Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
de Carvalho
Advento do Cristianismo
Aula 8
coleçâo
História
Essencial da
Filosofia
do cristiânismo
^ftento
por Oloro de Câwãlho
Edllor
Edson Manoel de oliveiB Filho
Proisro Gúíco
MoDique §chenLel§ e Dqgúlr Rlízolo
Dla$e.§io
Dàgui Dosig!
tr!D!.rt@
B.!i@rto. iodos s !üEitli! í€l! ohE hhiü todr e qú,kú6 ÉFr$d!$o d§lô cdiçáo pü
qldqu§ reio d {omo, Ei. ela EleIrónid e r4,ntá, blaór|., ,nvii;ro ou qulquú reio
Advento do Cristianismo
Aula 8
coleçáo
História
Essencial ila
Filoso fia
eole§áú HiBtódà *§§ênêial ds Pilioída
46o6n16 tro Crisüarii§qo , Aila 8
po Ohvo ile Curdhn
el
boa pârte disso já está em Filon de Alexandria, antes do cristianismo-
Filon nasceu uns quarentâ anos antes de Cristo e moffeu uns quarenta
anos depois. Ele não teve contato com o cristiânismo apârentemcnte
náo ficou sabendo; pode ser que tenha ficado sabendo, mas na obra
cscrita nâo aparcce nada disso-, então ele está lidândo exclüsivamente
com o Ântigo Testamento c com o materiâl grego,
Existem muitos autores que vêem nessa obra de Filon algum arti-
ficialismo, como se ele estivesse fazcndo um truque pâÉ a,eitar uma
coisa à outra. Mas é o tal negócio: o primejÍo suieiio qu€ faz alSumâ
coisa nunca faz direito. Essâ iécnica da intcrpretâçâo alc'góricâ teve qüe
scr muito âprofundada, criticadâ e claborada, e só vamos verum pleno
domín io disso nos gland(:s escolásticos, como HugodcSáoVitot Santo
Tomás dcÂquino. Mâs, considerando quc Filon estavâ trabalhando até
antes do cristianismo, aquilo é uma coisâ de gigante mesmo.
Müiias vczcs, o historiâdor com uma excelente bagag{:m lilosófica,
mas sem muitâ compreensão justamente destâ linguagem simbólica e
âlegórica, enxerga contradiçóes na Íilosofia de Filon. Muitos autores
dizem que Filon confunde duas coisas, por cxcmplo, as hierâÍquias
angélicâs com a hierarquia das idéias, que sáo incompatívcis. Na ver-
dade, não são incompaiíveis, não sáo teorias allernativas - âfinal de
contas, âs idéias eternas sáo o conteúdo do LoSos divino, o conteúdo
dâ Inteligência divina. EIas náo tén1 nâda a ver coÍn o modus opeÍa di
da açáo divina. Dessâ maneira, se você cxplicou todas as coisas exis_
tent€s a paúiÍ de aÍquéiipos eternos que estáo na Inteligência divina,
ou seja, asfamosas formas ou idéias, é como se tivesse exposto a planta
daCriaçáo, omâpa daCriâÇão, cnáoo scu modo de construção. Entáo,
a rigo! náo há nenhuma contradiçáo entre â ,déia das formas eternas
platônicas e as hierarquias angélicâs, seiamelas como Filon as descleve,
se,a de qualquer outra maneira.
Outra coisa também notabilissimà em Filon é que ele sintetizâ, de
algum modo, aidéiâdo Supremo Bem platônico (em Platáo, a realidade
pÍimeira e inicial é o que ele chama de Suprcmo Bem) com o Primeiro
Motor Imóvel de Aristóteles. Tâmbém náo sáo düas idéias antagônicas,
náo sáo teorias. O pÍimeiro princípio é o Supremo Bcm ou éo Primeiro
Motor Imóvcl? É o Primeiro Motor lmóvel, o qual é o próprio Supremo
Bem. E Filon já diz isso de mâneira explícita. Para clc, Dcus é o Supre-
mo Bem e, ao mesmo tempo, o Primciro Motor Inóvel dc Arislóteles.
Isso corresponde a se falar de Deus numa l;nguagem moral ou numa
linguagem metalisica, mas, no fim, sc está falando da mesma coisa.
Essa obra de Filon (creio que em lidâ até a década de 1930 ou 1940
doséculo xX) pareciâ uma coisa, mas, nos anos que se seguiram, hou-
ve um progresso imenso da interyretaçáo dos lextos sacÍos, graças a
autores como Henry Corban, Friijof Schüon, Seyyed Hossein Nasr E
quânto mais isto progride, mais sevô quc aqucle univcrso de !-ilon íaz
muito scntido.
Tiatâ'se, entáo, de uma época de extrcma dccadôncia filosófica, de
confusão, de degradação. Mas tem ali um camârâdâ que não paÍticipa
inteimmente do âmbiente de degradaçao, poÍque pertencia a uma outra
comunidade. Ele náo podia se considerar um individuo que estivesse
desorientado âpenas por câusa da queda da polr's. Ele não estavadeso-
rientado coisíssima nenhuma. estava com a Lei de Moisés debaixo do
brâço, sabia pcdeitamente o que estavâ fâzendo, então não padece
pessoâlmente da confusáo ambiente.
Note bem que todo problcma, parâ poder ser fllosoficamente elabo-
rado, precisa quc o filósofo mântenha umâ certa distânciaem relaçao a
ele, senao não tem nem a linguagcm para expressá-lo. Todo problema que
nos acerta no coraçào ou [o figado só pode ser expresso poeticamente;
se náo tem nem â expressão poética, ele não tem elabomção alguma, a
coisa náo tem nem nome. E quando se iratâ deum problema existencial
dircto, quer seja pessoal, queÍ seja da comunidade, a primeira expressáo
l0
é necessariamente poética. A elaboraçáo filosóficâ iinha que ser muito
posterior a isso, iá supondo o dor nio dos instrumentos lingüísticos ne_
cessifuios para nomcar, classiicaÍ as coisás, ctc.
Filon pôde ser um graode filósofo nurn período de decadência filo_
sófica precisamente por esiar poupado da dcgradâçáo coletiva, mas, ao
mesmo tempo, por ter nâ máo um problemâ lllosófrco passivel dc ser
equacionado e tratado, que é o problemâ exatamente da relaçáo enlÍe
a sabedoria judaica e a sabedoÍia grega.
Notc bem que até ho,e, de vez cm quando, súÍgem esscs Problemas
ale influência de uma tmdiçáo na outra. É evidcntc que o delensoÍ ou
porta-voz de umatradiçáo lenta mostrar quc a deleé majs antiga, mais
bonita: "Tudo o que elcs sabemaprenderam comagente...". Se i§so for
interpÍetado historicâmente, tudoo que Filon disse está errado, porque
não há nenhumâ prova de quealgum suieito discípulo de Moisés tenha
ido até a Crécia ensinar algo; náo há nada, nada- Historicamente, isso
não faz sentido; o que Iâz sentido ó uma prioridade de certo modo
ontológica.
oconhecimento que os iudeus tinham de Deus, podemos dizer, foi
feito por umâ experiência históricâ. Todo o tra,eto dosiudeustinta sido
um constante diálogo com Deus. A história é praticâmente sempre a
mesmar Deus os mandâ fazer alguma coisa, quc eles não fazcm direito,
daívoliam para trás, consertam, começam de novo..- Sáo cinco n lanos
assim; então cles têm uma experiência disso. E, por outro lado, como
estavam muito interessados na sua própria história e nas suas rclâções
comDeus, elestinham relativâmente pouco intffess€ pelo univeÍso físico
ll
I
temos os dois dados do mundo externo, que sáo, um, a naturezasensível
e, ooutro, o mundo da sociedade, dahistória, etc. Podemos dizerque o
mundojudaico searticula todo emtorno de dois pólos: Deus ea história
do próprio povo iudeu. As referências à alma individual sáo pouca§, e
as reÍerência5 à nâiurcza lisica sáo purarnrnlc urasionais
Ora. a cultura grega é exatâmente ao conirário; ela está intores-
sada sobretudo na naturcza e na alma do indivíduo- Claro que esiá
inieÍessâda também na polis, na constituiçáo do Estado, etc., poÍém,
náo como um fenômeno que devesse ser estudado em si mcsmo, mas
como uma conseqúência normativa a serextraída do conhecimento da
nalureza e da alma humâna: r'Conhecendo â consiiluição do cosmos c
â constituiçáo da alma humana, daí deduzimos como deve ser a cons-
tituiçáo do Esiado". Mas náo sc vcrá nclcs, por exemplo, um inteÍesse
por sua sociedadc considcrâda historicamente. tal como se vô entrc os
judeus, que têm uma espócic dc qisiro da continuidade da história.
Náo é só um registro, clcs têm uma reflexâo histórica: "Olha, hoje está
acontccendo tal coisa porque há quinze anos Deus mandou fazer tal
negócio e não fizemos, dai deu tudo errado. \ámos tentâr de outro iei
to...". Há uma contínuâ reciclagem de sua consciência histórica; isto é
cdâcteístico do iudeü.
Hoie todos nós tentamos fazer isso, exceto o brâsileiro (o brasileiro,
quando âconteceu um negócio na semana passada, ele já csqucceu;
então, quando vem a conseqúência, clc nâo junta). Mas, de modo gerâI,
as sociedadcs modcrnas têm um grandc inleresse em saber a conexáo
histórica de causas e eÍeitos daqüilo que lhes esiá acontecendo. Os
judeus já tinham isso numa ópoca em quc ninguém tinha pensado, em
compcnsaçáo, náo tinham praticâmenle nenhuma ciência sistematizada
do cosmos, nem da âlma individual humana.
A ausôncia de interesse pela alma humana vem do faio de que o
destino de câda judeu era o destino da comunidade jüdaicâ: sc a co-
munidaale vai bem. ele vÂi bem; se elâ vai mal, ele vai mal O problema
nÍo eraa sâlvaçâo da alma, eraâ salvaçáo de Isracl. Maistarde, a I$cia
verá nisto também uma anâlogia da alma: tudo aqui,o que Deus fala â
propósito de Ísrael no Antigo ]b§iâmento pode ser interpÍetado, analo_
gicamente, como referido à alma do indiüduo, num outrc plano. Cada
um de nós também é esse povo iudeu, que é pÍemiado com o dom da
profecia, inerente ao seÍ humano (nenhum bicho fâz proÍeciâ). O ser
hümano é profeta poÍ vocaçáo, e essa vocaçâo apârcce de uma maneirâ
mais patenie no povo judeu, com üm chamâmento, com o anúncio de
uma vocaEáo, da quâl às vczes o povo se apÍoximâ no scntido da suâ
realizaçáo, às vezes a esquece e a trai. Aí tem toda umâ dialética da
vocâçAo, d€stino, realidade e proüdência.
Este era o mundojudaico. O mundo grego eÉ completamente dife_
rente- Era o mundo de, em primeiro lugar, dâdos da nâtureza. O grego
se interessavâ sobretudo pelo mundo fisicoemtorno, omundosensível,
qüe era para ele o gmnde enigma. 'Ibdos os Elósofos pré_socráticos, a
única coisa que eles pcrguntavam no fim das contas é: "Do que é feito
tualoisto?". Pergunta mais mâierial náo poderia ser Eles, desde oinicio,
tôm algumas preocupaçóes que scriam até científicar no sentidomodemo
da coisa, e outras náo tão modernas, mas, dcqualqueÍmodo, o tema €râ
o cosmos, a oFdem do mundo físico. Por outro lâdo, há uma ordem da
alma, qüer dizer: "Como se organiza o que está organizâdo, o cosmos,
e como orgânizo â minha almâ para estâr mais ou menos encaixado
dentro dele?", É claro que âs respostâs quc se davirm â es§a pergunta
variâvam enormemente, desde aquela idéiâ da ascese platônicâ aié, no
outÍo extremo. a degradação que vcmos com os filósofos cínicos' Mas
a pergunta que estavam fazendo era a mesmâ, tanto em Platáo
quanto
1:l
grego por cxcclência.
Ora, como é que vâmos comparar cssas duas tradiçÕcs pam saber
qucm aprcndcu com quem? Náo lem nruito scnlido, e historicamcnic
náo se tem noticia dc uma i.fluôncia hislórica nrosaica exercida sobte
os grcgos. De qualquer modo, l_iloõ nào dcixa dc tcr razâo quândo
afirma a prioridadc da trâdição iüdaica pÍioridadc náo só no tempo,
mas ontológica, porque, afinal dccontas, cles 6c conccntrarêm nacoisa
principal. Dc loda csla quatem idade de que lalamos, o mâis imporrarte
é, evidentcmentc, o pólo supcrior: aqueie queiiver o conhedmeÍto de
DeUs le|ln, implicila rc le, o conhecimento do rcsto (cu dissc "iinplí'
cito", porquc, pcgar as coisas do Aniigo Testâncnto e deduzir dali â
ciência grega, bom, isso nào ó impossivcl, mas ó muiio foraadol).
Em quc scntido pÍ)dcúa haveruma unidâde ou umâ coerência profun-
dâ? tsonl, cxistc prilncirl) â coorúnciâ da própriavcÍdêdc. Se umâ coisâ
óvcrdade, ela dcve poder servista por csse lâdo ou por aquclc lado, ou
atgum rc'flcxo das vcrdadcs csscnciais nas vcrdadcs menores de ordem
cósmica sempre deve aparcccr. A afirmâçâo do rronotcísmo absoluto e
do caráier purâmente espiritüal dâ divindade está muito mais clarâ no
iudaisnodo que nosgrcgos, mâs tambóm cxistc cntrcos gregos. Então,
no {undo exisie uma convergênciâ.
Sc cntcndcrmos Filon não no seniido da patemidade históricâ, mâs
simplesmente da pÍioridâde ontológicâ, do próprioDeus sobrc o cosmos
- portanio, prioridade gnosiológica do conhecinenlo de Deus sobre o
conheoimenlo da rcalidâdc scnsÍvcl-, cntãonão é de iodo absu rdo dizer
quc, muito antcs dcosgrc8os descobr;ronr acoisa, clcs lambérn sabian.
Sabiam dc mancira implicita. conrpâctâda cexprcssacnr Iingüagem mi-
topoética, Drasquc cÍavalá, cstava. Sc náocstivcssc, náo scria possívcl
toda a ciência da i.rterprclaçao simbólicâ que, coDreçando com Filon,
depois vâi sc dcscnvolver muilo ató chcgar àquclcs grandcs cdifícios
da exegese medieval, cono os comcnlários à Bibliâ de Santo Tomás
t+
,1, \,ur!,.(l(!lu,-odcSaoVíloLDosqrrnistr(i(irrriir(larrrlerprcllçiir)
,rrlx,ll( l ir rncrccc rcalnrenlc o rn)rnc dc ri!irriâ, l){)11lrr. c rrrrr .(nrhc-
( rr(,rir) si5tcmálico, organizâdo c raui(nürl Mtrs (lrrrrrxli) sr rtrrrptrrll tr
, \Urse dc FilL,n com a dos mcdievâis, lrilorr rrat) siri pcrtlcrr(I) rrr(ril(),
ll,x)i (lc vcz cnr quando, iem umas coisas âbsuMas, Intrs. (r,rr(nrr(l(, (l lrt(
'
ri qüc clc tcz antes, e fcz sozinho. já é um grandc ncg(ici(,.
'lirndo enieÍdido direito a noção do Prcjeto socrático «)u scju, (,
(tuc c o proicto. o quc ó â ambiçáo filosófica básica, quais sao scu§
rr nponcntcs essenciais, quc seriâm: o cha]màlo panlo aryui édico
h sc dâ scgurança do conhecimento; o discillso racionale sistemático
(nr kn'no disso; c, por fiÍi,ã ação oi à élica coererTle com o discurso,
(rnnponcntcs mais ou menos pÍesentcs cnr ioda§ as filosofiâr, com-
prccnde se que ó inerente ao Proieto F'ilosófico a idéia do e§forço de
invcsligação-c, porlanto, da idéia da maturaçáo do própriofilósolb, da
pÍlpria personalidadc, dâ própÍia alma do filósofo, nâ medida crn quc
elc. reâlizando cssa unidade do conhccimento, apreende ncla aunidÀdc
dâ sua alma, do seu desiino. da sua pc§soa, c âdquiÍccnlaro os crilórios
parâ dar uma ünidadc cr)ercnte à suâ açáo nr{)ral
lssoqucrdizerquencnhumadoutúnâna(lu l rr (,scvciaricsl(,rço
dc investigâçáo e este csforço dc unilluaçfl{) c. Doú nt() tr disposiçà)
ds cnfrcntâr todas as contradiçÕcs - podc scr iurrrtri§ dila ünü ü)utriDa
iilosóíica. Uma doutrina quc vem pr(nrta ( (luc, (luând() cnlrcnlr âs
contradições, é somente no seniido dc d cn trhar r, âdvcrsá {), ou scja, de
rcjcitar a doüirina cortrária. nâo é doulina lllosólica dc jcito ncnhurn.
ou seráuma doutrinaesotéricâ, ou urÍà dortrina rcligiosa, uma doutrina
r(vclada. alp,uma coi\a a\5im rnas lil,,s,,li:r na,, (.
É Desse sentido que nao podcmos dircrr por cxemplo. que todas as
doulrinâs gna)slicas queaparccem ncssc pcriodo sáofilosóticas. Podem
tratar às vezes acidcntalmenle, dc assuntos filosólicos, mas sc trata de
doutrinas prontas, de seitas, que sáo transmitidas tais e quais aos scus
l5
discípulos, que estáo ali náo para di§cuiir, paü âssimilar âquilo inte-
lectualmente, mas pâÍâ Íealizar algo a pârtir de umâ doütdna plonta
Entáo, eslá aqui a doühna pronta que explica a origem do mal no mundo
e a porta de saída. Náo inieressa quâl seia (náo vamos nos apÍofundar
agora no estudo das doutrinâs gnó§ticas), basicamente a idéia é de
que a próp a Criaçáo do mündo é má: o mundo foi criâdo poÍ engano,
náo foi propriamente Deus E§Piritual que o criou, foi um outro, que
por sacânagem fez o mundo enos aprisionou aqui nestetúmulo, entáo
tcmos quc achâÍ uma sâídâ disto aqüi.
Existem muitas doutrinas gnósticas diJerentes e técnicas snósticas
diferentes, mas nenhuma delas podc ser considerada filosóficâporque'
se é incrcntc ao Proi€to Filosófico a idéia do esforço de investigâçao,
entáo é (ambélll incrente o ânlor à contradiçáo, o amor à investigaçáo
dialética. A objeção, para os filósofos, náo é exatamente como a obieÉo
é para um cÍente. Para uma doutrina religiosa, esotéricaoü ideológica,
a obieçáo é algo que tem que ser afastâdo, é um eÍro, ó um mal. Mas
ao filósofo ela pode ser preciosa, porque é exatamente lidando com â
obieçáo que ele vai descobrir algo que ainda náo sabe. Náo ó porque
ele tem uma doutrina pronta que ele tem quc refutar quem se oponhâ;
não, ele às veze§ não tem a doutÍina totalmente prontâ, e§tá tentando
ló
Para um individuo scr um filósofo de pleno direito, náo é necessário
que ele tenha uma doutrina filosófica. Ele pode náo ler nenhuma. Basta
que estejâ trabalhando na direçáo caractcrisiicamentc filosólica) que
é a busca da unidade do conhecimento e, portanto, da integraçáo da
sua próp a alma dentro disso; que ele é um filósofo, mesmo quc não
chegue a conclusáo algüma. 'Ihnto que o próprio fundâdor do Proieto
Filosófico, que é Sócrates, tambóm náo chega â nerhuma conclusáo;
e, dos demais filósofos, eles chegâm a muitas conclusões, mas quando
moÍem, nos deixâm evidentemente mais perguntas do que respostas-
Ele respondeu. digamos. dez. quinzc pcrgunras. cdcixou mil. E normal
que seja assim-
Em todo esse período de que estamos falando, houve muiia disLussáo,
muitapolêmica, mas náo houve elaboraçáo filosóficâ. Etâ como se fosse
um confronto de dogmatismos, câdâ üm tentando provar que o outro
estava erlado. Você verá os primeiros cÍistáos impugnando as doutrinâs
gnósticas eusando, para impugná-lãs, técnicas aryumentâtivas aprendi-
dâs com Sócrates, Platáo, Aristóteles e os sofistâs; veÍá discussôes entrc
asváriasescolâs esotéricâs e, como no caso de Filon, umaconfrontaçáo
entre trâdiçáo judaica e filosofia grega. Mas isso náo qucr dizeÍque em
tudo houvesse filosofia. Náo, havia polênlica apcnas. A discussão náo
é filosófica se náo é umâ discussáo cieniÍÍlca voltada à dcscobcrta da
vêrdade, ou seja, se náo é uma discussão dialótica.
A dialética, segündo Aristóteles, iinha três uiilidades, e isso é es-
sencial para compreendermos o Projeto Filosófico. A primeira utilidad€
é, evidentemente, o treinamento da mente: a simplcs arte de, em face
de um assunto, de um tema ou de um problema, se fazer o repertódo
dos argumentos possíveis e dos conceitos pertinenies, classificálos e
ordená-los; isso é uma disciplinâ da mente. A segunda utilidade está,
eüdmiemente, nas discussóes públicas, para se rcsolver alguma questáo
que estives§e em discussáo.
l7
A terceirautilidade, a dialética, é a mais inteÍessante Âristótelesdiz
que a alialética é o meio de você cncontrar as premissas nllm
assünto
aÍbitrâgem e
em que ainda náo as tenha, porque, em toda discussão
a
l8
siluação na qual o historiador da Filosoliâ não sabe propriamcnte se
csses indivíduos pertencem à sua disciplina ou nào. C{rm um pouquinho
dc paciênciâ se verá qüe a Históriâ da Filosofia lcm que mcncionar todo§
cstes, mas sem incorporêlos na própria disciplina; ela vai lcrqucdiscu-
ti-los iustamente para, às vezes, poder iirálos e dizcr: "Náo, isto aqui
cstá realmente lbrâ da Filosofia, embora tenha exeÍoido infl uência sobre
fil{isôfos" Erercido influônciâ. tomo? Esses camaradas defenderam
certas idéias- defenderam náo filosoficamentc, dc maneira puramente
rciórico-dogmática , mas isso dcpois deu âssunto para algum filósoio.
Entáo, aquilo que um suieitotratâ num plano retórico-dogmático pode
ser tratado filosoficamente poÍ ouiro.
Antes mesmo de lalar do própío cristianismo, vou tâar dos apologis-
tâs do cristianismo, quc é umâssunto mais externo, Entrc os primeiros
deies, a idéia básica é de que aquilo que tinha acabado de aconteceÍ, a
itevclaçáo cristã, é algo táo importante c táo fundamental, ião básico,
que peno dela "cessatudoo queaàntigamusa canta"; qucr dizet tudo
o que os filósofos fâlarâm náo interessa mais, é tudo bobâgem. Esta é
a primeira impressão por qüe passam os apologistas, São rustino, Sâo
lrineu.
A rejeiçáo à Filosofiâ chegâ, em Tcrtuliano, a exiremos de despre-
zo, de rancor, de ódio contra os 6lóso1'os. Tertuliâno é um dos grandes
escritores da humanidadc (mcsmo quando está dizendo bcstcira, é
absolutamente maravilhoso, pela lorça da cloqüênciâ). Ele ioga tudo
fora - aquilo náo apenas náo se aproveita, como é heÍesia, é pecami-
noso e lem que ser esquecido -, ao pâsso qüe outros, como Clcmente
deAlexandria, colneçâm a peÍcebeÍ que existeum elo de coítinuidade.
O mesmo elo de continuidade que Filon viu entre a revelaçáo antiga,
iudaicâ, e a fiiosofia grega, haveriâ entre a lilosolia gÍega e a nova Re-
velação. Se Moisés, de certo modo, antecipatoda a filosofia e a ciência
grega§ sob a forma compactada e simbólica dâ linguâgem do Pentatcuco,
l')
a fllosofra gregâ elabora e abre câminho PaÉ que a Revelaçáo cristá se
torne inteligívcl e aié possível. Entáo Clemcnte diz que â Filosofiâ é o
pedagogo que leva até Cristo.
Ora, essa é uma obseÍvaçáo muitissimo interessante. Lembmm_se
da transiçáo dâ tagédia grega parâ Sócrates? O quc era a tragédia?
Era â conírontâçáo entre a Lei divina, tal como apreendida por um
indivíduo humano, e â lei da polis, a lci dâ socicdâde, a lci do Estado'
que remoiâmente tâmbém teria a mesma tbnte divina. É como se Deus
tivesse se manifestado, poÍ um lâdo, na ordem sociâl e, por ouiÍo, na
alma humanâ. Algum reflexo dele tem aqui e ali, mâs como sáo apenas
reflexos, e náo a própÍia Verdâde divina considerada em sime§ma' eles
têm contmdiçáo uns com os outros.
É iustamente essa contradiçáo que aparece na tragédia grega. Á tra-
gédia ó um dramacÍvico qucvisa propiciâr quc a coleiiüdâde reinte$e
essas vetdâdcs divinas quc nâo estáo expli€itamente contidas nalei da
polis, na lei do Estado. Entáo o teatro funciona, durante algum tempo,
como um mecanismo de equilíbrio cntre as exigências da coletividâde
e as exigências mais profundas do indivíduo consciente Mas chega
um ponto em que cle náo funciona mais, náo exerce mais aquela açáo
persuasiva e calmante que eleva a populaçáo a uma antevisão de uma
sabcdoria supedor âo próPrio discur§o da comunidade. Nesse instânte,
o que acontece? O teâtro vira Íealidade.
A vidâ de Sócrâtes é exaiamente isto: Sócrâtcs é condenado à mor_
te exatamente porque o que ele tinha apÍeendido da Lei divina iá era
incompaiível, já era inâceitável pclacomunidade, quecntâo o §acrifca'
Só quc, ao longo de toda a sua tida. rlc nunca sc preocupou com isso'
20
Com o cristianisrno aconiece uma coisa dilcrcntc:o mcstrrc dÍama é
vivido, sóqüenum plano imensamcntc nuis clâÍo, mais cxplícilo e nrais
luminoso. Primeiro, porque ele é ânunciâdo de untomãol ó anunciado
na própriâ tradiçáo hebraicâ, onde tem um montc dc nlcnçôcs. Náo só
tem um monte de menqÕes ao Messias- Atuâlmente sabe-se quc o nomo
de resus já está dado no Ântigo Testâmento (...). Os cabalistas fizcram
os cálculos e dizem que se eslava falando explicitamente o nome ]esus.
o dramajá é anünciado de antemáo. Aquele individuo, que é portador
da verdade divina, cle náo é somente o portador, é aprescntado como
a própria Inteligênciâ divina. Náo é alguóm quc capiou âlgo- Desde o
inicio ele disse: "Eu sou o Logos, sou o Ve.bo diüno, e por causa disso
vão me matar".
Aí já náo é mais só o teatro que virou rcalidade. À verdade que
cra aniecipada, de certo modo no teatro grego e vividâ nos momentos
linais de Sócrates - aparece ai náo só como üm acontecimento, mas
como o acontecimento ceniral, de ta] modo que toda â explicaçáo da
vidâ humânâ estará contidanisto. Écomo se mortc
avidâi apaixáo e a
2l
dizia que o teatÍo, a arte narrativa, a arle dlamática. nada ensina, mas
deixÀ em você um proíundo impacto. Esse impacto é a âtuaçáo do dis
curso poótico. Ele ainda náo uma intelecÇáo. ó umâ matriz de muitas
é
z2
JAlunâ: E essa irlsisÍârcia em lalat ilo Ctislo hislótico a loda horu
é uma tentatiaa de iqualá-Lo a üfi Sócrules.l
Mas se o suieito fala "CÍisto histórico", úo scido quc ele eslá falan_
do. Todo o Cristo é histórico, evid€ntementel O quevocé Iê no Evangc-
lho? No Evângelho tem doutrina? Náo tcm doutrina algumâi tem uma
naIrativa. Esse Cristo de qüe falamos, o Cristo Logos divino, tem que scr
a-histórico. Agorâ, se você quer distinguir entre um indivíduo qualquer
chamado Cristo e o Logos divino, entáo foi você que cortou a históia
cm dois- PoÍque isso náo é a história de um sujeito que lbi crucifrcado.
Crucificado tem um bando dcgcnie. Não foi assim queaconteceu. Não
tinhadois ladrôesqueforam crucilicados com ele? Porqueo Iadráo foi
crucificâdo? Porque náo conseguiu dar no pé em tempo. Agora, Cristo
náo, ele jávinhâ anunciando: "Olhâ, eslá aqui anunciado na Lei e nos
Profetas que vai âcontecer assim, e não adianta vocês quererem me tiÍar
da encrencâ...". Esta é a verdadeira histódâ.
Isto quer dizer que não é possível sepaÍar o sentido do âcontecimento,
por üm lado, da mateÍialidade do acontecimento, por outro, que essa
materialidade materialidâde do próPrio sentido. O que âconteceu foi
é a
2+
Iru Í,s clistáos por caüsa disso? O Santo Sudfuio náo iDlluiÍem contri-
lnri. Você podc invcstigar num monte de coisas. mas o prcblcmaó estc:
qu i tcnl uma hisiória que é relatada por testemu Dhas que estivcram lá
(i quc â contâm numa ordem que coincide exatamente com aquilo quc
llJlJno: Mas existe também a catrcnle mais haÍd q e hos ÍaLa que
ào é coi cíiLência, que consl títafi a hislótia que aparcceu, daí...
cotfi o lempo...l
Isto, construíranr, porque naquele tempo iá existiâm âgências de
publicidade, tinha o Duda Mendonça...
25
do tipo de descon6ança, porquc cssa desconflança qucvocêestá iendo,
cla me exige uma confiança muilo maior
l{lünà. Nào, Chesterton està íítbndo aqui: "Caso üocê nao acrcdile
2l
É isso, quândo o sujcito dcixa de acreditar cnl Deus, náo é quc ele
nar, âcrcdiiâ cm mais nada. cle acrcdita em tudo, até em história da
carochinha, em Papaj Noel, Dudâ Mendonça. cic.
ÍAlt)no Mas fia contparação que às úezes eu aeio 1rão é úesse selllído.
O que esses hisloiadores usam não é de que Íoi uma nlontagefi prcposilal
lAluno: NAo. nas Íat béÍtt nào esse se lido. F'Les peqafi. por
exefiplo, aqueles ercfiPLos de suíras hislóticos budisÍtts que peqam
um perso aÉ9fi real, por ercfiplo, o rei Asoha, e aí se constúi toda
üma üercão ertrefia teflleníÍica da históia dele: "E haüia etércílos
que saíram do solo e combateram.-.". Cofishoem loda utna históia
tnílica e totfia de um perso agefi real, mas essa consÍruçào, essa
rcpresefitaçào. ..1
ser que seja verdâde tâmbém, mas náo sabemos. Âh, tem o evangelho
de PedÍo, o evangelho de Tomás, o evangelho de Fulano, de Belirano,
tem um monte de evangelhos de pessoas que contaram a história a seu
modo- e essas botaram coisas a mais. Esse "a mâis" foi tirado. Agora, o
que está aqui também está nesses outros. Esses outros também sáo
concordantes com estcs, só que sào discordantes €nire si em outras
coisas... Quer dizcr, foi por um processo de críiicâ históricâ que a lgreiâ
separou csses quatro.
z8
séculos. Ente a moÍe do rei, tem Iá um personagem, daí os suieitos
l'omm IloÍeando depois. t eva muito temPo, e é preciso tel esquecido a
história Íeal para poder floreâÍ em cima. Agota, ali náo foi lloreado nâdâ,
não tem absolutamente nada a ver uma coisa com outm, sáo prccessos
completamente distintos. Mas o sujeito, quando quer sermuito esperto,
acâba frcando é trouxa. Você vâi desconfiâr da coisa, mâs me dê um bom
moiivo pam desconfrar Por que vai suspeitar? O suieito que está fâlando
é louco, émentiroso? Náo, náoé. Estáganhando algum comisso? Náo,
tâmbém nâo está. Entáo, por qüe vocô vâi desconfiar?
29
lAlrrno: Mas os míbgtes têfi ufi asrycto relórico maís do que
áo
de proaa? Porque, se noquelo época ocafiiam esses fiilagtes, Íessur-
ÍeiçAo e ouÍras coisas assim, é porqúe haüia uma necessidade, üamos
.lizet ass,rl, ile ufia espécie de conoencime lo, pois nào haz)ia uma
doüttifia paru üocê estu(htl
Mas, esperâ aí, você vai r€ssuscitar o sujeito só para convencer os
"Olha, você vai e conta para os outros o que aconteceu"- Náo se tIata
de pregaçáo doutrinât. A pregaçáo douidnal começa aos poucos, com
os apologistas, já quase um século depois. Todo o esfoÍço retórico foi
30
fcito €m seguida; â gente conhec€ todâ â históÍia dele, e podc recompor
passoa passo- À âpologética ctistã, o quc ó? É a defesâ retórica de uma
doutrina já mâis oü menos assentada, c conhecemos a hislória disso
pâsso â passo. E tudo isso náo tem nada com o Evangelho, ó müito
posterior
É iambém a confusáo, porque as pessoas vêem isso hoje- como é o
ícnômeno religioso? Bom, você liga a televisáo, está lá o pastor R. R.
SoaÍes, ou o pastor Fulâno de'Ià1, o Billy Graham, o limmy Swaggart,
qualqueroütro, expondo umadoutrinae usando meios reióricos. Porque
vocêvêisso natelevisâo hoie, vocêachaquetudo começou âssim. Mas
nenhuma religiáo começou âssim; isso ó impossívcl. Pâra que um dia
exista um pastor R. R. Soarcsfâzcndo discurso religioso, a rcligiáo tem
que existir. Você está conÍundindo um processo de propagaçáo muito
posleÍior com a origem dâ reliSião. Essa é outra confusáo que muitos
desses historiadorcs cientíEcos fazem. Nenhuma religiáo aparcce como
doutrina, nenhuma.
3l
poucos, e quando começâ o negócio da aPologética religiosa é porque
â religião já está velhâ. Se Moisés âparecesse aqui e dissesse: "Olha,
vou resolver os seus pÍoblcmas", e você vai atrás do cara e ele resolve
os problemas mesmo, você náo ia prccisar de nenhuma apologética,
porque a coi§a;á está acontccendo.
Passado muito tempo, a rcIerência à religiáo vai se tornando cada
vez mâis indireta. Ela deixâ de ser um objeto de experiôncia diÍeta e
passa a serum dado decultura entrc outros dados de cultura que estão
aí mesclados e empilhados. Náo é assim? O que não se pode lãzer é
projetar reiroâiivamente a situâçAo po§tcrior à situaçáo oriSináÍia. Se
pcgârmos a história das oÍigens islâmicas, a Revelaçáo islâmica pros_
segue duranie vinte e oito anos, que é a etapa da formaqáo da pÚpÍiâ
comunidade. O texio do Coráo vai sendo clahorado iunto com a história
dacomunidade islámica. Entào, nào é que esse suieito chegou com uma
doutrina prontâ, começou a prcgá-la e dâi tez a comunidade. Náo, náo
lbi assimi ele náo tinha doutrinâ âlguma.
ÍAlnnot você che4ou a comentar isso daí uma aeZ- Qüe os proleías
sâo glandes fiisÍérios, nôo é? Vem o suieito, que lalo: "NAo üafios
maís", e loila mundo üai...1
Um historiador da cultuÍa, ou historiador da religiáo, qüe encara o
profetacomo se ele lbsse um prcpâgandista dc doutrina é um indivíduo
dcumaburrice que, paramim, chega a scr impensável. Mas como é que
cle foi meier essa idéiâ na cabeça? É umâ projeçào inlãntil: ele vê um
progüma na iclevisâo e achaque areligião aparcccu âssim. Náo, assim
vocô pode inventar uma pseudo-religiáo, claro: compóc umâ doutrina
na suâ casa e dai contrâtâ um pÍopagândista para Íâlar Àí, sim. Temos
o reverendo Moon e tal... Mas, espera aÍ, qual é a hislória, a epopéia
do reverendo Moon? O que ele fez? Náo fez nâda. Só inventou Iá um
negócio e começou a Iazer propaganda. Como é o cara dâ cientologia,
32
o que cle fez? Sentou cm câsâ, escreveu, c dâí começou a fazer propa_
gandâ. Allan Kardec, o que fez? A mesma coisa.
As religiôcs de Iato náo começam com doutrina, nenhuma começa com
doutrina. começam com um fato. o que este lato diz? As pessoas quc par-
ticiparam, que estavam lá perto, não seriam c{pazcs de expor o qüc aquele
taludi2. O conreudo intelcctual, doulrinal,leva séculos para se expressar' E
l3
lAl..lno: Nio seria, e Íão, sinples poética...)
Você vê que tem quc passar pela narraliv poótica. A primcira nar_
rativa é poéticâr O que aconteceü? Foi assim. assim. âssim. Existcm
muiias manciras dc contar, e por isso cxistcDr vários evângelhos Cada
um qucviu acentuâ um lado, por isso tl:m nuilos cvangelhos. E dcpois?
Bom, dcpois...
t+
(lualó odiscurso da linguagcm bÍblicâl)ll urr tcmrogrcgo chânur(io
/íiltrlú. o qucrigmâ ó Lrl]l intcrmcdiárn), unr nristtrtl (liiÍ(il dc (li§
(cnrir cntrc o poético e o retórico. 'l oda â ltiblir r.j oscrili' nssifir. lil
llilrrâ, aprcsentâ e exoÍla, mas nao chcga a dcl'iDir rixâtanrcntc unrl
rÍ)rnra no senlido racional explícito- Cada ordcnr dÂda, ou p(n lcs(ls
()'isio no Novo Testamcnlo, ou por Deus Pâi no Antigo TcsianrcDt{).
§ scmprc cnigmáticâ. Por quê? Porque ela tcnl muitos scntidos. I\4as
urra doutrina nào pode ser plürissensa, tem que ser unívoca. Conro
a que se vâi pegar esta fórmula compâclâdâ e descompâctá-la pârâ
transformar numa doutrina univoca? Isso dá um trabalho miserável,
lcva tempo. É por isso que é inteitamenic absurdo se âchar que umâ
rcligiâo começa com u ma doutrina; isto é materialmente impossivel, â
não serque seiauma pscudo-religião:você invcntaa doutrinâ em câsa
c começa a falar. Mas é o ial negócioi Santo Tonás de Aqüino dizia
que falamos c escrevemos com palavras, Deus fâlaeescreve com fatos,
com cojsâs. com atos. O discurso divino é indisccrnívcl dos làtos quc
o cnunciam; por isso lllesmo nàuteú aquelâ intcliSibilidâde imcdiata
da doutrina, mas tenl o inpacto do íato rcal.
35
ÍAluna Mas os concílios etiste a ütilízaçào de üm mélodo día
lético.l
Existe. Existe toda a discussáo, com todo o criiério dialético, cien_
títico e tal, mâs às vczes, mesmo com tudo isto, náo se chega a uma
soluçáo, e quando náo se chega, entâo não tcm solução doutrinal. mas
tem uma dogmática.
recolhc, vai e daí diz: "Olhâ, Deus me disse quc é assim". Note bem:
nào é umâ coisa quc o Papa pen§ou, náo é uma elâboÍaçâo inlelectual
dele; é algo quc lhe foi imposto de alguma maneira. Você pode passâr
o rcsto da sua vida tcntândo iuslificar por quc é âssim. Aí você está
translbmando cIn doutÍina.
Uma doutrina tern quc podcr siir dcfcndida dialeticâmente. Como ê
que você vâi delendcr dialelicamcnte a Íessurrciçáo de Nos$ Senhor
ÍNrno Você compra e... cotlo üocê não pode deJendeÍ lirctr mais
uma átaorc, poÍ exemPlo?l
Você náo podc defender dialciicâmente umâ árvore.
lAluno:Éisso,l..l
Lxaramentc A (huviL, u \ol. vo.,( nau poÍic Jclinder É um dadu E
claro que os dados podem scr falseados: você pode dizcr que uma coi_
sâ que acontcccu é u,na coisa que rrro aconteceu, mas isto náo é uma
discussáo doutrinal. ó umâ discussáo histórica. E se você vai disculir
csses dados da Revelaçáo crisiá, enúo toda a impugnaçáo de üm dado
ó teita porum motivo racional, nünca irracional: vocô náo pode rejcitar
36
o (lirdo só porque você nào gosta. Se cssa rciciçáo inlplica a adcsâo a
lriD(ltcscs mirâbolântes, enláo ch nao tcm razão dc scrl
l\lünai (...) aocê Íi ha dito afites que épela doulrina daquilo que
lao pode iliscütiilo dialeticamente...l
set
Náo1... Tudo que é doutrina pode serdiscsiido dialcticâmente, §im.
0 que náo pode é unl dâdo. Como é quc você discuie dialeticamente,
aí, o exemplo dele, umâ árvore? Só pode discutir aquilo que se diz a
rcspeito da árvore.
38
,[âs. sob outros âspectos, náo podia scr rcvoSàda- Aí §ürgc todo uln
jr)Io cntrc a Lei aniiga e a Lei nova, quc ó unra dâs coisas fiiLis bonilas
(la históriahumana. Pelosânos seguintcs, aquclcs quc li{ànr rÉ liirm la
anliga até hojc náo sabem o que fazcr com o iâl do Jcsus Crislo, c cste
c o grânale problemâ dahistória. É por isso quc a convoÍsão dos iudcus
c oonsiderada â etapa final da históriahumânâ. Na Bíblia, cstáâ§sim, o
lim do mundo é ântecedido pela conversáo dos iudeus. o que significâ
quc, sc tivessem se convertido, iá teria acÂbado.
39
inventamm outro Deus, que ficavâ no meio. (...) por quê? porque eles
estavam vendo uma contradiçáo entre a Lei e a Graça. Entáo diziam:
't{h, entáo iem um Deus bom e um Deus ruim,,. Esse já é um efeito
colateral disto aí. Quando, por exemplor um povo opta pelo socialismo,
o que ele estiá fazendo? Está dizendo: ,âqui vamos fazer um negócio que
vai estabelecer a total unânimidâde junto com a total espontaneialâile e
liberdâde". Náo é isso que estáo prometendo?
,10
V()côvai acÍeditar pela confiabilidade da fontc: sendo a pâlavra de Deus,
clc náo vai mentir, entáo você tem quc ad€{itat Agora, por que cu hci
dcacrcditar que isso é a palavra de Deus? É também pe,a conÍiabilidâde
da tonte? Náo pode ser Acredito porque a fonte é confiávcl Por quc
acrcdito que â Ionie é confiável? Então se entende que a palavra [é tcm
dojs sentidos: deve-se âcreditar no que Deus diz porque foi Deus que
disse. Como éque se sabe que foi Deus que disse? Isto náo pode ser por
fó, tem que ser por oütra coisâ. Deus tem que dar razóes suficientes pdra
que se âceite que Ioi ele que disse âquilo, e pam que daí se acredite no
restânte do que ele disse também. Você tem que ter Íazõ€s Para aoeditar
numâ parie até o ponto em que descobre: "Entáo, espera âí, isso náo sou
eü, foi Deus que falou", daí ao resto você dá uma credibilidade, mesmo
que náo tenha provas. Está entendendo?
ÍlJnno: Mais ou fienos. O limíte é eio tênue ile ais- Onde acaba
a mi ha conÍiabilidaile, porque te ho Íatos suÍicientes paía consllbs-
tanciat essas... E onile cofieça, ,.?7
pai, e
Quando eu era moleque, viaiava freqüeniemente com meu
às vezes ele me deixava sentado no tÍcm e iâ ao bar tomar caJé, fumar
um cigafio; às vezes ele me mandava um recado: "OIha, seu pai falou
para você 6car quietinho aí e esPerâr que elc vai voltar". Muito bem,
acredito em meu pai. Mas como é que vou sâbcr quc foi meu pai mesmo
que mandoü o recado? Sãoduascoisas completamente difercntes: uma
é a conflabilidade da fonte. outÉ coisa §áo as razÕes de se acÍeditar
que a Ionte é exâtamente esta qüe alega scr A confiabilidade da Íonte
quer dize4 por exemplo, se Moisés diz para o§ indivíduos: "Olha, nós
viuno§ conseguir esetpÍlr daqui, mas tem um ieito", "Quem foi que te
-
ensinou?" "Foi Deus." Vamos acreditar poÍque foi Deüs. Mas como
-
équevou sâber que foi Deus? Isso quer dizer que, para que se acledite
no restânte, paIa que se acredite na pÍomessâ por fé, é necessário que
se acredite na narÍativa por outÍos motivos. Deu pam entender?
4l
LAlrÍto. Etlletdi.l
Náo pode ser questáo de íé. fem quc scr o tãlo brutall
+z
ÍAluna Co Ío com urn Íato cutioso que não é ate dido: íodos os
meus colegas na l:acülílaile que conhecia m rn poltco 4 Bíblia goslao.tm
só do liütu ló, poqueeles achauan qüe aquiLa rclrulatta o que ela
àe
Deus, eo resto era ludo... Isso é Eerul, assiln.]
Ah, issoé incrÍvcll Só que acontccc o scguinte: Deus aproniou uma
paÍa Jó, mas aprontou depois deteratcndido àsprcces deleatéos sctenta
anosl De repente diz: "Bom, agora cu vou aÍmarümâ âquipâra você...".
I
Náo i: t o Abraao: '\ar,, ru !àij h \ü(rilrcar n lcu fillru . t menlira,
nãovai fazcr nada. Quântos anos t in ha Abraáo quando acontcccu isso?
Acrcditarnum Deus quc faz um ncgócio dcssc o tcrnpo todo, ilso éum
pcsadelol Eoiáo vojan quc Slalin, F-idel Câs1ro, Adolf Hitler nunca
cumprirâm nadâ, e o pessoal iodo cstá acreditando. Nào ó possÍvcll
A recusa dos dâdos dâ llc'velação é butrico, ó pura laltâ de inteli
gôncia, não é um problema de fé. A fé prcssupóe um conhecimento.
I
Suponha que você é o lepÍoso, e tcm Iá um suieilo que era ccgo c está
vendo, outro quc cstava morio Íessuscitou, ctc. Você diz: "Mas se o
camarâda fcz tudo isso, ele tambén podc curar â minha lepra. Náo
tcnho provâ nenhunra disso, dc que clc vai lazeÍ islo, rnas sei o que iá
fez. Além disso. estou vendo o horncm'.
43
Mâs é, pois é isso quc eu estou dizendo.
44
, r)nlhinar dc cnganar o terceirc". Náo lcm nonhum tcstclnunho. lliio
t.Dr umaata dessas reuniócs. Econlo ó qucvocôvai lazcr um plârn, táo
((nnplcxo e mantcr tudo aquilo na mcmó â?
como no caso do Hitler:"Náo, elc nào sabia quoos ca.às csl vanl
F:
nunca lez mal a ninguém, dizem quc âiudou unras pessoâs... Por que
eles iam inventâressa história, cngânâí todo mtllrdo 0, rais ainda, iam
compor uma'requipe de publicitári(,s" pâru cnganar o mundo, e náo
sobra umâ ún ica âta dcssas rerniocs, nào sobr'a u nl único testemunho?..
Náo é possívcl istol A hipótcse ó tào rrirâbolanlc, lâo louca, que acho
que o sinples fato de lcvá-lâ â sório durantc dois minulos iá é prova de
dcbilidáde mental. Eü náo desconfio dc ncnhunr dado da Revelaçáo, nem
da Revelaçáo judâica, nem da islârnica, nem dâ budista, dc nenhuma.
Essa gcnte não está aÍ paru meniir. Você pensa que ó o quê? Que clcs
são o Duda Mcndonça? Existe o problema da qualidade das pcssoâs.
+5
Entáo, não é a 1é em Deus, simplesmente. A fé é no tcstcmunho.
porque hoie em dia o Estado leigo moderno não tem condiçâodc sâber..
Se invento o "culto dâ.. ". como escreveu aquclc padre (...) o livro Á
Fratemidade Cósmica do Repolho Místico\ (é de um humorista que
foi ftade, un cara engraçadÍssimo, muito melhor do que o Vcríssimo e
todos esses). Invento âqui a "Frâtcrnidâde" e chego lá no Ministério
c digo: "Olhã, quoro ÍegislÍar isso âqui como entidâde rel,giosa"- o
Drinistro náo sabe se é ou sc nâo é, cntáo diz: "PoÍ via das dúvidas:
enlidâdc Íeligiosa".
Por causa dcssadeficiência mental do Estado modcrno, náo se sabe
Dais o que ó rcligiáo c o quc não é, e por isso mcsmo acham quc, sc
você está Íegistrado como cntidade religiosâ, então lem o direito de
pregar oquc quiscÍ. c qucnr qui\eracredilar acrcdira. L rlaru que is\o c
uma palhâçada, é claÍoque isso é uma mentira, mâs iem que tcr al8uns
criiérios parâ se separar o que é uma reliSiào do que nâo ó.
q..
-..r," r.".... u . r r riilãi"l s. "ii., l -.,i
46 lú R.polha Mtti.o Cuiitiba PcrcErina.2000
Aorigem da rc:ligiâo, ela porsi mcsüra iácnuncitrâ hisl(ni . ela já diz
se é uma rcligiáo ou se náo é. Mas âs religi(icsqucosii()dc vcrdírdcsiloos
pilares dahistória humanâ. O sujcitoncgâr issoâi, nãodh pâra acÍcdilirr
nem emciênciâ) náo dá pdra âcreditarncm queelccxi§l§ Blc vaiclcgar
nu I absurdo tao grandu quc nao Ja para Lônlinuar
+1
I
miscrável, eâênfasevaiaumentandocomotcmpo.JáapaÍirdoséculo
XIX, as pessoas acabam achando que tudo quanio ó religião é matória
+8
(tur âcrcdito que é palavrâ dc Dcns? Itnltuc acre(litol l'(trItuc sinr.'
sirnplcsncntc não é possivel. Ou â(luikr lcrIl a c(n)sistun iir dr Iirlirvrr
(lc Dcus (c, porlaDto. "palavla de Dcus' nao a ullr cs(rilt]. rr o (:rrrrrrr
doutdna. nâo é umê frase: "palavra dc Deus" sao lalos, s r, Íc lnltrdct,
sirr coisas, Deus cscrcvc com coisâs), entáo ftr'cdito Disso c(»rr() llcru(lilr)
quc chovc, que tem sol, qlrc estou vivo - isso ó u)n dado da reôlidadc
ou náo tem tal consistÔncia c não acredilo.
Ilmgeral. a discussáo âcadêmicâ ou pseudo-acâdamicâ cm lorDo dis
so ó boba;nâoexiste discussão sóriaa cssc respeiio. Ninguénr, ncnhurn
sábio de prinreira ordcm sc intcrcssou por esse lipo dc convcrsa. Sáo
rnais os bclclrislas: ErncÍ Renân, o nraluco cspcculador: Feuerbach:
' o honrcm irventou Dcus por câusa disso, nrais isso, ntais isso"... Para
você djzer'que o homcm invenlou Deus) enlão cle invcntou todos esses
nrilagres. Os milagres corneçarâm a aconicccl c dcvez em quando acon_
lccc âlgum. tudo isso porquc o homcn inventou. lsso é uma bcstciral
Porque o homenr invcntou alguma coisa, enião dc vcz cDr {luando clc
reza, pede algum ncgóciu e acontccc. Isso porquc alguónr irrvcniou?l
Essa hipíÍese ó láo a{iiicii)sâ quc rao nrerccc scr Icvâdâ cnr tonsidc
raçáo. É urna hipr;icsc criatla pela irrragirraçao prrcril, trlnir inrígiDâçrio
pucril âDrcdrontadâ, dcscontiadâ. No lundo niro ó quc cla rráo âcrcdita
cnl Deus; ela âcrediia num Dcus uraligno. Ii clirro quc i§so c parünLiià,
isso é reâlÍnenrc teoria da conspiraçir)
cÍistiânisr ) nâo c o ilnpaclo de unla doutrinai é
Mas o inpâcto do
cssenciâl enlendeÍ isto. As prineirâs tcnla{ivas dc lbrlnulâção doutri_
nâl e, portanto, dc apologélica; c, po(anlo, dc deíesa relóricê sáo
bastantc inâdeqüadas Podc-sc lcr, por cxcnrplo- Icduliano. que nâ sua
argurneniaÇão é de uma desones(idrde horrtvcll Tem um sujeito cha_
mado Celso quc cscrevcu uma defesa dâ iradiçáo grcco romana conirâ
o crislianis o, e lirÍtuliano cntão rclita o suieito, mâs rclüta daqucla
mâneira que parccco Congresso bÍasileiro, com uns argurnenlos nruito
sâfados. Mas é um €scritor mâravilhoso e totalmentc sincero, e é eüdente
que aquilo que ele diz náo podc scr incorporâdo na doutrina.
Com otempo, vai-se acumülândo entáo uma massade cscritos cris-
táos, uns na[ativos, outros de ensinamento moral, outros doutrinais
mesmo, ieológicos, e essa massa tem que serdepurâda. "De tudo isso de
que estâmos lãlândo, do qüe aconleceu, o quc valc c o que nâovale?"
E é para lsso que tem lustamentc os concílios, que váo fixândo o que
é doutrina da Igreiâ e o que é âquilo que os cÍisiãos falaram (vâo ter
direito de falar um monte de coisa). Mas mcsmo o que um Papa làla não
se incoryora na doutrinâ, a náo ser que sejâ um decÍeLo er calhedru,
quc numâ vidâ o Papâ thz trés ou quatro; o resto que existe é opiniáo
dele. O famoso dccreto da inlàlibilidade papal só querdizeruma coisa:
quando um Papa decreta um elemento de doutrina em acordo com tudo
que veio sendo en$inado pela Igreja na sua doutrina desde o inicio, ele
náo errai ó só isso quc qucr dizcr E o rcsto do iempo? O Íesto do tem-
po ele pode errar cm prâticâmente ludo, como dc lato muitos crram.
Agorâ, falar em inthlibilidade papal dá a imprcssáo dc que ó uma coisâ
absurda, que se tem quc obcdecer aquele sujeito fâça ele o que Êzer, o
que náo é verdade.
Para que surgisse dentro do contexto cristáo uma situaçáo similar
àquela quc íoi vividâ por Filon de Alexand a, âinda precisavâ coÍeÍ
muito tempo. Por quê? PoÍque era preciso que a doutdna cdstá estivesse
explicitadae quc o legado greco-romano fosscsuficicntcmente conhecido
-uma condiçáo que, defato, náo se cumpriu nos primeiros séculos. Nâo
se cumpriu, priniciro, porque a doutrina âinda estava explessa de ma-
ncira muito rudimcniar e nebulosa. O quc se tinha cra a rccordâçáo de
{atos aindâ muito rccentes, fatos cujas conseqiiênciâs âindâ continuârâm
a reperculil pelos séculos seguiÍtes com toda perseguiQão, martíÍios e
milagres. Tudo aquilo aindacstavâ aconieccndo; entáo. náo crâ, eviden-
temente, vivido conro douirinâ, mâs como âcontecimento rcal. Para que
50
iss(, vire doutrinâ, é necessário que haia um grande alàstamento e que
loda a làse dc narrativá e de discussão retórica tenha passado. Vemos
q(rc os grâ,rdes autores do período cscolástico, que é o supra-sumo do
5l
magorias, como exisiiam làntasmagorias no próprio Filon, porquc ele
tâmbém conheciâ a doutrina mosâica de maneira muito dcficiente. Ele
nem falava hebraico! Conhccia atravós de umaversào, charíâda yersrio
itos SetenÍa setcnta eruditos iudcus que Iizeram uma trâduçáo parâ o
-
grego. E fizcrâm a traduçáo pârâ o grego por quê? Porquc osfilhos e os
netos iá náo sabiam falar hebÍaico, tamânha a confusáo que estavâ.
Isso qüer dizer que o iudaismo que Irilon dcfcnde é um pouco duvi-
doso. Náo se pode imaginar que o iudaísmo é exalamente aquilo; é um
judâismo tal como ele o imaginava. Ele nâo é um portâ-voz autorizado
dâ ortodoxia judâica, é um filósofo que pegou o que sobrou dejudaísmo
nacabeça dele e o defendc. Eo conhecimento que ele tcm dos lilósofos
gregos tambóm é deficiente, porque ele mistura: mistura eslóicos com
platônicos, atrjbui a üm o que é do outro... Entào, todo csse período
foi de umâ imensa confusáo, e essa confusáo aparece no próprio Filon.
que está alhcio à questáo cristã.
Ncsta confusão é quc aparece um montc de seitas tentando resol-
vcr existencialmentc oe âs coniradiçóes que eles vivian nâ caÍne, dc
algum modo. Essas seiiâs todas nâo podem serconsideÍadas frlosóficas
por quê? Porque nâo há nenhum empcnho de investigaçáo; há um em_
penho em foÍmular umâ saída prática paia um problcmâ existencial, c
em nome dâ soluçáo se inventava um prctexto doutrinâl qualquer: 'Ah,
náol Náo é um Deus, sáo dois; teve um bon1, ouiro m41...". Isso é um
arÍanjo douirinal que o indivíduo faziâ, de certo modo, para expÍessar
o seu próprio desconforto existencial.
Esse desconforto que gerâ as seitas gnósticâs é um elemcnto cons_
titutivo da condiçáo humana. Isso quer dizer quc "gnosticismo" náo
é ncm o nom{: de uma doutrina- Existem tantas escolas gnóstica§ que,
se você quiser reduzir aquiio a uma unidade, você morre louco e nao
consegue. O que tem em comum em todas elas -c Eric Voegelin sempre
insistiu nisto é que o gnosticismo não é pmp amente uma doutrina,
52
r ünrâ cxprcssáo de um tipo de erperiê$cia hunrâna quc! (rânsposlo ao
Ilano doutrinal, cai na Iantasia c no erro. na nrcdida cnr quc absoluiiztl
fl(tucla experiôncia como se fosse a úr1ica possÍvcl. Qucr dizcri colro
t)cs§oas quctiveramum imuma, e aquclctrâuma circuDscrcvc, dclilritâ
scu horizonte visívcl, clas nào enxcrgam nada nrais para fola daquilo.
corno o sujcito que tem uma neurose de guclra.
Entáo o gnosticismo é uma cxpressáo do sotrime.to humano, do
sofrimento real, vcrdadciro e âté juslo, que transposto cm doutrina,
viraum pcsadclo hipnótico, e isto rcapar..ccú. E rcâpaÍecerá no mundo
nrcdcrno com enomrc irnpacto, sobrctudo a parlir do sóculD XIX, na
llL.volução Francesa... Quândo vocô lê os cscriios do Marquês de Sade
ou vô aquelcs personagens de Dostoicvski, como Ivan KaramazoY vê
a revoltê total que clcs têm conlrâ Deus (eles fazcm umâ espécie de
iutgamento de Dcus), semprebaseados numa separâçáo enhE Deus eo
homem. Bom, seexisteum Deus onipotcnte e infinito, náot€munl jeito
dc você se colocar cm face dele para falar dclc como obieto. E este é o
problema gnósiico lundámenialr o gnarstico lãla de Deus como objcto.
Todo o discurso gnóstico tcm cssc problema da âuio_rcfcrência:
,le olo sc erplica a si mcsrnu. ccrba sr'ttd,r r'tttprc urnJ r\(u(ro à qua
própria regra. lslo mostra, cvidcntcnrcntc, uma Íalha, uma ruptura
básicâ na inlegridâde da visáo quc o sujcilo tcnr. Por isso mesmo náo
pode seÍ considcrado doutrina filosólicâ. porquc a 6losofia ó a buscâ
dessa intcgridade, e nao somentc na cslcra do discurso, mas na eslelâ
da açáo e dâ conduta. Sc o suicito i unl lilósotb c busca a explicação
de alguma coisa. essâ explicâçáo tom quc cxplicar a ele também: clc
tem que estar inserido na sua própria cxplicação: náo pode ser uma
cxceçáo. Por exemplo, a hipótesc do Deus rnau tem esse problema:
l)eus é nrau, c o condenu porqüe ele ó mau- Isto qüer djzer quc cu
sou bom- Ede onde saiu minha bondade? Se Deus étáo mau, poÍque
clc fez um sujeito bom? Isso quer dizer quc o que você eslá vendo
53
no mundo é apenas o rctrato da maldade dcssc suposto fleus, e üáo
de sua própria bondadc. Sua bo:rdade está âusenie do nrundo, c o
indivíduo quc assim sc scnte náo se reconhece naquilo quc âcontcce.
Sc clc pcrccbe que há âlgo de bom nclc, vcrá siDais dessâ bondade
cm tudo quanto é lugar Mas como eic começa â lalar de Dcu§ como
obiero. c náo lambaln cotno sujeito é urÍ Deus quc cstá fora c acima
dclc. c não uln Deus que esiá fora delc, mâs cstá dcnlro dele lambém,
êo mesmo tenrpo , eniâo cria cssa ruplurâ c cssa visão'tcalral" da
realidadc. É o mundo como um palco quc você eslá assistindo, cvocÉ
cstá ibra. lsso é lalso, falso na basc.
Verenros, mais târdc. quc csta làlha da aulo reierência. quc iá sc
perccbc ncsses gn(isticos, introdlz-sc na Irilosollâ Modcmade lâl úodo
que cadâ unra dclâs ó urna cxccçâo a 5i mcsma. derolardo entáo uma
espócie de iâlhâ bí'rsicâ dc perccpçáo cnl pràlicanrcnte lodos os filóso-
Ios nrodcrnos. Ilor cxcDrplo, quando Mâquiavcl comcça â clabor:rr O
Prírlcrpe. O quc ú o prÍrcipc? A Itália tinha sido invadida e estava coni
grandes problcmas, cntáo cle comcça a sonhar com unl govcrnante
supcrpoderosu que consegujria unificar o pais c cxpulsar os invasores
Para iàzcr isso. o suicito prccisâvâ coDcentrêÍ {rm podcr absolutoi para
conccntra r o poder absoluio, ele precisava primeiro subir c depois mâlâÍ
todosos seu s concoffentes, inclusivc aquclcs que o ajudamm. Clâro que
csse príncipc náo eristiu. Pâra aparcler um slrjeito quc sc parcccsseconr
o príncipe do Maquiâvel- passaram-se cinco sóculos: foi Slalir, que se
parcce vaganreDlc.
Maquiavcl, dcscrcvcndo aquelâ imêgem idealizada do govcrnante
onipoiente. do governantc nBquiavólico mcsmo (qu(] prevê tudo. sabe
de tudo. se,rrpre prxa o tapctc dos outros e nunca puxânr o têpctc dclc),
cnl ncnhun lnomonto pcnsao segu inie i "Esperâ aíl Sc sou cu que cstou
dando a receiia. estou ajudândo o câra a subir e dcpois ele vai quercr
queimar a recciia c maiar quem ttz â receitâ...". lin un) momenioscqucr
5+
lhcocorrccía idóiâ: " Se apârcccr o principe, a primcirâvitilna dcleserci
cr. porque sei o segrcdo, sou um homcÍr quc sabc dcrrrais"
Maquiâvcl cstá curiosâmente auscnte do murldo dc Mâquiavcl: scu
Nundo náo ó o nlundo rcalno qualclovive, ó urr mundo dc tsatro quc
clc colocou no palco c observâ como sc iosse um cspcctâdor dc kn'a
Nlüquiavel 1àz isso, Jolln Locke faz isso. Thonas Hobbes. Kânl, David
Ilumc làzcm issoi todo nrundo laz isso; aió Nictzsche pelo incnos. Aí
laz scntido sc lalar dc ullla visãu gnóstica da reâlidade que sc repete Ío
fiundo Írodcrno. só pl,r essc aspccto.
tsso nâo qucr diTcr quc cÍou subscrcvcndo intciramentc a tese do
Vocgelin de quc iodas âs idcologias nxlcrnas sao de origcm gnósiica
Pode ser podc náo scÍ; aindavai lcvar sóculos pâl'a matàr cssa qucstáo.
Mas, ncste aspecto. quc é o aspeclo da qucbra dâ âulo_rcfcrôncia. sem
dúvida sáo. cvidcntcmcnte. uma das causas dessacxpcriônciâ do,orosa
E,
l{luna: Tetn Lthta Nossa Senhora pam . Ela é Aparccida paru sel
alguma coisa que (-..).1
Escuia, mas isso aí teln... Lá a trlanda icrn dcz sanios por
nletro
quadrado; ó umâ história de milagrcs âssontbrosa.
Iodo Iugar tem isso:
na Espanhâ, na ltália, na França... à criíiânização nem comecou.
Só se comeÇar com Leonardo Bolf^qui
Sim- tem algumas coisâs, mas compaH isto co a históriâ da evan
,;rli/rc.ro da Lurolâ fdcunru pubre/a rrrnz Lnldo. úqu(chcgou aqui
não ó o cristiânismo. É, assim, umavaga rccordâção do cristianisnro. Por
issomesmo. nossas discu ssocs â respcito sáo supc.ticiais. porque não são
baseadas no fato, na cxperiéncia; sáo bascadas cln palavÚrio. Tcm_sc
rnuiia rctórica, mas nirguém sabc do quc eslá iàlaDdo.
de Poflugal par? ufir contincntc inleiro. e a nraior partc das tribos se des'
conhcciam complctaDente. nao tinham contato algum. era uln ncgí)cio
ralo. Entào o eslbrço de cvângclizaçáo era quasc nulo; a maiot pâde
ü) csforço cra parâ ocupar o tcrriiório nrcsnrl). Fl o (tue iàlr lazcÍ uonl
o teÍÍitório? Orâ, o primeiro suicito qüc pcns()u cnr itlzcr algrrnu cr)isfl
loi Door loáo VI. Aió lá cles náo sabianr o quc iarn lirzcrl ltrÍugal li)i
t(nnândo. invâdindo, invâdindo, Ínâs nuncà pcl]sonr "Vullos lrzcr üIl
goveÍno colonial. vamos làzer umas obras". Só muik) tardc clos llnirnr
colll o soldado quc clc pâgou. conr gentc que veio a coniragoslo, com
o cscravo quc ele calou a lâço), cniào cram grandcs chcfes gucrreiros
esscs caras. Mas foi tudo nâ basc da porrâdâ InesDro.
Náo sc podc ncgar: â parte mais bonitâ dú Hisiória do Brasiló mililar
As violénciâs que lizemos são maravilhosâs, Dras tambóm fizemos
'ráo
mLril" coisã a'crn dis.o. Vor'( \ ( quu as ( rdrd(s .rncr icàn.r. )ao.cmníc
construídas em volta de uma igreja, deuma escola, de um tibunal, âl-
guma coisa assim. Aqui é em volta do quê? Da Iortâleza- Milicos foram
os grândes civilizadoÍes daqui. É porissoque, selirârmos os milicos da
política, náo tem mais política. Eles nunca váo sair, isso é impossÍvel.
Também náonos cabe explicartudo isto, as conseqüênoias remotís-
simas deuma tardia expansáo do cristianismo...Isso sem esquecerque
60
esse artifrcialismo da cultura brâsilcira, tcmos quc cntrar no campo
da realidade vivida, incluindo o elemento miraculoso. Por ircrívclquc
pareçâ, quem estií fâzendo isso hoje sáo csscs cvangélicos, quc dc vcz
em quando mostram isso ai âconteceÍ.
Acho que com isto dá paÍa enlender o impacto c a origem da problc_
máticâ filosófica subseqüente neste dmmâ dos primeiÍos séculos. Ainda
estamos vivendo isso, e preiendo demonstÍálo mais para adiante.
lêiturqc su.8igdds§
qÉdn{O'Àstltuhq,ô,n'íd6t}v !rd.
cÍ&.b MoÍde!ült 4 úL ftr* Iaq4 rcír_1931.
doês,rtsidÀJrsú! dar66.br,úrri,3rdld,tt
iÉód. Eú&i6ú C.rli- i!{o fiqlr Qüdih$q 1l3§r
ú
Dados lnLcmacionais de Calalqaçao ra Publicaçáo (CIp)
{CânÚa aiasileim do Livm Sq Amsill