Vous êtes sur la page 1sur 13

DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8026.

2017v70n2p15

ANTES DO PÓS-HUMANO: INSETOS SOCIAIS, MAMÍFEROS SUPERIORES E A (RE)


CONSTRUÇÃO DE FRONTEIRAS ENTRE OS HUMANOS E OS ANIMAIS NA MODERNIDADE

Hugo Ferreira*
Europa-Universitat Viadrina

Resumo:
O presente artigo discute a (re)construção das fronteiras entre os humanos e os animais ao longo dos séculos
XIX e XX. Nos séculos XVII e XVIII, o ser humano era visto como fundamentalmente distinto da natureza
através da política, sociedade e trabalho, sendo frequentemente comparado então aos insetos sociais. Com a
revolução darwiniana no século XIX e a classiicação ilogenética dos seres vivos, o ser humano foi “primatiza-
do”, e assim a humanidade passaria a ser uma consequência da inteligência gerada pelo alto desenvolvimento do
sistema nervoso. Atualmente, quando se quer questionar as fronteiras entre o humano e o animal, viram-se os
holofotes para outros seres como chimpanzés e golinhos. Assim, através de uma revisão bibliográica, este artigo
busca explorar um aparente contraste histórico entre os seres a serem comparados aos humanos – dos insetos
sociais aos chamados “mamíferos superiores” – bem como suas implicações políticas e bioéticas.
Palavras-chave: natureza-cultura; natureza humana; modernidade; antropologia social; história das ciências

BEFORE THE POST-HUMAN: SOCIAL INSECTS, SUPERIOR MAMMALS AND THE (RE)
CONSTRUCTION OF BOUNDARIES BETWEEN HUMANS AND ANIMALS IN MODERNITY
Abstract:
he present article discusses the (re)construction of the boundaries between humans and animals along the
nineteenth and the twentieth centuries. In the nineteenth and the twentieth centuries, the human being was
viewed as fundamentally distinct from nature due to politics, society and work, and then usually compared to
social insects. Along the Darwinian revolution in the nineteenth century and the phylogenetic classiication of
live beings, the human being was “primatized”, and humanity would be a consequence of the intelligence due to
the high development of the nervous system. Nowadays, when one wants to question the boundaries between
humans and animals, the lights are turned to other beings, such as chimpanzees and dolphins. In this sense, as
a bibliographic review, this article aims to explore this historical contrast of comparison standards – from insect
societies to “superior mammals” – as well, its political and bioethical consequences.
Key words: nature-culture; human nature; modernity; social anthropology; history of sciences

Introdução

Este artigo começou a ser pensado diante da se- A primeira pista pode ser obtida analisando a forma
guinte constatação: a presença dos insetos sociais como os insetos sociais eram mencionados, de um modo
(principalmente abelhas e formigas) nos textos de pen- geral, comparados aos humanos. Mas ainal, o que essas
sadores como Aristóteles, Hobbes, Marx, Bergson, Lévi criaturas pertencentes ao outro lado da árvore da vida
-Strauss, entre outros. Isto nos conduz à pergunta: por animal (segundo a concepção cientíica mainstream) têm
que a menção frequente a esses seres vivos e não outros? a ver com os humanos? A semelhança, ao que parece, é

* Doutorando em Ciências Sociais e da Cultura pela Europa-Universitat Viadrina (Alemanha), Mestre em Saúde Pública e Meio Ambiente (FIOCRUZ), Graduado
em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu e-mail é
hugo.decf@yahoo.com.br

Esta obra tem licença Creative Commons


16 Hugo Ferreira, Antes do Pós-humano: insetos sociais, mamíferos superiores e a (re)construção de fronteiras...

a formação de complexos grupos sociais organizados, seres vivos seriam máquinas e os humanos um subgrupo
hierarquia e uma marcada divisão social do trabalho. especial, por sua vez dotados de alma e razão (Descartes,
Entretanto, ao menos no que tange às ciências sociais, 2001). No entanto, de acordo com o historiador Keith
não se pode dizer impunemente que seus coletivos ou homas (2010), a ideia de uma distinção fundamental
sociedades sejam comparáveis aos humanos. entre humanos e demais seres vivos teria sua origem na
Atualmente, quando se quer questionar as frontei- Grécia antiga. homas (2010) comenta que Aristóteles
ras entre os humanos e os animais, viram-se os holo- entendia que apenas os humanos teriam uma alma ra-
fotes para outros seres como golinhos, chimpanzés e cional ou intelectual. Em suma, os humanos são então
os demais primatas. É com eles que são realizados os vistos como ontologicamente distintos dos outros seres
desaios em inteligência, e é com as imagens de brinca- vivos, dotados daquilo que se poderia chamar de “alma”.
deiras descontraídas e demonstrações de afeto materno No entanto, ainda que os humanos sejam considerados
para com os ilhotes que o público humano reage com fundamentalmente distintos, as analogias com os ani-
maior efervescência. mais são possíveis, e esse é o ponto inicial do presente
Portanto, no contexto de uma discussão pós-huma- texto: a recorrência dos insetos sociais em analogias ou
nista sobre as fronteiras entre o humano e o não-humano, comparações com os seres humanos.
humano e máquina, ou dentre outros eixos discursivos, o Aparentemente, os insetos sociais tinham um lu-
presente artigo propõe a seguinte relexão: quais critérios gar singular no pensamento de Aristóteles. De início,
têm sido utilizados para deinir humanidade? Como a note-se que o ilósofo grego compreendia os insetos
(re)construção desses critérios (e de humanidade) pode sociais, junto com os humanos, como os únicos seres
afetar as relações com o mundo? Nesse sentido, através vivos políticos – embora os humanos se organizassem
de uma revisão bibliográica, passando tanto pelas ciên- politicamente num nível mais elevado (homas, 2010).
cias biológicas e humanas, tem-se aqui o objetivo de lan- De acordo com Clayton (2008), Aristóteles classiicava
çar alguma luz sobre esse contraste – dos insetos sociais os animais em gregários e solitários. A categoria “gre-
aos chamados “mamíferos superiores” – em relação aos gários”, por sua vez, continha a subcategoria “sociais”, a
seres vivos utilizados como analogias com os humanos. qual incluía os humanos e os insetos sociais: “he social
Em outras palavras, busca-se discutir alguns fatores que animals are those which have some one common activity;
poderiam estar relacionados a essa diferença em rela- and this is not true of all the gregarious animals. Exam-
ção ao ponto de comparação entre humanos e animais ples of social animals are man, bees, wasps, ants, cranes.”
não-humanos. Além disso, pretende-se problematizar as (Clayton, 2008). Todavia, apesar da socialidade desses
fronteiras criadas entre os humanos e os demais seres vi- insetos, em sua obra intitulada Política o ilósofo gre-
vos no âmbito das ciências humanas. go explicita as diferenças fundamentais em relação aos
Finalmente, para ins metodológicos, é preciso humanos: “Por esto consta ser el hombre animal político
explicitar que a análise aqui realizada se restringe ao o civil muy más de veras que las abejas, ni que ningún
mundo euro-americano ou ocidental. Sendo assim, de- otro animal que va junto en manadas; porque, como ya
mais perspectivas como aquelas que concernem às “so- está dicho, la Naturaleza ninguna cosa hace innecesaria,
ciedades primitivas” ou ao “oriente” não fazem parte do y, entre todos los animales, sólo el hombre tiene uso de
escopo do artigo. razón y de lenguaje” (Aristóteles, Política 1, 1252a15 -
1252b16). Dessa maneira, ainda que as abelhas sejam
Dos humanos e dos insetos sociais referenciadas enquanto “inferiores” em relação aos hu-
manos no que tange à razão, linguagem ou complexi-
Como se sabe, a ilosoia cartesiana – à qual muitos dade social, vê-se a presença destas enquanto um ponto
atribuem o princípio da ciência moderna ou mesmo do de aproximação. Vale remarcar que, por “aproximação”,
pensamento moderno – postulava uma diferença fun- entende-se a validade ou condição para o uso de ana-
damental entre humanos e demais seres vivos, isto é, os logia/comparação entre determinadas características
Ilha do Desterro v. 70, nº 2, p. 015-027, Florianópolis, mai/ago 2017 17

indicar umas às outras o que consideram ade-


entre grupos. Na obra História dos Animais (1991), quado para o benefício comum [...] o acordo
Aristóteles parece descrever as abelhas com certa ad- vigente entre essas criaturas é natural, ao passo
miração, como pode ser interpretado em frases como que o dos homens surge apenas através de um
“entre as abelhas, o modo de actividade e de vida é um pacto, isto é, artiicialmente. Portanto não é de
admirar que seja necessária alguma coisa mais,
processo altamente complexo.”; “As abelhas não fogem além de um pacto, para tornar constante e du-
de qualquer outro animal a não ser dos da sua espé- radouro seu acordo: ou seja, um poder comum
cie”; “[...] Cá fora não se agridem umas às outras nem a que os mantenha em respeito, e que dirija suas
ações no sentido do benefício comum (Hob-
qualquer outro animal, mas perto da colmeia liquidam
bes, 2000: 146-147).
qualquer intruso que consigam dominar.”; “as abelhas
mortas são trazidas pelas companheiras para fora da
colmeia. Trata-se, de resto, do animal mais limpo que Portanto, Hobbes reconhece as sociedades de inse-
existe” (Aristóteles 623b-626a). tos enquanto sociedades propriamente ditas, mas estas
Em outro contexto histórico, no livro O Homem e seriam restritas ao plano da natureza. As sociedades de
o Mundo Natural, o historiador Keith homas (2010) insetos seriam regidas por um acordo natural, imposto
analisa as concepções sobre os seres vivos na Inglaterra pela marcada hierarquia. Não haveria ali qualquer juízo
do período de 1500-1800. Na obra, o autor busca mos- ou pacto, sendo estes exclusivos das sociedades huma-
trar como era a visão do mundo natural naquilo que se- nas, ou de outro modo, da política propriamente dita.
ria o berço da modernidade. Ao analisar o modo como Pode-se citar também a famosa Fábula das abelhas de
os animais eram entendidos na Inglaterra dos séculos Bernard de Mandeville (1994), publicada originalmente
XVI, XVII e XVIII, homas aponta que a distância en- em 1723. A fábula trata de uma colmeia povoada pelo
tre os humanos e os animais era absoluta, intransponí- vício e egoísmo, mas que ainda assim funcionava de ma-
vel (homas, 2010). No entanto, o autor comenta que neira harmônica. Passando por uma mudança em que a
no período Stuart as comparações entre as colmeias e as virtude e a ética se tornaram generalizadas, instalou-se
sociedades humanas eram muito populares e isso se es- uma falta de estímulos para o trabalho árduo, o que rapi-
tendeu durante o século XVIII (homas, 2010). Fazia- damente levou a colmeia ao colapso. Assim, essa fábula
se um elogio deliberado ao trabalho árduo, à organiza- visava ilustrar que o egoísmo e o vício dos indivíduos po-
ção política e a hierarquia monárquica (homas, 2010). deriam levar o coletivo para um estado harmônico.
Por exemplo, de acordo com Costa (2002), Hobbes cha- Outra interessante menção às abelhas pode ser vis-
mava a atenção para esses seres que apesar da ausência ta no volume I d’O Capital, de Karl Marx, datado de
de razão e linguagem, guiados pelos apetites particula- 1867, em que se observa a seguinte comparação entre
res e sob a tutela de uma monarquia, conseguiam viver “povos primitivos” e as abelhas:
tão harmoniosamente. Para ele, a diferença era que a
política dos insetos sociais era natural, ao passo que a A cooperação no processo de trabalho, como
política dos humanos era artiicial – e daí sua caracte- a encontramos nas origens culturais da hu-
manidade, predominantemente nos povos ca-
rística desarmônica e conlituosa (Costa, 2002). Por se-
çadores ou eventualmente na agricultura da
rem dotados de razão, os humanos seriam guiados pela comunidade indiana, fundamenta-se, por um
competição por dignidade e honra, pela inveja, o que lado, na propriedade comum das condições de
em geral os levaria à guerra. Nas palavras de Hobbes: produção e, por outro, na circunstância de que
o indivíduo isolado desligou-se tão pouco do
cordão umbilical da tribo ou da comunidade
É certo que há algumas criaturas vivas, como as como a abelha individual da colmeia (Marx,
abelhas e as formigas, que vivem sociavelmente 1996: 450).
umas com as outras (e por isso são contadas
por Aristóteles entre as criaturas políticas), sem
outra direção senão seus juízos e apetites parti- Vê-se, aqui, que tanto as comunidades indianas
culares, nem linguagem através da qual possam quanto as colmeias são exemplos utilizados para se con-
18 Hugo Ferreira, Antes do Pós-humano: insetos sociais, mamíferos superiores e a (re)construção de fronteiras...

trapor à cooperação nas sociedades capitalistas. Vale nização social complexa, a política enquanto fruto da
lembrar que, para Marx, os humanos se distinguem razão e da linguagem faz parte apenas da dimensão
fundamentalmente através do trabalho: humana. Ao contrário, na linha da história natural do
século XIX, a política era parte da história evolutiva, e
Uma aranha executa operações semelhantes assim, a noção de “miniatura” comentada por Drouin
às do tecelão, e a abelha envergonha mais de (2005) aponta para leis gerais que governariam tanto as
um arquiteto humano com a construção dos
sociedades de insetos quanto as sociedades humanas.
favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de
antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é Todavia, para compreender como sociedades de inse-
que ele construiu o favo em sua cabeça, antes tos poderiam servir como modelo para as sociedades
de construí-lo em cera. No im do processo de humanas, faz-se necessário apresentar os fundamentos
trabalho obtém-se um resultado que já no iní-
cio deste existiu na imaginação do trabalhador,
que situam os humanos no mesmo nível dos demais
e portanto idealmente (Marx, 1996: 298). animais na modernidade.

Assim, embora reconheça nos animais a maestria Humanidade e animalidade, da alma ao sistema
de uma habilidade, Marx argumenta que não é possível nervoso
igualar estes aspectos ao trabalho exclusivo à dimensão
humana, por se caracterizar pelo planejamento, design. A ideia de um homem universal tal como defen-
Os animais, ao contrário, agiriam guiados pelo instin- dida pelo iluminismo encontrava oponentes desde o
to (a discussão sobre “instinto” será feita mais a fren- século XVIII. Joseph de Maistre era um reconhecido
te). Da mesma forma, diz Marx em A ideologia alemã crítico às doutrinas iluministas na França pós-revolu-
(2007), a socialidade observada nos animais, tal como cionária, e em relação à noção de um homem universal,
observada em abelhas e formigas, também está associa- o autor escreveu em 1795: “Já vi na minha vida France-
da ao instinto, sendo uma “mera consciência gregária”, ses, Italianos, Russos etc.; sei até, graças a Montesquieu,
em que a diferença em relação aos humanos reside ape- que é possível ser Persa: mas quanto ao homem, declaro
nas no fato de que nestes a “consciência toma o lugar do nunca tê-lo encontrado na minha vida” (apud de Saes,
instinto” (Marx, 2007: 35). 2008, p.13).
Segundo o ilósofo Jean-Marc Drouin em seu artigo O que o trecho acima revela é que os humanos se
“Ants and bees. Between the French and the Darwin- deiniam principalmente por suas características histó-
nian Revolution” (2005), na França do inal do século ricas, por sua humanidade (em oposição à animalida-
XVIII o mundo dos insetos sociais era visto com fas- de). Por exemplo, escreve Tim Ingold que o famoso na-
cínio, sobretudo devido à organização política liderada turalista do século XVIII, Lineu, atribuía a humanidade
por uma monarquia. Curiosamente, após a revolução à condição humana, ou seja, ao saber se reconhecer
francesa, essa visão foi duramente criticada, gerando enquanto humano (Ingold, 1995). Ao longo do sécu-
debates em que se argumentava que na verdade as so- lo XIX e com o desenvolvimento das ciências naturais,
ciedades de insetos eram repúblicas. De qualquer modo, a noção de uma condição humana foi substituída pela
as sociedades de insetos eram vistas como “miniaturas” ideia de uma espécie humana. Um caso comentado
das sociedades humanas e, não por acaso, suas descri- por Ingold (1995) pode facilitar a compreensão desse
ções eram feitas em termos de “sociedade’’, “operárias”, ponto. Segundo os relatos de alguns viajantes do século
“rainhas”, “soldados”, “escravizadores”, “colônias” (Drou- XVII e XVIII, haveria nas ilhas do pacíico habitantes
in, 2005). Assim, as sociedades de insetos funcionariam semelhantes a seres humanos com caudas, parecidos
de maneira semelhante às sociedades humanas. com macacos, e que andavam sobre duas pernas e co-
Nesse sentido, vale comparar a perspectiva hobbe- nheciam a arte da navegação. Lineu os classiicou como
siana com a visão predominante no século XIX. Para macacos. Esses habitantes seriam atualmente classiica-
Hobbes, ainda que os insetos sociais possuam orga- dos como “orangotangos”. No entanto, James Burnett –
Ilha do Desterro v. 70, nº 2, p. 015-027, Florianópolis, mai/ago 2017 19

também conhecido como Lord Monboddo – airmou animalidade ou parentalidade em comum, ou enquanto
que estes eram humanos, interpretando a questão de membro da espécie humana. Nesse sentido, buscou-se
um modo distinto: então uma classiicação dos seres vivos baseada na “his-
tória evolutiva” e não mais em critérios ditos arbitrários
Eles têm exatamente a forma humana; andam como utilidade ou domesticação. Assim, passou-se a
eretos, não de quatro como os selvagens encon- analisar ossos, crânios, embriogênese, número e distri-
trados na Europa; fazem armas com pedaços
buição de pelos, penas, escamas, antenas, asas. A vida
de madeira; vivem em sociedade; constroem
cabanas com galhos de árvores; e roubam mo- teria começado em suas formas unicelulares; surgiram
ças negras, que tornam suas escravas tanto para os primeiros protozoários, fungos, vegetais; no ramo
o trabalho quanto para o prazer. [...] Mas, se os dos animais, os humanos foram incluídos entre os
aspectos acima mencionados levam a crer que
eles pertencem a nossa espécie, e embora eles
vertebrados, fazendo parte do grupo taxonômico dos
tenham feito grandes progressos nas astúcias primatas, sendo os chimpanzés e orangotangos os seus
da vida, não conseguiram desenvolver a lin- parentes mais próximos.
guagem (apud Ingold, 1995: 6). Seguindo a linha de Ingold (1995), a partir do sé-
culo XIX a humanidade passou a ser circunstanciada
Segundo Foucault (1999, p.422), é somente a partir pela animalidade. A classiicação enquanto história
do naturalista Georges Cuvier que se estabeleceram as evolutiva é rastreada por meio da hereditariedade, da
condições de possibilidade de uma “biologia”, em que transmissão de substâncias através dos corpos enquan-
os humanos deixariam de ser ontologicamente distin- to estruturas físico-biológicas. Por exemplo, nas re-
tos dos outros seres vivos. Embora Cuvier seja associa- construções ilogenéticas de outras espécies, ao compa-
do ao “ixismo”, Foucault (1999) argumenta que é com rar fósseis com indivíduos atuais, o que se traça é uma
base em suas ideias que os seres vivos são agrupados semelhança morfológica e corporal, ignorando quais-
entre si e classiicados de acordo com seus princípios quer atributos comportamentais – ainal, a heredita-
vitais. Portanto, a diferença entre os humanos e os de- riedade se dá em transmissão de substâncias e não de
mais animais seria de grau; ou seja, haveria uma conti- comportamentos. Os aspectos culturais seriam apenas
nuidade entre os mesmos. uma especiicidade dos humanos, permitida através do
Todavia, é com as teorias evolucionistas e princi- desenvolvimento de sistemas nervosos mais complexos
palmente com a teoria da seleção natural de Darwin (Ingold, 1995). Em outros termos, os humanos conti-
que os seres humanos seriam considerados enquanto nuariam sendo diferentes dos demais animais devido às
parte de um ramo da história evolutiva do reino ani- suas capacidades de abstração, uso e produção de ins-
mal. Sobretudo com a publicação d’A Origem das Espé- trumentos ou ferramentas, linguagem; mas, o que antes
cies [1859] de Charles Darwin, a visão que se tinha do era uma distinção qualitativa (alma ou cultura) agora é
mundo da vida sofreu grande transformação. Segundo uma distinção quantitativa, fruto do desenvolvimento
a teoria da evolução pela seleção natural, as espécies do sistema nervoso (Ingold, 1995).
atuais seriam aparentadas entre si, fruto da competição Entretanto, as ideias de Darwin apresentadas em
e das modiicações herdadas ao longo do tempo. Esta- A Origem das Espécies desencadearam controvérsias
va implícita a inclusão dos humanos na árvore da vida, cientíicas na época. Isso pode ser ilustrado pelo famo-
em que Darwin colocava de vez os humanos como mais so debate entre o bispo Samuel Wilberforce – autori-
uma espécie. Logo, levando essa teoria a sério, cria-se dade cristã de grande retórica à época – e o naturalista
uma noção de humanos enquanto animais e como par- homas Henry Huxley – conhecido como “buldogue
te da história natural, sendo então aparentados entre si, de Darwin” por ser o defensor público da teoria da sele-
ou seja, possuiriam um ancestral comum exclusivo. Em ção natural. O debate foi parte de uma conferência em
outras palavras, não mais um “Homem Universal” as- Oxford, em 1860. Um sinal de resistência à teoria da
sociado às luzes, mas um ser humano em termos de sua seleção natural e da descendência do ser humano pode
20 Hugo Ferreira, Antes do Pós-humano: insetos sociais, mamíferos superiores e a (re)construção de fronteiras...

ser ilustrado no argumento do bispo Wilberforce. Se- crucial é o que o “macaco” é justamente aquele que está
gundo uma mídia local que reportou a conferência, o imediatamente inferior na escala dos seres vivos, ou
bispo teria defendido em linhas gerais que: seja, numa zona fronteiriça.
Para além de mera curiosidade, o que se quer mos-
[...] Darwinian theory, when tried by the princi- trar com esse caso é que a aproximação entre os huma-
ples of inductive science, broke down. he facts nos e os macacos não era trivial ou difundida, mas foi
brought forward did not warrant the theory [...]
construída por uma nova forma de classiicação (evolu-
the line between man and the lower animals was
distinct; there was no tendency on the part of tiva, ilogenética) dos seres vivos. Antes as analogias se
the lower animals to become the self-conscious davam em relação aos insetos sociais em razão de uma
intelligent being, man; or in man to degenerate aproximação no que concerne à organização social; a
and lose the high characteristics of mind and in-
telligence [...] Mr. Darwin’s conclusions were an partir do im do século XIX e no XX, os humanos se
hypothesis, raised most unphilosophically to the aproximariam dos animais (em maior ou menor grau)
dignity of a causal theory (apud Jensen, 1988, através da história evolutiva. A noção de natureza hu-
p.166). mana de ilósofos como Aristóteles e Hobbes estava as-
sociada a uma “essência humana”, diferente dessa nova
Segundo os relatos sobre este debate, Huxley le- ideia de natureza enquanto biologia, a qual “primati-
vava vantagem, e a certa altura o bispo pergunta se o zou’’ os seres humanos com base em certos caracteres
naturalista seria descendente de um macaco por parte morfológicos e isiológicos.
de mãe ou de pai. Huxley cochicha ao homem ao lado
“God hath delivered him into mine hands”, e então le- Disputando o lugar dos humanos
vanta e responde que preferiria ser descendente de um
macaco a ser um bispo que usa sua inluência para dis- Em seu livro Debugging the link between social the-
torcer a verdade: ory and social insects (2008), a socióloga estadouniden-
se Diane Rodgers ilustra com detalhes as controvérsias
A man has no reason to be ashamed of having cientíicas e as analogias/comparações entre sociedades
an ape for his grandfather. If there were an an- de insetos e sociedades humanas. O argumento central
cestor whom I should feel shame in recalling, it
da obra é que a sociologia e a entomologia se inluen-
would rather be a man […], a man of restless
and versatile intellect, who, not content with an ciaram mutuamente, sobretudo durante o século XIX
equivocal success in his own sphere of activity, até meados do século XX, sendo as analogias entre so-
plunges into scientiic questions with which he ciedades de humanos e de insetos frequentes durante
has no real acquaintance, only to obscure them
by an aimless rhetoric, and distract the attention esse período (Rodgers, 2008). Dentro da trilha “natu-
of his hearers from the real point at issue by elo- ralizante” e combinada com o evolucionismo do século
quent digressions and skilled appeals to religious XIX, as sociedades de insetos eram utilizadas como ins-
prejudice (apud Jensen, 1988, p.168). trumento de legitimação de hierarquias, divisão do tra-
balho, colonialismo (Rodgers, 2008). É somente a partir
Ao im e ao cabo a tese darwinista prevaleceu, e a do século XX que a sociologia realizaria uma ruptura
proximidade entre humanos e demais primatas se es- mais profunda com as ciências naturais. E, curiosamen-
tabeleceu. Como exemplo contemporâneo desta apro- te, a partir da segunda metade do século XX e no início
ximação entre humanos e outros primatas, pode-se do século XXI, as comparações com as sociedades de
perguntar por que se utiliza a ideia de “macaco” como insetos se tornam mais raras e os humanos passam a
xingamento ou racismo? Parece o caso de uma constru- ser comparados principalmente com os demais prima-
ção que remonta aos estudos da antropologia biológi- tas (Rodgers, 2008).
ca do século XIX, onde os negros eram situados como No entanto, se por um lado os humanos foram
intermediários entre brancos e macacos. Mas o ponto “primatizados” ao longo do século XIX e XX, por outro
Ilha do Desterro v. 70, nº 2, p. 015-027, Florianópolis, mai/ago 2017 21

mantiveram sua especiicidade enquanto superiores, evolução do sistema nervoso ou simplesmente da inte-
inteligentes e sociais. De relance, parece que é esta a ligência, e as sociedades de insetos passaram a ser um
base da separação entre uma visão “biologizante” dos problema a ser resolvido uma vez que estes constitui-
humanos, que funcionaria seguindo as mesmas leis riam um grupo taxonômico pertencente a outro ramo
naturais que operam nos animais, em oposição àquela da árvore ilogenética do reino animal. Assim, como
“sociologizante”, a qual daria ênfase às peculiaridades explicar a socialidade dos insetos sociais em termos
humanas. Com efeito, a disputa sobre o ser humano en- evolutivos? Ao que parece, a noção de “instinto” seria
quanto objeto de estudo pode ser ilustrada através de a solução mais simples (assim como Hobbes já tinha
outro texto de Rodgers (2012). No artigo, a autora abor- escrito sobre os “seres sem juízos” e Marx sobre a “mera
da um debate sobre o uso de insetos sociais como mo- consciência gregária”). Nesse âmbito, uma argumenta-
delos para as sociedades humanas, na esteira da conso- ção soisticada pode ser encontrada no livro Creative
lidação da psicologia social ainda no início do século evolution (1907; 1922) do ilósofo Henri Bergson. No
XX. O debate é representado pela polarização entre o livro, Bergson (1922) defende que os dois principais ra-
psicólogo James Mark Baldwin (1861 – 1934) e soció- mos do reino animal (deuterostomados e protostoma-
logo Charles Abram Ellwood (1873 – 1946). Para Rod- dos Nota 1) são dotados de impulsos vitais distintos. Os
gers, os dois autores, reconhecidos internacionalmente, deuterostomados seriam caracterizados pelo impulso
simbolizavam claramente os lados opostos do início da da inteligência, o qual permite a aferição e abstração,
psicologia social. permitindo a fabricação e uso de instrumentos. Assim,
Segundo Rodgers (2012), Baldwin defendia que os humanos seriam o auge da perfeição da inteligência;
o desenvolvimento dos instintos era máximo nos in- logo abaixo, viriam os macacos e elefantes já que sabem
setos sociais, ao passo que nos humanos este se limi- utilizar ocasionalmente determinados instrumentos; a
tava às habilidades mais essenciais (inatas); e assim, seguir aqueles que sabem reconhecer um objeto, por
o desenvolvimento da criança se fundaria sobretudo exemplo, a raposa, que tem a capacidade de reconhe-
através da aprendizagem, da inteligência. Logo, os ins- cer armadilhas. Ao contrário, os protostomados seriam
tintos presentes nos insetos sociais seriam insuicien- caracterizados pelo impulso do instinto, que seria a fa-
tes para explicar os fenômenos sociais humanos. Na culdade de utilizar instrumentos já organizados, isto é,
direção contrária, Ellwood questionava essa distinção os apêndices do próprio corpo. Nesse grupo, o auge da
e argumentava que Baldwin criava um abismo entre perfeição do instinto reside no grupo dos himenópteros
os fenômenos sociais, e defendia que os insetos sociais (Nota 2), visto sua capacidade de trabalho e organiza-
poderiam servir de modelo para a compreensão de so- ção. Esse elogio aos insetos sociais pode ser percebido
ciedades humanas. Porém, a partir dos anos 1920, a no- no seguinte trecho: “Such is the human species, which
ção de instinto foi sendo abandonada pela sociologia e represents the culminating point of the evolution of
pela psicologia social, e o próprio Ellwood passou a ser the vertebrates. But such also are, in the series of the arti-
um defensor da especiicidade dos fenômenos sociais culate, the insects and in particular certain Hymenopte-
humanos. Ellwood passou a defender que, embora os ra. It has been said of the ants that, as man is lord of the
insetos sociais apresentassem fenômenos sociais, isso soil, they are lords of the subsoil” (Bergson, 1922: 141).
seria gerado por fatores biológicos e geográicos, e não Saliente-se que Bergson não atribui exclusivida-
realmente sociais. É somente nas sociedades humanas de de instinto para uns e inteligência para outros. O
que se vê cultura. Esse debate relete uma clivagem en- que ele propõe é uma diferença na origem e proporção
tre campos cientíicos, na qual a ideia de cultura pas- em que essas qualidades se manifestam. Assim, os hu-
sou a ser dominante na sociologia e na psicologia social manos teriam a máxima inteligência até então, sendo
(em oposição às explicações em termos de “instinto”). que macacos e elefantes, que pertencem também ao
Dessa maneira, se no início do século XX a cul- grupo dos vertebrados, apresentam a inteligência em
tura passou a ser cada vez mais explicada em razão da proporções menores. Fica evidente que para o autor a
22 Hugo Ferreira, Antes do Pós-humano: insetos sociais, mamíferos superiores e a (re)construção de fronteiras...

proximidade dos humanos junto aos demais vertebra- mero aparato utilizado pelos genes, sendo toda a socia-
dos é um dado. No entanto, o mais interessante é que lidade uma evolução inconsciente gerada pela seleção
os insetos sociais são elevados ao posto de máxima natural entre os genes. Curiosamente, no texto citado
evolução em seu próprio grupo. Bergson escreve sobre Dawkins dedica dezenas de páginas ao “problema” do
estes seres: “We get this impression when we compare altruísmo entre as abelhas operárias, pois, uma vez que
the societies of bees and ants, for instance, with human elas não se reproduzem, estas representariam evolutiva-
societies. he former are admirably ordered and united, mente um mistério a ser solucionado. A explicação do
but stereotyped; the latter are open to every sort of pro- autor é que a seleção natural opera em nível genético, e
gress, but divided […]” (Bergson, 1922: 105-106). Des- portanto, o altruísmo é apenas uma aparência, sendo na
sa maneira, Bergson entende as sociedades de insetos verdade relexo do egoísmo em nível genético; 3) e por
enquanto sociedades propriamente ditas, e aponta que último Edward O.Wilson (1999), principal nome no
estas são baseadas no máximo ordenamento e estabi- que se refere à sociobiologia. Como uma ilustração dos
lidade (guiadas pelo instinto), ao passo que as socie- princípios que norteiam essas análises, vale observar o
dades humanas são marcadas pela instabilidade e pela trecho abaixo e o modo como as relações sociais dentre
mudança (guiadas pelo intelecto). humanos e outros animais são comparadas:
Em última análise, o que se vê é a acomodação
entre a explicação da socialidade humana através da […] All mammals, including humans, form so-
inteligência e um reconhecimento da complexa organi- cieties based on a conjunction of selish interests.
Unlike the worker castes of ants and other so-
zação social entre os insetos sociais, estando os últimos
cial insects, they resist committing their bodies
dotados dos instintos mais perfeitos ou precisos. Seria and services to the common good. Rather, they
isso talvez um resquício histórico de comparação/ad- devote their energies to their own welfare and
miração com os insetos sociais? that of close kin. For mammals, social life is a
contrivance to enhance personal survival and
Entretanto, como já mencionado nesta seção, as reproductive success. As a consequence, societies
explicações dos fenômenos sociais através dos instin- of nonhuman mammalian species are far less or-
tos foram cada vez mais rejeitadas pelas ciências so- ganized than the insect societies. hey depend on
ciais. Todavia, os instintos continuaram a ser estudados a combination of dominance hierarchies, rapidly
shiting alliances, and blood ties. Human beings
principalmente pelos biólogos e psicólogos behavioris- have loosened this constraint and improved so-
tas. Como exemplo, pode-se citar o artigo de William cial organization by extending kinship like ties
Wheeler (1923), estudioso do comportamento e das re- to others through long-term contracts (Wilson,
1999: 186).
lações de parasitismo em formigas. Ao longo do texto,
o autor faz frequentes comparações com as sociedades
humanas, e diz que assim como as formigas, possuímos Em primeiro lugar, vale notar que para os socio-
nossos parasitas improdutivos, tais como “criminosos”, biólogos as socialidades nos insetos e nos mamíferos
“burocratas” e “prostitutas”. são comparadas sem grandes restrições, sugerindo
E por im, como se sabe, a busca pela explicação das que estas são da mesma natureza. Outro ponto inte-
sociedades humanas nos fenômenos sociais animais se ressante é que nos insetos sociais a socialidade é uma
faz presente, principalmente, no escopo da sociobiolo- completa devoção ao bem comum, o que não ocor-
gia. Para citar apenas três autores de maior renome, des- reria nos humanos, e por isso a organização social
taca-se aqui: 1) Desmond Morris e o livro O macaco nu complexa entre estes seria uma compensação às “rela-
(1968), em que os humanos são entendidos como um tivamente fracas” relações de parentesco (elevadas ao
grupo peculiar de primatas, e as relações sociais como máximo nos insetos sociais).
aparatos evolutivos; 2) Richard Dawkins, que em seu
famoso livro O gene egoísta (2001) defende a tese so-
bre os seres vivos enquanto máquinas replicadoras, um
Ilha do Desterro v. 70, nº 2, p. 015-027, Florianópolis, mai/ago 2017 23

For a preliminary deinition it seems suiciently


Dos insetos sociais aos mamíferos superiores clear that what we have to deal with are relations
nas ciências sociais of association between individual organisms. In
a hive of bees there are the relations of associa-
Embora o humano enquanto objeto biológico ou tion of the queen, the workers and the drones.
here is the association of animals in a herd, of a
sociológico ainda seja disputado, o fato é que os huma- mother-cat and her kittens. I do not suppose that
nos foram “primatizados” – tanto para um biólogo quan- anyone will call them cultural phenomena. In
to para um ilósofo. Assim, esta seção visa fornecer uma social anthropology, as I deine it, what we have
to investigate are the forms of association to be
breve ilustração desse fenômeno no campo das ciências
found amongst human beings (Radclife-Bro-
humanas, abordando alguns aspectos em obras dos se- wn, 1940: 2).
guintes autores: Alfred Kroeber, Alfred Radclife-Brown
e Claude Lévi-Strauss. Essa escolha leva em conta ao me- Assim, Radclife-Brown argumenta que tanto uma
nos três critérios: 1) a considerável relevância dos auto- colmeia de abelhas quanto uma família de gatos seriam
res; 2) o modo como os mesmos delimitam as fronteiras sociais na medida em que são associações entre orga-
entre a socialidade humana e a dos demais seres vivos; 3) nismos individuais. Como organismos individuais, es-
o fato de mencionarem os insetos sociais em seus textos. tes seriam seres biológicos, e devem ser estudados pelas
O antropólogo Alfred Kroeber, no famoso ar- ciências naturais. Já os seres humanos, sendo pessoas,
tigo O superorgânico, de 1917, discute explicitamente caberia aos antropólogos sociais o respectivo estudo.
o “problema” dos insetos sociais. Em termos gerais, o Escreve o autor: “Social phenomena constitute a distinct
texto pode ser lido como uma empreitada no sentido de class of natural phenomena” (Radclife-Brown, 1940: 3).
isolar as ciências humanas das ciências naturais. Mas é Em suma, os animais seriam sociais, mas suas estrutu-
particularmente curiosa a dedicação do autor em esta- ras sociais seriam de uma natureza distinta da humana.
belecer uma distinção entre as sociedades humanas e as No que tange à socialidade dos insetos sociais, po-
sociedades de insetos. Em suas palavras: “As formigas e de-se notar o contraste entre os escritos de Kroeber e
as térmites possuem sociedades, mas não têm uma cul- Radclife-Brown com aquele apresentado por Lévi-S-
tura. Só o homem tem ambas, sempre necessariamente trauss nas primeiras páginas do capítulo I d’As Estru-
associadas, embora conceptualmente diferenciáveis” turas Elementares do Parentesco (1982), originalmente
(Kroeber, 1993: 40). E ainda mais detalhadamente: publicado em 1948. O autor inicia o famoso texto ques-
tionando como a cultura teria surgido a partir da na-
A divergência entre forças sociais e orgânicas tureza. E em relação às sociedades de insetos, comenta
talvez não seja plenamente entendida enquanto que “A passagem – se existe – não poderia pois ser pro-
não aprofundarmos a mentalidade dos chama-
curada na etapa das supostas sociedades animais, tais
dos insectos sociáveis, as abelhas e as formigas.
A formiga é social na medida em que associa; como são encontradas entre alguns insetos”. Está claro
mas está tão longe de ser social no sentido de aqui que, para Lévi-Strauss, “sociedades de insetos” já é
possuir civilização, de ser inluenciada por for- uma contradição em termos, uma vez que não se pode
ças não orgânicas, que mais valia ser conhecida
por animal anti-social. [...] A sociedade das for- atribuir o status de “sociedade” a estes coletivos. Mais
migas é tão pouco parecida com uma verdadeira ainda, na mesma página Lévi-Strauss argumenta: “Não
sociedade, no sentido humano, como uma cari- há nessas estruturas coletivas nenhum lugar mesmo
catura com um retrato (Kroeber, 1993: 51). para um esboço do que se pudesse chamar o modelo
cultural universal, isto é, linguagem, instrumentos, ins-
Em outro diapasão, o antropólogo britânico Alfred tituições sociais e sistema de valores estéticos, morais
Radclife-Brown (1940) defendia que outros animais ou religiosos” (Lévi-Strauss, 1982: 44). Ora, vê-se aqui
seriam tão sociais quanto os humanos – caso a socia- uma desqualiicação profunda no estatuto de sociedade
lidade seja entendida enquanto interação entre agrega- no que tange aos insetos, uma ruptura mesmo com as
dos de indivíduos. Note-se o trecho abaixo: concepções dos séculos XVIII e XIX aqui comentadas.
24 Hugo Ferreira, Antes do Pós-humano: insetos sociais, mamíferos superiores e a (re)construção de fronteiras...

Os insetos sociais teriam uma mera “estrutura coleti- vimento anatômico que tenha possibilitado a cultura,
va”. E com efeito, ao im deste mesmo parágrafo Lévi mas de uma longa sobreposição temporal entre aspec-
-Strauss argumenta: “É à outra extremidade da escala tos culturais rudimentares e os hominídeos, o que, por
animal que devemos nos dirigir, se quisermos descobrir retroalimentação positiva, gerou uma mudança tanto
o esboço desses comportamentos humanos. Será com da cultura quanto da biologia dos humanos. Ao anali-
relação aos mamíferos superiores, mais especialmente sar os animais como um todo, vê-se uma relação entre
os macacos antropóides” (Lévi-Strauss, 1982: 44). crescimento do sistema nervoso ou número de neurô-
Lévi-Strauss comenta que, embora de forma muito nios e de faculdades como locomoção, memória e de-
rudimentar, alguns atributos humanos podem ser ob- mais estímulos sensoriais. O grande passo foi uma rear-
servados em alguns macacos. O uso de instrumentos e ticulação do sistema nervoso central nos mamíferos.
da linguagem, a deiciência nas instituições e nos siste- No entanto, em relação ao número de neurônios, não
mas de valores representa uma distância enorme, uma haveria grande diferença entre os primatas inferiores e
vez que “o comportamento instintivo perde nitidez e os humanos. Geertz justiica então essa diferença inte-
a precisão que encontramos na maioria dos mamífe- lectual pela presença de cultura. Um dos argumentos
ros, mas a diferença é puramente negativa e o domínio que justiica essa análise está numa dada passagem em
abandonado pela natureza permanece sendo um terri- que Geertz comenta que os primatas infra-hominídeos
tório não ocupado” (Lévi-Strauss, 1982: 46). Em outras não possuem cultura (enquanto sistema de símbolos
palavras, os demais primatas já não são seres regidos e signiicados), mas, por outro lado, estes apresenta-
completamente pelo instinto, mas tampouco alcan- riam certa organização social, aprendizado imitativo e
çaram níveis de razão próximos aos humanos. Para o transmitem tradições coletivas não biologicamente de
autor, indubitavelmente reside um fator diferenciador geração em geração. Logo, essa seria a prova de que é
entre humanos e outros animais. possível ter alguma organização social sem apresentar
Assim, é possível perceber que esta problemática uma “cultura verdadeira”, e que esse seria o caso dos
da socialidade dos insetos sociais está longe de ser en- humanos – como se um “impulso social” tivesse leva-
cerrada, e mais do que isso, é atualizada à medida que do ao desenvolvimento do sistema nervoso central, e
novos estudos no campo da biologia e da sociologia se inalmente, a uma “cultura verdadeira” (Geertz, 1989).
desenvolvem e interpenetram. Mas, ao que parece, os Porém, é interessante notar que Kroeber deixa explícito
autores colocam os humanos de modo inquestionável que as formigas e térmites têm sociedades, mas não cul-
como aqueles seres dotados de “alguma coisa além”, tura. Da mesma maneira, Geertz comenta que outros
seja a razão/intelecto, estruturas sociais, linguagem ou primatas têm sociedades, mas apenas os humanos têm
simbolismo (ou combinações destes). Mas o que há de cultura. Poder-se-ia dizer, as comparações de Kroeber e
diferente na compreensão destes autores em relação aos Geertz apontam para aquilo que vem a ser o principal
coletivos não humanos? argumento desta seção: enquanto no início do século
Em Kroeber, as sociedades de insetos e de huma- XX Kroeber se esforçava em desqualiicar culturalmen-
nos são de natureza completamente distinta, pois os te os insetos sociais, Geertz, nos anos 1970, fazia o mes-
primeiros pertencem exclusivamente ao mundo orgâ- mo em relação aos demais primatas.
nico – as formigas e térmites seriam melhor conheci- Em Lévi-Strauss, as sociedades de insetos não são
dos como “anti-sociais”. As sociedades humanas seriam comparáveis às sociedades humanas, e caso seja neces-
algo supranatural, superorgânico, e que transcenderia sário distinguir sociedades humanas e não humanas,
os próprios organismos individuais. é sobre os primatas que se deve debruçar – ainda que
Vale abrir aqui um parêntese e comparar o texto de estes não apresentem mais do que alguns rudimentos
Kroeber com o argumento de Geertz em Interpretação daquilo que se possa chamar de “social”.
das culturas (1973; 1989). Para Geertz, os hominídeos Portanto, com base na discussão desta seção, ilus-
atuais são fruto não exclusivamente de um desenvol- tra-se por meio da antropologia social um movimento
Ilha do Desterro v. 70, nº 2, p. 015-027, Florianópolis, mai/ago 2017 25

geral de primatização do ser humano, o que de certo te estavam os insetos sociais. A separação se dava por
modo alterou o objeto de comparação. Se Kroeber se uma “alma”, razão, linguagem, e o critério de aproxima-
esforçava em delimitar a fronteira entre insetos sociais ção era a organização social ou política, hierarquia e a
e humanos, Geertz já não precisava se preocupar tanto divisão do trabalho. A partir do século XIX e princi-
com o assunto. palmente do século XX, os humanos continuaram no
centro defendido pelos mesmos aspectos gerais, mas já
Problematizando as fronteiras não havia um abismo intransponível, e sim, uma histó-
ria evolutiva em comum, uma semelhança ilogenética,
Enquanto biólogo, ao iniciar meus estudos em biológica e substancial. No círculo seguinte estavam os
ciências sociais, chocava-me o modo como alunos e demais primatas; depois os mamíferos e demais verte-
professores postulavam um abismo entre humanos e brados; animais; vegetais; fungos, protozoários e bac-
animais. De certa maneira, era o mesmo princípio et- térias como os objetos por excelência (se distinguindo
nocêntrico que se aplicava aos “primitivos”, mas nesse apenas da matéria inanimada).
caso um antropocentrismo aplicado aos demais seres Mais do que um exercício intelectual, parece que
vivos. Desde o início do curso de ciências sociais, os essa nova economia das subjetividades, de fato, se es-
alunos aprendem a criticar comparações entre huma- truturou em algum grau no senso comum. Exemplo: é
nos e animais e seus derivados “reducionismos”, com possível pensar que uma pessoa tem menor chance de
base na premissa de que os humanos têm “cultura” e ser repreendida por pisar e esmagar uma barata, formiga
outras características que os distinguem fundamental- ou lacraia do que um rato ou sapo. Descola já comenta
mente dos demais seres vivos. que muitos defensores dos animais se preocupam com
Essa questão me pareceu mais clara ao me deparar golinhos, mas “quanto às medusas ou às tênias, nem
com livro O Roubo da História, de Jack Goody (2008). mesmo os membros mais militantes dos movimentos
O autor argumenta que a distinção entre Ocidente e de liberação animal parecem conceder-lhes uma digni-
Oriente, “nós” e “eles”, estava dada a priori para os his- dade tão consequente quanto a outorgada aos mamífe-
toriadores; o que a historiograia fez foi buscar as di- ros e aos pássaros” (Descola, 1998: 24). O que está em
ferenças que explicariam essa distinção. E os historia- jogo – generalizando de forma um pouco grosseira – é
dores as encontraram: o Ocidente seria o inventor da que em certa medida o sistema de classiicação segundo
civilização, do amor, do capitalismo, estabelecendo-se a história evolutiva se instaurou nas esferas de subjeti-
os critérios de distinção. Resumindo grosseiramente vidade modernas. Complementando o comentário de
a crítica de Goody, os ocidentais, em primeiro lugar, Descola (1998) sobre o antropocentrismo que resulta
criaram as fronteiras a priori (“nós” e “eles”); atribuí- nessa assimetria nas defesas dos direitos dos animais,
ram para si elementos que já eram presentes em outros note-se que o uso de animais em laboratórios vai muito
povos, e supervalorizando certas diferenças, ignoraram além de mamíferos e pássaros, e com efeito, é prová-
as semelhanças. vel que se utilize mais insetos do que qualquer outro
Nessa trilha, a tese defendida ao longo do texto é grupo taxonômico animal. E quanto aos vegetais, fun-
que os parâmetros que deinem as fronteiras entre hu- gos, protozoários e bactérias? A experiência pessoal do
manos e outros seres vivos (sobretudo os animais) pas- presente autor aponta que, ao fazer essa pergunta para
saram por modiicações no Ocidente. Proponho que um defensor dos animais ou um vegetariano, a resposta
se pense num sistema de subjetividades formado por circula em torno da ideia de dor ou sofrimento, que,
círculos concêntricos – sendo o centro ocupado pelos por sua vez, está relacionada ao sistema nervoso. Vale
humanos (sujeitos) e o círculo mais distante o objeto lembrar, considera-se que apenas os animais sejam do-
enquanto tipo ideal. Antes da formulação de uma his- tados de sistema nervoso, ao passo que os demais seres
tória natural propriamente dita, os humanos estavam vivos teriam uma mera “sensibilidade”. Assim, vegetais
isolados no centro por um abismo; no círculo seguin- sofreriam menos que insetos, que, por sua vez, menos
26 Hugo Ferreira, Antes do Pós-humano: insetos sociais, mamíferos superiores e a (re)construção de fronteiras...

que mamíferos. Como foi sugerido anteriormente, pa- voso que caracteriza consciência e sensibilidade, e as-
rece que a noção de sistema nervoso substituiu a “alma” sim, o indivíduo já possuiria seus direitos humanos. Ou
enquanto condição de subjetividade. Assim, essa subje- ainda, as discussões em torno dos direitos dos animais,
tividade está distribuída de maneira assimétrica entre das células-tronco, do patrimônio genético, clonagem,
os seres vivos, já que alguns possuem sistemas nervosos transgenia e entre outros – questões bioéticas que susci-
ditos mais complexos do que outros. Mas infelizmente tam a relexão sobre quem são os sujeitos e quem são os
não há espaço para aprofundar essa discussão. objetos, ou melhor dizendo, “quem são os sujeitos que
No entanto, na linha de pensamento de Ingold, é podem dizer quem são os outros sujeitos, e os objetos e
preciso distinguir entre o mundo criado pela ciência e o que fazer com eles”? Em última análise, talvez o pre-
o mundo vivido pelas pessoas. Ainda que a ciência diga sente caso possa re-discutir de que modo pode se dar a
quais seres são inteligentes ou não, as pessoas lidam negociação das subjetividades e da humanidade.
com estes de forma diferenciada. Conforme observa In- Por im, diante de uma virada pós-humanista, ao
gold em A circumpolar’s night dream (2000), os animais sugerir que o caráter “humano” de alguns seres é histo-
de estimação são frequentemente considerados, se não ricamente circunstancial e fruto de um desenvolvimen-
pessoas, ao menos “quase pessoas”, e às vezes conside- to epistemológico-político nos últimos séculos, vê-se
rados membros da família de seus donos. então a fragilidade da noção “humano”. Em suma, antes
Além disso, pode-se também problematizar a de perguntar sobre os futuros desaios ontológicos, vale
fronteira entre os humanos e os animais criada pelos questionar: mas ainal, o que são os humanos?
cientistas sociais em geral: até que ponto os animais
Notas
não possuem uma cultura (racionalidade própria, sis-
temas de valores), como os primatólogos creem que os 1. Na ilogenia do reino animal, existe uma bifurcação
entre dois grandes grupos: os deuterostomados,
primatas possuam, mas que é inacessível para nós (da
representados pelos equinodermos e vertebrados;
mesma maneira que a “cultura” dos primitivos era vista e os protostomados, representados pelos moluscos,
como “instinto” pelos ocidentais)? Acrescentaria que a anelídeos e insetos.
mesma aproximação que permite aos primatólogos ver 2. Grupo taxonômico que abrange as abelhas, formigas
macacos como sujeitos dotados de cultura e que intera- e vespas.
gem socialmente entre si e com seres humanos também
ocorre entre os humanos e seus respectivos animais Agradecimentos
domésticos. Invariavelmente os donos reconhecem que Agradeço aqui as revisões e sugestões dos
seus animais fazem “manha” ou “birra”, icam com ciú- pesquisadores  Luiz Felipe Lima da Silveira (UFRJ)
e Marco Antônio Gonçalves (UFRJ)).
mes, tristes, aprendem a se comunicar.

Referências
Considerações inais
ARISTÓTELES. Política 1, 1252a15 - 1252b16.
Relexivamente, vale questionar, por que discu- ARISTÓTELES. História dos animais, livros XVII-X.
Cambridge, MA: Harvard University Press, 1991.
tir insetos sociais e primatas no imaginário ocidental?
Creio que essa hipótese pode contribuir em alguma BERGSON, Henri. Creative Evolution. London: MacMillan
and Co, Limited, 1922.
medida para certas questões bioéticas e políticas atuais.
A nossa compreensão do mundo vivo está em cons- CLAYTON, Edward. (2008). Aesop, Aristotle, and
animals: he role of fables in human life. Humanitas,
tante reformulação, e esse processo, longe de ser algo v. 21, n. 2, p. 179-200.
puramente “cientíico”, invade (cada vez mais) todas as
COSTA, James. Scale models? (2002). What insect
esferas da vida. Ainal, não é o aborto uma discussão societies teach us about ourselves. Proceedings of the
em torno de uma subjetividade (do feto) ou não? E American Philosophical Society, v.146, n.2, p.170-180.
curiosamente, é o início da formação do sistema ner-
Ilha do Desterro v. 70, nº 2, p. 015-027, Florianópolis, mai/ago 2017 27

DAWKINS, Richard. O gene egoísta. Belo Horizonte: RODGERS, Diane. (2008). Debugging the link between
Itatiaia, 2001. social theory and social insects. LSU Press.
DE SAES, Laurent. (2008). Joseph de Maistre e suas ______. (2012). Insects, instincts and boundary work in
Considerações sobre a França Revolucionária. Revista early social psychology. History of the Human Sciences,
Territórios & Fronteiras, v. 1, n. 1, p. 6-18. v.26, n.68, p. 68-89.
DESCARTES, René (2001).  Discurso do método. São THOMAS, Keith. O Homem e o mundo natural. São Paulo:
Paulo: Martins Fontes. Companhia das Letras, 2010.
DESCOLA, Philippe. (1998). Estrutura ou sentimento: a WHEELER, William Morton. (1923). Social life among
relação com o animal na Amazônia. Mana, v. 4, n. 1, insects. he Scientiic Monthly, v.16, n.1, p.5-33.
p. 23-45.
WILSON, Edward O. Consilience: he unity of knowledge.
DROUIN, Jean Marc. (2005). Ants and bees. Between the New York, Vintage, 1999.
French and the Darwinnian revolution. Ludus Vitalis, Recebido em: 08/11/2016
v.13, n.24, 3-14. Aceito em: 10/03/2017
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as coisas: uma
arqueologia das ciências humanas. São Paulo, Martins
Fontes, 1999.
GEERTZ, Cliford. A Interpretação das culturas. Rio de
Janeiro: Editoria Guanabara Koogan, 1989.
GOODY, Jack. O Roubo da história. São Paulo: Editora
Contexto, 2008.
HOBBES, homas. Leviatã ou matéria, forma e poder de
um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Nova Cultura,
2000.
INGOLD, Tim.  Humanidade e animalidade. (1995).
Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.28, n.10, p. 39
- 53.
______. (2000). he Perception of the environment: essays
on livelihood, dwelling and skill. Psychology Press.
JENSEN, J. Vernon. (1988). Return to the Wilberforce–
Huxley Debate. he British Journal for the History of
Science, v.21, n.2, p.161-179.
LÉVI-STRAUSS, Claude. As Estruturas elementares do
parentesco. 2. Ed. Petrópolis: Editora Vozes., 1982.
KROEBER, Alfred. A Natureza da cultura. Lisboa: Edições
70, LDA, 1993.
MANDEVILLE, Bernard de. A Fábula das Abelhas.
(1994). Disponível em: http://www.braudel.org.br/
publicacoes/bp/bp05_pt.pdf. Acesso em 8 jan. 2015.
MARX, Karl. O capital. São Paulo: Editora Nova Cultural,
1996.
______. A Idelogia alemã. São Paulo: Boitempo Editorial,
2007.
MORRIS, Desmond. O macaco nu: um estudo do animal
humano. Rio de Janeiro: Record, 1968.
RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald. (1940). On
social structure. Journal of the Anthropological Institute
of Great Britain and Ireland, p. 1-12.

Vous aimerez peut-être aussi