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1. Considerações iniciais
Na década de 1980, as pesquisas nas áreas da linguística apli-
cada e da educação priorizaram as investigações sobre os aspectos
sociais que interferiam/determinavam os processos de aquisição e
desenvolvimento da língua oral e escrita. Nesse contexto, surge o
conceito de letramento, que amplia a compreensão a respeito do de-
senvolvimento das tecnologias do ler e escrever, ao focalizar as prá-
ticas sociais de linguagem concretizadas pelos sujeitos para fins de
interação social.
Adotado como tradução de literacy, o termo letramento pas-
sou a designar tanto o desenvolvimento das habilidades de leitura e
escrita quanto à utilização destas em práticas de interação verbal,
destacando o aspecto social da aprendizagem da língua. Dessa for-
ma, os estudiosos da linguística aplicada e da educação colocaram,
no centro de suas discussões, a indissociabilidade entre linguagem e
sociedade.
Assim, os estudos sobre letramento abarcaram as novas abor-
dagens dos estudos linguísticos – impulsionadas pelas ideias de Mi-
khail Bakhtin (1992) – que passaram a enfocar as funções socioco-
municativas da linguagem humana. Nesse paradigma, letramento en-
volve também as apropriações da leitura e da escrita realizadas à
margem da escola, superando os modelos tradicionais de domínio da
língua escrita que eram vislumbrados pelas instituições de ensino.
1 Este artigo sintetiza algumas das discussões sobre letramento escolar, letramento social e
práticas sociais de letramento presentes em minha dissertação de mestrado, intitulada “Práti-
cas de oralidade, leitura e escrita no comércio popular do centro da cidade de Rio Branco-AC”,
que foi orientada pela professora Dra. Luciana Marino do Nascimento e defendida em 31 de
agosto de 2009, no curso de Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade, da Universidade
Federal do Acre.
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2. Discutindo o letramento
Do ponto de vista linguístico e sob a perspectiva do usuário,
afirma Mollica (2007, p. 11 e 12), os saberes sobre a língua, apreen-
didos dentro e fora da escola, devem ser interpretados conforme as
especificidades de construção desses conhecimentos, pois as apren-
dizagens linguísticas intra e extraescolares são assimiladas de manei-
ras diferentes. Por essa razão, devem ser consideradas – sob perspec-
tivas distintas, porém complementares - quando pensamos em edu-
cação.
De forma análoga, Magda Soares (2004, p. 111) enfatiza que
há uma grande variabilidade de eventos e práticas de letramento, tal-
vez por isso se possa falar de letramentos escolares e letramentos so-
ciais. Além disso, essa autora defende a ideia de que os letramentos
são sempre situados, ou seja, realizam-se em condições específicas,
portanto são dotados de especificidades que os distinguem, “embora
sempre imersos em processos sociais mais amplos; [...]” (SOARES,
2004, p. 111).
Luiz Antônio Marcuschi (2001, p. 21), no capítulo inicial do
livro Da fala para a escrita: atividades de retextualização, considera
letramento como assimilação sócio-histórica das habilidades de leitu-
ra e escrita em contextos informais, para fins de interação social.
Nessa perspectiva, esse autor dialoga com a noção de letramentos
sociais, defendida por Soares (2004), e com a distinção de Mollica
(2007) entre saberes linguísticos formais, que são fomentados pela
escola, e conhecimentos linguísticos sociais, que são suscitados atra-
vés da participação do sujeito em práticas dialógicas de leitura e es-
crita desenvolvidas no meio social em que vivem (tanto em ativida-
des ligadas ao trabalho, como naquelas relacionadas ao lazer, religi-
ão etc.).
4. Analfabetos letrados
A percepção do e no mundo letrado inclui práticas sociais que
vão além da decodificação do signo verbal escrito. Para isso, indiví-
duos, alfabetizados ou não, desenvolvem variadas estratégias linguís-
ticas para interagirem socialmente em espaços fortemente marcados
pela escrita ortográfica. Esse conjunto de práticas sociais, que possi-
bilitam compreender e atuar no mundo, a linguística contemporânea
chama de práticas de letramento.
6. Considerações finais
O desenvolvimento das práticas sociais de letramento (leitura,
escrita, incluindo também a oralidade) possibilita ao sujeito agir so-
cialmente, interagindo, através do código verbal (escrito ou oral), nas
produções discursivas estabelecidas nos diversos contextos sociais
(profissional, escolar, familiar, religioso etc.) de que participa. Essa
interação social representa, portanto, grande vantagem para o sujeito,
pois viabiliza os atos de comunicação social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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