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Recolha de Poemas

Almeida GARRET (romanceiro)


BARCA BELA

Pescador da barca bela,


Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Ó pescador?

Não vês que a última estrela


No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!

Deita o lanço com cautela,


Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!

Não se enrede a rede nela,


Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador!

Pescador da barca bela,


Inda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador!

Bela infanta

Nau catrineta

http://www.youtube.com/watch?v=XdTlyyxgvmQ&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=v2AXsH_miaQ&feature=related
João de DEUS

A vida é o dia de hoje,


A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;

A vida é sonho tão leve


Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura num momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,


A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave:

Nuvem que o vento nos ares,


Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida – pena caída
Da asa da ave ferida
De vale em vale impelida
A vida o vento levou!

Dias dos anos


Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!

Não sei quem foi que me disse


Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!

Não faça tal: porque os anos


Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa: que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.

Mas anos, não caia nessa!


Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!

Saúl DIAS
Poeta
- Poeta errante,
de olhar vago e distante
e azul,
o teu perfil singular
recorta-se angular
ao norte e ao sul.

- Os teus fatos coçados


bate-os o vento
e leva-os aos bocados...

E os sapatos gastos
pedem grandes repastos,
abrem bocas, esfomeados.

(Nos bolsos, imagino


asas de borboletas,
molhos de folhas secas,
poeiras e papéis...)

- Poeta errante,
caem por terra os livros e a estante,
e as torres esguias das igrejas,
e as paredes velhas dos bordéis!...

- Poeta errante,
vamos dormir na sombra dos vergéis!...

Um poema
Um poema
é a reza dum rosário
imaginário.
Um esquema
dorido.
Um teorema
que se contradiz.
Uma súplica.
Uma esmola.
Dores,
vividas umas, sonhadas
outras...
(Inútil destrinçar).
Um poema
é a pedra duma escola
com palavras a giz
para a gente apagar ou
guardar

O Poema
A tarde cai,
silenciosa,
morosa...

Na alma do poeta,
o poema,
estranha rosa,
rubra e preta,
abre...

Afinal,
escrever um poema
é fixar uma pena,
sentindo estoirar
o calabre
do coração,
nostálgico do éden...

- Vá, poeta,
deixa o coração sangrar!

Para que negar


a esmola que te pedem?
Escrever um livro, Criar um filho, Plantar uma árvore

Escrevi um livro.
Quantos anos a sonhá-lo,
A rascunhá-lo nas mesas dos cafés,
A escrevê-lo nos intervalos do emprego,
A vivê-lo,
A sofrê-lo,
Na província, nas cidades...!
Criei um filho.
Tanta alegria no meu coração!

Só ainda não plantei uma árvore.


O frágil caule como protegê-lo?
Como não deixar que os bichos
Maculem as pequeninas folhas?
E como dialogar com uma árvore-menina?
Agora vai sendo tempo.
Os anos já me pesam.
Amanhã vou plantar uma árvore.

Sebastião da GAMA
Quatro mil soldados

Ra ta plá ta plá
quatro mil soldados
vão mecanizados
pela estrada fora.
Sereninha a hora,
manhã linda, linda,
mas os quatro mil
marcham indiferentes.
Ra ta plá ta plá
que bonito é!
Mas à volta há flores
e nenhum as vê.
Passam andorinhas,
dizem-lhes recados.
De olhos encantados,
passam raparigas.
Ondas lhes acenam.
Melros e pardais
fazem-lhes sinais
pela estrada fora.
Mas os quatro mil
vão mecanizados.
Passos acertados
pelo rataplã;
os ouvidos dados
só ao rataplã;
olhos cegos, cegos,
coração entregue
só ao rataplã
(Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá)
Que monotonia!
Que enfadonha letra!
Entretanto os melros
trinam de alegria.
Trinam, trinam, troçam.
─ Quatro mil soldados,
todos combinados,
negam a manhã!
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá
Ra ta plá ta plá

Balada das quatro meninas

As quatro meninas têm quinze anos.


Têm nas gavetas cadernos de escola
fechados à chave ...Têm nas gavetas
(que ninguém o sonhe!) as tranças cortadas
há dois ou três dias ...Têm quinze anos.

As quatro meninas têm namorados.


(Como gostam delas!...) As quatro meninas
sabem que são belas, que o juram aquelas
cartas escondidas entre os seios tímidos.

As quatro meninas sabem-se miradas.


Sabem da inveja que têm na praia
os outros rapazes dos quatro rapazes
que à tarde lhes dizem ... as coisas que dizem.
E as quatro meninas sentem-se felizes.

Chove ...chove ... chove... Esbeltas, à janela,


por detrás dos vidros, cismam as meninas.
-Que palavras meigas estarão escrevendo,
por detrás dos vidros, escutando a chuva,
os quatro rapazes, os quatro mais belos,
martes, mais ágeis, que existem no mundo?

As quatro meninas sorriem: bem sabem.

Poema da minha esperança


Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.
O meu sorriso de troça,
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...
Tic-tac... Tic-tac...
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)
Tic-tac...
(Como eu rio, cá p'ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.)

O Menino Grande

Também eu, também eu.


joguei às escondidas, fiz baloiços,
tive bolas, berlindes, papagaios,
automóveis de corda, cavalinhos...
Depois cresci,
tornei-me do tamanho que hoje tenho;
os brinquedos perdi-os, os meus bibes
deixaram de servir-me.
Mas nem tudo se foi:
ficou-me,
dos tempos de menino
esta alegria ingénua
perante as coisas novas
e esta vontade de brincar.

Vida!,
não me venhas roubar o meu tesoiro:
não te importes que eu ria,
que eu salte como dantes.
E se eu riscar os muros
ou quebrar algum vidro
ralha, ralha comigo, mas de manso...

(Eu tinha um bibe azul...


Tinha berlindes,
tinha bolas, cavalos, papagaios...
A minha Mãe ralhava assim como quem beija...
E quantas vezes eu, só pra ouvi-la
ralhar, parti os vidros da janela
e desenhei bonecos na parede...)

Vida!, ralha também,


ralha, se eu te fizer maldades, mas de manso,
como se fosse ainda a minha Mãe...

O sonho

Pelo sonho é que vamos,


comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos,
basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.
Chegamos? Não chegamos?
─ Partimos. Vamos. Somos.

António GEDEÃO
Todo o tempo é de poesia

Desde a névoa da manhã


à névoa do outro dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia

Todo o tempo é de poesia

Entre bombas que deflagram.


Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas qu'a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria


das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação ao caos


à confusão da harmonia.
António Gedeão

Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,


as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,


nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

Poema da Auto-estrada, António Gedeão

Voando vai para a praia


Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.

Leva calções de pirata,


vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina,
de impaciente nervura.
como guache lustroso,
amarelo de idantreno,
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta:
Vai na brasa, de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa e bem segura.

Com um rasgão na paisagem


corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta,
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos


já nem percebe Leonor
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta


Vai na brasa, de lambreta.
Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho


é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho


é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,


que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

http://www.youtube.com/watch?v=DuGbpW-pGYg&feature=related

Lírio Roxo

Viajei por toda a Terra


Desde o norte até ao sul;
Em toda a parte do mundo
Vi mar verde e céu azul.

Em toda a parte vi flores


Romperem do pó do chão,
Universais, como as dores
Do mundo
Que em toda a parte se dão.

Vi sempre estrelas serenas


E as ondas morrendo em espuma.
Todo o Sol um Sol apenas,
E a Lua sempre só uma.
Diferente de quanto existe
Só a dor que me reparte.
Enquanto em mim morro triste
Nasço alegre em toda a parte.

Cecília MEIRELES
Motivo (Cecília Meireles)

Eu canto porque o instante existe


e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E sei que um dia estarei mudo:
- mais nada

A Língua de Nhem

Havia uma velhinha


que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.
E estava sempre em casa
a boa velhinha
resmungando sozinha:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
O gato que dormia
no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também
a miar nessa língua
e se ela resmungava,
o gatinho a acompanhava:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
Depois veio o cachorro
da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha
de cá, de lá, de além,
e todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
De modo que a velhinha
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,
ficou toda contente,
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

Pescaria

Cesto de peixes no chão.


Cheio de peixes, o mar.
Cheiro de peixe pelo ar.
E peixes no chão.

Chora a espuma pela areia,


na maré cheia.

As mãos do mar vê e vão,


as mão do mar pela areia
onde os peixes estão.

As mãos do mar vêm e vão,


em vão.
Não chegarão
aos peixes do chão.

Por isso chora, na areia


a espuma da maré cheia.
A bailarina
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré


mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá


Mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,


mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar


e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu


e diz que caiu do céu.

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,


e também quer dormir como as outras crianças
Manuel BANDEIRA

Balada do rei das sereias


O rei atirou
Seu anel ao mar
E disse às sereias:
- Ide-o lá buscar,
Que se o não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias,
Não tardou, voltaram
Com o perdido anel
Maldito o capricho
De rei tão cruel!

O rei atirou
Grãos de arroz ao mar
E disse às sereias:
- Ide-os lá buscar,
Que se os não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias
Não tardou, voltaram,
Não faltava um grão.
Maldito capricho
De mau coração!

O rei atirou
Sua filha ao mar
E disse às sereias:
- Ide-a lá buscar,
Que se a não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias...
Quem as viu voltar?...
Não voltaram nunca!
Viraram espuma
Das ondas do mar.
A Estrela
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!


Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância


Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra funda


Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

Desencanto

Eu faço versos como quem chora


De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...


Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca


Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.


Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Trem de ferro
Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virgem Maria que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Café com pão

Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô..
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pato
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
Que vontade
De cantar!

Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficia
Ôo...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Ôo...
Vou mimbora voou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Ôo...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...

Fernando Pessoa
No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada,
Uns por verem rir os outros
E os outros sem ser por nada –
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E os outros a dar-lhes trela –
No comboio descendente
Da Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não –
No comboio descendente
De Palmela a Portimão ...

http://www.youtube.com/watch?v=89y_090juho
Cartas de Amor

Todas as cartas de amor são


Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,


Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,


Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia


Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje


As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,


Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

http://www.youtube.com/watch?v=3OOpcRH0m3I
Poema para a Lili

Levava eu um jarrinho
P'ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P'ra comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.

Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro p'ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!

Se eu não levasse um jarrinho,


Nem fosse buscar vinho,
Nem trouxesse uma fita
Pra ir bonita,
Nem corresse atrás
De mim um rapaz
Para ver o que eu fazia,
Nada disto acontecia.

Eugénio de Andrade

Aquela nuvem

- É tão bom ser nuvem,


ter um corpo leve,
e passar, passar.

- Leva-me contigo.
Quero ver Granada.
Quero ver o mar.

- Granada é longe,
o mar é distante,
não podes voar.

- Para que te serve


ser nuvem, se não
me podes levar?

- Serve para te ver.


E passar, passar.

Filme : http://www.youtube.com/watch?v=wotycXZmeNc

José Gomes Ferreira


Aquela Nuvem,
Aquela nuvem
Parece um cavalo...

Ah! Se eu pudesse montá-lo!

Aquela?
Mas já não é um cavalo,
É uma barca à vela.

Não faz mal.


Queria embarcar nela.

Aquela?
Mas já não é um navio,
É uma torre amarela
A vogar no frio
Onde encerraram uma donzela.

Não faz mal.


Quero ter asas
Para a espreitar da janela.

Vá, lancem-me no mar


Donde voam as nuvens
Para ir numa delas
Tomar mil formas
Com sabor a sal
- Labirinto de sombras e de cisnes
No céu de água-sol-vento-luz concreto e irreal...

CHOVE!,

Chove...

Mas isso que importa!,


se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

Eugénio de Andrade
URGENTEMENTE,

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,


Ódio, solidão e crueldade,
Alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,


multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz


impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Faz de conta

- Faz de conta que sou


abelha.
- Eu serei a flor mais
bela
- Faz de conta que sou
cardo.
- Eu serei somente
orvalho.
- Faz de conta que sou
potro.
- Eu serei sombra em
Agosto.
- Faz de conta que sou
choupo.
- Eu serei pássaro louco,
pássaro voando e
voando
sobre ti vezes sem
conta.
- Faz de conta, faz de
conta.

Alexandre O’Neill
Amigo,
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,

Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,


Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,


Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!

«Amigo» é o erro corrigido,


Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,


Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
David Mourão Ferreira
Maria Lisboa,

É varina, usa chinela,


tem movimentos de gata;
na canastra, a caravela,
no coração, a fragata.

Em vez de corvos no chaile,


gaivotas vêm pousar.
Quando o vento a leva ao baile,
baila no baile com o mar.

É de conchas o vestido,
tem algas na cabeleira,
e nas velas o latido
do motor duma traineira.

Vende sonho e maresia,


tempestades apregoa.
Seu nome próprio: Maria;
seu apelido: Lisboa.
http://www.youtube.com/watch?v=S-JanxqhFbc&feature=related

Miguel Torga

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:


Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Florbela Espanca
Ser poeta,
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendos


E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!


Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…


É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

http://www.youtube.com/watch?v=VJaNP_jzHRk

Traz outro amigo também, Zeca Afonso


http://www.youtube.com/watch?v=hfKU5pA-CRI&feature=related

Vinicius de Moraes
Relógio
Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Dia e noite
Noite e dia

Adolfo Simões Muller


Era uma vez

Quando eu era pequenino,


gostava de ouvir contar
histórias de princesinhas
encantadas ao luar.

Havia então lá em casa


uma criada velhinha,
a Sérgia contava histórias
- e que graça que ela tinha!

Lendas de reis e de fadas,


inda me incheis a lembrança!
Que saudades de vós tenho,
ó meus contos de criança!

“Era uma vez...” As histórias


começavam sempre assim;
e eu, então, sem me mexer,
ouvia-as até ao fim.

Lembro-me ainda tão bem!


Os irmãos à minha beira,
calados! E a boa Sérgia
contava desta maneira:

“Era uma vez...” E depois,


olhos fitos nos seus lábios,
ouvia contos sem conta
de gigantes e de sábios”.

“Era uma vez...” E, por fim,


a voz da Sérgia parava...
E assim como eu te contei
era como ela contava.

Ai! que saudade, que pena,


que nos meus olhos tu vês!
Eu sentava-me e ela, então,
começava: - “Era uma vez...”
Matilde Rosa Araújo

Loas à chuva e ao vento


Chuva, porque cais?
Vento, aonde vais?
Pingue...Pingue...Pingue...
Vu...Vu...Vu...
Chuva, porque cais?
Vento, aonde vais?
Pingue...Pingue...Pingue...
Vu...Vu...Vu...
Ó vento que vais,
Vai devagarinho.
Ó chuva que cais,
Mas cai de mansinho.
Pingue...Pingue...
Vu...Vu...
Muito de mansinho
Em meu coração.
Já não tenho lenha,
Nem tenho carvão...
Pingue...Pingue...
Vu...Vu...
Que canto tão frio
Que canto tão terno,
O canto da água,
O canto do Inverno...
Pingue...
Que triste lamento,
Embora tão terno,
O canto do vento,
O canto do Inverno...
Vu...
E os pássaros cantam
E as nuvens levantam!
Luísa Ducla Soares
Plantar uma floresta

Quem planta uma floresta


Planta uma festa.

Planta a música e os ninhos,


Faz saltar os coelhinhos.

Planta o verde vertical,


Verte o verde,
Vário verde vegetal.

Planta o perfume
Das seivas e flores,
Solta borboletas de todas as cores.

Planta abelhas, planta pinhões


E os piqueniques das excursões.

Planta a cama mais a mesa.


Planta o calor da lareira acesa.
Planta a folha de papel,
A girafa do carrocel.

Planta barcos para navegar,


E a floresta flutua no mar.
Planta carroças para rodar,
Muito a floresta vai transportar.
Planta bancos de avenida,
Descansa a floresta de tanta corrida.

Planta um pião
Na mão de uma criança:
A floresta ri, rodopia e avança.

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