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O que aprendi com o medo

O medo é uma emoção que sofreu e sofre muitos preconceitos, como muitos
conceitos julgados ruins ou bons. Muitos do meio empreendedor falam do medo
como parte de uma mentalidade limitante, um engano dos instintos necessariamente
paralisante e, portanto, algo que precisa ser eliminado ou superado. Já o dicionário
traz o medo como um estado emocional resultante da consciência de perigo ou
ameaça, reais ou imaginários, ou a ausência de coragem.
Na psicologia, uma reação de alerta, uma perturbação, um estado de
apreensão, de atenção, à espera de algo ruim. Apesar de essa visão mostrar a
importância como mecanismo de sobrevivência e ponderação, ela tende a tratar do
medo patológico, isso é, o que paralisa e compromete a relação do sujeito com o
mundo, impedindo maiores conexões, novamente algo a ser enfrentado, eliminado,
negativo e indesejável.
A mitologia nos traz o deus Pan, representação dos instintos, da potência
sexual e do medo. Trata-se de uma figura masculina selvagem, peluda, com chifres
e cascos que toca sua flauta, regendo os espíritos da natureza, das florestas e dos
animais. Sua feiura assombrava viajantes que adentrassem a floresta e fazia com
que retomassem seu caminho. Com isso, questiono se a negação do medo seria
positivo, afinal abarca nosso rumo, instintos, potência sexual, e, dependendo da
filosofia, o próprio universo, a natureza inteligente, fecunda e criadora.
O medo certamente pode nos levar à paralisia ou ao desvio do trajeto original
que nos traria aprendizados para construir uma vida com significado. O medo nos
alerta com a função de nos proteger, porém, como bem disse o poeta Bráulio Bessa,
vem para nos encorajar, pois o medo de perder faz cuidar, o de desistir nos faz
tentar, o da maldade nos faz amar, o do silêncio nos faz falar.
Desde muito nova convivi com o medo, por vezes esse medo me paralisou e
impediu de viver o que eu gostaria.
Hoje, analisando meus medos, percebo que meu medo de bruxa era relativo
aos imprevistos, pois desconhecer as engrenagens que movem o mundo tornava as
consequências contrárias às minhas intenções uma magia maligna. Já o medo de
lobisomem era o de ver pessoas amáveis, que me encantam e me atraem, se
transformarem em seres assustadores, com atitudes nocivas, ameaçadoras,
violentas. E meu maior medo sempre foi o de zumbis, pois sempre vinham em
quantidade para me cercar e me render, seguindo sem cérebro e buscando devorar
o cérebro dos outros, arrancando à força qualquer possibilidade dos outros serem
mais, desejando que todos andassem igualmente inertes e infelizes.
Tinha medo de não conseguir falar, o que me fez buscar outras formas de me
expressar. Tive medo de ser abandonada por não conseguir receber um olhar mais
atento, alegre, orgulhoso ou sequer compreensão e identidade, então busquei
constantemente formas de me tornar uma pessoa melhor. O medo de errar e
atrapalhar me fez ser atrapalhada e desastrada por muito tempo, tornando-me
metódica, sistemática e organizada. Tive medo de perder o braço direito por uma má
formação na cartilagem do ombro, o que me fez treinar a mão esquerda para
substituí-la se fosse o caso. Tive medo de ficar cega então estive mais atenta aos
treinamentos de artes marciais nos filmes para apurar minha audição. O medo de
ser reprovada em testes de princesa me fez treinar a sensibilidade tátil para sentir
um grão de feijão debaixo do colchão (não consegui, caso queiram saber, foi uma
das minhas frustrações na infância: eu percebi que não era princesa).
Claro que na época eu não tinha noção das representações de cada medo e
nem do quanto o medo fazia por mim. Foi o medo de perder a memória que me
tornou escritora.
Então, para onde nossos instintos, nossa sexualidade, nossa natureza
inteligente, fecunda e criadora, e o próprio medo nos leva? À ação. A máxima “e se
der medo, vai com medo mesmo” diz para levar o medo conosco e não eliminar
antes de ir.
Acredito que seja exatamente pela adrenalina liberada que nos torna super ao
nos preparar para lutar ou fugir, trazendo à tona potenciais sobrehumanos como a
superforça que faz uma pessoa comum levantar um carro com as próprias mãos e
sem ajuda, arrancar o cinto de segurança do filho na mão, ter agilidade e reflexos
precisos como os de um Jack Chan, olhar minucioso e análise ágil, precisa e efetiva
como de um Sherlock. Tudo pela sobrevivência.
O medo presentifica, traz a atenção total ao momento presente e a tudo o que
acontece ao redor, torna sensível o que nos acostumamos a ignorar. Então, conviver
com o medo é aprender a gratidão à força, pois é impossível não enxergar vitória em
cada ação concluída, os tímidos que o digam quando conseguem finalmente se
comunicar com quem gostariam. O medo que eu tinha de tudo poderia realmente ter
me paralisado em posição fetal durante toda a minha vida, porém foi minha decisão
de viver e conviver com ele que me tornou corajosa, afinal o medo de dizer “oi” é o
mesmo de expressar o que eu gostaria de comunicar.
Ter medo, para mim, é viver intensamente para que o medo de morrer não me
mate prematuramente e me torne um zumbi indiferente aos pedaços deixados pelo
caminho. Sinto que em minha plenitude reside a felicidade de ser quem sou.

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