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Já faz algum tempo que o termo ‘competência’ vem sendo usado de forma generalizada na área
da Educação. O uso pedagógico do conceito que subjaz ao termo é, no entanto, como se pretende
mostrar adiante, muito mais antigo. Apesar dessa antiguidade do conceito, o uso mais recente do
termo no discurso pedagógico acadêmico tem sido severamente criticado por educadores que se
denominam ‘críticos’.
Esses educadores acusam os que fazem uso do ‘discurso da competência’ de adotarem uma
postura ‘liberal’ e ‘tecnicista’ que estaria a serviço de uma educação não crítica, puramente
profissionalizante, voltada para as necessidades do mercado e do mundo corporativo –
necessidades essas que, no entender desses educadores, privilegiam ‘gente que (apenas) faz’ e
não ‘gente que (também) pensa’
Perrenoud talvez seja o autor que, no Brasil, mais contribuiu para a popularização do conceito de
competência na educação. Ele é prudente ao afirmar que “não existe uma definição clara e
partilhada das competências. A palavra tem muitos significados, e ninguém pode pretender dar
a definição” (PERRENOUD, 1999, p. 19).
Apesar disso, o próprio Perrenoud já arriscou pelo menos duas definições que são
frequentemente citadas por aqueles que discutem o tema: Competência é “uma capacidade de
agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiado em conhecimentos, mas sem
limitar-se a eles” (PERRENOUD, 1999, p. 7); e competência é “uma capacidade de mobilizar
diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação” (PERRENOUD, 2000, p.15).
Embora tenha se referido a ‘recursos cognitivos’, Perrenoud menciona outros tipos de recursos,
que normalmente são colocados fora do âmbito cognitivo: além “[d]os conhecimentos teóricos
ou metodológicos”, diz ele, há “as atitudes, os savoir-faire e as competências mais específicas,
os esquemas motores, os esquemas de percepção, de avaliação, de antecipação e de decisão”
(PERRENOUD, 2000, p.16).
Competência pode ser considerada, portanto, um saber ativo, que se traduz em ação, aplicado à
vida. Sendo a escola (ou devendo ser) o espaço privilegiado onde ocorre o processo de
aprendizagem, é papel da escola o de criar situações para que os estudantes desenvolvam
competências.
Para isso os estudantes não precisam deixar de construir conhecimentos na escola. Por
consequência, também não precisam deixar de receber informações que possam ser
transformadas em conhecimentos. A transformação das informações em conhecimentos é
condição para o exercício de outra função básica e avançada da educação: ajudar o aluno no
desenvolvimento da capacidade de senso crítico.
Na realidade a escola não é o único lugar onde os estudantes têm acesso à informação. Com a
revolução ocorrida no campo das tecnologias da informação, cada vez mais as pessoas têm
acesso a grandes quantidades de informação, em qualquer lugar e a qualquer hora. Ao mesmo
tempo, com a resistência de muitas escolas à tecnologia, talvez a escola seja o lugar onde as
pessoas menos têm tido acesso às informações que realmente importam e que, na maioria das
vezes, chegam veiculadas por alguma forma de tecnologia. Mas essa é outra história, a ser
abordada oportunamente.
Portanto, as definições de competências apresentadas aqui são abrangentes o suficiente para não
estarem apenas a serviço de uma ideologia.
32
Texto publicado no Boletim Técnico SENAC Volume 27 - Número 3 - Setembro / Dezembro 2001, disponível no
link: <http://www.senac.br/informativo/BTS/273/boltec273b.htm> (Acesso em: 29/05/2012).
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Ramos fala em “deslocamento conceitual da qualificação e formação humana para o modelo
das competências” (RAMOS, 2006, p. 17).
Nessa perspectiva, quem sequestrou o termo ‘competência’ foi o contexto corporativo, e não o
contrário.
As competências profissionais existem, e cumprem sua função, mas não é a essas competências
que se refere quando se fala de educação básica.
Não há dúvida do que se trata, são dois conceitos diferentes, dois interesses diferentes, duas
abordagens diferentes, e não há porque confundi-los.
Dessa forma, parecem agir como os macacos de um conhecido texto, que inspirou um vídeo
motivacional, veiculado como viral na Internet, intitulado de ‘Como Nascem os Paradigmas’33.
A história mostra de maneira simples que, ainda que algumas práticas tenham fundamento em
determinado momento histórico, em outros contextos tais práticas podem simplesmente não ter
33
COMO nascem os paradigmas. Publicado em Youtube, em 15/09/2007. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=zkmXrMbDq4I>. Visitado em 04/12/2010.
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fundamento. Mais do que isso, a história mostra porque as práticas infundadas continuam sendo
reproduzidas cegamente por aqueles que não se preocupam em investigar suas origens,
contentando-se em repetir comportamentos ou discursos simplesmente porque desde que eles
conhecem aquele fenômeno, as coisas sempre foram daquela forma.
Em qualquer concepção de educação pode-se afirmar que é desejo de todo educador ver os
alunos se desenvolvendo plenamente dentro das expectativas de aprendizagem estabelecidas para
eles. Qual alfabetizador não quer observar a totalidade de seus alunos lendo e escrevendo de
forma eficiente, e por que não dizer, brilhante? O fato de os educadores se conformarem com um
desenvolvimento medíocre das habilidades de leitura e escrita de seus alunos não esconde o
desejo que eles têm de que essas habilidades sejam desenvolvidas em sua plenitude em todos os
alunos. Mais além, o inconformismo com um desenvolvimento aquém do aceitável dessas
habilidades é algo necessário no meio educacional.
O problema reside no fato de que, no contexto corporativo, muitas vezes ocorre um processo de
seleção ao melhor estilo darwiniano, em que os mais competentes sobrevivem, e os menos
competentes são excluídos. Essa distorção não precisa, e não deveria, existir no contexto
corporativo. Mas no contexto educacional ela é inadmissível.
Talvez essa distorção seja ainda pior na educação. Muito antes de o mundo corporativo adotar o
conceito de competências, a educação já praticava a exclusão de forma absolutamente
indiscriminada. Os índices de evasão escolar do Século XX explicitam esse fato. A ampliação do
acesso à educação e a adoção do conceito de inclusão, esta expressa não somente pela inclusão
de alunos com necessidades especiais, mas também por meio de políticas como a de progressão
continuada, até certo ponto, transformaram essa realidade. No entanto, o fato de os alunos
permanecerem hoje fisicamente nas escolas não anula o risco de exclusão implícita, da qual
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muitos ainda são vítimas. É necessário muito mais do que um discurso, e até mesmo de uma
política pública, para que a inclusão seja, de fato, promovida. E talvez a ressignificação do
conceito de competência na educação possa ser um grande aliado na promoção de uma prática
inclusiva de fato.
A escola, em geral, não apenas não tem tido a expectativa de que os estudantes desenvolvam
competências, como também não tem criado as condições favoráveis para que isso aconteça.
É curioso observar que os conhecidos escolanovistas, dentre os quais John Dewey34 talvez seja o
mais famoso no Brasil, apoiavam a ideia de que o currículo escolar deveria não somente
contemplar os conhecimentos socialmente construídos, especialmente aqueles ligados às artes e
às ciências, mas deveria visar à formação do cidadão que vive e vai continuar vivendo além dos
muros da escola (DEWEY, 2011, pp. 75-92). Os escolanovistas acreditavam que a escola não
deveria se limitar a ensinar conhecimentos ‘acabados’, mas deveria estimular o desenvolvimento
do raciocínio e da capacidade crítica, que são competências úteis na vida real – cuja importância,
na educação, tem sido enfatizada desde sempre.
“Afinal para que serve ir à escola, se não se adquirem nela os meios para agir no e sobre o
mundo?” (PERRENOUD, 1999, p. 14). A escola visa, portanto, à emancipação, vale dizer, a
34
John Dewey é reconhecido como um dos mais importantes filósofos da educação da Era Moderna. Criador do
Laboratório Experimental, ou Laboratório-escola, da Universidade de Chicago, Dewey é autor de diversos livros e
artigos, dentre os quais se destacam School an Society (1915), Democracy an society (1916) e The sources of a
Science of Education (1929).
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liberdade e a autonomia do ser humano, e, no plano social, à democracia, com pleno respeito aos
direitos individuais e coletivos.
Nessa perspectiva surgiram experiências interessantes, como as da Lumiar, que aboliu por
completo o currículo baseado em disciplinas e baseado em conteúdos35, para construir um
currículo estruturado a partir de uma matriz de competências, também chamada de Mosaico. O
interesse centrado em competências levou o projeto pedagógico a se organizar em torno de
projetos de aprendizagem e de oficinas que visam ao desenvolvimento de competências e
habilidades diversas, voltadas às artes, aos esportes, à literatura, ao lazer, à fruição do tempo
livre, às ciências, matemática etc.
Embora na Lumiar, naturalmente, diversos conteúdos sejam abordados, o interesse não está
exclusivamente neles, mas nas competências e habilidades que são desenvolvidas com e por
meio dos conteúdos. Além dessa proposta inovadora em relação ao currículo e à metodologia, a
escola se orienta pelos princípios da educação democrática, que prima pelo desenvolvimento da
cidadania, em cidadania, valorizando a liberdade, a autonomia e a responsabilidade.
3.4 Concluindo
35
Na realidade a escola Lumiar foi concebida dentro dessa concepção curricular, e não foi transformada, a partir de
uma concepção tradicional. Embora o interesse central do currículo seja voltado para as competências a Lumiar não
despreza os conteúdos disciplinares, mas entende que estes são transversais às competências, como se verá mais
adiante.
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comunicação e à lógica, e de outras, de cunho pessoal (“aprender a ser”)36 e interpessoal
(“aprender a conviver”), para não mencionar aquelas de natureza mais epistêmica e investigativa,
voltadas para o “aprender a aprender”, e, dentro dessa categoria, para o “aprender a fazer -
fazendo”.
36
As expressões ”aprender a ser”, ”aprender a conviver”, ”aprender a aprender” e ”aprender a fazer” são de Delors
(2003).
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