Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Bela infanta
Nau catrineta
http://www.youtube.com/watch?v=XdTlyyxgvmQ&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=v2AXsH_miaQ&feature=related
João de DEUS
Saúl DIAS
Poeta
- Poeta errante,
de olhar vago e distante
e azul,
o teu perfil singular
recorta-se angular
ao norte e ao sul.
E os sapatos gastos
pedem grandes repastos,
abrem bocas, esfomeados.
- Poeta errante,
caem por terra os livros e a estante,
e as torres esguias das igrejas,
e as paredes velhas dos bordéis!...
- Poeta errante,
vamos dormir na sombra dos vergéis!...
Um poema
Um poema
é a reza dum rosário
imaginário.
Um esquema
dorido.
Um teorema
que se contradiz.
Uma súplica.
Uma esmola.
Dores,
vividas umas, sonhadas
outras...
(Inútil destrinçar).
Um poema
é a pedra duma escola
com palavras a giz
para a gente apagar ou
guardar
O Poema
A tarde cai,
silenciosa,
morosa...
Na alma do poeta,
o poema,
estranha rosa,
rubra e preta,
abre...
Afinal,
escrever um poema
é fixar uma pena,
sentindo estoirar
o calabre
do coração,
nostálgico do éden...
- Vá, poeta,
deixa o coração sangrar!
Escrevi um livro.
Quantos anos a sonhá-lo,
A rascunhá-lo nas mesas dos cafés,
A escrevê-lo nos intervalos do emprego,
A vivê-lo,
A sofrê-lo,
Na província, nas cidades...!
Criei um filho.
Tanta alegria no meu coração!
Sebastião da GAMA
Quatro mil soldados
Ra ta plá ta plá
quatro mil soldados
vão mecanizados
pela estrada fora.
Sereninha a hora,
manhã linda, linda,
mas os quatro mil
marcham indiferentes.
Ra ta plá ta plá
que bonito é!
Mas à volta há flores
e nenhum as vê.
Passam andorinhas,
dizem-lhes recados.
De olhos encantados,
passam raparigas.
Ondas lhes acenam.
Melros e pardais
fazem-lhes sinais
pela estrada fora.
Mas os quatro mil
vão mecanizados.
Passos acertados
pelo rataplã;
os ouvidos dados
só ao rataplã;
olhos cegos, cegos,
coração entregue
só ao rataplã
(Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá)
Que monotonia!
Que enfadonha letra!
Entretanto os melros
trinam de alegria.
Trinam, trinam, troçam.
─ Quatro mil soldados,
todos combinados,
negam a manhã!
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
O Menino Grande
Vida!,
não me venhas roubar o meu tesoiro:
não te importes que eu ria,
que eu salte como dantes.
E se eu riscar os muros
ou quebrar algum vidro
ralha, ralha comigo, mas de manso...
O sonho
António GEDEÃO
Todo o tempo é de poesia
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa e bem segura.
http://www.youtube.com/watch?v=DuGbpW-pGYg&feature=related
Lírio Roxo
Cecília MEIRELES
Motivo (Cecília Meireles)
A Língua de Nhem
Pescaria
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Foram as sereias,
Não tardou, voltaram
Com o perdido anel
Maldito o capricho
De rei tão cruel!
O rei atirou
Grãos de arroz ao mar
E disse às sereias:
- Ide-os lá buscar,
Que se os não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!
Foram as sereias
Não tardou, voltaram,
Não faltava um grão.
Maldito capricho
De mau coração!
O rei atirou
Sua filha ao mar
E disse às sereias:
- Ide-a lá buscar,
Que se a não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!
Foram as sereias...
Quem as viu voltar?...
Não voltaram nunca!
Viraram espuma
Das ondas do mar.
A Estrela
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.
Desencanto
O último poema
Trem de ferro
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Café com pão
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
Oô..
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pato
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
Que vontade
De cantar!
Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficia
Ôo...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Ôo...
Vou mimbora voou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Ôo...
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
Fernando Pessoa
No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada,
Uns por verem rir os outros
E os outros sem ser por nada –
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...
No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E os outros a dar-lhes trela –
No comboio descendente
Da Cruz Quebrada a Palmela...
No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não –
No comboio descendente
De Palmela a Portimão ...
http://www.youtube.com/watch?v=89y_090juho
Cartas de Amor
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
http://www.youtube.com/watch?v=3OOpcRH0m3I
Poema para a Lili
Levava eu um jarrinho
P'ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P'ra comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.
Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro p'ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!
Eugénio de Andrade
Aquela nuvem
- Leva-me contigo.
Quero ver Granada.
Quero ver o mar.
- Granada é longe,
o mar é distante,
não podes voar.
Filme : http://www.youtube.com/watch?v=wotycXZmeNc
Aquela?
Mas já não é um cavalo,
É uma barca à vela.
Aquela?
Mas já não é um navio,
É uma torre amarela
A vogar no frio
Onde encerraram uma donzela.
CHOVE!,
Chove...
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
Eugénio de Andrade
URGENTEMENTE,
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
Faz de conta
Alexandre O’Neill
Amigo,
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
É de conchas o vestido,
tem algas na cabeleira,
e nas velas o latido
do motor duma traineira.
Miguel Torga
Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
Florbela Espanca
Ser poeta,
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
http://www.youtube.com/watch?v=VJaNP_jzHRk
Vinicius de Moraes
Relógio
Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Planta o perfume
Das seivas e flores,
Solta borboletas de todas as cores.
Planta um pião
Na mão de uma criança:
A floresta ri, rodopia e avança.