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CARTA AO ALIENISTA

Saudações aos integrantes da disciplina “Retratos da deficiência na escola: um


olhar filosófico-educacional” (TÓPICOS ESPECIAIS).

Venho através desta carta compartilhar minhas angústias e desafios suscitados nos
dois dias de convivência com o prof. Carlos Skliar e o grupo desta disciplina.
O objetivo desta escrita é pensar sobre o nosso modo de vivenciar a educação. Isto
porque, neste encontro experimentamos este outro olhar como amorosidade na prática
educativa. A disciplina, embora com a temática específica da inclusão da deficiência na
Escola, suscitou a reflexão sobre a educação como um todo. Deste modo, pretende-se avaliar
a produção da normalidade, onde a relação com o outro é dada pelo enquadramento ou não
nos parâmetros da universalidade.
Assim como na dinâmica da disciplina, partilho um conto que nos ajuda a
compreender sobre o papel do educador diante da diversidade que encontramos na prática
educativa. Trata-se da obra O Alienista de Machado de Assis, de 1882.

Resumo: A obra narra a história do Dr. Simão Bacamarte, um médico que depois de
uma respeitosa carreira no Brasil e na Europa, retorna a sua terra natal, Itaguaí,
com o objetivo de se dedicar aos estudos médicos. Casa-se com a já viúva D.
Evarista, com a qual escolheu por julgá-la capaz de lhe dar bons filhos, o que não
aconteceu. Dedicado aos estudos da psiquiatria, abre uma clínica para estudar os
casos de loucura e doença da mente. O local é batizado de Casa Verde. No início as
internações eram feitas com pessoas que realmente tinham algum caso de demência.
Mas aos poucos, o alienista começa a internar pessoas consideradas pela
comunidade como normais, causando indignação e provocando revoltas na cidade.
Até mesmo sua mulher não escapa da internação, o motivo foi a indecisão dela
diante da escolha de um traje para uma festa. Quando percebeu cerca de quatro
quintos da população estavam internados na casa. Questionando seu critério de
internação resolveu soltar todos e rever sua teoria, pois se a maioria possuía desvio
de personalidade, quem deveria ser internado era a minoria que gozava do perfeito
equilíbrio de suas faculdades mentais. E baseando-se nesta nova teoria, começa a
internar aquelas pessoas consideradas com personalidade perfeita. Algum tempo
depois, percebeu que sua nova teoria também estava errada, pois ninguém possuía
uma personalidade perfeita. Resolve então libertar todos. E interrogando várias
pessoas conclui que o único considerado com perfeito equilíbrio mental era ele
mesmo. Internou-se então na Casa Verde para estudar e curar a si mesmo. Morreu
ali após dezessete meses. Boatos diziam que o único louco que havia em Itaguaí foi o
Dr. Simão Bacamarte.

A obra de Machado de Assis propõe uma crítica social a ciência e a razão, colocando
em questão a fronteira entre o normal e o anormal. O Alienista incorpora a concepção racional
e positiva da ciência do século XIX exercendo o poder de seu saber objetivo e universal, mas
que ao final percebe que o único caso que precisava de cura, era ele mesmo.
Neste mesmo sentido, Michel Foucault na obra História da Loucura na Idade
Clássica (1961) investiga a separação entre razão e loucura, evidenciando que a loucura não
se encaixava nos parâmetros da normalização racional. Sobre isso diz: “A loucura só existe
em cada homem, porque é o homem que a constitui no apego que ele demonstra por si mesmo
e através das ilusões com que se alimenta” (2005, p. 24). Produzimos a separação a partir de
nos mesmos, daquilo que elegemos como válido e utilizamos como medida para nossas
relações.
A história de O Alienista nos ajudar a pensar nossa postura educacional diante do
outro. Como o Alienista, tendemos a padronizar a partir do que pensamos, das teorias que
elaboramos. Com isso, será que não estamos fazendo da Escola a Casa Verde? Internando a
todos e exigindo que se submetam ao padrão que consideramos correto para educar e
transmitir o conhecimento? Como a Escola administra o tempo? Qual é o tempo do outro?
Vivenciamos uma relação com o tempo que é cronológico e linear. Na educação os
conteúdos e o ensino já estão predeterminados. O currículo tem por objetivo fazer com que
todos estejam no mesmo nível, fazer estar na mesma altura como afirmou o prof. Skliar. A
quantidade de atividades exigidas deixam pouco ou quase nada de tempo para que o aluno
crie a partir da experiência da sua própria vida. “Quando não tenho tempo para me aproximar
do outro, então produzo normas. Se temos tempo não precisamos julgar” (SKLIAR,
14/09/2015). Isso acontece quando julgamos cientificamente e juridicamente marcando a
inclusão como identidade (essência), funcionando como um dispositivo de controle onde os
indivíduos são enquadrados no território da normalidade.
Nesta lógica, tudo que fazemos está determinado pelo que nos esperamos ser ou que
a sociedade postula sermos no futuro. E viver o presente não é dado sentido, devido a busca
incansável de construir já o que precisamos ser um dia: um sujeito produtivo. Neste processo,
vivemos uma experiência do tempo marcada pela determinação técnica, em que a realização
dos procedimentos de agora (métodos, regras, instrumentos), tem em vista chegarmos a
determinado fim. Trata-se segundo Foucault de um modo de controle da vida, um biopoder.
Deste modo, a educação moderna transforma-se em tecno-saber, ou seja, um saber que é
profundamente marcada pela objetividade técnica. Estes procedimentos funcionam como um
“poder biotécnico” (RABINOW; DREYFUS, 1995, p. XXII), um poder que controla a vida
por procedimentos técnicos. Dito de outra maneira, a educação transforma-se em um saber
biotécnico, pois a objetividade de seu saber técnico tem por finalidade gerir a vida pela lógica
da formação do Capital Humano (FOUCAULT, 2008).
Precisamos pensar em um tempo disjuntivo, onde há espaço para a manifestação de
cada experiência. Além de que muitas coisas acontecem com cada um, elas não se sucedem
no mesmo tempo. Como forma de superação do tempo cronológico precisamos pensar e
vivenciar o presente, esse instante onde nos movemos e que carrega as marcas do passado e as
potencialidades a serem conquistadas. O instante como o único tempo possível, único
momento a ser vivido.
Isso nos leva a pensar a superação da ligação indispensável do processo de ensino-
aprendizagem, o qual está profundamente marcado pela determinação do tempo e dos
métodos. Não podemos controlar os efeitos do ensino ao nosso modo e ao nosso tempo, pois
estamos elidindo a possibilidade da construção de um ser autônomo. Cabe a escola ensinar,
mas não cobrar a uniformidade da aprendizagem. Oferecer signos que os outros (estudantes)
decifram a seu tempo e a seu modo. As práticas objetivistas como método de ensino
pressupõem uma normatização da aprendizagem, impedindo formas de aprender que não se
encaixam no modelo de ensino proposto. É preciso romper com a ideia de uma ligação
indispensável na fórmula ensino-aprendizagem, para garantir que outras formas de aprender
possam ser experienciadas.
Dirijo esta carta aos alienistas da educação, aqueles que em nome da normalidade
fazem da educação o espaço de internação como marcação do normal e do patológico. Que
não são capazes de olhar para si mesmo e perceber a loucura que está na sua forma de olhar.
Questão que me tocou ainda mais forte quando, no final do último dia de aula, o prof. Carlos
partilhou que recebeu críticas de um compatriota sobre sua concepção de educação.
Convido a superarmos as atitudes educativas alicerçadas nas práticas técnicas,
morais, científicas e jurídicas da normalidade e promovermos uma linguagem que seja
conduzida pela ética do acolhimento amoroso (do olhar que afeta e deixa ser afetado) e pela
estética da existência (deixar o outro em paz para criar sua própria forma de vida). E para isso
é preciso tempo e amor. Tempo para viver o presente e não apenas para cumprir metas. E
amorosidade que não permita que eles permaneçam na má sorte.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado. O Alienista. Disponível em:


<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000231.pdf>, acesso em 16/09/15.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. 8 ed Trad. José T. Coelho
Netto. São Paulo: Editora Perspectiva, 2005.

______. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). Tradução


Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

RABINOW, Paul; DREYFUS, Hubert. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além
do estruturalismo e da hermenêutica Tradução Vera P. Carreto. Rio de janeiro: Forense
Universitária, 1995.

Francisco Beltrão-Pr, 10 de outubro de 2015.


Daniel Salésio Vandresen

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