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Motriz, Rio Claro, v.18 n.1, p.120-129, jan./mar.

2012

Artigo Original

A inovação e o desinvestimento pedagógico na Educação Física


escolar: uma leitura a partir da teoria do reconhecimento social

Bruno de Almeida Faria 1


Thiago da Silva Machado 1
Valter Bracht 2
1
Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Espírito
Santo, Vitória, ES, Brasil
2
Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo,
Vitória, ES, Brasil
Resumo: Este artigo pretende discutir a teoria do reconhecimento social de Axel Honneth, objetivando
explicitar o potencial dessa teoria para melhor compreender as relações intersubjetivas construídas na
cultura escolar e o processo de construção das identidades dos professores de Educação Física. A
condição de “segunda classe” da Educação Física na escola implica que a luta por reconhecimento se
constitua num elemento fundamental da construção das identidades dos professores da área, uma vez que
o sentido de “ser” professor de Educação Física tem uma relação estreita com as condições de
reconhecimento da área/disciplina na escola.
Palavras-chave: Educação Física. Reconhecimento. Ensino.

Pedagogical innovation and divestment in school physical education: a social recognition


theory-based approach
Abstract: This article aims at discussing Axel Honneth’s theory of social recognition in order to highlight this
theory's potential to better understand the intersubjective relationships built in school settings, as well as the
construction of physical education teachers’ identities. The “second class” status of physical education
means that the fight for recognition should represent a fundamental element in the construction of these
teachers’ identities, as the sense of "being" a physical education teacher is closely related to the conditions
for recognizing this subject/field in schools.
Key Words: Physical Education. Recognition. Teaching.

1
Introdução inovadores (FARIA et al., 2010) quanto daqueles
2
Este texto objetiva apresentar e discutir a em estado de desinvestimento pedagógico
teoria do reconhecimento social de Axel Honneth (MACHADO et al., 2010). Entre outras questões,
(2003, 2007) como ferramenta possível para a pudemos perceber que alguns elementos da
compreensão das práticas pedagógicas cultura escolar estão atrelados às dimensões do
escolares. Mesmo que de modo preliminar, reconhecimento social dos sujeitos. Nesse
pretendemos explicitar o potencial dessa teoria sentido, tal categoria ganha centralidade na
para melhor compreender as relações análise dos casos por nós estudados.
intersubjetivas na cultura escolar e o processo de Dessa maneira, levando em consideração
construção das identidades dos professores. nossos primeiros olhares sobre as dimensões do
A nossa aproximação com o debate sobre o reconhecimento social e sua importância para a
reconhecimento, principalmente pela obra de Axel compreensão das relações intersubjetivas na
Honneth, deu-se em função de uma demanda por
melhor compreensão das práticas pedagógicas 1
Estamos cientes do quão problemático é esse conceito. Daí
por nós estudadas. Referimo-nos aqui ao estudo a opção por utilizá-lo num sentido bem amplo, tomando-o
como ponto de partida para o trabalho empírico. Inovação foi
que realizamos anteriormente, intitulado:
entendida, inicialmente, como toda e qualquer prática
“Educação Física escolar: entre práticas pedagógica que buscava superar a tradição instalada.
2
inovadoras e o desinvestimento pedagógico”. Esse conceito foi inspirado em Huberman (1995). No
entanto, o desinvestimento é considerado por nós mais como
Naquela ocasião, interessava-nos compreender um estado do que uma fase da carreira como em Huberman.
como são construídas as práticas pedagógicas de No caso específico da EF, o desinvestimento, por nós
adjetivado de pedagógico, corresponde àqueles casos em
professores de Educação Física (EF) escolar, que os professores permanecem em seus postos, mas
tanto daqueles que estamos chamando de abandonam o compromisso com a qualidade do trabalho
docente.
A inovação e o desinvestimento pedagógico na Educação Física escolar

cultura escolar, pretendemos explorar, por meio Honneth defende que, para a atualização da
de um ensaio especulativo, referenciado nos teoria social de Hegel, é preciso apresentar uma
dados das pesquisas mencionadas, o potencial lógica moral dos conflitos sociais, tratando a luta
da teoria do reconhecimento de A. Honneth. social não mais por meio de uma teoria idealista
da razão, mas sim adequando a teoria a um
A luta por reconhecimento: a renovação pensamento empirista, pós-metafísico.
da teoria crítica da sociedade por Axel
Honneth A nova formulação da Teoria Crítica de Axel
O debate contemporâneo sobre o Honneth tem como pressuposto embrionário o
reconhecimento social é muito influenciado pelos apontamento de “déficits sociológicos” nas
3 4
escritos de Hegel do período de Jena. Esses formulações anteriores da Teoria Crítica, desde
escritos, anteriores à sua conhecida Filosofia do Adorno e Horkheimer até Habermas. Na teoria
Direito, fornecem a base teórica que permite aos habermasiana, por exemplo, o principal déficit
autores construir suas renovações e atualizações apontado por Honneth é que a dimensão do
da teoria social do reconhecimento. Um dos conflito social fica em segundo plano, não
pensadores mais expoentes da chamada ressaltando o conflito em torno das violações das
renovação teórica dos escritos do jovem Hegel é pretensões de identidade adquiridas na
Axel Honneth, considerado como pertencente à socialização (WERLE, 2008).
terceira geração da Escola de Frankfurt. Honneth destaca, no cenário atual, a
Honneth, na releitura que faz dos escritos de importância das relações intersubjetivas de
Hegel, indica algumas revisões necessárias para reconhecimento para a compreensão da dinâmica
que essa teoria tenha validade na produção do das relações e conflitos sociais. Quer dizer, na
conhecimento no período da alta modernidade. perspectiva desse autor, que o conflito social
Nesse sentido, aponta a necessidade de retoma seu lugar de prestígio na produção teórica
reconstruir a tese inicial de Hegel à luz de uma dos estudos frankfurtianos, principalmente, em
psicologia social empiricamente sustentada função de as lutas por reconhecimento derivadas
(HONNETH, 2003). Além da atualização teórica desses conflitos se apresentarem como
supracitada, Honneth (2003, p.121) indica outros elementos centrais da teoria crítica da sociedade.
dois aspectos necessários à renovação da teoria Como observa Honneth (2003, p.155):
do reconhecimento social: o primeiro deles é que O ponto de partida dessa teoria da sociedade
deve ser constituído pelo princípio no qual o
antes que se possa retomar a tipologia elaborada pragmatista Mead coincidira fundamentalmente
por Hegel, é “[...] necessária uma fenomenologia com o primeiro Hegel: a reprodução da vida
empiricamente controlada das formas de social se efetua sob um imperativo de um
reconhecimento recíproco porque os sujeitos só
reconhecimento”, para que a proposta de Hegel podem chegar a uma auto-relação prática
possa ser analisada e corrigida; já o outro aspecto quando aprendem a se conceber, da
diz respeito à possibilidade de se atribuir às perspectiva normativa de seus parceiros de
interação, como seus destinatários sociais.
respectivas formas de reconhecimento recíproco
experiências correspondentes de desrespeito O reconhecimento pelos demais membros de
social, assim como sobre a possibilidade de uma comunidade é tratado pelo autor, portanto,
serem encontradas comprovações históricas e como instrumento fundamental para a autonomia
sociológicas para a ideia de que essas formas de e a autorrealização dos indivíduos, uma vez que é
desrespeito social foram, de fato, fonte no reconhecimento social intersubjetivo que os
motivacional de confronto social. indivíduos e os grupos formam suas identidades.
Entretanto, quando não há esse reconhecimento,
é desencadeada uma luta por reconhecimento na
3
tentativa de restabelecer ou criar novas condições
Georg Wilhelm Friedrich Hegel é um filosofo (1770-1831),
intersubjetivas de reconhecimento. O indivíduo ou
considerado um dos principais teóricos do idealismo alemão.
Sua principal obra é a Fenomenologia do Espírito. grupo não reconhecido é visto como de “segunda
4
A denominação “Período de Jena” é uma caracterização classe”, pois seus papéis e status se configuram
dada aos escritos da juventude de Hegel, os quais não foram
desenvolvidos posteriormente pelo autor. Nessa fase, Hegel diferentemente dos padrões dominantes.
constrói as bases para uma teoria da justiça com alicerçes na
experiência do reconhecimento social. Os principais autores A atualização sistemática da teoria do
que nela se referenciam são Axel Honneth, Nancy Fraser e reconhecimento que Honneth se compromete a
Charles Taylor.

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realizar tem o seu apoio fundamental na indivíduos pelo argumento de que, nas relações
psicologia social de George Herbert Mead. A interativas, o sujeito toma consciência de sua
teoria de Mead equipara-se ao ideal de Hegel, própria subjetividade. “Um sujeito somente dispõe
como comenta Honneth (2003, p. 125): “[...] ela de um saber sobre o significado intersubjetivo de
também procura fazer da luta por reconhecimento suas ações quando ele está em condições de
o ponto referencial de uma construção teórica que desencadear em si próprio a mesma reação que
deve explicar a evolução moral da sociedade”, sua manifestação comportamental causou, como
bem como ressalta que as relações estímulo, no seu defronte” (HONNETH, 2003, p.
intersubjetivas estão interligadas à experiência do 129). Daí surge a defesa de que, nas relações de
reconhecimento. reconhecimento, nas quais o sujeito se concebe
como objeto na relação com o outro, o sujeito
Honneth, embasado nos estudos psicológicos
chega a uma consciência de sua identidade.
de Mead, caminha em dois sentidos: o primeiro
diz respeito à retomada do elo entre a teoria Honneth (2003) identifica três dimensões do
crítica e os estudos da psicologia social; já o reconhecimento social, a autorrelação prática do
segundo sentido se refere à função assumida “amor”, do “direito” e da “solidariedade”. Para
pela teoria psicológica social de “[...] esclarecer além disso, apresenta também formas de
como surge a consciência do significado das denegação do reconhecimento, ou seja, formas
ações sociais” (MATTOS, 2006, p. 88), fato que de desrespeito decorrentes do não
permite a Honneth compreender o processo de reconhecimento de alguma dessas dimensões de
tomada de consciência de si a partir do outro, autorrealização. Para Honneth, os padrões de
aspecto necessário à fundamentação das reconhecimento são necessários para a
relações intersubjetivas de reconhecimento. manutenção da integridade do ser humano.
Quando esses padrões são violados, a identidade
A ideia central trabalhada por Mead é a de que
do sujeito é ameaçada,
“[...] só desenvolvo a minha identidade quando
aprendo minha própria ação na perspectiva do […] visto que a auto-imagem normativa de
cada ser humano, de seu ‘Me’, como disse
outro” (MATTOS, 2006, p. 88). A teoria Mead, depende da possibilidade de um
psicológica de Mead tem seu ponto de apoio em resseguro constante no outro, vai de par com a
três conceitos básicos, que lhe possibilitam experiência do desrespeito o perigo de uma
lesão, capaz de desmoronar a identidade da
explicar o processo de evolução moral da pessoa inteira (HONNETH, 2003, p. 213-214).
sociedade. Os conceitos de “Eu” e “Me”,
acompanhados, posteriormente, pelo conceito de Quer dizer, a cada relação prática de
5
“outro generalizado”, buscam interpretar como as reconhecimento, podem ser percebidas
relações intersubjetivas de reconhecimento categorias morais de desrespeito, que, para
configuram a formação da autoconsciência Honneth, não se configuram como relações
humana. Argumentando nessa direção, Honneth somente de injustiça, nas quais os sujeitos são
afirma que “[...] corresponde à experiência do privados de sua liberdade, mas também de uma
reconhecimento um modo de auto-relação prática, violação na compreensão que os próprios sujeitos
no qual o indivíduo pode estar seguro do valor têm de si mesmos. Nesse sentido, a cada forma
social de sua identidade” (HONNETH, 2003, p. de desrespeito vincula-se à privação de
137). determinadas pretensões de identidade: em
relação ao “amor”, o desrespeito se dá nas
O reconhecimento social é entendido, formas de maus-tratos físicos e violações; nas
portanto, como o motor para todo o relações jurídicas, por privações de direito e
desenvolvimento dos padrões morais e éticos da exclusão; e, em relação à solidariedade, nas
sociedade e da formação das identidades dos formas de degradação e ofensa (HONNETH,
indivíduos. Cabe à experiência do 2003).
6

reconhecimento a afirmação positiva da


identidade dos sujeitos. Mead procura explicar o
processo de relação intersubjetiva entre os esclarecimento das bases teóricas mobilizadas por Honneth
(2003).
6
Essa síntese pode ser encontrada, mais especificamente, no
5
fim do Capítulo 5 dessa obra, no qual Honneth resume num
Esses conceitos serão tratados ainda neste texto. Nesse quadro as dimensões do reconhecimento, suas autorrelações
momento cabe apenas apresentá-los a título de práticas e formas de desrespeito.

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A inovação e o desinvestimento pedagógico na Educação Física escolar

Visto esse delineamento da teoria de Axel possibilita ao sujeito um sentimento de


Honneth, detalhamos a seguir as relações autoconfiança. Entretanto, quando há relação de
práticas de reconhecimento social relacionadas desrespeito nessa esfera, por maus-tratos e
com as dimensões do “amor”, do “direito” e da violações pessoais, o sujeito se sente ferido não
“solidariedade”, dimensões essas que se só fisicamente.
apresentam como fundamento para a construção
Assim, o argumento central que subjaz o
das identidades coletivas e individuais dos
reconhecimento social na dimensão afetiva é que
sujeitos.
a ligação e o reconhecimento da autonomia do
Reconhecimento e desrespeito relativos outro, estabelecidas entre os sujeitos, propiciam a
às relações afetivas criação de uma autoconfiança necessária para a
A dimensão da vida social associada às participação autônoma na vida social (HONNETH,
relações “amorosas” é para Honneth a relação 2003).
primária de reconhecimento intersubjetivo. O A dimensão do reconhecimento jurídico:
primeiro ponto que merece destaque é o da a autorrelação prática do respeito
ampliação do conceito de “amor”. Para o autor, o
A relação do reconhecimento jurídico tem de
amor não deve ser entendido somente no seu
ser pensada, de acordo com Honneth,
sentido romantizado, mas sim por “[...] todas as
considerando o processo histórico de evolução do
relações primárias, na medida em que elas
direito. No decorrer do processo de evolução
consistam em ligações emotivas fortes entre
moral da sociedade, fica evidente que, na
poucas pessoas” (HONNETH, 2003, p. 159).
modernidade, a questão do respeito se distingue
Esse tipo de relação depende em duas formas de reconhecimento, o direito e a
necessariamente da existência corporal do outro estima social. Honneth defende que as lutas
concreto, que demonstra na relação sentimentos sociais atuaram como motores para uma
de estima especial. Honneth comenta que a evolução gradual do direito, tal qual percebemos
elaboração de Hegel estava baseada no conceito hoje, uma vez que as relações de reconhecimento
de “ser-si-mesmo em um outro”, uma vez que denegado confluíram para que grupos
essa relação afetiva depende do equilíbrio desfavorecidos lutassem, no sentido de ampliar
precário entre autonomia e ligação. O equilíbrio sua atuação política na sociedade.
entre simbiose e autoafirmação, determinado
A dimensão do reconhecimento do direito está
pelas relações intersubjetivas bem-sucedidas, é
embasada no entendimento de que os sujeitos só
para Honneth a ilustração do amor como uma
se reconhecem como uma pessoa de direito à
forma determinada de reconhecimento.
medida que possuem um saber sobre quais
No entanto, só no processo de conflito, no qual obrigações devem ser garantidas em face ao
a criança se utiliza de atos agressivos com a mãe, respectivo outro. À medida que o indivíduo
a criança começa a se reconhecer como um ser compreende quais normas sociais são
autônomo, uma vez que a mãe se conduz necessárias ao reconhecimento do outro como
amorosamente em relação ao filho. O pessoa, inversamente esse pode reconhecer-se
reconhecimento do outro como uma pessoa como moralmente imputável perante a sociedade.
independente permite que os indivíduos possam
Na sociedade moderna, as pretensões
estar só, mas terem a certeza de que suas
legítimas do indivíduo são carregadas de
carências serão atendidas pelo outro. Essa
princípios universalistas de uma moral pós-
relação de reconhecimento prepara o caminho
convencional (HONNETH, 2003). Já nas
para uma espécie de autorrelação em que o
sociedades tradicionais, o direito estava
sujeito alcança uma confiança elementar em si
diretamente relacionado com o papel social
mesmo.
desempenhado pelos indivíduos na sociedade, ou
O reconhecimento nessa esfera permite, além seja, o direito era concebido de acordo com as
do alcance de uma segurança emotiva, também o qualidades individuais e o status que cada pessoa
desenvolvimento de todas as outras atitudes de gozava na comunidade.
autorrespeito (HONNETH, 2003). O
A autorrelação prática positiva na esfera do
reconhecimento na dimensão do “amor”, por meio
direito permite à pessoa referir-se a si mesma
das relações primárias de amor e amizade,

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como moralmente imputável, assim possibilita operada por meio do conceito de solidariedade
que a pessoa construa um sentimento de empregado à estima social. Para o autor, nas
autorrespeito. Na experiência do reconhecimento relações de reconhecimento solidárias não há
social na dimensão jurídica, “[...] o sujeito adulto somente um respeito ou aceitação do outro como
obtém a possibilidade de conceber sua ação pessoa, mas sim “[...] uma espécie de relação
como uma manifestação própria da autonomia, interativa em que os sujeitos tomam interesse
respeitada por todos os outros” (HONNETH, reciprocamente por seus modos distintos de vida,
2003, p. 194). já que eles se estimam entre si de maneira
simétrica” (HONNETH, 2003, p. 209).
Em contrapartida, quando não é garantida a
concessão de direitos a uma pessoa, é O reconhecimento solidário pode ser
desencadeada uma relação de desrespeito. Essa concebido em duas facetas, a primeira delas
relação negativa infringe no sujeito um não relativa ao interior de grupos, que forjam
reconhecimento de si mesmo como uma pessoa identidades coletivas, e a outra no âmbito
que atua em pé de igualdade com os outros individualizado de cada sujeito.
membros da comunidade. Honneth ainda
O reconhecimento da estima social relativa
argumenta que o não reconhecimento jurídico
aos grupos proporciona uma autorrelação prática
priva o sujeito de ver-se como moralmente
que permite aos indivíduos um sentimento de
imputável. “Para o indivíduo, a denegação de
orgulho de grupo ou de honra coletiva
pretensões jurídicas socialmente vigentes
(HONNETH, 2003). O indivíduo se vê como uma
significa ser lesado na expectativa intersubjetiva
pessoa pertencente a um determinado grupo, que
de ser reconhecido como sujeito capaz de formar
compartilha uma identidade coletiva. O
juízo moral” (HONNETH, 2003, p. 216).
reconhecimento nessa dimensão permite ao
A estima social: o reconhecimento social sujeito perceber que suas propriedades e
da comunidade de valores capacidades concretas têm valor para alcançar
A terceira dimensão do reconhecimento social determinados objetivos coletivos e o indivíduo se
refere-se à estima social dos sujeitos, dimensão reconhece em condição de realizações comuns.
que lhes permite reconhecer positivamente suas Já no âmbito individualizado, Honneth
capacidades e propriedades individuais. A estima argumenta que podemos entender essa dimensão
social é uma dimensão das relações de respeito do reconhecimento por meio de duas expressões
que foi desacoplada das questões jurídicas por comumente usadas hoje que são: “sentimento de
meio da evolução do direito na sociedade. Nesse valor próprio” e “autoestima”. Nesse sentido, o
sentido, o reconhecimento jurídico e a estima reconhecimento proporciona uma autorrelação
social são percebidos com traços distintos, mas prática em que o sujeito apresenta uma confiança
como parte de uma mesma esfera de respeito de que suas capacidades e realizações são tidas
social. como valiosas pelos demais membros da
Como na dimensão do direito, visto sociedade (HONNETH, 2003).
anteriormente, a estima social não pode ser Quando não são garantidas as formas de
entendida desvinculada da evolução histórica dos respeito social relativas à estima, os sujeitos não
valores socialmente partilhados por uma conseguem atribuir valor às suas capacidades
comunidade. A comunidade de valores, na qual individuais, uma vez que percebe que elas são
estão atreladas as formas de reconhecimento por vistas como de menor valor ou deficientes. Tal
estima, orienta-se por critérios éticos e por experiência de desvalorização social leva o
formulações de valores (HONNETH, 2003). Numa indivíduo a uma perda de autoestima pessoal, não
dada comunidade orientada por valores, os lhe possibilitando conceber suas capacidades
sujeitos encontram reconhecimento conforme o individuais como importantes para alcançar
valor socialmente definido de suas propriedades objetivos comuns em dada comunidade.
concretas individuais, que, de certa forma,
contribuem para a realização de objetivos Luta por reconhecimento nas práticas
comuns. pedagógicas
A principal distinção que Honneth apresenta O cotidiano escolar é permeado por relações
entre a dimensão da estima social e a do direito é intersubjetivas de reconhecimento entre os

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A inovação e o desinvestimento pedagógico na Educação Física escolar

professores e alunos, entre os professores e os título de ilustração, tomemos a investigação de


coordenadores pedagógicos, bem como entre os Gatti (2000), com professores de ensino
próprios professores das disciplinas. Tais fundamental, na qual foi possível identificar que
relações têm uma influência significativa na 83% dos professores entrevistados apontam a
formação das identidades dos professores, pois questão salarial como principal fator de
nelas os professores elaboram sua condição de desvalorização profissional.
“ser” professor, avaliam seu trabalho pedagógico
Já Alvez-Mazzoti (2007), desenvolvendo um
e garimpam apoios para a realização de seus
estudo sobre as representações da identidade
projetos. Lembrando, ainda, que, como grupo ou
docente de 248 professores do Estado do Rio de
classe, os professores também buscam
Janeiro, percebeu que os professores estudados,
reconhecimento social.
atuantes no segundo nível do ensino fundamental
Disso se depreende que as relações de (5ª a 8ª séries), concebem o ser professor
reconhecimento e de denegação do relacionado com a luta contra situações
reconhecimento têm influência sobre o processo dificultadoras. Vê-se fortemente, neste estudo,
de construção da prática pedagógica pelos que os professores atrelam a identidade docente
professores. Partindo desse princípio, ao processo de luta por reconhecimento, para que
analisaremos a seguir como as relações situações de desrespeito sejam diminuidas ou,
intersubjetivas de reconhecimento influenciam até mesmo, estirpadas. Tal estudo nos permite
diretamente a construção das práticas vizualizar com mais clareza a relação entre os
pedagógicas e a formação das identidades dos processos de luta por reconhecimento e a
professores. Para a realização de tal tarefa, formação das identidades dos professores.
discutiremos como a situação de “segunda
Essa relação de luta por reconhecimento,
classe” do magistério incide sobre a formação das
parece-nos muitas vezes, estar no centro da
identidades docentes, bem como as relações de
motivação dos professores em relação ao ensino,
reconhecimento se constituiram como categoria
pelo seguinte argumento: quando os professores
central de análise em alguns estudos de caso por
são desrespeitados e não têm ganhos por meio
nós realizados.
da luta por reconhecimento acabam se fixando
O magistério como profissão de segunda em uma situação de rebaixamento passivo, na
qual se cria um sofrimento pela privação de
classe na sociedade contemporânea
direitos e degradação da autoestima; já quando o
Ao considerarmos a situação atual do
professor alcança reconhecimento pelo processo
magistério em nosso país, percebemos que as
de luta, há um sentimento, por parte do sujeito,
formas de desvalorização que perpassam o
como indivíduo de igual valor na sociedade que
trabalho docente têm evidenciado a denegação
percebe seus projetos como significativos para o
do reconhecimento social dos professores. Nesse
desenvolvimento social.
sentido, evocamos a possibilidade de
compreender a formação das identidades dos A identidade, nesse sentido, deve ser
professores a partir da perspectiva do entendida como um produto de lutas e conflitos
reconhecimento social, uma vez que esta nos estabelecidos nas relações intersubjetivas no
possibilita estabelecer um diálogo entre os universo escolar, não como uma propriedade já
conflitos sociais, provenientes das lutas por dada, mas como um processo conflitante de luta
reconhecimento, e a formação do “ser” professor. por reconhecimento.

Inúmeras relações de reconhecimento e de A tentativa de perceber o processo de


denegação do reconhecimento, que podem ser construção da identidade docente nos remete, em
percebidas por situações de desvalorização, última instância, à tematização das relações de
atuam sobre a imagem que os professores têm trabalho como uma categoria de análise. Honneth
de si. Essa situação de não reconhecimento pode (2008) aponta, no âmbito das ciências sociais,
ser evidenciada claramente por meio das análises nos últimos anos, uma escassez de estudos que
da condição de trabalho e do prestígio social da defendem e tematizam um conceito
profissão. A exemplo disso, percebe-se, hoje, um emancipatório de trabalho. Para esse autor, a
desprestígio social da profissão expresso, entre temática do trabalho foi colocada num segundo
outras coisas, na condição de baixos salários. A plano, por uma perda de relevância para os

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estudos sociológicos. Entretanto, Honneth afirma disciplinas, uma espécie de apêndice da escola.
que o trabalho nunca deixou de ser um elemento Essa desvalorização configura-se, por vezes,
central na sociedade capitalista, uma vez que “[...] numa forma de desrespeito nas dimensões do
a maioria da população segue derivando direito e da estima social dos professores, que os
primeiramente sua identidade do seu papel no motivam a lutar por reconhecimento. É importante
processo organizado do trabalho” (HONNETH, deixar claro que a condição de “segunda classe”
2008, p. 47). O principal argumento do autor é não é exclusiva da EF. Outros componentes
que o trabalho não deve ser somente entendido curriculares, como é o caso de Artes, também
como uma forma de assegurar a subsistência dos não gozam de grande prestígio no universo
indivíduos, mas também como uma instância que escolar.
satisfaça individualmente o sujeito, que permita
Também naqueles estudos, no diálogo com
processos de autorrealização pessoal.
diferentes aspectos da cultura escolar, pudemos
Nessa esteira, Honneth (2008), em observar que as escolas pesquisadas têm um
contraposição a uma análise meramente de entendimento de EF, em muito, diferenciado
dominação e alienação no trabalho, argumenta daquilo que a produção acadêmica da área vem
7
que os trabalhadores manifestam desejos de uma construindo . Parece-nos que a visão que ainda
estruturação autônoma das relações de trabalho, se tem da EF é a de que é uma “atividade” auxiliar
expressos em movimentos de resistência. Os das outras disciplinas, como se o momento da
trabalhadores não somente temem pela aula de EF fosse um espaço de distração para os
manutenção dos seus postos de trabalho, mas alunos, no qual eles “fogem” ou compensam a
também primam por uma melhora qualitativa das tensão proporcionada pelo esforço intelectual em
suas condições. Nessa perspectiva, para sala de aula. Quer dizer, os agentes escolares
compreender o trabalho por meio da concessão têm ainda grande dificuldade de perceber a aula
de reconhecimento social, devemos entendê-lo de de EF como um momento de aprendizado
maneira ampla, por meio de duas condições: a sistematizado e com objetivos próprios e
primeira de caráter econômico, pois devem ser relevantes para a educação dos alunos. Nesse
garantidas as condições salariais dos sentido, apesar de estar presente na escola em
profissionais; e a segunda, mais relacionada com função de uma imposição legal, essa disciplina
a autorrealização, em que as atividades apresenta, no conjunto da cultura escolar, um
desenvolvidas no trabalho possam ser déficit crônico de legitimidade.
reconhecidas como uma contribuição para o bem
Tomando como referência a teoria do
geral da sociedade. A partir dessa compreensão
reconhecimento de Axel Honneth, podemos
do trabalho, podemos perceber as condições
afirmar que essa desvalorização vivenciada pela
normativas de reconhecimento que atuam sobre
EF e seus representantes na escola, os
os indivíduos nas relações intersubjetivas de
professores, é potencialmente geradora de
trabalho, superando o viés exclusivamente
manifestações de desrespeito (não
econômico presente em muitas análises.
reconhecimento). Em nosso entender, tanto nos
O reconhecimento na inovação e no casos dos professores inovadores quanto nos
casos dos professores em estado de
desinvestimento pedagógico na
desinvestimento pedagógico, as situações de
Educação Física
desrespeito observadas afetam os docentes
Ao analisar a prática pedagógica dos
principalmente nas dimensões do direito e da
professores inovadores e dos professores em
solidariedade, como descritas por Honneth. A
estado de desinvestimento pedagógico, foram
segunda forma de desrespeito é a mais
flagrantes as relações de desrespeito vinculadas
recorrente. Na verdade, no caso específico da
à falta de reconhecimento da EF como
cultura escolar de EF, acreditamos ser possível
componente curricular. Em estudos anteriores
afirmar, inclusive, que ambas as formas de
(FARIA et al, 2010; Machado et al, 2010), por
meio do trabalho empírico, pareceu-nos 7
Referimo-nos às tentativas de uma determinada parcela da
perceptível que a EF é tida no meio escolar como produção acadêmica da área da Educação Física que, mais
uma disciplina de “segunda classe”. A visão que intensamente a partir da década de 1980, buscou legitimar
essa disciplina na escola como um componente curricular, em
se têm é da EF como auxiliar das outras contraposição ao caráter de atividade que lhe era reservado
pelo decreto nº 69.450, de 1971.

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A inovação e o desinvestimento pedagógico na Educação Física escolar

desrespeito estão imbricadas de tal maneira que disciplina. É preciso destacar que o desrespeito
se torna difícil tratá-las separadamente. ou denegação do reconhecimento não representa
somente minimizações nas liberdades de ação
Entendemos que a configuração de formas de
dos sujeitos, mas também um comportamento
não reconhecimento como estas são
lesivo pelo qual as pessoas são feridas numa
possibilitadas, justamente, pela ideia de
compreensão positiva de si mesmas (HONNETH,
inferioridade do saber mobilizado pela EF em
2003). É dessa forma que podemos afirmar que a
frente às outras disciplinas. Isso porque, na
condição de “segunda classe” de certas
maioria das vezes, as situações de desrespeito
disciplinas escolares, como a EF e Artes, incide
mobilizadas pela cultura escolar parecem
diretamente na vida dos professores dessas
fundamentar-se no questionamento e crítica do
áreas, uma vez que eles têm a compreensão de
próprio valor educativo e cultural da disciplina,
si como docentes também de “segunda classe”.
colocando em xeque a sua legitimidade como
componente curricular. Nessa esteira, A denegação do reconhecimento desse tipo
acreditamos ser possível afirmar, ainda, que o afeta sobremaneira a possibilidade de uma
fato de ser tida, no meio escolar, como uma construção positiva das identidades dos docentes,
disciplina de menor status, ou de “segunda uma vez que o indivíduo é oprimido por um
classe” possibilita também a configuração de sentimento de falta de valor próprio, e sua
situações de desrespeito na esfera do direito. Daí autoestima é afetada negativamente, privando o
nossa afirmação anterior de que ambas as docente de reconhecer suas capacidades e
dimensões estão fortemente imbricadas; dito de propriedades como valiosas socialmente.
outro modo, o imaginário social construído em
Existem indicadores, como destacaremos a
torno da EF, e que a coloca como um
seguir, de que tal condição de “segunda classe”
componente curricular de menor valor, parece
produz impactos e gera reações distintas nos
funcionar como um motor que, para além de
professores. Tal evidência aponta a necessidade
impulsionar situações de não reconhecimento,
de estudos mais sistematizados sobre as relações
pode, inclusive, “legitimar” tais ações.
de reconhecimento social na cultura escolar, no
O não reconhecimento da EF escolar na entanto, a partir de nossas investigações, já foi
esfera da estima social, ou seja, quando as possível visualizar algumas características
formas de desrespeito observadas são tributárias geradoras de hipóteses. Nos casos de
de um não reconhecimento social da comunidade professores inovadores (FARIA et al, 2010), ficou
de valores da escola, remonta à dificuldade que a evidente que as relações de reconhecimento
escola e os membros da equipe pedagógica têm social se deram de duas maneiras distintas:
em perceber a contribuição dessa disciplina para quando os professores se sentiam desrespeitados
a formação dos alunos. Talvez o exemplo mais era desencadeado um processo de luta por
clássico seja o fato de, por muito tempo e em reconhecimento, que visava a estirpar as
diferentes culturas escolares, atribuir-se ao situações de desvalorização; já quando os
professor de EF a tarefa de ocupar o tempo dos professores são reconhecidos na cultura escolar,
alunos nos dias em que os demais docentes se isso reforça a motivação e o investimento na
reúnem para discutir algum projeto pedagógico construção de sua prática. Em outro sentido, no
coletivo. caso dos professores em estado de
desinvestimento pedagógico, as formas de
As formas de desrespeito, baseadas na ideia
desrespeito levavam esses docentes a uma
da inferioridade do saber mobilizado por
situação de rebaixamento passivamente tolerado,
determinado componente curricular, provocam
uma vez que não se mobilizavam no sentido de
nos professores um sentimento de rebaixamento,
lutar pela melhoria de suas condições.
fazendo com que esses sujeitos se percebam
com menor valor na coletividade da escola. Dessa Nos casos de desinvestimento pedagógico, a
forma, os professores que de algum modo se perspectiva de análise que a teoria do
sentiam desrespeitados desencadeavam reconhecimento nos oferece é a seguinte: diante
processos de luta, no sentido de obter o da condição de “segunda classe” da EF na cultura
reconhecimento da comunidade escolar da escolar, vê-se provocado nos professores da
disciplina um sentimento de rebaixamento, quer
importância do saber mobilizado por sua
dizer, eles não mais concebem a si mesmos

Motriz, Rio Claro, v.18, n.1, p.120-129, jan./mar. 2012 127


B. A. Faria, T. S. Machado & V. Bracht

como sujeitos de valor igual aos demais membros professores e construírem uma identidade
da coletividade da escola. A repercussão disso é profissional positiva. O reconhecimento pela
perceptível não somente no processo de comunidade escolar proporciona um destaque
construção da identidade desses docentes, mas positivo da prática pedagógica, nesse sentido,
também em sua prática pedagógica e na permitindo que os professores inovadores
dinâmica curricular como um todo. continuem a desenvolver seus projetos e a
investir em suas práticas.
Se, por um lado, como aponta Honneth (2003),
as situações de desrespeito podem desencadear Quando uma relação de reconhecimento é
no indivíduo uma luta por reconhecimento no estabelecida, é permitido ao professor, além de
sentido de restabelecer ou criar novas condições reconhecer-se como uma pessoa de direito,
intersubjetivas de reconhecimento, no caso dos atuante em pé de igualdade nas decisões
professores em estado de desinvestimento jurídicas da comunidade escolar, também
pedagógico, a postura assumida parece ser bem reconhecer positivamente suas capacidades e
mais uma posição de cansaço ou acomodação. É propriedades pessoais, o que determina a
como se esses docentes, por razões que nos construção de uma autoestima. Honneth (2003, p.
escapam, desistissem da busca por 209) argumenta:
reconhecimento (talvez por encontrar A auto-relação prática a que uma experiência
reconhecimento em outros âmbitos da vida, daí a de reconhecimento desse gênero faz os
indivíduos chegar é, por isso, um sentimento de
perda de centralidade do trabalho) ou, orgulho do grupo ou de honra coletiva; o
simplesmente, abdicassem de lutar, retornando indivíduo se sabe aí como membro de um grupo
ou permanecendo no que Honneth (2003) chama social que está em condição de realizações
comuns, cujo valor para a sociedade é
de “situação paralisante de rebaixamento reconhecido por todos os seus demais
passivamente tolerado”. membros.

Nos casos dos professores inovadores (FARIA


Considerações Finais
et al, 2010), a luta por reconhecimento se
ancorava em dois princípios: o da igualdade e o No que diz respeito especificamente ao
da diferença, pois, ao mesmo tempo em que os componente curricular EF, pode-se perceber um
professores lutavam para que a EF fosse grande esforço dos professores para sua maior
reconhecida como componente curricular de igual valorização, tarefa que busca ampliar os padrões
importância, também buscavam legitimar sua de reconhecimento no imaginário social dos
especificidade em relação às outras disciplinas agentes escolares. A condição de “segunda
escolares. classe” da EF na escola implica que a luta por
Contudo, quando os professores tinham seu reconhecimento se constitua num elemento
trabalho reconhecido pela coletividade da escola, fundamental da construção das identidades dos
desencadeava-se uma série de relações professores da área, uma vez que o sentido de
intersubjetivas positivas fundamentais para a “ser” professor de EF tem uma relação estreita
construção das práticas pedagógicas. com as condições de reconhecimento da
Primeiramente, pode-se destacar que as relações área/disciplina na escola.
de reconhecimento se apresentam profícuas para Isso nos leva a apontar que a teoria do
a autoria do professor em relação à construção de reconhecimento social se apresenta, como uma
seu projeto de ensino. A valorização do trabalho importante possibilidade para a compreensão
como importante para a formação humana dos também do desinvestimento pedagógico (em
alunos e o destaque que ele recebe no contexto outros estudos nomeado de abandono
escolar atuam como um forte motivador para o pedagógico), fenômeno não só presente no
professor continuar a investir na sua prática âmbito da EF, mas no magistério como um todo.
pedagógica. Não se trata, no entanto, de atribuir às relações
Queremos chamar a atenção para o fato de de reconhecimento e não reconhecimento a total
que é na experiência do reconhecimento social responsabilidade pelo desencadeamento de tal
que o indivíduo encontra uma afirmação positiva fenômeno. Nesse sentido, o exercício
do valor social de sua identidade. O especulativo realizado aqui, mais do que oferecer
reconhecimento alcançado pelos professores respostas, permite-nos a construção de novas
inovadores em seus contextos escolares hipóteses que, somadas aos resultados já
possibilita-lhes conceberem-se como bons
128 Motriz, Rio Claro, v.18, n.1, p.120-129, jan./mar. 2012
A inovação e o desinvestimento pedagógico na Educação Física escolar

encontrados e em constante tensão com aquilo GATTI, B. A. Formação de professores e


que nos mostra a empiria, seguramente nos carreira: problemas e movimentos de renovação.
auxiliarão na busca de um maior entendimento do Campinas, SP: Autores Associados, 2000
(Coleção Formação de Professores).
problema.
Entendemos que uma das possíveis HONNETH, A. Trabalho e reconhecimento: uma
contribuições da teoria do reconhecimento social tentativa de redefinição. Civitas, Porto Alegre, v.
para o campo de estudos sobre a formação de 8, n. 1, p. 46-67, jan./abr. 2008.
professores está localizada na possibilidade de
HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a
conferir maior relevância aos aspectos normativos
gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo:
e aos processos de conflito social que formam as 34, 2003.
identidades dos docentes nas relações de
trabalho. As relações de reconhecimento como HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos
categoria de análise nos permitirão visualizar professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de
como as dimensões morais e éticas confluem professores. 2. ed. Portugal: Porto, 1992. p. 31-
para o processo de construção da subjetividade 62.
dos professores.
MACHADO, T. S.; BRACHT, V.; FARIA, B. A.;
Para além disso, uma série de questões MORAES, C. E. A.; ALMEIDA, U. R.; ALMEIDA,
relevantes para compreender a prática F. Q. As práticas de desinvestimento pedagógico
pedagógica merecem ser objeto de investigação: na Educação Física escolar. Movimento, Porto
é o reconhecimento social uma condição Alegre, v. 16, p. 129-147, 2010.
indispensável para a construção da autonomia
dos professores na escola? Os professores MATTOS, P. C. A Sociologia política do
reconhecidos em determinada cultura escolar reconhecimento: as contribuições de Charles
investem mais em seu trabalho docente? Como o Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser. São Paulo:
desrespeito ou a denegação do reconhecimento Annablume, 2006.
despotencializa as práticas pedagógicas e
WERLE, D. L. Reconhecimento e emancipação: a
provoca um rebaixamento dos professores, como
teoria crítica de Axel Honneth. Mente, Cérebro e
docentes de “segunda classe” na escola?
Filosofia, São Paulo, n. 8, 2008.
Já é possível visualizar que, sendo o
reconhecimento, em suas três dimensões, um
elemento central da vida dos professores nas
escolas, as políticas educacionais,
particularmente aquelas relativas à formação
Endereço:
continuada de professores, precisariam, além da Bruno de Almeida Faria
continuidade que demonstra respeito, envolver R. M. Eleonora Pereira, 175/102 Jd. da Penha
ativamente os professores na sua definição e Vitória ES Brasil
gestão como forma de promover o autorrespeito, 29060-180
autoconfiança e autoestima fundamentais no e-mail: brunimfaria@hotmail.com
processo de construção da autonomia dos
docentes.
Referências
ALVES-MAZZOTTI, A. J. Representações da Recebido em: 7 de outubro de 2010.
identidade docente: uma contribuição para a Aceito em: 17 de junho de 2011.
formulação de políticas. Ensaio: avaliação e
políticas públicas em Educação, Rio de Janeiro, v.
15, n. 57, p. 579-594, out./dez. 2007.

FARIA, B. A.; BRACHT, V.; MACHADO, T. S.;


MORAES, C. E. A.; ALMEIDA, U. R.; ALMEIDA, Motriz. Revista de Educação Física. UNESP, Rio Claro,
F. Q. Inovação pedagógia na educação física: o SP, Brasil - eISSN: 1980-6574 - está licenciada sob
Creative Commons - Atribuição 3.0
que aprender com práticas bem sucedidas. Ágora
para la Educación Física y el Deporte,
Valladolid, v. 12, p. 11-28, 2010.

Motriz, Rio Claro, v.18, n.1, p.120-129, jan./mar. 2012 129

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