO QUE DEVE SER
REALIZADA PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA MILITAR,
COM MESMAS ATRIBUIÇÕES E CAPACIDADE DO
PROMOTOR DE JUSTIÇA DO JÚRI – EXCLUDENTE
DE ILICITUDE VERIFICADA QUE RETIRA A
ILICITUDE DO FATO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
MILITAR PARA ARQUIVAMENTO DOS AUTOS –
POSSIBILIDADE DE ARQUIVAMENTO INDIRETO. O
magistrado, não concordando com o pedido de
remessa do IPM para o Tribunal do Júri, determinou o
arquivamento indireto dos autos. Recurso em Sentido
Estrito interposto pelo Ministério Público visando
reanálise de decisão que reconheceu a inexistência de
crime militar. Exame primeiro dos fatos atinente à
Justiça Militar, pois o crime é militar. Verificada
excludente de ilicitude, inexistente o crime, devendo o
pedido de arquivamento ser proposto por Promotor de
Justiça Militar. Divergência entre o Ministério Público
e o juízo da Primeira Auditoria que impôs,
acertadamente, o arquivamento indireto do IPM.
Capacidade do Promotor de Justiça Militar para
realizar tal análise prévia, membro do Parquet que é.
Diante da divergência apresentada, correto o
arquivamento indireto dos autos. Recurso não provido.

A Polícia Militar do Estado de São Paulo instaurou o


Inquérito Policial Militar n. 28BPMM-031/06/15, em desfavor dos policiais

/EAF 2
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

militares Isadora Jaterenhuk, Cleber Brito Ribeiro, Diogo Araújo Gonçalves


Cintra e Alexandre Rodrigues, os quais, na data de 08/11/2015,
envolveram-se em ocorrência de morte de civil, decorrente de intervenção
policial, no qual “os fatos se deram, segundo versão dos policiais militares,
quando as equipes tomaram conhecimento, via rede de rádio (COPOM) de
roubo à residência pela Rua Arraial da Anta, onde 02 (dois) indivíduos foram

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detidos ilesos e outros iniciaram fuga pelos telhados das residências vizinhas,
momento em que chegou a informação, através da COPOM, de que pela
residência número 285 da via supracitada poderia haver indivíduos
homiziados, devido barulhos do quintal, tendo a 1ª Ten ISADORA, o Sd PM
CINTRA e o Sd PM ALEXANDRE adentrado ao corredor dos fundos para
averiguação, sendo que no final deste corredor surgiu 01 (um) indivíduo que,

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de posse de uma arma de fogo, efetuou disparos contra os milicianos, ato
contínuo este revidaram também efetuando disparos de arma de fogo, foi
quando o indivíduo foi atingido e veio cair ao solo.” (e-STJ fl. 04).

A conclusão das investigações (e-STJ fls. 115/121),


por parte do encarregado do IPM, Capitão Modesto de Oliveira Azevedo, no
que foi acompanhado pelo Major Denilson Miotto, na Solução do Feito (e-STJ
fls. 122/123), foi no sentido de que os policiais militares agiram em legítima
defesa, no estrito cumprimento do dever legal.

O Ministério Público, ao receber os autos, requereu a


remessa do feito à Justiça Comum, ressaltando que “Os fatos versam sobre
eventual crime de homicídio doloso de civil praticado por Policiais Militares, em
serviço, cuja competência para o processo e julgamento é da Justiça Comum,
nos termos do art. 124 da Constituição Federal.” (e-STJ fl. 261).

O magistrado de primeiro grau, porém, resolveu


proceder à análise do conteúdo do inquérito e, não obstante a expressa
manifestação do Parquet no sentido de falecer competência ao juízo militar
para o processo e julgamento do crime de homicídio doloso, acabou

/EAF 3
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

reconhecendo a presença de excludente de ilicitude e a consequente


inocorrência de crime militar. Assim, indeferiu o pedido ministerial e
determinou o arquivamento do feito, por ausência de justa causa e pelo
reconhecimento da legítima defesa (e-STJ fls. 262/286).

A sentença foi proferida em 14/03/2017 (e-STJ fl.

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286).

O MP-SP interpôs recurso em sentido estrito (e-STJ


fls. 288/292), aduzindo que “o dominus litis da ação penal é o Ministério
Público, a quem incumbe patrocinar as ações penais incondicionadas e
condicionadas à representação ou requisição do Ministro da Justiça, conforme
atribuição constitucional (art. 129, da Constituição Federal de 1988).” (e-STJ

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fl. 290), e que “A conduta avaliada nos autos constitui, em tese, crime doloso
contra a vida praticado por policiais militares contra civil. O que se refuta é a
possibilidade deste Juízo avaliar a presença de uma circunstância excludente
da ilicitude, vez que tal missão constitucional pertence ao Tribunal do Júri.
Inadequadamente, a r. decisão antecipou o próprio “meritum causae”,
suprimindo a instância judicial competente”. Nesses termos, requer o
encaminhamento dos autos originais ao E. Tribunal do Júri competente.” (e-
STJ fl. 291).

A Segunda Câmara do TJM-SP, por maioria, negou


provimento ao recurso ministerial, concluindo que “os crimes dolosos
cometidos por policiais militares com vítimas civis são crimes militares,
apenas houve alteração do juízo onde serão processados e julgados tais
delitos.” (e-STJ fl. 365), e que “Não há razão alguma para que a opinio delicti
do representante ministerial designado para esta Justiça Especializada seja
preterida, sendo plenamente capacitado para aferir se a hipótese do IPM é
realmente de delito a ser processado e julgado pelo Tribunal do Júri, não
havendo razão, sequer lógica, para que tal análise inicial seja feita
exclusivamente por algum dos Promotores do Júri. Ademais, se assim fosse,

/EAF 4
Ministério Público Federal
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não poderiam, sequer, requerer a complementação de diligências nos IPM's,


como ocorreu nos presentes autos.” (e-STJ fl. 366), sendo que “A verificação
inicial, se o crime contra a vida de civil é doloso ou não, é feito na Justiça
Militar, pelo Promotor de Justiça atuante nesta Especializada.” (e-STJ fl. 368).

O MP-SP opôs embargos infringentes, a fim de

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prevalecer o voto vencido, que dava provimento ao recurso e encaminhava os
autos à Justiça Comum.

O Plenário do TJM-SP, por maioria, rejeitou os


embargos, em acórdão assim ementado (e-STJ fls. 399/400):

POLICIAIS MILITARES – HOMICÍDIO -


ARQUIVAMENTO INDIRETO – RECURSO EM
SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO

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PÚBLICO NÃO PROVIDO – ARGUIÇÃO DE
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO MILITAR NOS TERMOS
DA LEI 9.299/96 E REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA
COMUM – EMBARGOS INFRINGENTES E DE
NULIDADE – COMPETÊNCIA PRÉ-PROCESSUAL DA
JUSTIÇA MILITAR PARA RECONHECER A
EXCLUDENTE DE ILICITUDE - RECURSO NÃO
PROVIDO Policiais militares, agindo amparados pelo
manto da excludente de ilicitude (legítima defesa),
envolveram-se em ocorrência com evento morte de
civil. O MM. Juiz de Direito, contrariando manifestação
ministerial, determinou o arquivamento do IPM. O
Recurso em Sentido Estrito interposto, por maioria,
negou provimento à remessa dos autos à Justiça
Comum. Os Embargos Infringentes opostos restaram
improvidos, também por maioria, mantendo o v.
Acórdão atacado por seus próprios e jurídicos
fundamentos. As respeitáveis argumentações do I.
Procurador de Justiça não procedem, pois, em que
pese a Lei nº 9.299/1996 ter excluído da Justiça
Militar a competência para processar e julgar os delitos
dolosos contra a vida praticados por policiais militares
em serviço ou atuando em razão da função, contra
civis, a competência pré-processual da Justiça
Castrense para analisar a excludente de ilicitude e o
arquivamento já foi objeto de exaustivo estudo tanto
pela 1ª Câmara, como pelo Pleno deste E. Tribunal.
Ademais, este posicionamento também é adotado pelo
STF e, saliente-se que o Promotor de Justiça que aqui
atua tem a mesma formação e capacitação para

/EAF 5
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

enfrentar a questão que o Promotor do Tribunal do


Júri.

O MP-SP interpõe, por fim, o presente recurso


especial (e-STJ fls. 431/444), com base na alínea “a” do permissivo
constitucional, por violação ao art. 9º, do CPM e aos arts. 54 e 82, caput e §

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2º, ambos do CPPM, reiterando a alegação de que, “se houve morte de civil
por Militar estadual e não se trata de homicídio culposo, o caso é de
competência da Justiça comum, desde a fase de inquérito.” (e-STJ fl. 441), e
que, no mais, “Não pode o IPM morrer em Cartório da Justiça Militar, contra
vontade de titular da ação penal, sem ter ido (no mínimo) à apreciação do
Procurador Geral de Justiça.” (e-STJ fl. 443), considerando que “É vedado ao

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Juiz de Direito avançar na verificação da causa excludente de tipicidade em
sede inquisitorial, sem imputação formalizada em denúncia, impedindo a ação
do dominus litis na ação penal.” (e-STJ fl. 443).

A defesa de Isadora Katerenhunk, Alexandre


Rodrigues e Diogo Araújo Gonçalves Cintra apresentou as contrarrazões ao
recurso especial (e-STJ fls. 452/454).

O Presidente do TJM-SP admitiu o processamento


do recurso (e-STJ fls. 457/460).

Os autos foram remetidos ao STJ e distribuídos à


relatoria do Ministro Antônio Saldanha Palheiro; em seguida, vieram ao
Ministério Público Federal, para a emissão de parecer.

2. O recurso merece ser conhecido.

O recurso especial, para ser conhecido, deve


preencher os pressupostos recursais genéricos – intrínsecos (cabimento,
legitimidade e interesse de recorrer) e extrínsecos, relacionados aos fatores
supervenientes à decisão (tempestividade, regularidade formal, inexistência
de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e preparo, quando a lei

/EAF 6
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Procuradoria Geral da República

assim o exigir), nos termos da legislação processual civil. Além disso,


também devem estar preenchidos os pressupostos específicos contidos no
artigo 105, III, da Constituição Federal, bem como o esgotamento das vias
ordinárias e o prequestionamento da matéria.

Nessa linha, verifica-se que estão preenchidos os

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pressupostos genéricos, uma vez que: (i) o recurso manejado é o cabível
diante do acórdão proferido pelo TJMSP; (ii) o recorrente possui legitimidade
e interesse em recorrer; (iii) o recurso afigura-se tempestivo e regular em sua
forma.

No que se refere aos pressupostos específicos, trata-


se de recurso manejado contra decisão de última instância proferida por

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uma Corte Estadual, no âmbito do qual se aponta contrariedade à lei federal
(art. 105, III, “a”, da CF), com o devido esgotamento das vias ordinárias,
porquanto incabível qualquer outro recurso no âmbito daquele Tribunal.

Da mesma forma, está presente o


prequestionamento, na medida em que as questões controvertidas e os
dispositivos contrariados foram amplamente debatidos no acórdão recorrido,
tendo havido inclusive divergência no próprio Tribunal a quo.

Por fim, cumpre destacar que, no presente caso, a


matéria é de direito, uma vez que não há necessidade de reexaminar fatos
e provas, mas apenas verificar se a hipótese dos autos diz respeito à violação
de competência do Tribunal do Júri, bem como da atuação do Ministério
Público, na qualidade de titular da ação penal pública.

Nessa ordem de consideração, o recurso especial é


de ser conhecido. No mérito, merece provimento, devendo o acórdão
recorrido ser reformado, diante da manifesta violação ao art. 9º, do CPM e
aos arts. 54 e 82, caput e § 2º, ambos do CPPM.

/EAF 7
Ministério Público Federal
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3. A Constituição Federal, em seu art. 124, dispõe


que “à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos
em lei”.

Ao analisar o referido dispositivo constitucional,


José Afonso da Silva1 ressalva que o alcance da lei, para a definição dos

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crimes militares, não é irrestrito. Confira-se:

3. CRIMES MILITARES. São definidos em lei. Mas,


como dissemos acima, há limites para essa definição.
Tem que haver um núcleo de interesse militar, sob
pena de a lei desbordar das balizas constitucionais. A
lei será ilegítima se militarizar delitos não
tipicamente militares. Assim, por exemplo, é exagero
considerar militar um crime passional só porque o
agente militar usou arma militar. Na consideração do

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que seja “crime militar” a interpretação tem que
ser restritiva, porque, se não, é um privilégio, é
especial, e exceção ao que deve ser para todos.
(…)
A mesma interpretação restritiva, ditada pela
excepcionalidade que deve reger a atuação dos Órgãos
da Justiça Militar, há de estar presente na
consideração da hipótese de crimes praticados por
militar em situação de atividade contra militar na
mesma situação (a expressão em atividade sendo
entendida não como traduzindo o estar em serviço,
mas sim a situação de quem está na ativa), exigindo-
se, aqui também, para a configuração na natureza
militar da infração penal, uma concreta afetação do
regular funcionamento das instituições militares, de
modo a, ultrapassando o caráter meramente
interindividual do conflito, atingir a conduta, direta ou
indiretamente, bens jurídicos de que sejam titulares as
Forças Armadas. (g.n.)

No mesmo sentido, Eugênio Pacelli 2 entende que,


“Para que se possa admitir um crime como de natureza militar, parece-nos
indispensável, ou uma ação dirigida contra a instituição, ou uma ação
1 SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 2 ed. São Paulo: Malheiros.
2006, p. 588.
2 PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 21 ed. (revista, atualizada e ampliada). São
Paulo: Atlas, 2017, p. 264.

/EAF 8
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praticada pelo militar, do mesmo modo que se exige, para os chamados crimes
políticos a motivação política da conduta (Lei n° 7.170/83, art. 2°). Tampouco
é suficiente a condição de militar, como, aliás, se ressaltou na decisão do
Supremo Tribunal Federal.”.

O Supremo Tribunal Federal, de igual modo,

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também restringe a competência da Justiça Militar àquelas situações nas
quais haja uma atividade tipicamente militar:

COMPETÊNCIA - CRIME - MILITARES NO EXERCÍCIO


DE POLICIAMENTO NAVAL - JUSTIÇA MILITAR X
JUSTIÇA FEDERAL "STRITO SENSU".
A atividade, desenvolvida por militar, de
policiamento naval, exsurge como subsidiária,
administrativa, não atraindo a incidência do
disposto na alínea "d" do inciso III do artigo 9º do

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Código Penal Militar. A competência da Justiça
Militar, em face da configuração de crime de
idêntica natureza, pressupõe prática contra militar
em função que lhe seja própria. Competência da
Justiça Federal - "strito sensu". Envolvimento de
agente titular do mandato de prefeito e definição da
competência do Tribunal Regional Federal.
Precedentes: recurso criminal nº 1.464-2/MG, relatado
pelo Ministro Sydney Sanches perante a Primeira
Turma, com aresto veiculado no Diário da Justiça de
19 de fevereiro de 1987, habeas-corpus nº 68.928-
1/PA, relatado pelo Ministro Néri da Silveira, perante a
Segunda Turma, com acórdão publicado no Diário da
Justiça de 19 de dezembro de 1991, página 18.710,
habeas-corpus nº 69.649-0/DF, relatado pelo Ministro
Carlos Velloso perante a Segunda Turma, com aresto
publicado no Diário da Justiça de 5 de fevereiro de
1993, habeas-corpus nº 68.967-1/PR, relatado pelo
Ministro Paulo Brossard perante o Plenário, com
acórdão veiculado no Diário da Justiça de 16 de abril
de 1993 e recurso extraordinário nº 141.021-3/SP,
relatado pelo Ministro Ilmar Galvão perante o Plenário,
com aresto veiculado no Diário da Justiça de 7 de
maio de 1993.
(STF, CC 7030, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
Tribunal Pleno, julgado em 02/02/1996, DJ 31-05-
1996 PP-18800 EMENT VOL-01830-01 PP-00055)
(g.n.)

/EAF 9
Ministério Público Federal
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De fato, “A caracterização do crime militar em


decorrência da aplicação do critério ratione personae previsto no art. 9º, II,
“a”, do CPM deve ser compreendido à luz da principal diferença entre o
crime comum e o crime militar impróprio: bem jurídico a ser tutelado.
Nesse juízo, portanto, torna-se elemento indispensável para configuração do
tipo penal especial (e, portanto, instaurar a competência da Justiça Militar da

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União) a demonstração de ofensa a bens jurídicos de que sejam titulares as
Forças Armadas. Daí a convergência de entendimento, na
jurisprudência do STF, de que o delito cometido fora do ambiente
castrense ou cujo resultado não atinja as instituições militares será
julgado pela Justiça comum. Precedentes.” (STF, HC 117254, Relator(a):
Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 30/09/2014,

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PROCESSO ELETRÔNICO DJe-201 DIVULG 14-10-2014 PUBLIC 15-10-
2014) (g.n.).

Com efeito, “O que irá definir a competência da


justiça castrense e a aplicação da norma especial é exatamente a
especificidade de ter sido o crime praticado em detrimento de
interesses de Instituições Militares, bem como, no presente inciso I, a
existência do delito expressamente previsto no Código Penal Militar , com base
na expressa previsão os crimes de que trata êste Código, sendo, portanto,
indiferente a condição de militar para configuração do delito, para aplicação
do mencionado inciso.” (STJ, CC 146.582/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/08/2016, DJe 17/08/2016) (g.n.).

A competência da justiça militar, portanto,


decorre da necessidade de dar especial proteção à instituição militar e a
valores a ela inerentes, como a disciplina e a hierarquia, devendo o fato
delituoso, assim, colocar em perigo esse bem jurídico.

Não foi, porém, o que ocorreu na espécie.

/EAF 10
Ministério Público Federal
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De fato, a conduta em apuração diz respeito a


crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil, decorrente
de intervenção policial em crime de roubo, situação que não se insere
na excepcional necessidade de proteção à instituição militar.

Nesses casos, é expressa tanto na Constituição da

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República quanto na legislação ordinária, a competência do Tribunal do
Júri.

Com efeito, a EC nº 45, de 8 de dezembro de 2004,


modificou o § 4º3 do art. 125 da Constituição, para ressalvar que os
militares dos Estados, nos crimes dolosos contra a vida praticados
contra civis, serão julgados pelo Tribunal do Júri.

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Incide, ainda, a regra inserta do art. 9º, § 1º, do
CPM, segundo a qual “Os crimes de que trata este artigo, quando
dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da
competência do Tribunal do Júri.” (g.n.). No mesmo sentido, o artigo 82,
do Código de Processo Penal Militar, na redação dada pela Lei 9.299/96, que
diz, expressamente, que “O foro militar é especial, e, exceto nos crimes
dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em
tempo de paz: ….”.

Não é competente, portanto, a Justiça Militar,


quando se trata de crime doloso contra a vida praticado por militar contra
civil.

Nesses casos, Eugênio Pacelli4 reafirma a


competência do Tribunal do Júri, asseverando que, “mesmo o crime
praticado por militar contra civil, quando contra a vida, é da competência do

3 “Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes
militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada
a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir
sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.” (g.n.)
4 Idem, p. 264.

/EAF 11
Ministério Público Federal
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Tribunal do Júri, por força do que se contém na Lei n° 9.299/96. […] Então, do
ponto de vista constitucional, não há como aplicar o delito previsto no citado
CPM sem que se tenha presente uma lesão à instituição militar, em razão dela
mesma.”.

O Código de Processo Penal Militar,5 igualmente, ao

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disciplinar acerca do foro militar, prevê a remessa do feito à Justiça
Comum, nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil.

Ainda no que diz respeito à incompetência da


Justiça Castrense, cumpre registrar que a 2ª Câmara de Coordenação e
Revisão do MPF criou, em 25 de novembro de 2011, o Grupo de Trabalho
Justiça de Transição e Direito à Memória e à Verdade, em que foram abertas

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investigações, no âmbito criminal, sobre mortes e desaparecidos na Ditadura
Militar Brasileira, inclusive, considerando as conclusões da Comissão
Nacional da Verdade.

A 2ª CCR/MPF, desde então, vem se posicionado


com base na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, 6
no sentido de que a definição da competência da Justiça Militar deve ser
restritiva, “Logo, além dos crimes dolosos contra a vida e aqueles que não
encontram previsão no Código Penal Militar, devem ser julgados pela Justiça
Comum todos os demais crimes contra a humanidade praticados por
militares, ou por civis sob comando militar. A competência da Justiça Militar
não é admissível para o julgamento desses graves delitos contra os direitos
humanos.”.7

5 “Art. 82 O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados
contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz: (…) § 2° Nos crimes dolosos contra a vida,
praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à
justiça comum.”
6 Caso 19 COMERCIANTES; caso ALMONACID ARELLANOS; caso CANTORAL BENAVIDES;
caso DURANTE Y UGARTE; caso LAS PALMERAS. Disponível em:
<http://www.corteidh.or.cr. Acesso em: 10 jul. 2018.
7 Caso LAS PALMERAS, citado no Processo MPF Nº 1.00.000.007053/2010-86 e
1.00.000.0118017/2010-01.

/EAF 12
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

Vale registrar que se trata, aqui, de hipótese de


crime praticado por Policial Militar, em que a inexistência de competência da
Justiça Militar é expressa e indiscutível. Caso se tratasse de militar das
Forças Armadas, poder-se-ia discutir se é ou não constitucional a alteração
legislativa no § 2º do art. 9º do CPM, 8 deslocando a competência do Tribunal
do Júri para a Justiça Militar, nos casos de crimes dolosos contra a vida

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cometidos por militares das Forças Armadas9 contra civil.

Ainda assim, vale registrar que tramita no STF a


Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5901/DF, 10 objetivando a declaração
de inconstitucionalidade do referido preceito, com parecer da Procuradoria-
Geral da República, que se manifestou nos seguintes moldes, verbis:

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.
13.491/17. ALTERAÇÃO DO ART. 9º, § 2º, DO
CÓDIGO PENAL MILITAR. TRANSFERÊNCIA PARA A
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO DO
JULGAMENTO DE CRIMES DOLOSOS CONTRA A
VIDA COMETIDOS POR MILITAR DAS FORÇAS
ARMADAS CONTRA CIVIL, NAS HIPÓTESES
RELACIONADAS. DERROGAÇÃO INCONSTITUCIONAL
DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.
GARANTIA INDIVIDUAL. INFLUÊNCIA SOBRE A
DEFINIÇÃO DE CRIME MILITAR, PARA FINS DE
FIXAÇÃO DA JURISDIÇÃO MILITAR. PERSPECTIVA
DA VÍTIMA: DIREITO À INVESTIGAÇÃO PRONTA E
JUSTA, POR ÓRGÃO INDEPENDENTE E IMPARCIAL.
DISTINÇÃO INDEVIDA E INJUSTIFICADA ENTRE
POLICIAIS MILITARES ESTADUAIS E FEDERAIS.
8 “Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
(…)
§ 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por
militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da
União, se praticados no contexto:” (g.n.)
9 Conforme dispõe o art. 142 da CF/88: “As Forças Armadas, constituídas pela
Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do
Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” (g.n.).
10 O Plenário do STF, em 05/04/2018, iniciou o julgamento da ADI n. 5901/DF, ocasião
em que o Ministro Marco Aurélio (relator) votou pela sua improcedência, tendo sido
divergido pelo Ministro Edson Fachin, no que foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de
Moraes, sendo que, após, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.

/EAF 13
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

CONSIDERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO


RETROCESSO. PEDIDO DE ADITAMENTO DA INICIAL
PARA INCLUSÃO DE LEGISLAÇÃO PRETÉRITA QUE
PADECE DO MESMO VÍCIO. PARECER PELO
CONHECIMENTO DA AÇÃO E PELA PROCEDÊNCIA
DOS PEDIDOS.
1. É inconstitucional a derrogação da competência do
tribunal do júri para o julgamento de crimes dolosos
contra a vida, considerada norma protetiva de direito

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fundamental do acusado, insuscetível de supressão
por ato normativo infraconstitucional.
2. A delegação ao legislador ordinário da definição do
que seja crime militar não dá margem à fixação
arbitrária de jurisdição militar fora do âmbito de
crimes tipicamente militares, com reflexo sobre a
organização constitucional de competências e, de
modo mais grave, com mitigação da garantia
constitucional do Júri.
3. A mesma lógica que expressamente impôs a

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competência do tribunal do júri para os crimes dolosos
contra a vida praticados por militares dos Estados
contra civis deve ser transposta aos militares federais,
sob pena de afronta injustificada ao princípio da
igualdade. O caráter da atividade define-se pelo que ela
de fato é, e não por quem a exerce, sendo ofensivo
também ao princípio republicano garantir a
especialidade de foro em situação em que ausente
motivação constitucional ou de qualquer outra ordem
para tanto.
4. Do ponto de vista da realização de justiça às vítimas
da ação militar, a independência dos órgãos de
investigação é fator fundamental para que se evite a
impunidade e seja realizado o devido processo legal
para todos os envolvidos.
5. As alterações normativas pretéritas referentes à
jurisdição militar fizeram avançar para patamar
legislativo consentâneo com a nova ordem
constitucional e internacional que não pode ser
desfeito sem grave desrespeito à proibição do
retrocesso.
6. É cabível o aditamento da inicial da ação para
inclusão de legislação que padece do mesmo vício de
inconstitucionalidade da impugnada, para evitar o
efeito repristinatório do ato revogado, quando
requerido por pessoa legitimada ao ajuizamento de
nova ADI, em respeito aos princípios da economia e da
celeridade processuais.
7. Parecer pelo conhecimento da ação e pela
procedência dos pedidos, com requerimento de

/EAF 14
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

aditamento da inicial para inclusão, no pedido de


declaração de inconstitucionalidade, do parágrafo
único do art. 9º do CPM, com a redação que lhe
conferiu a Lei n. 12.432/2011.

No processo acima descrito, o MPF concluiu que as


diretrizes previstas na CF/88, bem como as obrigações internacionais de
tratados de direitos humanos, conduzem à conclusão de que a jurisdição

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penal militar tem competência restrita ao julgamento de crimes envolvendo
violação à hierarquia, disciplina militar ou outros valores tipicamente
castrenses, de modo que, em atenção ao devido processo legal e a um
julgamento justo, independente e imparcial (CF, art.5º, LIV), a teor do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14) e da Convenção Americana
de Direitos Humanos (art. 8º), aliado ao princípio da proibição do retrocesso,

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é imprescindível a manutenção da competência do Tribunal do Júri para
julgar militares que cometerem crimes dolosos contra a vida de civis.

Trata-se de conclusões inteiramente aplicáveis ao


caso em foco, demonstrando a inafastabilidade da competência do Tribunal
do Júri para o processo e julgamento de crimes dolosos contra a vida
cometidos por militares contra civis.

Não resta nenhuma dúvida, portanto, de que, à


luz da Constituição e da legislação ordinária, a competência para o
processo e julgamento do crime de homicídio doloso objeto dos
presentes autos, praticado por Policiais Militares contra civil, é do
Tribunal do Júri e não da Justiça Militar, nos termos dos artigos 124 e
125,§ 4º, da Constituição da República, artigo 9º, do Código Penal
Militar, e arts. 54 e 82, caput e § 2º, ambos do Código de Processo Penal
Militar.

4.- Estabelecido que a competência para o processo


e julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por policial militar
contra civil é do Tribunal do Júri – e, portanto, não é da Justiça Militar –

/EAF 15
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

tem-se, como corolário, que também é do Juízo do Tribunal do Júri a


competência para apreciar eventual arquivamento promovido pelo Ministério
Público.

Realmente, apenas o Juízo que tem competência


para processar e julgar pode ter a competência para não processar. Admitir

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que outro Juízo, que não tem competência para processar e julgar,
determine o arquivamento da respectiva investigação é admitir manifesta e
indevida usurpação da competência, o que, evidentemente, não se pode
conceber.

Em verdade, o próprio inquérito não deveria ter


tramitado perante a Justiça Militar, mas ter sido remetido, tão logo

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constatada a possível prática de crime doloso contra a vida, à Justiça
Comum.

Com efeito, já se decidiu que “a interpretação


conforme a Constituição Federal do artigo 82, § 2º, do Código de
Processo Penal Militar compele à remessa imediata dos autos de
inquérito policial quando em trâmite sob o crivo da justiça militar,
assim que constatada a possibilidade de prática de crime doloso
contra a vida praticado por militar em face de civil.”, pois, “aplicada a
teoria dos poderes implícitos, emerge da competência de processar e
julgar, o poder/dever de conduzir administrativamente inquéritos
policiais.” (STJ, CC 144.919/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, DJe
01/07/2016) (g.n.).

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1.


CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. MILITAR CONTRA
CIVIL. ART. 125, § 4º, DA CF. RECONHECIMENTO DE
EXCLUDENTE DA ILICITUDE. ARQUIVAMENTO.
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.
PRECEDENTES. 2. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO.

/EAF 16
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

1. A competência da Justiça Militar tem previsão


constitucional, ressalvando-se a competência do
Tribunal do Júri nos casos em que a vítima for
civil, conforme art. 125, § 4º, da CF. Dessa forma,
assentou a Terceira Seção do Superior Tribunal de
Justiça, que, nesses casos, o inquérito policial
militar deve ser remetido de imediato à Justiça
Comum, pois, "aplicada a teoria dos poderes
implícitos, emerge da competência de processar e

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julgar, o poder/dever de conduzir
administrativamente inquéritos policiais" (CC
144.919/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira
Seção, julgado em 22/6/2016, DJe 1/7/2016).
Portanto, não é da competência do Juiz Militar
determinar o arquivamento do inquérito policial
militar, que investiga crime doloso contra a vida
praticado por militar contra civil, em virtude do
reconhecimento de excludente de ilicitude.
Precedentes.

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2. Habeas corpus não conhecido.
(STJ, HC n. 306.243/SP, Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, Quinta Turma, DJe 17/2/2017) (g.n.)

Já sob este aspecto, não pode prevalecer a decisão


do Juízo Militar que, apesar de incompetente para o processo e julgamento
do caso, determinou o arquivamento do inquérito, impedindo, assim, sua
apreciação pelo Juízo competente. Incompetente o Juízo, a decisão proferida
é manifestamente nula.

5.- O exame dos autos revela, porém, que a nulidade


decorre, ainda, de outra circunstância, qual seja, a de que o arquivamento
foi determinado à revelia do Ministério Público, dominus litis, único
órgão legitimado a promover o arquivamento de um inquérito que
investiga crime de ação pública, como é o caso.

É o que decorre do sistema acusatório, vigente em


nosso ordenamento jurídico, e que impõe a separação das funções de
investigar e de julgar.

/EAF 17
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

Sobre as características do sistema acusatório e sua


diferença com o sistema inquisitório, ensina LUIGI FERRAJOLI:

(...)
Justamente, pode-se chamar acusatório todo sistema
processual que tem o juiz como um sujeito passivo
rigidamente separado das partes e o julgamento
como um debate paritário, iniciado pela acusação,

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à qual compete o ônus da prova, desenvolvida com
a defesa mediante um contraditório público e oral,
e solucionado pelo juiz, com base em sua livre
convicção. Inversamente, chamarei “inquisitório”
todo sistema processual em que o juiz procede de
ofício à procura, à colheita e à avaliação das
provas, produzindo um julgamento após uma
instrução escrita e secreta, na qual são excluídos
ou limitados o contraditório e os direitos da
defesa.11

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O sistema acusatório reflete-se, pois, na nítida
separação entre a função da acusação e a função de julgamento, não
admitindo que o órgão designado para uma realize atos próprios da outra.
Ainda no ensinamento de FERRAJOLI:

De todos os elementos constitutivos do modelo teórico


acusatório, o mais importante, por ser estrutural e
logicamente pressuposto de todos os outros,
indubitavelmente é a separação entre juiz e
acusação.12
Não há dúvida de que, no sistema pátrio, não há
nenhuma confusão entre o órgão que acusa e o órgão que julga. Daí o seu

11 Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, Ed. RT, 2002, Tradutores Ana Paula
Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. (g.n.)
12 Op. Cit., p. 454.

/EAF 18
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

perfeito enquadramento no chamado sistema acusatório 13, o que, inclusive,


tem sido expressamente reconhecido em decisões judiciais e administrativas.

Ora, no caso dos autos, o Ministério Público, titular


da ação penal, não se manifestou sobre o mérito das investigações, muito
menos sobre a existência ou não de causa excludente de ilicitude, tendo se

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limitado a requerer “a remessa dos autos à Justiça Comum Estadual, cujo
Órgão tenha jurisdição e competência sobre o local dos fatos”, sob o
fundamento de que “Os fatos versam sobre eventual crime de homicídio
doloso de civil praticado por Policiais Militares em serviço, cuja competência
para o processo e julgamento é da Justiça Comum, nos termos do art. 124 da
Constituição Federal” (fl. 261e).

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Não era, portanto, como não é dado ao magistrado,
sponte propria, determinar o arquivamento do inquérito. A promoção do
Ministério Público, órgão legitimado a requerer o arquivamento ou oferecer a
denúncia, é absolutamente indispensável, dentro do sistema acusatório. No
âmbito do processo penal militar, essa atribuição está expressa no artigo 54
do Código de Processo Penal Militar14, não podendo ser afastada, como
acabou sendo, pelo acórdão recorrido.

Como já se decidiu, “Não poderia o Juiz-Auditor


determinar o pretendido arquivamento do inquérito, sem o competente
13 Parte da doutrina sustenta que o sistema brasileiro é misto, tendo em vista alguns
dispositivos do CPP que permitem ao juiz determinar a produção de certas provas. Porém,
como conclui EUGENIO PACELLI DE OLIVEIRA, após analisar as situações que poderiam
descaracterizar o sistema acusatório, “limitada a iniciativa probatória do juiz brasileiro ao
esclarecimento de dúvidas surgidas a partir de provas produzidas pelas partes no processo
– e não na fase de investigação – e ressalvada a possibilidade de produção ex officio daquela
(prova) para a demonstração da inocência do acusado, pode-se qualificar o processo penal
brasileiro como um modelo de natureza acusatória, tanto em relação às funções de
investigação quanto às funções de acusação, e, por fim, quanto àquelas de julgamento” (in
Curso de Processo Penal, 11ª edição, Ed. Lumen Juris, 2009, p. 452).
14 “Art. 54. O Ministério Público é o órgão de acusação no processo penal militar, cabendo ao
procurador-geral exercê-la nas ações de competência originária no Superior Tribunal Militar e
aos procuradores nas ações perante os órgãos judiciários de primeira instância.
Parágrafo único. A função de órgão de acusação não impede o Ministério Público de opinar
pela absolvição do acusado, quando entender que, para aquêle efeito, existem fundadas
razões de fato ou de direito.”

/EAF 19
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

requerimento do Ministério Público, titular da ação penal.” (STF, HC


7940/MS, Rel. Min. Otavio Gallotti, Primeira Turma, julgamento em
29/06/1999) (g.n.).

Em hipótese em tudo semelhante à presente,


decidiu, também, essa C. Corte:

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RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL MILITAR E
PROCESSO PENAL MILITAR. CRIME DOLOSO
CONTRA A VIDA DE CIVIL. ART. 125, § 4º, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ART. 9º DO CÓDIGO
PENAL MILITAR. ART. 82 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL MILITAR. RECONHECIMENTO DE SUPOSTA
EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ARQUIVAMENTO DO
IPM. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.
CASSAÇÃO DO ACÓRDÃO A QUO.
1. O cerne da controvérsia cinge-se a saber se a

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Justiça Militar detém competência para - sem o
expresso requerimento do representante do Ministério
Público - proceder ao arquivamento indireto de
inquérito policial militar por entender que os
policiais militares indiciados agiram acobertados
supostamente por alguma excludente de ilicitude
(legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal).
2. É de meridiana evidência que, no Direito Penal, no
qual convergem conflitos entre o direito à liberdade do
indivíduo e o ius puniendi estatal, a legalidade se
destaca como um dos princípios basilares.
3. O arquivamento indireto, ex officio, pelo Magistrado
do juízo militar implica julgamento antecipado da lide
e irremediável invasão de competência do Tribunal do
Júri.
4. Não é da competência da Justiça Militar
determinar o arquivamento indireto do inquérito
policial militar, no qual se investiga crime doloso
contra a vida praticado por militar contra civil, em
razão do reconhecimento de suposta excludente de
ilicitude, sem a existência de manifestação do
Parquet em sentido semelhante.
5. Recurso especial provido para, ao cassar o acórdão
a quo, determinar o encaminhamento do inquérito
policial militar, em desfavor dos recorridos, ao juízo do
Júri da comarca de São Paulo/SP.
(STJ, REsp 1689804/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis
Júnior, Sexta Turma, julgado em 17/10/2017, DJe
27/10/2017) (g.n.)

/EAF 20
Ministério Público Federal
Procuradoria Geral da República

Portanto, também em razão da ausência de


promoção do Ministério Público nesse sentido, não era dado ao Juiz Militar
determinar o arquivamento do inquérito policial militar.

Em suma, seja porque o Juízo Militar é


incompetente, seja porque não houve nenhuma promoção de arquivamento

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pelo dominus litis, a decisão que determinou o arquivamento do inquérito
policial militar se deu em manifesta desobediência às regras constitucionais
e legais sobre competência, ao sistema acusatório e ao devido processo legal,
sendo inafastável, por isso, o reconhecimento de sua nulidade.

6. Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público


Federal pelo conhecimento e provimento do recurso especial, para,

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restabelecendo-se a integral vigência do artigo 9º, do Código Penal Militar, e
arts. 54 e 82, caput e § 2º, ambos do Código de Processo Penal Militar, bem
como a do artigo 125, § 4º, da Constituição da República, reformar o acórdão
recorrido, anulando a decisão de primeiro grau, que determinou o
arquivamento do inquérito, ordenando-se, outrossim, a imediata remessa
dos autos ao Juízo de uma das Vara do Júri da comarca de São Paulo/SP,
para que o órgão do Ministério Público lá oficiante possa manifestar-se sobre
as conclusões do inquérito.

Brasília, 18 de julho de 2018.

MÔNICA NICIDA GARCIA


SUBPROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA

/EAF 21

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