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Realização:
Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais – IPDMS
Organização:
Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais – IPDMS
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa
Apoio:
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES
1660.p
ISBN: 978-85-67551-07-4
PROGRAMAÇÃO ..................................................................................................................................... 21
04. Educação e prática jurídica: considerações a partir da crítica dos grupos de asses-
soria jurídica popular - Evanderson Camilo Noronha e Talita Ananda Corrêa ........... 70
05. Diálogo e Ciência pelo Ensino Jurídico: um ensaio contra a narrativa doutri-
nário no Direito - Matheus Guarino Sant’Anna Lima de Almeida e Gabriel Guarino
Sant’Anna Lima de Almeida ........................................................................................................ 83
07. A grade curricular do curso de Direito da UNEB Campus XX: O ensino jurídico
e a necessidade de um currículo condizente com a realidade de Brumado - Ana
Heloísa Oliveira e Lázaro Alípio Silva e Queila Pereira Santos ...................................... 115
09. Base Nacional Comum Curricular e a Educação Escolar: cenas de uma relação (in)
feliz - Vinícius Luduvice ......................................................................................................... 138
RESUMOS
01. Participação Social e Política: Inserindo as crianças nesse universo - Aline Rodri-
gues de Lourdes, Allyson Ajenor de Oliveira, Cesar David Mendo, Diedo Galvão de
Paula e Lorrayne Luiz Silva .......................................................................................................... 165
02. Política na menoridade: transformação de visões - Allyson Ajenor de Oliveira ......... 168
03. Sentir tudo que se toca, escutar tudo que se ouve, ver tudo que se olha: memórias,
exercícios, jogos e técnicas de um anti modelo teatral de fazer política: teatro do
oprimido e estética da emancipação na construção do (s) direito (s) - Helga Ma-
ria Martins de Paula e Daniel Vítor de Castro ..................................................................... 169
04. “Ser Mãe: um ato jurídico”: experiências do projeto de intervenção para ampliação
do conhecimento jurídico e exercício da cidadania - Joalisson Oliveira Araujo .. 173
05. Cidadania para crianças - Lorrayne Luiz Silva, Aline Rodrigues de Lourdes, Allyson
Ajenor de Oliveira, Cesar David Mendo e Diego Galvão de Paula ............................ 175
7
06. O papel do Direito na garantia de acesso ao ensino regular de crianças com
necessidades especiais - Luciéte Duarte Araujo e Scheila Santos Borges ............. 177
ED 2 – CIDADE E DIREITO
01. O contexto econômico das politicas públicas urbanas e o caso da vila dos pesca-
dores de Jaraguá/AL - Alessandra Marchioni ................................................................ 183
RESUMOS
02. Direito ao trabalho e trabalho com direitos: o MTD e a luta pela reforma urbana
- Guilherme Ribeiro Miranda dos Santos e Iasmim Chéquer Cavalcanti ................. 369
01. Toda loucura será castigada: uma crítica ao tratamento penal dispensado aos
portadores de doença mental no atual modelo punitivo - Andrea Tourinho Pa-
checo de Miranda .......................................................................................................................... 383
02. Relato da oficina sobre violência contra mulher realizada com reeducandas em
regime semiaberto - Beatriz Hiromi da Silva Akutsu e Natalia Kleinsorgen ......... 393
04. A questão da violência doméstica sob as lentes da justiça restaurativa, com foco
na discussão estabelecida entre a criminologia crítica e feminista - Clara Welma
Florentino e Silva ........................................................................................................................... 428
05. Amargas jabuticabas: a singularidade da prisão preventiva para garantia das or-
dens pública e econômica no contexto ibero-americano - Fernanda Augusta Sil-
va Araújo ....................................................................................................................................... 444
09. As ideias de Nina Rodrigues e sua influência na sociedade atual - João Pedro
Coelho Silva ..................................................................................................................................... 509
RESUMOS
01. A natureza burguesa do Direito sob a ótica de Karl Marx e Friedrich Engels: bre-
ve análise do Direito do Trabalho - Clara Cirqueira de Souza ................................ 555
02. Formas Sociais e Luta de Classes: metodologia e práticas políticas - Jonnas Es-
meraldo Marques de Vasconcelos .......................................................................................... 565
03. “Por que ocupamos?”: O clamor por Direitos do Movimentos dos Trabalhadores
Sem-Teto sob a perspectiva da teoria crítica marxista da legalidade - Norberto
Milton Paiva Knebel ...................................................................................................................... 578
04. Lutas por terra em Magé: uma apreciação da relação entre conflitos e o Direito
- Vinicius Lima da Silva ................................................................................................................ 594
RESUMOS
10
01. Discurso de Eficácia da Prisão: uma abordagem dialógica e polifônica à luz da
teoria bakhtiniana - Iago dos Santos Moura-Melo ......................................................... 649
04. O trabalho infantil indígena no Brasil: o silenciamento dos direitos dos povos
indígenas - Evandro Monezi Benevides e Luciana Stephani Silva Iocca .................. 690
07. Violência e violação de direitos na infância e juventude - Zelânia do Carmo Silva ..... 737
RESUMOS
03. Identidades trans: Sobrevivendo à margem da lei - Camila Pina Brito e Marcos
Lopes de Souza .............................................................................................................................. 788
05. Por uma teoria crítico-emancipatória de gênero que inclua feminilidades e mas-
culinidades - David Emmanuel da Silva Souza e Kaline Emanuela da Silva Tibúrcio ...
.............................................................................................................................................................. 825
08. Kit Escola Sem Homofobia: como a narrativa fílmica Torpedo trabalha as ques-
tões referentes aos Direitos Sexuais - Letícia Martins Freitas Rocha e Marília Flo-
res Seixas de Oliveira .............................................................................................................. 870
09. Mulher e Política: Perspectivas para uma reforma do sistema político que au-
mente a participação feminina - Lucas Medeiros Machado ....................................... 882
11. A apropriação retórica dos direitos humanos pelas instituições religiosas: impli-
cações nos campos da sexualidade e da reprodução - Rulian Emmerick ........... 908
RESUMOS
12
01. Violência contra a mulher e interseccionalidade de raça - Alessandra Leal Gue-
des e Mariana Mariana Aquino Conceição ........................................................................ 926
RESUMOS
01. Estudar o Ministério Público Federal Brasileiro – Tarefas para uma Sociologia Ju-
rídica Crítica - Diego Augusto Diehl ................................................................................. 1011 13
RESUMOS
04. Garantismo midiático: jornalismo policial sem violação dos direitos humanos
- Rodrigo Daniel dos Santos Silva ................................................................................. 1162
01. Questão cigana e direitos humanos: relatos de uma assessoria jurídica popular
no Sertão paraibano - Phillipe Cupertino Salloum e Sila ............................................. 1174
14
02. Movimento dos Atingidos por Barragens: no campo e na cidade - Allan Gustavo
Barbosa Pena, Micaella Kiane de Oliveira Mendes, Tauan Aguiar Soares .............. 1190
04. Emergência étnica no Rio Grande do Norte: uma análise da experiência dos Ta-
puias da Lagoa do Tapará – Macaíba/RN - Allyne Dayse Macedo de Moura .. 1223
05. Fazer viver e deixar morrer: o Brasil na encruzilhada dos conflitos pelo direito ao
território das populações tradicionais - Ciani Sueli Das Neves ..........................1240
09. Direitos e conflitos na terra indígena Cachoeira Seca - Kerlley Diane Silva dos San-
tos ................................................................................................................................................ 1301
13. O dano ambiental causado na Serra do Periperi com a exploração ilegal de cas-
calho e o dever de recuperação da área por decisão judicial - Ana Paula da Silva
Sotero, Larissa Magalhães Aguiar, Nadine Araújo Amorim e Thaíse Ribeiro Santos
Lima .............................................................................................................................................. 1370
14. O caso da luta das mulheres contra o deslocamento compulsório na Av. Boa Es-
perança, Teresina-PI - Lorena Lima Moura Varão e Natasha Karenina de Sousa Rego
.................................................................................................................................................... 1391
16. Justiça &Etnocidadania entre os Tembé- Tenetehara, ditos de Santa Maria – Pará
- Jane Felipe Beltrão e Vinícius da Silva Machado ............................................................ 1419
RESUMOS
01. População ribeirinha de Altamira: uma breve análise do impacto social da cons-
trução da Usina Hidroelétrica de Belo Monte - Lucas de Campos Zinet .................. 1466
02. Quilombolas: Acesso à Terra - Claudio vieira, Kelly Nancy, Luzia Sena, Marina
Novaes, Michele Paiva, Maria Moura, Thaise Souza, Valdinei Costa ..............1468
10. Da dizimação dos indígenas do Planalto da Conquista, até os dias atuais: me-
mória, identidade e ancestralidade da Comunidade de Ribeirão dos Paneleiros
- Adriano Pereira, Fabiana Rebouças, Fábio Damascena de Carvalho e Juliana de Oli-
veira Gonçalves ......................................................................................................................... 1488
14. Análise das retomadas indígenas em Ilhéus - Ana Larine Mesquisa, Arthur dos
Santos, Bárbara Letícia, Heitor Laerchet, Larissa Souza e Luana Moreira Maria Benja-
min ................................................................................................................................................... 1497
16. Licenciamento Ambiental do Porto Sul: mitos e verdades - Giovana Esteves So-
ledade, Igor Oliveira De Lemos, Jananina Luanda Dos Santos Silva, Kalyandra Nery
Dos Santos, Larissa Lavrador De Carvalho, Mariana Fernandes Silva, Marta Dias De
Figueredo, Tatiane Fernandes Oliveira Dos Santos, Thiago Lindote Botelho Susmaga,
Victor Correia Marinho Mello e Ioná Gonçalves Santos Silva ............................... 1501
04. O povo sem rosto: a ficção liberal sobre o fundamento democrático do poder -
Vitor Maia Veríssimo, Otávio Augusto de Oliveira Moraes ...........................................1540
02. A legislação autoritária que regulamenta o regime jurídico disciplinar das ins-
tituições policiais como obstáculo à reforma e democratização das instituições
policias no Brasil - Camila Gomes de Lima e Rodrigo Camargo Barbosa ............ 1569
03. A versão das vítimas: um importante elemento de Justiça - Fernanda Telha Ferrei-
ra de Castro ................................................................................................................................ 1588
04. Encruzilhada Natalino: Crimes de Estado X Resistência Social - Maura da Silva Leit-
zke ............................................................................................................................................... 1600
RESUMOS
01. Você sabia que é vizinho de um torturador? Um debate sobre o delito de ca-
lúnia face aos escrachos do Levante Popular da Juventude - Alexandre Garcia
Araújo e Isabela Cardoso Meira de Souza ........................................................................... 1653
18
24 de agosto, 8h (quarta-feira):
Minicurso 1 – “Direito e Marxismo”
Luiz Otávio Ribas (UERJ)
25 de agosto, 8h (quinta-feira):
Minicurso 3 – “Direito à Cidade”
Adriana Nogueira Vieira Lima (UEFS)
26 de agosto, 8h (sexta-feira):
Minicurso 7 – “Enfrentamento à heteronormatividade na educação jurídica: um
debate de gênero”
Carla Apolinário (UFF)
Isis Taboas (UNB)
27 de agosto, 8h (sábado):
Assembléia Geral do IPDMS
ESPAÇOS DE DISCUSSÃO
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Assessoria Jurídica Popular, Educação Jurídica E Educação
Popular do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da
Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
O MTST tem como seu maior objetivo a luta contra o capital e o Esta-
do que representa os interesses capitalistas. Sabemos que na atual forma
de organização social não há espaço para a realização dos interesses da
maioria, os trabalhadores. Tudo é transformado em mercadoria, inclusive
nós próprios e nossos direitos. Apenas uma minoria tem acesso a condi-
ções dignas de vida. E o Estado atende exatamente a esta minoria. Por isso
nossa luta é muito mais ampla do que a conquista de um pedaço de terra. 2
A força social do MTST se constituiu ao longo dos anos a partir das várias ações
diretas realizadas, a principal delas são as ocupações de terrenos urbanos. Para o mo-
vimento, ocupar é um ato legítimo, tendo em vista o fato de que eles ocupam terrenos
vazios que não cumprem sua Função Social da Propriedade, como obriga os artigos 5º
e 170º do texto constitucional e de que, como enfatiza a cartilha, eles não ocupam pro-
priedade de trabalhador (a), mas sim de proprietários(a) de muitas outras propriedades.
Outras formas de resistência à retenção especulativa de imóveis e ao modelo de ci-
dade-mercadoria, segregador e massacrante para a maioria dos trabalhadores brasilei-
ros, que hoje se concentram no espaço urbano, também são válidas e possíveis, mas é
tendo as ocupações de terrenos urbanos vazios como principal ação direta, que o MTST
desenvolve sua luta contra essa perversa dinâmica e a busca pela plena efetivação do
direito fundamental à moradia.
Por pluralismo jurídico entende-se uma teoria que busca analisar o fenô-
meno jurídico em sua incompletude e realidade; é uma ideia pensada pelos
filósofos políticos e do direito para assegurar a pluralidade de participação
na criação das normas, uma maior efetividade às existentes e o respeito pú- 33
blico a ordens preexistentes ao modelo positivista-liberal (como o exemplo
dos povos originários da América Latina).( Ribas, 2009, p.55)
Como a região era muito nobre, a gente sabia que ação da polícia seria
rápida, e descaracterizar o flagrante era fundamental porque a gente im-
pediria a ação da PM sem uma ordem judicial. A PM entendia que ali exis-
tia um flagrante delito, porque é um crime, ação típica, jurídica e culpável.
Então o esforço era: já ocupou, precisa de um mandado para desocupar. A
36 gente com isso tentou evidenciar que era um ato político e como a gente
já tinha se consolidado, apesar de que só tinha 10 min, o flagrante já esta-
ria descaracterizado.
Outra lição trazida pela entrevistada 1, que traduz uma tática política-processual, é
o esforço empreendido pelas advogadas para que, no momento da escrita da peça, a
discussão torne-se uma discussão de defesa de direitos fundamentais, trazendo, assim,
a defesa para o âmbito de garantia dos direitos constitucionais. Porque dessa forma
é possível falar em cumprimento da função social da propriedade, falar do direito à
moradia, do direito à dignidade. Conduzindo a argumentação de forma a priorizar a
dogmática constitucional, como ela pontua:
A entrevistada 3 explica que o MTST e outros movimentos sociais tem muita refe-
rência nos processos de educação popular para organizar a ocupação. Por isso, rara-
mente a assessoria jurídica é chamada para fazer alguma fala, conforme ela sinaliza: “a
gente tenta traduzir as decisões judiciais para realidade deles, tenta desmitificar essa
visão do judiciário, sobretudo, quando é o momento de noticiar alguma decisão do
judiciário, quando consegue suspender alguma decisão.”
Ela ainda indica que essa desmitificação “não é tão fácil, porque o advogado é visto
como aquele ser iluminado, superior, daí a gente houve: dá uma notícia boa para gente.
E infelizmente não tem notícia boa para dar, porque não depende só da gente”. Nesse 39
momento ela enfatizou que quando há alguma vitória, ela procura realçar bastante a
importância da mobilização do povo, tentando despertá-los para necessidade de orga-
nização em torno da luta coletiva de direitos “que é o que realmente importa, o que faz
a diferença para gente alcançar qualquer vitória jurídica”. Enriquecendo sua resposta,
ela salienta:
Resumo: O presente artigo discorre sobre a luta por uma educação jurídica voltada para
a conscientização e diálogo com os movimentos sociais no intuito de buscar uma nova
forma de sociabilidade, conforme preconiza Paulo Freire. Desde o ensino à prática é ne-
cessária a criação de instrumentos que permitam a formação de profissionais do Direito
comprometidos com as demandas sociais. Destarte, o incentivo ao tripé acadêmico é es-
sencial para romper com a educação tradicional hegemônica. Assim, far-se-á uma análise
no Escritório Modelo de Assistência Jurídica da Universidade Federal de Alagoas.
Palavras-chave: Educação jurídica; Transformação social; Assistência Jurídica
Abstract: The present article broaches the fight for a law education orientated for con-
sciousness and dialogue with the social movements in the pursuit of a new sociability,
42
according to Paulo Freire’s views. From the teaching to the practice it is necessary to
build up instruments that propel the formation of professionais in law committed to
social demands. Therefore, the encouragement to research, teaching and to the uni-
versity extensition is vital to break the traditional and hegemonic education. Thus, this
academic writing is going to analyse the Model Office of Legal Aid of the Federal Uni-
versity of Alagoas.
Key-words: Law education; Social Transformation; Legal Aid.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é apresentar uma perspectiva crítica ao atual ensino ju-
rídico, o qual é pautado pelo legalismo desde os primeiros cursos de Direito imple-
mentados no Brasil. Fato que resultou num isolamento da ciência jurídica em relação
à realidade social, evidenciado no afastamento entre o Direito e as camadas menos
favorecidas, bem como, na marginalização dos movimentos sociais.
Na intenção de mudar este referencial, o ensino jurídico reformulado propõe atra-
vés do tripé acadêmico buscar alternativas para reverter tal quadro. Dessa forma, o
Escritório Modelo de Assistência Jurídica da Universidade Federal de Alagoas auxilia
juridicamente as camadas carentes de Maceió na concretização do Acesso à Justiça,
sendo o estudante sujeito engajado nas demandas sociais, o que somente é possível
com educação jurídica voltada para a transformação da realidade vigente.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão 1. Assessoria Jurídica Popular, Educação Jurídica E Educação
Popular do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da
Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Na sua obra Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire expõe que a necessidade de con-
quista por parte do opressor enseja a ação antidialógica em todos os seus momentos.
A referida conquista, por seu turno, é a forma de chegar até as massas e mantê-las
alienadas. Essa aproximação não se faz pelo diálogo, mas sim pelo depósito, o qual é in-
dispensável para a manutenção do status quo. Dessa forma, analisando-se a forma que
o ensino do direito vem ocorrendo nas faculdades do Brasil, nos moldes do positivismo 45
jurídico, fica claro que é configurada uma ação antidialógica, na qual acarreta em estu-
dantes de direito apáticos e que se tornarão meros operadores do sistema, não sujeitos
transformadores da realidade que deveriam ser. Isso porque, o curso direito deve beber
do fonte do pluralismo e do diálogo com a realidade social a fim de ser instrumento de
transformação social e não ser uma mera forma de manter o sistema atual (CORREIA;
REBOUÇAS, 2013, p. 536).
Já com uma perspectiva sobre o próprio ensino jurídico, Luiz Alberto Warat, na
contramão do que é apregoado pelo positivismo jurídico, que é a segurança jurídica
e a estabilidade, defende exatamente o oposto, afirma que o ensino jurídico deve ser
pautado pela instabilidade e incerteza do mundo contemporâneo. Warat realiza, então,
uma crítica ao ensino imposto e prima por uma experiência dialética, dialogada, idônea
à alcançar a criticidade e a reflexividade no ensino do Direito (SUPTITZ; JUNIOR, 2013,
p. 541).
O diferencial de Warat também se evidencia por ter ele trazido o conceito de car-
navalização para o Direito, a partir do autor russo Bakthin. Considerando, desse modo,
que para se pensar o Direito é necessário uma linguagem carnavalizada, sem um lugar
único, ou ponto certo. É, portanto, uma linguagem que não possui um centro, mas sim
um lugar em que todos podem falar. Warat acaba por aliar, então, a carnavalização ao
Surrealismo no direito quando traz a ideia da criatividade, ou seja, a concepção de que
a realidade é criada pela nossa imaginação (ROCHA, 2012, p. 8).
Assim sendo, a revolução surrealista encara o sonho como possibilidade de desco-
lonizar a imaginação do homem: a declaração universal dos direitos do desejo, do di-
Vale, também, destacar a lei 12.772 que trata do Plano de Carreiras e Cargos de
Magistério Federal, que ao longo dos seus dispositivos ressalta a importância do de-
senvolvimento e aperfeiçoamento das atividades de pesquisa e extensão por parte do
professor. Tendo em vista, também, o ensino que junto à extensão e à pesquisa formam
o indissociável tripé universitário, que é, deveras, indispensável para a formação de
uma universidade verdadeiramente integrada às organizações da sociedade civil e aos
movimentos sociais.
Os movimentos sociais, por sua vez, devem ser levados em consideração no ensi-
no jurídico, visto que aqueles possuem legitimidade devido à incapacidade do Estado
de garantir a efetividade dos direitos fundamentais, gerando grupos excluídos de
direitos, os quais não se resignando frente a tal situação se organizam em torno de
atividades reivindicatórias, contestatórias, por meio de mobilizações, manifestações,
passeatas, marchas, atos de desobediência civil com o fito de mudar tal situação de
exclusão e lutar pela efetivação dos direitos humanos e garantias fundamentais (JÚ- 47
NIOR, 2013, p. 1370).
Nesse sentido, enquanto instrumento de crítica e reflexão que o ensino jurídico
deve ser, é de vital importância o diálogo constante entre o referido ensino e os mo-
vimentos sociais com o objetivo de inteirar os estudantes acerca das contradições e
discrepâncias existentes na realidade- a qual deve ser sempre considerada pelo direito-
a fim de que os estudantes, futuros profissionais do direito, possam ser sujeitos trans-
formadores e que lutem pela efetivação dos direitos fundamentais previstos na nossa
Carta Magna, com vistas à construção de uma sociedade solidária, justa e emancipada.
5. CONCLUSÃO
A partir do estudo analisado acima é possível aferir que a busca incessante por uma
educação jurídica popular e indissociável com o ensino, pesquisa e extensão é funda-
mental para a transformação da realidade vigente. O ensino jurídico reflexivo deve ser
desenvolvido na graduação com o intuito de formar estudantes politizados e com o
senso crítico aguçado. As mudanças devem, então, ser consequência, ou seja, os es-
tudantes devem ter a percepção de que desempenham o papel de protagonistas nas
mudanças sociais e, por conseguinte, atuarem como profissionais competentes e enga-
jados socialmente nas profissões que escolherem.
O estudo descritivo e qualitativo baseado na análise do Escritório Modelo de As-
sistência Jurídica permitiu a constatação de que o desenvolvimento deste projeto de
extensão é imprescindível para a formação do estudante. Colaborando para que, desse
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3ª edição. São Paulo: Cortez, 2007.
BOYADIJIAN, G. H. V. Núcleos de Prática Jurídica nas Instituições Privadas de Ensino Superior. Curitiba: Juruá,
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www.ufal.edu.br/unidadeacademica/fda/institucional/a-faculdade-de-direito-dealagoas> Acesso em
08/05/2016.
53
Abstract: This paper intends to report the observations from the experience of the
University Popular Juridical Legal Advice Center Luiza Mahin (UPJLAC – Luiza Mahin)
while the visits, workshops achievements and conversation circles in state schools oc-
cupied in the metropolitan area of Rio de Janeiro by Occupies Schools movement. The
working method was “pesquisa-ação” (action research), in which the group - composed
of students and law professor at UFRJ – participated of the planning of these schools
occupied by conversation circles and workshops posters. Knowing that this method
results in exchange and construction of knowledge together in order to transform re-
1. Introdução
O artigo busca relatar as observações extraídas da experiência do Núcleo de As-
sessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin (NAJUP - Luiza Mahin) quando das
visitas, realizações de oficinas e rodas de conversa em escolas estaduais ocupadas na
região metropolitana do Rio de Janeiro pelo movimento Ocupa Escolas.
O Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin, NAJUP - Luiza
Mahin é um projeto de extensão composto por estudantes e professores do curso de
Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A escolha do nome de Luiza
Mahin, mulher negra, escravizada no Brasil, líder da revolta dos Malês e de outras in-
surgências no Rio de Janeiro simboliza o compromisso do grupo de lutarmos contra as 55
opressões e construir um saber contra hegemônico. O Núcleo existe desde de 2012 e
atua desde essa época na Comunidade Estradinha, localizada na Ladeira dos Tabajaras,
em Botafogo.
Entretanto, com o início do movimento de ocupações de escolas no estado do Rio
de Janeiro, o grupo extendeu suas ações para o acompanhamento dos estudantes en-
volvidos nesse processo de luta pelo direito. Dessa forma, procurando contribuir com
os estudantes o grupo passou a realizar visitas, rodas de conversas e produção de car-
tazes sobre alguns temas do direito a fim de fortalecer o protagonismo e o potencial
criativo dessa juventude sobre o universo jurídico.
Dessa forma, o grupo se inseriu no campo das escolas ocupadas da região metro-
politana do Rio de Janeiro, mais especificamente, no Colégio Estadual Souza Aguiar,
localizado no centro, o Colégio Estadual Paulo de Frontin, no bairro Estácio e o Colégio
Estadual Monteiro Carvalho em Santa Teresa, todos no município do Rio de Janeiro.
Nas cidades vizinhas, foram visitados o Colégio Estadual Irineu Marinho, em Duque de
Caxias e o Colégio Estadual Pandiá na cidade de São Gonçalo.
Metodologicamente, o grupo combina a assessoria jurídica popular com a edu-
cação popular por reonhecer, nos movimentos sociais, a importância de suas lutas
para a transformação da realidade social. Utilizando dessas duas ferramentas, o grupo
se propõe a auxiliar esses grupos com a bagagem advinda da Faculdade de Direito,
respeitado sempre o protagonismo dos movimentos sociais na luta por direito; trocar
e construir saberes conjuntamente e, com isso, levar o aprendizado para o mundo
acadêmico.
Ao longo das visitas as escolas ocupadas o grupo percebeu que as principais rei-
vindicações dos estudantes procuravam a efetivas os direitos previstos na Constituição
Federal de 1988 e no ECA, legislações elaboradas num momento de forte mobilização
da sociedade civil brasileira em espaços como o Fórum em defesa da Escola Pública.
Conclusão
O trabalho relatado neste artigo, para além de colocar no centro do debate aca-
dêmico a relevância da assessoria jurídica popular, destacou o importante emponde-
ramento dos estudantes secundaristas organizadores das ocupações das escolas do
Rio de Janeiro. Tal trabalho busca também enfatizar o tripé constitucional do ensino,
pesquisa e extensão, em que este terceiro é notadamente negligenciado, mas tão caro
à formação dos futuros operadores do direito.
No artigo em especifico, a luta dos estudantes cria esse contexto de resistência que
a assessoria busca acompanhar, desmistificando o acesso ao judiciaria e quebrando pa-
radigmas da dogmática jurídica. O empoderamento desses jovens é a pratica do direito
que a academia deve não só estimular, mas para a qual deve proporcionar meios para
que ocorra, ou seja, é de extrema relevância para o ambiente universitário o debate
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
sobre a busca pela efetivação de direitos desses estudantes, os quais sempre foram
incentivados pelo sistema educacional a se manterem passivos frente as opressões da
sociedade.
Por fim, a assessoria jurídica popular e a presença desta no campo da pesquisa cien-
tifica marca a possibilidade de uma alternativa à pratica elitista do mundo jurídico e a
possibilidade de mudança de um paradigma de aceitação sem contestação.
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Abstract: This paper aimed to discuss the implementation of the extension in law scho-
ols. It appears, however, the realization of extension has not been usual in law schools,
with the exception of legal practice, which, in fact, is a stage of compulsory forensic
learning. From this statement, examined critically is the experience of the traineeship,
or compulsory, relating it to the widespread crisis of education and legal education.
Questioning, finally, to this stage in its current conformation, meets the objectives that
are proposed and proposals suggesting alternatives to the hegemonic legal education,
such as the popular legal advice (AJP) and popular education. Therefore, we will take
as a theoretical basis authors as Ribas (2008, 2009), Almeida (2014), Góes Junior (2014),
Santos (1988, 2008, 2011), among others, in addition to writing about other topics, dis-
cuss about the movement of popular legal advice, legal education, university education
and popular education. He traced a brief history of the AJP, highlighting its salient fea-
tures. Objective is thus to contribute to the construction and consolidation of popular
legal advice as a theoretical and methodological framework.
Keywords: Legal education; Legal practice; Popular legal advice; Popular education.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão “Assessoria Jurídica Popular, Educação Jurídica e Educação
Popular” do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da
Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
[o] fato é que desde então o ensino jurídico pouco mudou, mas a socie-
dade mudou muito quanto às suas necessidades. Daí surge a crise oriunda
do conflito entre o que a sociedade espera do Direito e o que as facul-
dades oferecem para a sociedade. Mas a pergunta que intriga o mundo
acadêmico e o social, diante de tantas mudanças sociais e em meio a essas
crises, tanto a social, como a do ensino jurídico, é: se os cursos de Direito
terão condições de responder a esses desafios de modo concreto?
Portanto, as atividades exercidas pela AJUP não podem ser confundidas com os
tradicionais serviços de assistência jurídica prestados pelos Núcleos de Práticas Jurídica
das faculdades de direito. Ainda acerca das assessorias jurídicas universitárias popula-
res, Santos (2007, p. 50) leciona que:
Além disso, os grupos que exercem esse tipo de assessoria tem como um dos pres-
supostos de sua práxis, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o que
torna a sua atuação diferenciada, dialógica, multidisciplinar e em prol da construção
de uma visão crítica do direito, da justiça e do ensino jurídico hegemônicos (SANTOS,
2007, p. 51).
Assim, afirma Boaventura de Souza Santos que:
6. Conclusão
A opção pela extensão é política, mas não inoportuna, pois não há prática educa-
cional neutra, nem prática política por si mesma. Portanto, o educador precisa se ques-
tionar a favor do que e de quem está a serviço; por conseguinte, contra o que e contra
quem necessita lutar. As respostas a esses questionamentos podem representar uma
escolha pela transformação social.
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de janeiro de 2016.
82
Abstract: This work walks through two parallel and complementary paths: first, we
brought up a reflection on the role of legal doctrine and the notion of legal science, and
how do they reflect on the training of students of law and the how they act as legal pro-
fessional after outside the University and the field of Law, as an academic discipline. The
second path raises the question of: how do we teach Law and how we work in the
classroom, in terms of teaching methodology? Therefore, we emphasize an inseparable
link between theory, doctrine and ideology, ie, the knowledge, opinions and knowledge
that are produced and reproduced within a field, and practice, practice activities, the
plan of action and career. In this way, the proposal that we bring is to think what is le-
gal doctrine as it relates to the idea of “legal science”, and reflect on how it affects the
formation and operation of a jurist and possibility of his critical action in society.
Key-Words: legal education, legal doctrine, legal science, ideology, methodology.
O Ensino Jurídico, embora figure como “questão central” quando pensamos no pa-
pel do Direito numa Democracia, é um assunto muito pouco refletido. Ou melhor: as
discussões acerca de Ensino Jurídico, cada vez mais recorrentes, se limitam, geralmente,
a dois pontos: 1. Currículo, isto é, os “conteúdos programáticos” a serem ensinados
obrigatoriamente nas Faculdades de Direito, grades curriculares, “importância” de dis-
ciplinas”, “o que vai na prova da OAB”...; e 2. reflexões conceituais acerca do Direito,
A característica da teoria é que ela é um saber que, “na medida que é discutido, ele
pode ser objeto de refutações”. A teoria é, portanto, passível de crítica, e passíveis de
reformulação.
A doutrina, por sua vez, é “uma forma de discurso exclusivamente fechado”. Elas são
descritas por Charaudeau como “um saber de opinião que é maquiado como saber de
conhecimento e que termina por tomar o lugar deste”, se auto-justificando ao “fazerem
referência a uma palavra fundadora” (CHARAUDEAU, 2011, p. 200). Devem ser aderidas
“em bloco”, sendo supostamente fundada na razão. Elas têm, portanto, uma pretensão
de racionalidade. São, porém,
85
“insensíveis às contradições que a experiência poderia suscitar; recusam
a crítica, e diante dela reagem apenas de maneira dogmática, por anáte-
ma, excomunhões ou outras formas de exclusão.” (CHARAUDEAU, 2011,
p. 200).
As ideologias são descritas por Charaudeau como “uma explicação total ou glo-
balizante”, composta por “crenças cuja aceitação ou rejeição deve ser feita em bloco”.
(CHARAUDEAU, 2011, p. 200). Em definição mais precisa, uma ideologia é:
1 Esclarecendo que apenas nos aproximamos das definições que ele faz, para elucidar a diferença entre um
discurso científico e um discurso doutrinário, uma vez que o que se entende como doutrina jurídica se coloca
num limar entre estes sistemas de pensamento. Charaudeau não pensa estas definições a partir de uma crítica
da doutrina jurídica, sendo feita aqui uma apropriação e aproximação dos seus conceitos, para a crítica que
queremos fazer.
2 Os sistemas de pensamento podem ser entendidos como ordenamentos “de saberes em sistemas de
conhecimento e de crença, com o objetivo de tentar fornecer uma explicação global sobre o mundo e o ser
humano” (CHAREAUDEAU, 2011, p. 199). Assim, propomos aqui o entendimento da doutrina jurídica brasile-
iro, que se entende como ciência jurídica, como um sistema de pensamento específico, que reflete em repre-
sentações e prática sociais específicas, ao propor uma explicação global sobre o Direito e sobre os diversos
agentes que se relacionam com o campo jurídico, através de suas crenças e conhecimentos.
3 Para um melhor diálogo das fontes que utilizamos para esta reflexão, para leitores mais atentos, devemos
ressaltar que utilizamos, nesta segunda parte, o conceito de narração como colocado por Paulo Freire, e não o
utilizado por Charaudeau em sua obra, uma vez que em o termo apresenta diferentes significados, em termos
conceituais, para cada um dos dois autores.
Nesta lógica, a comunicação professor aluno não é propriamente um diálogo, pois não
se dá em reciprocidade, em igualdade e troca de aprendizado: é, ao contrário, hierárquica,
de cima para baixo, em mão única. A diferença, desenha Paulo Freire, é que a educação
narrativa, ao se basear em comunicados e memorização mecânica, opera um antidiálogo:
90
Mas se pensarmos o conhecimento jurídico como processo de busca, este busca o que?
Sem nos aprofundarmos muito nesta teoria, temos que destacar que o discurso
(pensando aqui no discurso jurídico para aqueles que estão fora deste campo) possui
elementos que estão implícitos e explícitos, e que são fabricados em condições especí-
ficas, sendo encenados pelos agentes. Estes agentes, no ato de fala, se desdobram em
um sujeito real, que é aquele quem emite o discurso, e um sujeito de fala, uma imagem
criada por este enunciador no ato do discurso. Da mesma maneira, este enunciador irá
supor quem é o seu interlocutor, e a partir daí fabricar o discurso.
6 Por pensamento mágico Paulo Freire quer apontar para “formas ingênuas de captação da realidade obje-
tiva; estamos em face de formas desarmadas de conhecimento pré-científico” (FREIRE, 1967, 283). Seria, pois
uma ação que, pautada numa opinião rasa sobre a realidade, ignora que a tua ação se insere um mundo e
o afeta, isto é: refletir sobre a própria colocação no pensar: “Impõe-se que, em lugar da simples “doxa” em
tôrno da ação que desenvolvemos, alcancemos o “logos” de nossa ação. Isso é tarefa específica da reflexão
filosófica” (FREIRE, 1967, 371).
Falar de Direito, aqui, é falar de coisas de nosso cotidiano: ter a vida real como foco,
mas a postura de olhá-la, mirá-la é a partir de uma reflexão crítica, que enxergue os nu-
ances do Direito – ao mesmo tempo como discurso que legitima o agir e como técnica
que molda o viver social. Tal postura precisa assumir, assim, que o professor não sabe
“mais” que o aluno: sabe diferente e por isso, pela existência da diferença, que ambos
podem trocar conhecimento, afetando-se mutuamente. Por, isso, a horizontalidade é
pressuposto do real diálogo:
A relação de horizontalidade, que aqui é nada mais que uma igualdade manifesta
no falar e ouvir entre professor e aluno, não significa que esse perdeu sua autoridade:
ao contrário, é autoridade do professor enquanto cuidador do processo pedagógico
que permite que a liberdade em sala de aula exista (FREIRE, 1996). Liberdade que, por
ter o aprendizado como objetivo, se engaja livremente nas tensões que assuntos polê-
micos – especialmente no Direito – exigem, sem esquecer que o conflito faz parte do
processo educativo.
A noção de “tema gerador” proposta por Paulo Freire em sua Pedagogia do Opri-
mido (FREIRE, 1987) pode ser uma modo muito rico de se incorporar a reflexão crítica
nas aulas de Direito. Ao invés de iniciar uma conversa com uma narrativa – que parte do
principio que os alunos precisam ser “apresentados” ao tema – podemos entender que 95
o aluno já foi apresentado ao tema: suas experiências de vida e vivencias, especialmente
em uma democracia, devem ser relevantes ao processo educativo. Incorporar a vida dos
educandos em sala de aula é indispensável para que possam apreender o Direito de
forma crítica.
A proposta do tema gerador, aqui, será feita assim de forma vaga: é proposital.
Queremos uma leitura direta de Paulo Freire, que possa instigar a pensar várias ques-
tões. Por isso, pulamos ao fim.
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Abstract: This paper is an essay on philosophical letter format. Its preparation starts
from the question “Who are the ‘I’ and the ‘other’ of ‘Popular Extension’, ‘Popular Edu-
cation’ and ‘Advocacy’?” In attempt to answer this question, theoretical formulations of
philosophers such as Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos, Joaquín Herrera Flores
and Enrique Dussel are invoked. Based on categories produced by them, as well as the
experience made in the praxis of its author on the three themes that surround the work,
we provide analyses and possible insights into the “Popular Extension”, “Popular Educa-
tion” and “Advocacy”, its role in scientific production and knowledge and, finally, to the
relationship between the university and organized groups and/or Social Movements.
Keywords: subjects of Popular Extension, Popular Education and Legal Popular Consul-
tant; new production modes of knowledge and of university; Popular Extension, Popular
Education and Advocacy
Primeiras palavras...
Existenciar a Extensão Universitária me levou à militância em Direitos Humanos, à Ad-
vocacia Popular e, com os conhecimentos que fui adquirindo ao longo dessas atividades,
especialmente sobre Educação Popular e a Defesa de Direitos aliada à luta por Justiça
Social, para o Mestrado, para o Doutorado e para o Magistério no Curso de Direito.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão 1(Assessoria Jurídica, Educação Jurídica e Educação Popular)
do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquis-
ta, 23 a 27 de agosto de 2016.
100 A carta, por meio de que me comunico filosoficamente, é, por assim dizer, uma
metáfora. Todo o tempo que penso em como falar aqui sobre Educação, especialmente
sobre Educação Popular, Extensão Popular e Assessoria Jurídica Popular desenvol-
vida no meio universitário, que é expressão da segunda e tem como seu principal mé-
todo a primeira, lembro da carta. Talvez, em alguns momentos, tenha me repetido nos
argumentos, todavia, nesse instante, não vejo nada mais complexo para explicitar o que
penso e como considero o fazer educacional do que a carta. Ela pode ser tão reveladora
de uma práxis como a própria práxis da Educação, ao menos, de uma Educação Autênti-
ca, Libertadora. Esta se faz como forma de conhecer, de deixar-se conhecer, com efeito,
104 A radicalidade de Paulo Freire reside em compreender que se faz educando, edu-
canda, educador e educadora sendo. Exercitando a Educação Libertadora. Mas, acima
de tudo, podendo ser todos e todas educadores e educadoras na vida. Constituir-se em
meio às transformações para a transformação. Fazendo-se sujeitos transformadores.
Sujeitos ético-políticos que realizam uma pedagogia da vida na vida para que seja al-
cançada mais vida, mais dignidade, mais direitos, em determinadas condições. Para que
seja alcançada propriamente a vida, a dignidade, os direitos.
Por essas características, o ato pedagógico libertador é um ato político. Está sempre
volvido para a transformação. É um meio para incentivar a leitura do mundo estando plena-
mente inserido nele, observando as relações, os problemas sociais, tentando ler, compreen-
der as circunstâncias, as razões que geram e contribuem para que se reproduzam injustiças,
explorações, opressões. Quero dizer, constatando o mundo, os obstáculos que se erigem,
contudo, sempre buscando construir e garantir a existência com dignidade para si, para
todos os seres humanos e para a natureza, casa destes e de outros seres vivos.
Está presente na Educação Libertadora a dialética do aprender e ensinar a partir da
necessidade real de existir e de poder viver sempre mais e melhor – do ser mais. Pois,
segundo Paulo Freire (1999), os seres humanos se tornam sujeitos de cultura quando,
transformando a realidade para retirar dela e propagar a partir dela a vida, descobrem
que, sem os conhecimentos que vão adquirindo ao modificar ou tentar lidar com a
realidade, não podem continuar sobrevivendo, mas, estão expostos a todas as formas
de catástrofes e as suas próprias fragilidades. Isto é, conhecimento é existência e, para
existir, é preciso transformar as condições objetivas em que cada uma inserida e cada
um está inserido em condições favoráveis à vida. É preciso realizar “trabalho”. Mesmo
quando o conhecimento é aprisionado e, por conseguinte, se transforma em instru-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
mento de poder; quando as ferramentas são concentradas, usurpadas do espaço co-
mum, apesar de serem expressões de conhecimento e de experiências cognitivas que se
vão elaborando ao longo da existência da humanidade, e cada um e cada uma de nós
somos obrigados e obrigadas a nos submeter aos desígnios de quem as detém para
garantir nossa existência, está presente a relação entre conhecimento, transformação e
produção da vida. Em outras palavras, mesmo que não tenhamos que caçar, que pescar;
que já não estejamos expostos e expostas aos mesmos riscos de quando a humanidade
se deu conta de que precisava compreender e propagar a experiência cognitiva; que
vivamos sob outras complexidades capazes de nos impor formas distintas de produção
e manutenção da existência; mesmo que para realizarmos por via direta o trabalho (a
ação sobre mundo para extrair vida, a fonte da existência), tenhamos que adquirir co-
nhecimentos que se materializem em ferramentas transformadas em mercadorias; mes-
mo que, para garantir existência por via transversa, portanto, na medida determinada
por quem tem sob seu poder os meios de produção de vida, tenhamos que submeter
a nossa força vital de transformação à logica da usurpação, estamos falando de conhe-
cimentos que se produzem como experiência humana para permitir a vida em coletivo.
O conhecimento a serviço da realidade e constituído a partir desta.
Por outro lado, há que se pensar sobre o porquê de, na perspectiva da dominação,
o conhecimento transformar-se, de unidade de contrários, enlace complexo e parado-
xal de formas de perceber e significar o mundo, em expressão de poder e do modo
como as elites estabelecem o controle sobre os destinos e as riquezas sociais, culturais
e econômicas, inicialmente, do ocidente e das sociedades ocidentalizadas10 e, depois,
de toda humanidade. Ou seja, é preciso perceber como o conhecimento reduzido a de- 105
clarações de fontes legitimadas pelas classes dominantes é forma de, socialmente, con-
centrar um poder que também se alimenta da centralização da “possibilidade” de dizer
o que é conhecimento, bem assim, da limitação dos sujeitos com “direito” de emitir sua
palavra para decidir os destinos coletivos. Nesse sentido, a Educação como Prática da
Liberdade é meio de problematizar, por assim dizer, igualmente desmitificar e suplantar
o fetichismo que envolve o ato de conhecer, para que aquelas e aqueles que, nos pro-
cessos sociais de produção do poder, foram impedidos de expressar-se, reconheçam
as condições em que se deu o sufocamento de sua palavra, isto é, de sua participação
na tomada de decisões relativas a toda a coletividade, ao tempo em que se constituem
como sujeitos capazes de apresentar, sem medo, seus modos de compreender, de sig-
nificar e de atuar no mundo. “Dizer a palavra” é exercício para os explorados, oprimidos,
exploradas e oprimidas na condição de produtores e produtoras de conhecimento.
Não quero dizer que, na Educação Libertadora, o educando ou a educanda pres-
cinda de outros sujeitos para realizar seu processo educacional, que, sem conexão com
outras experiências, possa transpor o imediatismo de suas compreensões para formular
sempre e cada vez mais complexas formas de pensar ou que suas explicações devam
ser tomadas como verdades intransponíveis. Isso seria o que se convém chamar de
“basismo”, além de, sem problematizar explicações fatalistas e conformistas, transfor-
mar o processo pedagógico em um reforço para a exploração e para a opressão, como
eu disse acima. Ao contrário, o ato pedagógico, como ato político que é, para fazer-se
10 Chamo de sociedades ocidentalizadas aquelas que tiveram, por meio da colonização econômica, cultural,
política, social, que assimilar valores europeus e ter como seu rumo histórico a assimilação cada vez maior
desses valores sem jamais poder ser “Europa”, porque preservam traços e saberes mestiços, ou seja, que se
mesclam e entram em conflito com os modos europeus de constituir e de compreender a realidade.
A Extensão Popular...
Estão no fundamento, portanto, da Extensão baseada na libertação questionamen-
tos sobre quem tem o conhecimento, se há um lugar exclusivo de produção cognitiva
e de desenvolvimento da capacidade cognoscitiva, de modo que, mais além de via
de transmissão vertical de conhecimento técnico para o povo, a quem foi negado o
saber científico moderno indispensável à concentração de capital12; de aprendizagem
simultânea ou em via de mão-dupla, constituída pelo ato de aprender enquanto se
transmitem técnicas e elaborações científicas a comunidades, grupos social, econômi-
ca, cultural e politicamente explorados e oprimidos, esperando que consigam re-editar
107
esses conhecimentos para fazerem-se livres de toda dominação13; mais além de venda
de serviços, da realização de palestras, cursos de pequena duração, pagos ou gratuitos,
capazes de confundir os interesses do povo com os interesses empresariais de acumu-
lação de capital14, a Extensão se disponha a construir conjuntamente o conhecimento.
Neste aspecto, é também equivocado perceber a Extensão como meio para “levar
conhecimento”, “sair dos muros da Universidade”, “retribuir aquilo que a sociedade
emprega para a nossa formação” e “para a Universidade”. Essa concepção é semelhante
a entender que, para a formação superior, é preciso recorrer a um mundo à parte, res-
trito aos escolhidos e às escolhidas, cuja conexão com a coletividade se dá somente do
ponto de vista do financiamento e da formação de profissionais que, embora estejam
alijados dos problemas concretos, deverão descer ao espaço comum para desempe-
nhar suas ações laborais junto à sociedade. Para esta concepção de Universidade, a
Extensão parece ser compreendida como “compensação”, “caridade pública”, atividade
plena de “assistencialismo” realizada em meio a uma formação que deve continuar ver-
tical, elitista e, apesar da ampliação do acesso nos últimos tempos15, seguir socialmente
12 Extensão como forma de levar conhecimento técnico ao povo. Uma via de mão única que pretende de-
mocratizar o conhecimento acadêmico para que o povo pudesse reconhecer e se defender desses meios de
dominação (MELO NETO, 2002).
13 Extensão como via de mão-dupla que permite entender que a Universidade leva conhecimentos, mas
também coleta conhecimentos em comunidades (MELO NETO, 2002).
14 Extensão como prestação de serviços (MELO NETO, 2002).
15 Eu diria que a ampliação de acesso ao Ensino Superior no Brasil ainda não conseguiu superar uma visão
dicotômica segundo a qual a formação deve ser promovida de acordo com a condição de classe. Tendo ocor-
rido de forma mais ampla pela distribuição de bolsas para estudantes de classes subalternas em Instituições
Privadas, que, em geral, possuem baixa qualidade de Ensino, não desenvolvem atividades de Pesquisa e de
Extensão, portanto, não estão preocupadas com a formulação de pensamentos críticos e com o acesso e o
114
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise da grade atual do Curso de
Direito da UNEB Campus XX, Brumado, advinda do Campus de Camaçari, devido a um
projeto de cooperação interdepartamental e, apontar em que medida o atual projeto
está em sintonia com a realidade da região, e como pode contribuir para o ensino jurí-
dico a que almejamos. Inicialmente, será feita uma análise do ensino jurídico no Brasil,
esboçando o contexto histórico no qual fora desenvolvido e em que medida o mesmo
influencia na formação dos profissionais do Direito, bem como apontando os aspectos 115
que desencadearam a sua crise. Ainda, será abordada a importância da grade curricu-
lar na formação do acadêmico de Direito, com recorte para a análise da atual grade
da UNEB Campus XX, de Brumado. Por fim, será suscitada a possibilidade da inserção
de novas disciplinas na matriz curricular atual a fim de trazer a concretude social para
dentro da sala de aula. Para a elaboração dessa pesquisa será utilizada revisão biblio-
gráfica, análise do Projeto de Curso atual e do pré-projeto projeto a ser implementado,
idealizado por alguns professores do Campus, bem como a realização de entrevistas.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino Jurídico. Realidade Social. Grade Curricular. UNEB Campus
XX Brumado. Formação do Profissional do Direito.
ABSTRACT: This study aims to analyze the current grade of the Law Course of UNEB
XX Campus, Brumado, arising from the Campus of Camaçari, due to interdepartmental
cooperation project, and point to what extent the current project is in line with reality
the region, and how it can contribute to legal education that desire. Initially, an analysis
of legal education will be made in Brazil, outlining the historical context in which it was
developed and to what extent it influences the training of legal professionals, as well as
pointing out the aspects that triggered its crisis. Still, the importance of the curriculum in
the training of law academic will be addressed, with cutout for the analysis of the current
grid UNEB XX Campus, Brumado. Finally, the possibility of the inclusion of new subjects
in the current curriculum in order to bring social concreteness into the classroom will
be raised. For the preparation of this research will be used literature review, the current
course of project analysis and pre-design project to be implemented, designed by some
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Assessoria Jurídica Popular, Educação Jurídica e Educação
Popular do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da
Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo enfrentar a problemática relativa a análise da grade
curricular do Curso de Direito da UNEB Campus XX, Brumado, vislumbrando em que
medida o ensino jurídico por ela proporcionado pode atender aos anseios e necessi-
dades da comunidade discente e a sua correlação com a realidade social de Brumado.
Para isto, inicialmente, será feita uma breve análise histórica do ensino jurídico no
Brasil e sua consequente crise, e em que medida sua ideologia tecnicista influencia na
formação dos profissionais até os dias atuais.
Posteriormente será discutido o papel que desempenha a matriz curricular na for-
mação do profissional do Direito, bem como será analisada a grade atual do Campus
XX da UNEB de Brumado, apontando em que medida esta condiz com as necessidades
da nossa região.
Por fim, será debatida a necessidade de adequação do Curso de Direito a realidade
local, por meio da reformulação das disciplinas atuais, bem como da inserção de no-
vas disciplinas. Apontando, ainda, o meio mais rápido e eficiente para que tal ideal se
concretize, revigorando, desse modo, a atividade desempenhada na academia, a fim de
116
lograr êxito na aproximação entre realidade social e comunidade acadêmica, formando
assim, profissionais capacitados para atender as demandas da região.
Fruto dessa cultura meramente reprodutora, a maioria dos métodos de ensino limi-
ta-se à exegese do Direito posto, estático, inviabilizando, assim a crítica e apresentando
aos alunos um sistema pronto e acabado. Desse modo, estes não são orientados a
buscar o porquê de certas determinações legais ministradas. Essa imposição de ideias, e
esse ensino meramente reprodutor acarretam abstrações, que não só levam a um pro-
gressivo distanciamento da realidade, mas também a uma fórmula positivista reducio-
nista. Nesse sentido, Tércio Sampaio Ferraz Jr. (1994, p. 49) enfatiza que falar de Ciência
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
do Direito nos dias atuais é identifica-la apenas como produção técnica, destinada ao
desempenho imediatista das funções profissionais, sem a preocupação em cultivar a
criticidade dos bacharéis, que são conduzidos a um saber jurídico fechado e formalista.
No que tange à sala de aula, percebemos a predominância de um “ensino bancá-
rio”, que consiste no método em que o professor faz do aluno apenas um depósito de
conhecimento, que o recebe passivamente, sem desenvolver, na maioria das vezes, a
concepção crítica que se espera do profissional do Direito. A formação é centrada na
mera reprodução de conhecimento, atividade onde se decora os textos e memoriza
as teorias e códigos, muitas vezes distantes da realidade social do aluno. No entanto,
percebe-se que esse método não é mais capaz, de por si só, formar profissionais críticos
e em sintonia com a realidade social na qual se inserem. Precisa ser desenvolvido no
bacharel, especialmente, a capacidade de atuação na sua comunidade, e isso só será
possível se a grade curricular contar com disciplinas capazes de discutir as demandas e
anseios sociais nas salas de aula das Universidades, a fim de que o mesmo passe a co-
nhecer o meio em que está inserido e no qual poderá vir a desenvolver a sua profissão.
Outro ponto de extrema importância é a questão da qualificação dos professores,
que em sua maioria não estão capacitados para transmitir o conteúdo de uma forma
crítica e didática, pois no contexto de algumas Universidades, não se exige que esses
docentes tenham conhecimento prático pedagógico para atuarem em sala de aula e
poderem transmitir o conteúdo com didática acessível aos alunos, o que se estabelece é
apenas a exigência da graduação em Direito. Nota-se que, a grande maioria não se de-
118 dica ao magistério como deveriam, preterindo-o em função de suas carreiras jurídicas,
advogados, juízes, promotores, procuradores, entre outros. Desta forma, o operador do
Direito fica afastado das reais necessidades da sociedade, pois o Direito que se ensina,
na maioria das vezes, é reflexo da cultura legalista, não abarcando assim, a complexida-
de e pluralidade que a sociedade atual exige.
Nesse diapasão, Paulo Freire salienta (1996, p. 32- 33), educar é substantivamente
formar. O ensino jurídico é um processo educacional e, como tal, deve se pautar pela
ética social, o que está em jogo é a formação intelectual dos envolvidos bem como as
contribuições destes para a sociedade na qual se inserem.
Para um ensino jurídico que seja verdadeiramente um instrumento de transforma-
ção social é necessário definir-se um novo tipo de ciência jurídica que reflita a realidade
social, em consonância com a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
A partir disso, este deixará de ser uma simples transmissão e reprodução de conhe-
cimentos para se tornar uma atividade compromissada, com a formação crítica dos
universitários.
[...] reexaminar o Direito, não como ordem estagnada, mas como a posi-
tivação em luta, dos princípios libertadores, na totalidade social em mo-
vimento. O Direito, então, há de ser visto como processo histórico. [...] 119
Direito é processo dentro do processo histórico: não é uma coisa feita,
perfeita e acabada; é aquele vir-a-ser que se enriquece nos movimentos
de libertação das classes e grupos ascendentes e que definha nas explora-
ções e opressões que o contradizem, mas de cujas próprias contradições
brotarão as próprias conquistas. (LYRA FILHO, 1982, p. 86)
Assim, o ensino teórico e tecnicista não se mostra capaz, de por si só, formar pro-
fissionais capacitados, críticos e atuantes em seu meio social. Bittar (p.2) pondera que
o ensino puramente teórico ou puramente prático acarreta distorções na formação do
profissional do Direito, comprometendo a sua interação com a realidade social na qual
se insere.
Destacada a importância do Projeto Pedagógico na formação dos profissionais do
Direito, passa-se, agora, a analisar a atual Grade Curricular do Curso de Direito da UNEB
Campus XX, apontando em que medida a mesma está em sintonia com a região de
Brumado, de forma a possibilitar a formação de profissionais capacitados para atender
as demandas e particularidades da mesma.
A educação que prepara para a emancipação deve ser sobretudo uma educa-
ção que não simplesmente formula, ao nível abstrato, problemas, mas aquela
Assim, torna-se essencial que a nossa grade atual passe por algumas modificações,
a fim de que possam ser inseridas disciplinas capazes de trazer as demandas da popu-
lação para mais perto da Universidade, para que tenhamos um curso que se construa
a partir da realidade que o cerca. Caso contrário dar-se-á formação de juristas neu-
tros, conforme salienta Grinover (p.7-8): “Um curso meramente técnico forma juristas
neutros, transformando-os em instrumentos dóceis do Poder, e não nos ‘engenheiros
sociais’ de uma sociedade justa e livre”.
Segundo Aguiar (2004, p. 187), as instituições, sobretudo as de natureza pública,
precisam abrir-se para a comunidade, para trazer a concretude da vida social para dia-
logar com as práticas profissionais. A Universidade precisa expandir-se para além dos
seus muros, o conhecimento não está apenas nos códigos, mas, sobretudo na interação
social, ou, conforme a concepção de José Geraldo Souza Júnior (2008, p. 166) no “Direi-
to Achado na Rua”, que é comumente preterido pela monocultura do saber científico.
Diante disso, percebe-se que alguns objetivos inerentes à Universidade, quais se-
jam a transmissão e construção do conhecimento, a formação de profissionais aptos a
contribuir para a transformação da realidade social e a investigação científica, restam
comprometidos. A universidade não cumpre a missão dentro da sociedade, destinada a
alcançar o bem comum. Sua função social é estar a serviço da comunidade.
121
6 CONCLUSÃO
Diante do exposto, infere-se que o ensino jurídico, tal como vem se processando,
assume um caráter eminentemente legalista, baseado na simples apresentação siste-
mática das doutrinas, sem que sejam perquiridos os seus verdadeiros valores, impe- 125
rando assim a ausência de reflexão crítica e contextualização social. O ensino teórico e
tecnicista não se mostra capaz, de por si só, formar profissionais capacitados, críticos e
atuantes em seu meio social.
Pela observação dos aspectos analisados, entendemos que a grade curricular é o
mecanismo que reflete na formação do profissional do Direito. É por meio da conso-
nância da matriz com a realidade social que conseguiremos um ensino jurídico que seja
verdadeiramente um instrumento de transformação social. Assim, conforme aferimos, a
matriz atual do curso de Direito da UNEB Campus XX, de Brumado, por ser advinda de
Camaçari, cidade com contexto social diverso, encontra-se em dissonância parcial com
a realidade da nossa região, de forma que faz-se necessário mecanismos de aproxima-
ção entre comunidade acadêmica e a população.
Em virtude do que fora mencionado no decorrer do trabalho, faz-se necessária a
proposta de um “novo Curso”, que exige a reestruturação das disciplinas atuais assim
como a inserção de disciplinas novas, a fim de atender a eficiência curricular. No entan-
to, deve existir um período de transição para que os alunos que atualmente estão ma-
triculados e que seguem a matriz de Camaçari possam se adaptar e beneficiar com tais
mudanças. Sendo que o meio mais viável e que abarcará as turmas que já se encontram
no Curso de Direito da UNEB Campus XX, é por meio de cursos de extensão.
Sendo assim, conclui-se que ampliar e atualizar a matriz curricular atual colocará o
curso de Direito da UNEB em rota de evidência, seja como referência regional ou exce-
lência curricular, na formação de profissionais atuantes na nossa região.
Abstract: This text is a description of three fundamentals of vocational legal training or 127
not required , by two students of Class Elizabeth Teixeira in a popular law firm. They are:
a) the legal framework of the legal stage of Class Elizabeth Teixeira ; b ) the training field
and c ) the very formation of the group and its profile.
It is noticed that there are a number of virtues and challenges from these three funda-
mentals and with the perspective of the educational act , the experience is quite timely
for deduction to discuss the training of students of special classes of law.
Keywords: Stage; Legal Education; Special class.
1. Introdução
A experiência do estágio jurídico para turmas de Direito vinculadas ao PRONERA,
a que chamamos de turmas especiais, requer sistematização e reflexão, uma vez que,
conforme se percebe, o estágio é ponto crítico na formação do jurista contemporâneo.
A prática jurídica nos demais cursos com orientação pedagógica comum também é um
grande desafio e gargalo para a formação do profissional do Direito no Brasil. Assim,
nas turmas especiais, percebemos uma série de especificidades que surgem ao longo
da formação e que, devem ser atendidas à luz de princípios orientadores do estágio e
da advocacia.
No que tange às turmas especiais de Direito, é preciso compreender que, os tem-
pos de formação (escola - TE e comunidade - TC), pautados pela perspectiva de envol-
ver, através da interdisciplinaridade, do diálogo e da práxis, a realidade do educando,
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão 1. Assessoria Jurídica Popular, Educação Jurídica e Educação
Popular do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da
Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
14 Núcleo de Base (NB). Forma de organização construída pelos movimentos sociais que trabalham de me-
lhor forma aspectos politico-pedagógicos e do trabalho. Na turma Elizabeth Teixeira há 6 NB’s que funciona
também para a realização de trabalhos disciplinares em grupo.
A partir desta definição temos algumas características relevantes que abaixo serão
mais exploradas como: ambiente de trabalho e preparação para o trabalho produtivo.
Não cabe à lei se ater a definições, uma vez que, a relação mundo da vida e sistema
normativo é dialógica, ou seja, a vida se amolda à lei que também se amolda à vida.
As definições legais podem ser um caminho sem volta e, por isso, caso a caso
se constrói, pela prática, uma interpretação legislativa e assim se fazem as definições
“abertas”. O que há de certo é que, estágio é um ATO EDUCATIVO, e esse deve ser o
principal objetivo do mesmo. Deve ser, portanto, princípio que rege a aplicação das
normas sobre estágio no Brasil e referência para eventuais anomias ou antinomias. O
fato de a turma ser especial requer que haja um tratamento especial, sem descurar do
princípio do ATO EDUCATIVO.
O ato educativo é participação reflexiva no campo de estágio das práticas profis- 131
sionais. E isto significa compreender a prática do Direito e também os espaços e os
tempos em que esta se dá. Para nós, o ato educativo é o princípio que informa e auxilia
na interpretação das antinomias e anomias relacionadas ao estágio jurídico.
A lei ainda prevê que o estágio faz parte do PPC, além de integrar o itinerário
formativo do educando com o aprendizado de competências próprias da atividade
profissional, e também à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento
do educando para a vida cidadã e para o trabalho. Também define o que é estágio
obrigatório, como sendo, em síntese, o previsto no PPC, e o não obrigatório.
Importante observar que as atividades de extensão, monitoria e de iniciação cien-
tífica podem ser equiparadas ao estágio caso haja previsão no PPC. O estágio não cria
vínculo empregatício de qualquer natureza, salvo quando as regras são burladas, vigen-
do desta forma a realidade sobre a lei.
Por isso, é fundamental estar bastante atento às regras e em constante harmonia,
seja no planejamento, no acompanhamento/fiscalização e na avaliação do estágio seja
ele obrigatório ou não obrigatório.
Um ponto previsto na lei, e que pode gerar polêmica, é o limite de estagiários na
instituição concedente, que está previsto em seu artigo 17. Tal previsão visa garantir o
pleno emprego e a dignidade dos trabalhadores, evitando assim, a burla à legislação
laboral brasileira, consistente na troca deliberada de empregados por estagiários, pre-
carizando assim o trabalho.
Entendemos que, pela especificidade do campo de trabalho em Direito, é preciso
Prevê também, assim como a lei geral de estágio e o estatuto da OAB, a viabilização
do estágio não obrigatório por meio de convênio e encaminhamento para a coordena-
ção de estágio da Instituição de Ensino Superior (IES).
A Resolução CONSEPE16 083/2013, que regulamenta o estágio em âmbito da UEFS,
reforça o princípio de que o estágio é um ATO EDUCATIVO e traz também de relevante:
1) a distinção entre estágio obrigatório e não obrigatório; 2) objetivos para o estágio;
3) a obrigatoriedade de convênio, salvo quando mediado por Agente de Integração,
com convênio com a UEFS; 4) confirma os direitos do estagiário previstos na Lei Geral
133
de Estágio; 5) a apresentação de relatório semestral de estágio, por parte do estagiário
e validado por professor Orientador; 6) a estrutura administrativa do Estágio na insti-
tuição; 7) a participação do colegiado no planejamento do estágio para cada curso; 8)
competências e atribuições de cada sujeito envolvido no estágio (professor orientador,
supervisor e estagiário); 9) os documentos necessários; 10) critérios e instrumentos de
acompanhamento e avaliação do estágio e 11) regras para a instituição concedente;
Por fim, o projeto da turma especial de Feira de Santana prevê em seu item 8.4 o
estágio supervisionado, regulamentado pelo Colegiado de Direito para o curso regular
e desenvolvido dentro do período previsto como Tempo Escola (TE). Não há, portanto,
nenhuma referência ao estágio não obrigatório ou profissionalizante. O que podemos
abordar dentro do projeto e que pode servir de referência para o estágio profissionali-
zante é a perspectiva do Tempo Comunidade (TC). Nesse sentido, o projeto assim prevê:
17 O movimento “sou agro” se apresenta como ponto de lança do agronegócio. Numa junção entre o capital
e o campo, onde usos e tradições com a terra são eliminados em detrimento da monocultura de procução e
também da mente. http://souagro.com.br/
18 Este acampamento possui 2000 famílias acampadas e a principal ocupação foi no latifúndio denominado
Fazenda Santa Mônica, do senador da república Eunício Oliveira pelo Estado do Ceará.
5. Considerações finais
Primeiramente, percebemos que a especificidade da experiência de turmas de di-
reito, a partir da metodologia da alternância, exige um tratamento especial pautado no
ATO EDUCATIVO. Por isso, é importante observar que, é possível harmonizar a experi-
ência com a regulamentação sobre estágio, favorecendo assim, a participação do am-
biente de trabalho e a preparação para o trabalho produtivo. Isso, como visto, já ocorre
com os cursos de direito, uma vez que, tem-se um número de estagiários maior que o
número de profissionais, a saber, maior que o permitido pela lei.
Nesse sentido, é possível afirmar que, os educandos das turmas especiais de direi-
to, por procederem de vários estados, podem realizar estágio em outras localizações,
19 Esta escola foi pulverizada enquanto no período de aula. O fato ocorreu no dia 03 de maio de 2013 e
pouco tem acontecido no âmbito judicial.
20 Tribunal de Justiça do estado de Goiás.
21 Secretaria de Direitos Humanos.
22 Ministério do Desenvolvimento Agrário.
23 Conselho Nacional de Justiça.
24 Aqui o educando já se familiarizou uma vez que, a disciplina anterior, Direito Civil, e também o trabalho
de tempo escola, referiam-se ao conteúdo de contratos.
Referências
I. Livro (língua original)
FON, A.; SIQUEIRA, J. D. C.; STROZAKE, J. O direito do campo no campo do direito: universidade de elite versus
universidade de massa. São Paulo: Outras Expressões, 2012.
JUNIOR, Abrão P.; TORELLY, Marcelo D. (org.). Assessoria jurídica popular: leituras fundamentais e novos deba-
tes. Porto Alegre: Edipucrs, 2009.
KARLINSKI, E.; STROZAKE, J. A universidade e o Direito para camponeses: a experiência do curso de Direito na
UFG. In: SANTOS, C. A. D.; MOLINA, M.; JESUS, S. Memória e história do PRONERA: contribuições do Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária para Educação do Campo no Brasil. Brasília: Ministério do Desen-
137
volvimento Agrário, 2010.
Vinícius Luduvice
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo central evidenciar o conceito de clás-
sico como imprescindível para à construção da Base Nacional Comum Curricular. To-
davia perpassaremos pela conjuntura da política educacional brasileira que no ultimo
período tem se identificado mais do que nunca com os interesses nefastos da respon-
sabilização, meritocracia e da privatização. Abordaremos conceitualmente o que signi-
fica Base Nacional Comum Curricular para além do que diz o Ministério da Educação,
denunciando as possíveis implicações para a educação escolar brasileira. Entendendo
e agindo sobre uma conjuntura política desfavorável, para que possamos ir comple-
tamente de encontro à proposta de uma base nacional comum é que defendemos a
necessidade de explorarmos as contradições subjacentes a problemática, apontando os
fundamentos da Pedagogia Histórico-Crítica e conceito de clássico como indispensável
para o trabalho educativo, pois provavelmente só assim a classe trabalhadora brasileira
se apropriará dos conhecimentos que possam elevar seu nível de compreensão e inter-
venção na sociedade com o intuito de transformá-la.
Palavras-chave: BNCC; educação escolar; Pedagogia Histórico-Crítica.
138
Curricular Common National Base and the School Education: scenes
of a (un) happy relation
Abstract: The present word have aimed to evidence the concept of the classic how
indispensable for the construct of the Curricular Commom National Base. However,
we pass via conjuncture of the policy educational Brazilian, whech at the last period
has been identified more than never with the nefarious interests of the accountability,
meritocracy and of the privatization. We approach, conceptually of the what does mean
Curricular Common National Base beyond of the Ministry of Education say, denouncing
the possible implications for Brazilian school education. Understanding and acting on a
political conjucture unfavorable, so we can go completely of meeting with proposal of
national common base, so we stand the need to explore the contradictions underlying
of problematic, pointing out the fundamentals of pedagogy historical-critical and of
the classical concept as indispensable for educational work, because probably just so
the working class has appropriated of the knowledges that can raise her level of under-
standing and intervention in society in order to transform her.
Key words: BNCC: School education, Pedagogy Historical-critical
1 Vide http://grevenasfederais.andes.org.br/2015/07/31/governo-anuncia-novo-corte-na-educacao-federal
-e-libera-mais-r-5-bi-para-o-fies/; http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1632333-prioridade-de-
dilma-educacao-deve-responder-por-13-do-corte-de-r-70-bi.shtml; http://noticias.uol.com.br/ultimas-noti-
cias/agencia-estado/2016/01/02/educacao-perde-r-105-bi-em-2015.htm; http://www.bbc.com/portuguese/
noticias/2015/01/150108_corte_contas_ms_lgb
Todavia essas relações contextualizadas anteriormente, ainda não nos revelam to-
das as semelhanças e intencionalidades que existem por trás da formulação de uma
BNCC para educação escolar brasileira e a escalada do capitalismo sobre a privatização
da educação pública brasileira.
Por isso buscamos o documento oficial disponibilizado no site da BNCC2 que já
em sua apresentação trás como serão os rumos mais importantes condicionados pela
BNCC
[...] primeiro, a formação tanto inicial quando continuada dos nossos pro-
fessores mudará de figura; segundo, o material didático deverá passar por
mudanças significativas, tanto pela incorporação de elementos audiovisu-
ais (e também apenas áudio, ou apenas visuais) quanto pela presença dos
conteúdos específicos que suas redes autônomas de educação agregarão.
(BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR, S/D, p. 01).
141
No mesmo documento, mas onde trata dos “Princípios orientadores da Base Na-
cional Comum Curricular” percebemos ao analisar, que existe uma visível discrepância
entre os rumos e o objetivo da BNCC.
O grande problema, aqui, não é ter ou não ter uma base nacional, como
se quer fazer parecer, mas é a própria concepção de base nacional que
se está usando e seu isolamento da discussão da opção por uma política
educacional nacional que deveria assegurar seu cumprimento. O processo
está invertido. (FREITAS, 2015a, p. 01).
2 http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/biblioteca
3 Grifos do original.
Se não rompermos com esta postura de senso comum que tem se tornado a po-
lítica educacional brasileira, encabeçada pelo MEC/Governo Federal e pelas Secreta-
rias Estaduais e Municipais de Educação, continuaremos enfrentando sérios problemas
educacionais, pois as incompetências técnicas e políticas caminham juntas ao entre-
guismo privatista – com poucas exceções – na educação publica brasileira. Essa postura
carrega diferenças abissais com relação aos profissionais da educação que atuam nas
escolas e universidades públicas, entidades nacionais de estudos e pesquisa em educa-
ção, entidades acadêmico-científicas da sociedade civil e nas entidades representativas
da classe.
Segundo Freitas (2014), a política educacional mundial tem uma nova matriz de
controle nos dias atuais sob a guarda da Organização para Cooperação e Desenvolvi-
mento Econômico (OCDE), que assumiu essa condição “substituindo” estruturas como
Banco Mundial (BM), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD),
sendo a OCDE responsável por fazer a avaliação da educação mundialmente nas disci-
plinas de matemática, ciências e leitura a partir do exame denominado “Programme for
International Student Assessment” (PISA).
143
Para explicitar todas as possibilidades de ação e controle quando se impõem mu-
danças no sistema educacional a partir de reformadores empresariais precisaremos uti-
lizar uma citação bastante extensa, mas extremamente elucidativa:
Sua ação de controle passa por várias formulações que podem ser uti-
lizadas em conjunto ou separadamente: conscientes da importância do
professor o foco de controle dos reformadores empresariais é o pro-
fessor. Centram sua ação na pessoa do professor propondo que deixem
de ter estabilidade no emprego, tenham salário variável cujo compo-
nente está ligado aos resultados dos testes dos alunos; procuram esta-
belecer processos de avaliação personalizados dos professores e, com
isso, controlar as ênfases de formação que desejam, além de controlar
igualmente as agências formadoras; querem controlar a formação do
professor difundindo que ela é muito teórica e precisa ser mais práti-
ca colocando a formação numa perspectiva pragmatista; apostilam as
redes de forma a controlar o conteúdo que é passado para os estudan-
tes, bem como a sua forma; enfatizam a formação do gestor de forma
a torná-lo um controlador dos profissionais da educação no interior
da escola responsabilizando-o pelos resultados esperados nos testes;
favorecem processos de privatização de forma a abrir mercado e a co-
locar a educação diretamente sob controle do empresariado que atua
no mercado educacional (gestão por concessão e vouchers); provocam
o sentimento de que a educação está em crise e que o direito à apren-
dizagem está em jogo como forma de sensibilizar a população, atra-
144 Percebe-se com o pouco que foi exposto que existe uma coalizão dentro do sis-
tema político brasileiro que envolve políticos, empresários, mídia, institutos, empresas
educacionais4, pesquisadores e fundações privadas que gerenciam todo o processo de
implementação da BNCC.
Segundo Saviani (2008b) e Freitas (2012) podemos chamar este processo de neo-
tecnicismo, pois se sustenta nos pressupostos “psicologia behaviorista, fortalecida pela
econometria, ciências da informação e de sistemas, elevadas a condição de pilares da
educação contemporânea”. (FREITAS, 1992-1995 apud FREITAS, 2012, p. 383).
Em suma motivos não nos faltam para irmos contra a implementação da BNCC,
no entanto precisamos analisar as condições objetivas de barrar uma proposta que se
configura como tantas outras implementadas por esse governo de conciliação de classe
que se sustenta por uma Frente Neodesenvolvimentista que desconsidera habitual-
mente – principalmente de 2014 até aqui - os interesses da classe trabalhadora em prol
dos interesses da burguesia interna, Boito e Berringer (2013).
Deste modo, entendendo e tentando agir sobre uma conjuntura política desfavo-
rável - principalmente no que diz respeito à organização dos trabalhadores e trabalha-
doras da educação - para que possamos impedir a promulgação da BNCC, é que de-
fendemos a necessidade de explorarmos as contradições subjacentes à problemática,
apontando os fundamentos da Pedagogia Histórico-Crítica e conceito de clássico como
indispensáveis para embasarmos a proposta da BNCC.
4http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/03/1750673-ex-diretor-de-grupo-privado-assu-
me-inep-responsavel-pelo-enem.shtml
É por estas assertivas que afirmamos que a escola é imprescindível para o processo
de torna-se humano dos seres humanos. Decorre assim nosso segundo questionamento:
o que é a escola e do que a mesma deve tratar para que o processo de humanização
possa se materializar?
Malanchen, Muller e Santos (2012), afirmam que no Brasil os atuais debates na área
do currículo estão quase que totalmente centrados na perspectiva do pensamento pós-
moderno com ênfase em uma de suas variantes, o multiculturalismo.
O pensamento pós-moderno segundo Derisso (2010), efetivamente só representa
uma decadência da ideologia que no campo educacional tem comprometido a função
social da educação escolar.
E todo esse ideário que acabar o pensamento pós-moderno tem o intuito de esva-
ziamento da educação escolar, um casuísmo que nega a possibilidade de conhecer a
realidade pulverizando o conceito de cultura.
Esses são os riscos encontrados para a formulação da BNCC, pois se não definimos
critérios para implementação da BNCC estaremos a mercê de todo tipo de tergiversa-
ções como, por exemplo, a “galinha pintadinha” na educação infantil, a “educação no
transito” no ensino fundamental, as “gincanas” no ensino médio, como se a educação
escolar fosse o espaço para reprodução do senso comum, reprodução da obviedade
alienada do cotidiano.
Sendo assim entendemos que o conceito de clássico é imprescindível, pois o co-
147
nhecimento clássico é aquele que resistiu ao tempo. E se tratando de educação escolar
clássico é a transmissão/assimilação do saber sistematizado, se torna “[...] um clássico
para a humanidade se for um produto da prática social cujo valor ultrapassa as singu-
laridades das circunstâncias de sua origem.” (DUARTE, 2015, p.16).
[...] os clássicos não são lidos por dever ou por respeito mas só por amor.
Exceto na escola: a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um
certo número de clássicos dentre os quais (ou em relação aos quais) você
poderá depois reconhecer os ‘seus clássicos’. A escola é obrigada a dar-lhe
instrumentos para efetuar essa opção [...] (CALVINO, 2007, p. 12, 13).
Estes conhecimentos nos interessam, uma vez que todas as coisas não são garan-
tidas aos seres humanos pela natureza, devem ser produzidos historicamente pelos
próprios seres humanos inclusive os próprios seres humanos, pois o gênero humano
não é uma herança que vem no código genético, mas o gênero é produzido no pro-
cesso ininterrupto de “vir a ser” por meio da objetivação e apropriação, Duarte (1999);
Saviani (2008c).
Sobre essa questão Lenin ainda em 1920 vivendo a primeira experiência de transi-
ção ao socialismo foi categórico ao dizer que precisamos sim fazer críticas ao formato
da escola capitalista,
Mas, concluir que a partir disso, que é possível ser comunista sem ter assi-
milado os conhecimentos acumulados pela humanidade, seria cometer um
erro grosseiro. Estaríamos equivocados se pensássemos que basta saber as
palavras de ordem comunistas, as conclusões da ciência comunista, sem ter
assimilado a soma de conhecimentos dos quais o comunismo é consequên-
cia. O marxismo é um exemplo de como o comunismo resultou da soma de
conhecimentos adquiridos pela humanidade. (LENIN, 2015, p. 17).
Por isso, entendemos que o Projeto Popular para Educação é a defesa de que a
escola pública brasileira esteja organizada para transmitir os conhecimentos mais avan-
çados produzidos e acumulados pela humanidade, sem, no entanto desconsiderar sua
capacidade criativa, lutando para construir uma força social que garanta ao povo bra-
148 sileiro um ensino de boa qualidade nas condições históricas atuais. Uma vez que o
domínio da cultura – rudimentos da ciência - é imprescindível para a participação po-
pular, ou melhor, para o exercício do poder, pois o povo brasileiro efetivamente só terá
dignidade e se libertará da exploração e da opressão cotidiana quanto mais dominar
aquilo que seus exploradores e opressores dominam.
Referencial bibliográfico:
ANPAE. Análise preliminar do documento: pátria educadora: a qualificação do ensino básico como obra de
construção nacional. Disponível em< http://www.anpae.org.br/website/noticias/270-analise-preliminar-do-
documento-patria-educadora> acesso em: 22 de Novembro de 2015.
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR. Disponível em< http://basenacionalcomum.mec.gov.br/> acesso
em: 16 de Janeiro 2016.
BOITO JÚNIOR, Armando; BERRINGER, Tatiana. Brasil: Classes sociais, neodesenvolvimentismo e política ex-
terna nos governos lula e Dilma. REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 47: 31-38 SET. 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Congresso. Brasília, DF, 1988.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Congresso. Brasília, DF, 1996.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. – 1° ed. – São Paulo : Companhia das Letras, 2007.
CNTE. Considerações da CNTE sobre o projeto de base nacional comum curricular, elaborado prelimi-
narmente pelo MEC. Disponível em< http://www.cnte.org.br/images/stories/2015/BNCC_analise_CNTE.pdf>
acesso em: 22 de Dezembro 2015.
DERISSO. José Luis Construtivismo, pós-modernidade e decadência ideológica. In MARTINS, LM., and
DUARTE, N., orgs. Formação de professores: limites contemporâneos e alternativas necessárias [online]. São
Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. 191 p. ISBN 978-85-7983-103-4. Available from
Abstract: The present research seeks to synthesise the experiences of the project of
AJUP from MAJUP Isabel da Silva which occured in 2015. A participation action research,
in the periphery of Curitiba, was developed by the students as a part of the activities
made in the project of juridical advice in the comunity. First we look to approach essen-
cial aspects of the participation action research, it’s begining in America Latina and how
it was developed by the extensionists of AJUP to be applied in the activity related. The
subjective data obtained with the research are the most important part in the target of
the activity, being it’s propagation and reflection one of the main goals of the present
article. With this, aspects related to the construction and configuration of the city are
analysed, especially in Curitiba, approaching to themes like exclusion and precarization
of the periphery communities, contextualized from the problems we collected from the
residents. Relates the right to the city and the public policies urbanistics conected to
the situation that the group observed during the research, as well to list the objective
and quantitative data obtained. In the end, it is as well an analysis of the work made by
MAJUP, as an essencial reflection of the praxis developed.
Keywords: participation action research; habitation; urban occupancy; AJUP
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
1. Introdução
As ocupações sociais das vilas Esperança e Nova Conquista, local onde foi reali-
zada a experiência que aqui será relatada, acompanham o grande ciclo migratório do
campo para a cidade que ocorreu no final da década de 80, no Paraná, tendo o bairro
CIC (Cidade Industrial de Curitiba) sido um dos que mais recebeu esse conjunto de mi-
grantes. Localizado no limiar sul da capital, surgiu com a crescente industrialização e a
consequente demanda por força de trabalho, que acabou sendo forçada a se alojar nos
extremos da cidade, uma vez que o plano habitacional da cidade nunca esteve capaci-
tado para o contingente de pessoas que viria a receber.
Este processo implicou na criação de “cidades imaginárias” dentro do núcleo ur-
bano padrão de Curitiba, com dinâmicas próprias e problemas que a vida à margem
da cidade acarreta. Estas “cidades imaginárias” constroem-se e crescem como bairros
próprios. O poder público centrado na Companhia de Habitação de Curitiba (COHAB
-CT), não as observa, o que resulta em diversos serviços públicos debilitados tal como
a segurança, saúde, locomoção e o direito à moradia. No caso específico das vilas aqui
estudadas, a problemática relativa a relação entre os moradores e o poder público
tornou-se ainda mais complexa devido as ações incoerentes e ilícitas perpetradas pela
Companhia de Habitação.
Originalmente, a ocupação se iniciou em um terreno que interessava a Prefeitura
Municipal, que visava a construção do hoje batizado Terminal do Campo Comprido.
Por isso, as 192 famílias lá alojadas foram movidas para a expansão territorial atual, que
151
pertence à uma empresa de economia mista denominada CIC S/A.
Posteriormente, através do programa Lote Legal entre 1994 e 2000, firmaram-se
contratos com os moradores de áreas de ocupação denominados de Termos de Con-
cessão do Uso do Solo (TUCS), cujas parcelas foram pagas por mais de 37 mil famí-
lias em toda a cidade. No Sabará, quando alguns moradores terminaram de quitar
suas prestações descobriram que as escrituras prometidas nunca existiram, visto que
a COHAB comercializou áreas sem loteamento registrado, que em sua maioria não lhe
pertenciam e cujo proprietário de fato era desconhecido.
Como resultado da Ação Civil Pública n° 38.910/02 proposta pelo Ministério Público
do Paran, o Supremo Tribunal de Justiça determinou a suspensão do pagamento das
parcelas e a nulidade dos contratos. O mais flagrante, porém, é que a ação não implicou
na regularização fundiária nem na devolução das parcelas anteriormente pagas. (SILVA,
2014).
É nesse contexto que nasce a importância da Associação de Moradores que através
da luta popular busca a usucapião coletivo para ambas as vilas, e dentro desse para-
digma que o projeto de extensão Movimento de Assessoria Jurídica Popular Isabel da
Silva (MAJUP Isabel da Silva) em conjunto com outros atores vem atuando nas vilas
Esperança e Nova Conquista desde o início de 2013, realizando atividades que giram
desde a pesquisa participante, oficinas a acompanhamento das reuniões da associação.
Nesse artigo falaremos da pesquisa participante realizada no ano de 2015 e dos
seus resultados subjetivos e objetivos para o movimento popular configurado na asso-
ciação de moradores.
3. Pesquisa Participante
A atuação central do MAJUP Isabel da Silva no ano de 2015 se deu na realização de
uma pesquisa participante. A pesquisa ação/ militante/ participante consiste na produ-
ção de conhecimentos em conjunto com as comunidades e os movimentos sociais, a
partir de uma perspectiva dialógica.
Procura envolver os espaços acadêmicos como a pesquisa e a extensão, mas voltan-
do- se para uma ação que vise a transformação social, buscando romper os muros da
universidade. Não consiste em sair do âmbito acadêmico a fim de levar o conhecimento
para o campo popular. Corresponde à própria construção desses saberes no local, com
a criação de uma nova forma de se pesquisar e dar retorno para a sociedade.
Nesse sentido, é importante ter em vista o impacto social e político que os traba-
lhos realizados podem exercer, bem como os impactos que esse tipo de inserção pode
realizar dentro das comunidades. É essencial que a pesquisa esteja amparada entre a
teoria e a prática, somente a partir da dialética entre ação e reflexão é que se pode
realizar uma intervenção na realidade de forma qualitativa, bem como se pode realizar
uma pesquisa com relevância social. A práxis surge como a forma de se validar esse
trabalho edificado.
A pesquisa participante surge como um contraponto à ciência moderna, que pos-
suía suas bases fixadas na distinção entre sujeito e objeto, e valorizava a figura do pes-
quisador neutro a fim de criar uma ciência imparcial. Com o tempo esse modelo vai se
4. Dados Obtidos
A sistematização de dados, de uma maneira geral, encontra-se na posição de dar
o primeiro passo transitivo entre a abstração do processo de pesquisa e a objetivação
desta em algo palpável. Esta condição intermediária vai mais além, sendo a sistematiza-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
ção um híbrido entre o relato descritivo de uma experiência e a reflexão teórica acerca
dela. Ou seja, é um primeiro nível de conceituação, que pretende acrescentar à pesquisa
e mesmo a própria teoria que a fundamentou. (HOLLIDAY, p. 45)
Neste caso, a sistematização dos dados obtidos durante o processo de pesquisa
passou por duas fases, que detinham intuitos e níveis de profundidade distintos. Como
já mencionado, imediatamente ao fim da pesquisa, o nosso objetivo consistia no auxílio
direto na eleição para a nova gestão da Associação de Moradores da Vila Esperança e
Nova Conquista, atuando de maneira pontual e isolada. Para isto, bastou a organização
de uma relação de nomes por núcleo familiar – uma vez que a organização do espaço
da associação permite apenas um voto por família -, o suficiente para uma tentativa
coerente de evitar fraudes e solidificar a legitimidade do processo eleitoral.
A segunda fase da sistematização adquiriu caráter mais complexo e teórico, uma
vez que o propósito foi de tornar tangível o conhecimento adquirido durante a pes-
quisa, registrando-o de forma produtiva. Compreendemos como critério fundamental
que este registro representasse um método de apresentar uma resposta à comunidade
sobre o trabalho desenvolvido, didática e objetivamente, proporcionando retroalimen-
tação, característica essencial da pesquisa participante, tal que:
A construção da infraestrutura das vilas deve-se quase que integralmente aos mo-
radores, sendo as poucas lombadas e calçadas que existem foram investimentos reali-
zados pelos próprios moradores. Patente que, sem condições, a execução destas estru-
turas é frágil, exigindo reparos e manutenção constante, sendo a aplicação de apenas
162 antipó nas ruas um exemplo claro disto.
5. Conclusão
“Quando morar é um privilégio, ocupar torna-se um Direito”
É massivo ao senso comum condenar (sem conhecer) as ocupações irregulares e
criar espectros que despedaçam qualquer pensamento ponderado sobre a questão,
porém o que seria verdadeiramente amoral? Um conglomerado de apartamentos
fantasmas no entorno nobre da cidade, ou a ocupação feita de trabalhadores que
sonham com a ideia da segurança que só o papel da posse da terra pode dar, portanto
“quando morar é um privilégio, ocupar torna-se o Direito”, no sentido estrito do termo,
ocupar torna-se o Direito.
O grupo político mais combativo venceu a eleição da associação e por hora per-
manece viva a ideia da posse coletiva da terra. As lideranças sabem que o caminho é
estreito, mas eles seguem caminhando e é nesse caminhar que o MAJUP aprende, pois
eles estão lá há mais de 30 anos de resistência, e seguem firmes lutando por um dos
mais básicos direitos, que é a moradia.
164 6. Referências
BORDA, Orlando Fals. El problema de cómo investigar larealidad para transformarla.Federación para elAnálisis
de larealidad Colombiana (FUNDABCO). Bogotá, Colombia. 1978.
BRINGEL, Breno; VARELLA, Renata Versiani Scott. “Pesquisa Militante e Produção de Conhecimentos: o enqua-
dramento de uma perspectiva”. In:Seminário Diálogos Universidade e Movimentos Sociais na América Latina:
pesquisa militante, construção de conhecimentos e bens comuns. Rio de Janeiro, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido.58 ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Paz e Terra, 2014.
Holliday, Oscar Jara. Para sistematizar experiências. 2 ed. Brasília: MMA, 2006.
MARICATO, E. “Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência.” In: Biblioteca do
Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU USP. São Paulo, julho de 1995. Disponível em:
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SILVA, Keli de Oliveira. “A periferização causada pela desigual urbanização brasileira.” In: Revista Urutágua.
Maringá, n. 11, dez./ jan./ fev./ mar./ de 2007 Disponível em: <http://www.urutagua.uem.br/011/11silva.pdf>.
Acesso em: 20/05/2016.
SILVA, Kamila Anne Carvalho da. “A construção do espaço urbano e seus agentes produtores: uma análise
a partir das Vilas Esperança e Nova Conquista”. In: V Seminário do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimen-
tos Sociais. Curitiba, 2014. Anais eletrônicos. Curitiba, 2014. Disponível em: <https://ipdms.files.wordpress.
com/2014/12/anais-ipdms-2014.pdf>. Acesso em 17 de maio de 2015.
1. Objetivos
A atual conjuntura democrática participativa que vivemos, nem sempre foi assim. Sa-
bemos que o sistema institucional que desfrutamos hoje, é fruto de longos anos de histó-
ria e lutas, caracterizando nosso sistema democrático como verdadeira conquista. Diante
desse cenário, muitas vezes a prerrogativa fruto de tantas lutas não recebe real atenção,
especialmente de onde provém o futuro ativo da participação social, as crianças.
Sob esse contexto surgiu o projeto de extensão “É legal” da Universidade do Estado
de Mato Grosso, Campus “Jane Vanini”, na cidade de Cáceres, interior de Mato Grosso,
tendo como público alvo, crianças e adolescentes de até 14 (quatorze) anos, na busca
de retirar a visão pejorativa quanto à política e que afasta delas o desejo em participar
das políticas diárias e lutar por elas, sem saber que essa é uma de nossas maiores mis-
166 sões como cidadãos.
Nesta perspectiva, este trabalho tem como objetivo apresentar de maneira sucinta
uma das atividades realizadas no projeto, que buscou mostrar às crianças e adolescen-
tes a importância delas na participação social e política, e que isso envolve questiona-
mento acerca das formas como se estabelecem as relações entre adultos e crianças.
Para entender o lugar da participação de crianças e adolescentes no Brasil é ne-
cessário analisar a história da infância no país, bem como sua relação com o Estado e
a efetivação de direitos. Visualizando o quadro de representação pelas crianças e ado-
lescentes no Brasil, é perceptível como a participação de um ser ainda não completo,
objeto de tutela e proteção, é excluída do contexto participação, esquecendo que a par-
ticipação é mais que voto, esse instrumento deve ser desenvolvido desde os primeiros
contatos. (Moreira, 2006)
As poucas representações são determinantes para entendermos a exclusão da in-
fância da participação na democracia e a não possibilidade de ter a opinião de crianças
e adolescentes muitas vezes não ouvidas e não consideradas em vários espaços sociais,
como a família, a escola, a comunidade.
Objetivando mudar esse cenário, é que o projeto “É legal” se constitui. É necessário
refletir quanto à participação, a importância dessa reflexão se coloca frente ao desafio
de fortalecimento da democracia participativa.
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão Assessoria Jurídica Popular, Educação Jurídica e
Educação Popular do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia,
Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2. Metodologia
As atividades foram realizadas por meio de aula expositivas, dinâmicas e atividade
de fixação. Foram questionadas as crianças e adolescentes, quanto ao que elas en-
tendem por participação, sequencialmente foi explanado que participação se refere
ao simples ato de fazer parte de algo, especialmente atividades em conjunto a fim de
gerar um resultado produtivo, e que sem a participação delas, inúmeras coisas seriam
impossíveis de serem realizadas. Além disso, foi utilizada a dinâmica da “holística2”, do
“telefone sem fio3” e do “emboladão4”, todas as atividades visando perfazer pela cabeça
dos participantes a importância da participação.
Foram trabalhados três passos para efetivar a participação das crianças e adoles-
centes, sendo eles, INFORMAR-SE, COMUNICAR e AGIR, objetivando demonstrá-las
que para contribuir de alguma forma no processo de participação, podem seguir esses
passos básicos.
167
Visando fixar os conceitos explanados, foi dirigida atividade de “palavras cruzadas”
com expressões explicitadas durante a ministração da aula.
3. Conclusões
Por meio desse trabalho foi permitida a observação e a conclusão de que grande
parte do público alvo desconheciam maneiras de participação social e política. Podemos
dizer que isso se deve a visão de que “isso não é coisa de criança”, que parte na maioria
das vezes, de casa, da escola e das comunidades em que estão inseridos. Nesse sentido,
é necessário que as crianças e adolescentes sejam incentivadas a participar socialmente,
isso é tarefa de cada um de nós. Não devemos delegar essa função apenas ao ambiente
escolar. A educação política muitas vezes é tolhida nas escolas em exaltação ao saber
tecnicista, especialmente na educação pública. No entanto, para que o atual cenário de
desconhecimento da importância e das inúmeras formas de participação é necessário a
união de instituições, sociedade, governo no empenho e desenvolvimento de políticas
públicas a fim de transformar o conceito histórico, nas relações sociais, da imagem da
criança e do adolescente apenas em postura passiva e de dever de obediência perante
uma figura sem o direito de questionar.
2 Dinâmica, onde em círculo cada participante passa o barbante para outro participante, ao fim formando
uma teia, posteriormente são colocados dois balões sob a teia, para se que se mantenham é necessário a
movimentação em conjunto da teia.
3 Em fila, é dito no ouvido do primeiro participante uma frase, ao fim é transmitido a frase que chegou ao monitor.
4 Inicialmente os participantes se posicionam em circulo e dão-se as mãos, posteriormente se soltam e ba-
gunçam o cir culo ao som de uma música, ao parar a música cada participante deve se manter onde estiver e
dar aos mãos aos mesmo colegas do inicio do círculo sem se movimentar.
168
Objetivos
O presente trabalho tem como objetivo a transformação da visão política que menores
tem sobre a política, o que é exatamente a política, quem faz a política, ou como evitar os
problemas da política. Nossa sociedade hoje já se esqueceu de que fazemos política todos
os dias nas mais variadas situações, e com tantos escândalos de corrupção sendo revelados,
existe a tendência de se pensar que política seja algo ruim ou que se deva afastar dele. E
de fato isso tem acontecido constantemente, e isso é facilmente demonstrado quando se
ouve um individuo dizendo que “não gosta de política”. Se os adultos já possuem uma de-
finição errada de política, o que devemos pensar sobre as crianças então. Esses são os mais
afetados com as más idéias acerca da política, e se, são o futuro da nação e já possuem um
conceito errado do que é a política, de quem faz a política, ou do que é tratado na política,
então não devemos esperar um futuro melhor do que o presente em que vivemos. Se as
crianças hoje forem educadas e lhes forem apresentadas as idéias, os conceitos corretos
sobre a verdadeira política, então se tem esperança sobre o futuro do país, e é exatamente
por isso, que vemos a necessidade e importância do projeto que já está em andamento.
Metodologia 169
O projeto “É LEGAL” se divide em cinco aulas que são ministradas a cada quinze dias
para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos. Nessas aulas envolve-se a criança em diálogos
e dinâmicas que visam a melhor compreensão por parte do aluno. Cada aula dura em mé-
dia cerca de duas horas e meia. Mais ou menos quarenta menores participam do projeto,
com a supervisão de quatro instrutores. As aulas em si podem ser divididas em quatro, uma
parte para cada instrutor, que aborda o tema proposto com palavras mais simples para fa-
cilitar a aprendizagem. Vídeos também são passados quando se observa que contribuirão
para a compreensão coletiva e individual dos alunos. Dá-se um momento para que as crian-
ças discutam entre si o tema e compartilhem seus conhecimentos com a classe. Por ultimo,
damos uma atividade que pode ser resolvida em sala ou em casa, e a aula subseqüente os
alunos entregam e fazemos então uma pequena revisão do que foi dito na aula anterior.
Conclusão
Entendemos que a situação da política do país não está satisfazendo a população e,
muito disso se deve à falta de informação das pessoas. Vemos que uma errônea visão
da população acerca do que é a política, de como se faz a política e quem o faz, e vemos
também que essa visão distorcida está sendo impressa nos menores e por isso, notamos a
necessidade de realização de um projeto que viabilizasse a compreensão de política para
crianças, para que essas, em situações do cotidiano possam colocar em prática o que lhes
foi ensinado e quando em gozo dos direitos devidos à maioridade, já sejam capazes de
decidir conforme a sua consciência o que seria melhor para a nação. Visamos despertar nos
pequenos um anseio pela participação ativa na política, e se possível, que esses possam
influenciar até mesmo os adultos a sua volta, mudando assim, sua visão acerca da política.
1 BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
173
1. Objetivos
O advento de uma gravidez irradia uma série de consequências, especialmente o sur-
gimento imediato de um leque de direitos e garantias constitucionais, cíveis, trabalhistas
e previdenciárias, tanto para a gestante, quanto para o nascituro. Este rol é ainda mais
estendido após o nascimento da criança, em benefício tanto desta, quanto de sua mãe.
Tendo em vista este aspecto, o projeto “Ser Mãe: um ato jurídico” tem como escopo
ampliar a divulgação das legislações referentes aos direitos das mães e gestantes, de
modo a promover o exercício da cidadania, fundamento da República Federativa do Bra-
sil (art. 1º, II, CF), por meio da efetivação de direitos e, deste modo, empoderar mães e
gestantes, tendo a ampliação dos seus conhecimentos jurídicos como instrumento para
promover a construção e o exercício da cidadania através do acesso à justiça, pois no pri-
meiro nível para acessibilidade da justiça se encontra o reconhecimento da existência de
um direito que é juridicamente exigível, como apontam Cappelletti e Garth (1988).
Para tanto, houve a necessidade de tratar dos seguintes aspectos, com enfoque
174 especial na gravidez na adolescência:
a) alimentos gravídicos;
b) pensão alimentícia;
c) exercícios domiciliares;
d) salário e licença maternidade;
e) reconhecimento de paternidade;
f) aborto;
g) guarda compartilhada; e
h) entrega para adoção.
2. Metodologia
Foram organizados ciclos de palestras, além de terem sido desenvolvidos um guia
jurídico-informativo impresso, marcadores de livro e banner com exposição sucinta e
didática, em linguagem acessível, sobre os temas acima elencados. Buscamos também
manter uma fanpage na rede social Facebook com o intuito de compartilhar informa-
ções relevantes e inovações, manter um contato direto com o público, ainda que não
-presencialmente, a fim de solucionar dúvidas e compartilhar experiências.
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão Assessoria Jurídica Popular, Educação Jurídica e
Educação Popular do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia,
Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 25/05/2016.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução e revisão de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.
175
1. Objetivos
Ao falar em cidadania podemos imaginar inúmeros sentidos no modelo social, e
principalmente nos modelos de mobilização na sociedade. No contexto político e social
que atualmente está se concretizando, é de extrema importância disseminar não so-
mente o significado da palavra cidadania, mas sim a verdadeira essência que as várias
ações cidadãs trazem para o mundo. Com isso, nada melhor que começar pelos indi-
víduos que mais são afetados pelo turbilhão de informações e influência de opiniões
pelo mundo, aqueles que ainda estão criando seu caráter e que futuramente serão os
divisores de opiniões: as crianças.
Diante disso, é importante o surgimento de projetos sociais que possam desde já
apresentar para as crianças a importância da participação dos mesmos nas práticas po-
líticas-cidadã. O Projeto é Legal, vinculado ao departamento de Direito da Universidade
do Estado de Mato Grosso, se mobiliza nesse objetivo, visando modificar a imagem
176 pejorativa que as crianças tenham ou venham ter referente á política do convívio social,
com aulas interativas e dinâmicas, incluindo a aula de cidadania, no qual a importância
e o verdadeiro significado da palavra cidadão são explorados.
2. Metodologia
A realização da aula de cidadania é inteiramente interativa para chamar a atenção
das crianças e facilitar com o aprendizado, não retirando a importância de tal tema.
Ao início da aula já iniciamos com o questionamento para com as crianças “O que
é cidadania?” levando ao questionamento delas mesmas sobre o que consideravam
diante do conhecimento já obtido, sobre o que era realmente a cidadania. Para facilitar
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão de Assessoria Jurídica Popular, Educação Jurídica e
Educação Popular do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia,
Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
3. Conclusões
Diante de todo exposto, é importante destacar a importância para nós, acadêmicos
em auxiliar na formação e construção de ideias de indivíduos tão pequenos, mas tão
importantes para o futuro da sociedade. A cada aula ministrada pelo projeto é de gran-
de realização tanto acadêmica quanto pessoal para nós, monitores, alcançando êxito
em nossas atividades com a tentativa de formar cidadãos mais reflexivos e conscientes
da prática política- cidadã no contexto atual.
Com isso, há de se perceber a importância em investir na educação cidadã desde
cedo, afinal com turbilhão de acontecimentos vivenciados pela sociedade todos os dias,
é de praxe que tais confusões reflitam nas crianças de maneiras nem sempre positivas,
devendo-se então investir nos pequenos e educar, mostrando não somente a impor-
tância de praticar a cidadania, mas os benefícios gratificantes que refletem tal prática,
com isso, além de formar cidadãos, formando seres humanos.
Referências
MOREIRA, Márcio Alan. “Crianças e Adolescentes, Mobilização Popular”. In: “De Olho Nos Planos. Goiás, 22 de
agosto de 2014. Disponível em <http://deolhonosplanos.org.br.>. Acesso em 10/05/2016.
OLIVEIRA, Sheila Elias de. Cidadania: História e política de uma palavra. Campinas: Pontes Editores, RG Edito-
res, 2006.
Objetivos
Ampliadas a partir da Constituição de 1988, a qual em seu artigo 208, inciso III, de-
fine como dever do Estado “o atendimento educacional especializado aos portadores
de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 2007, p. 91), as
políticas de Educação Inclusiva fomentaram no Brasil a criação de leis que tinham como
objetivo revolucionar a assistência das pessoas com deficiência em sua participação na
dinâmica social.
Dessa forma, negar a matrícula de um aluno com deficiência, por mais coerentes
que se imaginem serem as razões, vai de encontro com o que determina a lei. Diante de
tal constatação surge a seguinte questão: o que fazer os pais que por lei têm o direito
ao acesso a rede regular de ensino de seus filhos com necessidade especiais assegura-
dos, mas se deparam com a recusa da matrícula?
178
Diante de tal questionamento é torna-se relevante a analisar do papel do Direito
na proteção às crianças deficientes quando a essas é negada a matrícula em escolas de
ensino regular. Perpassando pelo entendimento das políticas de Educação Inclusiva e
sua relação com o acesso ao Direito.
Apesar de contempladas na Constituição, as políticas de Educação Inclusiva no
Brasil espelharam-se num modelo internacional, difundido a partir da Declaração de
Salamanca em 1994. Tal declaração preconiza as diretrizes da educação para todos,
trazendo força às discussões a cerca da Escola Inclusiva. No Brasil essa proposta foi res-
paldada na Lei nº. 9.394/96 – de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que ressalta
no conceito de Escola Inclusiva que:
[…] implica uma nova postura da escola comum, que propõe no projeto
político pedagógico, no currículo, na metodologia de ensino, na avaliação
e na atitude dos educandos, ações que favoreçam a integração social e
sua opção por práticas heterogêneas. A escola capacita seus professores,
prepara-se, organiza-se e adapta-se para oferecer educação de qualida-
de para todos, inclusive, para os educandos com necessidades especiais...
Inclusão, portanto, não significa, simplesmente matricular os educandos
com necessidades especiais na classe comum, ignorando suas necessida-
des específicas, mas significa dar ao professor e à escola o suporte neces-
sário à sua ação pedagógica (BRASIL, 1994).
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão 1. Assessoria Jurídica popular, Educação Jurídica e
Educação Popular do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia,
Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Metodologia
O primeiro passo foi dado e a proposta de educação inclusiva foi regulamentada
perante a lei. Contudo, há de se convir que a efetivação de uma proposta educacional
para atender a diversidade está atrelada a muitos e complexos fatores, dentre os quais
damos podemos citar os históricos, econômicos e sociais.
Nessa perspectiva, adotamos com metodologia para o desenvolvimento da temá-
tica proposta a análise de reportagens nacionais que trazem a tona situações reais,
relacionadas ao acesso a escola regulares por crianças com deficiência. Dentre as 179
notícias pesquisadas selecionamos as seguintes: Escola é condenada a pagar R$ 20
mil por negar matrícula para criança anã (BELLINI, 2016); Estado é que deve garan-
tir educação especializada a deficientes (MATSUURA, 2006); Exclusão de autista cria
polêmica sobre crianças especiais em escolas (OLIVEIRA, 2014); Escolas municipais
exigem que pais paguem profissional para acompanhar alunos com deficiência (DU-
ARTE, 2015).
Conclusões
Embora seja fundamental a função da escola na perspectiva de inclusão, o que ain-
da observamos é a inserção de pessoas com necessidades especiais em classes regula-
res apenas como cumprimento de um artigo da lei. Nessa realidade, muitos deficientes
tornam-se apenas figurantes de uma imagem reducionista do que seria a escola, vista
apenas como um espaço físico, onde o papel principal é do professor que transmite o
saber e onde a perspectiva de inclusão é entendida como “colocar em” classes regulares
de ensino alunos com deficiência.
Não podemos negar, são perceptíveis as tentativas de colocar em prática imple-
mentações na área educacional, implementações essas que tendem a provocar gran-
des modificações no funcionamento do sistema de ensino, bem como na qualidade
de seu atendimento. Contudo, ainda existem muitas questões a serem discutidas e
um dessas questões é até que ponto vai o papel da justiça, no âmbito da educação
inclusiva.
CIDADE E DIREITO
Alessandra Marchioni
Abstract: In 2010, a report sent to the United Nations, denounced the business and
corporate logic that was established in the urban environment, in which cities should
adopt a particular model of urban policy, called “global city”. In this sense, the global
city would justify an opportunity to put in place processes to urban transformation,
attracting investments and the cities repositioning by its renewal. Thus, it was practiced
the (de)construction of space in Maceió. In this homogenizing context it must be clar-
ified, as follows: which “conceptions of city” underlie this process of global city? How
this coalition of forces is related to the “traditional fishing community”? This article has
its main objective providing elements regarding a set of representations in the Brazilian
and “alagoana” urban society helping on the media common concept in which “the
traditional community” tends to remain “disintegrated” and away from the “redistribu-
tion of the space” in the city justified by the Strategic Plan of the Maceió city. Another
contribution to the understanding of this phenomenon could be identified by law func-
tion itself that appears as an essential element of the structure and reproduction of the
things in the world, in casu of the distinction between places and social positions when,
through their symbolic acts, take real effects on society.
Keywords: “global cities”- traditional fishing community – Maceió
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Cidade e Direito do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movi-
mentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Esse fenômeno político produz uma instabilidade e uma fragilização territorial, que 185
incide social e fisicamente sobre os grupos mais excluídos e profundamente segrega-
dos, também denominados “aglomerados de exclusão” (HAESBAERT, 2012). E é assim
que tal referência aparece vinculada às noções de espaço social e territorial que se
imbricam mutuamente.
Sob essa abordagem, a distribuição dos indivíduos no espaço, ou a “arte das dis-
tribuições”, é uma estratégia marcadamente desenvolvida para “conhecer, dominar e
utilizar” os indivíduos numa clara “mecânica do poder” direcionada aos seus corpos
(FOUCAULT, 2007), mas também engendrada sob as relações distintivas e hierarquiza-
das entre os agentes sociais e as suas propriedades no “lugar social” e no “espaço físico”
(BOURDIEU, 2012).
Assim, não será de outra forma que, a “cidade-empresa” fundará “um lugar” ideal
em torno de noções hegemônicas - “da comemoração, do saber, da cultura, do tu-
rismo”- unificadas por arquétipos - “cidade maravilhosa”, “paraíso das águas”, entre
tantos outros- . Em contraste, aos lugares “reais”- das “favelas” ou das “grotas” - das
cidades plurais e diversificadas, que passaram a ser reconhecidas como obstáculos ao
avanço e ao progresso das primeiras.
Conforme Lago (2003), a legislação terá um papel essencial na produção da ilega-
des empresas corporativas e imobiliárias, empresas que trouxeram um novo estilo de organização, de produ-
ção e de marketing, com novos padrões de planejamento. As grandes cidades brasileiras têm características
de uma urbanização corporativa, baseada na noção de crescimento econômico e na especulação imobiliária
daí derivada (FERNANDES,2006, p. 18; SANTOS, 2009, p.106).
5 Para David Harvey (2005), o processo de acumulação pode se dar com a criação de novos desejos e necessi-
dades, como o estímulo a boa moradia, ou pela expansão do comércio para novas regiões geográficas (p.48).
Será, então, através de ações especulativas que o próprio Poder Público aumentará
artificialmente a escassez e o preço dos terrenos adequados ao mercado imobiliário
informal, deixando aos pobres a opção das favelas ou dos loteamentos em locais pre-
cários, seja por irregularidade fundiária ou por “local de risco” do assentamento6.
186
Fonte: www.bairrosdemaceio.net/mapa.htm
Não Revisado). Produto 5. Volume 2. Maio de 2005. Disponibilizado pela Secretaria Municipal de Planejamen-
to e Desenvolvimento. p. 13
8 Idem. p.13
(1) Abastecimento de água por rede geral, esgotamento sanitário por rede
geral ou fossa
Séptica e lixo coletado diretamente ou indiretamente.
(2) Domicílio com pelo menos uma forma de saneamento considerada
adequada.
(3) Todas as formas de saneamento consideradas inadequadas.
9 BRASIL. Ministério das Cidades. CEM/Cebrap. Assentamentos Precários no Brasil Urbano. Publicação no
âmbito do Projeto PNUD BRA/00/019. Disponível em: <http://centrodametropole.org.br/v1/mc/assets/pdfs/
assentamentos_web.pdf. Acesso em: 7 de fev. de 2012>.
10 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2010. Disponível em: <http://www.censo2010.
ibge.gov.br/amostra/>. Acesso em 07 de fev. 2012.
11 Ibidem.
População de 10 anos ou mais de idade, por classe de rendimento nominal mensal em Ma-
ceió
Sem ren- Até 1 Mais de Mais de Mais de Mais de Mai de Mais de
dimento salário 1a2 2a3 3a5 5 a 10 10 a 20 20 salários
mínimo salários salários salários salários salários mínimos
mínimos mínimos mínimos mínimos mínimos
Fonte: Tabela organizada pela autora com base nos dados do IBGE, 2010.
12 Idem.
13 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012 Crianças e adolescentes do Brasil. Rio de Janeiro:
FLACSO BRASIL/ CEBELA, 2012. Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolen-
cia2012_Criancas_e_Adolescentes.pdf.> Acesso em: 12 de Jul. p. 56.
14 Maceió foi fundada em 1609, por Manoel Antônio Duro. Em 1673, as terras passaram a Visconde de
Barbacena que construiu um forte no bairro do Jaraguá e o pequeno povoado recebeu uma pequena capela
dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres. A vila de Maceió foi desmembrada no dia 5 de dezembro de 1815 da
então Vila de Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul, atual cidade de Marechal Deodoro. Em 9 de dezembro
de 1839, deu-se a elevação à condição de cidade.
192
Fonte: http://noticias.uol.com.br
Nesse sentido, os “lugares” do espaço social e a produção de seus efeitos são resultados
da luta pela apropriação de capitais na história do “campo”. Em outras palavras, as conquistas
de espaço físico e social não apenas conformam uma hierarquia social, como revertem em
ganhos de capital extras a seus agentes, como a renda em função da localização dos lugares
mais “nobres” ou “pobres” para residir, e os ganhos ou perdas de posição e de classe em ra-
zão do acesso aos locais de prestígio e “bem ou mal localizados”(BOURDIEU, 2012).
Dentre as particularidades de sua localização, observa-se que a Vila dos Pescadores loca-
lizava-se no Bairro de Jaraguá, na orla da cidade de Maceió, na área circundante ao Porto Tu-
19 Existem os pescadores, as marisqueiras, os pombeiros, e os diferentes ganhos entre essas funções. Esses
ganhos podem ser sociais (posições sociais) econômicos (renda obtida) e sempre simbólicos, relativos aos
papeis de representação e legitimidade para decidir “as coisas” da Vila.
20 “Após a retirada de invasores dos apartamentos da Vila dos Pescadores, em Maceió, novos moradores devem se
mudar para o local, construído para abrigar pessoas que viviam na Favela do Jaraguá. (TNH1, 13 set. 2013) “[...]De um
total de 450 famílias que viviam na favela, 39 não quiseram ser transferidas para os apartamentos do Residencial Vila
dos Pescadores em maio do ano passado. Agora, dezesseis continuam lutando para permanecer na Favela do Jaraguá.
A expectativa do município, entretanto, é que a polêmica seja solucionada em breve, já que há um processo trami-
tando na Justiça. [...]” (CAMPION, 2013, grifos nossos). “Em breve, a favela do Jaraguá vai deixar de existir e em seu
lugar será construído o Centro Pesqueiro. A obra será iniciada no mês de agosto, segundo a Secretaria Municipal de
Habitação Popular e Saneamento (SMPHS). O prazo é que ela seja concluída em um ano. Os recursos estão garantidos
e estima-se que R$ 10 milhões sejam investidos no local, que servirá de apoio aos pescadores e vai revitalizar a área,
transformando-a em um espaço onde moradores e turistas poderão conhecer melhor o trabalho dos pescadores. [...]”
(GA, 27 jul. 2014 ,JARAGUÁ..., 2014, grifos nossos).
195
Fig. 06 Zona Especial de Preservação Cultural de Jaraguá (ZEP-1)
Não obstante o direito em vigor, o que se viu em 17 de junho de 2015, foi a desocu-
pação da Vila dos Pescadores de Jaraguá e todas as famílias removidas, numa demons-
tração de que o “campo jurídico” é um lugar em que não apenas se disputa o “discurso
jurídico-normativo”, mas também a “prática política” das decisões judiciais.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho buscou demonstrar existir um “campo de forças” e um campo de lutas
em que se disputaram o poder de (re)territorialização para satisfazer demandas eco-
nômicas do capitalismo, como de representação da “Vila dos Pescadores do Jaraguá”
para justificar a exclusão social e territorial daquela parcela da população no local onde
moravam.
Com efeito, essa disputa simbólica, que também abrangeu um conflito sócio terri-
torial, porque definiu as divisões e distinções de mundo social, repercutiu em noções
196 identitárias relativas a maior ou menor garantia de direitos sociais e econômicos.
Nesse contexto, enquanto se praticam os princípios sociais excludentes, integrado-
res, concentradores e distributivos entre os grupos sociais, os campos político e jurídico
contribuem para a produção das (des)igualdades e das (i)legalidades das condições de
vida na cidade.
Assim, considera-se que o direito é um instrumento que tende a confirmar a “terri-
torialização” previamente existente, seja para conservar a inclusão ou a exclusão social.
Exemplo disso é o padrão urbanístico que define quantitativamente o que seja uma
“favela”, sem considerar as qualidades e a peculiaridades sociais que as diferem.
No mesmo sentido, foi possível observar uma “cidadania variável” referente aos
objetivos de prover, em maior ou menor parte, as garantias e os acessos das popula-
ções vulneráveis à regularização territorial urbana e as infraestruturas urbanas corres-
pondentes. Esses resultados decorreram da análise de dados concretos, referentes ao
processo de urbanização da cidade e da Vila dos Pescadores de Jaraguá.
De toda a forma, a decisão de remoção daquela população de pescadores parece
demonstrar que o “campo jurídico”, de forma geral, tende a conservar as interpretações
e compreensões historicamente reconhecidas pela sociedade maceioense, para a qual
deve prosperar a clara manutenção da ordem social e econômica, planejada para ser
“cidade-mercadoria” e patrocinada pelo poder público, e a “favela” permanece sendo
como lugar subalterno.
Between the National Social Housing System and the “My Home, My Life”
Program: on how to block popular participation without repeal it
Resumo: O tema deste artigo é a participação popular nas políticas de habitação para
populações de baixa renda. Analisamos as diferenças entre os marcos legais dos dois
principais programas nacionais voltados à habitação - o Sistema Nacional de Habitação
de Interesse Social e o Programa “Minha Casa, Minha Vida” – para identificar o papel que
cada um deles atribui para participação popular em nível local no controle social das polí-
ticas habitacionais para população de baixa renda. Realizamos também um levantamento
dos recursos financeiros destinados a cada um desses programas nos últimos 10 anos,
como forma de identificar qual prioridade o Governo Federal garantiu a cada um deles.
198 Cruzamos os dois levantamentos no sentido de demonstrar que o SNHIS, que garante
amplo controle popular, recebeu recursos ínfimos comparados ao PMCMV, que não pre-
vê mecanismos de participação e está associado a um modelo voltado à mercantilização
da moradia. Por fim, inferimos apontamentos sobre os impactos da sobreposição não
articulada dessas Políticas na efetividade da participação popular em nível local a partir
da análise do caso do Conselho Municipal de Moradia Popular de Ribeirão Preto - SP.
Palavras-Chave: Política Habitacional; Participação; Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social; Programa “Minha Casa Minha Vida”; Orçamento.
Abstract: The theme of this article is popular participation in housing policies for low
-income populations. We analyze the differences between the legal frameworks of the
two major national programs focused on housing - the National System of Social Inte-
rest Housing and the “Minha Casa, Minha Vida” Program - to identify the role that each
of them attaches to popular participation at the local level in social control of housing
policies for low-income population. We also survey the financial resources allocated to
each of these programs in the last 10 years, as a way to identify what priority the federal
government assured each. We crossed the two surveys to demonstrate that SNHIS which
ensures broad popular control, received meager resources compared to PMCMV, which
does not provide mechanisms for participation and is associated with a model dedicated
to the commodification of housing. Finally, we infer notes on the impact of inarticulate
overlap of these policies in the effectiveness of public participation at the local level from
the case of the Municipal Council of Popular Housing Ribeirão Preto - SP analysis.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão CIDADE E DIREITO do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Mo-
vimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Esta competência foi detalhada na Portaria nº 412/20156, que também não exigiu
outras possíveis atribuições aos conselhos:
2.3. Os critérios adicionais ou a decisão de não adotá-los deverão ser apro-
vados nos conselhos municipais, estaduais ou distrital, conforme o caso,
204 que tenham entre suas atribuições opinar ou deliberar sobre a política
habitacional.
2.3.1. Quando a indicação da demanda for compartilhada por mais de um
ente, a aprovação deverá ser realizada no âmbito dos seus corresponden-
tes conselhos.
2.4. Todos os critérios de priorização definidos, bem como os percentuais
de unidades habitacionais destinadas a pessoas idosas e pessoas com de-
ficiência ou famílias com pessoa com deficiência deverão ser publicados
em decreto do poder executivo responsável, no Diário Oficial disponível,
e publicizados por meio físico nas sedes dos correspondentes governos,
bem como em seus sítios eletrônicos, quando existentes.
2.4.1. O comprovante da aprovação dos critérios e dos percentuais pelo
conselho municipal, estadual ou Distrital, conforme o caso; do Decreto e
da publicização deverão ser apresentados à instituição financeira oficial
federal.
Assim, se ambos os Programas são voltados à política habitacional e passaram a
coexistir de modo não articulado, é importante verificar quanto recurso financeiro foi
destinado a cada um deles, tendo em vista que eles dependem de recursos para serem
operacionalizados.
5 Segundo Bonduki (2009), o déficit para essa faixa de renda à época era estimado em 6,5 milhões de mo-
radias.
6 Essa portaria foi antecedida pelas Portarias nº 610/2011 e nº 595/2013, que regulamentavam a questão de
modo muito semelhante.
12 Requerimento nº 11071 da Câmara Municipal de Ribeirão Preto. Resposta dada no processo administrativo
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212
Resumo: O presente artigo tem por objetivo, através da análise da obra de Engels, “Sobre
a questão da moradia”, promover reflexões acerca da contribuição marxista para a temá-
tica e demonstrar as permanências atualmente observadas. Em diálogo com a literatura
atual relacionada ao direito à cidade, surgem questões relativas à influência do capital nas
dinâmicas urbanas, à ausência de projetos de moradias populares para as cidades e às re-
lações entre Capital e Estado. Em seguida, são consideradas algumas soluções possíveis e
inovadoras – ainda que não revolucionárias – que não apresentam a propriedade privada
como pressuposto, e consideram a atuação dos movimentos sociais como o MTST, Mo-
vimento dos Trabalhadores Sem Teto. Assim sendo, são consideradas viáveis e desejáveis
o desenvolvimento de políticas de estímulo à coletivização, como o Minha Casa Minha
Vida – Entidades. Nesse sentido, a moradia é compreendida a partir de uma abordagem
múltipla e complexa, como um elemento que apresenta dinâmicas próprias com diversos
213
outros, como a afetividade, a comunidade e as próprias lógicas – ou disfunções – urba-
nas. A partir daí, considera-se a moradia como aspecto vital para o desenvolvimento e a
prática de um direito à cidade popular, democrático e não elitizado.
Palavras-chave: Engels; direito-à-cidade; moradia; popular; Marxismo.
Abstract: This article aims to, through the analysis of Engel’s book “Sobre a questão da
Moradia”, promote reflexions about the Marxist contribution to the theme, by pointing
to the continuities still currently observed. In dialogue with the actual literature regar-
ding the right to the city, some questions arise such as the Capital’s influence in the
settlement of the urban dynamics, the lack of a popular habitation projects in the cities
public policies and the relations between Capital and State, to, therefore, consider some
possible and innovative solutions – though not revolutionary – which doesn’t stipulate
the private property as an assumption and considering, too, the actions of social move-
ments, like MTST, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Therefore, the development
of public policies of collective building processes, such as Minha Casa Minha Vida – En-
tidades, are both desired and viable. In this way, habitation is understood in a multiple
and complex sense, as an element that presents particular dynamics with various others,
like affection, community and the urban logic – or dysfunction. Therefore, habitation is
considered a vital aspect to the development and practice of a popular and democratic
Right to the City.
Key words: Engels; Right-to-the-City; habitation; popular; Marxism.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Cidade e Direito do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movi-
mentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Está claro como a luz do sol que o Estado atual não pode nem quer reme-
dia o flagelo da falta de moradias. O Estado nada mais é que a totalidade
do poder organizado das classes possuidoras, dos proprietários de terras e
dos capitalistas em confronto com as classes espoliadas, os agricultores e
os trabalhadores. O que não querem os capitalistas individuais tampouco
quer o seu Estado. (ENGELS, 2015).
Com isso, percebe-se que o Capital somente “produz” moradias populares por meio
da ação estatal, que, através de isenções, estímulos, garantia de lucro e grandes obras,
torna interessante esse setor. Assim sendo, o Estado, além de não agir diretamente,
atua em parceria – evidente, escancarada e despudorada – com o grande capital imobi-
liário, possibilitando sua reprodução e garantindo lucros altíssimos através de projetos
pontuais e localizados, como o Minha Casa Minha Vida, que, ademais de não serem re-
gra na história brasileira, é bastante criticado por autores que veem na sua gênese o in-
teresse primordial em fomentar a indústria civil. (MARICATO, 2015). Já que, via de regra,
o Estado e o Capital agem em conluio na promoção de grandes obras não populares.
Queira o Sr. Sax dar uma olhada nos pequenos agricultores franceses e
em nossos pequenos agricultores renanos; suas casas e seus campos es-
tão completamente onerados com hipoteca, a colheita pertence aos seus
222 credores já antes da ceifa e não são eles que mandam e desmandam so-
beranamente em seu “território”, mas o usurário, o advogado e o oficial de
justiça. (ENGELS, 2015)
Impossível negar, assim, diante da observação acima transcrita, que o “ser proprie-
tário” não resolveu ou melhorou a situação da classe trabalhadora, implicando, além
disso, em mais exploração por parte das classes possuidoras.
Nesse sentido, e para apontar mais uma permanência das observações de Engels,
é importante considerar o exemplo espanhol: no cenário da crise econômica interna-
cional a Espanha foi um dos países europeus mais atingidos, os níveis de desemprego
chegaram a 25% da população e os serviços públicos sofreram com cortes significa-
tivos. Em um cenário de empobrecimento das classes mais pobres, o pagamento das
parcelas para obtenção das moradias próprias inevitavelmente diminuiu, e os bancos
iniciaram processos de despejo de mais de 100.000 famílias, somente entre 2013 e 2015
(MUÑOZ, 2015).
Evidente, portanto, que não existe – automaticamente – segurança de posse e au-
tonomia para os trabalhadores quando a questão é limitada apenas à obtenção da
moradia-propriedade-privada, que tende, além de tudo, a ser distante dos serviços pú-
blicos, má localizada e implica na alienação da vida urbana e mais gastos no orçamento
familiar. Impossível, criticável e irresponsável, desse modo, a afirmação do opositor de
Engels, de que na medida em que a classe trabalhadora se tornasse proprietária de suas
moradias seriam capitalistas e teriam seus direitos garantidos.
Como já visto anteriormente, a moradia envolve a segurança e efetivação da posse.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Por isso, a propriedade privada não é o único nem o melhor instrumento para efetivar
esse direito, posto que significa apropriação de uns por parte de outros. Desse modo,
diante da inviabilidade e do reacionarismo do intento de tornar todos proprietários –
como se esse fosse também o caminho para resolução dos ditos problemas sociais; que
de fato não é – é necessário considerar outras opções como o aluguel (que poderia ser
“aluguel social” custeado pelo Estado em imóveis abandonados nos centros das cida-
des, efetivando, assim, a função social da propriedade e o direito à moradia)9.
Outro exemplo em relação à precariedade mesmo da propriedade privada, prin-
cipalmente das camadas mais pobres e oprimidas simultaneamente pelo capital, pela
raça, pelo gênero, pela orientação sexual e pelos processos urbanos de reprodução
do capital, são os casos de desapropriações. As obras para as construções associadas
à Copa do Mundo de 2014, no Brasil, demandaram desapropriações violenta, marca-
das por indenizações ínfimas, em diversos estados do país, de bairros e comunidades
inteiras – pobres em sua maioria, e, portanto, mais vulneráveis – para a construção de
terminais de transporte, estádios, estradas, entre outras (DOSSIÊ MEGAEVENTOS E VIO-
LAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL, 2014).
Nesse sentido que, para o Capital e seu agente estatal, algumas propriedades valem
mais do que outras, e isso não apenas em relação ao valor monetário de fato – influen-
ciado por fatores como localização, tamanho, proximidade de serviços públicos –, mas
também em face do proprietário. (MARICATO, 2014).
Por isso, e a argumentação de Engels deve ser vista como um alerta: é necessário
223
superar a atração que as soluções capitalistas e burguesas parecem exercer, e lembrar
que a propriedade privada resulta da exploração de uns sobre outros – sendo que es-
ses uns e outros são muito bem demarcados e definidos na estrutura das relações de
produção dos bens e do espaço físico urbano.
Assim, analisando conjuntamente os elementos apontados até agora é possível
concluir que Engels demonstra que ao Capital não interessa a solução da questão da
Moradia. E mais, a ele é interessante a manutenção de determinados níveis de déficit
habitacional. Aponta o filósofo, ainda, que as soluções burguesas são limitadas, porque
não conseguem perceber o aspecto multidimensional que caracteriza o conceito de
moradia, e também contribuem para o aumento da exploração das classes operárias
tanto em seu trabalho como em relação a outros elementos, como bancos e institui-
ções financiadoras. Nesse sentido, uma conclusão é possível: a questão da moradia não
pode ser resolvida a partir da adoção do paradigma da propriedade privada.
Ora, de onde vem a escassez de moradia? Como surgiu? Como bom bur-
guês, o senhor Sax não pode saber que ela é um produto necessário da
forma burguesa da sociedade, que sem escassez de moradia não há como
subsistir uma sociedade na qual a grande massa trabalhadora depende ex-
clusivamente do salário e, portanto, da soma de mantimentos necessária
para garantir sua existência e reprodução; na qual melhoramentos contí-
nuos da maquinaria etc. deixam massas de trabalhadores; na qual violentas
9 Para tanto, e como introdução à temática, interessante entender as relações históricas entre aluguel e a
ideologia da casa própria no Brasil. Ver: MILANO, Joana Zattoni. Aluguel Social no Brasil: algumas reflexões
sobre a ideologia da casa própria. In: Anais: Encontros Nacionais da ANPUR. Volume 15, 2013.
11 Para mais informações: Portal do Governo Federal, Ministério das Cidades, Disponível em <http://www.ci-
dades.gov.br/habitacao-cidades/programa-minha-casa-minha-vida-pmcmv/modalidades/mcmv-faixa-1-en-
tidades>. Acesso em 20/05/2016.
12 Mais informações: LOCATELLI, Piero. MTST constrói moradias com as próprias mãos. In: Carta Capital. São
Paulo, 10 de junho de 2014. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/moradia-pelas-pro-
prias-maos-2178.html>. Acesso em 19 de maio de 2016.
13 Mais informações acerca dos requisitos do Minha Casa Minha Vida – Entidades estão disponíveis em: http://
www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/municipal/programas_habitacao/entidades/entidades-como-participar.asp.
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dades”. In: Blog do Planalto, Salvador, 06 de maio de 2016. Disponível em: <http://blog.planalto.gov.br/lider-
do-mtst-guilherme-boulos-defende-qualidade-do-mcmv-entidades/>. Acesso em 20/05/2016.
BRASIL. Ministério das Cidades. MCMV Faixa 1 – Entidades. Disponível em <http://www.cidades.gov.br/ha-
The institutional racism on the forced evictions policies in the Rio de Janeiro city.
Resumo: O presente artigo se propõe a abordar a remoção das favelas como uma con-
sequência do racismo institucional inserido nas políticas direcionadas para habitação na
cidade do Rio de Janeiro. Para compreender esse mecanismo de atuação, serão empre-
gados os conceitos de habitus, violência simbólica e campo social desenvolvidos pelo
sociólogo Pierre Bourdieu, a fim de realizar uma reflexão sobre a perpetuação do racis-
mo anti-negro no imaginário da sociedade brasileira e como essa concepção naturaliza
o processo de exclusão. Assim, o artigo discute o conceito de racismo institucional sob
a perspectiva da Teoria Crítica da Raça (Critical Race Theory) e aponta a discriminação
interseccional presente nas remoções, considerando que as mulheres negras são as
protagonistas da luta pela efetivação do direito à moradia.
Palavras-chaves: racismo 1 – favela 2 – remoção 3
Abstract: This article aims to address the removal of slums as a consequence of the
inserted institutional racism in policies directed to housing in the Rio de Janeiro city. To
228 understand this mechanism of action, it will be used the concepts of habitus, symbolic
violence and social field developed by the sociologist Pierre Bourdieu, in order to carry
out a reflection on the perpetuation of anti-black racism in the Brazilian society’s minds
and how this conception naturalizes the exclusion process. Thus, the article discusses
the institutional racism concept by Critical Race Theory perspective and points out in-
tersectional discrimination existent in forced evictions, considering black women are the
main character of right to adequate housing struggle.
Key words: racism 1 – slum 2 – forced evictions 3
1. Introdução
A “cidade maravilhosa” vive sob a égide dos conflitos fundiários desde o final do
século XIX. Historicamente, tais conflitos envolvem a problemática da moradia e a ques-
tão racial. Com o fim da escravidão no ano de 1888, a população moradora dos cortiços
praticamente dobrou (GONÇALVES, 2013, p. 38) passando a ser criminalizada e associa-
da a proliferação de epidemias, o que deu início a política higienista que extirpou esse
tipo de habitação nos bairros centrais da cidade do Rio de Janeiro.
É nesse contexto que surgem as favelas como nova solução de moradia para a
população negra, pobre e migrante do Rio de Janeiro no início do século XX. A maior
parte dos moradores dos antigos cortiços se direcionaram para as encostas dos morros,
construindo barracões, a fim de abrigar suas famílias e morar próximo ao local de tra-
balho. Desse modo, as favelas passam a substituir os cortiços e tornam-se o novo alvo
das políticas higienistas do governo (ABREU, 2OO8. p. 49-50)
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Cidade do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos
Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2 Autor do livro SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro olímpico. O trabalho é fruto da pesquisa de con-
clusão da graduação em Arquitetura e Urbanismo de Lucas Faulhaber, formado pela Universidade Federal
Fluminense - UFF.
É importante destacar que, assim como Weber, outra referência importante para a
construção do pensamento de Bourdieu foi o filósofo e sociólogo Karl Marx. Mesmo
influenciado pelo pensamento marxiano, o qual afirma que o sistema de classes está
232 estruturado pela economia, Bourdieu rompe com esta tradição do pensamento socioló-
gico ao defender que a classe social não é definida apenas pelas questões econômicas.
Para o autor, as desigualdades do mundo social não podem ser reduzidas somente à
esfera econômica, pois existem outros campos que interferem de maneira relativamen-
te autônoma e reproduzem a dominação.
Portanto, é na conjuntura deste arcabouço teórico que Bourdieu amplia o conceito
de capital, desenvolvido por Marx, classificando-os em: a) capital econômico – renda,
salários e imóveis; b) capital cultural – saberes, boas maneiras e conhecimentos reco-
nhecidos por diplomas e títulos; c) capital social – recursos humanos, rede de relações
sociais; d) capital simbólico – prestígio e honra (SETTON, 2010, p.01). A partir desta
formulação Bourdieu desenvolve o conceito de habitus.
CONCLUSÃO
No contexto das remoções, o governo munícipe se mantém cego frente a ques-
tão racial envolvida nos conflitos fundiários urbanos e ignora o desenvolvimento de
políticas públicas de habitação que contemplem a inclusão da população negra. Por
conseguinte, exclui afrodescendentes dos espaços nobres da cidade, deslocando com-
pulsoriamente para áreas remotas do espaço urbano, além de não observar os im-
pactos negativos que se desdobram sobre esta demanda e que automaticamente a
desempodera.
8 Segundo “O Direito à Moradia Adequada” (The Right to Adequate Housing), manual lançado pela ONU-Ha-
bitat e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (OHCHR), o conceito de moradia
adequada inclui: [...] a garantia de um lugar para morar sem ameaça de remoção, o acesso a educação, saúde,
lazer, transporte, energia elétrica, água potável e esgoto, coleta de lixo, áreas verdes e um meio ambiente sau-
dável; proteção efetiva contra frio, calor, chuva, vento, incêndio, inundação, sem riscos de desmoronamento
ou outras ameaças à saúde e à vida; acesso aos meios de subsistência, inclusive acesso à terra e a trabalho;
uso de materiais, estruturas e organização espacial de acordo com a cultura dos moradores; prioridade às ne-
cessidades de grupos específicos, como as mulheres e grupos vulneráveis como crianças, idosos e deficientes;
acesso independente da renda ou da capacidade de pagar do morador (SANTOS, 2013, p. 28)
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nível em: http://ejw.sagepub.com/content/13/3/193
Resumo: O presente trabalho visa investigar a relação dos direitos urbanos com a con-
dição social feminina, utilizando-se para isso do arcabouço teórico construído acerca da
forma urbana e das relações de gênero. Além disso, objetiva compreender como essa
problemática se desenvolve na cidade de Natal/RN, investigando como se organizam
os movimentos feministas, quais suas reivindicações e formulações acerca do direito
das mulheres à cidade.
Palavras-chave: Direito à Cidade; Desigualdade de Gênero; Espaço Urbano; Políticas
Públicas; Movimentos Feministas.
Abstract : This study aims to investigate the relation of urban rights alongside the wo-
men social condition, using for the theoretical framework built on the urban form and
244 gender relations. In addition, it’s view to understand how this problem develops in the
city of Natal / RN, investigating how the feminist movements organize themselves, whi-
ch are their claims and formulations when it comes to women rights to the city.
Keywords: Right to the City; Gender inequality; Urban Space; Public policy; Feminist
movements
1 INTRODUÇÃO
Historicamente as mulheres foram excluídas da vivência do espaço público, cabendo
a elas apenas domínio privado da vida em sociedade e a responsabilidade pelas ativida-
des relacionadas à reprodução da vida. Com o passar do tempo, as relações sociais foram
adquirindo outros contornos e as mulheres passaram a ocupar cada vez mais o âmbito
que lhes foi negado. Entretanto, esse processo, ao que parece, ainda encontra diversas re-
percussões no tocante à consolidação e autonomia da condição feminina em uma esfera
social ainda dotada de muitas limitações. Por isso, a experiência urbana das mulheres, em
sua plenitude, se apresenta enquanto um desafio a ser superado, uma vez que as cidades
se constituem enquanto palco das realizações pertencentes ao âmbito público.
É na cidade em que as simultaneidades dos processos sociais se congregam; onde
acontecem os encontros, produções, relações, experiências. A simples inserção da mu-
lher nesse espaço não parece ser suficiente para torná-lo capaz de efetivar todas as suas
demandas específicas, levando em conta o acúmulo de funções sociais, traduzido nas
várias jornadas de trabalho enfrentadas pelas mulheres em seus cotidianos.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Cidade e Direito do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movi-
mentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
O direito à cidade está, por isso, além de um direito ao acesso àquilo que
já existe: é um direito de mudar a cidade mais de acordo com o nosso de-
sejo íntimo. A liberdade para nos fazermos e nos refazermos, assim como
nossas cidades, é um dos mais preciosos, ainda que dos mais negligencia-
dos, dos nossos direitos humanos. (HARVEY, 2008, p. 9)
David Harvey3 (2008) dialoga com algumas formulações desenvolvidas por Lefebvre
e, a partir delas, desenvolve sua própria teoria acerca do Direito à Cidade, prelecio-
nando que não se trata de um direito àquilo que já está posto, e sim na possibilidade
transformar o espaço urbano de acordo com nossos anseios.
“Esse trabalho era de, mais ou menos, um ano de formação política com
essas mulheres, para que elas fossem capazes de olhar para os problemas
da cidade, do bairro, das ruas que elas moravam. Criando essa consciência
em relação aos direitos das mulheres de andar livremente, com segurança,
ter oportunidade, lazer na cidade. Sempre trabalhamos com mulheres de
periferia, com pouquíssimo acesso aos direitos, à informação” (CLÁUDIA
GAZZOLA, entrevista em 23 de outubro de 2015)
250 Em 2005, o Leila entra para o Fórum Nordeste de Reforma Urbana e durante cinco
anos, até 2010, fomentaram referida discussão de gênero nas políticas públicas e, tam-
bém, a perspectiva das mulheres sobre a cidade.
Esse foi um período histórico para o movimento feminista em Natal, considerando
que todas as discussões realizadas com as mulheres dos setores populares sobre a
cidade; e o fato de tais elaborações serem levadas para o fórum de reforma urbana. O
Coletivo Leila Diniz atuou enquanto mediador entre as mulheres e o espaço institucio-
nal, realizando o necessário diálogo entre ambos setores. Sobretudo, porque trabalhou
com as sujeitas mais distantes da estrutura política e que, por isso, sempre foram exclu-
ídas dos processos políticos decisórios.
Outra pauta que sempre foi tônica das reivindicações do Leila Diniz é o Combate à
Violência Contra a Mulher. Ao tratar dessa questão, o Coletivo faz a leitura de que essa
problemática está intimamente ligada à questão no Direito à Cidade, considerando que
a violência sempre foi um mecanismo de interdição das mulheres, tanto de ocupar o es-
paço público, como de se constituírem enquanto sujeitas políticas. Ou seja, representa
uma barreira para as mulheres ocuparem os espaços políticos. Sobretudo, pelo fato de
historicamente os movimentos feministas reivindicarem a pauta da violência doméstica
enquanto questão deve ser levada ao âmbito público, não se restringindo apenas ao
privado. As formulações políticas do Leila Diniz acerca do Direito à Cidade são sempre
transversais às pautas históricas do movimento feminista, uma vez que podem ser en-
carados por diversos ângulos.
“Tem várias formas da gente olhar para o direito das mulheres à cida-
des. A violência eu acho que é uma que não dá pra descolar de nenhu-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
ma outra. Aí a gente pode associar a questão da violência com diversas
outras coisas. Por exemplo, habitação, a moradia. Pra mim ela também
é central, porque não existe cidade sem casa. Então, falar do espaço
privado também é fundamental para garantir o direito das mulheres.”
(CLÁUDIA GAZZOLA, entrevista em 23 de outubro de 2015)
A organização social das mulheres formula acerca das questões políticas das
mulheres, a partir de suas vivências mais cotidianas. Cláudia Gazzola expõe que a
questão do público e privado está intimamente correlacionada. Uma das lutas his-
tóricas do movimento feminista é a necessidade de inserir a mulher na política, pois
há a compreensão de que essa mulher precisa estar inserida nos espaços decisórios
para conseguir pautar suas necessidades. Afinal, são elas que vivenciam as maiores
contradições do espaço urbano.
“O que é uma cidade boa para as mulheres? ’ É uma cidade que tem
casa, é uma cidade que têm segurança, que tem ônibus, que tem esco-
la, que tem creche. Por que se você for olhar para as desigualdades e
como as desigualdades entre homens e mulheres se expressam na vida
cotidiana nas cidades, são as mulheres que ainda cuidam dos filhos,
que são responsáveis pelo trabalho doméstico, que fazem esse traba-
lho de reprodução social; os homens ainda não assumiram isso de fato.
Então, quem sai de casa para ir à escola, quem sai de casa para ir ao
posto de saúde, que anda um quilômetro, dois quilômetros a pé com 251
uma criança, com um idoso, que fica três, quatro, cinco horas na fila de
um posto de saúde, são as mulheres. E as mulheres historicamente nun-
ca estiveram nesse espaço de construção da cidade, de decisão sobre
a cidade” (CLÁUDIA GAZZOLA, entrevista em 23 de outubro de 2015)
É válido ressaltar a linguagem utilizada pelo Coletivo para dialogar com as mulheres.
Como exposto pela Cláudia Gazzola, o formato do encontro, as dinâmicas desenvolvi-
das pelo movimento são fundamentais para inserir as mulheres no debate de gênero e
na organização política. O histórico de ações do Coletivo é marcado por uma expressão
artística muito evidente; as intervenções artísticas das mais diversas ou a teatralização
da vivencias das mulheres, enquanto meio de fomentar o debate, estão sempre muito
presentes nas atuações do grupo.
Cláudia Gazzola, ao iniciar a análise acerca do poder público, trata logo da preca-
riedade das condições físicas da Secretaria Pública de Mulheres (SPM-RN), enquanto
elemento que limita bastante a atuação de tal órgão. Em relação, às políticas públicas
para as mulheres, faz uma crítica ferrenha ao programa do Governo Federal “Mãos que
constroem”, implementado pelo Município e viabilizado pela SEMUL.
Fica evidente na fala da militante do Leila Diniz o descompasso das políticas públi-
cas com a realidade das mulheres. Ao mesmo tempo em que o Governo Federal tenta
capacitar a mão-de-obra feminina para incluí-la no mercado de trabalho da Constru-
ção Civil, os movimentos feministas estão debatendo a necessidade de políticas que
efetivamente garantam a autonomia financeira das mulheres, tratando da questão da
mudança estrutural das cidades. Essa dicotomia entre os projetos estatais e as pautas
feministas já evidenciam que o diálogo entre o poder público e os movimentos organi-
zados é bem restrito, devendo ser aprofundado.
A Marcha Mundial de Mulheres acredita que o direito das mulheres à cidade é uma
pauta de reivindicação do movimento e, inclusive, existem diversas formulações acerca
de tal temática a nível nacional. Em âmbito local, o núcleo Amélias já promoveu diversas
ações referentes ao combate à desigualdade de gênero no espaço urbano. As ações
destacadas pelas militantes da Marcha Mundial de Mulheres em Natal foram fornecidas
por depoimento oral e serão expostas a seguir.
A construção do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva Soberana para
Reformar o Sistema Político, para pautar a ocupação dos espaços públicos e políticos
pelas mulheres, pois se tem o entendimento de que a cidade só será estruturada para
elas, se forem pensadas por elas.
A luta pela construção de creches e lavanderias públicas, devido ao acúmulo de
funções sociais desempenhadas pelas mulheres, o que resulta na exploração de tais su-
jeitas. A inserção do debate de gênero da Revolta do Busão8, pautando a necessidade
de um transporte público de qualidade e seguro para as mulheres. A campanha de que
nenhuma mulher merece ser estuprada; pautando o direito de ir e vir e a não objetifica-
ção do corpo feminino. Em todas essas ações, o debate da ocupação do espaço público
pelas mulheres era levantado.
7 Partido político criado em 1997 e impulsionado pelos movimentos sociais , principalmente o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Site oficial do Partido: http://www.consultapopular.org.br/quem-
somos ; Acesso em 10 de Novembro de 2015.
8 A Revolta do Busão é um movimento social do Rio Grande do Norte, em prol da qualidade do transporte
público.
Percebe-se que a temática do Direito à Cidade é uma pauta central dos da Marcha
Mundial de Mulheres. Ao tratar das diversas pautas abordadas acima, as mulheres con-
tribuem com a construção do debate a partir de suas vivências e transformam-na em
formulações teóricas e prática política. Com isso, fica evidente a expressiva contribuição
que tais movimentos têm na construção de uma cidade mais justa e igualitária.
Ana Lúcia de Lima Gomes é a atual dirigente do Setor Clara Camarão e afirma que
as pautas do movimento em relação ao Direito à Cidade são muitas, tendo em vista o
fato de um dos núcleos do Levante Natal ser localizado no bairro periférico de Felipe
Camarão, localidade em que há bastante precariedade dos serviços públicos.
As pautas colocadas pelo Setor de Mulheres são muitas, considerando que as mu-
12 Em homenagem à Clara Camarão, índia, que rompeu com a lógica de divisão do trabalho na Tribo, pois
deixou os afazeres domésticos para lutar junto à Felipe Camarão, seu marido, durante as invasões holandesas.
“Outra demanda que a gente tem lá é a creche, que é uma importante de-
manda do Levante lá (em Felipe Camarão), né? De cinco horas da manhã,
se você for em uma parada, você só vai ser mulher. A maioria são mulheres
pobres indo trabalhar na casa de pessoas. São mulheres negras e jovens,
que já estão inseridas no marcado de trabalho, já são domésticas. Ocupam
todos esses empregos informais e terceirizados. Acontece que essas mu-
lheres são mães e lá a gente tem uma demanda de creches enorme. Lá nós
temos apenas três creches e isso não é a metade do que a gente precisa
para o bairro. Então, todo começo do ano é aquela fila de mulher na frente
das creches esperando abrir as inscrições para escrever seus filhos. E aí,
são creches precarizadas e não há diálogo com as pessoas do bairro. As
mulheres que não têm acesso à creche acabam pagando pelas escolas de
tempo integral.” (ANA LÚCIA LIMA GOMES, entrevista realizada no dia 05
de novembro de 2015)
A questão das creches é uma das bandeiras mais fortes levantadas pelo Setor Clara 257
Camarão e já foi tema de muitas ações desempenhadas pela organização, uma vez que
se refere a uma necessidade latente das mulheres daquele bairro. As formulações do
Setor acerca de tal pauta são no sentido de que é preciso viabilizar espaços educativos
para os filhos das mulheres trabalhadoras, pois isso tem total ligação com o cotidiano
urbano vivenciado por elas. Ou seja, com direito das mulheres à Cidade, uma vez que
essa pauta está de total acordo com o que diz respeito às funções sociais desempenha-
das por essas sujeitas. Atentando ao fato de que ainda cabem às mulheres, predomi-
nantemente, as tarefas referentes à reprodução da vida.
As críticas realizadas pela líder do Setor Clara Camarão evidenciam que ainda é mui-
to frágil o diálogo do poder público com os movimentos sociais. A incompatibilidade
de ações e a falta de comunicação dos eventos explicitam que ainda é preciso estreitar
aludida relação. Principalmente pelo fato do fomento aos movimentos sociais ser um
dos objetivos de ambas as Secretarias, com vimos no tópico anterior.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do arcabouço teórico abordado no presente trabalho, referente aos aspec-
tos gerais do Direito à Cidade e a questão da forma urbana, resta evidente que o com-
bate à desigualdade de gênero também é fundamental na construção de cidades sus-
tentáveis, levando em conta a perspectiva histórica dos espaços que a mulher ocupou
no processo de urbanização, sendo excluída da vida pública e, consequentemente, da
vivência e produção dos espaços.
Tendo em vista as especificidades do cotidiano urbano feminino, oriundas do acú-
mulo de papéis sociais por tais sujeitas, a precariedade da infraestrutura tem implicân-
cias muito maiores em suas vidas. Tal precarização representa o limitado acesso aos
recursos e serviços públicos pelas mulheres.
258
Com isso, resta comprovada a necessidade de refletir acerca dos direitos urbanos
a partir de uma perspectiva de gênero, devido às aludidas demandas específicas. No
tocante à violência urbana, resta evidente a necessidade elaborar novos mecanismos de
segurança pública para as mulheres, visando coibir as violações sofridas, considerando
as proporções que tal problemática assume em se tratando de mulheres.
A pesquisa realizada junto aos movimentos feministas da cidade de Natal eviden-
ciou que o tema do Direito à Cidade é uma pauta histórica de tais organizações, bem
como a mobilização social que ocorrem em torno dela. Expressou as demandas espe-
cíficas das mulheres que ocupam esse espaço político e refletiu a sua condição delas
no espaço urbano. Além disso, os seus depoimentos coletados traduziram a urgente e
necessária inclusão das mulheres na elaboração de um projeto de cidade que abranja
suas demandas. É recorrente a alusão à falta de diálogo do poder público com os tais
movimentos.
As reivindicações feitas pelos movimentos feministas são muitas e passam por
questões essenciais às políticas urbanísticas. A questão da segurança pública é uma das
mais levantas, tendo em vista o fato da violência contra a mulher ser um dos principais
instrumentos de interdição das mulheres. Além disso, o transporte público de quali-
dade e seguro é outro elemento de extrema importância. Ambas reivindicações são
basilares, tendo em vista que conferem o fundamental direito de ir e vir, de trânsito no
espaço urbano. Outras demandas estão atreladas às diversas jornadas de trabalho, pro-
venientes dos papeis sociais desempenhados pelas mulheres, que são as lavanderias e
restaurantes públicos.
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APÊNDICE A
Método utilizado: entrevistas pré-estruturadas.
Direcionado aos movimentos sociais feministas:
1- Como se deu o início do movimento?
2- Qual o histórico de lutas?
3- Como se organizam e quais os campos de atuação na cidade?
4- Quais as principais ações relacionadas ao Direito das mulheres à cidade?
5- Como é a relação com o poder público?
6- Quais as principais reivindicações em relação aos direitos urbanos?
Resumo: A cidade se ergue como um reflexo e como proteção das ideias e valores
dominantes. A sociedade, que compõe a cidade, é heteronormativa, isto é, assimila a
heterossexualidade como norma sexual legítima e moralmente constituída. Assim, a ci-
dade também se constitui enquanto um ambiente que mitiga subjetividades, rejeitando
as sexualidades e identidades de gênero desviantes da norma sexual posta. Através da
compulsoriedade da heterossexualidade, isto é, da construção heteronormativa dos es-
paços urbanos temos o fenômeno da “cidade-armário”. A cidade-armário é a expansão
do “armário” – entendido aqui como o ambiente de proteção/ocultação da sexualidade
desviante à norma – para o âmbito urbano; é a utilização do espaço público e comum
260 para a ocultação da população LGBT, sobretudo, através da sacralização heterossexual
dos espaços, por meio dos discursos pró-família e pró-moralização do ambiente ur-
bano. Assim, cumpre-se analisar a expansão da cidade-armário e como se ergue esse
fenômeno através da invisibilidade e, consequentemente, da violência contra lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Palavras-Chave: Heteronormatividade; Cidade-armário; Direito à Cidade; LGBT
Abstract: The city rises as a reflex and as protection of the ideas and dominant values.
The society, who composes the city, is heteronormative, i.e., assimilates the hetero-
sexuality as the sexual legimate rule morally constituted. Thus, the city also is an en-
vironment that mitigates subjectivities, denying the sexualities and gender identities
that diverges from the standardized sexual rule. Throughout the heterosexuality com-
pulsoriness, i.e., the heteronormative composition of the urban spaces results in the
“closet-city” phenomenon. The closet-city is the expansion of the “closet” – understood
here as the environment of protection/hiding of the “devious” sexuality – for the urban
scope; is the use of the public and common spaces in order to hide the LGBT population,
specially through the heterosexual sacralisation of the spaces and pro-family and pro-
moralisation discourses of the urban territory. Thereby, the analysis of the expansion
of the “closet-city” and how this phenomenom rises through the invisibility and, con-
sequently, the violence against lesbians, gays, bisexuals, transvestites and transexuals
must be assessed.
Keywords: Heteronormativity; Closet-city; Right to the city; LGBT
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão “Cidade e Direito” do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movi-
mentos Sociais, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
O que você pode fazer, sozinho? A resposta é óbvia. Você não está so-
zinho, e não deve se dar ao luxo de tentar. Essa porta de armário, que
nunca foi uma proteção muito segura, agora está ainda mais perigosa.
Você deve sair, por você mesmo e por todos nós (BOCKMAN, p. 13,
1976)
A cidade pode ser julgada e entendida apenas em relação àquilo que eu,
você, nós e (para que não nos esqueçamos) ‘eles’ desejamos. Se a cidade
não se encontra alinhada a esses direitos, então ela precisa ser mudada.
[...] A liberdade da cidade é, portanto, muito mais que um direito de acesso
àquilo que já existe: é o direito de mudar a cidade mais de acordo com
o desejo de nossos corações. [...] A questão do tipo de cidade que dese-
jamos é inseparável da questão do tipo de pessoa que desejamos nos
tornar. (HARVEY, 2013, p. 27-8)
261
Lefebvre (1991, p. 22) afirma, ainda, que “a vida urbana pressupõe encontros, con-
frontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no con-
fronto ideológico e político) dos modos de viver”. Assim, a partir das relações de tra-
balho e as transformações decorrente delas, que os indivíduos criam/assimilam ideias
e valores que permearão suas relações sociais contraditórias. A cidade não se mantém
impassível perante as transformações de pensamento. Ora, se a cidade – por meio da
acumulação e exploração do capital – é moldada a partir dos interesses das classes
dominantes, é óbvio chegar à conclusão de que a cidade tem donos e que esses donos
não são nem os trabalhadores que investem sua força de trabalho para serem expro-
priados do capital em detrimento dos capitalistas nem o povo.
A cidade pertence a quem detém poder (econômico, político e social), se ajustando
às normas estabelecidas por esses setores. A cidade é pensada, consoante a Lefebvre
(1991), constituindo-se num sistema fechado, assimilando não só o caráter da vida co-
munitária, mas os conflitos internos e os interesses dominantes na sua constituição. De
fato, ao analisarmos com mais cautela, podemos reparar a quem se destina a cidade:
a ausência de políticas públicas para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
visando sua proteção e a garantia de acesso aos direitos capazes de afirmar o princípio
basilar da dignidade da pessoa humana é uma prova gritante que a cidade se fecha
em torno da heterossexualidade, ignorando a presença e participação de LGBTs em seu
corpo; uma vez que não existem políticas públicas voltadas para essa população, temos
dois fenômenos que são interligados: a invisibilidade social LGBT – embora não esteja
invisível nos relatos de violência urbana em virtude de discriminação – e a redefinição
da cidade enquanto “cidade-armário”.
De fato, não há como destituir a cidade do seu caráter ideológico, posto que as
relações de classe permeiam a realidade urbana. Para Marx e Engels (2009, p. 67), “as
ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a
classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu po-
der estrutural dominante”. Isso significa dizer que a classe dominante estende a toda a
|4 Dados disponíveis em: <https://homofobiamata.wordpress.com/estatisticas/relatorios/2015-2/>. Acesso
em: 28 mai. 2016.
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de ver-
dade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir os enun-
ciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros;
as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da
verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona
como verdadeiro (FOUCAULT, 1995, p. 12)
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
O que sustenta os micropoderes que entremeiam a cidade e define os espaços
públicos como apropriados ou inapropriados? É importante se ter em mente que a
sacralidade conferida aos locais de trânsito de pessoas como um “lugar de respeito”
ou “lugar de família”, necessitando ser mantido longe das pessoas que se desviam da
norma sexual vigente – os corpos queer5 –, se dá pelo discurso religioso e moralizante.
Assim, são os discursos responsáveis por reforçar o poder sobre a cidade e sobre os
corpos que se locomovem por ela.
O poder vinculado através dos discursos é que funda um espaço urbano baseado
em binarismos: homem e mulher, heterossexual e homossexual, lícito e ilícito etc., não
dando conta das múltiplas configurações humanas (BORGHI, 2015). Por não assimilar
além dos binarismos e por ser uma reprodutora de mecanismos e dinâmicas sociais, a
cidade também se constitui palco para as violências contra as minorias sociais, mitigan-
do subjetividades e definindo condutas apropriadas ou não aos seus ambientes. Por
meio do discurso – através dos binarismos –, a figura do armário é colocada como um
ambiente necessário à preservação da privacidade das pessoas consideradas desviantes
da norma sexual: o que não é norma deve ser ocultado, uma vez que representa risco 265
à ordem sexual vigente.
Porém, a figura do armário é, também, uma estrutura definidora da opressão, for-
talecendo a cultura heterossexista e cissexista, explicitando que, enquanto a heteros-
sexualidade e a cisgeneridade6 são naturalizadas e públicas, a homossexualidade e a
transgeneridade devem permanecer no campo privado, sendo consideradas não-natu-
rais e, assim, devem ser ocultas dentro do armário. A construção ideológica do armário
deverá ser desmantelada, junto com o mito da “preservação” da moral, porque serve
apenas para a manutenção dos privilégios e sacralização da heterossexualidade e da
cisgeneridade através do discurso moralizante.
Nesse sentido, Segdwick (2007, p. 27) nos afirma que “a imagem do assumir-se
confronta regularmente a imagem do armário, e sua posição pública sem ambiva-
lência pode ser contraposta como uma certeza epistemológica salvadora contra a
privacidade equívoca oferecida pelo armário”. O armário é silêncio. Mas também é
fala.
5 O termo “queer”, originalmente, era tido como um termo pejorativo, significando “estranho”, “anômalo”.
Na década de 1980, nos Estados Unidos, a partir dos estudos sobre gays, lésbicas e estudos feministas, a Teo-
ria Queer se apropria do termo queer, dando-lhe novo sentido. Baseando-se nos estudos de Michel Foucault,
a Teoria Queer, essencialmente, rejeita a classificação em termos universais como “homossexual” e “hete-
rossexual”, “homem” e “mulher”, alegando que essas classificações escondem inúmeras variações culturais.
Propõe assim, que todas identidades sociais são anômalas – ou queer. Ver: BUTLER, 2003.
6 Uma vez que entendemos a transexualidade como a condição das pessoas que não se identificam com o
sexo biológico que lhes foi designado, a “cisgeneridade” é a condição das pessoas que se identificam com o
sexo biológico que lhes foi designado e, muitas vezes, com os papeis socialmente atribuídos ao masculino e
ao feminino.
7 No dia 10 de abril de 2015, a travesti Verônica Bolina foi detida sob suspeita de tentativa de assassinato.
Na delegacia, teve seu corpo desfigurado, cabelos raspados e alojada junto com presos do sexo masculino (o
que desrespeita a Resolução Conjunta nº 01/2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, e os Princípios de Yogyakarta). Os policiais divulgaram
fotos da travesti algemada e seminua, rosto inchado e desfigurado, além de lesões e hematomas na barriga
e nas costas. O caso gerou polêmicas pelos indícios de tortura e violações de direitos humanos por agentes
da lei. Ver notícia disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/04/travesti-fica-desfigurada
-apos-prisao-defensoria-diz-haver-indicio-de-tortura.html>. Acesso em: 30 abr. 2016.
5. Conclusões
Repensar os modos de produção e reprodução do espaço urbano, muitas vezes, se
mostra tarefa por demasiado complexa, uma vez que a cidade possui diversas vias de
acesso. A noção de “cidade-armário” aqui apresentada é uma reflexão ainda recente so-
bre a heteronormatividade dos espaços societários; se a cidade se ergue enquanto um
reflexo dos interesses e pensamentos dominantes na sociedade, não é de se espantar
que as concepções sobre sexualidade e gênero atravessem esse campo político.
9 “Programa da Prefeitura de São Paulo destinado a promover os direitos humanos e a cidadania e oferecer
condições e trajetórias de recuperação de oportunidades de vida para travestis e transexuais em situação de
vulnerabilidade social. O programa possui como dimensão estruturante a oferta de condições de autono-
mia financeira, por meio da transferência de renda condicionada à execução de atividades relacionadas à
conclusão da escolaridade básica, preparação para o mundo do trabalho e formação profissional, formação
cidadã. A essas ações soma-se um exercício de aperfeiçoamento institucional, no que tange à preparação de
serviços e equipamentos públicos para atendimento qualificado e humanizado”, segundo definição do site da
Prefeitura de São Paulo. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/trabalho/cursos/
operacao_trabalho/index.php?p=170430>. Acesso em: 05 jun. 2016.
Resumo: Na necessária inter-relação dos eixos que baseiam o Estatuto da Cidade, nor-
ma reguladora, a promoção da regularização fundiária parece essencial e basilar, pois
que é no tornar-se habitante legalizado que surge no íntimo a legitimidade para exigir
direitos e, portanto, exercer cidadania. Uma vez que regulariza a relação com a terra
que habita e com a porção da cidade na qual vive e interfere. Neste artigo, se fará uma
análise da usucapião especial coletiva urbana como um instrumento para promoção de
regularização fundiária. Esta análise começa pela apresentação dos contornos dados
a este instrumento jurídico pelo Estatuto da Cidade, seguida pela ilustração de suas
possibilidades e limites de aplicação a partir de um caso concreto. O caso em questão
é o da Sociedade Barracão, comunidade formada por catadores de material reciclável
que ocuparam uma área com destinação de moradia e trabalho no bairro Boqueirão,
em Curitiba, e protagonizaram a primeira sentença proferida pelo Tribunal de Justiça do
Paraná a dar provimento a uma ação de usucapião especial coletiva urbana.
Palavras-chave: regularização fundiária; usucapião especial coletiva urbana; estatuto
271
da cidade.
Abstract: In the necessary inter-relation of themes that support the Statute of City,
regulative standard, the promotion of land regularization seems to be essential and ba-
seline therefore is in becoming legalized inhabitant that emerges in the depths the legi-
timacy to demand rights and so, to exercise citizenship. Once it regularizes the relation
with the land that inhabits and with the portion of the city where lives and interferes in.
This article is going to analyze the urban collective special usucaption as an instrument
to promote land regularization. This analysis starts by presenting the boundaries of this
juridical instrument stablished on the Statute of City, then the illustration of its possibi-
lities and limits of application based on a case. The case in question is of the “Barracão”
Society, community formed by collectors of recyclable materials that occupied and area
for living and working in the “Boqueirão” neighborhood in Curitiba, and was protago-
nist of the judgement given by the Paraná Court of Justice confirming an action of urban
collective special usucaption.
Key-words: land regularization; urban collective special usucaption; statute of city.
1. Introdução
De acordo com Maricato (2014) o mercado residencial legal atende apenas 30% da
população brasileira, de modo que, a maioria dos habitantes das cidades acessa terra
através da ocupação de áreas vazias ou da compra e venda não registrada. Fato é que
os vazios urbanos não são terras de ninguém, pertencem a proprietários privados que
1A usucapião especial urbana em sua previsão constitucional pura, possuía uma dificuldade prática de ser
aplicada à realidade que pretendia normatizar. É que na forma individual a usucapião pró-moradia não conse-
gue servir de instrumento para regularização fundiária de áreas não urbanizadas, pois é impossível identificar
e individualizar os lotes de cada família. Tal fato é característico dos assentamentos informais, pois “sobretudo
em terrenos com grande declividade na encosta de morros, dada a característica da ocupação desordenada,
do adensamento e da superposição de unidades, é impossível individualizar o lote” (COMPANS, 2003).
Ou seja, resta afirmar que não havia tutela ao direito de propriedade da Massa Fali-
da da Tecnicom, até porque tal direito deixou o plano da existência.
Ocorre que, de pronto, tal direito gozou de extrema proteção, quando em 2004 foi
deferida liminar a título de tutela de urgência sem direito à defesa aos catadores para
reintegrar a Massa Falida na posse do imóvel, a se utilizar de demanda possessória para
proteger o direito de propriedade.
Questiona-se, não mereceriam tutela jurídica os direitos envolvidos no outro pólo
da ação, utilizando-se da linguagem jurídica para dizer dos direitos dos ocupantes do
imóvel?
O que estaria em xeque para aquele grupo de famílias, numa visão simplificadora,
seria seu direito de moradia. Simplificadora porque o direito fundamental social à mo-
2 Trecho retirado do parecer favorável da Promotora de Justiça Ana Cristina Martins Brandão, da Promotoria
de Justiça das Varas Cíveis do Ministério Público do Estado do Paraná, à procedência da ação de usucapião
– folhas 1181 à 1187 dos Autos nº 1170/2004, Ação de Reintegração de Posse da 6ª Vara Cível da Comarca
de Curitiba.
Ao longo deste feito, que tramita há mais de seis anos, foram inúmeras
as reuniões e ofícios solicitando providências junto aos órgãos públicos,
inclusive com concurso do Ministério Público, mas não houve qualquer
interesse em resolver a questão extra autos 3.
A Constituição Federal tem, dentre seus objetivos, busca a redução das de-
sigualdades sociais. Sem opor-se a garantia do direito de propriedade, não
mais vigora o absolutismo de tal direito, dando amparo à socialização e
à equitativa distribuição dos bens. Nesta esteira, o direito de propriedade
subordina-se ao interesse coletivo, batizado de função social” 4.
8. Considerações finais
Após quinze anos de entrada em vigor Lei 10.257/2001, tantos entraves ainda se
apresentem tanto para a população interessada quanto para o Poder Judiciário, para o
reconhecimento de uma demanda de usucapião especial coletiva urbana.
Apesar de o Estatuto da Cidade ter representando grande avanço no direito bra-
sileiro, rompendo com a tradição privatista de compreensão da propriedade urbana
e introduzindo conceitos inovadores como a função social da cidade, este conjunto
normativo apresenta ainda lacunas e imprecisões que merecem, por um lado, estudo
detido por parte dos estudiosos do Direito de forma a garantir sua efetiva aplicabilida-
de; por outro lado, encontra desafios quanto ao enfrentamento do tema por parte dos
Tribunais.
Alguns dos instrumentos de direito urbanístico previstos no Estatuto da Cidade são,
por vezes, de difícil aplicação, sendo somente possível de se concretizarem se houver
um alargamento interpretativo dentro da lógica sistêmica do conjunto normativo legal
e constitucional.
A complexidade em implementar a usucapião especial coletiva, objeto de análise
282 neste trabalho, assim como as complicações que podem surgir pelo rigor legislativo
em sua utilização, não são particularidades deste instituto, mas também se encontram
presentes em vários outros instrumentos do Estatuto da Cidade (a concessão de uso
especial para fins de moradia apresenta contornos semelhantes). Ademais, alguns dos
instrumentos urbanísticos podem vir a ser utilizados com desvio de finalidade, sem
atender ao objetivo de reforma urbana: por fim à dicotomia entre cidade legal e cidade
ilegal, que é a finalidade do próprio Estatuto.
As limitações, entretanto, do instrumental do Estatuto da Cidade não são intrínse-
cas a este, mas se relacionam com as limitações do próprio Direito como ferramenta de
mudança das estruturas sociais.
É por esta razão que os movimentos populares não podem focar seus esforços de
mobilização e pressão social apenas ao legislativo, tal qual ensina Maricato:
Os movimentos sociais devem lutar por novos marcos jurídicos, mas de-
vem considerar que isso está muito longe de assegurar conquistas reais.
Estamos testemunhando a aplicação quase nula dos instrumentos mais
importantes do Estatuto da Cidade, seis anos após sua promulgação.
Apesar da força e da unidade dos movimentos urbanos, o secularmente
almejado acesso à terra pouco avançou concretamente nesses anos de
conquistas institucionais (MARICATO, 2014, p. 101).
Mesmo que o Estatuto da Cidade seja norma que demonstra claramente suas fina-
lidades e possui denso caráter principiológico, resultado da pressão dos militantes pela
Reforma Urbana, a própria lei ao desenhar os instrumentos jurídicos para regularização
9. Referências bibliográficas
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Resumo: Nos últimos anos, os movimentos de luta pela moradia têm ganhado grande
destaque com a realização e multiplicação de ocupações urbanas, as quais tem garan-
tido o direito à moradia a milhares de famílias e, ao mesmo tempo, levantado nova
maneira de pensar e de construir a cidade, de forma cada vez mais inclusiva. A partir
da cartografia social e do mapeamento de novas ocupações urbanas que ocorreram
na Região Metropolitana de Belo Horizonte a partir de 2009, houve contato com os
movimentos sociais de luta pela moradia na região. Buscou-se demonstrar, a partir
dos dados coletados, como os movimentos sociais e outros apoiadores das ocupações
urbanas têm sido determinantes na produção do espaço na metrópole. Em conformi-
dade com os estudos de Henri Lefebvre sobre o direito a cidade, observou-se que as
lutas pela reforma urbana e o direito à moradia adequada nas ocupações urbanas - aos
que tiveram tal direito negado ao longo dos últimos anos - tem participação relevante
dos movimentos sociais no seu planejamento, organização e apoio à permanência dos
moradores nas áreas ocupadas.
Palavras-chave: ocupações urbanas; direito à cidade; movimentos sociais. Direito a
moradia.
Abstract: In recent years, the housing movements has gained great prominence to the
realization and multiplication of urban occupations, which has guaranteed the right to
housing to thousands of families and, at the same time raised new way of thinking and
build the city each time more inclusive. It was in this context that the research project
1 Introdução
Este trabalho é fruto da pesquisa “Ocupações Urbanas de Belo Horizonte e Região
Metropolitana”, desenvolvida no âmbito do Programa “Cidade e Alteridade: Convivên-
cia Multicultural e Justiça Urbana” da Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais – UFMG.
A pesquisa tem como objetivos centrais compreender o fenômeno das ocupações;
o que elas representam aos seus moradores e às cidades; e o estudo dos modos como
o Poder Judiciário tem lidado com as novas e reivindicativas formas de apropriação do
espaço urbano. O estudo abarca seis ocupações urbanas da Região Metropolitana de
Belo Horizonte/ MG cujo nome e o ano de início são os seguintes: Camilo Torres (2008),
Dandara (2009), Irmã Dorothy (2010), Eliana Silva (2012), Zilah Spósito (2012) e Emanuel 285
Guarani Kaiowá (2013).
As ocupações urbanas são espaços da cidade antes inutilizados, subutilizados ou
não edificados, onde tem sido exercida posse planejada, pacífica e informal, e que se
constituíram como identidades territorializadas, a partir da mobilização pelo acesso à
terra urbana e ao exercício dos direitos à moradia e à cidade. (DIAS et al., 2015, p. 365).
Trata-se do resultado da organização dos seus moradores junto a movimentos so-
ciais que, nos últimos anos, vêm se empenhando em utilizar-se de terrenos ociosos que
não cumprem a função social da propriedade urbana. Elas problematizam o viés mera-
mente econômico da propriedade, o uso e ocupação do solo entregue à especulação
imobiliária, bem como a interferência de segmentos empresariais na regulação urbana
das grandes cidades brasileiras, como é o caso de Belo Horizonte e de sua Região
Metropolitana. Apesar de o déficit habitacional ter apresentado redução na maioria
das cidades brasileiras nos últimos anos, em Belo Horizonte ele continua crescente e
os programas habitacionais estão longe de cumprir sua função, conforme pode ser
comprovado pelos dados das pesquisas da Fundação João Pinheiro em Convênio com
o Ministério das Cidades1.
Cabe ressaltar a composição do déficit habitacional da Região Metropolitana de
Belo Horizonte, conforme dados da Tabela 1:
1 Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informação Déficit habitacional no Brasil 2013: resultados
preliminares / Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informação – Belo Horizonte, 2015. (Nota
técnica)
A composição do déficit demonstra que mais de 50% deste está relacionada com o
ônus excessivo do aluguel. Ademais, mais de 40% estão relacionados com a coabitação,
ou seja, famílias que não possuem condições de possuir moradia exclusiva. Estas in-
formações são importantes para a compreensão da motivação para a organização dos
movimentos sociais na luta pela moradia na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Para além de garantir a efetivação do direito à moradia, as ocupações têm criado
novas formas de alteridade urbana e têm sido exemplo da necessidade da (re)constru-
ção de espaços mais democráticos nas cidades.
Em que pese o protagonismo dessa luta ser dos moradores das ocupações, deve-
se também reconhecer o importante papel que os movimentos desempenham, seja
286 como articulador, mediador/negociador, ou até mesmo como fomentador. Importante
consideração a se fazer é que nem sempre há separação heterogênea e binária entre
movimento social x moradores, vez que eles se relacionam e se misturam. Por serem
também plurais, há movimentos que são formados por cidadãos em busca de mora-
dia e que se tornam também moradores das ocupações. É, inclusive, em virtude deste
amálgama, que nasce parte da legitimidade dos movimentos de luta pelos direitos a
cidade e à habitação.
Uma das metodologias adotadas no estudo foi a cartografia sociojurídica, por se
tratar de instrumento que permite a construção do conhecimento fundado na pesquisa
-ação. Optou-se por desenvolver a investigação em duas frentes de atuação: a primeira
visa compreender como os aparatos legais de justiça tratam as ocupações urbanas, por
meio de análises dos processos judiciais que as envolvem; e a segunda visa perceber,
a partir de investigação de cunho socioantropológico, o entendimento dos moradores
acerca dos direitos à moradia e à cidade, com a realização de visitas, imersões, entrevis-
tas, oficinas, bem como encontros nas comunidades para apresentação dos resultados
obtidos, por meio da elaboração de cartilhas.
Ademais, insta frisar que os pressupostos metodológicos foram definidos de forma
a contemplar a maior participação possível da comunidade na elaboração dos resul-
tados da pesquisa. Também o envolvimento dos pesquisadores junto à comunidade
foi adotado como ponto importante a ser observado para condução dos trabalhos de
forma horizontal.
Tendo sido desenvolvidas atividades de pesquisa nas ocupações Dandara, Camilo
Torres e Eliana Silva, obteve-se, parcialmente, a percepção de como os moradores e
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
instituições jurídicas do estado de Minas Gerais acolhem as pautas concernentes ao
direito à cidade. 2
A partir dos subsídios fornecidos pela pesquisa de campo, serão discutidas a atu-
ação dos movimentos sociais na luta por moradia em Belo Horizonte. É importante
ressaltar que este trabalho é fruto de diversas fontes de informação e não somente do
conteúdo das entrevistas realizadas com os moradores. A metodologia adotada para
a escrita leva em conta o lugar de fala dos moradores, bem como sua importância no
processo de auto-organização nas comunidades. Não se pretende, com o trabalho,
esgotar a temática dos movimentos sociais de Belo Horizonte na luta por moradia. Con-
sideramos ainda que o campo de disputa política é constituído por tensões diversas e
os movimentos sociais têm dinâmica própria, não cabendo aos pesquisadores qualquer
juízo de valor no tocante à forma de atuação dessas organizações.
Este artigo será dividido em três partes: uma primeira para contextualizar histori-
camente as lutas pela terra no Brasil e em Belo Horizonte e Região Metropolitana; a
segunda que irá discorrer sobre os movimentos de luta por moradia e sua atuação na
RMBH nos dias atuais; e a terceira que abordará o papel que tais movimentos tem cum-
prido na direção da reforma urbana nesta localidade. Neste tópico será tratado também
do papel dos advogados populares nessa construção e de como o discurso jurídico tem
sido utilizado.
Ressalta-se que também durante o período ditatorial foi criado o Estatuto da Ter-
ra (1964). Num primeiro momento poderia parecer que a legislação daria resposta às
pressões e lutas dos movimentos sociais no campo, já que inovou ao regulamentar a
desapropriação por interesse social e tratar como pressuposto a função social da pro-
priedade. Porém, conforme alerta Lucia Maria Moraes e Marcelo Dayrell Vivas (2014)
tratou-se de ação conjunta de industriais e latifundiários visando manter seus privilé-
gios, visto que o Estatuto da Terra visava fundamentalmente promover o desenvolvi-
mento rural pela melhoria da produtividade agrícola e pela integração da agricultura
com a indústria, pacificando os conflitos.
Em Belo Horizonte, na década de 70, o movimento dos favelados retoma a sua força
com a criação da União dos Trabalhadores da Periferia (UTP). A partir da mobilização
popular, conquistaram a instauração de redes de água, luz e alinhamento das ruas nas
favelas. Foram, porém, consideradas conquistas limitadas, vez que após as chuvas e
enchentes toda a infra-estrutura adquirida foi destruída. Não faltou, é claro, a crítica
acerca da qualidade de tais elementos urbanos, se comparados com outras regiões da
cidade (GOHN,1991, p. 55).
[...]essas ocupações não são apenas uma resposta ao “mau governo”. Bus-
ca-se com elas construir novas formas de convivência, com valores de co-
letividade, cooperação, solidariedade, democracia. As ocupações são as-
sim laboratórios de um mundo melhor, em que as famílias experimentam
realizar hoje o projeto de mundo que queremos para nossos filhos, expur-
gando individualismos, egoísmos, despotismos. (MOREIRA, MAYER, 2008)
Ainda segundo o autor, o movimento concentra-se nas áreas pobres das cidades
brasileiras e participa da organização da população. Destaca que para a mudança da
realidade é fundamental todo o processo que desencadeia a ocupação, ou seja, desde
os mecanismos de organização, mobilização e sua execução. (SILVA, 2013, p.100)
4 BRIGADAS POPULARES. Programa das Brigadas Populares. Publicado em 2012/2013. Disponível <http://
brigadaspopulares.org.br/?page_id=17> Acesso em 31/05/2016
5 MLB. Quem Somos. Disponível em <http://www.mlbbrasil.org/#!our_team/cqn6> Acesso em 29/05/2016
Dessa forma, torna-se possível afirmar que, a partir das ocupações, garante-se à
população de baixa renda o direito à cidade, em sua acepção mais ampla, que se subs-
tancia na plena fruição do espaço social e de seus direitos. Caminham no mesmo sen-
tido de cidade que propõe Lefebvre, como é possível observar na afirmação de João
Telésforo sobre a teoria do Direito à Cidade desenvolvida por Lefebvre:
Agora morar no Dandara é bom, aqui você tem um espaço pra conversar,
tem o espaço pra morar, você pode plantar, você pode criar sua galinha,
certo?! E é super aberta, é uma comunidade aberta pra que caiba um e
caiba todos.” (Trecho de entrevista realizada em outubro de 2013 com
morador e coordenador da comunidade Dandara, que foi ocupada em
abril de 2009)
[...] adotar o direito à cidade, como slogan e como ideal político, precisa-
mente porque ele levanta a questão de quem comanda a relação entre a
urbanização e o sistema econômico. A democratização desse direito e a
construção de um amplo movimento social para fazer valer a sua vontade
são imperativas para que os despossuídos possam retomar o controle que
por tanto tempo lhes foi negado e instituir novas formas de urbanização.
Lefebvre estava certo ao insistir em que a revolução tem de ser urbana,
no sentido mais amplo do termo; caso contrário, não será nada. (Harvey,
2008)
“A luta é por moradia, mas é por outros direitos. Então agente luta por um
transporte de mais qualidade, uma escola de mais qualidade, educação
(...)” (Trecho de entrevista realizada em 08 de março de 2015 com morado-
ra e coordenadora da ocupação Eliana Silva, construída a partir de agosto
de 2012 e coordenada pelo MLB).
“E o Dandara hoje é isso, tá sendo um espelho de luta. E que seja respeita-
do os direitos comum na cidade, com muito trabalho, mas com honestida-
de, que ela seja respeitada. Por isso que a Comunidade Dandara hoje é um
espelho. Que a gente finca o pé com luta, não é com exploração é pra luta
é pra defesa à própria moradia. A própria defesa da saúde, pela educação,
pela qualidade de vida e pela sobrevivência.” (Trecho de entrevista reali-
zada em outubro de 2013 com morador e coordenador da comunidade
Dandara, que foi ocupada em abril de 2009).
“Eu, por exemplo, me convenci muito que ocupar não é errado por causa
da fala de um advogado. Ele foi pra uma reunião que eu tava e ele fez uma
fala. Falou olha, nós temo que entender que estamos buscando os nossos
direitos, que terra vazia é nossa. E aí explicar um pouco da especulação
imobiliária foi aí que me convenceu.
Entrevistadora: Acaba que as vezes o discurso jurídico é importante.
Entrevistada: Ele convence. O discurso jurídico ele convence. Uma coisa
sou eu que sou de movimento falar que ocupar é um direito. Outra coisa
é o direito explicar por que que é direito. Então convence. Hoje os advo-
gados acompanham, ajudam nesse processo, vão em várias reuniões de
movimento, nas plenárias de preparação das ocupações” (Trecho de entre-
vista realizada em 08 de março de 2015 com moradora e coordenadora da
ocupação Eliana Silva, construída a partir de agosto de 2012 e coordenada
pelo MLB).
Além disso, é comum que o discurso jurídico passe a ser apropriado pelos ocupan-
tes:
Da mesma forma, a defesa da função social da propriedade pode ser ouvida dos
próprios moradores:
“[...]direito é quem permanece e quem tá. Essa é nossa linha, quem tá aqui
é que tem direito. Agora, ela tem um dono, tem! Mas ele estava lá cum-
prindo? A gente fica pensando.” (Trecho de entrevista realizada em outu-
bro de 2013 com morador e coordenador da comunidade Dandara, que
foi ocupada em abril de 2009).
“Eu não sou invasora. Nós ocupamos um espaço que tava vazio. Invadir é
se eu tivesse chegado aqui e tirado a construtora modelo, tivesse tirado
as pessoas que pelo qual disse que ia construir prédio, apartamento aqui
dentro. Tirar e: ó cê vai embora que eu vou entrar, tendeu? Isso aí é inva-
dir. Agora ocupar um espaço que tem mais de 15 ou 20 anos que num...
ou mais...que não cumpria com nenhuma função social, isso aí num é in-
vadir...e ocupei um espaço que tava vazio”. (Trecho de entrevista realizada
em 2013com uma moradora da Comunidade Dandara, que foi ocupada
em abril de 2009).
5 Considerações finais
A partir das entrevistas, dos dados coletados e bibliografia sobre o assunto, conclui-
se que as ocupações urbanas, juntamente com a atuação dos movimentos sociais que
apoiam na sua construção e permanência, tem realizado justamente aquilo que tanto se
fala nas teorias: a garantia do direito à cidade e, por que não, a promoção da reforma
urbana.
Deve-se notar que o movimento pela moradia - a partir da prática de ocupar espa-
ços ociosos - além de reivindicar políticas públicas adequadas por evidenciar a carência
de moradia adequada - é, simultaneamente, a garantia material do direito, vez que
possibilita aos envolvidos real acesso à moradia e à cidade.
Como visto, em Belo Horizonte os movimentos sociais mais presentes na luta pela
moradia são: Comissão Pastoral da Terra - CPT; Brigadas Populares; Movimento de Luta
em Vilas, Bairros e Favelas - MLB e o Movimento Luta Popular - MLP. Cada um deles, a
partir de ideologias e pontos de partida próprios, organizam e politizam a ocupação à
sua maneira. Necessário ressaltar que, mesmo com o objetivo em comum de garantir o
300 direito à moradia e o direito à cidade de forma plena, as diferenças de cada movimento
se evidenciam na maneira de organizar e assessorar cada comunidade.
Cabe ressaltar que o intuito das ideias aqui expostas não é analisar de forma por-
menorizada a forma de atuação dos movimentos sociais citados. O objeto principal
de estudo na pesquisa é o próprio fenômeno da ocupação realizada no contexto da
cidade de Belo Horizonte e Região Metropolitana. No entanto, no decorrer das visitas
às comunidades, realização de entrevistas com os moradores, conversas com as lide-
ranças, etc. percebeu-se a importância da influência desses movimentos sociais e como
eles traziam características próprias para cada ocupação. Os fenômenos na produção
do espaço são complexos e relacionais, conforme indicado por Lefèbvre. Desse modo,
percebeu-se, nas ocupações urbanas, que os ocupantes que atuam conjuntamente não
são movidos apenas pela necessidade comum da moradia. Há outros fatores e agentes
responsáveis por toda a organização das pessoas, do espaço, das atividades para a
realização da ocupação e para sua consolidação. Isso não transforma os moradores da
ocupação em “massa de manobra”, pois todos participam do processo e contribuem
de formas diversas para a concretização das ocupações e a sua permanência nos locais
ocupados.
Pensando na importância dos movimentos sociais e na rede de apoio das ocupa-
ções é necessário ressaltar a existência e atuação desses grupos para a realização das
mudanças que vem acontecendo na forma de viver a cidade de Belo Horizonte.
Em Belo Horizonte, pode ser considerada positiva a atuação desses movimentos
sociais, vez que têm contribuído para colocar em prática um modelo de cidade que se
dizia utópico, qual seja: aquele baseado na solidariedade e na vida em comunidade.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Esta proposta tem possibilitado a inúmeras famílias vivenciar o espaço urbano. Caso
ainda dependessem do aluguel, muitas delas não poderiam morar ali, vez que, pelos
altos preços, seriam cada vez mais sendo empurradas para a periferia.
Sendo assim, o movimento social efetiva a ideia de que a vida na cidade é direito de
todos e não apenas daqueles com renda suficiente para arcar com os altos alugueis ou
para adquirir a propriedade da moradia. Trata-se do preço da formalidade, que tem, na
prática, excluído os mais vulneráveis de gozar do meio urbano.
Certamente, deve-se reconhecer as dificuldades enfrentadas pelas ocupações: não
se trata de um “paraíso na terra”. Além de serem construídas por pessoas de baixa
-renda, extremamente vulneráveis, as ocupações são negligenciadas e hostilizadas pelo
poder público.
Contudo, as ocupações representam um modelo de cidade em construção: ao mes-
mo tempo que garante a moradia, enfrenta diversos desafios, sobretudo quanto ao re-
conhecimento social desta nova forma de vida. Neste contexto, os movimentos sociais
cumprem o importante papel de organizar/politizar a comunidade e, sendo assim, a sua
atuação se torna fundamental no enfrentamento desses desafios.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO. James Amorim. Sobre a Cidade e o Urbano em Henri Lefebvre. In: GEOUSP - Espaço e Tempo, São
Paulo, n. 31, p. 133 - 142, 2012.
301
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LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Tradução: Sérgio Martins. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
Abstract: The article will deal with the issue of housing self-management, organized
by social movements in Rio de Janeiro. It is intended to articulate a study on the role 303
of social movements in the struggle for housing and an interdisciplinary study of sel-
f-management theme out of the housing issue. The objective is to draw attention to the
importance of thinking spatially elements that characterize self-management, pointing
out some ways to think like how self-management is acting in the production of space
and especially as it is showing up in housing production in the city of Rio de Janeiro.
Keywords: Self-management; Habitation; Production of Space; Social Movements.
1. Introdução:
O processo de urbanização excludente das cidades brasileiras promove uma grande
marginalidade social e uma segregação espacial de parte da população que, em sua
maioria, sofre com graves problemas habitacionais. A partir desse contexto, podemos
observar uma crescente organização social de parte da população brasileira nas últimas
décadas, em busca do direito à cidade e à moradia.
A autogestão habitacional, organizada por movimentos sociais, aparece como uma
alternativa para os problemas de moraria, pois contribui para a modificação dos atores
e da forma de produção habitacional do país, ampliando a luta por emancipação na
construção de moradias frente ao poder hegemônico do mercado imobiliário.
Primeiramente, iremos discutir a atuação dos movimentos sociais em busca do di-
reito à moradia, apontando algumas alternativas que surgiram para minimizar os pro-
blemas habitacionais no Brasil. Posteriormente serão discutidos elementos para a com-
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Cidade e Direito do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movi-
mentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2 A política habitacional do BNH, que para Amore (2015) era autoritária, assumiu um modelo empresarial em
um momento que Rodrigues (1994) afirmava ser importante para o regime militar, por mostrar para o povo
que eles eram capazes de resolver os problemas sociais e a questão da moradia.
3 O governo federal lançou em 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida (Lei n. 11.977, 7 jul. de 2009). Car-
doso e Aragão (2013) indicam que um dos objetivos do programa era intensificar a indústria de construção,
se inclinando para interesses do capital imobiliário, o que nos faz compreender que desde a origem, o Minha
Casa Minha Vida era um programa econômico.
Cabe aqui ressaltar que o debate sobre a reforma urbana da década de 60 foi in-
terrompido nessa época pela ditadura militar (FERREIRA, 2012) e que só voltou como
pauta dos movimentos sociais na década de 80, como veremos em breve.
Ferreira (2012) expõe a UNMP (União Nacional de Moradia Popular), o MNLM (Mo-
vimento Nacional de Luta por Moradia), a CONAM (Confederação Nacional das As-
sociações de Moradores) e a CMP (Central dos Movimentos Populares) como quatro
movimentos populares de origem na década de 80 e início da de 90 e de organização
nacional que se articulam entre si e entre outras articulações, como instituição de ensi-
no e pesquisas, sindicatos, ongs.
A UNMP se formou em 1989 e atua na luta do direito à moradia, reforma urbana
e autogestão, trabalhando junto com a população de baixa renda. Um ano depois, em 305
1990, o MNLM foi criado com a proposta de organização e articulação nacional dos
movimentos de luta pela moradia. O movimento luta pelo direito à moradia e à cidade,
mas também pela conquista da educação, trabalho, saúde, mobilidade urbana, entre
outras. Em 1982 foi criada a CONAM que tem como função a organização das federa-
ções estaduais, entidade de bairros, associações comunitárias. Lutam por diversas ques-
tões como moradia digna, saúde transporte, educação, igualdade de gênero e raça e
meio ambiente. A CMP começou a agir em 1993 propondo unificar vários movimentos
sociais de diversas áreas de atuação (FERREIRA, 2012). Um outro movimento importan-
te na luta por moradia é o MTST, que Boulos (2014) afirma ter surgido em 1997 para
integrar a luta por moradia com a luta por serviços e infraestrutura nos bairros mais
necessitados.
Em 1987, com a possibilidade de a população participar das propostas da Emendas
Populares à Constituição, volta o debate sobre a reforma urbana que havia sido inter-
rompido na década de 60 pela ditadura militar. Dessa forma, entidades se organizaram
para enviar propostas. É criado assim o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), um
grupo de organizações e movimentos sociais que se reúne até hoje para discutir a luta
pelo cumprimento dos princípios da função social da propriedade e da cidade presen-
tes na Constituição Federal de 1988 e pela participação social na gestão democrática
das cidades (FERREIRA, 2012).
Ferreira (2012) afirma que o projeto de reforma urbana é fundamentado no prin-
cípio do direito à cidade. Harvey nos ajuda a entender esse conceito e chama atenção
para a importância do esforço coletivo para mudar as cidades:
(...)uma reforma social estrutural, com uma muito forte e evidente dimen-
são espacial, tendo por objetivo melhorar a qualidade de vida da popu-
lação, especialmente de sua parcela mais pobre e elevar o nível de justiça
social. (SOUZA, 2013, p.112)
Os movimentos sociais que lutam por moradia e pela reforma urbana continuaram
a mobilização social – encontros, marchas, jornadas, ocupações – além das ações no
campo institucional como audiências públicas, conselho de políticas públicas, etc. (FER-
REIRA, 2012). Ferreira (2012) aponta que apenas depois de 2003 – com a chegada do
Partido dos Trabalhadores no governo federal – algumas demandas da reforma urbana
foram consideradas pelo poder executivo. Nesse mesmo ano foi criado o Ministério das
Cidades, mas apesar da criação deste e de outros marcos legais4, os problemas urbanos
e a realidade excludente ainda persistem nas cidades brasileiras (FERREIRA, 2012).
4 Ferreira (2012) cita como marcos legais para o país o: Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social (SNHIS e FNHIS), Lei 11.124/2005; Política Nacional de Saneamento Ambiental, Lei 11.445/2007; Política
Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010; Política Nacional de Mobilidade Urbana, Lei 12.587/2012.
Assim como Lago (2013), Naime (2012) também aponta como um problema a difi-
culdade de acesso à terra pelas entidades e chama atenção para a ausência de meca-
nismos que reservassem terrenos para a habitação social.
Logo, grande parte dos conjuntos habitacionais acabam por se instalarem nas peri-
ferias, em áreas com problemas de transporte, serviços básicos e equipamentos sociais
(LAGO, 2013). Naime (2012) também conclui que muitas vezes esses grupos conseguem
apenas terrenos nas franjas urbanas, mas mostra que em alguns casos, a doação de
terreno, ou o subsídio de recursos de outras fontes possibilitam melhores localizações.
Porém, Lago (2013) aponta uma vantagem para os bairros que recebem esses empre-
endimentos. A implantação desses conjuntos e das pessoas vinculadas aos movimentos
sociais que atuam politicamente pode alterar a dinâmica econômica local e ampliar o
poder de disputa por serviços e recursos públicos. “Entre as alterações, destaca-se a che-
gada de escolas, creches e parques em resposta às reivindicações. ” (LAGO, 2013, p.13)
Em contraponto, com a periferização dos conjuntos habitacionais, até mesmo os
autogestionados, acontecem as ocupações urbanas nos centros das cidades brasileiras
como luta pelo “direito ao centro” (LAGO, 2013). “Ocupar imóveis sem uso em áreas
centrais desvenda o conflito urbano e enfraquece o domínio territorial das classes do-
minantes e seu poder de dominação. ” (LAGO, 2013, p.9)
Boulos (2014) define ocupação como o ato de “transformar uma área vazia, que só
serve para a especulação e lucro dos empresários, em moradia para quem precisa. “
(BOULOS, 2014, p.46). Além disso, afirma que ocupar não é uma escolha, mas é a única
alternativa para muitas pessoas (BOULOS, 2014).
Autogestão
“O próprio da autogestão é de ter sido um movimento social antes de ser uma dou-
310 trina. ” (ROSANVALLON apud NASCIMENTO, 2008, p.27)
A palavra autogestão teve seu uso intensificado na França na década de 60 como
autogestion, tradução da palavra servo-croata samoupravlje (“samo” é o equivale es-
lavo do termo grego “auto”, e ”upravlje” significa “gestão”). Apesar do seu uso ter sido
maior a partir de sua tradução para o Francês, o termo autogestão teve sua origem na
Iugoslávia, para designar sua experiência político-econômico-social5, em ruptura com o
stalinismo (GUILLERM E BOURDET, 1976).
Podemos ver então, que o termo autogestão é relativamente recente, porém, os
conceitos de cooperativa e cooperativismo se originaram no século XIX. A partir da
análise de autores que trabalharam com o tema, encontraremos a ideia de autoges-
tão presente em experiências anteriores à da Iugoslávia. De acordo com Kardelj (apud
Nascimento, 2008), “A ideia da autogestão é tão antiga como a ideia do humanismo
e, particularmente, como o movimento operário internacional, a história de sua luta de
classes e a história da pratica socialista. ” (KARDELJ apud NASCIMENTO, 2008, p.28)
A autogestão aparece como forma de mudança política, econômica ou social, a partir
de uma auto-organização da classe. Alguns autores podem contribuir para a compreen-
são desse conceito, como nos escritos de Antonio Gramsci, no texto L’Ordine Nuovo de
1919, em que ele convida os operários à refletirem, colaborarem e se organizarem para
criação de uma democracia operária em contraposição ao Estado burguês. O objetivo era
substituir o Estado burguês em suas funções de gestão do patrimônio nacional. Em seu
texto, fica clara a vontade de organização social, transformando a psicologia operária,
além de uma busca pela consciência de direitos e deveres da classe proletária.
4 Política implementada por Tito, buscando a ruptura com o stalinismo. Processo de administração das fábri-
cas pelos próprios trabalhadores, ideado e comandado pelo Estado iugoslavo (GUILLERM E BOURDET, 1976).
Gramsci (1919) também fala das comissões internas das fábricas, que ajudam a
libertar os operários das limitações impostas pelos empreendedores e que depois de
desenvolvidas, seriam órgãos do poder proletariado, substituindo o capitalista das fun-
ções de direção e administração.
Assim como Gramsci (1919), Daniel Mothé (2009) acredita na gestão autônoma da
sociedade. Mothé foi ex-metalúrgico da Renault e membro do grupo da revista “Au-
togestion et Socialisme”. Esse autor entende a finalidade máxima da autogestão como
o princípio político de organização de toda uma sociedade, apesar de apontar vários
outros níveis de autogestão, como veremos mais abaixo (MOTHÉ, 2009):
“Autogestão é um projeto de organização democrática que privilegia a democracia
direta” (MOTHÉ, 2009, p.26)
Uma contribuição do autor foi o desenvolvimento e categorização de graus e
níveis de existência de autogestão (MOTHÉ, 1980):
a) Nesse nível, a autogestão requer o trabalho mais artesanal, pois para o 311
autor, alguns modos de trabalho não podem ser autogeridos, necessitan-
do de uma modificação nos instrumentos de produção. O operário tem
uma relação maior com seus instrumentos.
b) Trabalho em pequenas equipes com “equipes autônomas”, cooperação
entre os trabalhadores.
c) Caracteriza-se por uma gestão coletiva em um maior número de pesso-
as, por exemplo, autogestão de oficinas.
d) Nessa etapa a autogestão acontece no nível da empresa.
e) O objetivo nesse último nível é o conjunto da sociedade.
De acordo com Mothé (1980), esses níveis de organização podem existir isolada-
mente ou se forma articulada, como forma de uma “rede autogestionária”. No último
nível, a autogestão pode acontecer na organização de um país, como no caso da Iugos-
lávia (MOTHÉ, 1980).
Vimos que Gramsci (1919) acreditava na autogestão, principalmente, como uma
mudança na organização social. Mothé (1980), apontou diversos níveis de organização
autônoma, mas também ampliou o conceito para a gestão social, ampliando o concei-
to para além da economia, acreditando em uma maior escala. Diferentemente desses
autores, Mihailo Markovic (2001) vê a autogestão especificamente como uma forma
de organização econômica dos trabalhadores, um conceito centrado na autogestão de
produção de empresas.
Nildo Viana (2008), nos mostra um pouco dessas múltiplas faces da autogestão,
para o autor, ela pode ser entendida de duas maneiras: podemos pensar na autogestão
dentro da sociedade capitalista ou na autogestão social.
A primeira, aparece como forma de gestão de empresas, cooperativas de trabalho,
que fazem parte do mercado hegemônico. Porém, essa forma de autogestão apresenta
problemas, pois o processo produtivo continua voltado para o mercado e essas empre-
sas ou cooperativas precisam adequar a sua produção à execução de mercadorias para
a venda, submetendo seu processo produtivo ao mercado. Além do processo de deci-
são autônoma dos produtores ficar limitado pelo controle estatal e pelas necessidades
do mercado (VIANA, 2008).
De acordo com Viana, esse modo de autogestão, voltada para as necessidades do
mercado, gera a subordinação à divisão social do trabalho, afastando-se dos conceitos
das teorias autogestionárias. Desse modo, os produtores precisam comprar os ma-
teriais para produção e vender essas mercadorias de uma forma a pagar os gastos,
tornando-se dependentes do mercado (VIANA, 2008). Nesse caso, a propriedade não
Heloisa Almeida (1983), em seu trabalho sobre autogestão, mostra que Pierre-
Joseph Proudhon trabalha a questão da propriedade de maneira diferente em cada
5. Conclusão:
O breve estudo sobre os movimentos sociais nos ajuda a compreender a importân-
cia de se pensar a atuação desses grupos nas lutas urbanas, entendendo suas deman-
das e conquistas. Dessa forma, torna-se indispensável uma atuação direta entre arqui-
tetos, urbanistas e esses movimentos, que se apresentam como importantes atores na
produção de uma cidade mais democrática e justa.
Nesse artigo, a autogestão habitacional – que aparece como uma demanda desses
movimentos sociais que lutam por melhores condições de moradia – é estudada de
uma maneira articulada com a pesquisa realizada sobre o conceito de autogestão – que
já foi debatido em diversas áreas de atuação e em diferentes momentos históricos. Essa
articulação amplia a discussão sobre autogestão habitacional, auxiliando na compreen-
são de maneira geral, de como a autogestão está atuando na habitação na cidade do
Rio de Janeiro.
O desenvolvimento dos cinco pontos – feitos no final do artigo – sobre o conceito
da autogestão não encerra o debate sobre a espacialização dos elementos da auto-
320 gestão. Entretanto, nos ajuda a mostrar a importância de se pensar urbanisticamente
o marco teórico da autogestão, estabelecendo um diálogo com a construção da pai-
sagem, produção do espaço e mais especificamente a produção de moradia popular.
A partir desses pontos, podemos perceber aproximações e distanciamentos entre a
autogestão que aparece na produção habitacional e a autogestão conceituada por auto-
res em diversas instâncias e escalas. Apesar de possíveis limites e barreiras enfrentadas, a
autogestão ainda se apresenta como uma importante alternativa para a produção de ha-
bitação de interesse social no Brasil. A luta por emancipação na construção de moradias
frente ao poder hegemônico do mercado imobiliário se torna necessária diante de uma
crescente marginalização das parcelas vulneráveis da população brasileira.
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BOULOS, Guilherme. Por que Ocupamos? Uma introdução à luta dos sem-teto. São Paulo: Scortecci, 2014.
BOURDET, Yvont e GUILLERM, Alian. Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
Abstract: The University Program of Popular Legal Advice (PAJUP) proposed research
the legal protection of ownership in the context of urban public land conflicts in Paço
do Lumiar/MA, in order to focus on the change of the severe scenario of urban con-
flicts in which different communities are located. In this compass the research shows
itself important to strengthen the struggle of the community members, by sensitizing
the academic and legal community, mobilization of popular participation channels and
questioning the dominant legal form. Thus, this article discusses the main aspects of
the project “Right found on the island: Legal protection of tenure in collective urban
land conflict context in Paço do Lumiar/MA.” To this end, initially makes an approach
regarding urban land conflicts, followed by highlights of the situation of Paço do Lu-
miar and project proposals. Thus, the aim is to highlight the importance of studying the
legalization of urban public land conflicts in the County of Paço do Lumiar involving
communities, seeking mechanisms of realization of the right to decent housing.
Keywords: popular legal advice; urban land conflicts; popular participation.
Introdução
O contexto urbano da grande São Luís, no Maranhão, insere-se na problemática da
exclusão e da segregação existentes em diversas cidades brasileiras. Isto obsta que a
cidade consolide seu caráter de espaço democrático e de participação, marginalizando
comunidades e sujeitos, impossibilitando a concretização de seus direitos.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
O município de Paço do Lumiar/MA localiza-se no referido aglomerado urbano e
devido aos avanços da especulação imobiliária e do crescimento da cidade, os conflitos
de ordem fundiária urbana tornam-se constantes, sendo perenes as situações de negação
e violação de direitos – que vão desde o acesso a direitos básicos à despejos forçados.
Com isso, com o intuito de compreender tal realidade e de projetar uma atuação
jurídica-educativa emancipadora capaz de superar situações de injustiça, objetiva-se
expor o teor e as perspectivas do projeto “Direito achado na ilha: tutela jurídica da pos-
se no contexto de conflito fundiário coletivo urbano no município de Paço do Lumiar/
MA”, submetido à e fomentado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). Trata-se de projeto executado
por discentes e docentes que compõem o Programa de Assessoria Jurídica Universitária
Popular (PAJUP).
Destarte, objetiva-se de forma específica destacar o papel da assessoria jurídica
universitária popular – no caso, do PAJUP – em relação ao contexto de conflitos fundi-
ários urbanos. Posteriormente, segue-se à análise da situação dos conflitos de Paço do
Lumiar. Por fim, destacar-se-á aspectos esperados referentes à execução do projeto.
325
326 Paço do Lumiar, considerada área periférica do município de São Luís, teve sua ocu-
pação e expansão urbana enquanto resultado do crescimento da estrutura da cidade e
das necessidades impostas pela classe dominante de circulação e deslocamento (MAS-
SULO, NASCIMENTO, CARVALHO, 2013, p. 37).
Aqui, observa-se a prática constante da concentração e da especulação imobiliária,
bem como a ausência do poder público na prestação de serviços essenciais à qualidade
de vida. Neste sentido, a expansão de áreas periféricas no município de Paço do Lumiar
resulta em “extensas áreas [...] que possuem graves problemas de segurança, infraes-
trutura e acessibilidade aos serviços públicos” (MASSULO, NASCIMENTO, CARVALHO,
2013, p. 43).
Neste cenário de ocupações de terras urbanas – comumente conhecidas como “in-
vasões” –, decorrentes do referido processo de urbanização brasileira, o desfecho dos
conflitos jurídicos acabam resultando no aumento das desigualdades urbanas. No caso,
observa-se o crescente ajuizamento de ações possessórias, cujo resultado influencia no
agravamento da questão urbana, principalmente quando resulta no despejo da popu-
lação residente nas áreas em conflito.
No juízo possessório “são exercitadas as faculdades jurídicas oriundas da posse em
si mesma, não se cogitando de qualquer relação jurídica subjacente. [...] tutela-se a pos-
se com base no fato jurídico da posse” (FARIAS, ROSENVALD, 2014, p. 166). Em outros
termos, discute-se quem possui o exercício fático sobre o imóvel e, consequentemente,
quem faz cumprir sua função social – em outros termos, quem trabalha de fato na terra.
Assim sendo, nas referidas ações, aspectos importantes devem ser levados em con-
sideração, como o cumprimento da função social da propriedade pelo proprietário; a
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
legalidade do título de propriedade; a proteção do direito à moradia. Não obstante,
numa ótica estritamente civilista, a proteção da posse não se aprofunda em tais aspec-
tos – o que é favorável para o mercado imobiliário.
Neste sentido, Fernandes (2012, p. 14) atenta que existe grupos do setor imobiliário
resistem “à nova concepção [...] dada ao direito de propriedade imobiliária urbana, qual
seja, o princípio constitucional da função social da propriedade e da cidade”. A prática
crescente de especulação imobiliária funda-se na proteção irrestrita da propriedade,
pouco importando o cumprimento da referida função social.
Assim, observa-se na ordem jurídica brasileira e nas decisões judiciais uma “tradição
incipiente de estudos jurídicos urbanísticos [...] essencialmente legalistas, reforçando a
noção civilista do direito de propriedade individual e irrestrito” (FERNANDES, 2012, p.
17). Este posicionamento acaba desconsiderando diversos direitos, como o direito à
moradia de grupos sociais que ocupam determinadas áreas urbanas em conflito.
Trata-se de uma tensão inevitável entre dois direitos fundamentais: de um lado o
direito à propriedade (art. 5º, XXII, CF), de outro a função social da propriedade (art. 5º,
XXIII, CF), podendo ser solucionada pela lei ou pela ponderação do magistrado (FARIAS,
ROSENVALD, 2014, p. 66). Não obstante, juridicamente, tal tensão nem sempre é solu-
cionada de forma satisfatória.
Assim, atuações na ótica estritamente civilista resultam, segundo Wolkmer (2001,
p. 105) na incapacidade de regular tensões coletivas referente ao acesso à terra e ocu-
pações de áreas urbanas. Tratar-se-ia da incapacidade do modelo jurídico estatal que 327
se limita a regulamentar conflitos entre indivíduos e de cunho patrimonial, não regula-
mentando de forma satisfatória os conflitos sociais.
Segundo Faria (2005, p. 16-17), essa incapacidade reflete a inefetividade das insti-
tuições jurídicas e judiciais. Estas mostram-se incapazes de resolver conflitos emergen-
tes das contradições socioeconômicas e de lidar com comportamentos contrários às
leis, resultando em uma atuação organizacionalmente enrijecida, uma cultura técnico
-profissional fundada em teorias arcaicas e processual/procedimentalmente formalistas
e ritualistas.
O modelo clássico de legalidade positivista, estatal e liberal individualista vivencia
um esgotamento que marca seus fundamentos, seu objeto e suas fontes. Seu exauri-
mento desta legalidade, legitimadora dos interesses de uma tradição jurídica burguês-
capitalista, propicia a discussão crítica das condições de ruptura, bem como um projeto
emancipatório assentado nas condições reais e históricas (WOLKMER, 2008, p. 185).
Neste viés, para Farias e Rosenvald (2014, p. 93), configura-se uma insuficiência da
ordem normativa processual: diante de eventual reação do proprietário, sua demanda
será procedente pela simples exibição do registro e produção de prova quanto à per-
da da posse. Não obstante, nesses conflitos há tensão entre o direito fundamental do
acesso à moradia/ao trabalho e o direito patrimonial de propriedade. Assim, deveria
haver ponderação de direitos, devendo prevalecer o acesso à moradia, evidenciando-se
o abandono da coisa e a ausência de função social (arts. 1º, III; 3º, III e IV; 5º, e 6º, CF) –
no entanto, nem sempre existe tal ponderação.
A questão da terra presente na realidade brasileira confronta duas concepções: a)
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
uma concepção individualistas baseada na posse e em títulos e; b) uma concepção so-
cial (do direito agrário), ligada ao trabalho. Neste sentido, para que ocorra um acesso
à justiça adequado é necessário a prevalência da concepção social (SOUSA SANTOS,
2011, p. 104).
Quanto ao acesso à justiça, destaca-se que esta não pode ser reduzida à uma “di-
mensão técnica, socialmente neutra”, devendo-se apresentar suas funções sociais, bem
como “o modo como as opções técnicas no seu seio veiculavam opções a favor ou
contra interesses sociais divergentes ou mesmo antagônicos” (SOUSA SANTOS, 2010,
p. 167-168). Em outros termos, as técnicas processuais podem não garantir acesso à
justiça se desalinhadas a interesses sociais, como os que envolvem os conflitos posses-
sórios.
Este contexto de disputa pela posse, uso e distribuição da terra, é marcado por uma
estrutura agrária de privilégios e injustiças. Neste compasso, assenta-se na dominação
política autoritária e clientelista, ou seja, pelo interesse de determinado grupo ou indiví-
duo dominante. Destarte, mantém-se um cenário favorável ao capitalismo especulativo
e discriminador, bem como à produção do legal comprometimento com os interesses
das tradicionais elites agrárias (WOLKMER, 2001, p. 106).
Com isso, ao se demandar o judiciário, as decisões judiciais podem agravar tal cená-
rio. Em relação aos conflitos possessórios judicializados na comarca de Paço do Lumiar,
é possível observar uma atuação conservadora ou não, possibilitada tanto pela pesqui-
sa nos processos judiciais quanto pela pesquisa cartorial e de campo nas comunidades
328 envolvidas em conflitos possessórios.
332 Referências
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333
The triumph of writing from nothingness: Images of the City in the poetry
of Waly Salomão
ABSTRACT: The following investigative study is developed from the work Me Segura
Qu’eu Vou dar um Troço, from the Brazilian author Waly Salomão. We will expose
aspects related to the images of the city present in this work pointing out to the oc-
currence of bearing/consuming/using illicit psychoactive drugs as mainspring of the
author’s literary production. Therefore, we use the concepts of image as key of the
human condition and conciliatory of opposites in the poem as tension (PAZ, 1996),
and city as protective and repressive, acting in order to repress individuals who re-
present a threat to the social dynamics of the city (ROLNIK,
1995) and in the words of
Philippe Willemart “Contrary to popular belief, literary writing does not represent the
writer.” As a result, it shows the repressing mechanisms and the power institutions.
Therefrom, the occurrence of the cloister in the life of Waly Sailormoon will be the
starting point of this strolling written by images of the city where “the construction
of closed and isolated institutions tends to confine under permanent surveillance,
a marginal population that challenges and threatens the flow of the city-machine
“(ROLNIK, 1995).
KEYWORDS: City; Penal Literature; Waly Salomão; Literary Genesis.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Cidade e Direito do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movi-
mentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
337
O relatório do processo (Figura 1) vai discorrer que Waly “Confessou a posse, diz,
sob tortura física dos policiais” e mais a frente, o impetrante confirma a solicitação do
pedido de corpo de delito imediatamente à prisão de Waly, o que foi feito muito tar-
diamente e invalidou a comprovação por ter passado cerca de sete dias. O motivo da
solicitação de corpo de delito fora devido a um soco que Waly recebera dos policiais, o
que confirma a sua confissão sob coação e tortura. Entra em cena o termo “nulidade”
que se refere aos autos que após julgados são anulados por insuficiência de provas,
pois carecem de requisitos fundamentais. O termo ainda vai ser utilizado muito depois,
noutra obra Tarifa de embarque (2000), onde o autor já de escrita madura irá produzir
poesia a respeito do fato. Chama de Nulidade no Processo Penal sanção aplicável ao
processo, ou ao ato processual, realizado com inobservância da forma devida, ou em
forma proibida pela lei processual. É uma espécie de defeito. São, portanto, vícios no
decorrer do processo penal, podendo, também, aparecer no inquérito policial, nos atos
ou procedimentos investigativos que ocorrem antes de processo propriamente dito
seja instaurado.
Como se sabe, o processo encampa determinadas solenidades, para as quais tam-
bém, a lei reserva formalidades, com a finalidade de se garantir a realização plena do
devido processo legal. Deste modo, os motivos para a existência das nulidades advêm
da necessidade de que a marcha processual transcorra em consonância com as forma-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
lidades exigidas para os atos processuais, já que elas exprimem garantias às partes de
um processo apto e regular para alcançar seu desiderato supremo que é trazer a lume
a verdade substancial, sem que haja ofensa aos direitos subjetivos dos envolvidos e
garantindo, sempre a observância tanto dos princípios gerais do Direito, quanto os do
processo penal. No tocante aos Princípios nos quais o instituto jurídico da Nulidade é
embasado, podemos citar:
• Princípio do prejuízo (art. 563). Não existe nulidade, desde que da preterição
legal não haja resultado prejuízo para uma das partes;
• Princípio da instrumentalidade: Se o processo ou o ato, mesmo contendo defei-
to acidental, atingir seus fins, sem prejuízo para as partes, a nulidade não será
aplicada (566 e 572, II);
• Princípio do interesse: Só a parte prejudicada é que pode arguir nulidade. Não
se declara nulidade se a parte prejudicada não a arguir (565), tampouco dê
causa ou concorra para a ocorrência da nulidade. Lembrar que tal princípio só
vale para as nulidades relativas, pois as absolutas o juiz pode declarar de ofício.
Faz-se necessário, ainda, apontar as diferenças entre nulidade relativa e absoluta.
Esta, genericamente, ocorre se a norma em apreço considerada defeituosa houver sido
instituída para resguardar, predominantemente, o interesse público. Já a nulidade rela-
tiva aparece se a regra violada servir para escoltar, em destaque, o interesse das partes.
Se a regra viciada contiver violação a um princípio constitucional, a nulidade deverá ser
absoluta, ou até mesmo, considerado o ato ou regra inexistente. Verificamos que o pro-
338 cesso penal nacional está resguardado, não apenas pela legalidade, mas também, por
princípios mais abrangentes, com embasamento constitucional de maneira detalhada,
para evitar o máximo possível de erros procedimentais. Ainda assim, pode-se verificar
que estes ocorrem aos montes. Quanto ao dano ou prejuízo, a nulidade absoluta tem o
prejuízo presumido, ou seja, ocorrente, o ato está, por nascimento viciado, não havendo
como ser consertado. No tocante as nulidades relativas, a demonstração do prejuízo
deve ser efetuada pela parte que arguir. Assim, somente haverá declaração do vício se
não ocorrer outra possibilidade de se reparar o ato procedimental. Resumindo, nulida-
de absoluta viola interesse público, o prejuízo é presumido por lei, pode ser fórmula
reconhecida a qualquer tempo, inclusive de ofício, e não convalida automaticamente.
Já a nulidade relativa viola interesse das partes, exige-se a demonstração do prejuízo,
preclui se não alegada fórmula no momento oportuno (convalidação automática) e
somente pode ser reconhecida mediante provocação das partes.
Quanto às espécies, podemos assinalar diversas, entre outras tantas:
• Nulidade por falta de fórmulas ou termos do processo (564, III): A palavra fór-
mula está empregada como regra e a termo, como ato. Quando o ato for pra-
ticado, mas com omissão de formalidade essencial, deve a nulidade ser regida
pela regra do artigo 564, IV.;
• Nulidade derivada: São nulos todos os atos concomitantes, posteriores ou mes-
mo anteriores ao ato viciado. Ex: nulidade dos atos do júri pela escolha dos
jurados ou pelas repostas dadas aos quesitos;
• Inquérito Policial: É pacífico o entendimento de que o IP não pode ser declarado
nulo, até porque não se trata de processo e não está jungido a nenhum procedi-
Figura 2: Recorte do caderno de manuscritos de Waly Salomão, São Paulo, novembro de 1972. Delegacia do
4.º Distrito (Me Segura, 1972)
“[...] os manuscritos dão também a crítica novos poderes: eles lhe permi-
tem observar o trabalho do autor em sua manifestação irrecusável, em sua
verdade material [grifo nosso]. [...]. Eles nos obrigam a levar em conta o
aleatório, uma vez que nosso saber se modifica com toda descoberta de
um grande documento, com toda inovação técnica que permite o acesso
a uma informação inédita. Eles nos impõem uma reflexão sobre o hetero-
gêneo, porque são, por natureza, diversos: ora marca dos impulsos iniciais,
depósitos da memória distante, como as notas, os cadernos, os diários; ora
documentos das operações preliminares como os projetos, os planos, os
roteiros; ou ainda instrumentos do trabalho redacional, como os esboços,
as primeiras redações e mais genericamente os rascunhos. Eles também
nos levam a defrontar o código e se projeta em espaços múltiplos. A or-
ganização do texto na folha, anotações marginais, acréscimos, remissões,
intertextos, grafismos diversos, desenhos e símbolos entrelaçam os discur-
sos, desdobram os sistemas de significação e multiplicam as possibilidades
de leitura.” (p. 36)
Manuscrito digitalizado;
Figura 3: Recorte do caderno de manuscritos de Waly Salomão, São Paulo, novembro de 1972. Delegacia do
4.º Distrito (Me Segura, 1972)
“(...) bater forte, constantemente, no lugar onde dói. ABAJO ghetto de lim-
peza da zona sul (impanemária) do Rio. (Dedico esta reprise de Rio Zona
Norte aos meus amigos moradores do Morro de São Carlos e do Estácio e
esta reprise do Rio 40 Graus aos do Morro do Sossego – sem os quais seria
impossível a realização deste trabalho.” (p. 181)
É deste espaço que vêm as contribuições tanto linguísticas quanto produtoras da gê-
nese do processo de criação de Me Segura. O termo alibania denota e conota não só uma
marcação social de lugar e identidade dos sujeitos que a utilizam como também camufla
historicamente o substantivo polícia. Para as comunidades marginalizadas, desde as lín-
guas de matriz africana falada nos terreiros às gírias utilizadas no ensino médio atual são
formas de mascarar dispositivos de censura como a Polícia Militar. A preferência do autor
em adjetivar alibania como “una nacion de naturaleza y dictadura” ao tempo em que é
“bella y brava/(...) llena de maribondos y guarda-espaldas” inicialmente apresentam o
forte senso de nação em contraponto ao povo, pois nação é para aqueles de nascimento 341
e povo é uma providência divinizada ligada às raízes religiosas do catolicismo enquanto
forte fator de alienação política e também social, e o encontramos nos termos usados por
Waly. É, contudo a demonstração de uma consciência de mundo, ainda que a consciência
não seja o mundo. Enquanto “expressão da consciência, a linguagem é representação
conceptual, relativamente compartilhada pelos membros de uma comunidade falante”
(p. 108) e, assim, “a cidade é objeto de múltiplos discursos e olhares” (PESAVENTO, 2002,
p. 9). É num processo dialético, nunca ensimesmado, que Waly consegue expor-nos, já
no limiar do estudo da gênese do texto, para além das linhas de fronteira entre periferia
versus centro, imagens citadinas que vão denotar, para Hay,
Este/s primeiro/s texto/s pode/m ser a cidade de Jequié com suas histórias de infân-
cia, o Morro do Sossego com seus flagrantes de delitos contra a ordem ou mesmo um
volume do livro de Vladimir Lênin, Que Fazer? encontrado na biblioteca do Carandiru.
Todos estes recortes irão se montar, desmontar e remontar a partir do produto final que
é a obra Me Segura em sua completude, exposto a seguir onde a memória é Jequié,
apesar do lócus físico acionado ser o Rio de Janeiro:
342
“(...) aquela estória de cobra na Avenida Rio Branco é verdade até hoje.
ATÉ HOJE. Fazer um grande poema pro Rio de Janeiro – espécie de roteiro
turístico/sentimental – deixei meu ranchinho pobre no sertão de Jequié –
com saudade do grotão (...)” (p. 121).
3. O PRODUTO
“Zona ou cidade... lo podrido es la llave secreta en mi ciudad (...)”
“A literatura pode ser um instrumento consciente de desmascaramento, pelo fato
de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles (...)”.
(CANDIDO, 1989, p. 122)
A cidade é o espaço por excelência onde o comércio, consumo e uso de drogas, al-
teradores de percepção, irão se desenvolver e, segundo Pesavento, “está destinada a ser
centro de conflitos” (2002, p. 80). O recorte para a cidade na poética de Salomão brota
da necessidade de investigar como esta aparece apresentada e representada. Enquanto
o autor está privado da liberdade, a escrita lhe ocorre para libertar uma teia extensa de
referências, que por vezes titubeia “(...) Esta escrita reticente. Causa, embriaguez: causa,
incerteza (...)” (p. 82). Essa cidade pode ser tanto o Rio de Janeiro, quanto Jequié, no
trecho acima. Importa-nos perceber a adjetivação que o autor traz. “Lo podrido” é a
chave secreta da minha cidade, diz. Há que se especificar o espaço geográfico dentro
4. CONCLUSÕES PARCIAIS
A cidade enquanto texto e tecido social narra suas contradições permitindo leituras
diversas e múltiplas: através da Literatura Brasileira, pelas imagens que projeta no ima-
ginário social coletivo, pelos crivos sociais e jurídicos historicamente aplicados aos que
a habitam – no centro ou na margem – e na sua arquitetura:
Waly Salomão nos apresenta duas cidades: Jequié, São Paulo ou Rio de Janeiro. Ten-
do como ponto de memória a primeira, e lócus físico de produção textual a segunda.
No que tange à primeira, notamos que a gênese textual provém dela, e como dizem
“Jequié prescinde de Waly, mas Waly não provém de Jequié”, o poeta nasce ali “(...) Hora
do nascimento: 5 horas da manhã. Local de nascimento: Rua Alves Pereira 14 – sede do
município de Jequié/Ba” (1972, p. 126), mas é enquanto ‘cidadão do mundo’ que sua
escrita se populariza. O momento de nascimento da sua produção literária é o de con-
fronto social, ético, jurídico, com o aparato repressor do Estado quando este está em
vias de subversão da ordem posta dentro da cidade: entende-se, por parte da ordem
social hegemônica, que os cidadãos que tangenciam em comportamento no uso das
drogas, na ocupação dos espaços, na produção linguística dos discursos marginais e
contra-hegemônicos devem ser disciplinados, educados e punidos. Ainda que a própria
dinâmica da cidade seja responsável pelas contradições que produz é sobre os sujeitos
que recaem as consequências dos desvios de conduta. Em Me Segura Qu’eu Vou dar
um Troço fica evidente a relação entre o porte/consumo/uso de drogas ilícitas e a gê-
nese escrita e produção literária de Waly Dias Salomão. Não é, porém, as consequências
psicológicas e suas implicações diretas na escrita pelas alterações de percepção que
346 elas causam que irá se apresentar na obra, mas sim a organização de aparatos repres-
sores munidos de poder para barrar e punir esses tipos de comportamentos, levando
Waly à prisão. O resultado são imagens de duas cidades e suas contradições vistas e
resgatadas por um sujeito privado de liberdade, o poeta boderline, Waly Sailormoon
que, como disse Charles Baudelaire, enquanto poeta “goza do incomparável privilégio
de ser, à sua vontade, ele mesmo e outrem”.
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sobre crítica genética. Org: Roberto Zular. São Paulo: Editora Iluminuras, 2002.
347
Abstract: The present graduation thesis criticizes the current Urban Law situation in
Recife. It starts with the idea that there is an imbalance between the power of the pri-
vate urban property and the real needs from Recife’s population, like public recreation
areas, culture, urban mobility, public security etc. Because of that, the public interest
principle is being violated several times to make room for expensive skyscrapers that
increase segregation, privatization of important public spaces and also violates the
cultural heritage area of the city. The main argument is the city must be planed collec-
tively and there is only one way to make that happen: rescuing the public participation
principle, either going in administrative ways or the judicial ways, besides the pressure
groups
Keywords: Right to the city; Urban Law; environmental/ecological function of proper-
ty; Cultural heritage.
1. Introdução
Atualmente, na cidade do Recife, o tema do planejamento urbanístico tem sido
foco de debates por parte da população, que protesta junto ao Poder Público exigindo
mudanças na forma como os projetos urbanísticos são aprovados e, principalmente,
vergastando o conteúdo em si dos projetos. Cada vez mais se questiona a forma como
os empreendimentos da construção civil tem sido conduzidos e como esses desenhos
urbanísticos passam por todas as instâncias de poder sem que se leve em consideração
a opinião popular e suas demandas.
350 Temos estampado no Art. 182 da CF que trata da política de desenvolvimento ur-
bano, que o trato da propriedade imóvel urbana não é livre escolha, devendo os partic-
ulares curvar-se às disposições normativas. Nas palavras de Rocha8, o proprietário tem
o poder de empregar a coisa para a satisfação das suas necessidade individuais, porém
deve empregar a coisa, também, na satisfação das necessidades comuns de uma cole-
tividade nacional inteira ou de coletividades secundárias.
Temos ainda, no art. 40 e 42 do Estatuto da Cidade, que versam justamente sobre as
limitações impostas pelos municípios às propriedade imóveis e a delimitação das áreas
urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsóri-
os, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização.
Ademais, o art. 170 da CF/889 estabelece que a ordem econômica deve necessari-
amente observar o princípio da função social da propriedade. Destarte, como princípio
jurídico da ordem econômica, tem incidência destacada no que concerne às matérias
pertinentes à política urbana e agrícola, fundiária e de reforma agrária. Desse modo
funciona como vetor que se irradia sobre todos os atos jurídicos desta natureza.
4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malhei-
ros, 2004.P.902-903.
5 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Baurueri: Manole, 2004. P. 45-55.
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FERRAZ, Sérgio (Coord.) Estatuto da cidade: comentários à lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros,
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7 HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito urbanístico e função socioambiental da propriedade imóvel urbana.
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8 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Função social da propriedade pública. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 71
9 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:
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“O art. 174, como vimos, determina exerça, o Estado, na forma da lei, a função
de planejamento, ‘sendo este determinante para o setor público e indicativo
para o setor privado’. Cuida-se de função, poder-dever. O Estado deve exercer
não apenas as atividades de fiscalizar e incentivar, mas também a de planejar.”
10 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. rev. e atual. nos termos da reforma
constitucional até a emenda Constitucional nº 48, de 10.8.2005. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 46-48.
11 GARCIA, Maria. A cidade e seu estatuto. São Paulo: J. de Oliveira, 2005. P. 39.
12 SUNDFELD, Carlos Ari. O estatuto da cidade e suas diretrizes gerais. In: DALLARI, Edilson Abreu; FERRAZ,
Sérgio (coord.). Estatuto da cidade: comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2003. P.56
13 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 198: interpretação e crítica. 10. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2005. P.309.
14 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao estatuto da cidade: Lei nº 10.257, de 10.07.2001 e
medida provisória nº 2.220, de 04.09.2001. 2 Ed rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. P. 260.
15 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4. ed. Ver. E atual. São Paulo: Malheiros, 2006. P.98.
18 PIRES, Maria Coeli Simões. Da proteção ao patrimônio cultural: tombamento como principal instituto. Belo
Horizonte: Del Rey, 1994. P.18.
19 Cracia vem do grego kratos, que significa “poder, governo”. Demo significa “povo”; portanto, democracia
vem a ser um regime em que as decisões são tomadas pelo povo e para o povo. Com base nessas definições,
não é difícil compreender que vivemos numa “carrocracia”, um regime em que as decisões são tomadas para
beneficiar apenas um tipo de pessoa: as que têm carro. Os malefícios da carrocracia.
Nesse sentido, no Recife, antes da proibição das doações por pessoas jurídicas,
nas eleições de 2012, o portal virtual “Às Claras”25, que se responsabiliza por zelar pela
transparência nas receitas e gastos com campanhas políticas, mostrou em um gráfico
organizado, que o atual prefeito do Recife, recebeu para a campanha aproximadamente
R$550.000 (quinhentos e cinquenta mil reais) do grupo Galvão, pertencente à família
Queiroz Galvão, empresa que junto com a Moura Dubeux faz parte do Consórcio Novo
Recife, responsável pelo Projeto Novo Recife.
A informação supra não se dedica a acusar o prefeito Geraldo Júlio de favoreci-
mento, mas denunciar a existência de um problema nacional já antigo que se deu até
as últimas eleições municipais: a captura do poder político pelo econômico, criando a
“plutocratização” da política, isto é, o exercício do poder ou do governo pelas classes
mais abastadas da sociedade e que, como regra, os seus interesses são incompatíveis
com os da maioria da população. 26
In casu, a construção do Novo Recife, além de ferir de morte a paisagem histórica
do centro da cidade, descaracterizando o conjunto arquitetônico, e impactando am-
bientalmente e urbanisticamente a região, é um modelo de construção que exclui parte
da população, porque servirá tão somente às necessidades de quem tem capacidade
358
financeira para ali morar, se hospedar, frequentar o comércio local, etc.
É nessa toada que nós entendemos que uma área tão importante da cidade não
pode e não deve ser dedicada a uma minoria privilegiada economicamente, que tem
capacidade financeira suficiente para tanto. O princípio da supremacia do interesse pú-
blico está sendo, mais uma vez, completamente desrespeitado, tendo em vista o Poder
Público local, desde o primeiro momento não priorizou a busca pelo atendimento do
interesse de toda a sociedade recifense, ou a maior parte dela, tampouco permitiu a
participação da população, a gestão democrática da urbe.
O problema se agrava quando a cidade é extremamente carente de espaços efeti-
vamente públicos dedicados ao lazer e à cultura, como o Recife. Atualmente vivencia-
mos a cultura dos shoppings, em que a população recorre a esses espaços fechados,
com aparência de público, para seu momento de lazer. O shopping se apropriou da
ausência de oferta regular de espaços culturais, e faz um arremedo disso, no sentido
de tentar se transformar em um lugar para além da compra. Entretanto, sabemos que
esta não é verdadeiramente uma oferta cultural e de lazer, mas tão somente um local
destinado ao consumo desenfreado.27
Ainda sobre o Cais José Estelita, ressalte-se que tramita junto ao IPHAN o pedido
mento-eleitoral-empresas> Acesso em 30/04/16.
25 Às Claras 2012, transparência Brasil. Disponível em: <http://www.asclaras.org.br/@candidato.php?CACo-
digo=1199023&cargo=11&ano=2012> Acesso em 30/04/16.
26 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001. P.262.
27 MEDEIROS, Étore; KLEBER, Leandro. Um país carente de espaços para diversão. Disponível em: <http://
www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2014/janeiro/um-pais-carente-de-espacos-para-diversao>
Acesso em: 30/04/16.
35 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico: instrumen-
tos jurídicos para um futuro melhor. Rio de Janeiro: Forense, 1975. P. 159
36 AMARAL, Roberto. Apontamentos para a reforma política: democracia representativa está morta; viva
a democracia participativa. Revista de informação legislativa, Brasília, ano 38, n.151, p. 29-65. Jul/set 2001.
Disponível em: <http://www.ramaral.org/arquivosPDF/ensaios_democracia_representativa.pdf> Acesso em:
01/05/16.
37 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10ª Ed. 1995, São Paulo: Malheiros. P.
118-119.
6. Conclusão
O presente trabalho, intitulado “A supremacia do interesse público e a participação
popular no planejamento urbanístico e na preservação do patrimônio cultural na cidade
do Recife”, tem por objetivo apresentar um olhar crítico sobre o atual quadro do pla-
nejamento urbanístico da cidade e a maneira como o Poder Público vem lidando com
todos os fatores que envolvem esta tarefa, sobretudo no que diz respeito à proteção ao
patrimônio histórico-cultural de nossa cidade.
Apresentamos brevemente as bases normativas que orientam o Direito Urbanístico,
quais sejam, a função social da propriedade, a função social das cidades, o princípio do
362 planejamento urbano e o da gestão democrática da cidade. Argumentamos que estes
são os pilares do Direito Urbanístico e eles que tem um objetivo em comum: atingir a
supremacia do interesse público, que seria no âmbito da matéria que estamos lidando,
a concreção de uma cidade melhor, mais organizada, mais bem comunicada em termos
de transporte e que preserva a história e a cultura de seu povo.
Dentro de um juízo de ponderação, cabe a todos os agentes públicos, nas três esfe-
ras de poder e livre de quaisquer influências externas, buscarem uma atuação imparcial,
sem influência do poderio econômico de grupos poderosos, de forma que suas deci-
sões visem sempre a concretização de uma cidade verdadeiramente democrática que
melhor atenda às demandas de todos os grupos que nela habitam.
Argumentamos, ainda, que há a necessidade urgente de superar esse modelo de
democracia baseado tão somente na representação, pois é patente que existe uma
crise em curso, e muitas vezes há conflitos entre a vontade dos cidadãos e o interesse
político dos seus representantes. Estimular a participação da população é, portanto,
medida crucial para evitar equívocos na construção do modelo de cidade que atenda às
necessidades de mobilidade urbana, moradia, lazer, segurança e identificação histórico-
cultural das pessoas com a sua própria cidade.
Apontamos, também, os meios administrativos e judiciais, os quais os administra-
dos podem recorrer na tentativa de participar mais ativamente das tomadas de decisão
do Poder Público e de certa forma influenciar diretamente o planejamento urbanístico.
É imprescindível também, o fortalecimento da sociedade civil organizada, que cada vez
mais atua, administrativa e judicialmente, em grupos de pressão, ou seja, coletivos, mo-
vimentos sociais, ONG’s, na defesa da construção coletiva e democrática da cidade do
Referências
AMARAL, Roberto. Apontamentos para a reforma política: democracia representativa está morta; viva a demo-
cracia participativa. Revista de informação legislativa, Brasília, ano 38, n.151, p. 29-65. Jul/set 2001. Disponível
em: <http://www.ramaral.org/arquivosPDF/ensaios_democracia_representativa.pdf> Acesso em: 01/05/16.
BENJAMIN, Antonio Herman. Estudo prévio de impacto ambiental: teoria, prática e legislação. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 1993.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19 ed. Atual. São Paulo: Malheiros, 2006.
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros, 2001.
BORGES, Lucas. Revitalização ou especulação imobiliária?. Revista República. Recife, Edição 20
- Ano IV. Ago. 2015. Disponível em: <https://www.facebook.com/portaldarepublica/photos
/a.873027659459425.1073741849.477457229016472/849102415185283/?type=3&theater> Acesso em
11/05/16.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Cen-
tro Gráfico, 1988.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961. Dispõe sobre a proteção dos mo-
1. Objetivos
1.1. Objetivo Geral
Verificar como o adequado gerenciamento dos resíduos sólidos proposto pela Lei
12.305/2010 pode contribuir para a concretização do direito ao meio ambiente ecolo-
gicamente equilibrado em cinco municípios do sul da Bahia.
1.2. Objetivos Específicos
a) Analisar se os municípios de Ilhéus, Una, Canavieiras, Itacaré e Uruçuca estão
adequados às diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos;
366
b) Verificar a ocorrência de danos ambientais relacionados ao gerenciamento de
resíduos sólidos nesses municípios;
c) Compreender como a participação popular pode contribuir para a construção de
cidades sustentáveis;
2. Metodologia
A escolha do local de estudo se deu por conta de parceria firmada com o Ministério
Público do Estado da Bahia, através da Promotoria Regional de Meio Ambiente Cacau
Leste, situada no Campus da Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia. Entre
os municípios que compõem sua atribuição, escolheu-se para analisar neste trabalho:
Ilhéus, Una, Canavieiras, Itacaré e Uruçuca, por serem municípios litorâneos, cuja econo-
mia é diretamente influenciada pelo turismo ecológico em decorrência dos relevantes
atributos ambientais da região e por possuírem em seus territórios importantes uni-
dades de conservação. As informações foram colhidas junto aos inquéritos civis que
investigam a adequação dos municípios às diretrizes da Política Nacional de Resíduos
Sólidos. A análise dos inquéritos, à luz da revisão de literatura correspondente ao tema,
buscou verificar:
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão 2 (Cidade e Direito) do VI Seminário Direitos, Pes-
quisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
3. Conclusões
A Política Nacional de Resíduos Sólidos atribui a responsabilidade da gestão e do
gerenciamento dos resíduos aos municípios, posto que estão próximos das demandas
locais e aptos a intervir de maneira mais eficiente na propositura de soluções (BRASIL,
2010; GUERRA, 2012). Entretanto muitos deles, em especial os de pequeno e médio
porte, por estarem susceptíveis a fragilidades políticas, bem como limitações orçamen- 367
tárias e de pessoal qualificado para efetivar a gestão, enfrentam dificuldades para im-
plementar suas diretrizes. Diante da análise dos inquéritos civis, pôde-se verificar que
esses municípios ainda estão distantes do patamar proposto pela Lei 12.305/2010. O
município de Uruçuca sequer respondeu aos questionamentos formulados pelo Mi-
nistério Público. Os demais, com exceção de Ilhéus (que possui um aterro controlado)
ainda destinam seus resíduos aos lixões; nenhum deles finalizou o plano municipal de
gerenciamento; não participam de consórcios; não possuem parcerias com cooperati-
vas ou associações voltadas à atuação dos catadores; as iniciativas voltadas à educação
ambiental existentes raramente abrangem a temática; não há coleta seletiva, tampouco
logística reversa implementadas; a coleta de lixo que é realizada, por vezes é insuficien-
te na zona urbana e praticamente inexiste na zona rural. Por conta das irregularidades,
os municípios analisados colecionam multas e autuações dos órgãos ambientais em
decorrência dos danos que vêm causando devido ao volume e à complexidade dos
resíduos, que crescem em escala que impossibilita a absorção e regeneração natural do
meio ambiente. Dessa forma, faz-se necessário que as cidades atentem para a qualida-
de ambiental que oferecem aos seus habitantes, vez que o gerenciamento inadequado
de lixo acarreta uma série de problemas ambientais, como é o caso da contaminação
das águas superficiais e do lençol freático, transmissão de doenças por conta de super-
bactérias e da mobilidade dos vetores; poluição do ar e da paisagem, comprometendo
assim o desenvolvimento sustentável e a efetivação do direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado (BRASIL, 1988; GOUVEIA, 2012). Em se tratando
de cidades com relevância turística, a ineficiência dos serviços públicos e, em especial
o de limpeza urbana e saneamento, comprometem o sucesso dos empreendimentos
Referências
ARAUJO, S. M. V. G. de.; JURAS, I. A. G. M. Comentários à Lei de Resíduos Sólidos: Lei nº 12.305/2010 (e seu
regulamento). São Paulo: Editora Pillares, 2011.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 05/05/2016.
BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no
9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, de 03/08/2010, p.2.
GOUVEIA, N. Resíduos sólidos urbanos: impactos socioambientais e perspectiva de manejo sustentável com
inclusão social. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de janeiro, RJ, 17(6):1503-1510, abr. 2012.
GUERRA, S. Resíduos Sólidos: comentários à Lei 12.305/2010. Rio de Janeiro: Forense 2012.
368
Objetivos:
O presente trabalho tem como objetivos estudar as ações reivindicativas do Movi-
mento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras por Direitos (MTD), as quais têm como
foco as pautas diretamente ligadas à luta por direitos sociais, políticos e civis e que,
por sua vez, se relacionam intimamente com a questão do trabalho. As contradições
geradas no tecido social das cidades brasileiras têm impulsionado a intervenção do
Movimento, que abre caminhos para a luta por direitos sociais, para a organização de
diversos setores da classe trabalhadora e para a concretização de um amplo processo
de Reforma Urbana.
Metodologia:
Para compreender a atualidade da questão urbana brasileira, buscou-se realizar a
revisão bibliográfica do tema, sobretudo o estudo das origens das periferias, do proces-
369
so de urbanização caótica e os fundamentos que constituíram historicamente os vazios
urbanos e a especulação fundiária. A revisão bibliográfica permitiu o conhecimento de
categorias de análise que fundamentaram o debate e a ação em si do Movimento.
Acerca do giro estratégico do Movimento, buscamos as análises e formulações que
têm sido desenvolvidas no âmbito da direção nacional do MTD, as quais apontam para
necessidade de organizar um Movimento Urbano de trabalhadoras e trabalhadores,
com centralidade de discutir e construir com esse setor da sociedade uma nova forma
de organizar a cidade, a partir da lógica de um local de bem viver, e não só da produção
coletivamente, sem que o fruto do trabalho seja socializado com quem o produz.
Além disso, o trabalho cotidiano com a militância do Movimento permite uma cons-
tatação in loco das ações empreendidas pelo movimento, sobretudo nas cidades de
Montes Claros – MG e Vitória da Conquista – BA. A participação em reuniões das coor-
denações nacional e estadual e nos seminários, encontros e demais atividades do MTD,
seja nos acampamentos ou em áreas já regularizadas foi fundamental para o desenvol-
vimento da pesquisa.
Conclusões:
Sujeitos organizados em torno de movimentos populares se colocam na dianteira
da luta pela concretização de direitos sociais, e estes sujeitos são os mesmos trabalha-
dores que constroem as cidades brasileiras nos seus variados aspectos, desde as cons-
truções físicas até o trabalho realizado no âmbito da saúde, educação, cultura, transpor-
tes, indústria, comércio, etc.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
O direito ao trabalho e o trabalho com direitos, hoje constitui a palavra de ordem
do MTD, partindo da compreensão de que não é possível pensar uma Reforma Urbana
sem ter como centralidade o trabalho:
Referências:
BRITO, Felipe; OLIVEIRA, Pedro Rocha de. Territórios transversais. In: MARICATO, Ermínia (org.). Cidades
Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, Carta
Maior, 2013.
COMITÊ POPULAR DA COPA E OLÍMPIADAS DO RIO DE JANEIRO. Megaeventos e violação de direitos
humanos no Rio de Janeiro. 2014. Disponível em: <https://comitepopulario.files.wordpress.com/2014/06/
dossiecomiterio2014_web.pdf>. Acesso em 06 jun. 2016.
HARVEY, David. O direito à cidade. Boitempo, São Paulo, 22 nov 2013. Disponível em: < http://blogdaboi-
tempo.com.br/2013/11/22/o-direito-a-cidade/> Acesso em 06 jun. 2016.
MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. In: ARANTES, Otilia B. F.; MARICATO,
Ermínia; VAINER, Carlos B. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 3ª ed. Petrópolis: Vozes,
2000.
______. Conhecer para resolver a cidade ilegal. In: CASTRIOTA, L.B. (org.) Urbanização Brasileira: Redescober-
tas. Belo Horizonte: editora Arte, 2003.
MARICATO, Ermínia [et al.] Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do
Brasil. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, Carta Maior, 2013.
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TETO (MTST). O que a periferia vai dizer para Dilma. 25 jun.
2013. Disponível em: <http://www.mtst.org/index.php/noticias-do-site/1129-dilma-chama-mtst-para-re-
uniao-amanha> Acesso em 06 jun. 2016.
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES E DAS TRABALHADORAS POR DIREITOS (MTD). Texto base para uma
371
1. Objetivos
O objetivo desta estudo é a pretensão de examinar o processo de financiamento imo-
biliário e o planejamento habitacional no Brasil. O intuito é traçar um retrospecto histórico
com o objetivo de compreender como o urbano e o direito à moradia se constituem em
frente à valorização do capital, qual o papel do Estado neste processo e como se desen-
volve o financiamento habitacional a partir do dinheiro público e privado.
Este projeto seguiu a evolução histórica no Brasil, partindo do processo de mercan-
tilização da terra e a produção rentista da terra em 1850. Perpassando pelo processo
crescente de urbanização de 1930, período em que a habitação passou a ser com-
preendida como um problema que não poderia ser equacionada exclusivamente pela
iniciativa privada; dos anos 1950; e após o golpe de 1964, com o Banco Nacional de
Habitação e a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A pesquisa
pretende esmiuçar este ponto, entendendo como se dá a aplicação da reserva da Pre-
372 vidência Social na construção de unidades a moradia de classes menos favorecidas, isto
porque, compreender esta questão traça um importante paralelo ao o Programa Minha
Casa Minha Vida que analisaremos mais adiante em específico.
Avançando na retrospectiva histórica, analisamos a crise econômica da década de
1980 teve como uma de suas consequências a interrupção do Banco Nacional de Habita-
ção, e, entre 1980 e 1991, período em que não houve uma politica pública no sentido de
financiamento das cidades, no entanto a urbanização seguirá adiante por outros meios.
Em 1988, a Constituição Federal foi um marco importante e incluiu o direito à mora-
dia entre os direitos sociais. Ao mesmo tempo, as políticas neoliberais da década de 1990
intensificam o processo de financeirização imobiliário a partir deste período, seguindo o
modelo norte-americano. Por isso, investiguei em separado do restante da evolução his-
tórica o processo de financeirização e as políticas habitacionais a partir de 1988.
Por fim, mas não menos importante, o último objetivo desta pesquisa é se debruçar
sobre a crise financeira que se inicia em 2007, e que evidencia a relação entre o finan-
ceiro e o imobiliário, e o principal programa habitacional que aparece como solução
para esta crise que é o Programa Minha Casa Minha Vida implementado pelo governo
Lula em 2009.
2. Metodologia
No desenvolvimento de minha dissertação, optei como procedimento de trabalho
uma leitura coordenada dos principais textos indicados na bibliografia e também o
fichamento de tais obras.
3. Conclusões
Neste apanhado histórico observei como a urbanização brasileira sempre contou
com soluções acomodatícias para o problema habitacional. Este se configurou, porém,
com a intensificação da urbanização e a formação de um mercado de trabalho urbano,
a partir de meados do século XIX. De outro lado, o crescimento das cidades e a diver-
sificação econômica abriram uma nova frente de investimentos que serão produtos do
capital mercantil urbano.
Foi fundamental entender como o mecanismo dos excessos de capital é a crise.
David Harvey sugere que as crises “assumem um papel fundamental na geografia his-
tórica do capitalismo como ‘racionalizadores irracionais’ de um sistema inerentemente
contraditório1”. Assim, ao compreender o histórico dos projetos habitacionais brasilei-
ros concluímos qual a sua relação com as crises do sistema capitalista, especialmente,
a crise de 2007 que e videncia porque hoje os direitos sociais são fortemente atacados
nesta situação de instabilidade e como o Programa Minha Casa Minha Vida serve ao
interesse do capital e estimula à logica da financeirização imobiliária, transformando o
direito à moradia em uma mercadoria uma vez que não favorece a desmercantilização
da habitação. 373
Também se coloca como uma conclusão alcançada a apresentação de um novo
olhar sobre os direitos humanos sociais, a partir da dialética de Marx, de uma maneira
de concebê-los que seja alternativa a teoria tradicional. Traçamos a ligação decisiva
entre o capitalismo e os direitos humanos sociais, sendo que o desenvolvimento destes
não é baseado no espirito humano e da consciência universal, mas sim no processo
capitalista de produção e reprodução social. Ao se escolher pela teoria marxista, foi
possível perceber que toda a forma jurídica, até mesmo os direitos humanos, está pro-
fundamente comprometida com uma estrutura capitalista de sociedade.
Assim, nesta investigação nos deparamos com o caráter contraditório dos direitos
sociais. Ao se constatar que o capitalismo afirma tais direitos, ao mesmo tempo em que
os nega, tendo o direito à moradia como um exemplo das contradições dos direitos
sociais.
Referências
FIX, Mariana de Azevedo Barreto. Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil.
(2011). 263f. (doutorado) – Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, 2011.
HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
_______________. A Produção Capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.
LEFEBRE, Henri. O pensamento marxista e a cidade. Póvoa de Varzim: Ulisseia, 1972.
1 Harvey, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. Tradução de João Alexandre Peschanski. São
Paulo: Boitempo, 2011.
374
1. Objetivos
Esse trabalho tem o objetivo fulcral de versar acerca de um tema polêmico no âm-
bito social e jurídico, que é a possibilidade de usucapião de bens públicos em face de
descumprimento da função social da propriedade pela Administração Pública.
2. Metodologia
Trata-se de uma estudo de natureza indutiva, que se fundamentou a partir de revi-
são bibliográfica, legal e jurisprudencial.
3. Conclusões 375
Apesar dos grandes entraves jurídicos que circundam o tema, devido ao fato de o
ordenamento jurídico brasileiro prever dispositivos normativos que impedem a aqui-
sição da propriedade pública via usucapião, conforme dispõe a Constituição Federal
de 1988 nos artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único, o Código Civil e, em sede, juris-
prudencial, a Súmula 340 do STF, entendemos que os bens públicos classificados como
dominicais, quando não utilizados pela Administração Pública, restando ociosos e sem
qualquer finalidade, devem se submeterem aos ditames da função social, permitin-
do-se, por interpretação principiológica, a usucapião para atender a interesses sociais.
O princípio da função social da propriedade é arquitetado no ordenamento jurídico
brasileiro ao status de garantia fundamental, prescrevendo que a propriedade deve
obter um fim social em face da coletividade, em consonância ao interesse público e o
princípio da justiça social, não se prestando, a propriedade, para satisfazer interesses
meramente individuais de especulação imobiliária que reflitam prejudicialmente sobre
os interesses de uma sociedade que pretende ser, livre, justa e solidária. Não por moti-
vo diverso, a legislação brasileira expressa de modo claro a determinação do cumpri-
mento da função social da propriedade perante os particulares, sendo perceptível em
diversos artigos, a exemplo dos artigos 170 - III, 182 e 186 da Constituição Federal e o
art. 1.228 do Código Civil, sob pena da perda desse direito, por diversas formas, dentre
elas, a usucapião. Mas porque a omissão da imposição desse dever para os gestores
da Administração Pública? Essa lacuna advém da lógica delineada pelo ordenamento
jurídico brasileiro acerca da presunção da função social sobre os bens pertencentes às
pessoas jurídicas de direito público. Nada obstante, tal presunção da função social da
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão Cidade do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movi-
mentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Referências
I. Livro (língua original)
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais. 10. ed., Salvador: JusPo-
divm, 2014.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: parte geral e LINDB. 12. ed., Salvador:
JusPodivm, 2014.
DA CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2014.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2015.
II. Legislação
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 22/05/2015.
BRASIL, Lei n. 10.406/2002, institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/2002/l10406.htm >. Acesso em: 15/05/2015. 377
1. Objetivos
Considerando as dinâmicas que balizaram o processo de urbanização no Brasil, no-
tadamente marcado por um processo de segregação, faz-se necessário analisar as rela-
ções existentes entre a urbanização das cidades no Brasil e desigualdade social.
Para Maricato (2011, p. 13), no contexto da urbanização brasileira, a cidade informal
- o segmento da cidade que comporta, em sua maioria, os sujeitos que constituem a
base da sociedade de classes e se caracteriza por não se adequar aos padrões legais e
ideais de moradia - é regra, considerando que é construída a partir da força de trabalho
barata dessa mesma parcela da sociedade que é excluída do que se entende por cidade
formal. Segundo a autora, a população que ocupa cidade informal é ignorada pelas
políticas públicas e excluída do mercado formal residencial capitalista, sendo obrigada
a construir sua própria moradia, seus próprios bairros, para que possam ser inseridos
minimamente na lógica do mercado e ter mínimas condições de acesso aos aparelhos
378 urbanos. Ressalta-se, também, o fato de que os espaços dentro da cidade ocupados por
esses sujeitos por vezes tratam-se dos espaços que não interessam pro mercado imo-
biliário formal. Nesse sentido, as localidades onde essa cidade informal se ergue, quase
sempre são áreas de risco, sujeitas a deslizamentos, e, ainda, áreas ambientalmente
frágeis, como, por exemplo, áreas mangue.
Dentro da lógica da cidade mercado, a especulação imobiliária como pedra guia do
processo de urbanização é causa de fatores estruturantes da cidade informal, como a
ocupação desordenada da terra, a falta de controle do uso e da ocupação do solo, a ex-
clusão social, o crescimento exponencial de ocupações favelas, os desastres decorren-
tes de desmoronamentos com mortes, entre outros (MARICATO, 2011). Nesse sentido,
nota-se que o espaço urbano é estruturado a partir de interesses, estabelecendo a luta
de classes por infraestrutura, serviços básicos, acessibilidade e etc. Assim, a partir dessa
luta de classes pela apropriação dos aparelhos e do espaço urbano - que correntemente
é protagonizada e monopolizada por interesses políticos da classe dominante - ocasio-
na-se a construção de novos centros, para a adaptação da cidade aos interesses desses
sujeitos (MASULLO, NASCIMENTO e CARVALHO, s/d, p. 5).
Observa-se que tal dinâmica de urbanização se deu de forma semelhante em São
Luís, uma vez que a ocupação urbana da cidade, conforme apontam Aires, Caroline e
Correia (2015, p. 3) até os anos 80, foi induzida através de investimentos públicos em
estruturas como rodovias, sistema viário, habitação, bem como, as ocupações espon-
tâneas nas áreas periféricas. Desta feita, percebe-se que este processo se deu de forma
desordenada, e com uma notável segregação social da população despossuída de ca-
pital suficiente para adentrar no mercado imobiliário formal. Assim, os autores afirmam
2. Metodologia
A metodologia será constituída pelo levantamento de bibliografia. Em relação à bi-
bliografia, buscar-se-á não somente as produções na área jurídica, mas também, visan-
do um conhecimento transdisciplinar, a integração de produções nas áreas de socio-
logia, da arquitetura e do urbanismo. Bem como, por meio de entrevistas com órgãos
públicos e sociedade civil organizada.
3. Conclusões
Em relação às ocupações nas áreas de mangue em São Luís para fins de moradia,
podem estas ser divididas em duas: as ocupações populares, de baixo padrão, que se
dão ao longo das margens do Rio Anil e do Rio Bacanga, mas não exclusivamente (SOA-
RES, 2016). Nas quais a maioria das moradias dos sujeitos são palafitas e em localidades
que possuem aparelhamento urbano precário, como saneamento, calçamento e etc. E,
ainda, as ocupações com construções de alto padrão, que habitualmente são estabele-
cidas em áreas com maior proximidade da faixa litorânea, principalmente na região da
Ponta D’Areia, nas quais as moradias se caracterizam por serem, em sua grande maioria,
condomínios de luxo e possuem toda estrutura urbana de saneamento, calçamento,
coleta de lixo e etc (SOARES, 2016).
Referências
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Comunidade Portelinha. Revista do Centro de Estudos em Desenvolvimento Sustentável – CEDS. N. 3,
Vol. 1, set/dez. 2015. Disponível em <http://www.undb.edu.br/publicacoes/arquivos/rev._ceds_n._3__mise-
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BEZERRA, Denilson da Silva. O Ecossistema Manguezal em Meio Urbano no Contexto de Políticas Pú-
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380 BURNETT, Frederico Lago. São Luís por um Triz – Escritos Urbanos e Regionais. São Luís: Secretaria de Cidades
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ses-2-Consenge.pdf>. Acesso em 4 Jun. 2016.
MASULLO, Yata Anderson Gonzaga; NASCIMENTO, Talita de Sousa; CARVALHO, Dionatan Silva. Desenvolvi-
mento Desigual e Produção do Espaço no Município de São Luís – MA. Instituto Maranhense de Estudos
Socioeconomicos e Cartográficos – IMESC. Disponível em <http://www.imesc.ma.gov.br/temp/docs/Desen-
volvimento_desigual.pdf>. Acesso em 3 Jun. 2016.
SOARES, Alexandre Soares. Processos Judiciais Envolvendo Áreas de Mangue no Município de São Luís
do Maranhão, Ministério Público Federal/MA, 29. Abr. 2016. Entrevista concedida a Sarah Valery Mano Quei-
roz.
MOVIMENTOS SOCIAIS
RESUMO: Este artigo resulta de uma pesquisa cujo objetivo consistiu em demonstrar o
tratamento penal dispensado à pessoa portadora de doença mental que cumpre algu-
ma medida (temporária ou definitiva), no âmbito do atual sistema punitivo brasileiro.
Iniciamos nosso estudo expondo um breve panorama sobre a medida de segurança
e sobre o tratamento penal e clínico, os quais se desenvolvem de forma desumana e
degradante em nosso sistema de justiça. Para tanto, apontamos a contradição entre
as normas do Código Penal, a Lei Antimanicomial( Lei nº 10.216/2001), e os novos dis-
positivos legais de proteção aos direitos e deveres da pessoa portadora de transtorno
mental. Intencionamos expor a possibilidade de implantação de Residências Terapêu-
ticas (RT), enquanto práticas substitutivas em saúde mental aos Hospitais Psiquiátricos,
a partir do entendimento de que a internação deve ser medida extrema e necessária
em determinadas situações. Ao final, sugerimos um maior conhecimento por parte das
autoridades judiciárias sobre a doença mental e de como proceder diante de um pro- 383
cesso penal de enorme complexidade, apontando que a desinstitucionalização é uma
necessidade para o interno, desde que obtenha uma assistência médica psiquiátrica
adequada.
Palavras-Chave: Doença mental- Processo penal- Residências terapêuticas- Práticas
substitutivas em Saúde Mental- Desinstitucionalização.
ABSTRACT: This article results from a research whose objective was to demonstrate the
criminal treatment of the person with mental illness that meets some measure (tempo-
rary or permanent), under the current Brazilian punitive system. We began our study
exposing a brief overview of the security measure and the criminal and medical treat-
ment, which develop from inhuman and degrading in our justice system. Therefore, we
point out the contradiction between the norms of the Criminal Code, the Anti-Asylum
Law (Law No. 10.216 / 2001), and the new legal provisions for the protection of rights
and duties of the carrier of mental disorder person. Intend to expose the possibility of
developing therapeutic residences (RT) while substitutive mental health practices to
psychiatric hospitals, from the understanding that the hospital should be extreme and
necessary in certain situations. At the end, we suggest a greater knowledge on the part
of judicial authorities about mental illness and how to proceed in a criminal case of
enormous complexity, noting that deinstitutionalization is a need for internal, provided
they get adequate psychiatric health care.
Keywords: mental-Disease Process penal- Residences terapêuticas- Practices substitu-
tive Health mental-institutionalization.
1 A Reforma Psiquiátrica surgiu com a articulação movimentos sociais, como as associações de usuários e
familiares, ONGs, sindicatos, etc. Esta estratégia estabeleceu uma diferença, especialmente nos anos noventa,
entre a Reforma Psiquiátrica e a Reforma Sanitária: por um lado ocupou espaços no aparelho estatal e, por
outro, manteve uma identidade de movimento social, por meio do Movimento da Luta Antimanicomial. Para
Paulo Amarante, a Reforma Psiquiátrica foi um importante marco; uma “fase de transição” do paradigma psi-
quiátrico-moderno, que se situa numa transição maior, que é a da ciência da modernidade” (Cf. AMARANTE,
Paulo, 1996, p. 24).
2 A experiência da antipsiquiatria foi um importante prenúncio das tendências antimanicomiais mais profun-
das que se seguiriam, em especial, à experiência italiana de Franco Basaglia. Sobre este, pode-se falar bastan-
te, mas o processo que ele desencadeou ainda está em plena progressão, inclusive no Brasil (Cf. JACOBINA,
2008, p. 90).
(...)
e) permissão, sempre que possível, para que o tratamento ocorra sem que
o paciente se afaste do meio social em que vive, visando sempre à manu-
tenção dos laços familiares;
II-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA,
SECRETARIA DA JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS, UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Censo Clínico e Psi-
cossocial da População de Pacientes Internados no Hospital de Custódia e Tratamento em Psiquiatria
do Estado da Bahia HCT/BA(Manicômio Judiciário) - Relatório Final, Salvador-Bahia, 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Residências Terapêuticas: o que são, para que servem. Brasília, DF, 2004.
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BRASIL. CONFERÊNCIA REGIONAL DE REFORMA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL: 15 ANOS DEPOIS DE
CARACAS. 2005, Brasília. Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil. Brasília, 2005.
CONDE, Francisco Muñoz. Mezger e o Direito Penal do seu tempo.Trad. Paulo César Busato, 4ª edição, Rio
de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.
Resumo: Este trabalho tem por objetivo narrar parte da nossa experiência como faci-
litadoras de oficinas sobre violência contra mulher em um Centro de Progressão Peni-
tenciário Feminino, localizado no bairro do Butantan em São Paulo.
Palavras-chave: violência contra a mulher; sistema carcerário; oficina; mulher encarce-
rada.
Abstract: This paper aims to narrate part of our experience as facilitators of workshops
on violence against woman in a female penitentiary, located in Butantan, São Paulo.
Keywords: violence against woman; prison system; workshop; female inmates.
Todas as mulheres guardam uma Caixa de Pandora dentro de si: somos estimuladas
a não falar sobre os nossos problemas, muitas vezes, a entender outras mulheres como
rivais e não como uma classe. Acreditamos que compartilhar experiências nos aproxima
e liberta pragas e monstros que sequer sabíamos que existiam. O relato que segue é
sobre uma experiência com mulheres encarceradas em regime semiaberto.
Já fazia um ano que as professoras do Centro de Progressão Penitenciária (CPP)
Feminino “Dra. Marina Marigo Cardoso de Oliveira” de Butantan, da capital paulista, 397
tentavam organizar um evento dedicado às questões femininas, algo como a “Semana
da Mulher” para as reeducandas2. No final de maio de 2016 finalmente conseguiram
três dias para trabalhar alguns temas: no primeiro, técnicas de auto maquiagem; no
segundo, técnicas de pintura em panos de prato; e, no terceiro, uma palestra sobre
violência contra mulher.
Fomos convidadas pela professora da área de humanas - Sociologia, Filosofia, His-
tória e Geografia - para participar do terceiro dia, no período das 18h às 21h. Embora o
convite inicial fosse a realização de uma palestra, nos deixaram livres para propor outras
formas de interação. Nos reunimos e discutimos metodologias possíveis para dialogar
sobre violência, mas tínhamos, como consenso, fazê-lo de maneira menos hierárquica
possível, no sentido de trocar experiências com as mulheres, e não de impor nossas
verdades ou concepções acerca do tema.
Considerando a pesquisa “Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-
social sobre a experiência da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro”, de
autoria de Luciana Boiteux, Maíra Fernandes, Aline Pancieri e Luciana Chernicharo3, que
apontava para padrões de violência sofridas por mulheres encarceradas antes da prisão,
optamos por falar sobre o tema de maneira abrangente. Embora tivéssemos informa-
ções sobre os casos de agressões ocorridas dentro da instituição, decidimos focar na
experiência que antecedia a prisão, com o objetivo de provocar a identificação entre
elas, ao invés de reforçar a rivalidade.
2 Esse é o termo utilizado pelas educadoras para se referirem às mulheres encarceradas.
3 Disponível em: https://temosquefalarsobreisso.wordpress.com/2015/12/01/mulheres-e-criancas-encarce-
radas/ Acesso: 07/06/2016.
Referências bibliográficas
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ternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B6311Am-
qcdPVRmlXb25wakx2TVE/view Acesso em: 07/06/2016
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Corpo, 1999.
Lagarde, Marcela. Definindo sororidade. Disponível em: https://we.riseup.net/radfem/definindo-sororidade
-marcela-lagarde Acesso: 07/06/2016
Ariana et al. Atividades de introdução à filosofia e filosofia política. Disponível em: http://w3.ufsm.br/leaf/me-
nuesp3/7242e31ff99447fb4ae13898eeb6cdf0.pdf Acesso: 07/06/2016
ANEXO
TEMA DA OFICINA: VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
1. Dinâmica de apresentação “Quem sou eu?”
Inicialmente, fazemos a nossa apresentação. Depois, cada mulher será convidada a falar seu nome e fazer
uma mímica associada a alguma atividade que comece com a letra do nome dela. Todas repetem.
406
Tempo: 15min
OU
1. Dinâmica de apresentação “Quem sou eu+massagem”
Todas as mulheres são convidadas a falar sobre si de olhos fechados. Bia e Natalia circulam pela sala e a
ordem de fala é determinada da seguinte maneira: a mulher que estiver recebendo massagem deverá falar
sobre si durante o tempo que for massageada e assim sucessivamente.
Tempo: 45 min (1 min para cada).
2. Dinâmica desencaixando a violência + roda de conversa
Materiais: papel A4/ envelope e giz de cera (vamos levar)
Breve exposição dos tipos de violência (máx. 20min):
Por que falar sobre violência contra a mulher?
Historicamente, observamos que a construções sociais dos papéis masculinos e femininos fizeram com que
homens e mulheres fossem tratados de forma desigual: a mulher, ao invés de ser vista como um sujeito, foi
- e ainda é - tratada como um objeto que pertence ao homem. Além disso, por muito tempo, as mulheres
ficaram confinadas no espaço da casa, privado, e, assim, eram impedidas de participar do mundo público.
Esse cenário favoreceu a prática e a manutenção da violência. Já ouviram a expressão “em briga de marido
e mulher ninguém mete a colher?”. O homem educado para mandar e para ver a mulher como sua proprie-
dade entendia - e em alguns casos ainda entende - que tem o direito de praticar violência contra a mulher.
Foi a partir da década de 70, com o crescimento dos movimentos feministas, que a questão da violência
contra a mulher saiu do espaço da casa, da família, e passou a ser debatido como um problema público. Na
década de 80, foram criadas as primeiras delegacias da mulher. Até 2006, a violência contra a mulher era tra-
tado como se fosse um crime de menor importância, muitas vezes, o homem chegava a alegar legítima defesa
da honra, que era a mesma coisa que dizer que o homem podia agredir na mulher se ela não se comportasse
como ele queria. No ano de 2006, foi criada a Lei Maria da Penha.
408
Abstract: This paper analyzes a crisscross about popular mobilizations that developed
from the 2013 struggles context in Brazil, more specifically in the city of Rio de Janeiro.
From this scenario, our effort is to contribute not only to an understanding of the actors,
movements and collective actions, but also the examination of criminalization process
that falls on them. For this, we rely on empirical research descriptive and analytical
character. Through observation and interviews, we see how they develop the practical,
organizational forms and strategies of resistance of the most diverse subjects and active
movements in these mobilizations. Moreover, among the numerous situations of vio-
lence, criminalization and judicialization of class actions, we highlight the development
of a specific situation, which is related to the enactment of the arrest of 23 activists on
the eve of the final of the FIFA World Cup matches in Brazil, exploring both role of the
legislature, the judiciary and the executive, as the role of the press in the process. In
this sense, this text is to analyze some of the consequences of this complex and multi-
faceted relationship between collective actors that are organized around emancipatory
demands and social control actions and criminalization that are exerted on them.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão 3 Criminologia Crítica e Movimentos Sociais do VI Seminário
Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de
agosto de 2016.
Introdução
O presente estudo aborda as formas de ação e resistência, bem como, os processos
de criminalização dos movimentos sociais e ações populares na cidade do Rio de Janei-
ro a partir do contexto das mobilizações de junho de 2013. Após junho desenha-se no
país um conjunto específico de ações populares, nas quais significativa parcela da po-
pulação expressa descontentamentos e realiza reivindicações. Por meio de passeatas e
ocupações em ruas e praças, uma multiplicidade de manifestantes apresenta formas di-
ferentes de convocação e organização, trazendo pautas com demandas diversificadas.
Tomaremos como foco a cidade do Rio que, de um lado, configura-se como um lugar
de fortes investimentos e transformações urbanas relacionadas aos grandes eventos
e, de outro, traz consigo uma pesada bagagem no que tocam às ações relacionadas à
penalidade, ao crime e à violência.
De dentro desse cenário múltiplo e complexo, faz-se necessário confeccionar pes-
quisas que possam articular os aspectos do contexto social no qual se desenvolveram
as mobilizações, com questões atinentes à composição e funcionamento dos movimen-
tos e coletivos que atuaram nesse contexto, abrangendo suas práticas, repertórios de
ação e a diversidade de atores envolvidos. Tais elementos são fundamentais para que
possamos começar a realizar um trabalho cuidadoso, que não despreze as perspecti-
410 vas da conjuntura política e do contexto social, considerados de modo mais amplo, ao
mesmo tempo em que possa conectar diagnósticos consistentes, ligados às relações
construídas nesse período.
O trabalho que segue compõe-se de um encontro entre a apresentação de pesqui-
sa em caráter exploratório e um esforço inicial por compreender uma revisão bibliográ-
fica sobre o tema. Nesse sentido, pretendemos observar o contexto de emergência dos
protestos, identificando nuances das mobilizações, bem como a carga de criminalização
que essas lutas populares têm recebido. Pretendemos verificar nossa hipótese inicial
através da qual identificamos um aprofundamento e ampliação de um processo de
criminalização que se manifesta em diversas ações de controle exercidas pelo Estado
contra as lutas populares.
2 SADER, 1988.
3 Sobre novas formas de associativismo, AVRITZER, 1997.
4 As referidas ações combinaram-se a outras, como a ampliação dos financiamentos estudantis e as políticas
de cotas para afrodescendentes e camadas mais populares da sociedade, nos mais diversos setores, buscan-
do imprimir uma espécie de retorno às diversas demandas sociais que marcaram o país, especialmente nas
décadas de 1970 e 1980. No entanto, reservadas as devidas diferenças, tanto o governo de Lula, quanto o
governo Dilma: “Lograram combater a pobreza com medidas focalizadas, políticas que, ao mesmo tempo
que subvertem o neoliberalismo, a ele se aliam, ao recusar a definição de uma cidadania social universal”.
(Domingues, 2013, p. 12)
5 Isto ocorreu, por exemplo, em relação aos debates em torno da continuidade da criminalização do aborto
e da aprovação, pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, de projeto de lei que permitiria a realização
da chamada “cura gay” por psicólogos
[...] uma rápida difusão da ação coletiva dos setores mais mobilizados aos
menos mobilizados, um ritmo de inovação acelerado nas formas de con-
fronto, marcos novos ou renovados para a ação coletiva, uma combinação
de participação organizada e não organizada e sequências de interação in-
tensificada entre dissidentes e autoridades (Tarrow, 1998: 144-150). (Brin-
gel, 2012, p. 48)
8 Em geral, os policiais infiltrados eram denominados de “P2” pelos manifestantes e eram tomados como
incitadores de violência nos protestos.
10 As bandeiras persistem desde agosto de 2013, quando a Frente foi criada, são elas: “Fora Cabral e a farsa
eleitoral; Pelo fim da violência policial; pela imediata libertação de todos os presos políticos e fim dos proces-
sos e inquéritos; pelo fim da CEIV (Comissão especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifesta-
ções); pelo fim da Polícia Militar; pelo fim das ocupações militares nas favelas; contra o extermínio do povo
negro; punição aos torturadores do regime militar; pelo direito à cidade e à terra; tarifa zero para o transporte
público; pelo fim das remoções e despejos na cidade e no campo; não aos megaeventos; anulação imediata
da privatização do Maracanã; democratização da mídia; a solidariedade à aldeia Maracanã e aos índios resis-
tentes; moradia, saúde pública universal de qualidade e educação; direito aos recursos, pelo fim dos leilões do
petróleo e controle da produção pelos trabalhadores; pelo perdão das dívidas bancárias da população; não à
construção da terceira pista do galeão; contra a TKCSA (Companhia Siderúrgica do Atlântico)”.
11 Nesse período houve a demolição de inúmeras casas e cortiços do centro da cidade, as violentas interven-
ções urbanas se deram em função de necessidades de higienização e embelezamento. Tais ações modificaram
inteiramente a face urbana e social da cidade, expulsando para os morros uma grande quantidade de pessoas
que precisavam permanecer próximas de seus trabalhos.
Tal possibilita uma construção subjetiva na sociedade que não apenas admite uma
violência cotidiana contra a população pobre e negra em nome do restabelecimento
de uma ordem, mas também cria um senso comum na população que corrobora com
essas políticas. Nesse contexto, sequer são apresentados os problemas que realmente
devem ser enfrentados em relação à criminalidade e ao encarceramento, as razões são
invertidas e os “delinquentes” e “incivilizados” que se proliferam em um determinado
bairro ou favela devem ser enfrentados sem trégua como um mal súbito e não en-
quanto um produto de problemas econômicos e sociais que foram negligenciados pelo
Estado.
14 Professores, garis, rodoviários e petroleiros, podemos dizer que muitos, além de resistirem às ações
violentas da polícia, também tiveram de enfrentar descontos salariais, processos administrativos, demissões
e cortes de ponto
21 Pesquisa do IPEA e do Ministério de Justiça sobre a aplicação de penas e medidas alternativas revela que
mais de 80% das pessoas presas em flagrante recebem a confirmação da prisão pelo juiz e ficam presas até o
fim do processo e, o que é mais grave, essas pessoas sofrem as consequências do sistema prisional brasileiro
e em quase 40% dos casos, são absolvidas ou recebem penas alternativas. Disponível em: <http://apublica.
org/wp-content/uploads/2015/02/pesquisa-ipea-provisorios.pdf>.
22 É necessário lembrar que estamos tratando de uma imprensa que taxa os manifestantes de vândalos, omi-
tindo o fato de que os processos judiciais são contra ativistas políticos, organizações políticas e movimentos
populares.
Considerações Finais
Os megaeventos continuam trazendo inúmeros impactos à organização das cida-
des. Especialmente no Rio de Janeiro, onde afetam as vidas da população pobre que
habita as favelas, periferias e áreas próximas dos locais onde esses eventos foram ou
serão realizados. Os preparativos para as Olimpíadas de 2016 fazem com que a cidade
continue sendo palco de remoções forçadas, processos de gentrificação e ampliação
da violência e militarização. O cenário de respostas cada vez mais violentas por parte
da polícia combina-se à criminalização e à judicialização das lutas sociais, tornando
greves ilegais e tratando como criminosos manifestantes e trabalhadores com atuação
no movimento sindical23.
23 Além dos manifestantes presos e processados, os garis do Rio de Janeiro também estão sendo alvo de
inquérito policial que visa investigar “atos de violência” supostamente cometidos durante a greve ocorrida
em 2015.
427
Abstract: This article analyzes the treatment given by the State and by the Law to the
issue of domestic violence against women, and the failure of criminalizing measures.
Also, the paper discuss the experience of the cities of São Paulo and Guarulhos in using
restorative justice practices in children and youth conflicts. This work questions, in the
light of the Critical Criminology, the effectiveness of the measures adopted by the Brazi-
lian legislation in the matter, considering that the national criminal system is not ideally
preparad to deal with conflicts in continuing affection’s relationships. It was observed
that the current national criminal justice system has failed to meet the expectations that
have emerged within the Feminist Criminology, reflecting on the still alarming statistic
of cases of domestic violence against women. This paper concludes that it’s necessary
to seek new strategies, and proposes, based on the reported experience, to use restora-
tive justice techniques in some cases of gender conflicts. Therefore, was made a biblio-
graphical and documentary analysis of the matter, as well as other studies publishes on
other articles and periodicals.
Keywords: Domestic Violence against women; Gender; Critical Criminology; Penal Law;
Restorative Justice.
Busca-se, pois, analisar os aspectos mais relevantes dessas questões, trazendo uma
reflexão crítica da forma como é tratada atualmente a temática, bem como propondo uma
forma realmente dialógica de resolução da questão, qual seja, a aplicação de técnicas de
Justiça Restaurativa, buscando maior transformação das relações e da própria sociedade.
Dessa forma, busca-se colaborar para a gradual e necessária construção de um sis-
tema penal verdadeiramente transformador, compreendendo que as mudanças que se
fazem necessárias precisam ser continuamente discutidas e trabalhadas, e que, apesar
das dificuldades e desafios, é preciso mais do que reconhecer a ineficácia do sistema
atual, arriscando soluções ousadas, ainda quando estas pareçam utópicas e distantes.
Assim, parte-se da fundamental análise crítica do sistema posto, propondo-se uma
mudança de paradigma, a fim de compreender a amplitude da problemática e colaborar
com o aperfeiçoamento do sistema, sob um foco mais restaurativo e menos retributivo.
Propõe-se um outro olhar acerca da questão carcerária e do Direito Penal, a fim
de questionar sua forma de proteção a bens jurídicos, notadamente a integridade da
mulher, em seus amplos aspectos.
Dessa forma, este artigo representa a tentativa de caminhar rumo às alterações que
se entendem necessárias, propondo uma nova visão dos papéis do acusado/criminoso,
da vítima e do próprio Estado no processo penal.
A questão de gênero, seja como elemento das relações sociais baseadas em dife-
renças entre os sexos, seja como forma primária das relações significantes de poder, não
tem sido satisfatoriamente trabalhada na sociedade contemporânea, mas, ao contrário,
tem reproduzido uma visão criminalizante sobre as camadas mais pobres da sociedade.
A ineficácia da resposta estatal à violência contra a mulher é perceptível nos dados
apresentados por Ana Lúcia Sabadell:
Como se passará a defender adiante, nem o delito seria de menor potencial ofensi-
vo, nem a pena mostra-se como o correto medidor da gravidade da lesão. Na verdade,
entende-se que o sistema retributivo não obedece a uma lógica aceitável e não é capaz
de satisfatoriamente corresponder às reais expectativas sociais.
Assim, observando a criminalização de condutas e a sanção a elas cominada, é
importante lembrar que a pena possui outras finalidades que não unicamente a de
retribuição, mas também a de prevenção geral e especial. Portanto, ainda considerando
a forma atual e majoritária de analisar o crime e a pena, sob a lógica do sistema penal
vigente, devem-se considerar todas as finalidades desta, combatendo eventual ânsia
vingativa-retributiva que possa nascer no seio da sociedade.
Abordando outro aspecto do tema, Marília de Mello e Carolina Medeiros (2014)
apud Nilo Batista (2002) observam que:
Foi nesse contexto que surgiu a Lei Maria da Penha, em alusão ao sofrimento da
cearense de mesmo nome, cujo então marido teria tentado matá-la duas vezes, deixan-
do-a paraplégica em virtude das agressões sofridas.
Desde a vigência desta lei até os dias de hoje, a mulher ainda não conseguiu espa-
ço para expor seu sofrimento. O que se observa é que a atuação processual da vítima
é reduzida, restringindo-se quase que unicamente a colaboração com a instrução
processual, de forma que, quando decide retroceder com a ação penal, sua manifes-
tação de vontade não é valorada da mesma forma que o foi para a instauração do
processo.
Tenta-se, assim, minimizar os efeitos de eventuais ameaças por parte do agressor
ou da própria vulnerabilidade da mulher, que poderiam tencioná-la a desistir do pro-
cesso. Com isso, não se deixa de impedir a mulher de ter voz, prejudicando seu empon-
deramento.
Assim, mostra-se importante atentar para o que diz Julita Lemgruber:
Vê-se, pois, como a carcerização do agressor não foi capaz de resolver o problema
da violência doméstica, a exemplo do crescente aumento das estatísticas. O que se
observa é que, ao contrário, o sistema penitenciário potencializou esse problema social.
Forçoso, pois, constatar, que a via da criminalização, constantemente adotada pelos
motivos já expostos, mostra-se incapaz de solucionar o problema da violência domés-
tica contra a mulher. Assim, estando tal política de criminalização fadada ao insucesso,
não se pode insistir nela, pelos prejuízos sociais que diariamente causa.
Ademais, a seletividade do sistema criminal continua manifestando-se também
nesses tipos de conflitos. Como se sabe, a violência familiar contra a mulher não é ex-
clusiva das populações negras e pobres, mas ainda são estes os constantes presos pela
“Lei Maria da Penha”.
Nesse sentido, importante analisar o que diz Leda Maria Hermann:
O que se observa, entretanto, é que a “cifra negra” não é negra, mas tem classe e
cor. Aqueles que não são alcançados pela lei penal são primordialmente brancos e ricos. 437
Ademais, por oportuno, questiona-se também, além da escolha estatal da criminaliza-
ção de condutas, a desconsideração da opinião da mulher nas questões que lhe são afetas.
Defende-se, pois, neste trabalho, a busca pelo emponderamento das mulheres, in-
clusive as vítimas de violência doméstica, compreendendo a importância de ouvir suas
vozes e seus gritos, nos relatos de suas dores. Entende-se, pois, que não há como tratar
dessas questões que lhes interessa diretamente sem considerar, ou mesmo relativizan-
do, suas opiniões e suas vontades.
O combate à violência doméstica e ao pensamento machista e androginista deve
ser travado coletivamente, considerando ainda essas questões criminológicas e sociais,
e também reconhecendo a mulher como sujeito de sua história e de seus direitos e ser
humano capaz de livremente manifestar-se. O emponderamento que se busca perpas-
sa, pois, esse reconhecimento.
(...) Quando um mal é cometido, a questão central não deveria ser “O que
devemos fazer ao ofensor?”, ou “O que o ofensor merece?”, mas sim “O
que podemos fazer para corrigir a situação?”.
Em vez de definir a justiça como retribuição, nós a definiremos como res-
tauração. Se o crime é um ato lesivo, a justiça significará reparar a lesão e
promover a cura. Atos de restauração –ao invés de mais violação- deve-
riam contrabalancear o dano advindo do crime. É impossível garantir recu-
peração total, evidentemente, mas a verdadeira justiça teria como objetivo
oferecer um contexto no qual esse processo pode começar (Zehr, 2008, p.
175-176).
Segundo a justiça retributiva: 1.o crime viola o Estado e suas leis; 2. o foco
da justiça é o estabelecimento da culpa; 3. para que se possa administrar
doses de dor; 4.a justiça é buscada através de um conflito de adversários;
5.no qual o ofensor está contra o Estado; 6.regras e intenções valem mais
que resultados; 7.um lado ganha e o outro perde.
5. Metodologia
A pesquisa foi conduzida inicialmente por uma abordagem sócio-histórico-jurídica,
analisando diversas vertentes subjacentes ao tema, tais como o discurso feminista, o
discurso garantista e a proposta restaurativa. A abordagem pretende ir além de refe-
rências normativas, questionando a eficácia das opções legislativas no Brasil, frente ao
crescente índice de violência contra a mulher.
6. Considerações Finais
A conclusão a que aqui se chega perpassa a análise conclusiva de Vera Regina de
Andrade, quando esta relata que: 441
Referências
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Justiça criminal. Boletim IBCCrim. 2005.
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SCOTT, Joan. Gender: A Useful Category in Historical Analysis. www.stor.org (acesso em 09/09/08)P. 1069
443
2 Por Ibero-américa se entende o conjunto de países americanos que formaram parte dos reinos de Portugal
e/ou Espanha. Por isso, não se leva em conta países como a Guiana e o Suriname, países que, embora já
constituam nações soberanas, tiveram colonização do Reino Unido e dos Países Baixos, respectivamente.
Sobre esta definição, recomendamos a leitura do Diccionario Panhispánico de Dudas, da Real Academia
Espanhola, cuja referência se encontra disposta no tópico final deste trabalho.
Reconhece-se, então, que o conteúdo deste Código trata de uma proposta concreta
para instauração de mecanismos que superem as arbitrariedades dos regimes ditatórias.
Para além de princípios e garantias, o texto propõe dispositivos (propriamente ditos)
que, segundo seus elaboradores, seriam os mais próximos do ideal processo penal num
regime democrático. Diferentemente, do que ocorre com os tratados internacionais, o
Código Modelo não possui vinculação que o torne obrigatório; não há um mecanismo
ou organismo internacional para controle em caso de descumprimento.
Para estudar melhor a ideologia presente nas legislações penais dos países ibero-a-
446 mericanos, recorta-se, então, a prisão preventiva. Como um instituto que nasceu para
ser uma medida cautelar para o bom andamento do procedimento penal (investigação
e processo cognitivo), mas que era utilizado arbitrariamente nos regimes ditatoriais
servindo como meio de controle, antecipação de pena, sem o devido processo legal. No
Código Modelo, a prisão preventiva é anotada como medida excepcional e provisional;
em outras palavras, só deve ser adotada quando nenhuma outra medida seja suficiente
para acautelar a marcha processual e só deve durar enquanto subsistirem as circunstân-
cias que a justifique como necessária.
Sabendo disso, pergunta-se: será que as legislações penais dos países ibero-ame-
ricanos, ao menos no que toca à prisão preventiva, de fato, amoldaram-se e se aproxi-
maram do que pretendia o Código Modelo? E o Brasil, como ficou sua legislação penal?
Será que está em consonância com o Código Modelo e/ou com as demais legislações
penais do grupo ibero-americano? Ou será que o legislador brasileiro optou por criar
disposições legais próprias, tal como as jabuticabas, frutos exclusivos da flora brasileira?
E como a prisão preventiva tem sido aplicada no Brasil?
Embora se trate de um trabalho em construção, não se propõe esgotar o tema, mas
apresentar as primeiras impressões sobre este estudo, a fim de delinear e situar a prisão
preventiva num panorama legislativo ibero-americano, trazendo inicialmente um recor-
te do direito estrangeiro3 (e não de direito comparado). E, posteriormente, desaguar na
discussão da utilização desta medida no território brasileiro.
3 O presente estudo se limita à pesquisa das regras estatais. De modo preciso, afirma Pessoa (2009, pág. 29)
que “a distinção entre o direito comparado e o direito estrangeiro é que o direito comparado vai além do
estudo e da descrição das leis estrangeiras”.
4 Para o presente trabalho, os países estudados foram: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa
Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República
Dominicana, Uruguai e Venezuela. Restando de fora, apenas, Cuba e Porto Rico, em razão da ausência de
fontes bibliográficas atualizadas e seguras.
Detalhamento
Critérios legislativos para decretação
das Circun-
País Legislação da prisão preventiva
stâncias
Art. 202, inciso 2.
A existência de uma presunção razoável,
Código Proces- por apreciação das circunstâncias do Sim.
sual Penal Mod- caso particular, acerca de que o imputa- Nos artigos 203
Modelo
elo para Ibe- do não se submeterá ao procedimen- e 204 do mes-
ro-américa to (perigo de fuga) ou obstaculizará a mo código.
averiguação da verdade (perigo de ob-
stacularização).
Art. 185.
Emitirá a prisão preventiva em função da Sim.
Código Proces- gravidade das circunstâncias e natureza
Argentina sual Penal da Nos arts. 188 e
do fato e das condições do imputado,
Nação/2014 189 do mesmo
que sirvam para decidir os critérios de
código.
perigo de fuga ou entorpecimento do
processo previstos neste Código.
448
Art. 233, inciso 2.
Sim.
Código de Pro- A existência de elementos de convicção
Bolívia cedimento Pe- Nos arts. 234 e
suficientes de que o imputado não se
nal/1999 235 do mesmo
submeterá ao processo ou obstaculizará
código.
a averiguação da verdade.
Esta longa repetição de dispositivos legais se faz necessária para tornar evidente
um fato muito importante: dentre todos esses países, apenas o Brasil admite a garantia
da ordem pública e da ordem econômica como fundamento para aplicação da prisão
preventiva! Tão exclusivas quanto as jabuticabas, frutos de uma planta genuinamente
brasileira, da Mata Atlântica.
Como se não bastasse a singularidade, a previsão de prisão preventiva como ga-
rantia à ordem pública e à ordem econômica não vem acompanhada de critérios legais
objetivos que as definam, dando margem a uma certa insegurança, em razão da male-
abilidade interpretativa destes dois requisitos.
E o pior, conforme assevera Lopes Jr. (2014, p. 868), a origem da garantia da ordem
pública “remonta a Alemanha na década de 30, período em que o nazifascismo busca-
5 As legislações cujos dispositivos serviram de base para a confecção deste quadro, encontram-se com as
referências bibliográficas devidamente dispostas no final deste estudo. Frisa-se também que optamos por
dispor dos textos legais já traduzidos - por nós - (excetuando o do Brasil), a fim de facilitar a compreensão. Em
razão da dimensão dos textos traduzidos, tornou-se inviável a disponibilização por meio de nota de rodapé,
para acesso direto às fontes das mencionadas normas legais remetemos às respectivas legislações constantes
nas referências bibliográficas.
7 “A prisão preventiva se cumprirá de modo tal que em nenhum caso poderá adquirir os caracteres de uma
pena.” – Tradução Nossa.
6. Referências Bibliográficos.
ARGENTINA. Código Procesal de la Nación, Ley nº 27.063, de 10 de dezembro de 2014. Disponível em: <http://
www.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/235000-239999/239340/norma.htm>. Acesso em: 11/03/2016.
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– Misión Brasil. Publicação em 30 de junho de 2014. Disponível em: <http://acnudh.org/informe-del-grupo-
de-trabajo-sobre-la-detencion-arbitraria-mision-a-brasil/>. Acesso em: 15/04/2016.
BOLÍVIA. Código de Procedimineto Penal, Ley nº 1.970, de 25 de março de 1999. Disponível em: <http://www.
cicad.oas.org/fortalecimiento_institucional/legislations/PDF/BO/codigo_procedimiento_penal.pdf>. Acesso
em: 25/04/2016.
Resumo: Este trabalho busca estabelecer uma reflexão sobre o atuar docente, sobre-
tudo nas áreas das chamadas ciências criminais (Direito Penal, Processo Penal e Crimi-
nologia) levando em consideração a atual problemática do crescimento irracional e ar-
bitrário do Estado policialesco, principalmente para as populações mais vulneráveis do
país, ainda que tendo de certa maneira afetado pontualmente pessoas ligadas a grupos
mais abastados economicamente nos últimos anos. Neste sentido, busca defender a
necessidade de um debate franco e aberto do docente no espaço acadêmico, traçando
uma crítica profunda do sistema penal contemporâneo, tendo como perspectiva uma
política de redução de danos, baseada no direito penal mínimo, desmistificando o tom
otimista que há por trás do discurso punitivista cool, que leva muitos discentes, pro-
gressistas ou não, a acreditarem nas rasas e distorcidas soluções elencadas pelos mo-
dernos juristas criminais, trazendo à lume também o debate sobre formas alternativas
de resolução de conflitos, como a mediação comunitária e a justiça restaurativa, como
forma de suplantar a panaceia da responsabilização penal como solução geral e única
458 para os atuais conflitos sociais.
Palavras-Chave: Ensino Jurídico. Ciências Criminais. Estado Penal.
Abstract: This paper aims to reflect on the teaching work, particularly in the criminal
sciences areas (Criminal Law, Criminal Procedure and Criminology) taking into account
the current problems of the irrational and arbitrary growth of the police state, especially
for the most vulnerable populations in the country , although having somehow occasio-
nally affected people linked to more economically affluent groups in recent years. In this
sense, seeks to defend the need for a frank and open discussion of the teaching in the
academic space, drawing a deep critique of the contemporary criminal justice system,
with the prospect a harm reduction policy based on minimum criminal law, demysti-
fying the optimistic tone that there behind the cool punitive speech, which leads many
students, progressive or not to believe in the shallow and distorted listed solutions by
modern criminal jurists, bringing the heat also the discussion on alternative forms of
dispute resolution, such as community mediation and justice restorative, as a way to
overcome the panacea of criminal
responsibility as a general and only solution to the
current social conflicts.
Keywords: Juridical Education. Criminal Sciences. Police State.
(…) o fato é que há mesmo uma causa estrutural que condiciona todos
esses aspectos de rebaixamento do nível científico e cultural do ensino ju-
rídico no país e que, consequentemente, atinge todas as carreiras jurídicas
de um modo geral: trata-se do modelo normativo e tecnicista de trans-
missão do saber jurídico, considerado o único paradigma do ensino do
direito, com o objetivo primordial de ensinar o exercício das profissões ju-
rídicas. E ao insistir na pedagogia tecnicista, com objetivos exclusivamente
profissionalizantes, o ensino jurídico dificilmente se constituirá num ensino
superior, porque, como se sabe, o conhecimento profissionalizante técnico
é mesmo um conhecimento de nível secundário, ministrado no ensino de
segundo grau. (MACHADO, 2009, p. 87-88).
É bem verdade que o ensino jurídico reflete de forma precisa como é pensado o
direito hegemonicamente nas cátedras e, consequentemente, na sociedade: ocultando-
se as relações de poder responsáveis pela sua criação e aplicação e externalizando-o 461
através de categorias vazias de conteúdo socioeconômico (MACHADO, 2009, p. 91). O
ensino jurídico meramente formalista, voltado para as exigências a priori de certames
públicos, impede aos estudantes a reflexão sobre problemas socioeconômicos que afe-
tam a todos, sobretudo as classes mais marginalizadas da população.
Esse tipo de ensino desconectado da realidade vai gerar profissionais reprodutores
de um discurso ideológico conservador, através do formalismo mecanicista da norma.
A utilização de uma hermenêutica voltada para a manutenção do status quo através de
um discurso neutro, acrítico, é responsável por impossibilitar grandes mudanças sociais.
A obstacularização do debate em prol da força, do uso da polícia para conter reivindica-
ções, vem justamente refletir o pensamento hegemônico da cátedra. Não houve debate
em sala de aula, talvez também não haverá debate social sobre o uso da força numa
reivindicação qualquer, seja pela reforma da política institucional brasileira, seja contra
o aumento da passagem de ônibus. A aplicação do discurso jurídico conservador, seja
na cátedra, seja no Judiciário, depende, nestes dois casos, da imposição da força do
professor-jurista.
É importante ressaltar que, nos últimos anos, o discurso normativista clássico, tra-
dicional nos cursos de direito do país, ganhou algumas mudanças. O estudo sobre a
legislação codificada vai cedendo lugar para a casuística jurisprudencial. Nas últimas
décadas, o Poder Judiciário ganhou uma força descomunal, retirando do Poder Legis-
lativo o espaço para as decisões mais importantes na esfera jurídica. Isso foi resultado
de uma série de fatores como o aumento significativo da demanda dos Tribunais, o a
inércia do Poder Legislativo em dar uma resposta rápida aos anseios sociais e o fortale-
cimento de instituições do sistema de Justiça – Ministério Público, Defensoria Pública e
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Advocacia Pública. Na verdade, este deslocamento da força de “dizer o direito” para o
Poder Judiciário não trouxe a ampliação dos espaços de democratização das decisões
estatais. Antes já não existia esta tão sonhada participação social na criação de Leis,
apesar de o Legislativo ser mais legítimo socialmente do que o Judiciário. Agora, o
Poder Judiciário, em seu ativismo cada vez mais intenso, não trouxe mais oxigenação
democrática ao direito. A força que antes residia precipuamente na Lei agora se depara
com um novo Senhor: a decisão judicial.
Hoje, dizer o direito é, antes de tudo, dizer o que pensam os Tribunais Superiores
brasileiros. A doutrina perdeu sua força formadora, e, além disto, perdeu sua poten-
cialidade crítica, explorada por alguns poucos, mas importantes, juristas. Para ser um
grande professor, doutrinador, ou melhor, um jurista da moda, você terá de conhecer
todas as decisões mais recentes do STF e STJ. Desta maneira, aquele professor mais
preparado é o que sabe todas as decisões jurisprudenciais mais recentes em sua ma-
téria. O ensino jurídico, que já era verticalizado, ficou ainda pior: é necessário trabalhar
a jurisprudência como a única capaz de dizer o direito. Mudam-se os Senhores, mas a
tradição continua a mesma: o ensino mecanicista voltado apenas para a produção de
técnicos de mercado.
Ocorre que o discurso reproduzido pelos doutrinadores tradicionais perdeu senti-
do. Agora, é necessário analisar o que julgam os Tribunais sem, necessariamente, traçar
alguma consideração crítica sobre suas decisões. O importante é conhecer como a juris-
prudência nacional está se posicionando sobre determinada temática. Esta situação faz
462 com que a tradicional aula expositiva, com um forte senso tecnicista, seja considerada
obsoleta, ganhando espaço as metodologias sobre estudo de caso, que, por incrível
que pareça, sem as devidas interseções críticas por parte do discente, acabam por isolar
ainda mais o discurso jurídico do contexto social.
Há, então, a necessidade de se buscar meios para que este avanço descomunal do
Poder Judiciário na resolução dos problemas sociais seja contido. Os conflitos políticos,
econômicos e sociais hoje são resolvidos pelas mãos dos Tribunais Superiores que, de
certa maneira, acabam por interferir no espaço acadêmico e este fenômeno não traz
necessariamente uma melhora para a formação dos juristas. O ensino jurídico, que já
apresentava problemas estruturais, agora se torna cada vez menos reflexivo.
Há, então, que se formular uma devida reflexão sobre o atuar do professor sobre
este cenário tão sórdido e diante de situações que se apresentam na realidade. Como
os discentes são sujeitos dentro do contexto social acima apontado, muitos acabam
por defender, mesmo que de uma maneira irrefletida, o discurso irracional do Direito
Penal máximo, chegando às vezes a beirar o fascismo de Estado em busca do inimigo.
Nesta situação, o discurso racional-iluminista acaba saindo como uma resposta mais
rápida para tentar conter os impulsos punitivos de uma parte dos alunos. Sem dúvidas,
defender o Direito Penal mínimo e a aplicação de princípios como o da culpabilidade
e da lesividade são saídas importantes para conter os ânimos exaltados de parte dos
alunos. No entanto, não apontar as limitações deste discurso diante de um cenário tão
assombroso seria deveras problemático, pois levaria a uma legitimação irrefletida, algo
típico do pensamento dominante na doutrina nacional.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Não se trata, aqui, de defender apenas mudanças nas metodologias emprega-
das em sala de aula. De nada adianta metodologias inovadoras sem a consciência de
que o problema está no conteúdo a ser transmitido, e este deve ser o foco da prática
reflexiva docente: estimular os discentes, por mais difícil e traumático que seja para es-
tes, a refletir sobre os problemas das ciências penais no cotidiano, bem como a intervir
nesta situação para superar as desigualdades.
Desta forma, o agir do docente deve partir primeiro de uma reflexão sobre o
papel do sistema penal sobre uma sociedade como a brasileira, essencialmente desi-
gual, como se verá no próximo tópico. A crise do modelo penal é gerada a partir da
crise do próprio modelo de sociedade que foi imposta nos últimos séculos na periferia
do capitalismo. Não pode o professor de alguma das ciências criminais se olvidar de
fazer este debate em sala de aula, lembrando sempre que os alunos são pessoas que
vivem dentro da sociedade, e que as ideias, inicialmente, poderão confluir para um ir-
racionalismo punitivo desmedido. No entanto, é a partir desta reflexão honesta que se
poderá edificar pontos de confluência entre o saber dos alunos e do professor para as
próximas etapas de construção do saber penal.
6. Considerações Finais
Desta forma, o presente trabalho não buscou apontar todas as soluções possíveis
para suplantar a realidade tão difícil vivenciada na área criminal, tampouco conseguiu
externalizar toda a problemática do sistema penal contemporâneo, em plena era do
punitivismo como fórmula para resolver grande parte dos conflitos sociais. Na verdade,
busca refletir e estabelecer um debate franco e aberto sobre o atuar da docência no Di-
reito Penal, Processo Penal e na Criminologia, sem esquecer, contudo, que este debate
deve ir para além das grades da sala de aula, contaminando também outros espaços
acadêmicos e extramuros das Faculdades e Universidades, através de projetos de exten-
são e pesquisa, de debates com a comunidade, com movimentos sociais, dentre outros.
7. Referências
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ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Soluções totalitárias e Estado democrático de Direito:
uma reflexão sobre uma possível permanência1
Totalitarian solutions and democratic state: a reflection on a possible stay
Resumo: O presente trabalho consiste numa reflexão acerca da função que o sistema
penitenciário brasileiro pode estar exercendo atualmente, com base nos dados esta-
tísticos oficiais, divulgados pelo Ministério da Justiça em junho de 2014, os quais de-
monstram uma superlotação das unidades penitenciárias, bem como uma população
carcerária que é predominante e historicamente negra, jovem, com baixa escolaridade e
pobre. Partindo-se da obra de Hannah Arendt, que afirmou que os regimes totalitários
não foram acidentes na história e que as soluções totalitárias poderiam sobreviver e de-
veriam ser esperadas a intervalos regulares, o objetivo é traçar paralelos com os campos
de concentração – evitando-se anacronismos -, na tentativa de se observar se é possível
encarar, de alguma maneira, o que ocorre atualmente nos presídios brasileiros como
uma permanência, guardadas as devidas proporções, das soluções totalitárias, em Es-
tados democráticos de Direito, especificamente o brasileiro. Isto porque se desconfia
que determinados grupos da sociedade brasileira – como os judeus, na Alemanha na-
zista – são eliminados social e até fisicamente, por meio do Estado, configurando-se um
verdadeiro massacre administrativo. 473
Palavras-chave: Sistema penitenciário brasileiro; soluções totalitárias; Estado democrá-
tico de Direito; massacres administrativos.
Abstract: This work is a reflection on the role that the Brazilian prison system may be
exercising now, based on official statistics released by the Ministry of Justice in June
2014, which show an overcrowded prison units and a prison population which is pre-
dominantly and historically black, young, poorly educated and poor. Starting from the
work of Hannah Arendt, who said that totalitarian regimes were no accidents in history
and that totalitarian solutions could survive and should be expected at regular intervals,
the goal is to draw parallels with the concentration camps - avoiding anachronisms - in
an attempt to see whether it is possible to see, in some way, what currently occurs in
Brazilian prisons as a stay, saved the appropriate proportions of totalitarian solutions in
democratic states, specifically the Brazilian. It is suspected that certain groups of Brazi-
lian society - like the Jews in Nazi Germany - are eliminated social and even physically,
through the state, setting up a real administrative massacre.
Keywords: Brazilian penitentiary system; totalitarian solutions; democratic state; admi-
nistrative massacres.
476
3 E isso sem se contabilizar as 147 937 pessoas em prisão domiciliar, relatadas pelo Novo diagnóstico de pes-
soas presas no Brasil, do Conselho Nacional de Justiça. Adicionando-se esse dado, tem-se 775 668 pessoas
privadas de liberdade no Brasil, até 2014.
4 Em termos proporcionais, pois a quantidade de vagas nos estabelecimentos penais aumentou desde 2005,
de 206 559 para 376 669.
5 Veja-se, por exemplo, a Proposta de Emenda Constitucional nº 171/1993, aguardando apreciação pelo
Senado Federal, a qual prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, como se já não houvesse
pessoas o bastante no cárcere.
6 É o que diz o artigo 5º, LVII, da CRFB.
3. Entendendo os dados
Considerando-se os dados acima apresentados – que indicam que a população
carcerária só faz aumentar; que o número de vagas disponíveis é em muito inferior ao
número de pessoas submetidas a penas privativas de liberdade; que mais de 40% dos
presos do país está nessa condição sem que tenha havido ainda julgamento; que a
maior parte da população carcerária é constituída de pessoas negras, jovens e com bai-
xa escolaridade -, visualiza-se, com mais clareza, a aplicação de uma ideologia punitiva, 479
que encontra no sistema penal um instrumento de controle social eficiente, uma vez
que não se faz possível encarar essas circunstâncias destacadas como aleatórias.
Analisar os dados estatísticos acima referidos e não lhes atribuir uma razão é igno-
rar as coincidências, principalmente num Estado como o Brasil, de passado escravista
(V. M. Batista, 2015).
É certo que, no Brasil, atualmente, não há discursos raciais oficiais a legitimar a
exclusão, leis e instituições discriminatórias, ou “modelos dicotômicos que impõem li-
mites estritos para pretos e brancos” (Schwarcz, 2011, p. 441), o que constitui ganho
inestimável para a sociedade. Todavia, há, em realidade, uma relação silenciosa, pre-
enchida por ambivalências e convenções que se impõem pela história, traduzindo-se
numa convivência perversa entre exclusão e inclusão. É uma espécie de compartimen-
talização consensual de atividades, explicitando-se “o suposto é que ‘cada um conhece
o seu lugar’” (Schwarcz, 2011, p. 441) e o lugar dos negros e pobres, então, é na cifra do
sistema penal e penitenciário.
O silêncio do racismo se revela na ausência de uma política discriminatória oficial,
bem como numa falsa consciência que nega o preconceito ou só o enxerga no outro. É
o que indica uma pesquisa realizada em 1988 pela Universidade de São Paulo, na qual
97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito e 98% desses mesmos entrevista-
dos disseram conhecer outras pessoas – familiares, amigos, figuras próximas, em geral
– que tinham preconceito (Schwarcz, 2011, p. 435).
7 Destaque-se que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Censo de 2010,
apenas 21,5% da população total do país corresponde a essa faixa etária.
8 O critério é o da autoafirmação.
Para tanto, as instituições burocráticas par excellence – isto é, o sistema penal, car-
cerário e educacional, a polícia etc. - efetivam a política governamental de opressão,
seleção e exclusão e esse processo de eliminação regular de excesso de pessoas deter-
minadas dissolve a responsabilidade específica de qualquer membro da sociedade, que
se restringe a apontar os “suspeitos” de um crime contra todos. Os grupos selecionados
são historicamente tornados supérfluos e descartáveis, sendo exterminados para aliviar
a miséria política, social e/ou econômica, sobretudo numa conjuntura capitalista. Han-
nah Arendt, nesse raciocínio, afirmava que:
Assim é que é lançado o argumento de que, inobstante o fim dos regimes tota-
litários - que não podem ser considerados acidentes na história da humanidade -, as
soluções totalitárias deveriam ser esperadas a intervalos regulares, como forma de se
eliminar as massas economicamente supérfluas e socialmente sem raízes.
Dessa forma, evitando-se ao máximo um estudo anacrônico, bem como superficial, o
que se busca é fazer uma reflexão sobre a permanência ou não dessas soluções totalitá-
rias, ou massacres administrativos, na sociedade brasileira, cujo Estado possui raiz teórica
eminentemente ocidental. Isto é, considerando-se que os regimes totalitários descritos
por Hannah Arendt chegaram ao fim, até que ponto, no entanto, não é possível identifi-
car alguma permanência das soluções totalitárias atualmente no Estado democrático de
Direito, especificamente o brasileiro, por meio de seu sistema penitenciário?
11 Não há como se generalizar esta afirmação. A referência é feita aos Estados inseridos no paradigma oci-
dental cuja construção histórica dá destaque a um sistema punitivo e onde há conflitos de classe e de etnias
bastante representativos, como Estados Unidos e Brasil, por exemplo.
A polícia e a prisão, então, exercem o controle direto (N. Batista, 1990). Realizam o
isolamento, a diferenciação, determinam a delinquência (Foucault, 2013, p. 04), sendo
12 Hannah Arendt (2012, p. 254) afirmou que “Faz parte dos refinamentos dos governos totalitários de nosso
século que eles não permitam que seus oponentes morram a morte grandiosa, dramática dos mártires. O
Estado totalitário deixa seus oponentes desaparecerem em silencioso anonimato” e, em alguma medida, isto
não deixa de ocorrer com os presidiários, sujeitos anônimos, esquecidos no cárcere.
486 E essa situação não se restringe aos Estados Unidos, pois se relata que se lá o cár-
cere tende a se tornar cada vez mais pobre e negro, na Europa ocorre o mesmo (De
Giorgi, 2006, p. 96), donde se conclui que se trata de um fenômeno mais comum do que
se imagina no Ocidente.
No caso do Brasil, objeto da presente reflexão, não se observa uma regime totalitá-
rio. Todavia, a eliminação da população negra e pobre, sobretudo por meio do sistema
penitenciário nacional, é um dado que revela, de certa forma e ademais de inúmeros
outros aspectos14, a permanência de soluções totalitárias no Estado dito democrático
de Direito.
6. Considerações
Os dados oficiais são suficientes para demonstrar que, mesmo com a vigência dessa
ordem jurídica que se propõe mais progressista e protetora de minorias, predomina um
sistema punitivo que enxerga no cárcere uma solução direta para as mazelas sociais. É
possível afirmar, nesse contexto, que está a sociedade brasileira eliminando sua parte
considerada supérflua.
O percentual altíssimo de negros, jovens, pobres e de baixa escolaridade na po-
pulação carcerária brasileira não pode ser encarado como aleatoriedade. Trata-se do
resultado de uma sociedade e Estado punitivos e racistas, os quais, por meio de polí-
13 [...] nos Estados Unidos, de cada trinta ou quarenta negros, um deve estar preso; nesse dado vemos qual
função de eliminação massiva cumpre a prisão norte americana (tradução nossa).
14 Os quais são mais evidenciados com a política neoliberal predominante no Ocidente (Wacquant, 2013;
Baratta, 2014).
Referências
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489
490 Abstract: The social movements, in Brasil, have always been the target of an intense
criminalization, with different strategies, but most of them including police violence and
the use of the Judicial Power as means of repression. This criminalization process ha-
ppens specially because social movements fight for rights and guarantees of oppressed
minorities and exploited social classes, which goes against the interests of the ruling
class. This article tries to explain the importance of social movements and the main
strategies to criminalize them. Therefore, it’s necessary to understand what it is and to
whom the criminalization process serves, from the perspective of critical criminology,
and also trying to conceptualize the social movements, in general.
Key-Words: Social Movements, Critical Criminology, Criminalization.
1. Introdução
Os movimentos sociais possuem um papel essencial na construção da sociedade
brasileira, pois são os principais responsáveis por pressionar e romper com setores que
concentram rendas e se negam a dividir riquezas e direitos, como o Estado, latifundiá-
rios e grandes empresários. Os movimentos sociais tendem a romper com a lógica do
capital, lutando para a construção de uma sociedade mais justa, por uma melhor distri-
buição de renda e por mais direitos e garantias para as minorias oprimidas.
Contudo, essa resistência e suas lutas ameaçam os privilégios da elite e da classe
dominante, dos detentores dos meios de produção e do Estado, que não estão dispos-
tas a perdê-los, por este motivo, o Estado transforma os movimentos sociais em caso
de polícia, com uma intensa repressão, a direita conservadora trata com violência física
2 Ibidem. p. 04-05
3 VIA CAMPESINA BRASIL. op cit,. p. 09-10
4 LYRA FILHO, Roberto. A criminologia radical. In: Revista de Direito Penal. N.31. Rio de Janeiro: Editora Fo-
rense, 1982. p. 54
5 Ibidem. p. 55
6 LOPES, Luciano Santos. A criminologia crítica: uma tentativa de intervenção (re)legitimadora no sistema pe-
nal. De Jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: n. 5. 2002. p. 08
7 LYRA FILHO. op. cit., p. 67
8 LYRA FILHO. op. cit.,p. 67
Como já foi dito, a criminologia exerce influência teórica na criação das normas
jurídicas de uma sociedade, ou seja, influencia o direito positivo e normatizado como
uma estrutura de poder, definindo a sua função e seu papel, principalmente do sistema
penal, de modo que as instituições repressivas estão normatizadas e o controle social
se torna função do direito. Esse modelo associa também à ideia de criminalidade os
manifestantes políticos, incluindo-os no rol de periculosidade, sobre os quais o controle
social e a repressão devem incidir para que não seja perturbada a ordem social.
Ora, não nos pode bastar, neste estudo, uma criminologia que reforça tais estruturas
de poder sem questioná-las, que reforça as práticas repressivas do Estado capitalista.
Esta criminologia somente favorece aos detentores dos meios de produção e reforçam
a exploração de uma classe sobre a outra, mantendo a ordem vigente, a qual beneficia
somente uns poucos em detrimento do sofrimento da maioria, e combatendo aqueles
que ousam questioná-la. Não nos interessa uma criminologia acrítica que insiste que
o poder permaneça na mão de poucos, em detrimento da exploração de uma maioria.
Não nos basta uma criminologia que insiste em atuar no sentido de criminalizar e mar-
ginalizar qualquer pessoa que tente lutar contra tal exploração.
A criminologia crítica, que tem fundamentação marxista e questiona a função legi-
timadora da criminologia, segue o modelo do conflito, segundo o qual o código penal,
que também é objeto de estudo da criminologia e um importante elemento de contro-
le social, representa apenas uma forma de manter os interesses da classe dominante,
9 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do
controle penal. Porto Alegre: Livraria/Editora do Advogado, 1987. p. 187
10 CASTRO, Lola Anyiar de. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005.p. 74
criminalização dos movimentos sociais no Brasil. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura
Jurídica Rio de Janeiro: vol. 8, no .1, 2016. p. 04
14 MORAES, MORAES. op. cit, p. 06
15 LOPES. op. cit., p. 04
16 Ibidem. p. 04
Tanto os movimentos sociais dos anos 1980 como os atuais têm construí-
do representações simbólicas afirmativas por meio de discursos e práticas.
Criam identidades para grupos antes dispersos e desorganizados, como
bem acentuou Melucci (1996). Ao realizar essas ações, projetam em seus
participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram ex-
cluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo
ativo23.
Ao falar sobre as teorias clássicas que estudavam as ações coletivas, Maria da Gló-
ria Gohn aponta que os autores clássicos e suas correntes analisavam os movimentos
sociais por meio de um viés que conferia extrema relevância para as reações psicoló-
gicas individuais diante de mudanças. Para estes autores, as reivindicações e atuação
dos movimentos sociais eram respostas às mudanças sociais, e a adesão das minorias
a tais movimentos que as representavam seria também uma resposta a essa mudança
da sociedade industrial, contudo, uma resposta cega e irracional. Para estes, o a socie- 499
dade é plural e acessível a todos e os movimentos sociais, por suas características que
consideram explosivas, seriam incapazes de influenciá-lo, reservando essa influência
somente aos partidos políticos24.
Percebe-se no pensamento dos autores clássicos algo que não destoa muito da
ilusão predominante no senso comum, amplamente reforçado pela mídia, qual seja, a
ideia elitista de que os espaços políticos são democráticos e abertos para a participação
e atuação de minorias, que essas atuam e são ouvidas em espaços institucionais por
meio de partidos políticos e que seus interesses são prontamente atendidos, quando
isso, na realidade, não acontece.
Sabe-se que os espaços políticos institucionais são, tendencialmente, elitistas e fe-
chados, e as mudanças realizadas nunca são de acordo com o interesse das minorias,
mas sim de uma classe privilegiada, que é a que verdadeiramente ocupa tais espaços.
Essa lógica reforça a ideia de que as ações não institucionais realizadas pelos movimen-
tos sociais sejam, portanto, anti democráticas e ameaçadoras para a ordem e a paz,
reforçando a criminalização dos movimentos de minorias políticas.
Ainda para Gohn, uma possível definição dos movimentos sociais deve passar por
algumas características essenciais observadas historicamente, como a capacidade que
possuem de conscientização da sociedade, as demandas que são de certa forma contí-
nuas e apresentadas por meio de mobilização e o fato que não são uma simples reação
22 Ibidem. p. 337.
23 GOHN. op. cit.,. p. 336
24 GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais. Paradigmas clássicos e contemporâneos. São
Paulo: Edições Loyola, 2006. p. 24
27 PAZELLO, Ricardo Prestes. A produção da vida e o poder dual do pluralismo insurgente: ensaio para uma
teoria de libertação dos movimentos populares no choro-canção latino-americano. (Dissertação) Mestrado
em Filosofia e Teoria do Direito. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, 2010. p. 295
28 PAZELLO. op. cit., p. 297
Não queremos com isso dizer – e que reste evidenciado – que só os mo-
vimentos populares podem transformar a realidade, tornando-se despre-
zíveis as lutas dos movimentos sociais populares. Definitivamente, não.
Gostaríamos apenas de consignar que o potencial transformador está
comparativamente presente de forma mais nítida nos movimentos popu-
lares, porque, segundo nossa conceituação, propõem-se a uma transfor-
mação total da realidade, mesmo que pouco imbuídos de imediatismos e
práticas inconsequentes, para não falarmos dos limites que ainda imperam
no que tange a sua organização contestadora33.
Cabe ainda aqui ressaltar, para finalizar, a diferença também apontada por Pazello, 503
entre os novos e os velhos movimentos sociais. Os novos movimentos sociais são aque-
les que não se organizam como sindicatos, partidos ou cooperativas. Representam o
esgotamento do capitalismo e existem no sentido de combatê-lo ou preservá-lo, pen-
sando novas formas de atuação política a partir de lutas contra opressões específicas.
Decorrem, portanto, das recentes lutas sociais34. Isso não significa, contudo, que os
chamados “velhos movimentos sociais” não possam representar uma forma significati-
va de resistência e um importante espaço de disputa política, sendo importantes meios
de transformação social. Esta temática será retomada em uma abordagem mais abran-
gente na sequência.
32 Ibidem. p. 301
33 PAZELLO. op. cit.,. p. 303
34 Idem. p. 298
Há uma crise política, mas não se trata de uma crise motivada por disputas
entre direita golpista na oposição e “esquerda possível” no governo, como
o discurso petista nos quer fazer crer. Sabemos que para ir além da apa-
rência enganosa dessa superfície da política partidária é preciso avançar
para uma análise dos interesses de classe expressos pelo governo e pela
oposição35.
35 MATTOS, Marcelo. Que crise? Elementos para análise da conjuntura brasileira. Blog Marxismo 21.
Campinas: Blog Marxismo 21. 2015. p. 02
36 Ibidem. p. 03
37 Ibidem.
Tal atitude criou uma crise de legitimidade que está no centro da atual cri-
se conjuntural, isolando o PT e o governo de sua tradicional base de apoio
e tornando-o refém das pressões articuladas do grande capital, da grande
mídia e das forças políticas de direita, mesmo daquelas consideradas “alia-
das”. Na verdade o que há é a tentativa de diversos partidos e forças polí-
ticas de ocuparem o lugar do PT como principal operacionalizador político
da hegemonia burguesa43.
Essa tática de pressionar o governo também garante que ele não seja capaz de se
colocar contra várias das pautas conservadoras que tramitam no congresso44, e contra
as quais os movimentos sociais e a classe trabalhadora tendem a se posicionar e ma-
nifestar com veemência, como aliás, já tem sido feito, como projetos de terceirização,
redução de maioridade penal, revogação do estatuto do desarmamento, leis contra
direito das mulheres.
506 Neste panorama de retirada de direitos por um governo que se diz de esquerda,
nos deparamos com um projeto governista que tenta silenciar e evitar que os movi-
mentos sociais e a classe trabalhadora intensifiquem suas lutas e sua resistência, sa-
bendo que podem sofrer derrotas ainda maiores. Falamos da lei antiterrorismo, que foi
sancionada pela presidente Dilma em 2016, e trata-se de um ataque a democracia. Era
pauta de movimentos sociais que tal lei não fosse aprovada, já que pode ser usada para
criminalizar ações públicas na luta por direitos.
Muito embora a lei, após os vetos aplicados, deixe claro que não se aplica a con-
dutas individuais ou coletivas de manifestações políticas em defesa de direitos, e retire
do rol de punição a questão dos danos ao patrimônio, sabemos que esta lei será inter-
pretada por órgãos do judiciário (e aqui, principalmente, o lamentavelmente acusatório
Ministério Público) que servem aos interesses, como já sabido, da classe dominante e
do capital, podendo com facilidade enquadrar lutas sociais como atos de terrorismo,
pautando-se nesta lei. Sobre isso, Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST), diz que
Não há nenhuma garantia de que isso não seja aplicado contra os movi-
mentos populares. Mesmo com os vetos da presidente Dilma, a lei antiter-
rorismo permanece sendo uma ameaça para os movimentos populares e
à luta social no Brasil. Claro que os vetos minimizaram, tiraram a questão
do dano ao patrimônio, da apologia ao terrorismo, mas se manteve, por
42 Ibidem.
43 Ibidem. p. 04
44 Ibidem. p. 05
(...)
Boulos demonstra que o Brasil não precisa de uma lei antiterrorismo, já que não exis-
te aqui um histórico desse tipo de ação, a não ser aquelas praticadas pelo próprio Estado,
como o massacre da juventude negra da periferia pela polícia. Além disso, já há previsão
penal para qualquer eventual crime previsto na atual lei antiterrorismo, provando que ela
corresponde a nada mais que uma motivação para criminalizar as lutas sociais46.
Nessa conjunta, nos vemos diante de um governo indefensável, que se volta contra
as bases que o elegeram, tanto com medidas políticas e econômicas para encarar a cri-
se, quanto ao aprovar leis que criminalizam movimentos sociais, e nos deparamos com
uma direita cada vez mais conservadora e intolerante. Faz-se, mais necessário do que
nunca, que os movimentos sociais se organizem e se fortaleçam. 507
5. Conclusão
As nossas escolhas teóricas e de reflexão sobre o mundo também são políticas, fa-
zemos escolhas mesmo quando não percebemos que as estamos realizando, por isso a
necessidade de compreender que a busca por uma pseudoneutralidade não faz sentido
neste trabalho que se pretende refletir teoricamente, mas nunca deslocado da prática,
em uma relação dialógica das duas.
Ora, o próprio discurso da neutralidade já não mais nos basta, haja vista que não
existe. Ao tentar alcançar tal suposta neutralidade, nos colocamos claramente de um lado,
o lado do opressor, dos donos dos privilégios, dos manipuladores, da grande mídia, dos
criminalizadores. A tal da neutralidade nos coloca ao lado daqueles que não aceitam mo-
vimentos que lutam por direitos e garantias mínimas, mas não hesitam em usar da violên-
cia e de estratégias sujas para garantir seus privilégios. Em nenhum momento, portanto,
este trabalho se pretendeu “neutro”. As escolhas teóricas aqui feitas, aliás, muito tem a ver
com vivências pessoais ao longo, principalmente, da vida universitária.
É assustador, de fato, pensar que vivemos essa conjuntura, na qual as pessoas pri-
vilegiadas, tão moldadas pela grande mídia que funciona a favor do capital, condenam
aqueles que lutam por melhor qualidade de vida, por condições mínimas de existên-
45 BOULOS, Guilherme. Dilma também ataca a democracia ao sancionar lei antiterrorismo. 13 mar. Entrevista
concedida ao Blog do Sakamoto. 2016.
46 BOULOS. op. cit.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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controle penal. Porto Alegre: Livraria/Editora do Advogado, 1987.
AZEVEDO, Daviane Aparecida de. Movimentos Sociais, Sociedade Civil e Transformação Social no Brasil.
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BOULOS, Guilherme. Dilma também ataca a democracia ao sancionar lei antiterrorismo. 18 mar 2016.
Entrevista concedida ao Blog do Sakamoto. Disponível em: < http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.
br/2016/03/18/dilma-tambem-ataca-a-democracia-ao-sancionar-lei-antiterrorismo-diz-boulos/>. Acesso
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GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais. Paradigmas clássicos e contemporâneos. São
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LOPES, Luciano Santos. A criminologia crítica: uma tentativa de intervenção (re)legitimadora no sistema
penal. De Jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: n. 5. 2002.
508 LYRA FILHO, Roberto. A criminologia radical. In: Revista de Direito Penal. N.31. Rio de Janeiro: Editora Fo-
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MACIEL, David. A crise atual no Brasil. Campinas: Blog Marxismo 21. 2015. Disponível em: <http://marxis-
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pinas: Blog Marxismo 21. 2015. Disponível em: < http://marxismo21.org/wp-content/uploads/2015/05/Con-
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MORAES, Wallace dos Santos de. MORAES, Luciana Simas Chaves de. As máscaras do Estado repressor: A
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Jurídica Rio de Janeiro: vol. 8, no .1, 2016.
PAZELLO, Ricardo Prestes. A Produção da Vida e o Poder Dual do Pluralismo Insurgente: ensaio para uma
teoria de libertação dos movimentos populares no choro-canção latino-americano. (Dissertação) Mestrado
em Filosofia e Teoria do Direito. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, 2010.
VIA CAMPESINA BRASIL. A Ofensiva da Direita Para Criminalizar os Movimentos Sociais no Brasil. São
Paulo, 2010.
Este trabalho tem como objetivo além de informar, conscientizar a população contra
todo e qualquer ato de preconceito e racismo. Atualmente leis e propagandas estão
sendo criadas para tentar combatê-las, mostrando que somos todos iguais. O artigo 3º
da nossa Constituição Federal é um exemplo, onde no seu inciso IV diz: “constituem ob-
jetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina-
ção”. Nesse artigo, a principal forma de discriminação que vamos abordar é relacionada
à cor, mostrando os fundamentos das ideias do Médico Raimundo Nina Rodrigues em
relação aos negros, associando os mesmos a maior aptidão ao cometimento de crimes,
e tentando o contrapor. Infelizmente ainda é importante trabalhar com esse tema, pois
algumas pessoas mesmo com tantas campanhas e punições para esse tipo de crime,
ainda permanecem com pensamentos assim, achando que são melhores que as outras
pelo fato de sua cor, grau de escolaridade, classe social, entre outras coisas.
Palavras-chave: Campanha. Crime. Discriminação. Racismo.
509
This study aims beyond to inform, educate the public against any act of prejudice
and racismo. Current laws and advertisements are being created to try to fight them,
showing that we are all equal. Article 3 of our federal constitution is an example where
in its paragraph IV says: “are fundamental objectives of the Federative Republic of Brazil
to promote the good of all, without prejudice as to origin, race, sex, color, age and any
other forms of discrimination”. In this article, the main form of discrimination that we
will cover is related to color, showing the foundations of the ideas of Doctor Raimundo
Nina Rodrigues toward blacks, associating them with greater ability to involvement in
crimes, and trying to counteract. Unfortunately it is still important to work with this issue
because some people even with so many campaigns and punishments for this type of
crime, still remain with such thoughts, thinking they are better than the others because
of their color, educational level, social class, among other things.
Keywords: Campaign. Crime. Discrimination. Racism.
Introdução:
Preconceito em geral é visto de forma comum na nossa sociedade, ainda mais com
a facilidade a acesso na internet, onde as pessoas usam do anonimato para desferir pa-
lavras ofensivas e altamente preconceituosas contra os outros, achando que nunca será
descoberto só pelo fato de estar atrás de uma tela de computador.
Dentre essas ofensas, não só pela internet, mas também na vida real, todos correm
o risco de sofrê-las, mas na maioria das vezes por conta de uma péssima herança na
educação, os negros são as maiores vitimas.
513
Com uma frase do próprio levantamento, é possível perceber de como está a situa-
ção dos jovens brasileiros, onde 56% da população prisional são de pessoas entre 18 e
29 ano, 57% solteiros e 53% não concluíram nem o ensino fundamental:
“Nota-se que a maior parte população prisional é
formada por jovens”. (INFOPEN, 2014)
A educação é a principal base para um país se desenvolver. Além de gerar opor-
tunidades do jovem se capacitar e inserir-se mais facilmente no mercado de trabalho,
ajudando a ele e toda economia do país, a educação forma um cidadão de bem, refle-
tindo em toda sociedade.
Infelizmente isso não ocorre no Brasil. O país possui a 3ª pior educação do ranking,
em uma pesquisa realizada em 2014, pela Economist Intelligence Unit. E os resultados
disso não poderiam ser outros. Jovens com pouco auxilio e incentivo do governo para
estudar, geralmente entram com mais facilidades no mundo do crime, pois além de não
ocupar a mente e ter planos de vida, acabam ficando sem oportunidades e a margem
da sociedade em geral, e isso é o que ocorre atualmente, pois 53% dos presos não che-
garam nem a concluir o ensino fundamental.
514
Olhando esse perfil, pode-se até pensar que Nina Rodrigues teria alguma razão, e é
o que acaba acontecendo hoje com muitas pessoas, onde trazem consigo esse pensa-
mento preconceituoso e racista.
Nossa finalidade é tentar mostrar que a cor do individuo não influencia em nada
para o cometimento de um crime, e sim mostrar alguns dos possíveis fatores disso, para
assim diminuir o preconceito que abala e prejudica nossa “sociedade moderna”.
O trafico de escravos através de navios trouxe para o Brasil milhares de negros para
trabalhar forçadamente durante o período colônial, fazendo com que a população ne-
gra no Brasil crescesse muito.
Com a lei Aurea assinada em 1888, na qual os escravos estavam livres, quase todos
eles ficaram desempregados e foram para as cidades, sem terem moradias, empregos,
comidas etc.
Conclusão
Esse trabalho teve como principal objetivo, conscientizar a população de forma ge-
ral, mostrando a igualdade e a importância dos negros em nosso país, onde temos uma
influencia muito forte deles em muitos aspectos.
Também tentamos abordar alguns fatores que geram dados como os que vimos
acima, dados esses que não possuem nenhuma ligação com raça ou cor, e sim com
fatores históricos, em um momento onde o Estado deveria ter atuado ajudando os
negros que tinham sido libertos, e nada fez, deixando-os a mingua. Hoje em dia, o
governo tem tentado suprir essa desigualdade que se fez presente por muito tempo, e
isso é de extrema importância.
516 Outro tema abordado foi em relação à faixa etária da população prisional no Brasil,
que é composta de maior parte por jovens. Algumas soluções foram propostas para
tentar diminuir esse quadro, mostrando algumas maneiras do Estado cuidar das nossas
crianças e adolescente, dando oportunidades para um futuro melhor, e consequente-
mente afastando-os do caminho ruim.
Essas ideias abordadas no trabalho, para dar certo, não é só o Estado que tem que
cumprir seu papel, e sim toda sociedade. Com os dois, cada qual cumprindo sua função
de forma consciente e exemplar, o nosso país se tonará um lugar bem melhor para se
viver.
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http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51772006000100007>. Acesso em 10 de
fevereiro de 2016.
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org/onu-jovens-negros-sao-as-principais-vitimas-da-violencia-brasil/>. Acesso em 24 de janeiro de 2016.
Introdução
A violência contra a mulher no âmbito doméstico tem ganhado atenção do meio
jurídico nas últimas décadas. Não sem razão. O Brasil já é o quinto país do mundo em
número de feminicídios1 e os dados – ainda que maquiados pela subnotificação2 –
apontam que ao menos uma mulher é estuprada no Brasil a cada onze minutos3.
1 Os dados são da Organização Mundial da Saúde, citados no Mapa da Violência 2015: homicídio de mu-
lheres no Brasil. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.
pdf. Acesso em 07 jun. 2016.
2 Estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2013 aponta que apenas 10%
dos casos de estupro chegam a conhecimento das instituições oficiais. Informação disponível em: http://www.
ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf. Acesso em 07 jun. 2016.
3 Dados do 9º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2015 e referente ao ano de 2014. Dis-
534 Sobre a importância da possibilidade de perdão penal nos casos em que a vítima
não seja prosseguir com o processamento do agressor, Elena Larrauri (1994, p. 94-95)
destaca que um cerceamento nesse sentido significaria anular a capacidade de decisão
da vítima, de modo a torná-la uma mera expectadora de seu caso, o que vai de encon-
tro à ideologia da Criminologia Feminista. De acordo com a autora, embora seja de fato
preocupante a possibilidade de a vítima ser pressionada a desistir do processamento do
autor do crime, esse receio não pode ser tido como justificativa para colocá-la em uma
posição tão passiva no bojo do processo, até porque a imposição da Ação Penal Pública
Incondicionada não impede que a vítima seja coagida, por exemplo, na formulação do
conteúdo de seu depoimento judicial.
Entretanto, o ponto mais questionável da Lei no que tange ao incremento do po-
der punitivo diz respeito à aposta na função simbólica do Direito Penal. De fato, muito
embora a Lei Maria da Penha traga uma série de iniciativas louváveis no que tange a
um intento de assistência integral à vítima de violência doméstica, a Lei ficou marcada,
na visão popular, como um instrumento preponderantemente penal e coercitivo. Nesse
sentido, a Lei Maria da Penha traduziu no imaginário popular - não sem razão, tendo
em vista suas inovações de ordem penal - a ideia de defesa da mulher mediante a pri-
são do agressor. Isso fica evidente ao observarmos, por exemplo, que, por ocasião da
edição da LMP, os profissionais chamados pela mídia para trazer esclarecimentos sobre
o assuntos eram, majoritariamente, delegados de polícia, juízes, promotores de justiça,
advogados e defensores públicos, e não assistentes sociais, psicólogos, cientistas so-
ciais, etc. (SARMENTO, 2015). Dessa forma, a interdisciplinariedade e a atuação em rede,
importantes inovações trazidas pela LMP, ficaram completamente ofuscadas perante o
enfoque criminal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tentando responder a pergunta que motivou o presente trabalho – se a política
criminal adotada pela Lei Maria da Penha consegue conjugar esforços e percepções
da Criminologia Feminista e da Criminologia Crítica –, concluímos que não há resposta
certa e definitiva para tal indagação. Em grande medida a resposta é sim: a LMP con-
535
seguiu agregar os avanços da Criminologia Feminista, atentando-se para as mazelas
de um sistema de justiça sexista e conferindo um novo lugar à mulher dentro desse
sistema – tanto como sujeito de construção de conhecimento quanto como alvo de
tutela legal. Além disso, a edição da LMP, a despeito de ser controversa sua eficácia na
redução da violência, foi importante no sentido de conferir maior visibilidade a essa
espécie de violência14.
Ao mesmo tempo, a Lei conseguiu incorporar, em grande medida, os preceitos da
Criminologia Crítica, compreendendo que o Direito Penal não pode ser a única resposta
para um problema social tão complexo como é a violência doméstica, e dando prima-
zia, ao menos em tese, a soluções de natureza civil e extrajurídicas em detrimento do
punitivismo.
Sob outra perspectiva, a resposta é não: a Lei Maria da Penha não atendeu à pauta
do Abolicionismo Penal, sendo questionável, ainda, se ela atende ou não a uma agen-
13 Os estudos subsequentes à edição da LMP empreendidos pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Apli-
cadas (IPEA) vinham demonstrando a ineficácia da Lei na redução da violência doméstica e familiar contra
a mulher. A esse respeito, ver: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/09/lei-maria-da-penha-nao-reduziu-
morte-de-mulheres-por-violencia-diz-ipea.html. Contudo, conforme pesquisa publicada recentemente pelo
próprio IPEA, valendo-se de uma nova metodologia, a LMP fez diminuir em cerca de 10% a projeção anterior
de aumento da taxa de homicídios domésticos, desde 2006, quando entrou em vigor. Relatório completo
disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2048.pdf. Acessos em 29 jun 2015.
14 De fato, de acordo com estudo divulgado pelo Conselho Nacional do Ministério Público no fim de junho
de 2015, 306.653 Inquéritos Policiais relacionados à violência doméstica foram movimentados pelo Ministério
Público no ano de 2014, dos quais 283.655 resultaram em processos criminais. Isso significa dizer que em
quatro das cinco regiões brasileiras a violência doméstica foi o segundo crime que mais chegou às mãos dos
membros do Ministério Público. O relatório completo pode ser consultado em: http://www2.cnmp.mp.br/
portal/images/MP_Um_retrato_WEB_FINAL.pdf. Acesso em 05 jul. 2015.
REFERÊNCIAS
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são. Coleção Pensamento Criminológico. v. 19. Florianópolis: Revan, 2012.
ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos Pensamentos Criminológicos. Tradução Sérgio Lamarão. Rio de
Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008.
BARATTA, Alessandro Baratta. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do
Direito Penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia, 1999.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm.
1. Introdução
De maneira geral, o conceito de movimento social diz respeito às ações coletivas de
grupos que se organizam com o objetivo de pressionar o Estado e outras instituições
reivindicando mudanças e prerrogativas ligadas às esferas econômicas, sociais, ambien-
tais e políticas.
4. Criminalização e legalidade
Pensando na constituição do status quo brasileiro, percebemos que a legalidade
tem servido às necessidades das elites brasileiras em detrimento as necessidades das
constituídas minorias. Desta forma, a legalidade sustentou a escravidão, assim como a
usurpação das terras e o genocídio indígena.
Os Movimentos Sociais representam um contraponto à submissão do Estado brasi-
leiro aos interesses da elite. Na visão da classe dominante, a repressão aos movimentos
sociais atingiu o nível de máximo de imperiosidade em face da eleição em 2002 de um
governo popular, ainda que este tenha sinalizado que manteria intacta a estrutura capi-
talista, o que, aliás, ocorreria de qualquer jeito em razão da falta de respaldo parlamen-
546 tar. Vislumbram, ali, o risco de consolidação de instrumentos democráticos capazes de
exercerem pressão no congresso e até mesmo neutralizar a ação do poder econômico
nas eleições proporcionais. Uma medida exata do receio das camadas sociais privilegia-
das se vê pelo furor da campanha de combate aos conselhos populares, instituídos pela
atual mandatária. Por todas estas razões, os movimentos sociais são objeto de todo tipo
de repressão, que pode ir desde à criminalização e à colocação na ilegalidade, como
nos períodos autoritários, até à imposição de restrições legislativas de organização e
funcionamento, como ocorre na atualidade, por exemplo, com a lei antiterror - Lei nº
13260/2016. Essa lei, em sua forma original (PLC nº 101/2015), chegava ao absurdo de
criminalizar a pichação de órgãos públicos, ação essa que costuma ocorrer após a re-
pressão policial. Felizmente a presidenta da República vetou alguns dispositivos nefas-
tos que consolidariam práticas tirânicas com a roupagem de norma legislativa. Segundo
a presidenta, tais definições apresentadas são “excessivamente amplas e imprecisas”.
“Além disso, são atos com diferentes potenciais ofensivos com penas idênticas, em vio-
lação ao princípio da proporcionalidade e da taxatividade”. A chefa do Executivo argu-
menta também “haver outros incisos que já garantem a previsão das condutas graves
que devem ser consideradas ato de terrorismo”.
Em boa hora, foi vetado, também, o artigo 4º, que previa pena de quatro a oito anos
de reclusão para a prática de “apologia ao terrorismo”. Segundo o governo, trata-se de
um artigo que “busca penalizar ato a partir de um conceito muito amplo e com pena
alta, ferindo o princípio da proporcionalidade e gerando insegurança jurídica”. Além
disso, da forma como previsto, “não ficam estabelecidos parâmetros precisos capazes
de garantir o exercício do direito à liberdade de expressão.”
5. Conclusão
Viu-se que os movimentos sociais evoluíram para uma perspectiva ampliativa do seu
papel de exercer pressão sobre as principais esferas do poder, política, econômica e social.
A visão marxista continua intacta em relação às premissas originais, relativas às ações dos
movimentos sindicais e partidários, mas surgiram novas demandas de segmentos cuja ex-
clusão tem causas para além das contradições do capitalismo, embora por elas agravadas.
Mostrou-se que, no Brasil, os movimentos sociais encabeçam a luta pela inclusão de
diversos segmentos cujos direitos veem sendo sonegados desde a época da coloniza-
ção em favor da manutenção do status quo da classe dominante. Novos atores sociais
surgiram e importante evolução foi experimentada com o aperfeiçoamento dos meios
de organização e atuação, notadamente com a rápida ascensão das redes sociais.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Em oposição ao crescimento das ações dos movimentos sociais, foi visto que os
setores conservadores passaram a criar obstáculos às organizações sociais, tendo bus-
cado, até mesmo, criar as condições legais para sua criminalização.
Por fim, concluiu-se que a participação dos movimentos sociais nos processos evo-
lutivos e decisórios do estado podem ser prejudicados com a repressão, mas não mais
serão impedidos como em alguns capítulos da história nacional.
Referências
BOTTOMORE, Thomas Burton. Introdução à Sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar,
1970.
BOTTOMORE, Thomas Burton. Sociologia Política. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara nº 101/2015. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/
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GOHN, Maria da Gloria. Movimentos Sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo. Petrópo-
lis-RJ: Editora Vozes, 2010.
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548 MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: LTC, 1977, p. 122-136.
MARX, Karl. “Proudhon, a Economia e a missão do proletariado”. In: NETTO, José Paulo (org). O leitor de Marx.
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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
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_______________. A ideologia Alemã. Tradução de Vasudio Govind Apte. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998
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TOURAINE, Alain. “Os movimentos sociais”. In: FORACCHI, Marialice Mecancarini; MARTINS, José de Souza.
Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: LTC, 1977, 283-308.
WEBER, Max. “Os Fundamentos da Organização Burocrática: uma construção do tipo Ideal”. In: CAMPOS,
Edmundo. Sociologia da burocracia. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1978, p. 17-28.
OBJETIVOS
Geral:
A questão fundamental a ser resolvida por esta pesquisa pode ser resu-
mida à seguinte pergunta: em que medida e com quais consequências a go-
vernamentalidade neoliberal fundamentada na racionalidade econômi-
ca entra em conflito com a racionalidade jurídico- dedutiva na gestão dos
sistemas de repressão criminal, especialmente no município de Igarapé- Miri no Pará?
Específicos:
550
Descobrir como os atores da segurança pública e da justiça penal do município
definem o seu papel institucional em relação à segurança das trocas e dos principais
agentes econômicos;
Identificar, através do estudo de práticas institucionais e dos discursos dos agentes
de segurança pública, quais os principais tipos de expressões da racionalidade eco-
nômica encontram-se na gestão governamental do sistema de repressão criminal do
município;
Identificar quais os tipos de situação mais exemplares em relação às quais aparece
necessário operar uma escolha entre a racionalidade econômica e a racionalidade ju-
rídica na gestão governamental da repressão criminal no município de Igarapé- Miri;
Descobrir em que medida e através de quais tipos de prática e procedimentos ins-
titucionais as racionalidades jurídica e econômica podem ser mobilizados visando à
realização de um efeito comum;
Testar as hipóteses apresentadas por Foucault no “Nascimento da Biopolítica” e a
tese do Racismo de Estado apresentada no livro “Em defesa da Sociedade”;
Testar o caráter classista da justiça penal;
CONCLUSÕES:
Na era neoliberal, a qual Foucault designa também como era da segurança,
diversos são os desafios que se impõem à esfera pública, especialmente aos sistemas
de repressão criminal. Nesta área, os princípios neoliberais tem sido fortemente apli-
cados, tendo como referencial ideológico o mercado, que a partir de agora passa a ser
considerado como o lugar de veridição que vai demarcar práticas sociais como verda-
deiras ou falsas. As ações do sistemas de repressão criminal, portanto, pautam-se bem
mais para atender as necessidades impostas pelo mercado do que propiciar ações que
viabilizem a realização da justiça, de acordo com as mais recentes disposições constitu-
cionais. 551
O sistema de repressão criminal, dessa forma, não dispõe de uma racionalidade úni-
ca que fundamenta a sua gestão. Foucault afirma existir duas racionalidades: a da via re-
volucionária e via radical utilitarista. Por um lado, a via revolucionária é correspondente
ao direito público como tradução do pacto político, em que o sujeito possui direitos
originários e é dever do Estado garanti-los. Por outro lado, na via radical utilitarista, es-
tes direitos estão condicionados ao cálculo de interesses presentes na estrutura intrín-
seca do Estado. Enquanto na primeira racionalidade, o direito público é a referência, na
segunda é o mercado quem assume essa posição, levando o Estado a atuar conforme a
lógica mercadológica e por vezes, afastando-se do modelo garantista de direitos.
Na governamentalidade neoliberal, isto é, no conjunto de instituições, procedimen-
tos e análises que permitem o exercício do poder sobre a população por meio do saber
econômico e dos dispositivos de segurança (FOUCAULT, 2015:429), apenas se reconhe-
ce como válida a via radical utilitarista. Nela, a racionalidade do homo oeconomicus, ou
seja, do homem que busca a realização máxima dos seus interesses, modelo do homem
neoliberal ou “empresário de si mesmo”, diria Foucault, sobrepõe-se ao homo juridicius,
enquanto sujeito dotado de direitos.
Neste contexto, uma das funções do sistema de repressão criminal seria excluir os
que estão distanciados das regras do mercado ou “readaptar” aqueles que não mais
estão seguindo essa lógica. A segurança, como pilar da governamentalidade neoliberal,
assume a função de possibilitar essa lógica e dessa forma, direciona um tratamento
peculiar às margens do mercado, regulamentando estatal e moralmente os comporta-
mentos sociais e marginalizando os comportamentos desviantes. O direito hoje seria
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
um referencial de gestão das margens ou, melhor, uma das peças- chave de um dispo-
sitivo de controle das marginalidades enquanto elemento qualificador e desqualifica-
dor da integração cidadã.
No sistema de repressão criminal do município de Igarapé- Miri no Pará, nos ltimos
anos, percebe-se elevados índices de criminalidade e extermínio da sua população jo-
vem, especialmente em periferias. Este fato comprova, até este momento da
pesquisa, que o perfil dos jovens que são alvos desse sistema são jovens infratores
pobres. Por sua vez, esta população, à margem do sistema de mercado, é comumente
considerada menos cidadã em comparação aqueles que se adaptam melhor às regras
do mercado. Isto demonstra o papel que a segurança pública exerce dentro de um
sistema neoliberal que impõe a ordem do mercado às práticas sociais: quem está dis-
tanciado das regras do mercado, fica a margem do sistema de integração cidadã.
REFERÊNCIAS:
DELEUZE (G.), Conversações 1972-1990. São Paulo : Ed. 14, 1992.
DELUCHEY (J-F), Da gestão do humano à refundação da cidadania, VIII Encontro da ANDHEP “Políticas
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FOUCAULT (M.), Em Defesa da Sociedade, São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FOUCAULT (M.), Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FOUCAULT (M.), Segurança, Território, População, São Paulo: Martins Fontes, 2009.
FOUCAULT (M.), Microfísica do Poder, São Paulo: Martins Fontes, 2015.
552
O paradigma jurídico revestido do caráter neutro foi valorizado pela classe burgue-
sa como forma de ser legitimada na nova estrutura estatal, fundamentando, a partir das
leis, o Estado e o modo de produção capitalista. As relações de trabalho se estabele-
ceram como determinantes para a divisão social em classes econômicas e, consequen-
temente, em sujeitos de direitos. Divisão social essa já existente, porém simplificada e
556 fortalecida com a exploração da força de trabalho dos “operários modernos, os prole-
tários.” (MARX; ENGELS, 2013, p. 46).
A simplificação do Direito à lei permitiu a fixação da percepção jurídica como na-
tural à organização social e, principalmente, da ordem determinada pelo capitalismo,
conforme MARX; ENGELS, 2014, p. 76. Ademais, a sociedade burguesa se dissolvia em
indivíduos independentes, sujeitos apolíticos, o que faziam os direitos humanos serem
absorvidos como direitos naturais. Esses direitos naturais derivavam da concepção do
homem natural, sendo reconhecido apenas em sua concepção individual, MARX, 2010,
p. 53. Logo, a consciência de coletividade é abstraída em prol da individualidade, di-
ficultando a acepção das classes e, consequentemente, de seus interesses; ou seja, a
ideia transmitida era de que os direitos admitidos não favoreciam a uma classe, mas sim
eram naturais ao homem dentro de sua individualidade.
Esse processo de dissolução da sociedade burguesa demonstrou a superação da pró-
pria revolução de classe. Primeiramente, é importante entender que os conceitos de clas-
se e luta de classes estudados precedem as revoluções liberais, vez que nas organizações
sociais anteriores também havia a estruturação social, por exemplo, em “senhores, vassa-
los, mestres das corporações, aprendizes, companheiros, servos; e, em cada uma dessas
classes, gradações particulares.” (MARX, 2013, p. 40). Nesse sentido, a burguesia, antes da
revolução, se organizava apenas localmente, se caracterizando como estamento. Com a
consagração do processo revolucionário, é transposta essa qualificação, estabelecendo-
se como classe devido a sua organização nacional (MARX, 2014, p. 75).
Por fim, cabe salientar que o direito adquirido pelo proletariado não tem o caráter
natural dado aos direitos individuais burgueses (MARX, 2010, p. 51); dessa forma, não
são garantias, mas apenas, concessões realizadas pela classe dominante. Essas conces-
sões são admitidas com o intuito de cessar o acirramento da luta de classes em mo-
mentos nos quais o proletariado está organizado para além do Estado. Assim, servem
como instrumento de controle e, novamente, legitimação da ordem capitalista. Logo,
sendo concessões dentro do próprio sistema, não é possível salvaguardar a preservação 561
desses direitos, podendo ser revogados de acordo com o interesse dominante.
Esse cenário foi acentuado após a Crise de 2008, a qual, como em toda crise capita-
lista, promove a centralização maior do capital. Dessa forma, as pautas neoliberais se for-
taleceram em todo o mundo. No caso do Brasil, a aprovação pela Câmara dos Deputados
da PL 4330 - que se destina à terceirização da atividade fim do Estado e à flexibilização
das condições de trabalho -, bem como a proposição de projetos que relativizem o con-
ceito de trabalho escravo demonstram o retrocesso nas conquistas do proletariado.
4. Referências bibliográficas:
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SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. 1ª Ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
564 SANTOS, Boaventura de Souza. O Direito dos Oprimidos. São Paulo: Cortez, 2014
II - Livro (traduzido)
ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O Socialismo Jurídico. São Paulo: Boitempo, 2012.
ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. Tradução por Nélio Schneider. 1ª Ed. - São Paulo: Boitempo,
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MARX, Karl. Sobre a Questão Judaica. Tradução Nélio Schneider. 1ª Ed. - São Paulo: Boitempo, 2010.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Tradução por Rubens Enderle. 1ª Ed. - São Paulo: Boitempo, 2014.
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Tradução por Rubens Enderle e Leonardo de Deus. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2010.
MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. Tradução por Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2011.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Tradução por Álvaro Pina e Ivana Jinkings. 1ª
Ed. - São Paulo: Boitempo, 2013.
MÉSZÁROS, István. A montanha que devemos conquistar. Tradução por Maria Isabel Lagoa. 1ª Ed. - São Paulo:
Boitempo, 2015.
Resumo: O presente artigo tem por tema umas das mais importantes e atuais questões
no interior do marxismo: a relação entre formas sociais e luta de classes. De maneira
particular, o objetivo consiste em circunscrever os termos dessa relação em uma dupla
dimensão: a metodológica e a das práticas políticas. Ao apresentar o deslocamento me-
todológico operado por Marx nos seus estudos da maturidade, busca-se demonstrar os
seus desdobramentos nas análises sobre o direito e o Estado. Esse deslocamento, ainda,
acaba por reposicionar em novos termos o entendimento sobre o alcance das práticas
políticas no capitalismo.
Palavras-chave: Marxismo. Formas Sociais. Luta de Classes. Metodologia. Práticas Po-
líticas.
Abstract: This article presents one of the most important and current issues within Mar- 565
xism: the relationship between social forms and class struggle. In particular, the objec-
tive is to limit the terms of this relationship in a double dimension: the methodological
and political practices. In presenting the methodological shift operated by Marx in his
maturity’s studies, we seek to demonstrate their developments in the analysis of the law
and the state. This shift also relocates in new terms the understanding of the scope of
political practices in capitalism.
Key-Words: Marxism. Social Forms. Class Struggle. Methodology. Political Practices.
1. Introdução
O marxismo é um verdadeiro continente teórico; vivo, repleto de debates, polê-
micas e posições, por vezes, antípodas. Dentre as várias possibilidades de lhe conferir
uma geografia teórica, destaca-se a sua organização em três blocos: (i) o “marxismo
tradicional”, estando referenciado na obras mais políticas de Karl Marx e Friedrich En-
gels; (ii) o “marxismo ocidental”, com reflexões fortemente influenciadas pelos textos da
juventudade de Marx; e (iii) o “novo marxismo”, com análises ancoradas principalmente
nas obras de maturidade, especialmente n’O Capital (MASCARO, 2013, p.13).
Dentro desse último bloco, enquadra-se um conjunto amplo de reflexões em torno
das formas sociais capitalistas, que tem por referências a análise das formas do va-
lor (e, consequentemente, do método da “crítica da economia política”) empreendida
por Marx, o estudo da forma jurídica feito por Evgeni Pachukanis, dentre outras (ELBE,
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Direito e Marxismo do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Mo-
vimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Tal teoria procura mostrar como o Estado deriva do capitalismo, não sendo,
portanto, mero resultado da vontade da classe dominante mas, sim, de um
determinado modo de produção e das relações sociais que lhe são ineren-
tes e diferenciadoras de todos os modos anteriores (CALDAS, 2015, p.19).
Ou seja, para o jurista soviético, a relação mercantil entre capital e trabalho não
pode ser garantida pelos próprios sujeitos na condição de particulares, sob pena de
anular a própria forma sujeito de direito (e, com isso, tornar-se relação de servidão ou
571
escravidão). Como lembra:
Assim, concluiu que a propagada oposição entre reformas ou revolução não sig-
nificava escolhas de caminhos mais ou menos rápidos, mais ou menos seguros, mais
ou menos violentos, mas, em verdade, em finalidades diferentes: “isto é, modificações
superficiais na antiga sociedade, em vez da instauração de nova sociedade” (LUXEM-
BURGO, 1999, p.97).
No mesmo período, outro importante dirigente, Vladimir Lenin escreveu, em 1902,
a obra Que Fazer?, na qual criticou a adesão de militantes russos às teses reformistas
de Bernstein. Segundo Lenin, o reformismo no movimento político russo acabava por
implicar em posições economicistas, isto é, reduziam a luta revolucionária ao horizonte
das lutas sindicais (melhorias nas relações de trabalho). Para o revolucionário, a tarefa
não consistia em se restringir ao nível das demandas corporativas. Ainda que partisse
dela, o desafio consistia justamente em elevar a consciência política da classe a novos
patamares. Por essa razão, afirmou que a consciência socialista vinha de fora das rela-
ções entre operários e patrões:
Com essa perspectiva, Lenin apontou que a luta política devia transcender o campo
imediato das contradições sociais que embasam as demandas tópicas por reformas,
colocando em horizonte a luta contra o conjunto das estruturas capitalistas. Para tanto,
o primeiro desafio seria o da formação e propagação dessa consciência revolucionária
nas massas, desnudando o caráter de classe das instituições. Disso a sua máxima: “sem
teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário” (LENIN, 2006, p.128).
Com a afirmação das teses revolucionárias a partir da vitória bolchevique na Rússia,
o debate no interior do marxismo ganhou, por sua vez, outro adversário teórico além
do reformismo: o esquerdismo. Em texto escrito entre 1920 e 1921, Lenin alcunhou de
“esquerdismo” um conjunto de desvios políticos no interior do movimento operário,
tais como sectarismo, absenteísmo eleitoral etc. Desvios que, no limite, implicavam o
abandono apriorístico das mediações práticas necessárias (alianças, bandeiras, refor-
mas etc.) à ação revolucionária (LENIN, 1966, p.39).
Foi polarizando com os pressupostos teóricos do reformismo e do esquerdismo,
ainda que de maneira truncada em virtude da censura carcerária, que Antonio Gramsci,
importante dirigente comunista italiano, apresentou as suas contribuições ao debate
principiado por Lenin9. Para Gramsci, as práticas reformistas e esquerdistas estariam
574
ancoradas nos desvios filosóficos chamados por ele de economicismo histórico e de
ideologismo.
O economicismo histórico fundamenta um conjunto de análises que, em linhas ge-
rais, reduzia o marxismo a uma espécie de mecânica adequação das relações sociais às
contradições econômicas fundamentais do modo de produção10. Em outras palavras,
essa forma de pensamento colocava as contradições em nível estrutural como a razão
imediata a motivar toda e qualquer prática social. Como espécie de espelho invertido
do economicismo, desenvolve-se outra acepção vulgar em torno do marxismo: o ide-
ologismo. Com este termo, designou as formas de abordagens que menosprezam as
determinações estruturais do modo de produção, encarando a subjetividade, a política,
o direito etc., como esferas plenamente autônomas. Sobre as consequências desses
desvios teóricos no plano da ação política, sintetizou: “num caso, tem-se excesso de
9 Em nossa visão, a discussão gramsciana sobre a filosofia da práxis se conecta intimamente ao princípio
leninista da “análise concreta da situação concreta” enquanto essência do marxismo (LENIN, 1966, p.166).
Ao depurar os mecanismos teóricos na compreensão da realidade, Gramsci estaria, no limite, iluminando os
pressupostos filosóficos de desvios políticos no interior do movimento comunista: o reformismo e o esquer-
dismo. Por essa razão, entendemos no mínimo exagerada a classificação de Gramsci enquanto um “marxista
ocidental”, ainda que com ressalvas, conforme clássica tipologia de Perry Anderson (2004, pp.64-5), vide
VASCONCELOS, 2014.
10 Sobre os elementos centrais desse tipo de pensamento, sintetizou: “Alguns pontos característicos do
economicismo histórico: 1) na busca das conexões históricas, não se distingue entre o que é ‘relativamente
permanente’ e o que é flutuação ocasional, e se entende por fato econômico o interesse pessoal e de pe-
queno grupo, num sentido imediato e ‘sordidamente judaico’ [...] 2) a doutrina segundo a qual o desenvol-
vimento econômico é reduzido à sucessão de modificações técnicas nos instrumentos de trabalho. [...] 3) a
doutrina segundo a qual o desenvolvimento econômico e histórico decorre imediatamente das mudanças
num determinado elemento importante da produção, da descoberta de uma nova matéria prima, de um novo
combustível etc.” (GRAMSCI, 2011, p.50).
O objetivo desta divisão é distinguir que: (i) o Estado, do ponto de vista es-
trutural, não pode ser separado das relações econômicas – as capitalistas –
que estão ligadas à sua origem e perpetuação (noutras palavras, o Estado
aparece como elemento estruturante das interações sociais existentes); (ii)
11 Nesse campo de reflexões, Gramsci deu, ainda, um passo adiante. Para ele, o economicismo histórico e o ideolo-
gismo seriam formulações difundidas pelas teorias burguesas, influenciando a disputa entre as práticas liberais e as
protecionistas. Como acentuou, na luta entre as frações da burguesia, a distinção entre economia e política (em outros
termos, sociedade civil e sociedade política, mercado e Estado) era formulada de maneira mecânica e dualista, e não
orgânica. Por isso, afirmou Gramsci: “no que se refere ao liberismo, tem-se o caso de uma fração do grupo dirigente
que pretende modificar não a estrutura do Estado, mas apenas a orientação governamental, que pretende reformar
a legislação comercial e só indiretamente industrial (pois é inegável que o protecionismo, especialmente nos países
de mercado pobre e restrito, limita a liberdade de iniciativa industrial e favorece patologicamente o surgimento de
monopólios): trata-se de alternância dos partidos dirigentes no governo, não de fundação e organização de uma nova
sociedade política e, menos ainda, de um novo tipo de sociedade civil” (GRAMSCI, 2011, p.47-8).
Tais reflexões colocam, destarte, outra ordem de questões para a luta revolucioná-
ria. Isso porque a luta de classes não paira acima das estruturas do capital, mas está
constantemente coercionada por suas formas sociais, mesmo com a tomada do poder
político pelos trabalhadores. Em polêmica com Bob Jessop, Hirsch afirma, inclusive,
que não se pode entender “ação” e “estrutura” como se estivessem numa oposição
exterior. Ao contrário, “a estrutura social com as suas contradições se expressa sobre as
determinações formais sociais na própria ação, assim como, naturalmente, as estruturas
‘objetivas’ apenas podem se (re-) produzir através da ação social” (HIRSCH, 2007, p.50).
As formas sociais, as estruturas do capital, não são autônomas às ações, mas se
constituem a partir delas. Trata-se de uma relação de dupla implicação e de interferên-
cias recíprocas. Como ensina Mascaro:
4. Considerações Finais
Uma das mais importantes questões, no interior do marxismo, reside na relação
entre formas sociais e luta de classes. Como visto, trata-se de questão que implica uma
série de reflexões tanto em nível metodológico quanto em nível das práticas políticas.
No plano metodológico, o artigo procurou apontar para um deslocamento da com-
5. Referências bibliográficas
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da USP, São Paulo, 2014.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
“Por que ocupamos?”:
O clamor por Direitos do Movimentos dos
Trabalhadores Sem-Teto sob a perspectiva da teoria
crítica marxista do Direito
The clamor for Rights from Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto in the
perspective of Marxist critical theory of law.
Resumo: O trabalho visa apresentar as concepções jurídicas auferidas pelo MTST. Que
reivindica direitos, com nítido apego à Constituição Federal de 1988, restou a questão
se isso poderá trazer benefícios para além de contradições ideológicas, ao clamar pela
prestação do Direito de uma burguesia hegemônica. A partir dos fundamentos políticos
da cartilha, a pesquisa bibliográfica exploratória percorre duas grandes matrizes meto-
dológicas, uma filiada à concepção marxista/marxiana de crítica ao Estado e ao Direito,
e, outra ligada à manualística contemporânea. No que os instrumentos utilizados pelo
sistema jurídico se relacionam às classes sociais e sua luta histórica é onde se encontra
a síntese da pesquisa. O MTST compactua com os instrumentos jurídicos ao usá-los
como estratégia para conquista de mais direitos, influenciado por suas bases ideológi-
578
cas socialistas - não necessariamente revolucionárias. Pela crítica marxista, jamais será
suficiente às lutas do proletariado as “soluções jurídicas”, porém, servem como arma
para forçar os limites impostos pelo Capital. A concretização do direito à moradia e a
função social da propriedade pelo Direito caminha em uma direção mais próxima dos
interesses da classe que as reivindicam. Porém, não ataca o fundamento da desigualda-
de, que é a estratificação em classes - criada e reproduzida pela acumulação capitalista.
Palavras-chave: Movimentos Sociais; Marxismo; Moradia; Legalidade; Capitalismo.
Abstract: The paper presents the legal conceptions earned MTST. Claiming rights, with
clear adherence to the Constitution of 1988, there remained the question of whether it
can bring benefits beyond ideological contradictions, to call for the provision of the law.
From the political foundations of the primer, the bibliographical research covers two
major methodological matrices, one affiliated with the Marxist conception (critique of
the state and the law), and another linked to contemporary civil law manualistic. As the
instruments used by the legal system relate to social classes and their historical struggle
is where the synthesis of the research lies. The MTST condone the legal instruments to
use them as a strategy for achieving more rights, influenced by their socialist ideological
bases - not necessarily revolutionary. By Marxist criticism, the “legal solutions” will ne-
ver be enough to proletarian struggles however, serve as a weapon to force the limits
imposed by Capital. The realization of the right to housing and the social function of
property by law walks closer toward the interests of the class that claims it. However, it
does not attack the foundation of inequality, which is the stratification of classes - cre-
ated and played by capitalist accumulation.
Keywords: Social Movements; Marxism; Housing; Law; Capitalism.
1. “Por que ocupamos?” – o que indica a cartilha do Movimentos dos Traba- 579
lhadores sem Teto
No Brasil, por muito tempo existem relatos de movimentos sociais de lutas por
terra, sendo mais notório o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, ou MST. Este
movimento tem por objeto não unicamente a reforma agrária, mas também a redução
da geração de desigualdade e exclusão da parcela campesina da população brasileira,
com objetivos e formalização política definida (STEDILE, 2005, p. 47). Porém, a luta por
espaço urbano, ainda não era correspondida por organização estruturada e politizada,
com objetivos ideologicamente delimitados.
Para tanto, é necessário a plena compreensão das formas jurídicas aplicadas às ocu-
pações urbanas. Em antecipação, é vital não confundir “ocupação”, com o instituto do
código civil de 1916, que tratava de aquisição de bem móvel, devidamente corrigido e
nominado adequadamente como “descoberta” pelo código civil de 2002 (NASCIMEN-
TO, 2003, p. 163). No que concerne este trabalho, é imperativo, mesmo que brevemen-
te, distinguir “invasão” de “ocupação”.
Consoante o entendimento de Farias e Rosenvald (2014, p. 92-93 e 96), a invasão
é o esbulho possessório e ilícito por uso de força para acesso ao bem jurídico imóvel.
3 Levando em conta os critérios mencionados no capitulo I: ônus excessivo com aluguel, coabitação familiar
e edificações precárias, adensamento excessivo em domicílios locados.
4 “É necessário sublinhar, portanto, que mesmo os atos mais violentos de hostilidade dos operários contra
a burguesia e seus servidores não são mais que a expressão aberta e sem disfarces daquilo, que às ocultas e
perfidamente, a burguesia inflige aos operários”. Em: ENGELS, 2010, P.248.
As classes sócias não são, de fato, uma “coisa empírica” cujas estruturas se-
riam o conceito: elas conotam relações sócias, conjuntos sociais, mas são
o seu conceito, ao mesmo título que os conceitos de Capital, de trabalho
assalariado, de mais-valia constituem conceitos de estruturas, de relações
de produção. De modo preciso, a classe social é um conceito que indica
os efeitos do conjunto das estruturas, da matriz de um modo de produção
ou de formação social sobre os agentes que constituem os seus suportes;
esse conceito indica pois os efeitos da estrutura global no domínio das
relações sociais. (POULANTZAS, 1977, p. 65)
8 “Já não há quem negue abertamente o impacto da Constituição sobre o direito privado. A sinergia com o
direito constitucional, potencializa e eleva os dois ramos do Direito, em nada diminuindo a tradição secular
da doutrina civilista” em: BARROSO, 2009, P. 371-372
9 É possível identificar no pensamento de Habermas essa possibilidade de construção e chegada a justiça
política alheia à revolução: “A ideia de reformismo radical, que Habermas defendeu desde seus primeiros
textos, aponta exatamente para a íntima imbricação entre a política administrativo-partidária com os mo-
vimentos sociais e as iniciativas cidadãs, no sentido de, por meio de reformas paulatinas em todas as áreas
da sociedade, consolidar-se efetivamente o sentido substantivo, inclusivo e universalista da democracia” Em:
DANNER, 2012.
10 Conforme Bobbio, o movimento operário contemporâneo já rompeu com o intuito revolucionário, centra-
lizando suas lutas nas reformas sociais: “o movimento operário serve, com absoluta “maturidade”, das táticas
de luta, utilizando os instrumentos tradicionais, o partido e o sindicato de classe, mas fazendo deles um uso
que superou a cisão entre reformas e revolução e procurando realizar ou fazer com se realizem as reformas,
mediante o uso correto das instituições existentes” em: BOBBIO, 1998, P. 785
11 “Bernstein rompe com a perspectiva revolucionária, aderindo a um reformismo evolucionista” em: AN-
DRADE, 2006.
12 “Uma adaptação melhorada das condições sociais de existência” em: STRECK; MORAIS, 2012, P. 93
13 . “Os instrumentos jurídicos devem se compatibilizar com as necessidades organizacionais da sociedade
que aspira melhorar e progredir em todos os segmentos da vida comunitária” EM: THEODORO JÚNIOR, 2006.
É por este sentido dado à propriedade privada que se é capaz de exigir por
meio do ordenamento jurídico um uso privado compatível com o interesse
público, buscando um equilíbrio entre o lucro privado e o proveito social.
(DERANI, 2008, p. 238)
14 Art. 170. II. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Se-
nado, 1988.
Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria numa única ex-
pressão: supressão da propriedade privada
17 “Tudo isto é decididamente posto em causa por K. Marx, ao definir o direito como um facto essencialmen-
te classista, por meio do qual os grupos dominantes exercem o seu poder sobre os demais e o perpetuam”
HESPANHA, 2005, P. 445
18 “O texto de Marx, oferece elementos de sustentação à concepção pashukaniana, pois, em nenhum mo-
mento Marx admite a possibilidade de que se constitua um sistema de direito “socialista” em qualquer fase
da transição para o comunismo”. NAVES, 2008, P. 90
19 “O direito é, irremediavelmente, uma forma do capitalismo. Assim sendo, é a revolução– e não a reforma
por meio de instituições jurídicas – a única opção realmente transformadora das condições das classes tra-
balhadoras” Alysson Leandro Mascaro em introdução à obra “O Socialismo Jurídico” de Engels. Em: ENGELS,
2015, P. 71.
20 “A constatação da natureza ideológica de um dado conceito não nos dispensa de modo algum da obri-
gação de estudar a realidade objetiva, isto é, a realidade que existe no mundo exterior e não apenas na
consciência” em PACHUKANIS, 1988, P.38.
Considerações Finais:
Pelas evidências deste trabalho é cogente concluir que as alternativas jurídicas para
a questão da moradia, podem ser efetivas ao ponto de reduzir as consequências da
acumulação de propriedade privada. A função social da propriedade como obrigação
ao direito de ser proprietário e o direito à moradia instituído como objetivo do Estado,
têm trazido à sociedade uma gama de possibilidades de conquista de direitos para a
590 classe trabalhadora – a maior necessitada de tais direitos. Onde se insere o MTST.
Porém, tais soluções não atacam o fator gerador das desigualdades, que se concen-
tra na forma do Estado, originário e regulado pela lógica do Capital. O ato de ocupar
como ação do MTST, é legitimado pela premissa do descumprimento da função social
da propriedade – termo e instrumento jurídico. Portanto, a luta de um movimento é
adequada à forma jurídica, essa forma jurídica que não se desvincula integralmente da
forma de Estado capitalista. Segue o ritmo da acumulação da propriedade privada. A
solução, porém, diverge quanto à adoção do Direito como instrumento de mudança,
ou a quem entenda o Direito como instrumento contrário, de manutenção e poder de
uma única classe – a burguesia.
O MTST tem o papel de participar da política, pois como movimento social organi-
zado, possui legitimidade garantida para instruir e sancionar as ações do Estado. Para
que então chegue aos seus objetivos, para que se cumpra a função social da proprieda-
de e o direito à moradia chegue a todos. Entretanto, é pela teoria crítica ao capitalismo,
entendida como insuficiente para conferir as demandas dos trabalhadores. Onde a crí-
tica contemporânea situa o Estado e o Direito como indissociáveis do próprio capita-
lismo. Portanto, mesmo com as promessas legais, são ainda vigorantes as contradições
do capitalismo.
21 Para exemplificar, vide notícia: “Após protesto e reunião com a Sabesp, MTST diz que ‘foi aberto canal de
diálogo’”, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/09/1522676-mtst-diz-que-foi-aberto-ca-
nal-de-dialogo-com-a-sabesp-manifestacao-esta-na-marginal.shtml. Acesso em: 04/04/2015.
22 “O legislador político só pode utilizar suas autorizações de normatização jurídica para a fundamentação
de programas de leis compatíveis com o sistema de direito e acopláveis ao corpus das leis vigentes. Sob esse
aspecto jurídico, todas as resoluções têm que ser submetidas a um exame de coerência”. Em: HABERMAS,
1997, P. 210.
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BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
Abstract: In this article is intended to present, based in brief propositions about Law’s
dialectical nature, the dynamics between social conflicts, inherent to the societies sli-
pped in social classes, and Law. It is about a bibliography research, also settled in pre-
vious investigations efforts of rural land conflicts in the state of Rio de Janeiro. Our goal
594 is to reflect, from a Marxist notion of emancipation, the limits of turning Law a social
transformer instrument.
Introdução
Apresentaremos neste texto nossas reflexões sobre o que chamamos de natureza
dialética do Direito, com o objetivo de, a partir da análise de sua relação com a luta de
classes, apontar os limites em afirmar a emancipação humana por vias jurídicas.
Inicialmente exporemos uma compreensão do Direito, afirmando sua estrutura
contraditória e dialética, onde ao mesmo tempo em que funciona como uma engre-
nagem fundamental à reprodução das relações de produção capitalistas, a impõe
limites.
Tais limites, como demonstraremos, resultam do fato de que o Direito ao emprestar
uma sistematicidade, racionalidade e funcionalidade própria ao metabolismo social do
capital, tornando-o possível, estabelece seus próprios contornos.
Tratamos em seguida da emergência política do Direito, por assim dizer, a partir de
suas relações com os conflitos sociais, em específico a partir de um conflito por terra no
município de Magé, no Rio de Janeiro.
Por fim iremos sustentar a hipótese de que o Direito é estruturalmente incapaz de
ser convertido enquanto ferramenta de transformação social, dirigindo nossa crítica,
em especial, às definições unilaterais do Direito, que o definem meramente por seu
apossamento, ou conteúdo.
Ainda sobre o fato de o BNM conter “uma versão ou imagem dos fatos” Ribeiro 595
adverte que:
Por outro lado, nos foi muito importante para que pudéssemos construir uma des-
crição e uma problematização do objeto de pesquisa a partir do Direito, ligando-o a
reflexões mais gerais em relação à dinâmica entre os conflitos e o Direito. No BNM_302
percebemos as estratégias, a linguagem e a construção da repressão e, como aponta
Stein, os alvos em preferencial:
2.O Direito
2.1 Direito enquanto forma jurídica
A reflexão do direito enquanto forma-jurídica deve-se, sobretudo, ao mérito do
jurista soviético Pachukanis, cuja contribuição maior, traduzida em sua obra Teoria Geral
do Direito e o Marxismo, consistiu em retomar o método aplicado por Marx na crítica da
economia política para analisar o próprio direito. Pachukanis observou uma insuficiên-
cia na crítica marxista do direito, pois essa centrava-se no conteúdo material do direito
e pouco dizia sobre sua forma:
A imbricação recíproca entre forma política estatal e forma jurídica faz com
que, no nível de sua operacionalização e de seu funcionamento, ambas
sejam agrupadas. É a técnica jurídica que cimenta tal aproximação. No
campo das técnicas- não das formas-, que direito e o Estado estabelecem
as maiores pontes entre si. A forma jurídica, que resulta estruturalmente de
relação social específica da circulação mercantil, passa a ser talhada, nos 597
seus contornos, mediante técnicas normativas estatais (x)
O que este não leva em conta, entre outras coisas, é o imenso capital de
luta humana ao longo dos dois séculos anteriores contra o absolutismo
monárquico, herdado nas formas e tradições da lei, pela fidalguia do sécu-
lo 18. Pois, nos séculos 16 e 17, a lei fora menos um instrumento de poder
de classe do que uma arena central do conflito […] A lei, em suas formas e
tradições, acarretava princípios de igualdade e de universalidade, que te-
riam de se estender forçosamente a todos os tipos e graus de homens [...]
O que fora projetado por indivíduos de posses como uma defesa contra o
poder arbitrário, poderia ser empregado como uma apologia da proprie-
598 dade frente aos despossuídos. (Thompson,1997, p.355).
Mas como afirmamos anteriormente, o Direito não se define por seu conteúdo, mas 599
por sua forma, de modo que tomada historicamente toda e qualquer lei, ainda que pos-
sa ser paradoxal, independentemente da correlação de forças entre diferentes classes
ou frações destas traduzida em seu conteúdo, é uma confirmação da marcha capitalista.
Por isso, tomando a dinâmica da luta de classes, a partir da perspectiva da classe tra-
balhadora, as lutas travadas na esfera jurídica e os avanços aí conquistados são como
“vitórias na derrota”. Quando afirmamos isto não estamos levando em consideração o
avanço de consciência de classe, da organização que acompanha qualquer processo de
luta, mas apenas a expressão jurídica deste processo, por assim dizer.
Para analisar o direito para além de “artefato ideológico”, compreendendo sua di-
nâmica dialética, na qual está imbricada forma e conteúdo, as pistas deixadas por Marx
são indispensáveis:
As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são ba-
ses reais que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos re-
ais, sua ação e suas condições materiais de existência, tanto as que já se
encontravam prontas, como aquelas engendradas pela sua própria ação.
(Marx, 2001, p.10)
Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua
livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
passado. (Marx, 2011, p.25)
4. Direito e emancipação
O marxismo tem muito a contribuir teórica e praticamente para a reflexão e crítica
do Direito, pois o marxismo antes de tudo é práxis, como bem lembra Mascaro:
ao exigir para o direito proletário novos conceitos gerais que lhe sejam
próprios [...] proclama a imortalidade da forma jurídica, visto que esforça-
se por extrair esta forma de condições determinadas que lhe permitiram
desabrochar completamente, e se esforça por apresentá-la como capaz de
renovar-se permanentemente. O aniquilamento das categorias do direito
burguês significará o aniquilamento do direito em geral, ou seja, o de-
saparecimento do momento jurídico das relações humanas. (Pachukanis,
1988, p.26)
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Abstract: The Brazilian Constitution from 1988, consecrating the democratic wishes
very characteristic of the transitional period experienced, established the rupture of the
socioeconomic inequality, historic wound of this society, as the Republic’s goal. Once a
606 prominent position was assumed by the isonomic principle in the normative orientation
to be followed, the tributary structure built by Brazil should have been guided, among
others purposes, by the incessant search for the eradication of this imbalance. The pre-
sent work, therefore, aims to establish a critic view on the Brazilian tributary system,
showing the alarming clefts on his alleged isonomic organization, which, in a last analy-
sis, reveals not an episodic deformity, but profit of a rational order of class domination.
Keywords: Isonomy; Tributary Inequality; Dominant Classes.
1. Introdução
No universo do estudo jurídico brasileiro, ganha força entre acadêmicos e instru-
mentalizadores uma visão dogmática do Direito, como se este fosse erigido de forma
absolutamente dissociada do contexto social, histórico e político da sociedade.
Esse viés ignora, portanto, a tensão de classes que permeia a formação de um orde-
namento jurídico, os interesses que se encontram resguardados nas normatizações, e
até mesmo a influência da formação histórica na conjuntura presente, sob os argumen-
tos da neutralidade e imparcialidade jurídicas.
Todavia, o saber acadêmico que se preocupa em impactar a conjuntura social que
o permeia precisa, invariavelmente, ir na contramão desta corrente estática para, enfim,
compreender a realidade em suas contradições intrínsecas e, principalmente, na capa-
cidade de sua transformação.
Indo um pouco mais longe, não é difícil perceber que, quando o Tratado de Wes-
tfália, de 1648, pôs termo à Guerra dos Trinta Anos que assolava a Europa Ocidental e,
com isso, estabeleceu os marcos de uma coexistência internacional de Estados iguais
Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature-
za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes [...] – (Grifo Nosso)
No que concerne à interpretação deste princípio, resta evidente que não se pode,
de maneira alguma, entender seu conteúdo através da literalidade da redação, sendo
certo que a igualdade e a ausência de distinção de qualquer natureza necessitam ser
compreendidos teleologicamente, sob pena de invalidação total da norma.
Tomando, então, como base os objetivos que visam ser alcançados pelo princípio
da isonomia, faz-se côro ao ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello (2014, p.
10), quando afirma que:
[...] tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério
discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional,
isto é, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido,
atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desi-
gualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou
fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com
os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se
guarda ou não harmonia com eles.
[...]
[...]
§1o. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão gra-
duados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à ad-
ministração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses ob-
jetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei,
o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
E tal afirmativa não constitui mera divagação, mas se baseia em fatos históricos
concretos, como a disponibilização de séries anuais da renda nacional, as quais, por
estarem baseadas nas declarações de renda, só foram possíveis após a adoção da tri-
butação progressiva sobre a renda no período da Primeira Guerra Mundial em países
como Estados Unidos, França, Reino Unido, Índia e Argentina. (PIKETTY, 2014).
A situação brasileira, porém, começa a mudar através de recentes divulgações, por
A grande revelação do estudo parece mesmo ser a de que, muito embora tenha se
vivido um período de ascensão social das classes baixas nos últimos anos, a estrutura de 613
concentração de renda pouco se alterou, significando numa absorção definitivamente
desigual, por parte da pequena elite, do crescimento econômico apresentado no país.
Já se disse alhures que a estrutura tributária nacional, balizada pelos limites e obje-
tivos constitucionalmente estabelecidos, não se trata mais daquele velho poder coer-
citivo exercido pelo soberano sem quaisquer finalidades sociais. Sob o ideal da justiça
fiscal, a atividade tributária tem sua essência na função de não só prover o Estado das
condições necessárias para o desenvolvimento dos serviços públicos a que está vincu-
lado, como também serve de instrumento regulatório que visa o alcance dos objetivos
da República.
Infelizmente, o que a realidade de aspectos centrais do sistema tributário despon-
ta é que o ideal da redução das desigualdades que assolam o povo não está sendo
perseguida, mas, pelo contrário, tem sido incrementada pela flagrantemente injusta
atividade fiscal.
É exatamente o que revela o já mencionado artigo de Gobetti e Orair (2015), que,
além de destacar o Brasil como detentor da maior concentração de renda comparado
a todos os outros países com informações disponíveis, tendo em vista que “o décimo
mais rico apropria-se de metade da renda das famílias brasileiras (52 por cento)”, apon-
ta que é justamente essa elite quem menos suporta o peso da tributação. Vejamos:
[...]
Outros
10,08% Carga
Tributária
Patrimônio Total:
3,70%
Renda Consumo Em % do PIB:
30,48% 55,74% 35,31%
R$ Milhões:
1.462.951,95
622
4. Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi demostrar que o atual sistema tributário brasileiro
vai de encontro à norma principiológica da isonomia, expondo que o desequilíbrio na
estrutura de tributação, que consolida o abismo socioeconômico, é um instrumento de
dominação de classe.
Como visto, o princípio da isonomia é corolário máximo da Carta Magna de 1988,
no que o sistema normativo tributário deveria ser construído a fim de garantir a igual-
dade entre os contribuintes através da chamada capacidade contributiva, que determi-
na que a exação fiscal se dará de acordo com a condição econômica de cada um.
Ademais, explicitou-se a proposição de Celso Antônio Bandeira de Mello de que o
mandamento da isonomia é também descaracterizado quando o discrímen adotado 623
não persegue os valores e objetivos insculpidos na Constituição Federal.
O que se vê é que o Brasil tem como característica uma desigualdade socioeconô-
mica ululante, em que uma pequena parcela da população domina a imensa parte da
riqueza e da renda produzidas no país.
Dessa forma, a análise do sistema tributário nacional implica na verificação de que,
por um lado, há insuficiente tributação progressiva de riquezas e rendas, e do outro,
uma excessiva tributação regressiva incidente sobre o consumo de bens e serviços.
Da conjugação destas duas situações decorre a percepção final de que as classes
mais ricas gozam de uma carga tributária assaz reduzida em relação a que pesa sobre
as classes baixas, sendo estas últimas as que efetivamente contribuem com o maior
pedaço da arrecadação estatal.
Então, a ruptura com a persecução da isonomia faz emergir um sistema regressivo
de tributação do qual decorrem impactos negativos gravíssimos na desigualdade so-
cial, que ao revés de estar sendo diminuída, como determina o objetivo constitucional
da República, na realidade tem sido incrementada.
Tais conclusões são essenciais para o apontamento do forte componente classista
na construção da ordem jurídica e dos discursos manejados no espaço público, toman-
do a desigualdade como um instrumento na manutenção de privilégios e opressões.
A dominação do poder político pelo poder econômico sustenta a disparidade infa-
me, restando como alternativa a construção de um projeto popular de reforma tributá-
ria que emane do povo brasileiro, o qual, de forma organizada, tem a força necessária
para transformar a realidade.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
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2 A publicação da primeira edição do Livro I de O Capital data de 1867. Em 1883, foram publicados os Livros
II e III, por Engels.
3 Segundo Giovanni Alves, há uma “estrutura sócio-metabólica de reprodução do capitalismo”. (ALVES,
Giovanni, 2011, p. 21)
16 Nesse sentido, o artigo “Trabalho, Classe Trabalhadora e Proletariado: ensaio sobre as contradições e
crises do capitalismo contemporâneo”, de Adrián Sotelo. (Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. Especial,
p.3-15, mai. 2009), disponível em < http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/33e/art01_33esp.pdf
>. Acesso em 06/06/206.
17 “a riqueza pessoal de um dado capitalista pode ter sua origem na exploração do trabalho proletário que
transforma a natureza numa ‘fábrica de salsichas’, como também na exploração do professor em uma ‘fá-
brica de ensinar’. A forma de riqueza da sociedade burguesa, o capital, tem essa peculiaridade fundamental:
possibilita à classe dominante se enriquecer tanto na exploração do trabalho orgânico com a natureza como
também em outras atividades (como a do professor) que não realizam qualquer transformação da natureza”.
(LESSA, 2011, pp. 164-165)
Isso não significa, contudo, que os proletariados não sejam também assalariados,
visto que igualmente alienam o valor de uso de sua força de trabalho através de uma con-
traprestação em forma-salário. A distinção, em verdade, implica que “o proletário cumpre
uma dupla função: produz e valoriza o capital; o trabalhador produtivo não proletário
cumpre apenas uma destas funções: a valorização do capital” (LESSA, 2011, p. 171)
634 Essa diferença quanto à função social do proletariado e do assalariado será relevan-
te no próximo tópico, acerca do poder reivindicatório de cada classe social.
O segundo elemento que diferencia o proletariado dos assalariados é, como vis-
to, a práxis. Essa diferença na práxis se manifesta em relação (1) ao local de trabalho,
visto que o intercâmbio com a natureza geralmente se dá em condições de trabalho
piores daquelas em que se dá o trabalho não proletário (LESSA, 2011, p. 165 e 173); (2)
aos objetos de trabalho, que podem ser natureza bruta ou natureza transformada18,
sobre as quais apenas o operam o proletariado, já que os não proletários não transfor-
mam qualquer materialidade física e não atuam, portanto, com objetos de trabalho no
sentido marxista (LESSA, 2011, p. 174); e (3) à interação teleológica, já que o trabalho
proletário é um processo cuja finalidade se exaure na relação do homem com a natu-
reza, enquanto o trabalho não proletário é um processo cuja finalidade se lança sobre
relações sociais, de homens pra homens, em interação intersubjetivas – como no caso
do professor da escola privada que têm como cerne de sua atividade a interação inte-
lectual com alunos (LESSA, 2011, p. 175).
18 Objeto de trabalho pode ser a natureza, em si, a partir do momento em que é separada da totalidade
natural para ser objetividade sobre a qual se debruça um trabalho, ou a matéria-prima, isto é, aquela natureza
já transformada previamente por um trabalho, mas que será novamente objetividade de um processo de
trabalho: “Todas as coisas que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata com a totalidade da terra
são, por natureza, objetos de trabalho preexistentes. Assim é o peixe, quando pescado e separado da água,
seu elemento vital, ou a madeira que se derruba na floresta virgem, ou o minério arrancado de seus veios.
Quando, ao contrário, o próprio objeto de trabalho já é, por assim dizer, filtrado por um trabalho anterior,
então o chamamos de matéria-prima, como, por exemplo, o minério já extraído da mina e que agora será
lavado. Toda matéria-prima é objeto do trabalho, mas nem todo objeto do trabalho é matéria-prima. O
objeto do trabalho só é matéria-prima quando já sofreu uma modificação mediada pelo trabalho.” (MARX,
2013, p. 256)
Por fim, quanto à diferenciação em classes sociais, anote-se que já adiantamos que
a diferença entre o proletariado e do assalariado é influenciada sobretudo pela inserção
distinta na estrutura produtiva. Cumpre agora ressaltar então, à luz da premissa da tota-
lidade social do método materialista histórico-dialético, que o aspecto econômico não 635
é o único a influenciar no complexo social das classes sociais, haja vista essas também
“serem influenciadas pelas ações dos indivíduos, dos complexos ideológicos, das lutas
políticas, dos partidos, enfim pelas lutas de classes” (LESSA, 2011, p. 181).
Assim:
A partir da breve digressão teórica acerca das distinções entre proletariado e assa-
lariados, podemos concluir as razões pelas quais é possível interpretar que os petro-
químicos são proletários e os terceirizados do setor de serviços19 são assalariados não
proletários.
19 Algum empregado que realize o intercâmbio orgânico com a natureza será proletário independentemente
de ser diretamente contratado ou ser terceirizado, motivo pelo qual destacamos os terceirizados do setor
de serviços. Tal diferenciação, contudo, não afasta as importantes consequências da estrutura produtiva
analisadas nesse artigo, visto que, em 2009, 69,1% dos terceirizados já laboravam no setor de serviços
(COUTINHO, 2015, p. 182)
20 Tal lei determina que os empregados que desempenham tais atividades fazem jus A uma jornada de
trabalho reduzida.
21 Os custos do transporte, integrantes da categoria “custos da circulação”, também agregam valor à merca-
doria. (MARX, 2014, p. 230)
22 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L5811.htm>. Acesso em: 06/06/2016.
23 Em 2009, 6,1% dos terceirizados laboravam na construção civil. Não se sabe, contudo, em quais funções
específicas. (COUTINHO, 2015, p. 182)
24 Isso não significa que ignoremos as contradições e oposições internas que existem no interior do pró-
prio trabalhador coletivo, como, por exemplo, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, que estavam
reunidos no processo de trabalho individual como funções vitais do homem isolado. (MARX, 2013, p. 577)
28 Empregados terceirizados permanecem na mesma empresa por um período em média 55,5 % menor que
os empregados contratados diretamente. (COUTINHO, 2015, p. 180)
Sob essa premissa, a forma jurídica do “direito de greve” pode ser compreendida
como aquela que, na esteira do Estado do Bem-Estar Social29, foi reconhecida como
mediadora da produção capitalista e das reivindicações dos trabalhadores.30 Aquela
que, sem alterar a lógica produtiva, absorveu para dentro do ordenamento jurídico o
movimento de luta dos trabalhadores em face do capital.
O fenômeno de absorção dos movimentos sociais pela ordem jurídica, enquadran-
do-os em uma forma jurídica determinada, opera em uma dinâmica dupla: de um lado,
reconhece determinada manifestação espontânea dos indivíduos enquanto um direito,
de outro lado, estabelece limites formais ao exercício desse direito. O estabelecimento
da forma jurídica lança na ilegalidade tudo aquilo que lhe extrapola as fronteiras.
A greve se tornou, assim, um ato jurídico, não um fato. Sua configuração depende
da presença de aspectos formais previstos em lei. Nesse sentido, por exemplo, denomi-
640 nadas “greves de zelo”, “greves de ocupação” e “operação-tartaruga” não consideradas
atos típicos de greve, mas meros atos coletivos de protestos não albergados pela forma
jurídica (NASCIMENTO, 2014, p. 1.460)
Sobre esse aspecto, Edelman definiu o conceito de “contratualização da greve”:
E esse raciocínio é tão “justo” que os juristas não escapam mais dele, ape-
sar das aparências. Como? Contratualizando a greve. Dir-se-á: a greve é
lícita na medida do contrato de trabalho; quando há abuso contratual, há
greve abusiva. Dito de outro modo, a greve, quando se torna extracontra-
tual, torna-se, por consequência, ilícita ou ilegal, segundo sutileza que não
nos interessam por ora. (EDELMAN, 2016, p. 38)
7. Conclusão
O artigo buscou conferir duas análises centrais.
Em primeiro lugar, a partir de uma reinterpretação em bases marxistas propriamente
ditas, buscamos contribuir à análise da dinâmica que causa a expansão da terceirização
e que, em sentido contrário, dificulta a efetividade do poder reivindicatório da grande
massa de empregados alienados por ela. Nesse sentido, concluímos que terceirizados
são trabalhadores produtivos que integram a classe dos assalariados não proletários,
visto que não operam, em geral, o intercâmbio orgânico com a natureza. Ao não parti-
cipar diretamente do processo de produção do capital, sua paralisação mediante greve
não impacta imediatamente a produção de riqueza social – motivo pelo qual possuem
um poder reivindicatório mais frágil que o dos petroquímicos, proletários.
Sob esse prisma, concluímos que a greve de solidariedade entre petroquímicos
proletários e terceirizados não proletários tem uma importância de peculiar natureza,
fundada no funcionamento ontológico da estrutura produtiva.
Em segundo lugar, a partir mais especificamente de bases pachukanianas – que
integram a herança teórica marxista para o direito – buscamos igualmente contribuir 643
à análise da atuação do Judiciário diante da forma jurídica greve. Nesse aspecto, con-
cluímos que a atual jurisprudência do TST reflete a lógica produtiva que limita o poder
reivindicatório dos empregados terceirizados, visto que corrobora para essa limitação.
Dessa forma, o presente artigo traz contribuições à hipótese de que os aspectos
econômicos e jurídicos, reinterpretados a partir dos nossos marcos teóricos, ostentam
um papel relevante na condição social e nas lutas políticas dos terceirizados. Se, de um
lado, a inserção na estrutura produtiva lhes mina a ação, de outro, o Estado reforça tal
dificuldade, restringindo, inclusive, o reconhecimento do apoio vindo de distinto grupo
de trabalhadores.
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1. Objetivos
Constatar que o discurso de eficácia da prisão articula uma fala monológica e que se
pretende monofônica (BAKHTIN, 1988). Constatar que o discurso prisional é eficaz ape-
nas numa perspectiva simbólica e seletiva, que escolhe seus destinatários. No que se
verá que, a fala prisional é fundada nas expectativas da classe hegemônica. Constatar
que o discurso de eficácia da prisão movimenta ideologias, para além da noção de in-
versão ideológica e negativa, tida pelo marxismo ortodoxo (MARX, 2002). Investigar se
a pretensa monofonia do discurso de eficácia da prisão pode ser associada à noção de
Pêcheux (1997) de esquecimento ideológico-discursivo. Perquirir se é possível classifi-
car a eficácia do discurso prisional como eficácia simbólica, a partir da noção de legis-
lação simbólica de Kindermann (apud NEVES, 1994). Des-velar se o discurso de eficácia
da prisão é movimentado pelo Direito, na qualidade de aparelho ideológico-repressivo
do Estado (ALTHUSSER, 1985). Perceber que se é possível dizer que o discurso de efi-
646 cácia da prisão, em seu cerne, alberga uma luta de classes (BAKHTIN, 2010). Constatar
que, numa reflexão semântico-discursiva, a partir do aporte teórico que nos é fornecido
por Bakhtin, a verificação da polifonia no discurso da eficácia prisional poderá des-ve-
lar que sua pretendida monofonia, ao invés de legitimá-lo e fortalecê-lo, desabona-o,
de modo a lançá-lo numa crise de fundamento. Nessa situação de crise, a abertura ao
dialogismo e ao discurso do outro, no que Authier-Revuz (2004) denomina heteroge-
neidade constitutiva, pode movimentá-lo, em sua discursividade, para uma razão pri-
sional que se funda no diálogo da abertura semântica ao jogo da pluralidade de vozes,
complementares, concorrentes e contraditórias, que, dialeticamente, pode promover o
des-velamento, no sentido de fenômeno, de soluções mais ajustáveis às expectativas
do sistema jurídico e dos destinatários de seu discurso.
2. Metodologia
O método empregado, em sentido epistemológico, será o proposto pela a atitude
fenomenológico-hermenêutica (HEIDEGGER, 2002). Em sentido estrito, a abordagem
metodológica é o anarquismo epistemológico (ou pluralismo metodológico), de Paul
Feyerabend (2007). A orientação filosófica básica para conduzir essa investigação é a
pesquisa crítica, nos moldes crítico-fenomenológicos. Quanto à técnica empregada uti-
lizar-se-á da pesquisa bibliográfica e documental na consulta da literatura.
________________
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão 4 (Direito e Marxismo) do VI Seminário Direitos,
Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de
2016.
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648
Abstract : The article has the scope to demonstrate the nonconformity of today’s Brazi-
lian adoption process, regulated by the National Council of Justice, essentially regarding
the possibility of the adopted profile selection, with ethical principles, and constitutional
and infra-constitutional legislation. 651
Keywords: Adoption; profiles ; Ethical aspects; Unconstitutionality.
1. Introdução
O presente trabalho tem por escopo demonstrar quão contraditório é o sistema
adotivo brasileiro em relação a princípios éticos e ao ordenamento jurídico brasileiro.
Hodiernamente, no Brasil é permitido a família que pretende realizar a adoção criar
um perfil da criança que se deseja adotar. Além de poder selecionar características “bá-
sicas” – idade, sexo, etnia -, é possível ainda fazer restrições no tocante às enfermidades
– curáveis, incuráveis ou detectáveis. Trata-se a criança como mercadoria, um produto,
podendo os futuros pais optar pelos caracteres que mais lhes aprazem.
Percebe-se, portanto, que nesse modelo de adoção o que prevalece é a discrimi-
nação, a coisificação das crianças e uma maior valorização da satisfação dos desejos
dos adotantes, deixando-se de lado os interesses das crianças que aguardam na fila de
adoção.
Ademais, o grande contrassenso da ética em que se pauta esse sistema adotivo é
que este trilha um caminho diametralmente oposto ao da bioética e do biodireito.
Nesse diapasão, é mister destacar que a Resolução nº 2.013/13, do Conselho Fede-
ral de Medicina, que disciplina as normas e princípios éticos da reprodução assistida,
mais especificamente no seu princípio de nº 4, veda a escolha do sexo e de outras ca-
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão: Direitos, Infâncias e Juventudes do VI Seminário Direitos, Pesquisa e
Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
*Faixa Etária: de ____ anos e ____ meses a ___ anos e ___ meses
*Selecione os estados: ( )AC ( )AL ( )AM ( )AP ( )BA ( )CE ( )DF ( )ES ( )GO ( )MA ( )
MG ( )MT ( )MS ( )PA ( )PB ( )PE ( )PI ( )PR ( )RJ ( )RN ( )RO ( )RR ( )RS ( )SC ( )SE ( )SP (
)TO ( ) Selecionar todos estados
*Não aceita com: ( ) Doença tratável ( )Doença não tratável ( )Deficiência física ( )
Deficiência Mental ( )Vírus HIV ( )Não faz restrição 653
Deste modo, esses futuros pais poderão discriminar a raça, o sexo, a idade, aspectos
relacionados à saúde – há ainda menção expressa aos infectados pelo Vírus HIV – e ainda
a naturalidade da criança. Tudo isso, num formato que prioriza a satisfação dos desejos
e anseios dos pais, olvidando-se o interesse primordial da adoção, que é o dos infantes.
Conclui-se, então, a partir dessa primeira etapa de discussão, que as questões éti-
cas têm como origem a vida em comunidade, as relações humanas, e possuem como
finalidade o bem-estar coletivo.
Trabalhando o tema da adoção, lida-se diretamente com a aplicação prática dos
conceitos éticos, e exatamente por isso, faz-se necessário conhecer os seus princípios.
Todos os atores que lidam direta ou indiretamente na área infato-juvenil deve indis-
pensavelmente ter claro para si que o destinatário final de sua atuação é a criança e o
adolescente. Consoante Maciel (2013) “é o direito deles que goza de proteção constitu-
cional em primazia, ainda que colidente com o próprio direito de família”.
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature-
za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes.
A igualdade que nossa Carta Magna prega, condena todo e qualquer tipo de discri-
minação, seja de gênero, cor, condição social, física, enfim, qualquer fato ou caracterís-
tica que distinga ou traga para o indivíduo algum tipo de sofrimento.
O art. 3º, IV, e ainda o art. 227, caput e §1º, III, todos de cariz constitucional e que
vedam qualquer forma de discriminação, inclusive em relação às pessoas com deficiên-
cia, corroboram também o axioma da igualdade.
Com isso, também é afrontado o próprio princípio que norteia o instituto da ado-
ção, que é o Direito à Convivência Familiar. Segundo Ribeiro, esse direito não depende
de norma para ser compreendido, é congênito e natural para todas as pessoas, porém,
devido a alguma adversidade, algumas crianças são impossibilitadas de conviverem
com seus genitores, cabendo ao Estado, nesses casos, tomar as devidas providências
para inserir tais crianças em outros núcleos familiares, onde possam desenvolver-se
adequadamente.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Assim, quando a natureza não cumpre seu papel, tornando impossível ou
desaconselhável a convivência dentro do ambiente familiar, caberá ao Es-
tado a restauração do equilíbrio, tomando as devidas providências para
construção de um ambiente familiar de substituição, onde o menor possa
reconstruir os laços civis e afetivos (Ribeiro, 2010).
6. Conclusão
Consoante tudo o que foi exposto no decorrer desse trabalho, verificou-se que o
procedimento de adoção criado pelo CNJ, que possibilita a escolha de perfis além de
ser prejudicial para as crianças e adolescentes, pois criam filas de pretensos adotantes 661
a espera de um perfil ideal, enquanto outros perfis aguardam a chance de serem ado-
tados por tempo indeterminado.
Isso engendra uma série de consequências de ordem psíquica e emocional para as
crianças e adolescentes que são mantidos nos abrigos, conforme estudos já realizados
e assinalados no decorrer deste trabalho.
Da mesma forma, verificou-se também que certos princípios bioéticos, aplicados
subsidiariamente ao modelo adotivo brasileiro, e ainda outros componentes da ética
lato sensu, advogam veementemente no sentido da vedação de escolha de característi-
cas fenotípicas dos futuros filhos, não havendo qualquer respaldo para os pais poderem
realizar seleções no processo adotivo.
Por fim, também se observou que as normas internacionais ratificadas pelo Brasil, as
infraconstitucionais, mormente o Estatuto da Criança e do Adolescente, e ainda outras
gizadas na própria Constituição, são nítidas no sentido de garantir ao menor a mais
ampla proteção possível e ainda a promoção de sua dignidade, sendo vedadas quais-
quer formas de discriminação. E, nesse sentido, o atual sistema de adoção constitui
claramente uma afronta ao ordenamento jurídico pátrio.
Desta forma, o procedimento adotado pelo CNJ deve ser reformulado no que tan-
ge a essas possibilidades de discriminação de perfis, a fim de se priorizar sempre os
interesses da criança e do adolescente e o seu desenvolvimento de forma a atender o
conteúdo do princípio da dignidade.
Resumo: O modelo de Justiça Restaurativa está em ascensão, tanto nos cenários inter-
nacional e nacional. Dessa forma, a nova abordagem restaurativa surge como uma al-
ternativa ao tradicional modelo de Justiça Retributiva, que, por sua vez, se apresenta em
crise, incapaz de apresentar soluções coerentes e efetivas ao cumprimento dos delitos.
Esse trabalho acadêmico busca, em breves linhas, traçar uma abordagem histórica e o
atual cenário da implantação da Justiça Restaurativa no Brasil. Além do mais, busca-se
debater a Justiça Restaurativa Juvenil, desde seus aspectos históricos no Brasil até as
experiências nas Varas da Infância e Juventude no país, concebendo a Justiça Restaura-
tiva aplicada aos adolescentes brasileiros como uma possível crítica à parte do Estatuto
da Criança e do Adolescente, que ainda prevê a possibilidade de institucionalização dos
adolescentes em conflito com a lei como uma forma adequada para o cumprimento da 663
medida socioeducativa.
Palavras-Chave: Justiça Restautativa; Justiça Retributiva; Ato Infracional; Estatuto da
Criança e do Adolescente; Experiências Brasileiras.
Abstract: The model of restorative justice is on the rise, both in international and na-
tional scenarios. Thus, the new restorative approach is an alternative to the traditional
model of retributive justice, which, in turn , presents itself in crisis , unable to provide
coherent and effective solutions to the fulfillment of crimes. This academic job search,
briefly, to trace a historical approach and the current situation of the implementation of
Restorative Justice in Brazil. Moreover, it seeks to discuss the Restorative Justice Youth,
from its historical aspects in Brazil to experiences in children’s courts and youth in the
country, designing restorative justice applied to Brazilian adolescents as a possible cri-
tique of the Statute of Children and adolescents, which also provides for the possibility
of institutionalization of adolescents in conflict with the law as an appropriate way for
the fulfillment of socio-educational measures
Keywords: Restautativa Justice; Retributive Justice; Misdemeanors; Child and Adoles-
cent Statute; Brazilian Experiences.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Direitos, infâncias e juventudes do VI Seminário Direitos, Pes-
quisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
666 Nesse sentido, para além das reflexões de delito aplicáveis aos imputáveis, neces-
sário destacar que as medidas sócio-educativas12 aplicadas aos adolescentes brasileiros
também podem ser restritivas de direitos e privativas de liberdade, pois as respostas,
independente de nome, correspondem sempre a uma responsabilização sobre deter-
minado fato delituoso (LACERDA, 2012). Assim, as práticas de justiça restaurativas tam-
bém podem e devem ser aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei.
5 Redação elaborada pelos integrantes do I Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa, realizado na cidade
de Araçatuba, estado de São Paulo - Brasil, nos dias 28, 29 e 30 de abril de 2005.
6 Basicamente se fundamenta na ideia de que, depois de iniciada ação penal, o Ministério público não pode
dispor desta por meio da desistência, afinal a ação visa a defesa de um direito do Estado e não de somente
um individuo.
7 Este princípio se baseia na ideia central de que a propositura da ação penal pelo Ministério Público é
obrigatória, tão-só órgão ministerial tenha notícia do crime e não existam obstáculos que o impeçam de atuar.
8 Previsto no art. 89 da Lei Federal nº 9.099/1995, a Suspensão Condicional do Processo, também denomi-
nada sursis processual é uma forma de solução alternativa para problemas penais, que busca evitar o início
do processo menos graves.
9 Previsto no art. 76 da Lei Federal nº 9.099/1995, a Transação Penal possibilita solução pacífica do litígio por
meio de um acordo realizada entre o Ministério Público e o suposto autor do ato delituoso, nas Infrações de
Menor Potencial Ofensivo. Trata-se de uma mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal.
10 Dispões sobre os Juizados Especiais Criminais.
11 É o indivíduo capaz de entender o caráter ilícito do fato, logo sujeito a pena. No contexto apresentado,
o termo “imputáveis” faz referência à maioridade penal prevista na Constituição Federal de 1988, quando
dispõe: Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legisla-
ção especial. Cumpre destacar que segue ao Poder Legislativo o Projeto de Emenda à Constituição sob nº
171/1993, com objetivo de reduzir a imputabilidade penal para 16 anos. Informação disponível em > http://
www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14493 > Acesso em: 05/06/2016.
12 São medidas destinadas a adolescentes autores de atos infracionais previstas no art. 112 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), como por exemplo: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de
serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semi-liberdade; internação em estabelec-
imento educacional.
O professor Damásio de Jesus (2008 p. 15) corrobora com a análise teórica da Justi-
ça Restaurativa a entendendo como “processo colaborativo que envolve aqueles afeta-
dos mais diretamente por um crime, chamados de ‘partes interessadas principais’, para
determinar qual a melhor forma de reparar o dano causado pela transgressão”.
668 Malgrado as definições doutrinárias, a Resolução nº 2002/12, da Organização das
Nações Unidas, intitulada Princípios básicos para utilização de programas de justiça
restaurativa em matéria criminal, adotou conceito amplo. Vejamos:
Por outro lado, cabe esclarecer que, ainda não existe no ordenamento jurídico pá-
trio uma legislação em vigor que trate especificamente da Justiça Restaurativa, há so-
mente um projeto de Lei sob nº 7.006/200614, apresentada pelo Instituto de Direito
Comparado e Internacional de Brasília em maio de 2015.
Apesar da atual ausência de legislação específica, determinadas normas jurídicas
dão a base legal para aplicabilidade deste modelo de justiça restaurativa tanto nos Jui-
zados Especiais Criminais, quanto nas Varas da Infância e Juventude.
Neste sentido, Pinto (2005, Pg. 29) ressalta que, com as inovações da Constituição
de 1988 e o advento da Lei 9.099/95, abriu-se uma janela no sistema jurídico do Brasil
14 Atualmente o PL nº 7.006/2006 encontra-se sujeita a apreciação do Plenário da Câmara desde 09 de
março de 2016 por meio de Decisão da Presidência. Informações disponíveis em <http://www.camara.gov.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=323785 > Acesso em: 03/06/2016.
Além do mais, a fase preliminar do processo prevista nos artigos 70 e 72 a 74, da lei
9.099/95, podem ser interpretadas como normas de caráter restaurativas.
Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua
orientação.
Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homolo-
gada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser
executado no juízo civil competente.
15 Possui a ideia central que a vítima ou seu representante legal pode decidir se ingressará ou não a ação.
Aplica-se à ação penal privada, modalidade de demanda judicial que o ingresso depende do interesse do
ofendido.
19 O termo pode ser compreendido como uma palavra Xhosa que significa um país ou lugar de esperança.
(SLAKMON et al, 2005,p.91).
De acordo com este modelo os encontros restaurativos com grupos familiares sur-
giram como alternativa a solução advinda por uma sentença emitida pelos tribunais.
Essas reuniões foram introduzidas tanto como uma alternativa aos tribu-
nais, como na forma de guia para as sentenças. A elas geralmente com-
parecem os infratores, sua família estendida, as vítimas, seus partidários, a
672 polícia, um assistente social e outras pessoas importantes da comunidade
(MCCOLD, 2001, p.45)
De acordo com Maxwell (2005, p.477), os resultados das práticas restaurativas são
satisfatórios e “as práticas inspiradas nos costumes dos aborígenes Maoris da Nova
Zelândia têm solucionado 75% dos casos de delinquência juvenil, em que 44% destes
há um diálogo reservado entre a polícia e o infrator e 32% há um encontro entre o
infrator e a vítima, com suas respectivas famílias, e a polícia”.
Outro país a aderir a método da justiça restaurativa com base em culturas indíge-
nas para resolução de conflitos foi o Canadá. Neste modelo, as partes, quais sejam:
infrator, vítima e comunidade são reunidos, sentados em círculo, em uma sala para
que possam conversar sobre o conflito, cada qual falando em uma oportunidade dis-
tinta buscando-se assim a solução da controvérsia (PINTO, 2007).
Os modelos de justiça restaurativa são alicerçados em dois procedimentos que se
complementam: a pacificação (peacemaking) e construção da paz (peacebuilding) que
se utilizam dos modelos da mediação, círculo e conferência para a resolução do conflito.
Cumpre salientar, no entanto, que a pacificação ocorre por meio dos encontros
com os envolvidos no conflito e interessados. Já a construção da paz além de se utilizar
também dos modelos de resolução de conflito como estratégia volta-se a "criação de
estruturas que contribuem para uma paz sustentável".
Os métodos: a mediação vítima-infrator, nos círculos de paz ou câmaras restaura-
tivas, conferências de grupos familiares, por sua vez, são processos que visam fazer o
ofensor refletir o ato cometido com a devida responsabilização (PENILDO, 2006).
Houve uma mobilização inicial para que os objetivos propostos pelo projeto fossem
alcançados, assim, o Juiz da Comarca mobilizou parceiros como: Secretaria de Educa-
ção do Estado, Conselho Municipal de Segurança, Conselho Municipal de Direitos da
Criança e do adolescente, o Conselho Tutelar, Cartório da Infância e Juventude, dentre
outros, visando o alcance de um modelo de justiça participativo sintonizado com a re-
alidade local (EDNIR et al, 2008).
Os profissionais foram capacitados para que a técnica restaurativa fosse apreendida
e posteriormente aplicada. Inicialmente em três escolas e após o sucesso do projeto se
ampliou a toda a rede de ensino estadual da cidade no total de 12 escolas participaram
do projeto.
De acordo com Ednir (2008) o projeto teve 260 círculos restaurativos realizados,
sendo que 231 acordos foram feitos, dos quais 223 foram realmente cumpridos. Do
total de círculos realizados, 160 ocorreram no âmbito das escolas, resultando em 153
acordos, todos cumpridos.
Outra experiência da aplicação da justiça restaurativa ocorreu em Porto Alegre no ano
de 2005 com o programa intitulado: Justiça para o século 21, que foi uma iniciativa da Jus-
tiça da Infância e Juventude articulado pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Á guisa de conclusão, consideramos que o modelo de justiça restaurativa se encon-
tra em estado de ascensão nacional e internacionalmente, que avança no sentido de
romper com o tradicional sistema punitivo ancorado no modelo de justiça retributiva.
Ora, cada vez mais foco da solução do conflito não está somente voltada para crime
e no dever do Estado em punir o autor do delito, mas sim na vítima e a necessidade de
responsabilização do infrator, visto que estes são apresentadas como fatores primor-
diais resolução do impasse.
A análise histórica e as experiências internacionais e nacionais apontam que a apli-
cabilidade do modelo da justiça restaurativa pode ir além do mero ao âmbito penal
propriamente dito, somente aplicável aos imputáveis, mas tem pertinência prática ao
atual sistema de responsabilização social apresentado pelo Estatuto da Criança e Ado-
lescente.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Assim, a justiça restaurativa vem se mostrando como uma possível saída ao criticado
modelo de repressão da norma estatutária, que apesar dos avanços formais, ainda carre-
ga a institucionalização dos adolescentes como medida necessária para soberania estatal.
Trata-se de uma nova visão à solução dos conflitos que envolvem o ato infracional.
Por todas estas razões pode-se dizer que a justiça restaurativa tem desempenhado
um importante papel no resgate da cidadania dos adolescentes que cometeram atos
infracionais sem lhes rotular. Embora ainda se tenha muito que avançar neste processo
de implantação de efetivação da aplicação da justiça restaurativa e assim se poder falar
na concretização material do princípio da proteção integral dos adolescentes infratores.
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Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir os desafios e perspectivas de asse-
gurar o direito ao ensino e aprendizagem da língua inglesa no contexto do ensino mé-
dio, com base na análise de professores em formação do sudoeste da Bahia, e nos pres-
supostos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs+, 2000). Uma vez que os PCNs+
(2000) preveem que a língua estrangeira deva ser trabalhada durante a formação do
estudante na escola regular de ensino, como professores de inglês nos intriga discutir
acerca de nossas aulas, como os alunos veem o processo de ensino e aprendizagem da
língua, como eles se veem nesse processo e como esse direito os tem sido assegurado
no contexto das escolas. Portanto, este trabalho busca apresentar resultados da refle-
xão de professores de inglês em formação sobre como as aulas de inglês tem se con-
figurado em alguns contextos. Este trabalho se caracteriza como uma possibilidade de 679
refletirmos sobre o direito de acesso a língua estrangeira pelos estudantes brasileiros
de escolas regulares de ensino.
Palavras-Chave: língua inglesa; direito; alunos; ensino; escolas regulares.
Abstract: This paper aims at discussing the challenges and perspectives of guaran-
teeing the right of English language teaching and learning in the context of regular
high-schools in the southwest of Bahia, supported by teacher-trainnes’ analysis and the
pressuposts of Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs+, 2001). Once PCNs+ (2000)
highlights every students’ right to learning a foreign language, as English teachers it
intrigues us to understand more about English classes, how students perceive their
English language teaching and learning process, how they place themselves in this pro-
cess, and how this right unfolds in the context of their schools. Thus, this work aims at
presenting the outcome of teacher-trainees’ analysis on how English classes have been
taught in some schools. This paper is a possibility to reflect upon students’ right to ha-
ving access to a foreign language in the context of regular schools in Brazil.
Keywords: English language; right; students; teaching ; regular schools.
1. Introdução
Este trabalho tem como objetivo analisar o direito a aprendizagem de inglês como
língua estrangeira no contexto de algumas escolas regulares, por meio de análises fei-
tas por professores de inglês em formação, a partir de relatos de alunos do ensino
médio e do documento que rege o ensino na educação básica no Brasil, os Parâmetros
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Direitos, Infancias e Juventudes do VI Seminário Direitos, Pes-
quisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2. Desenvolvimento
A partir de agora, passamos a apresentar e analisar trechos das resenhas escritas
por quatro professores de inglês em formação, acerca de suas impressões sobre o que
alguns alunos de ensino médio pensam de suas aulas na escola. Ressaltamos aqui, que
para o objetivo deste estudo, não usaremos em momento algum as vozes dos alunos
do ensino médio, mas apenas apresentaremos e analisaremos questões referentes ao
que os professores em formação, da disciplina de Língua Inglesa V, discutem em suas
resenhas, resultantes de parte do processo avaliativo destes durante a disciplina cur-
sada. Como as resenhas dos alunos foram escritas em inglês, já que a disciplina que
cursavam era Língua Inglesa V, os trechos que apareceram no corpo deste estudo se-
rão as versões originais, ou seja, em inglês. Entretanto, estarão disponíveis em notas
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
de rodapé, as traduções destes trechos para o português. Para fins de organização,
apresentamos, a seguir (figura 1), uma previsão de como trechos das resenhas serão
analisados neste estudo.
4 “A partir da analise das informações coletadas, foi possível ter um visão da opinião dos alunos sobre suas
aulas de inglês em seus contextos – uma escola particular. Atividades como esta simples pesquisa, podem
ajudar professores de inglês a estudarem e modificarem suas praticas para que suas aulas sejam mais interes-
santes e contextualizadas, a partir da observação da relação dos estudantes com a língua inglesa tanto dentro
como fora da sala de aula.” (tradução nossa)
5 “Portanto, e possível que o professor não esteja dando uma boa aula, não esteja envolvendo o estudante
em seu processo de aprendizagem. Isso e triste, mas e a realidade; nossas aulas de inglês não são boas por-
que o professor enfatiza a forma e se esquece do uso, do discurso comum e dos assuntos (que interessam
as pessoas). Quando eles produzem alguma coisa diferente e um tanto de problema e, por este método, os
estudantes acreditam que os Estados Unidos e a Inglaterra sejam os únicos lugares no mundo em que as
pessoas falam inglês, o que não e verdade. Por este tipo de atitude, os estudantes odeiam não apenas as
aulas, mas também os lugares em discussão e nos (professores, o que e mais provável). Alguns pensam que
os Estados Unidos e o lugar mais bonito em todo o mundo, o que pode ser verdade, mas não totalmente, pois
lá também ha problemas (como em todo lugar).” (tradução nossa)
Basicamente, podemos dizer que saber uma língua hoje em dia perpassa muito
mais do que seguir ou aprender determinados padrões, mas saber se situar no mundo,
entender seu espaço em relação ao outro e respeitar as diferenças. Quantas pessoas no
mundo inteiro estão falando inglês neste exato momento? Sim, um número enorme de
pessoas, de diferentes lugares e discutindo/tratando de diferentes assuntos. Portanto,
precisamos pensar nos lugares que ocupamos e, como professores de inglês, como
isso interfere ou poderá interferir em nossas práticas docentes e nas experiências de
aprendizagem que estamos criando junto a nossos alunos. Pensamos ser estas reflexões
importantes e que, podem nos orientar a lidar com alguns de nossos desafios enquanto
professores de inglês, uma língua muitas vezes elitizada, por ainda não ser acessível,
apesar de assegurada por lei, a grande parte de nossa população através do ensino
básico.
Ao analisarmos os desafios listados neste estudo, também pudemos perceber
686 a importância do aspecto do contexto de ensino. Não apenas o papel e as práticas do
professor são questionadas, mas também as influências do contexto na aprendizagem
da língua inglesa. Conforme discutimos na introdução deste estudo, os PCNs+ (2000)
ressaltam o ensino a partir de uma perspectiva interdisciplinar, em que o contexto de
ensino englobe todos os aspectos e interesses disciplinares ao mesmo tempo. Entre-
tanto, parece que temos o desafio de pensarmos como ainda tratamos a língua inglesa
como uma disciplina isolada e, por vezes, não permitimos espaços para que o contexto
em que estamos faça parte ou influencie esse universo. Daí, pensamos ser relevante
reconsiderarmos o que entendemos por contexto de ensino e passar a integrar este
contexto, unir forças com outras disciplinas e participantes, ao invés de contribuir para
uma separação de áreas ou disciplinas e pessoas.
A seguir, uma análise das perspectivas futuras dos professores em formação.
3. Considerações finais
Este estudo procurou abordar a questão de como tem sido garantido o direito de
acesso a aprendizagem de língua inglesa a alguns alunos do ensino médio, a partir de
Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10/05/2015.
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ção, Secretaria de Educação Básica, 2006. Disponivel em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_
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cretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 2000. Disponivel em: < http://portal.mec.gov.br/
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Acesso em: 18/05/2016.
CRYSTAL, David. English as a Global Language. 2ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
689
Resumo: Ainda no século XVI, a mão de obra infantil indígena já era utilizada no pe-
ríodo de colonização do Brasil. Séculos depois e, mesmo diante de direitos garantidos
pela Constituição vigente e pelas Convenções as quais o Brasil é signatário, os povos
indígenas e suas reivindicações continuam invisibilizadas. A ausência de políticas públi-
cas efetivas voltadas a atender as necessidades mais básicas dos povos indígenas, como
saúde, educação e alimentação, somadas com ao simbólico preconceito e a histórica
rejeição à cultura e ao modo de vida desses povos, têm corroborado, mormente, para
uma exclusão sem precedentes de direitos fundamentais. Nessa conjuntura, as crianças
e adolescentes indígenas, física e psicologicamente mais vulneráveis, são submetidas
à condições desumanas de trabalho e exploração. Assim, o presente trabalho teve por
objetivo verificar a ocorrência de trabalho infantil indígena no território nacional e ana-
lisar a legislação e políticas públicas direcionadas ao seu enfrentamento. Lançamos mão
da teoria crítica do direito, como forma de análise da temática proposta, apresentando
690 posicionamentos que imbricam com o tema a partir de pesquisas bibliográficas. Tal
estudo demonstra-se fundamental, eis que viabiliza vocalizar discussões acadêmicas
sobre o direito dos povos indígenas, em particular das crianças e adolescente indígenas.
Palavras-chave: Povos tradicionais; Políticas públicas; Garantias constitucionais.
Abstract: Even in the sixtheenth century, the indigenous child labor was already used
in the time of colonization of Brazil. Centuries after, even when they had the rights
guaranteed by the Constitution and Conventions that Brazil was related, the indigenous
people and their claims remain negated. The absence of effective public politcies aimed
to assist the most basic needs of indigenous people, like health, education and food,
combined with the symbolic prejudice and historical rejection of the culture and the
lifestyle of these people, have corroborate, in particular, to a unprecedented exclusion
of fundamentals rights. In this picture, the indigenous children and teenagers, that are
physically and psychologically more vulnerable, are submited to inhuman working con-
ditions and exploitation. Therefore, this paper aims to verify the occurrence of indige-
nous child labor in the country and analyze the legislation and public politcies directed
to confrontation. We lay hold of the critical theory of law as a way of analysis of the
theme proposed, presenting positions that intertwine with the theme from literature
searches. This study shows essential as it enables vocalize academic discussions on the
rights of indigenous people, particularly indigenous children and teenagers.
Key Words: Traditional Peoples, Public Politcies, Constitutional Guarantees
Nota-se, portanto, a partir dessas breves discussões, que os povos indígenas têm
encontrado embaraços no reconhecimento de direitos constitucionalmente garantidos
em razão da incompatibilidade da organização jurídica estatal com a conformação da
indígena, confirmando, então, a tese de que se tem construído meios jurídicos efeti-
vamente legítimos de exclusão e silenciamento desses povos como destinatários de
direitos, além de corroborar para a (re)afirmação do senso comum criado em torno dos
povos indígenas e de representações folclorizadas de seus modos de vida. Tal consta-
tação, também, é claramente verificada na luta jurídico-social de crianças e adolescente
indígenas para serem compreendidos como destinatários e detentores de direitos fun-
damentais.
2 Gennep exemplifica, dentro do capítulo sobre “ritos de iniciação” de sua obra, o rito de passagem dos
índios Lillooet, existentes no Sudeste da Colúmbia Britânica: “as moças frequentemente eram dadas como
noivas ainda crianças, a homens de vinte anos mais velhos. Só se considerava que estavam aptas a se casa-
rem quando terminavam todas as cerimônias referentes à chegada da puberdade, isto é, aproximadamente
no décimo sétimo ou no décimo oitavo ano e às vezes no vigésimo terceiro. [...] Quanto aos rapazes, é dito
claramente que o gênero de cerimônias a se executar depende da profissão (caçador, guerreiro, etc.) que se
propõe abraçar” (GENNEP, 2011, p. 73-74). Evidentemente que os ritos de passagem variam de povo indígena
para povo indígena, a depender da sua localização geográfica, não sendo, necessariamente, os mesmo para
todas as culturas indígenas.
Área urbana
Atividades Municípios
Trabalho doméstico 69,43
Comércio em feiras e ambulantes 60,45
Lixão, catadores de lixo 31,50
Engraxate 30,07
Exploração sexual 21,90 697
Flanelinha 14,22
Comércio de drogas 12,35
Na área rural, a exploração do trabalho infantil tem mais recorrência nas atividades
de agricultura em geral (mais de 70%), conforme tabela 2.
3 Os dados apresentados nas Tabelas 1 e 2, da análise situacional do PETI (2004), dizem respeito somente
quanto aos questionários preenchidos pelos municípios compreendidos na Análise Situacional do PETI, os
quais representam um total de 2.601 municípios atendidos pelo Programa.
Art. 28 [...]
4. Considerações finais
O presente trabalho não tem por pretensão concluir questões ou trazer respostas,
mas sim retratar a realidade e acirrar as discussões no tocante ao trabalho infantil indí-
gena no Brasil como reflexo do silenciamento dos direitos dos povos indígenas. Não há
duvida de que o trabalho infantil indígena está intrinsicamente relacionado com a ne-
gação de direitos aos povos indígenas, não sendo, entretanto, um problema endêmico
a esses sujeitos, mas a todos os povos e comunidades tradicionais.
Sem embargo, a questão da identidade tem atuado como pano de fundo des-
se conflito e isso se verifica na histórica aversão social à cultura dos povos indíge-
nas. Como uma relação social, a identidade está sujeita a relação de poder não sendo
convencionada pelos grupos que compõe uma sociedade, mas imposta por aqueles
que possuem maiores privilégios. Diante disso, é fácil entender que, mesmo havendo
direitos constitucionais expressos, ainda há uma inferiorização dos indígenas, como
ocorrido na época do “descobrimento”. Ainda hoje, esses povos são enxergados como
sujeitos a margem de qualquer direito, verdadeiros “selvagens”. E esses estereótipos,
por sua vez, são reafirmados sempre que o Estado negligencia a participação dos povos
indígenas no debate de seus próprios direitos, como vem ocorrendo no Brasil há anos.
6. Referências bibliográficas
AMAZÔNIA. “Fiscalização flagra exploração de mão de obra indígena e trabalho infantil”. In: Amazônia, 01
de março de 2016. Disponível em: <http://amazonia.org.br/2016/03/fiscalizacao-flagra-exploracao-de-mao-
de-obra-indigena-e-trabalho-infantil/comment-page-1/>. Acesso em: mai. 2016.
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ato2007-2010/2009/lei/l12010.htmLei 12.010>. Acesso em: mai. 2016.
CARNEIRO DA CUNHA, M.; ALMEIDA, M. W. B. “Populações tradicionais e conservação ambiental”. In: CAPO-
BIANCO, J. (Org.). Biodiversidade amazônica. Avaliação e ações prioritárias para a conservação, uso sustentável
e repartição de benefícios. São Paulo: Estação Liberdade; Instituto Socioambiental, 2001, p. 52-58.
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. “RELATÓRIO: Violência contra os Povos Indígenas no Brasil. Dados
de 2014”. In: CIMI, 2014. Disponível em: <http://cimi.org.br/pub/Arquivos/Relat.pdf>. Acesso em: mai. 2016.
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA. “Analise situacional do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil PETI”. In: UNICEF, Brasília, maio de 2004. Disponível em: <http://portalsocial.sedsdh.pe.gov.br/sigas/
Arquivos/Legisla%E7%E3o/Projetos/PETI/an%E1lise%20situacional%20do%20PETI.pdf>.Acesso em: mai. 2016.
______. Números do trabalho infantil doméstico no Brasil preocupam, diz FNPETI. In: UNICEF, 12 de junho de
RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão teórica sobre os ado-
lescentes em conflito com a lei, submetidos ao sistema de justiça juvenil do Estado
de Goiás por suposta prática de ato infracional. A abordagem aqui terá como pontos
principais referências sobre a conquista, no Brasil, de direitos inscritos na Constituição
Federal Brasileira de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Conside-
rando alguns dados da Justiça Juvenil de Goiás e de aspectos extralegais que cercam
a realidade dos adolescentes aqui referidos, notadamente os aspectos relacionados ao
processo estigmatização na realidade daqueles considerados “menor infrator” e ao “es-
tado punitivo” moldado à luz das transformações do mercado, da sociedade e da cul-
tura, cuja finalidade é exercer um rigoroso controle social a partir da lógica neoliberal.
PALAVRAS-CHAVE: Adolescentes em conflito com lei; Justiça Juvenil, Neoliberalismo;
Estado Punitivo; Estigma.
706
Abstract: The aim of this paper is to present a theoretical reflection on the teenagers
conflict with the law, subject to the juvenile justice system in the State of Goiás for al-
leged commission of an offense. The approach here will have as main points references
to the conquest, in Brazil , the rights enshrined in the Federal Constitution of 1988 and
the Statute of Children and Adolescents (ECA). Considering some data of Juvenile Justice
of Goiás and extralegal aspects surrounding the reality of adolescents herein , particu-
larly the aspects related to stigmatization in reality those considered “minor offender “
and “ punitive state “ shaped in the light of market changes , society and culture, whose
purpose is to exercise strict social control from the neoliberal logic.
KEYWORDS: Adolescents in conflict with law; juvenile justice; neoliberalism; Punitive
State; Stigma
INTRODUÇÃO
A intenção deste artigo é apresentar algumas reflexões sobre a situação de ado-
lescentes em conflito com lei, submetidos ao Sistema de Justiça Juvenil do Estado de
Goiás, tema da minha pesquisa no mestrado em Sociologia da Universidade Federal de
Goiás.
Neste texto, serão abordados alguns aspectos polêmicos à cerca da situação con-
traditória existente entre a previsão expressa dos Direitos e Garantias das Crianças e
Adolescentes na Constituição Federal Brasileira de 1988 e no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA- Lei 8069/90) e a sua dissonância no âmbito do Sistema de Justiça
Juvenil.
708 Diversas lutas e movimentos organizados em prol da defesa dos direitos da criança
e da adolescência marcaram a década de 1980, mudanças estruturais nas instituições
do Estado formam reivindicadas.
Protagonizaram essas manifestações instituições religiosas, Pastoral da Criança da
Igreja Católica e o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), um
verdadeiro movimento de mobilização em defesa da infância e da juventude com a par-
ticipação de diferentes grupos de diversas faixas etárias, inclusive das próprias crianças
e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Resultado de fortes manifestações sociais e pela atenção à Declaração de Gene-
bra, datada de 1924 e da Declaração de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948
foi aprovada a Constituição Federal Brasileira de 1988, que dentre outros princípios e
normas consagrou em seu artigo 227 a proteção e o cuidado à criança e ao adoles-
cente.
E à luz das recentes orientações constitucionais e internacionais, em particular a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, institui-se o Estatuto da
Criança e Adolescente em 1990 (ECA), e a Lei do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo 2012(SINASE) as quais revogam integralmente o Código de Menores e
introduz a defesa da criança e do adolescente no Brasil.
Esse conjunto de normas definem as bases jurídicas e as diretrizes de tratamento
destinado à criança e ao adolescente em diversas situações, inclusive aos que suposta-
mente praticaram delitos, estabelecendo claramente o ato infracional como um ato de
natureza criminal, implementando-se daí por diante uma nova mecânica de controle
penal.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Esse novo sistema considerado garantista1 porque defende a responsabilização
penal do adolescente rompe com a concepção tutelar de controle social e impõe a
observância de um conjunto de direitos, entre os quais, podemos citar; o devido pro-
cesso legal; o princípio do contraditório; à ampla defesa; o duplo grau jurisdicional; a
presunção da inocência; a assistência judiciária, dentre direitos próprios de um estado
democrático de direito.
A adolescência que nas legislações menoristas de 1927 e 1979 recebiam um tra-
tamento de criminalização jurídica da pobreza, agora num giro completo passa a ser
tratada a partir da lógica do devido processo legal penal.
Porém, ao que tudo indica na prática tal mudança legislativa não significou uma
verdadeira mudança de paradigma para um modelo democrático de direitos, os ado-
lescentes pobres em conflito com a lei os “selecionados” para o aprisionamento conti-
nuaram, salvo raras exceções, recebendo o mesmo tratamento de antes.
Portanto, o reconhecimento dos direitos humanos, por mais que tenha sido produ-
to das lutas sociais históricas, um marco da redemocratização do País, não repercute
de forma concreta na vida de milhares de Crianças e Adolescentes vítimas do descaso
do poder público que não implementa políticas públicas realmente eficazes na inserção
dessas pessoas na sociedade.
De um extremo a outro o controle penal do Estado recai sob uma categoria muito
bem definida de jovens, que continuam sendo vítimas da criminalização de suas condu-
tas em razão de suas condições sociais, econômica, culturais e raciais. 709
Setores conservadores da sociedade brasileira difundem a ideia de que a violência
juvenil deve ser tratada como problema de segurança e por isso defendem adoção de
medidas severas em detrimento de políticas públicas mais coerentes com os princípios
contidos no artigo 227 da CRFB/882, no ECA3 e por estudos consistentes sobre a reali-
dade juvenil.
Os resultados desses estudos, alguns aqui apontados, servem para confrontar o
entendimento que pugna pela redução da maioridade penal para os 16 anos, de modo
a permitir a imputabilidade do menor de 18 anos.
Um Exemplo é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993 de iniciativa de
Benedito Domingos à época político do PP, atualmente pastor, advogado e empresário
1 Termo que remete a uma vertente importante da cultura jurídica italiana e designa com ela o respeito aos
princípios fundamentais do direito (penal) liberal (NT).
2 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cul-
tura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
3 Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual
e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem dis-
criminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência,
condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local
de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.
(...) na prática, menores com 16 ou 17 anos, por exemplo, têm plenas con-
dições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista
que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução
dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a
compreensão integral dos fatos da vida (NUCCI, 2008, p. 301).
ESTADO PENAL PUNITIVO, ESTIGMA E O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DE GOIÁS
Apesar do reconhecimento de direitos terem sido produto das lutas sociais histó-
ricas, um marco da redemocratização do país, isso não repercutiu de forma concreta
na vida de milhares de crianças e adolescentes vítimas da persecução penal seletiva e
severa orientada por diretrizes neoliberais denominada de “ditadura sobre os pobres”.
(WACQUANT 2001, p. 10)
Segundo Mendez (1999), o Estatuto da Criança e do Adolescente tem passado por
710
uma crise de implementação e de interpretação que se deve a não ruptura de um
modelo tutelar para o garantista, além de apontar para o déficit de financiamento e
consequente ineficiência e não efetividade das políticas voltadas para a proteção das
garantias preconizadas tanto pela CFRB quanto pelo ECA.
No contra fluxo das ações afirmativas o que presenciamos é a reiteração do discur-
so que exacerba a periculosidade das condutas de adolescentes em conflito com a lei
culpando-os pelo aumento da violência nas cidades brasileiras.
Além disso, o controle social marcado pelo discurso da tolerância zero, do medo, da
segurança máxima, da punição, da criminalização das relações sociais está relacionado
à ideia da responsabilização do indivíduo por sua própria situação.
A “alegoria cultural da responsabilidade individual” é a resposta apresentada para
justificar a pobreza daqueles que supostamente não souberam aproveitar as possibili-
dades que lhe foram oferecidas, não podendo assim, atribuir aos outros ou ao Estado
os seus fracassos (WACQUANT, 2012).
A seletividade do Sistema de Justiça Juvenil corrobora para uma identificação este-
reotipada dos adolescentes atores de ato infracional, ainda chamados de “menor delin-
quente”, reforçada pelos meios de comunicação e pela ação dos agentes de segurança,
conduzindo ao conformismo e a aceitação de que essas circunstâncias são normais.
Goffman (1988) oferece uma chave importante para a compreensão da situação
do adolescente em conflito com a lei, para ele a normalidade é uma construção social
4 Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação es-
pecial.
“Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua in-
ferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algu-
mas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as
de classe social. Utilizamos termos específicos de estigma como aleijado, 711
bastardo, retardado.”(GOFFMAN, 1988, p.15)
O adolescente em conflito com a lei possui uma identidade social marcada pelo
desvio, seja pelo conhecimento de sua trajetória, seja por seus atributos pessoais, como
forma de vestir, andar e falar que identificam sua origem social e que são usualmente
associados a uma série de estereótipos ligados à marginalidade.
Com ressalvas, o autor define estigma como sendo uma relação entre atributos e
estereótipos que, se assumido pelo estigmatizado como condição já conhecida o tor-
nam desacreditado, e nos casos em que não é conhecida pelos presentes nem imedia-
tamente perceptível estaremos diante do desacreditável.
À medida que o estigma corresponde a um afastamento dos padrões convenciona-
dos como socialmente legitimados, as relações entre os normais e os estigmatizados,
encontram-se ameaçadas.
Aplicando-se esse entendimento para compreender a posição do adolescente em
conflito com a lei, os normais tendem a ver sua liberdade como uma constante ameaça
à ordem, situação capaz de alterar profundamente seu relacionamento com a socieda-
de. Devido à quebra dos padrões convencionados há uma imposição de limites pela
sociedade à aceitação do estigmatizado, impedindo, em alguns casos, que ocorra a
chama de normalização, situação em que um normal pode tratar um estigmatizado
como igual. Situação em que podemos situar o adolescente em conflito com a lei, que
para ser aceito como normal, deve passar por um processo de ajustamento, para aten-
der as expectativas que sociedade espera para seu estigma. (GOFFMAN, 1988, p. 40).
5 O art.2 do ECA considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela
entre doze e dezoito anos de idade. Diferenciação decorrente de política legislativa, que leva em conta uma
média da época provável de transição da infância par adolescência, com o escopo de disciplinar a responsa-
bilidade pelo ato infracional.
Outro dado importante, constante na tabela do documento acima referido é o que in-
dica o percentual de atendimento nas Unidades Socioeducativas de acordo com a cor em
6 Conforme o artigo 112 do ECA, as medidas socioeducativas podem ser de seis tipos: I- Advertência; II-
Obrigação de reparar o dano; III- Prestação de serviços à comunidade; IV- Liberdade assistida; V- Inserção no
regime de semiliberdade; VI- Internação em estabelecimento educacional. (BRASIL,1990).
Essa nota técnica apresenta três achados em relação à situação real vivida
pelas crianças e adolescentes no Estado de Goiás. A primeira é que esse
grupo etário é vítima e não agente da violência criminalizada (homicídios):
Goiânia mata mais adolescentes do que São Paulo e Rio de Janeiro. Os
atos infracionais praticados por esses jovens são majoritariamente peque-
nos delitos contra patrimônio e não contra a vida. (LIMA, et. al., 2015). 715
Reduction of legal age and selectivity : A Legislative Review About the criminal
responsibility of children and adolescents in Brazil
Abstract: Against the rights guaranteed since the Constitution of 1988, the Brazilian
people watch the progress of ultraconservative movements that endanger individual
guarantees conquered so so hard in the post-military dictatorship years. One of these
setbacks concerns the rights of children and adolescents who are clearly being threa-
tened with the proposal to reduce the age of criminal. In this perspective, this article
is scoped to a legislative review of the (im) criminal putabilidade of children and ado-
lescents in Brazil and secondly, to show that the criminal justice system is selective and
ultra-penalty makes us move towards a criminal law emergency, with merely symbolic
effects, since the selectivity of the prison system remains face the “dangerous classes”.
So in the end, this paper concludes that the possible reduction of criminal responsibility
would involve the expansion of the youth victimization due to proven selectivity and
violence of the Brazilian punitive system and would not solve the problem of violence
to which we are submitted daily.
Keywords: Criminal majority; Enforcing rights; Teens.
Art. 13. Se se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem co-
metido crimes obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás ca-
sas de correcção, pelo tempo que ao juiz parecer, com tanto que o reco-
lhimento não exceda a idade de dezesete annos.
6 Local onde se fizesse “valer a educação, onde havia punição” , segundo Jesus (2006.).
Art. 30. Os maiores de 9 annos e menores de 14, que tiverem obrado com
discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes,
pelo tempo que ao juiz parecer, comtanto que o recolhimento não exceda á
idade de 17 annos.
724
2.6 Constituição Federal de 1988
Prevê o artigo 228 da Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, que “São
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial”. Somando-se a esse dispositivo, temos o art. 27 do Código Penal, que repro-
duz a norma constitucional, ao determinar que “Os menores de 18 (dezoito) anos são
penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação espe-
cial”. A partir da interpretação dos dispositivos citados, entende-se que a Constituição
garante ao menor de dezoito anos, a qualidade de inimputável, estando este submetido
às normas da legislação especial – Estatuto da Criança e do Adolescente, objeto de
análise no próximo tópico.
É com a Lei 8.069/90, o ECA, que, de acordo com Segundo (2014), pela primeira vez,
faz-se a distinção entre o adolescente infrator e aquele em situação de abandono, tanto
familiar quanto por parte do Estado.
O ECA garante políticas públicas visando àqueles jovens vitimizados, aqueles que não
tiveram seus direitos respeitados, tendo por base a teoria da proteção integral à criança
consagrada na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e da Organização
das Nações Unidas (1989) e na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), bem
como na Constituição Federal/1988, além de prevê medidas socioeducativas voltadas
àqueles adolescentes em conflito com a lei, dispondo que, quando da prática do ato
infracional, estão os autores sujeitos às medidas socioeducativas impostas pelo art. 112,
que variam da advertência até a internação, a depender da gravidade do ato.
No que se refere à imputabilidade penal, o ECA, em seu art. 2º, cuidou de definir
aqueles que podem ser atingido com os efeitos dessa lei, ou seja, “criança, a pessoa
até doze anos de idade incompletos, e adolescente, aquela entre doze e dezoito anos
de idade”. De igual modo, instituiu a punição para os adolescentes autores de atos
infracionais, impossibilitando que fiquem impunes. Nesse sentido, o Art. 104, tem a
seguinte redação: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às medidas previstas nesta Lei”. 725
726
3.1 Inconstitucionalidade e Ineficácia da alteração legislativa proposta
Seguindo para uma análise sob a ótica constitucional do referido projeto, ao con-
siderar a redução da maioridade penal, verificamos que o artigo 60, § 4º da CF/88,
traz o rol de matérias relativas às emendas constitucionais, e em seu inciso IV, veda a
possibilidade de EC tendente a abolir direitos e garantias individuais. É esse um dos
maiores argumentos jurídico que sustenta o debate da impossibilidade de redução da
maioridade penal.
No ordenamento jurídico brasileiro, a irredutibilidade etária encontra base no ar-
tigo 228 da CF/88, artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 27 do
Código Penal Brasileiro e ainda em tratados internacionais firmados pelo Brasil.
Analisando o art. 228 da Constituição Federal de 1988, encontramos um direito
individual fundamental, portando, cláusula pétrea, inalterável, exatamente por se tratar
de uma disposição que traz uma garantia individual. Além disso, temos a impossibili-
dade de proposta de emenda constitucional tendente a abolir ou restringir direitos e
garantias individuais, trazida pelo já mencionado art. 60, § 4º, IV, da CF/88. Como esse
último dispositivo trata-se de uma cláusula intangível, o poder constituinte derivado
não pode alterá-lo.
Somando-se a inconstitucionalidade, há outro argumento de extrema relevância
que merece ser destacado: à ineficácia das alterações das leis, que, em sua maioria, ape-
nas atendem a um clamor da sociedade, surtindo efeito meramente simbólico e incapaz
de reduzir de maneira significativa à criminalidade.
Se 156 leis penais novas não funcionaram, qual a base empírica para se acreditar
que uma nova lei, justamente a decorrente da PEC 171/93 (Proposta de Emenda Cons- 727
titucional); seria diferente?
O trecho acima escrito por Waiselfiz (1998), como uma das conclusões do Primeiro
Mapa da Violência, veio confirmar os resultados obtidos na pesquisa de Silva (1997),
quando verificou que:
Outros estudos apontam que a violência, dentre outros motivos, está ligada à
pobreza, à miséria cultural e ao enfraquecimento do Estado Democrático de Direito.
Apontam ainda que “a maioria dos internos de instituições que visam à reeducação de
menores é habitante de regiões marginalizadas socialmente e de alta periculosidade
criminosa. Regiões essas que ultrapassam os limites temporais da história”, conforme
Bregalda (2007).
Nessa senda, estudos atuais revelam que o panorama nacional apresenta uma taxa 729
de homicídio entre jovens8 negros 155% maior do que a de jovens brancos, na evidên-
cia de como a violência tem sido seletiva no país e da necessidade de implementação
de políticas públicas focalizadas para este grupo de risco (BRASIL, 2015).
No que se refere ao problema de vitimização de jovens, Waiselfisz (2011), é categó-
rico ao afirmar que:
8 Jovens, neste trabalho, deve ser entendido como pessoas entre 15 e 29 anos de idade anos, de acordo com
o Estatuto da Juventude- Lei nº 12.852/2013.
No que se refere aos homicídios, tendo adolescentes como vítimas, Waiselfisz (2014)
percebeu que em 2012, houve um aumento expressivo dos números de homicídios a
partir dos 13 anos de idade: “as taxas pulam de 4,0 homicídios por 100 mil para 75,0 na
idade de 21 anos. A partir desse ponto, há um progressivo declínio (64,3 homicídios/
100mil habitantes, 25 anos; 56,1/100mil habitantes; 50,6 homicídios/100 mil habitan-
tes)”. O autor cita ainda que “nessa faixa jovem, o Brasil possui taxas de homicídio que
nem países em conflito armado conseguem alcançar” (Waiselfisz, 2014).
No que se refere aos dados de atos infracionais análogos ao crime de homicídio,
utilizando-se de dados do 7º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2013),
observamos que foram registrados 1.963 no Brasil em 2012. Contrastando com esse
730 dado, temos a ocorrência de 47.094 crimes de homicídios na mesma época. Mas, tão
somente 4% destes homicídios foram praticados por menores de 18 anos, ou seja,
foram enquadrados como ato infracional análogo ao crime de homicídio. Além disso,
dos mortos em homicídios em 2012, 53,37% eram jovens, 77% eram negros (pretos e
pardos) e 93,3% do sexo masculino. No mesmo ano a taxa de óbitos (por 100 mil habi-
tantes) para a população não jovem foi de 18,5, sendo que para a população jovem este
número sobe para 57,61. Diante do contexto apresentado, os jovens do país represen-
tam o maior número de vítimas e não criminosos.
Os números trazidos – de fontes diversas – justificam os motivos pelos quais o Brasil
ostenta a posição de país com uma das maiores taxas de homicídio do mundo. Em vista
disso, o expressivo aumento da mortalidade de jovens – sobretudo, dos jovens negros
–, conforme apontado Custódio (2014), é uma questão que deve ser encarada do ponto
de vista da política pública e não se enfatizar apenas a autoria de crimes graves come-
tidos por jovens.
Coimbra (2011) ressalta que a preocupação com a criminalidade infanto-juvenil
funciona, na realidade, mais como um instrumento de marginalização da população
pobre do que uma ampliação e um reconhecimento dos direitos civis dos jovens,
pois,
Essas “classes perigosas” são as que povoam o sistema carcerário doo país. Dados
do Sistema Integrado de Informação Penitenciária (INFOPEN) indicam que jovens entre
18 e 29 anos representam 54,8% da população carcerária brasileira e, em sua maioria,
são negros, com baixa escolaridade e moradores de bairros periféricos, apontando para
a seletividade do cárcere e o dado fático de que os jovens já são a população-alvo do
sistema prisional.
Além disso, é um consenso que a prisão nos moldes que se opera no país, é um
fracasso: um espaço inadequado para atender aos princípios de moderação das penas
e de reeducação daqueles que infringem a lei, embora tenha surgido para humanizar as
antigas penas de martírio. Cada vez mais, há notícias de que o contexto prisional não é
saudável e que nele são encontradas situações que denunciam danos à pessoa que se
encontra em regime de privação de liberdade, resultando em agravos biopsicossociais
e retroalimentação da violência.
O último relatório da ONU, divulgado em 2006 e confirmado por outro relatório
da Associação Internacional de Advogados (IBA), apresentado no 12º Congresso da
ONU de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal em abril de 2010, na cidade de Salva-
dor – Bahia, ressalta a precariedade das condições das prisões que são caracterizadas
por superpopulação, insalubridade, confinamento permanente, violência entre orga-
nizações criminosas, mas também aponta o aumento de investimentos na área e o 731
esforço governamental para expandir o sistema. O relatório do IBA é contundente ao
afirmar que “o sistema de Justiça criminal brasileiro parece ser tão ruim em punir os
culpados quanto em proteger os inocentes” (IBA, 2010, p. 9). E vai além ao constatar
que seu relatório é consistente com diversos outros documentos de direitos humanos
sobre abusos no sistema prisional brasileiro, das duas últimas décadas. Como pouca
coisa mudou deste então, fora o grande crescimento do número de pessoas encarce-
radas (nos últimos cinco anos, esse número cresceu 37%), questiona o relatório: “Uma
sensação de dèjá vu?”.
Outro relatório, elaborado pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara
Federal sobre o sistema carcerário (BRASIL, 2009a), após oito meses de trabalho, con-
cluiu que “a situação do sistema prisional é um caos”. Os parlamentares encontraram
presídios superlotados, condições insalubres das celas (ratos, esgoto a céu aberto),
refeições inadequadas, corrupção, falta de pessoal, dentre outros. Citam diversas uni-
dades prisionais e colocam uma das unidades prisionais da Bahia dentre aquelas em
pior situação. As condições gerais encontradas no sistema penitenciário brasileiro
levaram o deputado Domingo Dutra a afirmar que “grande parte dos presídios visita-
dos não serve nem pra bichos”. Situações que despojam a pessoa presa de sua huma-
nidade foram citadas, como por exemplo, oferecer a alimentação em sacos plásticos
para ser comida com a mão porque não há talheres; usar creolina – produto prescrito
para animais – nas afecções de pele por falta de assistência adequada à saúde, dentre
outros.
Neste cenário, será que é possível pensar que a ampliação do encarceramento da
população jovem irá diminuir os índices de violência?
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
6. Retrocesso na promoção dos direitos humanos e a ausência de políticas pú-
blicas
Da interpretação das palavras do saudoso Cesare Beccaria, ao criticar a atividade do
legislador, extrai-se o entendimento de retrocesso:
Assim, ao mesmo tempo em que incumbe ao Estado zelar pela garantia dos direitos
humanos fundamentas, em determinadas situações, ele atesta sua incapacidade de de-
sempenhar essa função constitucionalmente imbuída, e atua também como violador de
suas próprias normas, compactuando e legitimando a prática de crimes. É nesse sentido
que defendemos que a eventual aprovação da EC 171/93, caracterizará um retrocesso
jurídico-penal, na atual conjuntura brasileira.
Primeiro, porque, como alhures demostrado, resta claro que a proposta de EC
171/93, é de absurda inconstitucionalidade, em razão de tal alteração acarretar desres-
peito a uma cláusula pétrea da Constituição Federal e ofender diretamente a soberania
do Estado Democrático de Direito, além de atingir todo o ordenamento que versa sobre
732 os direitos da criança e do adolescente, Código Penal e Processo Penal, bem como os
tratados em que o Brasil é signatário.
Compartilhamos do mesmo entendimento de Hathaway (2015), ao asseverar que:
7. Considerações finais
Diante do exposto no presente trabalho, constatamos o descabimento de uma pro-
posta que vise a possibilidade de redução da maioridade no Brasil, ao menos, em um
734 Diante desse contexto, enfrentar a criminalidade juvenil é uma tarefa árdua que o
Estado brasileiro terá de fazer. Devemos desmascarar o preconceito social e institu-
cional, ainda vigente, e atuar sobre as causas das desigualdades sociais enraizadas em
nosso sistema jurídico penal e não em seus efeitos. Carecemos de significativas melho-
rias na educação, saúde, cultura e lazer e ainda propiciar oportunidades de estudo e
trabalho que visem assegurar os direitos e garantias constitucionais básicos.
Diante disso, devemos nos conduzir a outras reflexões e buscar alternativas efi-
cazes, especialmente, porque, no cenário atual, o perfil das pessoas encarceradas, de
acordo com dados do IBGE (2010), é majoritariamente de jovens (mais de 70% com
idades entre 18 e 34 anos), negros e pardos (mais de 60% afrobrasileiros), de baixa es-
colaridade (5% analfabetos, 11,34% apenas alfabetizados, 46,42% sem ter completado
o ensino fundamental de nove anos; 17,32% sem ter completado o ensino médio) e de
baixa renda. Além disso, a população de jovens encarcerados é maior que a população
geral de jovens brasileiros: 56% da população prisional é composta por jovens e faixa
etária compõe apenas 21,5% da população total do país.
A redução da maioridade penal, nos moldes que esta sendo proposta, não significa
outra coisa senão “encarceramento precoce”, principalmente da população negra e po-
bre, que é o alvo do sistema, como demostrado acima.
O Brasil precisa reestruturar o sistema de sanções estabelecidas pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, visando melhor equipar as instituições de cumprimento de
medidas socioeducativas, com o objetivo de oportunizar, dentro do período de cum-
primento da punição, uma formação técnico-profissional dos adolescentes infratores,
além de acompanhar estes menores após o cumprimento da medida.
8. Referências
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em: 04/10/2015.
INTRODUÇÃO
A violência, de uma forma geral, tornou-se um tema de presença constante nas
discussões de cunho social nos tempos atuais, em especial a violência que vitimiza
crianças, adolescentes e jovens.
Em se tratando de aspectos mundiais, o surgimento de inúmeros movimentos so-
ciais em defesa dos direitos da criança e do adolescente tem sua origem na década de
1960. No Brasil, porém, esse caminho foi lento, tendo seu início em 1979 com a criação
do Código de Menores. No ano de 1989, a Convenção Internacional dos Direitos da
Criança da ONU (Organização das Nações Unidas) marcou definitivamente a transfor-
mação das políticas públicas voltadas a essa parcela da população, culminando assim a
criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído como Lei Federal nº
8.069, em 13 de julho de 1990.
A Carta Magna brasileira de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, por enfati- 737
zar a defesa da vida, dos valores éticos e da solidariedade, assegura que as crianças e os
adolescentes possuem prioridade absoluta. Esses princípios afirmados geram direitos
que visam resguardar a vida em seus aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais,
afetivos; enfim o desenvolvimento integral do ser. Contudo, lamentavelmente, a rea-
lidade vivenciada no contexto social como um todo, revela o descaso, a negação e o
descumprimento desses direitos por parte do Estado, da família e da sociedade.
Nesse sentido, ao apresentar proposições para discussão desta abordagem envol-
vendo a infância e juventude, deve-se inicialmente considerar que se trata de vidas em
fase especial de desenvolvimento e formação e, portanto em situação de vulnerabilida-
de, sujeitas às muitas formas de violência e violação.
Dessa forma, o presente ensaio apresenta uma discussão sobre a violência contra
este grupo etário, considerada enquanto graves violações dos direitos destes indivídu-
os que por se encontrarem em situação de vulnerabilidade, costumam serem vítimas de
diversas formas de violência seja ela física, sexual, psíquica e até mesmo letal.
No decorrer das discussões relata-se uma reflexão sobre o conceito de Violência e a
Violação de direitos, apresentando alguns aspectos sobre as várias formas de violência
sofridas por crianças, adolescentes e jovens. Para tanto, utilizou-se de dados contidos
em pesquisas e relatórios que revelam números preocupantes sobre a temática abor-
dada, a visão de diversos autores que discute estas questões, além de analisar também
as determinações do arcabouço jurídico oferecido pela legislação brasileira.
Sendo a violência infanto-juvenil um fenômeno social com consequências devasta-
Para o Direito, essa compreensão é vital, pois toda ação violenta é violado-
ra de um direito (direito a vida, direito a integridade física, direito à inte-
gridade psíquica, direito a liberdade sexual); consequentemente, proteger
um direito, impedir sua violação requer um ordenamento jurídico voltado
para formas de ação que impeçam, preventivamente, a ocorrência dessas
ações e que, reparadoramente, minimizem seus efeitos. (BITTAR, 2002:552)
A violência sexual pode ser evidenciada sob várias formas e apresenta ma-
neiras diferenciadas de expressão, tais como: estupro, incesto, atentado
violento ao pudor, de acordo com a conceituação jurídica; abuso sexual
e exploração sexual comercial (prostituição), conforme conceituados pela
sociologia e antropologia. . (QUEIROZ 2001:1)
Dessa forma, a violência contra crianças e jovens no Brasil tem sido uma das princi-
pais preocupações da sociedade, já que se trata de um problema produzido socialmen-
te que tem afetado desde as grandes metrópoles até a mais interiorana das cidades.
Essa realidade foi constatada em pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública e o Ministério da Justiça sobre a exposição do jovem à violência. Divulgada pelo
Jornal Estadão (Nov, 2009), a pesquisa aponta que os dez municípios mais violentos
do país estão fora do eixo Rio-São Paulo e, portanto fora de regiões metropolitanas. Se-
gundo a pesquisa municípios do interior como: Itabuna, Camaçari e Teixeira de Freitas,
na Bahia, Cabo de Santo Agostinho e Joboatão dos Guararapes, em Pernambuco, Serra
e Linhares, no Espírito Santo, Marabá (PA), Foz do Iguaçu (PR) e Governador Valadares
(MG) ocupam as primeiras posições em risco de violência.
Percebe-se então que a violência infanto-juvenil tem provocado alteração na pirâ-
mide etária e expectativa de vida da população jovem no Brasil, já que segundo a refe-
rida pesquisa os índices de homicídios envolvendo jovens e adolescentes tem tomado
proporções preocupantes:
744 O levantamento conclui que a faixa etária com maior risco de perder vidas
por causa da violência letal é aquela entre 19 a 24 anos. Usando metodolo-
gia criada pelo Laboratório de Análise da Violência, da UERJ, o IVJ – Violên-
cia prevê que 5,0 jovens morrerão por homicídios antes de completarem
24 anos no Brasil, enquanto, na faixa etária de 12 a 18 anos, a estimativa é
de que 2,38 adolescentes morram antes de completarem os 18 anos. Entre
jovens adultos de 25 a 29 anos, a expectativa é de que morram 3,73 jovens
antes dos 29 anos (CONCEIÇÃO, A. ESTADÃO, NOV, 2009).
CONSIDERAÇOES FINAIS
745
A problemática da violência e violação de direitos contra a infância e a juventude
tem ganhado as discussões e assumindo posição de destaque entre os órgãos gover-
namentais e os diversos entidades de proteção e defesa deste grupo etário, consideran-
do a prioridade do mesmo, inclusive nas políticas públicas determinadas tanto na legis-
lação brasileira quanto nas determinações mundiais. Percebe-se que, com a ampliação
destas discussões a sociedade tem se voltado mais para a preservação e proteção das
crianças e adolescentes.
Diante disso, os direito da criança e do adolescente sofreram ao longo dos anos
considerável evolução e ampliação, tendo em vista a necessidade de promover e asse-
gurar medidas eficazes para o desenvolvimento integral destes sujeitos de direitos que
por sua vez devem ser protegidos preservados de toda forma de negligência, omissão
ou violência.
Entretanto, apesar de haver um grande movimento da sociedade para diminuição
dessa violência e considerados avanços na legislação, especialmente na década de 90
com a aprovação do estatuto da criança e do adolescente e criação de políticas públi-
cas de defesa e proteção desses sujeitos de direitos, ainda se verifica altos índices de
violência praticada contra a infância e juventude no Brasil, vitimizando esta população,
muitas vezes no próprio contexto familiar e social que ao invez de proteger; violenta-os
física, psíquica e afetivamente; comprometendo assim o desenvolvimento sadio, ferin-
do a integridade, a dignidade e até mesmo ceifando a vida destes indivíduos.
A Constituição Federal foi um enorme avanço, contribuindo de forma relevante,
trazendo em seu bojo uma nova perspectiva de tratamento e proteção a estes sujeitos
BIBLIOGRAFIA
746 ADORNO, Rodrigo. A violação dos Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente no Brasil.Arti-
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2010.
3.436
Violência Física 1.719 1.717
4.340
Violência Psicológica 2.177 2.163
13.250
Abuso Sexual 3.092 10.158
748
2.897
Exploração Sexual 258 2,629
4.073
Negligência 2.145 1.928
27.986
Total 9.391 18.595
1. Objetivo
O trabalho objetiva analisar o processo (em andamento) de disseminação da meto-
dologia do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento da Violên-
cia Sexual Infanto-Juvenil (PAIR) em 10 (dez) municípios da região do rio Xingu/PA, to-
dos afetados pelos impactos socioambientais da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE
Belo Monte), visando observar de que modo a condução de suas etapas possibilitam
o fortalecimento da atuação da rede de proteção e das políticas públicas no enfrenta-
mento à violência sexual contra crianças e adolescentes, um dos principais problemas
acirrados com a dinâmica de implantação da grande obra
750
2. Metodologia
A disseminação da metodologia PAIR é realizada no âmbito do projeto “PAIR Xingu:
implantação do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento da Vio-
lência Sexual Contra Crianças e Adolescentes nos municípios da região do rio Xingu”.
Trata-se de uma metodologia de fortalecimento de redes de proteção municipais
para a melhoria das formas de enfrentamento da violência sexual contra crianças e
adolescentes, através do fomento da articulação político-institucional, elaboração de
diagnósticos locais, construção de plano municipal da temática, formação continuada,
assessoria técnica e monitoramento do cumprimento das medidas previstas no plano
municipal temático.
Tal metodologia de execução das atividades de disseminação do PAIR encontra-se,
na atualidade, no encerramento da fase de construção dos planos municipais de en-
frentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, num total de 10 planos
elaborados, que possibilitam um melhor planejamento de curto, médio e longo prazo
da rede de proteção, para a organização das ações e projeção das medidas a serem
efetivadas, enquanto direitos de crianças e adolescentes, dentro dos eixos de mobili-
zação social e comunicação, prevenção, atenção, defesa e responsabilização, estudos e
pesquisam, e protagonismo infanto-adolescente.
3. Conclusões
751
O desenvolvimento de uma série de etapas para a formulação de políticas públicas
de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, de forma articula-
da e intersetorial, nutre-se e alimenta o fortalecimento das redes locais, especialmente
num cenário de intensas mudanças socioambientais promovidas pela implantação da
UHE Belo Monte.
Por serem municípios com um histórico de ausência ou carência de atuação estatal
para garantia de direitos sociais básicos, além de barreiras sociais, econômicas e cultu-
rais para entendimento da sexualidade e dos direitos sexuais de crianças e adolescen-
tes, é certo que dificuldades são encontradas, sobretudo quando se pretende enfatizar
a prioridade absoluta de crianças e adolescentes na definição/execução das políticas
públicas e do orçamento público, assim como no tratamento como protagonista das
ações a serem definidas/cumpridas.
No entanto, entende-se que a condução do projeto tem possibilita uma maior visi-
bilidade e debate público sobre a temática da violência sexual nos municípios, ajudan-
do a desnaturalizar determinadas compreensões de senso comum (por vezes arraigada
na própria percepção/conduta dos profissionais da rede de proteção), assim como es-
timular o trabalho em rede, com foco na intervenção intersetorial.
II - OBJETIVOS
Fazer um levantamento do Direito Brasileiro sobre a Alienação Parental e tentar
responder o problema de pesquisa.
III - METODOLOGIA
Este trabalho tem como base o método de pesquisa exploratório, visto que pretende pro-
porcionar maior familiaridade com o tema abordado, com o intuito de torná-lo mais explícito
e identificar os fatores que contribuem e/ou determinam tais situações. E, com base nos procedi-
mentos técnicos, este projeto se utilizará de pesquisa bibliográfica baseada em material
já elaborado como: artigos científicos, livros, etc.
IV - CONCLUSÕES
No Ano de 1985 o Doutor e Professor de Psiquiatria Richard Gardner, descreveu
e conceituou um problema existente em larga escala nas sociedades há tempos, pro-
752 blema este que se manifesta em vários casos de separações, impactando diretamente
no convívio familiar, mas que ate meados da década de 80 ainda não tinha recebido
a importância merecida. Com isso vimos a necessidade de fazer um levantamento do
Direito Brasileiro sobre a Alienação Parental e tentar responder o problema de pesquisa,
que consiste na seguinte indagação: Como o direito Civil tenta solucionar a questão da
Alienação Parental e seus reflexos negligenciares dos dispositivos constitucionais? Res-
pondendo a isso, elaboramos uma síntese da Alienação Parental no histórico jurídico
brasileiro e sua relação com o Direito Civil. Assim baseamos nosso trabalho em um mé-
todo de pesquisa-exploratória, com o intuito de tornar o tema mais explícito e identifi-
car os fatores que contribuem e/ou determinam tais situações, utilizando de pesquisa
bibliográfica fundamentada em material já elaborado. O tema é complexo e exige um
estudo aprofundado, assim entendemos que o reconhecimento de tal situação é de
extrema importância, principalmente no sentido de dotar operadores do direito desse
assunto, a fim de solucionar os conflitos que existam.
V - REFERENCIAS
ARAÚJO,Ynderlle Marta de . A Alienação Parental no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/artigos/detalhe/876. <Acesso em 20/05/2013>
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planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2010/Lei/L12318.htm. <Acesso em: 20/05/2013.>
GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental
(SAP)?Tradução Rita Rafaeli. Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade de Medicina e Cirurgia da
Universidade de Columbia, New York, New York, EUA, 2002. Disponível em: http://www.alienacaoparental.
com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente <Acesso em: 20/05/2013>
II. OBJETIVOS:
Objetivo geral: Analisar a contribuição da Rede de Enfrentamento à Violência Sexual
contra Crianças e Adolescentes em Pernambuco para a Campanha Nacional do Dia 18
de maio (Dia Nacional de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes).
Objetivos específicos:
Compreender a importância do enfrentamento à violência sexual contra crianças e
adolescentes.
Identificar o papel da Rede de Enfrentamento de Pernambuco na Campanha do 18
de Maio.
IV. CONCLUSÕES
A violência contra crianças e adolescentes deixa de ser compreendida como natural
e ao longo dos anos se consolida a ideia de que é um crime contra os direitos desse
segmento da população. Especificamente sobre a violência sexual, estudos dão conta
que esse tipo de violência se manifesta através da “...utilização do corpo dessas crianças
e adolescentes por alguém que visa, com isso obter satisfação sexual ou algum ganho
de natureza material.” (Mendonça 2015 P. 251)
Para o enfrentamento desse fenômeno é preciso avançar na sua visibilidade e com-
preensão. Nesse sentido, a luta contra a violência sexual cometida em crianças e ado-
lescentes deve ser algo contínuo, apesar dos grandes avanços conquistados a partir da
década de 90, temos muito que agir para efetivar a garantia dos direitos das crianças e
adolescentes.
Importante estratégia no enfrentamento do fenômeno é a constituição de redes. Em
Pernambuco, no ano de 1995, foi criada a Rede Estadual de Combate ao Abuso e Explo-
754
V. REFERÊNCIAS
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www.portaisgoverno.pe.gov.br/web/cedca/exibir_artigo?groupId=81019&articleId=8427820&templa-
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SOUZA, Edinilsa Ramos de (org). Curso Impactos da Violência Sobre a Saúde. – Rio de Janeiro. ENSPFIO-
CRUZ, 2007.
II. OBJETIVOS:
Objetivo geral: Avaliar o papel do judiciário no processo histórico de adoção no
Brasil.
Objetivos específicos:
Compreender a história da adoção no Brasil e
Analisar as mudanças ocorridas nas leis, que desencadearam no surgimento do
atual Cadastro Nacional de Adoção (CND).
III. METODOLOGIA:
A presente pesquisa caracteriza-se por uma revisão bibliográfica onde se busca
compreender o papel do judiciário brasileiro no processo de adoção no Brasil em uma
perspectiva histórica. Pelo seu caráter qualitativo, buscou-se investigar as minúcias con- 755
tidas nas legislações que tratam dos direitos da criança e do adolescente, analisando o
contexto histórico e buscando melhor entendimento do tema.
Para compreensão do processo de adoção no Brasil e papel do judiciário, foram
analisadas legislações nacionais, tais como Código de Menores de 1927; Código de Me-
nores de 1979; Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da criança e do Adolescente
de 1990 e a Nova Lei de Ação de 2009 e finalizando com a análise do Cadastro Nacional
de Adoção de 2009/2010.
VI. CONCLUSÃO:
A referente conclusão identifica que o atual processo de adoção no Brasil é fruto de
uma construção histórica advinda da mobilização da sociedade civil, dos movimentos
sociais e do judiciário. A partir de 1927, o Estado passa a interver na infância e adoles-
cência sendo o judiciário responsável pela efetivação do Código de Menores (conhe-
cido como Código Mello Mattos) e pelo processo de adoção. Em 1979, outro Código
é redigido no contexto da ditadura militar. Em geral, o novo Código não apresentou
grandes mudanças em relação ao enfrentamento da problemática do abandono de
crianças mas, em relação ao judiciário, passa a ser responsabilidade do mesmo a garan-
tia da saúde e da educação desse segmento.
Com o fim da ditadura militar em 1985, é necessária a afirmação da democracia
e dos direitos de cidadania. Assim é formulada a Constituição Federal de 1988, que
apresenta a base dos direitos da criança e do adolescente, a partir do artigo 227, re-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
gulamentado a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente 1990. Especificamente
sobre adoção a Nova lei sobre o assunto, de 2009, contribui para a criação do Cadastro
Nacional de Adoção (CNA) com o objetivo de melhorar o processo de adoção em todo
território nacional. O Cadastro garante ao judiciário acesso aos dados disponíveis, e as
possíveis famílias que se interessam em adotar, a se cadastrar virtualmente, demostran-
do um avanço significativo no processo de adoção.
Nesse sentido, o marco legal brasileiro de garantia dos direitos de crianças e ado-
lescentes, apresenta grande avanço em relação a adoção de crianças, sendo criados
mecanismos legais que inibem processos ilegais de adoção de crianças, antes muito
comuns na realidade brasileira, quando o antigo juiz de menores podia retirar a criança
de sua família natural baseado nas condições socioeconômicas da família. Hoje, as leis
atribuem um papel ao juiz da infância e juventude, que os impede de afastar as crianças
de suas famílias pela condição de carência, apresentando todo um procedimento legal
que afasta a subjetividade desses juízes.
V. REFERÊNCIAS:
BRASIL. Cadastro Nacional de Adoção: Guia do Usuário. 2009. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/progra-
mas-e-acoes/cadastro-nacional-de-adocao-cna>. Acesso: 27/05/2016.
________. Código de Menores, DECRETO Nº 17.943 (1927). Rio de Janeiro, RJ: Senado, 1927. Disponível em:
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________. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
756
________. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Brasília. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em 27/05/2016.
________.Nova Lei de Adoção, Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm>. Acesso: 27/05/2016.
Concelho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção, de maio de 2009. Disponível em: <http://www.
cnj.jus.br/images/programas/cadastro-adocao/guia-usuario-adocao.pdf>. Acesso 28/05/2016.
758
Abstract: This study aims to promote a descriptive and reflective analyses, from a qual-
itative approach, about the elements of the prostitution regulation in Brazil, the law
project 4211/2012 also known as “Gabriela Leite” a proposal made by the congressman
Jean Wyllys, from “Socialismo e Solidariedade” party in Brazil ((PSOL). The methodology
used to make data categorization and principals analysis was the Grounded theory, for-
mulated by American sociologists Glaser and Strauss. The project grounding is focused
in four mains aspects: the autonomy of the individual working in the prostitution world,
the control of the activity by the State, the health of the sex workers and Work Rights.
With the analysis of this aspects, other inquires submerged, and they also need to be
debated in order to procure a law project that is humane and more equal.
Keywords: Prostitution; Regulation; Bill 4211/2012; Brazil.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo resulta da pesquisa analítica acerca dos discursos parlamentares
que fundamentaram o Projeto de Lei nº 4.211/2012, que visa a regulamentação da pros-
tituição no Brasil, conhecido como Projeto de Lei Gabriela Leite.
O acirramento da repressão policial no contexto ditatorial na década de 1980 foi
estopim para o início de uma organização dos movimentos sociais em defesa dos di-
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão GT 6. Gênero, sexualidade e direito do VI Seminário Direitos,
Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
760
2. MULHER, PROSTITUIÇÃO E TRABALHO
A necessidade de relativizar a máxima “a prostituição é a profissão mais antiga
do mundo” nos é apresentava por diversas pesquisadoras, tais quais Carole Paterman
(1988, apud CAPELA, 2013), contrária à prostituição enquanto prática, quanto Margare-
th Rago (2011, apud AFONSO E SCOPINHO, 2013), defensora da ideia de que a prosti-
tuição é uma profissão e por esta razão deve incluir todos os direitos garantidos ao tra-
balhador. Ambas as autoras afirmam não ser correta a associação do termo prostituição
às práticas sexuais ilícitas realizadas nos primórdios da humanidade.
Para Rago (2008):
A mulher negra ocupava tanto uma função dentro do sistema produtivo de bens e
serviços quanto um papel sexual. Neste sentido, a utilização da mulher negra escraviza-
da como mero instrumento do prazer do seu senhor gerava a reificação desta mulher
e o fruto destas relações criou um foco de tensões sociais e culturais no Brasil, pois os
filhos extraconjugais nasciam mulatos (DELPRIORI, 2004).
Verifica-se, com isto, que existia uma objetivação material das mulheres negras com
relação aos senhores, e, por outro lado, as funções de esposa e mãe dos filhos legítimos
cabiam à mulher branca. Essa afirmação das funções diferentes destinadas às mulheres
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
negras e às mulheres brancas dizem respeito ao modo patriarcal com que famílias se
constituíram no Brasil e que conferia graus de liberdade distintos a homens e mulheres.
A estas últimas, o casamento era a única carreira. E é evidente que a manutenção da
castidade destas mulheres da camada senhorial só foi possível diante do comércio do
corpo de tantas outras.
Hoje nas grandes cidades, assim como antigamente, é na camada de economia mais
instável que encontramos o maior recrutamento para a prostituição (DELPRIORI, 2004).
É evidente, ainda, que, se num primeiro momento, a exploração da mulher negra
decorria da sua condição de escrava, a partir do fim do século XIX, tem-se a prostituição
como um dos resultados deste processo marginalizador, que neste novo marco da mão
de obra livre, revela tanto a natureza comercial desta exploração de um gênero sobre o
outro, mas, principalmente, como a exploração de uma classe sobre a outra.
Com o desenvolvimento urbano-industrial, embora as famílias não tenham perdido
o caráter nuclear, a família urbana ajusta novos papeis às mulheres, principalmente,
que passa a socializar a partir da instrução nas escolas. A Igreja ainda funcionava como
reguladora do comportamento social feminino. A mulher-mãe-esposa, arquétipo de
Maria, será totalmente dessexualizada e purificada e aparece em oposição à Eva, a mu-
lher sensual, pecadora, razão da perdição do homem.
A lógica médico-higienista, segregacionista das mulheres públicas, invade o sub-
mundo da prostituição para classificar as mulheres como degeneradas e alheias à zona
762 da normalidade sexual e social. Sob a justificativa do combate às doenças venéreas
é que se estuda e medicaliza a sexualidade da mulher, que se aborda o problema da
prostituição e que se instituem e distinguem os padrões de comportamento da mulher
honesta e casta, e também da vagabunda.
Para além da dimensão simbólica do termo enquanto fator de exclusão, a lógica
higienista e eugenista (RAGO, 1985) buscou responder a demandas sociais através de
teorias e técnicas que buscavam eliminar os marginalizados e não acabar com a margi-
nalização (RAGO apud DELPRIORE).
Em 1890, através dos artigos 277 e 278 do Código Penal, o lenocínio passou a ser
criminalizado pelo grande número de denúncias contra a exploração de mulheres por
bandos organizados (DELPRIORE, 1997). Apesar da ofensiva legal, a conivência das au-
toridades políticas, o silêncio e a cumplicidade das próprias meretrizes traficadas torna-
va ineficaz a punição dos rufiões (RAGO, 1991).
Com a plena instauração da ordem burguesa na Belle Époque (1890-1920), o rom-
pimento com o modelo escravista, a modernização e a higienização do país - sob os
moldes de “civilização” parisiense - foi preciso adequar o comportamento dos homens
e mulheres das camadas populares através da disciplinarização não só do tempo e do
trabalho, devido à nova configuração do trabalho como sendo livre, mas também de
regramento das outras esferas da vida (SANTANA, 2012).
A implantação dos moldes da família burguesa era essencial para o regime capita-
lista, na medida em que se passou a calcular o custo da reprodução do trabalho através
da “contribuição invisível”, não remunerada, do trabalho doméstico das mulheres. Além
disso, a honra e o casamento para as mulheres pobres, muitas como chefes femininas e
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
com relações informais de convivência, eram tidas como atentados à moralidade desta
nova sociedade que se conformava.
Desta forma, o reforço da ordem privada como lugar destinado às mulheres era um
pressuposto. A rua, portanto, simbolizava o espaço do desvio, das tentações, devendo
as mães pobres, segundo médicos e juristas, exercer a vigilância constante sobre as
filhas, já que a ideia de moralidade indicava progresso e civilização. No entanto, a ne-
cessidade de sobrevivência não permitiu que tal orientação fosse seguida, já que estas
mulheres pobres precisavam trabalhar e transitar pelas ruas, o que implicava uma maior
criminalização delas (DELPRIORE, 1997).
É de se notar que a liberdade sexual das mulheres populares parece confirmar a
ideia de que o controle intenso da sexualidade feminina se ligava com o regime de
propriedade privada. Rachel Soihet (DELPRIORE, 1997) afirma que a autonomia das
mulheres pobres no Brasil, ainda que precária, é indiscutível. Viviam muito mais como
autônomas do que como assalariadas. Era a arte do improviso da sobrevivência através
da lavagem de roupas, do trabalho doméstico, da feitura de doces, ou da prostituição.
No contexto da Ditadura do Estado Novo, por volta de 1940, houve uma política de
confinamento da prostituição. Alessandra Teixeira (2012, p. 72) afirma que:
Neste período, o Código Penal Brasileiro de 1940 passa a definir a forma como o Estado
deveria enfrentar a prostituição: não a partir da sua criminalização, mas impedindo a exis-
tência de casas de prostituição e incentivadores. Da década de 40 até meados dos anos 60,
os “jogos de azar” estiveram fortemente ligados às zonas de médio meretrício (TEIXEIRA,
2012, p. 85). O balé era a forma de driblar a fiscalização e possibilitar que as “artistas” ficas-
sem pelo caminho com os clientes, já que a ordem moral pressupunha o confinamento. Os
circuitos, promovidos por indivíduos de alto nível econômico (cafetão profissional) conse-
guiam clientela selecionada (de poder aquisitivo) e mascaravam, pelo artifício de espetácu-
los, a finalidade verdadeira dos estabelecimentos: a prostituição (PEREIRA, 1976).
Nesta trama de tolerâncias, extorsões e repressão foi se desenhando, no discurso
oficial e na política de segurança pública, uma estratégia aberta de guetificação, sepa-
ração territorial do submundo da prostituição, de modo que ele pudesse ser melhor
controlado, limpando-se, principalmente as áreas mais abastadas. Tal ideia torna-se
bastante eficaz para caracterizar o tratamento dado pelas políticas repressivas e o jogo
que se estabelecerá entre o tolerado, o permitido e reprimido nesse sítio de ilegalismos
das classes populares (PEREIRA, 1976).
Dessa forma, enquanto a preocupação das autoridades centrava-se nas mulheres
do trottoir, lançando-as à cadeia, conforme exigia a opinião pública, o comércio sexual
se fortalecia e se desenvolvia no país. O Capítulo V e os respectivos Artigos 227-231 do
3. METODOLOGIA
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa indutiva qualitativa, que utiliza a
Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), teoria sociológica desenvolvida por Glaser e
Straus (LAPERRIÈRE, 1997), como metodologia principal. Esse método consiste numa
“abordagem de pesquisa qualitativa com o objetivo de descobrir teorias, conceitos e
hipóteses, baseados nos dados coletados, ao invés de utilizar aqueles já predetermina-
dos”. A partir de um conjunto de procedimentos de coleta e análise de dados, procede-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
se à fragmentação e codificação de acordo com os incidentes e fatos, para possibilitar,
posteriormente, chegar-se à categorização e atribuição de conceitos. Desta forma, há
uma ordenação de categorias, de maneira a identificar a categoria central, que, por sua
vez, precisa ser testada para verificar se esta representa as experiências dos sujeitos.
Na TDF, a análise é composta por três etapas interdependentes, não lineares, uma
vez que o movimento é circular. São denominadas de codificação aberta, codificação
axial e codificação seletiva. O processo de codificação visa a redução dos dados em
categorias de análise, as quais, permeadas pelo processo de codificação, são funda-
mentais para se chegar à teoria.
O percurso analítico deste trabalho se deu com: a leitura do Projeto de Lei; a iden-
tificação dos diferentes argumentos utilizados em prol da regulamentação da prostitui-
ção; a categorização e problematização destes argumentos em suas diferentes nuances;
bem como a sua relação com os institutos jurídicos em questão; também uma análise
crítica sobre os possíveis efeitos da implementação do Projeto de Lei nº 4211/2012.
4. A FUNDAMENTAÇÃO DO PROJETO
Expusemos acima como a prostituição tem sido concebida em nossa sociedade e
tentamos desconstruir alguns dos paradigmas morais e relacionais imbrincados no his-
tórico desta prática, principalmente no contexto brasileiro. Tentaremos a partir de agora
analisar o quadro legal do projeto de lei 4211/2012, especificamente no que concerne
766 à sua fundamentação. Ou seja, tentaremos lançar um olhar crítico sob a representação
social daqueles que idealizaram o projeto de lei, observando os sentidos que atribuem
à prostituição e às questões adjacentes que estão imbrincadas à prática.
4.1 Autonomia
No projeto de Lei 4211/2012, a mulher em situação de prostituição é entendida
como agente de sua própria vontade, desta forma, proibir a atividade significaria inter-
ferir na liberdade de escolha individual.
Neste sentido, o argumento principal para a propositura da alteração do Código
Penal através deste projeto de lei é a distinção entre prostituição e exploração sexual. A
partir do entendimento que a prostituição é a disposição voluntária do próprio corpo,
nas modalidades individual ou cooperada, enquanto meio de trabalho, sendo o agente
da prostituição o único beneficiário dos rendimentos, na modalidade individual (dire-
tamente remunerado). A prostituição é, segundo esse entendimento, não criminosa
e profissional. De acordo com o projeto de lei Gabriela Leite (PL 4211/2012, p.4): “O
profissional do sexo é o único que pode se beneficiar dos rendimentos do seu trabalho.
Consequentemente, o serviço sexual poderá ser prestado apenas de forma autônoma
ou cooperada, ou seja, formas em que os próprios profissionais auferem o lucro da
atividade”.
Já a exploração sexual, por outro lado, é considera uma atividade criminosa, que
ocorre nos casos em que: a) a obtenção de lucro por terceiros é igual ou superior a
cinquenta por cento do valor em questão; b) quando não há pagamento da prestação
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
voluntária; c) mediante ameaça ou grave violência, independente da maior idade ou da
capacidade civil da vítima. Nestes casos ocorrerão os chamados crimes contra a digni-
dade sexual da pessoa.
Importante ressaltar que a compreensão da atividade da prostituição enquanto pro-
fissão descriminaliza a ação de “Promover ou facilitar a entrada, no território nacional,
de alguém que nele venha a exercer a prostituição”, o que seria compreendido enquan-
to ação solidária com alguém que entra no país para trabalhar. Contudo, continuaría-
mos criminalizando todos os modos de exploração sexual. In verbis (PL 4211/2012, p.6):
4.3 Fiscalização
Diante da percepção de que o atual modelo não cumpre a função de tornar visível a
existência da prostituição e, por conseguinte, a conversão desta visibilidade em garan-
tia de direitos, é que ele se sustenta. A leitura da prostituição fundamenta-se na ideia
de que a falta de regulamentação é mais uma forma de exclusão social (marginalização/
estigma), que a regulamentação é a forma mais eficiente de reduzir a condição de vul-
nerabilidade destas mulheres (redução de danos/visibilidade/fiscalização).
O PL abarca a prática da vida das mulheres em situação de prostituição e o Esta-
do-regulamentador como sendo a principal resposta para a situação de prostituição e
768 capaz de reduzir as variadas formas de violação da dignidade das profissionais do sexo
(intervenção estatal para garantia de direitos).
Também admite que, no atual sistema, as prostitutas permanecerão invisibilizadas
em condições de trabalho degradantes, devido, principalmente, à falta de fiscalização
estatal. Além disso, que o silêncio do Estado reforça as arbitrariedades policiais, a cul-
pabilização das mulheres pelas violências sofridas e não é capaz de garantir, de fato, os
direitos trabalhistas e o acesso à justiça como aos demais trabalhadores.
Além disso, existe a afirmação no texto de que a própria regulamentação da prosti-
tuição ajuda no combate à exploração sexual e isso se dá através da fiscalização das ca-
sas de exploração e controle do Estado sobre o serviço. Com isso haveria uma preven-
ção e punição da exploração sexual. – inclusive - que não há prostituição de menores,
e sim exploração, conforme o PL Gabriela Leite, p.4: “Como demonstrado, não existe
prostituição de crianças e adolescentes. Muito pelo contrário, essa prática se configura
como abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes e se tipifica como crime
severamente punido pelo Código Penal. ”
Ao fazer referência aos Megaeventos, afirma que:
4.5 Saúde
A fundamentação do Projeto de Lei explicita que a regulamentação é uma medida
de redução os danos da profissão, para conferir maior visibilidade a estas mulheres que
são alijadas do acesso à justiça e à saúde devido à hipocrisia da sociedade que perma-
nece marginalizando-as e promovendo injustiças sociais.
Define a proposta como necessária para o direcionamento das políticas públicas
para este segmento da sociedade, através da distribuição de preservativos e mutirões 769
médicos, e indica a regulamentação como uma forma de garantir a dignidade das pro-
fissionais e redução da vulnerabilidade delas, na medida em que a marginalização é
diminuída.
Neste sentido, in verbis PL Gabriela Leite, p.7: “Por exemplo, as leis e os costumes
legalmente tolerados, que falham em proteger mulheres e meninas da violência, apro-
fundam as desigualdades entre gêneros e aumentam a sua vulnerabilidade ao HIV.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos identificar as diferentes categorias analíticas supracitadas na fundamen-
tação do Projeto de Lei “Gabriela Leite”, nos moldes em que foi proposto, contudo, é
possível perceber também a existência de algumas lacunas e incongruências no projeto
que precisam ser discutidas.
A negação da historicidade do fenômeno da prostituição é ponto controverso no
que se refere à naturalização de opressões. Além disso, é preciso admitir que o contex-
to social e histórico brasileiro apresenta contingências que podem ser relativizadoras
da noção de autonomia na escolha da atividade da prostituição. Estas contingências
históricas relacionam-se diretamente com o modo como as mulheres negras foram
violentadas duplamente através da escravidão, primeiramente a partir da exploração
do trabalho (domesticamente), e em segundo plano a escravidão sexual (elas eram
propriedades dos seus senhores).
A regulamentação legal traz condições legais para que as casas de prostituição
Referências
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Brasília. UNB; 2013. p.214.
CAPPI, R. Pensando as respostas estatais às condutas criminalizadas: um estudo empírico dos debates
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Janeiro: IUPERJ, 1985.
OLIVEIRA, M. Q. Prostituição e trabalho no baixo meretrício de Belo Horizonte – O trabalho na vida nada
fácil. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
771
RESUMO: O presente artigo visa abordar a relação da violência contra a mulher com
as construções sociais das masculinidades e das feminilidades. A partir da pesquisa de
campo realizada em um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, se
apresentam resultados pertinentes para dialogar com contribuições teóricas que abor-
dam a violência conjugal em uma perspectiva relacional e que discutem a construção
social do crime de violência doméstica. Descreve como, no espaço judicial, se constroem
narrativas sobre os papéis de gênero e os fatos que motivaram as ocorrências, tanto do
ponto de vista dos homens denunciados, quanto da compreensão das profissionais que
compõem a equipe técnica multidisciplinar.
772
Palavras-chave: masculinidades e feminilidades; violência contra a mulher; construção
social dos papéis e das relações de gênero no espaço judicial.
Abstract: This article aims to approach the relationship between violence against wo-
men and social constructs of masculinity and femininity. The relevant results from a field
research performed in a Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher are
presented in order to dialogue with theoretical contributions that both view marital
violence in a relational perspective and discuss the social construction of the crime of
domestic violence. This article describes how narratives about gender roles are put to-
gether in the judicial space and the facts which motivated the occurrences, both from
the accused men’s point of view and from the perspective of female professionals who
compose the multidisciplinary technical team.
Keywords: masculinities and femininities; violence against woman; social construction
of gender roles and relationships in judicial space.
1. Antecedentes e contexto
1.1. Histórico da mobilização feminista no Brasil: inserção nas políticas públi-
cas e críticas à atuação do Judiciário
A mobilização focada no litígio internacional do caso emblemático Maria da Pe-
nha, o advento da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) e as mudanças institucionais e
procedimentais introduzidas – como seria o caso da criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher e o concernente às medidas protetivas, dentre
outros aspectos – representam o marco mais recente, mas não o único nem o principal,
na cadeia histórica de tentativas de superação dos desafios aprofundados no âmbito da
segurança pública e do Sistema de Justiça (Amaya, 2015, p.22).
A esse respeito, Lia Zanotta Machado (2010), ao retomar os resultados da “Pesqui-
sa Nacional sobre as Condições de Funcionamento das DEAMs” (2001), fornece ele-
mentos contextuais relevantes para entender as questões em jogo na administração
institucional dos chamados conflitos de gênero, à luz do histórico do ideário feminis-
ta das últimas três décadas. Segundo explicado na dissertação de Andrea Catalina L.
Amaya (2015), a mencionada autora descreve esse percurso como uma movimentação
de ideias, valores e investimentos, que transitaram da emergência, nos anos oitenta,
da “ideia de ilegalidade da violência contra a mulher” e da luta contra a impunidade, à
“erradicação do valor da violência contra a mulher e a instauração e consolidação dos
direitos das mulheres à não violência” – desde o início do século XXI. Assim, a deman-
da feminista teria se voltado “para a busca de inserção nas políticas públicas estatais”,
Assim, ao considerar que tanto o homem quanto a mulher produzem os seus pa-
péis sociais que legitimam a prática da violência, é que se nota a importância da rea-
lização de estudos que busquem compreender a relação da violência contra a mulher
com as construções sociais das feminilidades e das masculinidades (Izumino e Santos,
2005, p. 15).
Os estudos sobre a construção social da masculinidade surgiram, em torno de 1980,
nos países anglo-saxões. Atualmente, tais estudos, aliando-se a algumas teorias femi-
nistas, questionam a simplificação da categorização binária, destacando a importância
de relacionar o gênero com outros elementos de poder, que estruturam as relações so-
ciais. Busca-se, assim, romper com a ideia de uma universalidade do sujeito masculino
e mostrar como esses papéis são construídos e negociados, de acordo com o contexto
no qual estão inseridos (Cecchetto, 2004, pp. 56-57).
No Brasil, Benedito Medrado é um dos pesquisadores que procura relacionar o
estudo sobre a violência contra a mulher com as construções sociais das masculini-
dades. Em seu trabalho de campo, que teve por finalidade estudar “os sentidos de
violência contra as mulheres nas narrativas de homens denunciados por violência
conjugal”, percebeu, nos discursos dos homens, que as mulheres são vistas como
sujeitos com capacidade de modificar seu comportamento, e esse fato, muitas vezes,
é apontado por eles como o motivo do desencadeamento da violência. Além disso,
Foi depois dessa introdução que a profissional propôs fazer uma lista coletiva dos
temas abordados até aquele momento e que passariam a compor as matérias de refle-
xão dos seguintes encontros. A lista dos temas abordados e que marcariam a pauta dos
encontros subsequentes, foi definida assim:
Além disso, é Rafael que demonstra que se deve pensar sobre os motivos do can-
saço excessivo da mulher, podendo um deles ser a falta de parceria do homem nos
trabalhos domésticos. Dessa forma, nota-se que é somente através de Rafael que o fato
“cansaço excessivo” pode ser pensado separadamente, e, portanto, como não causador
do fato “traição”. Como a ‘psicóloga A’ dissera, é somente através do reconhecimento
da responsabilidade pelos próprios atos que se pode transformá-los: “Você é culpado.
E aí? É diferente dizer tenho responsabilidade, eu fiz isso e porque eu fiz e posso fazer
diferente agora”.
Do exposto, com relação aos homens, percebem-se narrativas variáveis, que osci-
lam entre visões contrapostas, segundo a fala surja da conversa espontânea ou de uma
provocação das profissionais a refletir e a escrever sobre a temática. Assim, posiciona-
mentos críticos aos padrões hegemônicos de gênero, são construídos mais facilmente
desde que o diálogo emirja entre os pares (entre os homens participantes). Enquanto
isso, certa resistência e autodefesa, aparece quando o assunto dos padrões de gê-
nero é colocado pelas profissionais, seja para reforçar os atributos históricos ou para 785
desconstruí-los. Nessas ocasiões, o recurso ao comportamento (desviado, transgressor
ou anormal) da mulher continua a ser uma questão problemática e injustificável. No
caso do Neildo, nota-se que este, mostrando resistência a assumir a responsabilidade
pela ‘traição’, busca justificar o ato por uma alteração no comportamento da mulher,
atribuindo a ela a responsabilidade pelo início do fim da relação, elemento que foi
constatado também na pesquisa com homens de Medrado. Contudo, resulta instigante
perceber que essa postura é estimulada justamente pela profissional que chamara a
atenção para a importância de assumir responsabilidade pelos próprios atos e que o
fato só é problematizado a partir da interferência de outro participante.
Embora haja desafios a serem pensados e enfrentados para o desenvolvimento
desse tipo de grupo, percebe-se a relevância da construção e ressignificação conjunta
dos papéis de gênero e de todos os aspectos que envolvem o conflito, ainda que em
meio a tensões vindas da interpelação aos dilemas e dificuldades próprios da leitura
criminalizante da violência conjugal que reduz o conflito interpessoal à polaridade víti-
ma-agressor ou à figura do réu (Rifiottis, 2012) e à “lógica ou retórica do contraditório”
(Cardoso De Oliveira, 2010, p.456). Isto cobra maior significado, na medida em que o
grupo se encontra inserido no espaço e nas rotinas de um Juizado, o que explica em
certa maneira por que, também as profissionais, jogam ou oscilam entre o olhar dico-
tômico/vitimista e o olhar relacional da violência, pois elas mesmas estão vinculadas a
uma estrutura judicial na qual se auto-representam (porque faz parte dos agenciamen-
tos necessários para dar sentido à sua presença no Juizado) como responsáveis pela
vigência das ordens do Juiz e pela eficácia de uma lei emblemática (a LMP) que – se
supõe – coloca a mulher como única vítima possível e válida.
Resumo: Este trabalho objetiva, por meio do diálogo entre os discursos presentes
nas falas de Julia Helena, Sellena e Zelza e referenciais teóricos traçar reflexões sobre
a pluralidade das vivências trans. Para tanto, foi realizada a historicização acerca da
construção do dispositivo da transexualidade, por compreendermos que a invenção do
“verdadeiro transexual”, que precisa ser descontruído, ainda é responsável pelos atuais
entendimentos médico-jurídico que patologizam e marginalizam as experiências trans.
Palavras-Chave: dispositivo da transexualidade ; pluralidade; vivências trans.
Abstract: This work aims , through dialogue between the discourses present in the
words of Julia Helena , Sellena and Zelza and theoretical frameworks trace reflections
on the plurality of trans experiences. Therefore, historicizing was done about the cons-
788 truction of transsexuality device, understand that the invention of the “true transsexual
“ who needs to be destroyed , is still responsible for the current medical- legal unders-
tandings that patologizam and marginalize trans experiences.
Keywords: transsexuality device; plurality; trans experiences.
1. Introdução
O termo “identidade”, nos últimos anos, tem sido alvo de severas críticas em razão
da fixidez que lhe é atrelada pelas conceitualizações essencialistas, contudo, por com-
preendermos que essa discussão não se faz possível sem a sua utilização, nos valere-
mos do conceito de identidade “sob rasura”.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Gênero, Sexualidade e Direito do VI Seminário Direitos, Pes-
quisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Mas para quem está disponível a(s) identidade(s) trans? Quem é incluída/o e ex-
cluída/o? Ao longo deste trabalho buscaremos construir a nossa concepção de trans-
generidade a partir da problematização fundamentada em referenciais teóricos e em
narrativas de três sujeitas que se autoidentificam como mulheres trans e negras do
entendimento patológico-universalizante do “sujeito transexual”.
Quando o saber científico define critérios para avaliar quem é transexual, ele esta-
belece um padrão de avaliação da verdade que promove hierarquias estruturadas em
exclusões, eliminando uma pluralidade de interpretações e de construções subjetivas
sobre esta experiência.
Berenice (2014a) nos apresenta um confronto entre essas duas posições que ocor-
reu em 2001, no Seminário Internacional de Identidade de Gênero y Transexualidad,
realizado em Valença/Espanha. A psicanalista francesa Collete Chiland, formada pelas 791
teses de Robert Stoller, em sua conferência, versava sobre o sucesso do tratamento com
crianças “afeminadas” e, concomitantemente, falava do alto índice de arrependimentos
de pessoas que tinham se submetido à cirurgia de transgenitalização sem um rígido
controle psicológico.
Do outro lado posicionou-se Jos Megens, cientista membro da Harry Benjamin In-
ternational Gernder Dysphoria Association. Megens revelou um índice elevado de sa-
tisfação das/os cirurgiadas/os defendendo que essas pessoas o procuravam na clínica
já sabendo o que queriam e que o diagnóstico é, na realidade, baseado no autodiag-
nóstico. “Diante desta posição, a psicanalista (Collet Chiland) afirmou: “é inaceitável,
um absurdo, se concordar com o autodiagnóstico. Estas pessoas não tem condições de
realizá-lo”” (Bento, 2014a, p. 167).
Esse embate não representa que tais posicionamentos não são partes estruturantes
do dispositivo da transexualidade, mas que esse dispositivo amplia sua eficácia por
caminhos heterogêneos. Observamos que, apesar das discordâncias sobre a satisfação/
arrependimento com o tratamento e/ou cirurgia e sobre quem tem o poder do diag-
nóstico, os dois se referem a ‘tratamento’ e ‘diagnóstico’, termos utilizados para tratar
de patologias.
Em que pese à divergência entre a visão biologista (ou benjaminiana) e outra apa-
rentemente construtivista (stolleriana) acerca da gênese da transexualidade, oficialmen-
te ela é tratada como doença e é a partir da linguagem médica firmada nesse período
que a proposta de ‘tratamento’ para pessoas transexuais foi difundida intensamente.
(Ventura, 2010)
Essa lista com regras foi elaborada por uma criança que Stoller em seu livro, A experiência
transexual, reporta como um exemplo de tratamento bem sucedido em que a criança recupe-
rou sua masculinidade “emasculada pela mãe” (Stoller, 1982, p. 80 apud Bento, 2014a).
Para Stoller a origem da transexualidade está na relação da criança com sua mãe. A
“mãe stolleriana” (Bento, 2014a) teria inveja do - desejo inconsciente de ser – homem,
ficaria extremamente feliz com o nascimento do filho e transferiria seu desejo para ele,
o que acarretaria em uma ligação extrema entre mãe e filho e, com a ausência da figura
do pai, impediria a manifestação e resolução do conflito de Édipo, o que poderia ter
como resultado um filho transexual.
O diagnóstico da criança transexual, portanto, era feito por Robert Stoller a partir
792 da análise da mãe, que, quanto mais distante dos padrões de feminilidade, maior a
probabilidade de ter um filho transexual. E o sucesso do tratamento dependeria que o
diagnóstico fosse feito nos primeiros anos de vida da criança por meio da indução do
complexo de Édipo pela/o terapeuta.
794 O saber médico, ao dizer “transexual”, está citando uma concepção muito
específica do que seja um/a transexual. Esse saber médico apaga a legiti-
midade da pluralidade, uma vez que põe em funcionamento urn conjunto
de regras consubstanciado nos protocolos, que visa a encontrar o/a “ver-
dadeiro/a transexual”. O ato de nomear o sujeito de transexual implica
pressuposições e suposições sobre os atos apropriados e os não-apropria-
dos que os/as transexuais devem atualizar em suas práticas (Bento, 2006,
p. 46-47).
Volto a me utilizar de Bento (2006, p. 33) que, em sua pesquisa, diz o quanto é co-
mum os discursos na literatura médica que não apenas “reproduzem os estereótipos
de gênero, mas os potencializam”. Não existe uma única experiência de gênero, sendo,
portanto, completamente absurda essa cobrança de que as pessoas trans correspon-
dam a um modelo estereotipado de gênero para que sejam consideradas homens/
mulheres de verdade.
Nas palavras de Butler (2009), para ser tratada de acordo com o nome e o gênero
que representa a sua identidade, a pessoa precisa de laudos atestando a veridicidade
do que afirma, bem como o desejo de realizar a única possibilidade de correção do seu
transtorno mental, a cirurgia de transgenitalização e, por fim, a autorização judicial:
A pessoa transexual, na maior parte dos países, precisa adotar um discurso pa-
tologizante e estereotipado para que alcance direitos, estando, todavia, sob o crivo
inflexível do Estado. Caso não se apresente como triste e disfórica/o, não conseguirá
convencer o conjunto de instituições a serviço do Estado de que é realmente transe-
xual; do contrário, caso vença os processos inquisitivos dos saberes médico e jurídico,
suportará as consequências de se assumir como portador/a de um transtorno mental,
potencialmente suicida, o que repercutirá em diversos aspectos da sua vida, como a
perda de “certos direitos e liberdades, incluindo a custódia das crianças, o emprego e a
moradia, devido ao estigma que o diagnóstico reforça e promove” (Butler, 2009, p. 109).
Em suma, é a pessoa trans alvo de constante desconfiança jurídica, médica e social.
O efeito da interiorização dessas “verdades” faz com que se tente agir de acordo
796 com o que se supõe natural. Ser diagnosticado como disfórico é ser “considerado do-
ente, errado, disfuncional, anormal e sofrer uma certa estigmatização em consequência
desse diagnóstico”. Desse modo, alguns ativistas argumentam que o diagnóstico da
transexualidade deve ser totalmente eliminado, devendo ser compreendida como uma
possibilidade de “determinar o próprio gênero”, “um exercício de autonomia” (Butler,
2009, p. 96-97).
Existem argumentos que visam à manutenção da patologização das experiências
trans, um dos principais é de que, caso a transexualidade e a travestilidade não sejam
consideradas doenças, não haverá custeamento estatal das despesas referentes aos
processos de transformações corporais (Bento; Pelúcio, 2012).
Muitos são os episódios em que pessoas tras evitam a discussão dessa temática te-
mendo a perda do parco acesso ao processo transexualizador do Sistema Único de Saú-
de. A condução da campanha acerca da despatologização sem discussões aprodundadas,
segundo Oliveira (2014) pode ser perigoso e politicamente regressivo. Contudo, perma-
necer indefinidamente em um modelo essencialista, excludente e tutelador, em nome
dessa inserção no protocolo transexualizador do SUS, é “indigno” (Oliveira, 2014, p. 97)
Butler (2009, p. 98) sintetiza o dilema com essa série de questionamentos:
Art. 2º - [...] parágrafo único - O nome social é aquele por meio do qual os tra-
800 vestis e transexuais são reconhecidos, identificados e denominados no meio
social, no ato da matrícula ou a qualquer momento, no decorrer do ano letivo,
o qual não corresponde ao nome do registro civil (UESB, 2014, p. 1).
Zelza: E aí, é... ao passar dos anos nosso corpo vai se modificando por ques-
tão por conta das, é... das questões de puberdades e aí, é...Nós vamos ten-
do mudanças físicas e comportamentais que aí veio entrar minha se-
xualidade, no qual eu percebi realmente que não era, o que eu me via
no espelho não condizia com o meu, minha identidade, então, aí a partir
dos doze a treze anos de idade eu comecei a minha homossexualidade, no
início, né? Porque todas passam por esse processo, porque tem algumas
questões familiares, né? Que a gente não pode logo, é... vamos dizer, sair de
um ponto pra ir pra outro, sair de gay e ir logo para travesti, então a gente
passa por uma transição, que travesti na realidade é uma transição que você
passa, e aí, é...tive que passar por essa transição, e ai na escola eu ainda,
é... fazia ensino fundamental I ainda, pra mim era tranquilo ser chamado
de menino, então não tinha muita interferência com isso, como as pessoas
me chamavam, pra mim era tudo normal, eu já me sentia assim alguns ar-
gumentos, mas ainda não tinha argumento suficiente pra questionar. Pois
não, chego no Ensino fundamental II, de quinta a oitava, que hoje é nono
ano, né? Que o povo fala, e aí foi que eu vim ver minhas mudanças compor-
tamentais, físicas e psicológicas, que foi todo aquele transtorno que eu fui
passando ao longo, né? Da... dessa trajetória escolar, mas mesmo assim já a
partir dos 14 eu já era... eu já me considerava uma transexual.
Julia Helena sempre se percebeu e foi percebida ‘diferente’, oriunda de uma família
com cinco irmãs, mãe e pai, foi continuamente alvo de repressão do pai que notava a
802 sua “diferença” e promovia o seu isolamento.
Julia Helena: Então, eu venho de cinco irmãs mulheres e minha mãe
ainda se separou de meu pai, e com isso aí o lar era completamente femi-
nino. Na casa tinha cinco irmãs mulheres e um que ninguém sabia o que
era. Era homem, era mulher, desde cedo mesmo era bem notável isso
aí de perceber que não era um garoto porque a criação com meu pai
foi bem opressiva, oprimiu mesmo. Então eu não podia ao mesmo
tempo jogar bola e não podia brincar de boneca. Se me vesse com os
meninos jogando bola, tá errado, ta com um monte de homem, com
as meninas ta errado. Então, na verdade, até eu mesmo não sabia nem
o que eu era. Sem mentira aqui nenhuma, eu nem me percebia, por-
que eu dizia não gosto de bola, gosto de boneca, mas não posso. En-
tão quem sou eu? Até então aí. Aí quando minha mãe se separou de meu
pai, que veio embora, ficou melhor, né? Porque aí eu podia construir um
perfil, ou seja, eu não tenho mais um pai, só é mulher, acabei, na verdade,
entrando naquela onda de ir brincando ali com as meninas, e pra minha
mãe era normal, mas sempre tem aquela irmã que vai julgar, né? É errado.
Aí então começou a guerra de novo. Aí é errado isso, é errado aquilo.
À Julia Helena foi negada a sociabilidade, tanto com o dito mundo masculino quan-
to com o feminino, desde a infância, ela foi posicionada na fronteira, primeiro pelo pai,
depois por colegas e professoras/es. Na escola, Julia despertava a dúvida das/dos co-
legas e professoras/es, segundo ela “o povo percebia que era um garoto que era uma
garota, isso aí era bem notável na escola. É um menino ou uma menina?”.
Julia Helena: Aí cresci na igreja até dez anos na Universal, com onze anos,
foi o período que minha mãe, eu falei se separou de meu pai, aí foi o mo-
mento que eu conheci o candomblé, com onze anos isso, aí com onze
anos eu conheci lá o candomblé, fui, acabei entrando, meu sonho era,
eu falava em ser pai de santo, filho de santo. Mas essa questão minha
com o candomblé que eu amava de paixão com quase doze anos é que
eu via que a maioria dos pais de santo era homossexual, não era casa-
do, então eu me identificava com aquilo. Então pra mim aquele ali era
um meio de todo mundo me respeitar. Aí eu comecei a gostar –eu quero,
eu quero isso aqui. Ninguém entendia nada o meu querer por aquilo ali,
sendo que eu era uma criança, né? Sem nenhum entendimento e fiquei
naquilo ali. Aí depois minha família também saiu. Com treze já, foi pra
religião evangélica, aí foi onde eu entrei de vez pra lá. Então como eu
falei, que eu usava como defesa também a religião por saber que o
perfil daquelas pessoas era mais quieta, mais passiva, não precisava se
casar, mas eu era uma pessoa que eu lia muito a Bíblia, gostava muito
muito muito. Encontrei sim, parte algumas acusações que faz referente 803
a isso, que os homossexuais não herdarão o reino do céu, que é pecado,
mas em mim ficava mais aquela parte de, que a Bíblia tem uma parte que
diz assim: se você faz algo que não te condena, então não é pecado. Então
em mim não havia condenação, eu não conseguia me condenar por aquilo
ali, aí foi aí que eu comecei realmente a sair.
Quando saiu da igreja, Julia Helena já estava fazendo dois cursos de graduação,
um em uma faculdade privada e outro na UFRB, quando deixou de usar os ternos de
missionário e passou a ostentar um visual mais andrógeno. As/os colegas se sentiam
a vontade para perguntar, mas ela se mantinha em silêncio, até que, ao ser agredida
por um grupo de jovens por ser lida como um “gay feminino”, resolveu assumir uma
homossexualidade que sabia não ser real, já que se sentia mulher.
Julia Helena: É o que eu falei, eu ainda tenho muita dúvida nessa questão
de transexual e travesti, eu fico numa corda bamba mesmo, uma questão
que eu digo que tanto lá que veio com uma tona, que é mulher mulher
mulher, que quero ser operada, aí depois eu tranquilizo que malmente a
vestimenta, que aquilo tá me fazendo feliz, é uma corda bamba, não vou
mentir, nesse momento tô transitando. Estou em descoberta ainda se é pra
lá se é pra cá. Mas naquele equilíbrio, né? Com medo de surgir algumas
perguntas e a gente acabar entrando em conflito e o povo ficar em dúvida
– ah, mas não falou isso, falou aquilo? Então é o que eu falo, ainda tô em
momento de descoberta, tô caminhando.
Hoje, Julia, ainda que se sinta mulher, ora assume a identidade travesti, ora apresen-
ta-se enquanto mulher transexual, pois não consegue se inserir nas rígidas categorias
inventadas pelas/os profissionais da saúde mental e ciências biológicas.
Zelza se posiciona enquanto mulher transexual, mas em nenhum momento, duran-
te a narrativa citou o interesse em realizar a cirurgia de transgenitalização ou demons-
trou desconforto com a sua genitália; ao falar sobre mudanças corporais, referiu-se a
modificações no cabelo, uso de hormônios e o desejo de colocar silicone nos seios.
Talvez a cirurgia de transgenitalização não seja vislumbrada como uma possibilida-
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808
ABSTRACT:
The article seeks to discuss the questions that involve the legalization of free abortion.
To such purposes, we turn to rhetoric in order to comprehend how dialogical process
concept is concerned to the discussion on bioethics and biolaw. It points out to the
basic elements in which are found that the discussion on abortion process are filled
of values, all relative. The exercise of women’s autonomy is in the center of this dis-
cussion no matter who are for or against. It will be analysed two points of view from
the campaign #precisamosfalarsobreaborto, of brazilian TPM Magazine, as well as the
jurist's opinion about XV item, art. 128 from the senate bill (pls) nº 236/2012, that show
clearly the arguments against the legalization of free abortion, originally proposed in
PLS. These documents are examples of the argumentative debate on polemic questions
that firstly are a creation and changing of the law. In front of the point of view exposed
in the article, it is possible to presuppose that the law is filled of values and they have
importance in the argumentation that precedes the creation and composes the juridical
precept.
KEYWORDS: Free Abortion; Dialogue; Rethoric; Values.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Gênero, Sexualidade e Direito do VI Seminário Direitos, Pes-
quisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Mesmo assim, há uma relação indireta entes os elementos apontados, já que entre
as mulheres que possuem nível de escolaridade igual ou equivalente ao quarto ano do
ensino fundamental, a proporção daquelas que praticaram aborto chega a 23%, “ ao
passo que entre mulheres com o ensino médio concluído é de 12%” (Idem). Ou seja,
entre mulheres de escolaridade muito baixa, o aborto é mais frequente.
A pesquisa ainda fez pergunta acerca dos métodos utilizados pelas mulheres para
realizarem os abortos. Das entrevistadas, 48% revelaram que utilizaram medicamentos
para a prática, “hipótese que se fortalece com a queda da morbimortalidade por aborto
inseguro no país”, já que os abortos realizados com medicamentos tendem a ser mais
seguro do que aquele por outros meios (DINIZ; MEDEIROS, 2010, p. 963, 964).
Levando em conta a parcela de mulheres que utilizam outros meios, ou seja, os
817
3. ARGUMENTOS PARA MANUTENÇÃO DA LEI: análise do parecer de jurista
sobre o inciso IV, do art., 128, do PLS 236 2012.
O Projeto de Lei do Senado Federal (PLS) nº 236/2012, é de autoria do Senador
José Sarney, tem como proposta reforma do Código Penal Brasileiro. O projeto trata
dos mais variados temas de interesses social, pois é uma lei que tem grande impacto
e relevância na vida dos brasileiros. Dentre os muitos temas que busca introduzir no
direito pátrio, está aquele que trata do abortamento.
Quanto ao aborto, o projeto tenta inovar em dois pontos, no art. 128, III e IV. O in-
ciso III insere na legislação tema já pacificado na jurisprudência, a escusa criminal para
o aborto de feto anencéfalo. Este assunto já foi discutido no Supremo Tribunal Federal
(STF) na Arguição de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, na ocasião prevaleceu a tese
de que a antecipação terapêutica do parto, como ficou denominado o abortamento
neste caso, não é crime. Assim, o projeto apenas insere o inciso III ao artigo 128 para
contemplar tal situação, in verbis: Art. 128. Não há crime de aborto: [...] III - “se com-
provada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que
inviabilizem a vida extrauterina, em ambos os casos atestado por dois médicos; [...]”
O inciso IV, do mesmo artigo, é mais polêmico e é sobre este que o parecer no
interessa. Há a previsão de que a mulher possa fazer o abortamento sem que sejam
necessários apresentação de nenhuma justificativa para além de sua vontade. Assim,
mesmo que não haja risco à vida da gestante (aborto necessário), ou a gravidez não
seja decorrente de estupro (aborto induzido), nem haja diagnóstico de anencefalia,
pelo projeto seria possível à mulher realizar o abortamento. A autonomia da vontade
da gestante basta a si mesma.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
A redação do referido inciso no projeto é a seguinte:
Quando o inciso diz que seria condição para o abortamento a inexistência de con-
dições psicológicas para a maternidade, estamos diante da situação que a mulher não
quer a gravidez, de forma segura, livre e consciente. O estabelecimento de condicio-
nante temporal já é conhecido de outros ordenamentos jurídicos, onde o aborto livre é
legalizado. Aqui a previsão é que seja possível a prática até a 12º semana de gestação.
Pois bem, este projeto está em tramitação no Congresso Nacional e fora nomeada
uma Comissão Temporária de Estudo da Reforma do Código Penal, sob relatoria do
Senador Pedro Taques. Este documento avalia detalhadamente o PLS 236/1012, fazen-
do um grande apanhado de todos os artigos, comparando com projetos similares e
propondo as devidas alterações, especialmente aquelas necessárias para adequá-lo à
Constituição Federal de 1988.
Ao tratar do inciso IV, art. 128, deste projeto, os juristas afirmam a inadequação da
proposta com os preceitos constitucionais. O parecer começa chamando atenção para
“proteção integral da vida e sua inviolabilidade”, princípio estruturante do ordenamento
818 jurídico nacional. Para daí afirmar que o inciso em questão não está adequado à esta nor-
ma, “pois caba por submeter a vida do nascituro à vontade da mãe sem que houvesse ne-
nhuma consequência jurídica” (TAQUES, 2013, p. 154) Num escalonamento teríamos dois
valores, a vida do nascituro e a liberdade da mulher (vontade), em que o primeiro estaria
acima do segundo, portanto este é subordinado àquele. A proteção à vida, garantida na
constituição, goza de privilégio, pois não pode ser restringida, neste caso.
Após realizar o escalonamento de valores, o que só é possível diante de uma forma
particular de entende o mundo, o parecer tentar fazer crer que esta é “a vontade da
maioria do povo brasileiro - alma do fenômeno constitucional em sua dimensão políti-
ca e sociológica, fonte maior de legitimidade democrática que não pode ser ignorada
pelo legislador ordinário” (TAQUES, 2013, p. 155) A atribuição de uma decisão ao povo
já é recurso antigo, recurso que afasta a particularidade da opinião, o que confere mais
força ao argumento.
Não bastasse o escalonamento e a atribuição a um grupo abstrato a decisão parti-
cular, o parecer faz afirmação categórica acerca do conteúdo da vida, sem deixar mar-
gem para discussão, como se o assunto fosse pacífico e sem possibilidade de contes-
tação. Para o parecer, o debate sobre o momento de surgimento da vida é inócuo, pois
há uma verdade e esta é evidente. Nas palavras do parecer, a expressão
O fato biológico, tão evidente quando afirmado pelos juristas, não é capaz de mo-
dificar a forma de agir dos Xirin, ou seja, para este povo tal aspecto não é real. Dentro
de um contexto social plural, afirmar a necessária aceitação de opinião apenas porque é
pretensamente científica talvez seja a forma mais eficaz para promover uma conclusão
pretendida, mas retira a legitimidade do processo. Não permite avanço nos processos
sociais porque pretender soluções imutáveis.
Discursos inquestionáveis, neste campo do comportamento humano, muitas vezes
soa como preceito religioso, pelo menos com a mesma estrutura. Não aceita dúvidas,
nem questionamentos e é impositivo. No caso do abortamento, além de possuir a mes-
ma estrutura, possui o mesmo conteúdo, nega à mulher a possibilidade de escolha.
Para a discussão sobre o aborto livre é necessário ter em mente que
algo de que não se fala ou se fala com constrangimento, tendo o cuida- 821
do, na maioria das vezes, de mostrar claramente que, embora se saiba
que “isso existe”, tal prática não diz respeito nem aos próximos (os mem-
bros da parentela) nem mesmo ao coletivo a que se pertence (BOLTANSKI,
2012, p. 208).
CONCLUSÃO
As polêmicas que envolvem a prática do abortamento são fruto do processo dia-
lógico em torno de questões permeadas por valores, desta forma, sem uma solução
definitiva. O debate sempre estará aberto, mesmo que um entendimento se sobrepo-
nha ao outro, como agora observamos na sociedade brasileira. O valor autonomia da
mulher não goza de tanto prestígio como o valor vida do feto intrauterino, sendo este
o elemento de base para a formação da legislação atual, bem como o parâmetro inter-
pretativo das demais normas.
Mesmo diante deste cenário não é possível negar que hajam pontos sensíveis neste
debate, nem que o silêncio diante das normas jurídicas seja a estratégia mais ade-
quada. Como deixa claro a campanha da Revista Tpm e todas as pesquisas citadas,
as condições às quais muitas mulheres são submetidas, correndo risco de morte, são
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Santuário, 2001.
824
RESUMO: Este artigo tem como objetivo central propor a inclusão dos estudos de
masculinidades nas pesquisas de gênero como um fechamento epistemológico de uma
teoria crítica de gênero emancipatória. Para tanto, apresenta-se o contrato sexual social
como fator de criação das esferas pública e privada do mundo moderno, que sustenta
e legitima o uso do poder pelos homens em detrimento das mulheres e divide a socie-
dade a partir de estruturas dicotômicas e binarizantes. Em seguida, coloca-se a síntese
das críticas formuladas pelos movimentos feministas ao sistema de justiça social. No
fim, são acopladas as contribuições das pesquisas das masculinidades, que contribuem
para as transformações do pensamento histórico-social baseado no racionalismo do
sujeito masculino.
Palavras-chave: Teoria crítica de gênero. Contrato sexual social. Pensamentos feminis-
tas. Masculinidades.
INTRODUÇÃO
825
A política é a política dos homens (CONNELL, 2003). Esta frase inicial abre campo
para discussões a respeito da política desenvolvida pelos homens para construir, legi-
timar e perpetuar estruturas de dominação masculina sobre a vida social e, sobretudo,
sobre as mulheres. A luta das mulheres para compartilhar este poder revela uma defesa
intransigente deste poder operado por homens, que perpassam as exclusões legais, as
regras de recrutamento que exigem experiência, qualificações e méritos mais difíceis de
serem alcançado por elas, variedade de prejuízos e suposições informais que operam
em favor deles.
As táticas realizadas para a perpetuação da dominação masculina insistem na se-
leção dos homens para o poder. Por conseqüência, na história da sociedade, emergiu
uma teoria do Estado como instituição patriarcal, que transforma a posição dos ho-
mens nas relações de gênero em objeto da política, que influencia questões como a
violência, desigualdade, tecnologia, desenvolvimento mundial, entre outras, não reque-
rendo uma política de masculinidade explícita.
Assim, explicar o porquê de incorporar o enfoque de gênero no campo do direi-
to é indispensável para compreender a racionalidade da disciplina e, por implicação,
transformá-la a fim de se alcançar a emancipação das barreiras impostas pela tradição
de pensamento filosófico masculino, que influenciam nas esferas pública e privada da
sociedade.
Para tanto, buscando desmascarar a política de gênero envolvida nas relações so-
ciais, este artigo se propõe a apresentar uma releitura do contrato social a partir da
divisão da sociedade em esferas distintas e pertencentes a grupos distintos de pessoas,
É a partir desta crítica que o feminismo liberal social surge como uma alterna-
tiva para superar as dificuldades não solucionadas pelo feminismo liberal clássico.
A bandeira levantada pelo feminismo liberal social recorreu às formulações marxis-
tas, sustentando que a liberdade só pode ser alcançada com a igualdade de acesso
aos recursos materiais e reais. Deste modo, as feministas liberais sociais reclamam
pelo tratamento diferenciado de acordo com as funções de reprodução (JARAMILLO,
2000). A ênfase apontada pelo feminismo liberal social é a distribuição desigual de
recursos por razão do gênero, propondo uma reforma legal por igualdades de opor-
tunidades voltadas ao trabalho, em que pudessem ser formuladas ações afirmativas
que visasse compensar as diferenças históricas de desigualdades entre homens e mu-
lheres (REVOREDO, 2006).
Diante de sucinta explanação percebe-se em termos epistemológicos que a natureza
humana individualista, racional e maximizadora, implantada pelo feminismo liberal pro-
pôs um projeto individual, linear, de concepção do conhecimento fruto de um processo
acumulativo de conhecimento, que afasta as influências dos interesses sociais, dos valores
e das emoções, elaborando regras para a validação das inferências baseadas e construí-
das nas experiências sensoriais imediatas, cuja objetividade e neutralidade permite sepa-
rar os valores, interesses e emoções pelos efeitos da classe, raça e sexo (MATOS, 2008).
832
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a consolidação do pensamento das teorias feministas é urgente a necessidade
de promover avanços teóricos que possam aprofundar as críticas e reformular dimen-
sões sociais que permanecem invisíveis e subentendidas por força de uma tradição de
pensamento ocidental baseada na racionalidade dos homens. 837
Acrescentar os estudos de masculinidades na discussão sobre apresentação e re-
construção das molas de opressões patriarcais que assolam a sociedade cumpre o pa-
pel de trazer à luz a crítica epistêmica dos conjuntos arranjados da formação da mascu-
linidade centrada no sujeito racional masculino, para, em seguida, realizar teorizações
não dicotômicas e binarizantes.
Por ser considerada a regra da sociedade, a masculinidade e os estudos que refle-
tem sobre as construções sociais da hegemonia do homem sofrem um débito histórico
para desenvolver novas postulações. Não se deve desconsiderar a trajetória acadêmica
dos estudos de masculinidades, que inicia com a teoria dos papeis sociais formulados
pela psicologia e se estende pelas teorias psicanalíticas da formação do sujeito para al-
cançar a dimensão reflexiva do pensamento sócio-político, filosófico e epistemológico
atual.
Apesar deste caminho já ter sido percorrido pelos movimentos de mulheres e de
gays, verifica-se a necessidade de implicar os homens nas análises que enfatizaram a
posição estrutural dos homens na sociedade e descrevem criticamente o sistema de
dominação baseado no gênero.
O que se propõe é a inserção dos estudos de masculinidades como um fechamento
epistemológico capaz de propor outros planos analíticos de discussões para alcançar
o complexo entendimento da justiça social e da democracia, relembrando sempre que
este novo entendimento sugerido não funciona de forma separada às críticas que já
foram levantadas na história.
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839
Resumo: A realidade de violência e criminalização da luta pela terra é uma triste cons-
tatação presente no âmbito rural brasileiro. Dentro desse contexto, o modo como as
relações de gênero, violência e criminalização se dão dentro de um movimento social
rural seria um campo de estudo muito instigante. Desta forma, o presente trabalho ini-
ciou-se a partir do meu interesse pela temática da luta pela terra desempenhada pelas
mulheres do MST e a forma como as relações de gênero e reproduções dos papéis de
gênero socialmente impostos se dariam, impulsionado pelo desenvolvimento de ativi-
dades no projeto de extensão do Núcleo de Extensão Popular (NEP) Flor de Mandacaru
e alguns outros momentos de contato direto com militantes do MST. Parti da realidade
fundiária violenta e criminalizada trazida pela narrativa de vida de uma trabalhadora
rural e militante do Movimento na Paraíba sendo analisadas as tamáticas correlacio-
840 nando-se com os referenciais teóricos escolhidos. Esses episódios relacionam-se di-
retamente às relações de gênero, violência e criminalização existentes na sociedade
como forma de manutenção e legitimação da realidade fundiária brasileira. Desta for-
ma, compreendendo essas problemáticas repassadas durante a entrevista, buscamos
entender, sobretudo a partir de reflexões sociológicas, como se dão as relações de
gênero, violência e criminalização na luta pela terra dentro do MST.
Palavras-Chave: Violência. Criminalização. Gênero. Movimento Social. MST.
Abstract: The violence and criminalization of the contest for lands reality is an actual
sad proof on the Brazilian rural scope. Inside this context, the way gender, violence and
criminalization relations go inside an social rural movement would be an exciting study.
Said that, this task started from my interest for the fighting for lands theme performed
by women of the MST and the way gender relations and representation of gender role
plays forced by society would result, driven by the development of activities in the
extension project of the Popular Extension Core (Núcleo de Extensão Popular - NEP)
Flor de Mandacaru and some others movements of direct contact with MST militants.
Starting from the violent and criminalized land reality brought by the story telling of a
rural worker and Paraíba’s Movement militant, analyzing themes and correlating with
chosen theoretical frameworks. These episodes relate directly to the gender relations,
violence and crimialization that exist in the society as a maintenance and legitimation
of the Brazilian land reality. Perceiving this issues during the interviews, we seek unders-
tanding, mainly from sociological refletcions, how the gender relations, violence and
criminalization are applied in the fight for lands in the MST.
Keywords: Violence. Criminalization. Gender. Social Movement. MST.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão “Gênero, Sexualidade e Direito” do VI Seminário Direitos, Pes-
quisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2 O nome dado a entrevistada, todos os nomes próprios vinculados ao movimento e que foram citados
pela trabalhadora, assim como os nomes dos municípios, instituições policiais e os Estados onde se localiza
o acampamento, estão em itálico e são fictícios em razão das normas de privacidade e segurança acordadas
durante e entrevista.
3 Espaços nos quais apenas mulheres participam se incitando discussões sobre temáticas que atinge todas
as mulheres diariamente, dentro de suas especificidades, mas que possui uma raiz comum que é o machismo.
Nesses espaços, busca-se o empoderamento individual e coletivo de todas, de modo a romper minimamente
com as relações de opressão entre homens e mulheres.
4 A criação da plenária de mulheres do NEP se deu em virtude de um Encontro da Rede Nacional de Asses-
soria Jurídica Universitária realizado na cidade de São Paulo em 2013. Esse encontro foi emblemático, por ter
acontecido o primeiro espaço auto-organizado de mulheres da RENAJU, iniciando-se os debates acerca de
gênero e problematizando-se o machismo presente dentro das Assessorias Jurídicas Universitárias Populares.
(...) qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, le-
são, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I
– no âmbito da unidade doméstica (...) II – no âmbito da família (...) III – em
qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha con-
vivido com a ofendida, independentemente de coabitação. (Brasil, 2006)
(...) Assim, foi porque, assim, porque meu pai era desses pai bem ruim,
rude, ignorante, batia muito (...)
(...) ele batia mais em mim, assim, qualquer coisa, podia ser a menor/maior
mentira que meu irmão ou minha irmã falasse, pronto, ele já vinha logo
batendo, tanto ele como mainha né... A vida é assim mesmo né?
Meu pai que foi lá uma vez, com as ignorância dele, ai eu disse pra ele:
sabe o que é que o senhor faz? Por sua causa mesmo foi que eu sai de
casa, então não venha não atrás de mim mais não. Aí ele não veio não. Aí
graças a Deus ele não veio (...). (Dona Flor, militante do MST-PB. Entrevista
concedida em de Dezembro de 2014).
Foi num período pra mim que eu tava numa depressão daquela. Aí eu
cheguei lá e assim, me enturmando né, conhecendo pessoas diferentes,
faz amizade, ai agora tá demais, tudo de bom. (Dona Flor, militante do
MST-PB. Entrevista concedida em de Dezembro de 2014). 845
Além da preocupação diária com o uso das drogas, outra era ainda maior na fala
de Dona Flor: a associação do filho com o traficante. Ela afirma seguramente que Milton
era somente usuário, que se fosse traficante, com certeza ela saberia, pois ele não teria
como esconder. Esse medo da acampada é compreendido pela “demonização” e re-
pulsa à figura do traficante, principalmente pelo processo de criminalização sofrido por
esses sujeitos e diariamente realizado pela mídia e confirmado por parcela significativa
da sociedade, afinal, “bandido bom é bandido morto”.
A figura dos traficantes que são classificados enquanto bandidos perigosos, deven-
do ser exterminados da sociedade, segue uma “padronização” estigmatizada estrutu-
ralmente e exercida pela seletividade do modo de produção capitalista, – são os negros
(ou aqueles socialmente racializados), os pobres, os moradores da favela ou de bairros
pobres, relaciona-se àquilo que chama Alessandro Baratta de “natureza seletiva do pro-
cesso de criminalização”5. Esses sujeitos precisam passar pela política de higienização
social que se funda antes nesse processo que constantemente é difundido pela grande
mídia.
Paradoxalmente, esta criminalização também acontece, em proporções parecidas,
contra Dona Flor, por ser “sem terra”, tendo em vista que ambos, tanto mãe quanto fi-
lho, são considerados figuras marginalizadas dentro dessa seletividade e que ameaçam
a “paz social”.
5 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia do direito pe-
nal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 134.
Foi o que aconteceu com a entrada de três “capangas”6 – que, na verdade, eram
policiais “à paisana” de Indecente – no acampamento Novas Cores, todos com armas
carregadas e mais um pente completo para repor, sendo evitada a tragédia apenas
porque um dos trabalhadores rurais viu a entrada do carro e os homens armados, e eles
foram pegos por todos os outros moradores do local que estavam em reunião geral.
(...) Ai o irmão gritou: – gente cuidado, esses cara do carro tão tudo ar-
mado.
847
E eles já vinham com um dos nossos companheiros dentro do carro.
E que essas três criatura não foram pra lá brincar, porque veja só: três
cidadãos, cada cá com uma pistola carregada e mais um pente fora, eles
foram brincar? Lógico que eles não foram. Ele foi com o intuito de tirar a
vida de demais. (Dona Flor, militante do MST-PB. Entrevista concedida em
de Dezembro de 2014).
6 A palavra é uma expressão “êmica”, ou seja, são utilizadas pelos próprios sujeitos do movimento de luta
pela terra que encontramos em campo.
Partindo desse medo existente nas relações entre polícia e “sem-terra”, os “capan-
gas” só foram entregues a agentes de Estado quando a Polícia Federal do Estado de
Indecente enviou três ambulâncias para dentro do acampamento. Afinal de contas, não
haveria garantia de que, com a entrada de viaturas das polícias militar e civil, trabalha-
doras não fossem levadas para delegacias e fossem presas ou mesmo mortas, já que,
como conta Dona Flor, a intenção dessa invasão policial à paisana era essa.
Mas, graças a Deus, a gente conseguiu dominar eles, né? E amarramos ele
lá na sede, mas também a gente disse: não entrega pra polícia militar, se
ele era da polícia militar, como era que a gente ia... Não tinha nem condi-
ções de deixar a polícia militar entrar...
(...) Nem civil nem militar. (Dona Flor, militante do MST-PB. Entrevista con-
cedida em de Dezembro de 2014).
Ficou cheio de viatura em cima na pista, mas a gente não soltou, a gente
só entregamo pra federal. Ai quando faltava 10 pra meia noite, ai veio as
ambulância da Polícia Federal, ai a gente abriu espaço, eles entraram e
pegaram eles. (Dona Flor, militante do MST-PB. Entrevista concedida em
de Dezembro de 2014).
Diversos foram os momentos na narrativa de Dona Flor que comprovam sua con-
dição de sujeita da própria história e batalhadora na luta pela terra, desde quando saiu
de casa aos nove anos de idade para escapar das violências exercidas pelo pai, perpas-
sando pela relação conflituosa com o filho mais velho, na qual seria matar ou morrer,
até a violência institucional praticada pelos agentes do Estado contra sua militância no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a criminalização por ser “sem-terra”,
desempenhada fortemente pela mídia.
Sendo assim, não há como conceber Dona Flor exclusivamente como vítima de
todo esse processo histórico e social construído e (sobre)vivido por ela. Ela é a figura
que se pode considerar como “construtora e dona de sua própria história”, da sua vida
de (re)existência. Dona Flor é, como diz Cora Carolina em seus versos: “Eu sou a dureza
desses morros, revestidos, enflorados, lascados a machado, queimados pelo fogo, pas-
tados, calcinados e renascidos.”
Conclusão
A partir da narrativa de vida da trabalhadora rural, foi possível constatar o modo
como a violência de gênero perpassou sua vida com as mais diversas facetas, iniciando-
se com as violências físicas do pai, e, posteriormente com as do filho mais velho, além
da violência institucional praticada pela polícia depois de sua entrada para a militância
do MST.
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Resumo: Este trabalho foi inspirado em narrativas de vidas reais, apresentadas por
mulheres que vivenciam o confisco da autonomia de seus corpos e patriarcalização da
experiência do nascimento, através da violência obstétrica. O estudo se esteia em uma
dessas narrativas e em dados oficiais colhidos sobre o tema que demonstram a pro-
porção desse ato criminoso no Brasil, país que lidera o número de cesarianas eletivas
no mundo, prática que tem comprometido a vida de milhares de mulheres e crianças,
notadamente pelo seu silenciamento. A mudança do mundo perpassa pela mudança da
forma como se recebe os novos seres que nele irão habitar. Violentar a chegada de uma
criança ao mundo e daquela que com ela nasce junto - a mãe compromete a garantia e
salvaguarda dos direitos humanos e alimenta um sistema (re)produtor de conhecimen-
to ancorado no binarismo, controle e normatização dos corpos impostos pela cultura
patriarcal que assola historicamente as mulheres.
Palavras-Chave: Autonomia 1; Corpo feminino 2; Despatriarcalização 3; Direito 4; Nascer 5.
Abstract: This work was inspired by real life stories submitted by women who expe-
rience the confiscation of the autonomy of their bodies and patriarchalization birth
experience, by obstetric violence. The study is anchored in one of these narratives and
852
collected official data on the subject showing the proportion of that criminal act in
Brazil, which leads the number of elective caesarean sections in the world, a practice
that has compromised the lives of thousands of women and children, notably for its
silencing. Changing the world is embraced by changing the way we receive new beings
that will inhabit. Ravish the arrival of a child into the world and that with which it comes
together - the mother agrees to guarantee and safeguard human rights and feeds a
system (re) producer of knowledge anchored in binary, control and regulation of the
body imposed by the patriarchal culture historically plaguing women.
Keywords: Autonomy 1; Feminine body 2; Despatriarcalização 3; Right 4; Born 5.
Introdução
Figura 1. Ensaio de Maria Galindo de Bolívia
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Gênero, Sexualidade e Direito do VI Seminário Direitos, Pes-
quisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Talvez o senhor não se lembre de mim, mas fui sua paciente. Minha filha
nasceu através das suas mãos, em uma cesárea desnecessária, que o se-
nhor afirmou dezenas de vezes como necessária.
Não vou discutir o que eu viví naquela cirurgia, até porque, o que mais me
dói é o que deixei de viver com a minha filha. Até hoje me pergunto como
teria sido a sua chegada ao mundo, o cheirinho que não senti, a textura da
sua pele cheia de vérnix, o nosso primeiro abraço inundado de ocitocina...
854 O senhor sabia que a ocitocina é o hormônio do amor? Que vivemos o seu
maior pico na vida no momento do nascimento e do parto e que ele é o
responsável por fazer mãe e bebê se apaixonarem no primeiro instante?
Nessa hora nós estávamos separadas, eu tendo a minha barriga fechada
pelo senhor e ela passando pelos procedimentos rotineiros da instituição.
E o parto que não doeu, ainda dói… Mas o senhor já ouviu falar do texto
de Ruben Alves “Ostra feliz não faz pérola”? Eu me permiti chorar a dor
do meu não-parto e de tudo que deixei de viver com a minha filha junto
com ele. Sabe, Antônio Carlos, aquela mocinha cresceu na dor do parto
que não viveu e foi ser doula. Sim, essa profissão que muitos obstetras não
conseguem e nem querem entender como funciona. Como doula encon-
trei muitas pacientes suas, vivendo histórias tão parecidas com as minhas.
Mas elas mudaram o rumo da própria história, elas lutaram pelo direito de
escolher a via de nascimento do seu filho. A cada parto que acompanhei,
a minha dor foi se transformando em pérola… Dessa dor pari tanta coisa:
fundei com outras mulheres o grupo de apoio ao parto humanizado da
nossa cidade, luto para que todas mulheres tenham acesso as informa-
ções que eu não tive, para que não sejam desencorajadas em seu desejo
pelo parto normal e nem enganadas com falsas indicações de cesáreas.
Mas tem mais uma coisa que o senhor precisa saber sobre mim: eu PARI
“dr.” Antônio Carlos! PARI depois de uma cesárea. PARI com mais de 41
semanas. PARI em casa. PARI na água. PARI um meninão de 4,350kg!!!! Isso
mesmo. O senhor me levou para uma cesárea por causa de bebê grande
que nasceu com 3,710kg e eu PARI EM CASA, depois de uma cesárea, um
PS: Minha vagina continua perfeita depois de parir um bebê GIG e meu
casamento vai muito bem, obrigada!
Mas os autores sagrados dos textos que inspiram a nossa tradição ofere-
860 ceram outro motivo muito fecundo motivo para discriminação. Eva tor-
na-se a responsável pela perda do paraíso. Fora ela que dera crédito à
serpente . O versículo do Gênesis (3,16), quando Deus dá o castigo a Eva
pela transgressão “A paixão vai te arrastar para teu marido, ele te domi-
nará” não poderia ser mais explicito para marcar as relações de domina-
ção e dependência da mulher ao homem, anunciando previamente que
a mulher sofreria muito na gravidez e daria luz entre dores (CHASSOT,
2003, p. 5).
A ideia do pecado, que tem origem no feminino, de acordo com a tradição religiosa,
aproxima-se do discurso do prazer carnal, estabelecendo relação direta com o corpo,
razão pela qual, os homens envidariam sacrifícios para mantê-las puras. Na mulher, o
corpo teria lugar de proeminência e, no homem, os atributos da mente e, portanto, do
pensamento. Sobre esses corpos, boa parte da tradição filosófica se ocupou. E enquan-
to filhas de Eva, portadoras de corpos indóceis e pecadores, deveriam ser domestica-
dos, pelos homens.
O modelo de mulher desejado pela sociedade patriarcal condiciona todos os es-
pectros de nossa autonomia e, portanto liberdade, quando nos impõem determina-
dos comportamentos relacionados à nossa sexualidade, como a fidelidade ao parceiro
(sempre do sexo masculino), cujo laço temporal de convívio seja o suficiente para “le-
gitimar” o seu direito de manter relações sexuais. No homem essa narrativa é oposta,
sendo “naturalmente” encorajados a iniciar sua sexualidade mais cedo e exercitar sua
autonomia e liberdade sem maiores contenções e contenstações moralistas. Numa so-
45% desejaram a 99% de cobertura da ¼ das gestantes consid- 80% no Setor Público
gestação atual assistência pré-natal eradas de risco 20% no Setor Suplementar
73% compareceram a
16% procuraram mais de Cesarianas em mulheres
2,3% tentaram inter- seis ou mais consultas
um serviço para a admis- com maior escolaridade e
romper a gestação e 75% foram atendidas
são para o parto poder aquisitivo
no setor público
4 Em 67,36% dos relatos, as violências foram cometidas por homens com quem as vítimas tinham ou já ti-
veram algum vínculo afetivo: companheiros, cônjuges, namorados ou amantes, ex-companheiros, ex-côn-
juges, ex-namorados ou ex-amantes das vítimas. Já em cerca de 27% dos casos, o agressor era um familiar,
amigo, vizinho ou conhecido. (BRASIL, 2011, p, 9)
5 No Gráfico 4, são apresentadas as proporções de prematuros para o País e regiões. Embora sejam adota-
dos vários métodos para estimar a idade gestacional ao nascer, observa-se que, a partir de 2000, há uma
tendência ascendente da prematuridade em crianças nascidas por cesárea e uma leve tendência de redução
nas crianças nascidas de parto normal. Independentemente da taxa de cesarianas ser mais ou menos elevada
que a nacional, sistematicamente se encontra proporção maior de prematuridade nas crianças nascidas por
cesariana – em 2010, foi de 7,8% para cesarianas e 6,4% nos partos normais (BRASIL, M.S,. 2012, p. 380).
Do exame dos dados apresentados pela Fiocruz acerca das boas práticas e interven-
ções realizadas durante o parto, denotamos o quanto o controle do corpo feminino con-
diciona a prática e a ética médica. O discurso medicamentoso do ato de parir e de nascer
é determinante para o confisco da autonomia feminina sobre a condução emancipada
do seu processo. E quando a medicina assim o faz, cerceia e violenta os direitos mais ba-
silares de milhares de mulheres e crianças, como a autoderminação, a felicidade e o nas-
cimento com dignidade, ainda mais se considerarmos o risco que as cesarianas eletivas
causam e sua contribuição para os índices de mobidade e mortalidade materna e infantil.
Métodos como a litotomia (posição para o parto com o corpo deitado e as per-
nas amaardas em perneiras) e episiotomia (facilitada justamente pela litotomia) que
lacera em alto grau a vagina, desafiam a gravidade e a integridade física das mulheres,
constituindo rotineiras formas de violência obstétrica. Métodos que se traduzem em
violências que atingem o corpo e a psique feminina e que também impactam na vida
dos bebês que são “obrigados” a nascer nos moldes impostos pela medicina patriarcal,
como a Manobra de Kristeler que consite na pressão com força na barriga das gestan-
tes, procedimento não recomendado pelo Ministério da Saúde.
Ofender, humilhar ou xingar a mulher ou sua Cesariana sem indicação clínica e sem
família; consentimento da mulher;
Agendar cesárea sem recomendação basea- Procedimentos que incidam sobre o corpo
da em evidências científicas, atentendo aos da mulher, que interfiram, causem dor ou
interesses e conveniências do médico; dano físico (de grau leve a intenso)7.
A OMS (2014) fez recentemente uma declaração sobre essa modalidade de violên-
cia, recomendando práticas que podem combatê-la nas instituições de saúde, a saber:
a) Maior apoio dos governos e de parceiros do desenvolvimento social para a pes-
quisa e ação contra o desrespeito e os maus-tratos;
b) Começar, apoiar e manter programas desenhados para melhoras a qualidade dos
cuidados de saúde materna, com forte enfoque no cuidado respeitoso como compo-
nente essencial da qualidade da assistência;
_______________________
6 Além disso, existem outras medidas adotadas pelo Estado brasuleiro: a) Pacto Nacional pela Redução da
Mortalidade Materna e Neonatal (Ministério da Saúde, 2004); b) Programa de Humanização do Parto e Na-
scimento (Ministério da Saúde, Portaria 569/00); c) Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão da
Saúde (Ministério da Saúde, 2003); d) RDC 36/2008 e Instrução Normativa 02/2008 - ANVISA (que regula-
mentam os serviços de atenção obstétrica e neonatal e impõe a adoção de medidas que incentivem o parto
humanizado e a redução dos índices de mortalidade materna e neonatal no país).
7 Exemplos: soro como ocitocina para acelerar o trabalho de parto por conveniência médica, exames de to-
ques sucessivos e por diferentes pessoas, privação de alimentos, episiotomia (corte na vagina), imobilização
(braços e pernas), etc.
No pais, uma em cada quatro mulheres já sofreram violência obstétrica, não tipifi-
cada em nossa legislação penal, ainda, como já acontece na Venezuela e Argentina que
a definem como:
Conclusão
A melhor maneira de lidar com os incômodos é colocá-los em pauta e militar pelo
fim de sua ocorrência. Esse é um processo subjetivo que só funciona em via dupla,
através da busca pelo autoconhecimento, pela emancipação própria e das mulheres
que sofrem as marcas das violências patrocinadas pelo patriarcado e seus processos de
apoderamento das culturas humanas. Com os encontros que a busca pela erradicação
dos incômodos possibilita, devemos socializá-los e alimentar suas constantes ocorrên-
cias, num movimento coletivo em busca do bem viver de todas e de todos.
A autonomia e a liberdade dos protagonistas do ato de nascer precisa ser o hori-
zonte que garante a dignidade de mulheres e crianças. É preciso identificar, trabalhar,
prevenir e combater a violência obstétrica, reeducando a perspectiva pública e privada
que se constuiu sobre o parto, onde as narrativas de hospitalização e medicamentali-
868 zação cedem lugar às narrativas de humanização e integralidade na assistência ao ato
de nascer, que passa a ser compreendido como um acontecimento natural, fisiológico,
imerso numa realidade histórica, familiar e sociocultural vinculado a uma constelação
de direitos da mulher gestante, de sua família e do ser que nasce.
Uma sociedade que desumaniza o ato de nascer padece de problemas crônicos. Me-
dicamentos utilizados para acelar o nascimento do bebê (ocitocina artificial), rompimento
aritificial das bolsas e mutilações genitais sem o consentimento configuram práticas ul-
trapassadas e riscos à saúde e acontecem em virtude da resistência da medicina em se
atualizar, como acontece no parto vaginal (que não é o normal). A autonomia perpassa
pelo conhecimento, acolhimento e protagonismo no processo que conduz o nascimento,
onde sua autonomia será garantida e seus direitos sexuais e reprodutivos resguardados.
Todas as mulheres merecem ter respeitado o seu direito de escolha, de controle
e integridade do próprio corpo; têm direito à informação confiável e verdadeira, es-
pecialmente aquelas que envolvem situações de riscos reais. A indução ou orientação
de procedimentos desnecessários durante o processo de gestação, parto e puerpério
caracteriza a violência obstétrica que deve ser denunciada e exposta, para que a cultura
de menosprezo da vida feminina sera erradicada. A busca por igualdade, autonomia,
liberdade e justiça social ainda tem sido um desafio para nós mulheres no campo da
saúde sexual e reprodutiva, portanto, da autonomia sobre nossos corpos e nossas vidas.
A despatriarcalização é condição para a descolonização do nosso modo de praticar
a cultura do nascimento!
_______________________________
8 Além disso, existem outras medidas adotadas pelo Estado brasuleiro: a) Pacto Nacional pela Redução da
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reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades. Brasília: UNICEF.
RESUMO: O “Kit Escola Sem Homofobia” foi criado a fim de compor um leque de po-
líticas públicas brasileiras - com vistas a combater a discriminação, garantir a equidade
de direitos e a legitimidade das questões dos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, tran-
sexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTTTI), segundo a ECOS, organização não-go-
vernamental responsável pela criação do material -, com o aval do Ministério da Educa-
ção, especificamente o Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Como o Kit é um material oriundo do
Projeto Escola Sem Homofobia, que objetiva a garantia dos Direitos Humanos e o res-
peito à diversidade sexual, a proposta neste trabalho é analisar um dos componentes
do Kit, o audiovisual Torpedo, a fim de relacionar seu conteúdo às propostas do docu-
mento da Associação Mundial para a Saúde Sexual, a Declaração dos Direitos Sexuais.
870
Para tanto, serão elencados como aporte teórico básico para esta investida Moita Lopes
(2002) e Guacira Louro (1997 e 2000), que teorizam acerca de sexualidade, educação
e identidade.
PALAVRAS-CHAVE: Kit Escola Sem Homofobia, Direitos Humanos, Direitos Sexuais,
Diversidade sexual, Educação.
ABSTRACT: The “ School without Homophobia kit “ was created in order to compose a
range of Brazilian public policies - in order to combat discrimination, ensure equal rights
and the legitimacy of the issues of gays, lesbians, bisexuals, transvestites, transsexuals,
transgender and intersex (GLBTTI) according to ECOS, non-governmental organization
responsible for creating the material - with the consent of the Ministry of Education,
more specifically, the Department of Human Rights of Secretary of Further Education,
Literacy and Diversity (SFELD). Since the Kit is a material from the Project School Without
Homophobia, which aims to guarantee human rights and respect for sexual diversity,
the aim of this paper is to analyze one of the kit components, the audiovisual Torpedo,
in order to relate its content to the World Association document proposals for Sexual
Health, the Declaration of Sexual Rights. To do it so, it will be listed as a basic theoretical
framework Moita Lopes (2002) and Guacira Louro (1997 and 2000), who theorize about
Sexuality, Education and Identity
KEY-WORDS: School without homophobia, Humans rights, Sexual rights, Sexual diver-
sity, Education.
2 Ou LGBTTTI: sigla que, atualmente, diz respeito à comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,
Transexuais, Transgêneros e Intersexuais. Neste trabalho, a sigla a ser utilizada para identificar as orientações
sexuais marginalizadas e as manifestações de identidade de gênero será a mais popular: LGBT.
3 Ver em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf > acesso em 16 de novembro de
2015.
DESENVOLVIMENTO
Sexualidade, Políticas Públicas, Direito e Educação
Em se tratando especialmente de sexualidade, gênero e orientação sexual, no Bra-
sil, as pressões progressistas resultaram, em 2004, na criação do Programa Brasil Sem
Homofobia, cujo objetivo, segundo seus idealizadores, é “promover a cidadania LGBT,
a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homo-
fóbicas, respeitando a especificidade de cada um desses grupos populacionais” (CON-
SELHO, 2004, p. 11).
No que tange à educação, em 1995, a educação sexual na escola, a partir da imple-
873
mentação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), deixou de ser pensada apenas
como um instrumento de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de dis-
ciplina do corpo, para ganhar outro sentido. Desde então, a orientação sexual passou a
ser conduzida como um tema transversal, não sendo mais restrita ao âmbito individual/
higiênico, mas com um objetivo de se compreender comportamentos e valores pesso-
ais contextualizados social e culturalmente, embora não tenha ainda uma área especí-
fica de aplicação, devendo ser trabalhada pelas diversas matérias sob responsabilidade
de todos os professores. Em certa medida, pode-se dizer que há, com isso, ao menos
teoricamente - a busca de um aplicação maior dos direitos sexuais no ambiente escolar,
já que a Declaração dos Direitos Sexuais proclamam o direito à informação, bem como
o direito à educação e o direito à educação sexual esclarecedora
É nesse cenário que o “Kit Escola Sem Homofobia”5 foi criado, conforme seus or-
ganizadores, a fim de compor um leque de políticas públicas – com vistas a garantir a
equidade de direitos, bem como o combate à discriminação e legitimidade das ques-
tões LGBT – construídas a partir de um discurso que se opõe à ideologia heteronormati-
va. Segundo a ECOS - Comunicação em Sexualidade – organização não-governamental
responsável pela criação do material, com o aval do Ministério da Educação, especifica-
mente o Departartamento de Direitos Humanos da Secretaria de educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD) –, o kit teve sua sustentação em pesquisas sérias,
como “Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar”, realizada e publicada pela
Fundação de Pesquisas Econômicas em 2009. Tal investigação apontou para o fato de
que, em uma amostra nacional de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores, professores e
funcionários, 87,3% dos entrevistados têm preconceito ligado à orientação sexual.
4 Segundo o dicionário virtual infopedia, consultado em 01/06/2016, diz-se da “perspectiva que considera
a heterossexualidade e os relacionamentos entre pessoas de sexo diferente como fundamentais e naturais
dentro da sociedade, levando por vezes à marginalização de orientações sexuais diferentes da heterossexual”.
5 Conjunto de materiais didáticos – um caderno do educador, boletins para os estudantes, material audiovi-
sual, cartaz e cartas para o/a gestor(a) e para o/a educador(a) – , cujo conteúdo é voltado para o combate à
homofobia nas escolas brasileiras.
6 Fala da Presidenta Dilma Rousseff, em 2011, acerca do veto ao Kit Escola Sem Homofobia disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=ESftwb6gkyc > acesso em 01/11/2015.
7 Moita Lopes (2002, p. 99 apud Bradley 1996, p. 91) aponta para uma visão essencialista das identidades
sociais consiste em não se levar em conta as experiências e individualidades ao se observar membros de uma
mesma categoria.
8 Ver em PCNs 1997.
Em outras palavras, ela [a sexualidade] é uma invenção social, uma vez que
se constitui, historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo:
discursos que regulam, que normatizam, que instauram saberes, que pro-
878 duzem “verdades”. (LOURO, 2000, p. 6).
CONCLUSÃO
O Kit Escola Sem Homofobia é um material componente de um projeto maior cha-
mado Escola Sem Homofobia, e, segundo seus idealizadores, visa à promoção de am-
bientes escolares políticos e sociais que promovam diálogo e debates acerca de orien-
tação sexual e identidade de gênero. O Kit, então, contribuiria para o enfrentamento
à homofobia nos espaços escolares brasileiros, de modo a favorecer a cidadania e a
igualdade de direitos.
O vídeo Torpedo foi analisado neste trabalho a fim de se verificar se seu conteúdo é
capaz de propiciar a garantia dos Direitos Humanos e, consequentemente, o respeito à
diversidade sexual. Nesse sentido, foi possível constatar que a narrativa fílmica está de
acordo com a proposição do Kit Escola Sem Homofobia, visto que trabalha as questões
LGBT sob uma perspectiva de que, na escola, assim como em outros espaços públicos,
a homossexualidade é interditada. Tanto é que a sequência temática na trama perpassa
pela exposição/coerção/censura; humilhação/ medo/vergonha até o clímax avaliação/
reflexão/reconhecimento, finalizando com o desfecho enfrentamento/tomada de posi-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
ção/“saída do armário”. Em todas as cenas da narrativa, as protagonistas foram ultraja-
das e violentadas no ambiente escolar, cuja comunidade não reconhece como legítimos
a diversidade sexual e os direitos das pessoas LGBT.
O filme em questão está de acordo com as propostas da Declaração dos Direitos
Sexuais, haja vista a oferta de informações de cunho educativo que visam a inibir práti-
cas homofóbicas, especificamente na escola, já que se trata de um material ser veicula-
do nesse espaço. Ao exibir o bullying sofrido por Ana Paula e Vanessa, o vídeo promove
importante reflexão acerca da perseguição, exclusão e estigma a que são submetidos
os gays nos espaços escolares. O sentimento de vergonha e de medo caracterizam
a situação de inferioridade a que são reduzidas as pessoas LGBTs, já que, se mantêm
“segredo” acerca de sua orientação sexual, assumem uma vida falsa. Por outro lado,
se decidem revelar sua sexualidade, enfrentam todo tipo de coerção, podendo sofrer,
inclusive, violência física. O que se vê em Torpedo é que o homossexual é levado a dar
explicações acerca de sua sexualidade – ao passo que o heterossexual não necessita
disso – e sofre o julgamento e as sansões da hegemonia heteronormativa, que busca
controlar e disciplinar os corpos.
O fato de, no final da história, as protagonistas assumirem em público sua sexuali-
dade, demonstra que bem-estar e satisfação pessoal independem da orientação sexual
ou identidade de gênero, portanto o relacionamento homossexual é tão legítimo quan-
to o heterossexual.
É preciso salientar que a escola é um espaço de considerável valor para os indivídu-
880 os, haja vista a extensão do período de tempo que os alunos passam nesse ambiente,
bem como, e principalmente, as práticas educativas direcionadas a eles. Então, parte da
identidade desses sujeitos é construída no espaço escolar, que é potencialmente um
lugar de troca de conhecimento e construção de saberes. Nesse sentido, levando-se em
conta o crédito social (MOITA LOPES, 2002) da sala de aula, suscitar discussões sérias re-
ferentes à sexualidade e orientação sexual dará informações aos discentes que, por sua
vez, terão melhores condições de refletir acerca das práticas sociais hegemônicas – he-
teronormativas, misóginas, sexistas – que desrespeitam e negam a diversidade sexual.
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Resumo: Desde as manifestações no ano de 2013 que ficaram conhecidas como “Jorna-
das Junho”, um assunto que é recorrente no país é a suposta “crise de representativida-
de”. Tais manifestações obtiveram da presidenta na época um compromisso que ficou
conhecido como os “cinco pactos”, dentre os quais, se propunha uma nova constituinte
que reformasse o sistema político da nação. A proposta foi boicotada pelas elites que
compunham o governo, cabendo aos movimentos sociais protagonizarem esta luta.
Os movimentos de mulheres colocaram que esta “crise” já afetava as mulheres tempos
antes, assim a Reforma Política seria um meio delas encontrarem sua emancipação. A
partir disso, o estudo busca problematizar a “crise” na representação, com foco especial
nas questões de gênero e na intersecção que existe entre as categorias de mulheres e
política, para pensar de que forma esta bandeira poderia vir a aumentar a representa-
ção feminina na política. Com referências principais nos escritos de Karl Marx, no que
882 tange as questões sobre direito e política, e nos escritos de Heleieth Saffioti, como balu-
arte dos estudos sobre a mulher no Brasil, o estudo convida para uma reflexão sobre as
possiblidades de superação do modelo político contemporâneo, tão desfavorável para
as mulheres, dentre outros setores sociais.
Palavras-chave: Mulheres, Reforma Política, Constituinte, Feminismo, Gênero.
Abstract: Since the manifestations in 2013 that became known as “Jornadas de Junho”,
a subject that recurs in the country is the supposed “crisis of representation”. Such
demonstrations have obtained the president at the time an appointment that became
known as the “cinco pactos”, among which, it proposed a new constituent to reform
the political system of the nation. The proposal was boycotted by the elites that formed
the government, leaving to the social movements take the leading role in this struggle.
Women’s movements have put this “crisis” is already affecting women times before, so
the Political Reform would be among them find their emancipation. From this, the study
seeks to question the “crisis” in the representation, with special focus on gender issues
and the intersection that exists between the categories of women and politics, to think
how this flag could come to increase women’s representation in policy. With major
references in the writings of Karl Marx, regarding questions of law and policy, and the
writings of Heleieth Saffioti, as a bulwark of studies on women in Brazil, the study calls
for a reflection on the possibilities of overcoming the political model contemporary, so
unfavorable for women, among other social sectors.
Keywords: Women, Political Reform, Constituent, Feminism, Gender.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Gênero, Sexualidade e Direito do VI Seminário Direitos, Pesquisa
e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
3 Formalmente, visto que não é material, ou seja, não existe na realidade. A lei e outros institutos jurídicos
alegam essa “representatividade” universal que, simplesmente, não é observada, nem experimentada na vida
cotidiana da nação.
4 Referência à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Mais específico aos artigos 5º e os
contidos nos Capítulos IV e V do Título II, também àqueles que estão nos Títulos III, IV e V, devido a ser esse
o arcabouço legislativo que sustenta a democracia brasileira.
A Questão Judaica contribui com esse estudo ao perceber que o modelo demo-
crático que se desenhava na época e se consolida, com cada vez mais força, na idade
contemporânea. É um modelo que surge com as Revoluções Burguesas de forma a
consumar uma separação entre sociedade civil e vida política, restringindo fenômenos
ocorridos naquela à sociedades particulares, dentro da sociedade, porém separadas da
vida do Estado (MARX, 2010A, pp. 51 e 52).
Tal modelo viria a ser de fundamental importância para a classe protagonista dessas
revoluções consolidar seu estilo de vida pública. Sendo este também o entendimento
do autor deste texto. É preciso haver um retorno histórico para compreender de forma
materialista6 que condições permitiram à burguesia impor seu modelo de representa-
ção político-social no modelo de sociedade nascente na época.
Para Pietro Costa, um notável historiador do pensamento político e jurídico italiano, em
seu texto O Problema da Representação Política: Uma perspectiva Histórica7, no qual estuda
como historicamente se formou o instituto jurídico da representação política, é documenta-
do uma crescente necessidade histórica a partir na idade média (2004, pp. 17 e 18).
Mesmo já havendo a necessidade do instituto naquela época, o mesmo não era
jurídico ainda, uma vez que a perspectiva tomada neste estudo, sobre o direito, é que
ele é algo surgido para atender as necessidades da burguesia, logo, um advento da
sociedade capitalista (ENGELS; KAUTSKY, 2012).
5 Método marxista que entende os fenômenos sociais unificados e produtos de uma formação histórica.
6 No sentido marxista, já apresentado enquanto método aqui.
7 Tradução livre do autor para “El Problema de la Representación Política: Una Perspectiva Histórica”.
(...) esta Eva nova não é mais reduzida às “funções” fisiológicas ou sociais; ela
não se define mais, portanto, por sua alienação. (...), esta mulher é uma con-
quista extraordinária, ainda incerta, limitada, pouco compreendida (mesmo
por ela) da “modernidade”. (LEFEBVRE, 1969, p. 178 – grifo do autor)
888 A cautela de não deixar-se iludir pelo “canto da modernidade”, neste momento, é
imprescindível. Esta é uma época quando os avanços das forças produtivas possibilitam
a emancipação do ser-social, inclusive da mulher. Porém, as várias alienações inerentes
às sociedades classistas impedem essa total emancipação – o exemplo que Lefebvre
traz sobre os simbolismos da feminilidade que, na modernidade, são transpostos, am-
pliados, elaborados, mas não abolidos (1969, pp. 176-177) – é perfeito para ilustrar este
processo alienante. “A dialética continua. Com os mitos da feminilidade que servem
para proclamar e para aclamá-la, há ressurgimentos da mais baixa estupidez. ” (LEFEB-
VRE, 1969, p. 179).
Alienações, o nome de fenômenos que deformaram às subjetividades femininas
a tal ponto e durante tanto tempo que é nítido como “Durante longos séculos uma
ilusória sabedoria masculina consegue proibir às mulheres não sòmente o acesso ao
poder, mas à vontade do poder” (LEFEBVRE, 1969, p.180). Não sendo possível, assim,
uma análise do campo político, sem antes debruçar-se sobre esses mecanismos que
negam o acesso da mulher a ele.
O trabalho feminino seria, por excelência, o maior produtor e produto das relações
dialéticas que ensejam tais alienações. O modo como a sociedade de classes se apro-
pria das hierarquizações entre pessoas dentro de um modo de produção, bem como a
forma como o sistema capitalista encontrou na subvalorização e submissão, do traba-
lho feminino e da mulher, um mote para elevação do montante de trabalho excedente
que mantém o sistema (SAFFIOTI, 2013, p. 72), são componentes imprescindíveis para
análise do campo político masculino.
Caminhos que buscam desvendar a condição da mulher sem levar em conta o
modo de produção que a reproduz, terminam pecando em sua incompletude. Heleieth
Reafirmando, então, que esta mulher moderna de quem se fala, não é uma entidade
apartada dos processos e meios de produção e reprodução social. Falar dela sem com-
preender o capitalismo e como ele se apropria de seu trabalho, seria não entender os
problemas da mulher em sua totalidade social mais rica em determinações (SAFFIOTI,
2013, p. 390).
Destarte, percebendo o trabalho feminino como algo necessário à manutenção das
sociedades classistas, Saffioti esbouça que essa modalidade de trabalho é inexcusável
para garantir a ociosidade das classes dominantes enquanto a produtividade estiver
baixa, embora, mesmo nesses tempos, o caráter subsidiário delegado a tal trabalho já
aponta sua futura expulsão do sistema produtivo (2013, p. 64).
O capitalismo surge se valendo tanto de todos mitos que subvalorizam as capacida-
des femininas, bem como de sua marginalização nas funções produtivas. Diferente de
outros modos de produção, este encontra meios de justificar a marginalização efetiva
ou potencial de certos setores da população do sistema produtivo de bens e serviços 889
(SAFFIOTI, 2013, pp. 65 e 66).
Desta forma o sistema de produção se valeu e ainda se vale de toda a subalterni-
zação histórica do trabalho feminino, extraindo mais-valia absoluta9 através da intensi-
ficação do trabalho, da extensão da jornada, e de salários mais baixos que o masculino
(SAFFIOTI, 2013, p. 67). Apesar de toda a precarização já explicitada, para dar-se conti-
nuidade é preciso atentar para o que Saffioti aponta, quando diz que
Por que assim, compreendendo tal marginalização, pode-se no futuro analisar dia-
leticamente o processo sócio histórico de retirada da mulher dos espaços de poder.
Uma vez percebendo que essa divisão do trabalho, a qual retira da mulher perspec-
tivas de espaços intelectuais, políticos, ou de poder em geral, forja as subjetividades
femininas e se alia aos mais variados mitos da mulher e desaguam na manutenção da
9 Categoria marxiana que rege sobre o valor do trabalho que não é pago a quem trabalha, a partir de incre-
mentos na produção do excedente a ser apropriado pelo capitalista.
5. Conclusões
É um árduo caminho, o que as forças populares possuem para romper com a so-
ciedade de classes e todas as opressões inerentes a ela. O machismo está estruturado e
estruturando não só a política, mas todos os setores da sociedade de classes patriarcal
contemporânea. Os movimentos de mulheres expõem que elas não estão nem ficarão
paradas, estão lutando por conquistas, elas querem superar este modelo social ao qual
894 estão inseridas, mas antes disso, apresentam demandas para as quais não existe a pos-
sibilidade de permanecerem suspensas esperando a revolução social.
Neste contexto, a Constituinte Exclusiva e Soberana para Reforma do Sistema Político
não viria como a sonhada revolução, mas antes como uma pauta imediata. Seria uma rup-
tura com um sistema político que, de tão obsoleto, não consegue mais se sustentar. Foi a
forma que as mulheres, dentre outros grupos, encontraram para se apropriar dos processos
de decisão estatal, tomando em suas mãos o curso da história de seu povo e sua nação.
No estudo, buscou-se entender as medidas que essa proposta viria a ser benéfica
para as mulheres que a estão demandando. Antes foi preciso então analisar o cenário
das problemáticas que circundam o tema.
Em uma primeira parte, analisou-se a questão das representações políticas gerais
da sociedade. Observou-se que mesmo não sendo uma criação da sociedade burguesa,
esta se apropriou do instituto da representação de forma a manter a hegemonia e per-
manência da burguesia nos processos de decisão.
Após isto, foi preciso analisar a forma como o campo político se fecha especifica-
mente para o feminino, entendendo que este processo se dá sob variáveis muito preci-
sas e únicas a ele. Desta forma, ficou explícito que as mulheres na história da sociedade
de classes foram legadas a outras atividades que não as políticas. Foi observado que
suas funções estavam por muitas vezes ligadas a mediar a relação homem-natureza,
por vezes como mães, por vezes como bruxas. Na modernidade pós Revolução Indus-
trial existem máquinas capazes de fazer a devida mediação, assim a “Eva moderna” está
livre para galgar espaços antes negados.
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Abstract: In this subject we analise what stereotypes are objectified in the political/
juridical discourse and in what way the Religious Discourse is presented as Constituent
Discourse of these stereotypes. To this end, we realized a discoursive analysis of the
Bill 6.583/2013, as known as “Family Statute”, arisen in a contexto that, besides Brazil,
other four contries started to allow the marriage betweent people of the same sex. We
resorted to the theoretical framework of the French School of Discourse Alalysis (hen-
ceforth DA), especially with regard to the concept of stereotype, initially approached by
Lippmann (1992) and resumed later by Amossy and Pierrot (2005); we also resorted to
the studies about the notion of context, realized by Dominique Maingueneau (2005),
besides the studies related to the Constituent Discourse, presented by Maingueneau
(2000)
Keywords: Family Statute; Religious Discourse; Stereotypes; Constituent Discourse;
Equal Marriage.
899
4. Análise dos dados
Os dados a serem analisados vão ajudar-nos a entender como um estereótipo ma-
terializado no campo político/jurídico e os discursos constituintes se relacionam na
criação do Projeto de Lei 6.583/2013. Levamos em consideração o contexto nacional
e internacional em que surgiu tal projeto, no qual quatro países, entre eles o Brasil,
passaram a permitir a união entre casais do mesmo sexo. Esta análise será dividida em
duas partes.
Em um primeiro momento, analisaremos dados que nos auxiliarão na compreensão
de qual estereótipo, relacionado ao conceito de “família”, é transferido do discurso reli-
gioso para o campo político/jurídico, evidenciando a função de “Discurso Constituinte”
daquele.
Os dados a serem apresentados na primeira parte da análise são: o texto “O ca-
samento é uma causa perdida?” (In: https://padrepauloricardo.org/blog/o-casamento
-e-uma-causa-perdida. Acessado em 01/06/2016.) de autoria da Equipe Christo Nihil
Praeponere, publicado em 29 de maio do ano de 2013, no site do padre Paulo Ricardo
de Azevedo Júnior, da Arquidiocese de Cuiabá, Mato Grosso; a manifestação “a favor da
família tradicional, da liberdade de expressão e religiosa”, ocorrida no dia 05 de junho
do ano de 2013, idealizada pelo pastor Silas Malafaia.
Em um segundo momento, partiremos para a análise do dado principal, o Projeto
de Lei 6.583, apresentado no dia 16 de outubro de 2013, e atualmente em trâmite na
Câmara dos Deputados.
c) Por outro lado, infelizmente, pouquíssimas pessoas têm se dado conta 901
da gravidade da situação. Não percebem que o que se está em jogo é a
autonomia familiar, os direitos da criança e a liberdade religiosa.
d) Recorda Jennifer Roback Morse, “não é possível criar uma sociedade du-
radoura que sistematicamente mine o fundamento biológico da identida-
de humana”. Provavelmente, todos têm contato com filhos de pais separa-
dos, com crianças órfãs ou frutos de uma “produção independente”. Todos
sabem do sofrimento e da angústia delas. Não obstante, imaginem então
o caso daquelas crianças geradas em barrigas de aluguel, geradas a partir
de doações de sêmen, seja para pares homossexuais, seja para casais.
b) “Já que estão forçando a barra sobre o casamento gay, vamos a Brasília
para dizer que estamos do outro lado. Não é um ato exclusivo para apoiar
Marco Feliciano, mas para marcarmos nossa posição. Vamos dar a nossa
resposta. Todas as lideranças evangélicas estarão presentes, assim como a
bancada evangélica. Vai ter gente de todos os lados do Brasil”
As falas destacadas nos excertos acima foram proferidas pelo pastor Silas Malafaia.
No dia 8 de abril de 2013, o religioso convocou os fiéis, através da rede social Twit-
ter – excerto “a” - para participarem do ato que seria realizado pela defesa da família
tradicional. Em outro momento – excerto “b” - o pastor anunciou que a referida ma-
nifestação teria o objetivo de demarcar a posição das lideranças evangélicas contra o
casamento gay. Mais uma vez, podemos observar a oposição que é feita entre a permis-
são do matrimonio igualitário no brasil e a “família tradicional”. Isso demonstra como
os seguimentos mais conservadores da sociedade, entre eles o religioso, reagiram à
legitimação do casamento igualitário naquele contexto.
Essa mensagem foi dirigida aos motoristas e pilotos que circulavam pelas imedia-
ções de onde estava acontecendo a manifestação. Nela existia um convite para que
os condutores se juntassem ao movimento, expressando a sua identificação com as
ideias ali defendidas. A principal pauta da reunião dos fiéis era a defesa da constituição
tradicional da família brasileira, ou seja, aquela formada pela união entre um homem e
uma mulher.
Essa imagem contribui para concluirmos, mais uma vez, de que o estereótipo co-
nectado à noção de família, presente no discurso religioso, está diretamente ligado à
exigência do casamento heterossexual.
b) Art. 2º Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo
social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por
meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes.
Nessa definição, que reduz a entidade familiar ao “núcleo social formado a partir
da união entre um homem e uma mulher”, todas as formações familiares que fogem à
regra tradicional encontram-se desamparadas pelo Estatuto da Família.
São diversas essas questões. Desde a grave epidemia das drogas, que di-
lacera os laços e a harmonia do ambiente familiar, à violência doméstica,
à gravidez na adolescência, até mesmo à desconstrução do conceito de
família, aspecto que aflige as famílias e repercute na dinâmica psicossocial
do indivíduo.
Por esses motivos, percebendo que existe uma imagem cristalizada acerca da defi-
nição de família, amplamente difundida no discurso religioso, e considerando que este
possui papel constituinte para outros discursos além dele, é possível entender que, no
referido projeto de lei, há uma transferência do estereótipo religioso de família para o
campo político/jurídico.
Considerações finais
Ao analisarmos o contexto do surgimento do Projeto de Lei 6.583/2013, com a
permissão do casamento igualitário no brasil, é possível entender a preocupação que
existe nesse projeto em estabelecer uma definição legal para o conceito de família.
Isso ocorre porque é difundida na sociedade, com ênfase no discurso religioso,
a ideia de que a entidade familiar possui um conceito pré-definido, que se constitui no
núcleo formado a partir do casamento entre um homem e uma mulher.
Para as pessoas que defendem essa ideia, e principalmente para os líderes religio-
sos, a quebra desse conceito, com o surgimento de novas configurações familiares,
906 acarretaria no enfraquecimento dos dogmas e da liberdade religiosa.
Por ter o caráter de um Discurso Constituinte, o discurso religioso é capaz de trans-
ferir, para outros além dele, as suas imagens cristalizadas. Isso é o acontece com a re-
produção do estereótipo de família, difundido no campo religioso, no texto do Projeto
de Lei 6.583/2013.
Analisar separadamente os dados coletados para produção desse artigo seria des-
considerar o contexto que permitiu o surgimento do Estatuto da Família. A transfor-
mação de tal projeto em lei, acarretaria em um enfraquecimento dos direitos já con-
quistados pelos homossexuais no Brasil, principalmente no que tange a promoção de
políticas públicas voltadas às famílias.
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907
Resumo: A retórica dos direitos humanos está presente em todos os espaços da socie-
dade, sendo usada pelos mais diferentes atores sociais e políticos para justificar os seus
discursos, as suas demandas, as suas resistências e as suas lutas. Desta forma, o objetivo
do presente trabalho é refletir, criticamente, sobre as disputas religiosas em torno do
sentido e do conteúdo dos direitos humanos e as consequências no que diz respeito
aos direitos relacionados à sexualidade e à reprodução. O que se percebe é a apropria-
ção da retórica dos direitos humanos de acordo com as necessidades e interesses de
cada ator social e político e essa retórica torna-se fundamental no campo das disputas
por liberdade, por igualdade, por diferença, mais ao mesmo tempo, pela manutenção
dos valores postos historicamente como hegemônicos. As instituições religiosas, en-
quanto importantes atores políticos e sociais, vem construindo um novo discurso a
respeito dos direitos humanos, principalmente daqueles relacionados à sexualidade e
à reprodução, de forma a aproximá-lo da linguagem científica e jurídica. Enfim, tem in-
908 terpretado o conteúdo dos direitos humanos e disputado o sentido de tais direitos com
um novo argumento que tem como centralidade o direito humano à vida.
Palavras-chave: Direitos humanos; religião; sexualidade; reprodução.
Abstract : The rhetoric of human rights is present in all areas of society, being used by
many different social and political actors to justify their speeches, demands, resistance
and struggles. Thus, the objective of this study is to critically reflect on religious disputes
over the meaning and content of human rights and the consequences regarding rights
related to sexuality and reproduction. The appropriation of the rhetoric of human rights
is perceived to be associated to the needs and interests of each social and political ac-
tor. Human rights rhetoric becomes fundamental in dispute for freedom, equality and
difference fields, but at the same time, it is fundamental for the maintenance of histo-
rically oriented hegemonic values. Religious institutions, important political and social
actors, have been creating a new discourse on human rights, especially those related to
sexuality and reproduction, in order to bring it closer to the scientific and legal langua-
ge, interpreting the content of human rights and recreating the meaning of such rights
with a new argument that is centered on the human right to life.
Keywords: Human rights; religion; sexuality; reproduction.
1. Introdução
Os direitos humanos, desde a sua invenção clássica até a sua concepção contem-
porânea, caracterizam-se como instrumento de lutas contra as opressões dos poderes
constituídos, bem como instrumento de luta por liberdade e por uma vida digna. Os
ideais que propiciaram a construção histórica de tais direitos originaram-se das necessi-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
dades e dos interesses humanos no contexto das relações sociais de poder. Pode-se di-
zer que “a tradição dos direitos humanos, desde a invenção clássica da natureza contra
a convenção até as lutas contemporâneas por libertação política e dignidade humana
contra a lei do Estado, sempre expressou a perspectiva do futuro ou do ‘ainda não’”
(DOUZINAS, 2009, p. 156-157).
Por sua vez, na sociedade contemporânea, a retórica dos direitos humanos está
presente em todos os espaços da sociedade, sendo usada pelos mais diferentes atores
sociais e políticos para justificar os seus discursos, as suas demandas, as suas resistên-
cias, suas lutas etc. Os direitos humanos tornaram-se a alma da política e da democra-
cia. Grande parte dos debates, embates, lutas e disputas no campo político e social são
traduzidos para a linguagem dos direitos humanos e da cidadania.
Considerando a centralidade do discurso dos direitos humanos na contemporanei-
dade, o que pretendo com o presente trabalho é refletir, criticamente, sobre as disputas
religiosas em torno do sentido e do conteúdo dos direitos humanos nas sociedades
democráticas. Para tanto, parto da premissa de que o religioso vem interpretando os
direitos humanos, principalmente aqueles relacionados à sexualidade e à reprodução,
no sentido de impedir/dificultar a garantia de tais direitos e, desta forma, de manter seu
histórico controle sobre os corpos e almas dos indivíduos.
Neste sentido, faz-se necessário esclarecer que toda e qualquer tentativa de eterni-
zar os direitos humanos e torná-los imutáveis, ao invés de fortalecer as possibilidades
de garantir novos direitos a novos sujeitos, na verdade nada mais faz do que tentar
legitimar os poderes instituídos. O fundamento absoluto dos direitos humanos não é 909
somente uma ilusão, mas, muitas vezes, também é uma forma de defender posições
conservadoras. Pois os direitos humanos nascem, renascem, morrem, modificam-se e
expandem-se de acordo com as necessidades sociais e individuais no contexto das
lutas, debates e embates no seio das relações sociais de poder e de acordo com os
interesses em conflito.
Contudo, parece que diante do enfraquecimento dos grandes projetos políticos e
sociais coletivos, os direitos humanos tornaram-se uma importante ideologia no espa-
ço público que instrumentaliza os debates, embates, lutas e disputas em torno de in-
teresses antagônicos. Grande parte dos conflitos, reivindicações, contestações etc. são
traduzidos para a linguagem dos direitos humanos. Desta forma, tal retórica tem sido
usada pelos mais diferentes atores políticos e sociais no sentido de avançar na garantia
da dignidade humana e, muitas vezes, no sentido de manter a opressão e a violação
dos direitos humanos.
Neste contexto, tendo em vista a centralidade dos direitos humanos no espaço
público na sociedade contemporânea, objetivo no presente trabalho problematizar as
disputas religiosas sobre o sentido e o conteúdo dos referidos direitos. Para tal análise,
faz necessário ressaltar que o direito é um instrumento de poder e que as lutas por
direitos humanos são simbólicas e políticas, mas que o resultado dessas lutas afeta
diretamente o cotidiano dos indivíduos. Desta forma, disputar o sentido, conteúdo dos
direitos humanos e interpretar tais direitos de acordo com as necessidades e interesses
de cada ator social e político torna-se fundamental no campo das disputas por liberda-
de, por igualdade, por diferença etc.
Desta forma, as instituições religiosas, enquanto importantes atores políticos e so-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
ciais, vem construindo progressivamente um novo discurso a respeito dos direitos hu-
manos, principalmente daqueles relacionados à sexualidade e à reprodução, de forma
a aproximá-lo da linguagem científica e jurídica. Enfim, as referidas instituições tem in-
terpretado o conteúdo dos direitos humanos e disputado o sentido de tais direitos com
um novo argumento que tem como centralidade o direito humano à vida. A vida ou o
direito humano à vida que tais instituições defendem está associado à vida biologiza-
da, natural, divina, que não pode ser negada nem discutida porque pertence a Deus e,
portanto, é sagrada. Sobre o “dogma” desta vida não há possibilidade de diálogo, uma
vez que o direito humano à vida na sociedade democrática tornou-se, para as referidas
instituições, um direito sagrado e absoluto.
Enfim, tentei problematizar a sacralização do direito humano à vida como disputa-
do e interpretado pelas instituições religiosas. Neste sentido, pudemos perceber que a
sacralização do direito humano à vida exclui e se sobrepõe a todos e quaisquer direitos
humanos, principalmente aos direitos sexuais e reprodutivos, que na interpretação das
instituições religiosas estão em conflito com o direito humano à vida. O que as referidas
instituições fazem ao tentar sacralizar o direito humano à vida, e consequentemente
sacralizar outros direitos humanos, na verdade, é disputar o sentido e o conteúdo de
tais direitos. Com isso, objetivam naturalizar, eternizar e sacralizar os direitos humanos,
ignorando que tais direitos são históricos, culturais e fruto das lutas sociais e políticas e,
assim, dificultar a conquista e a garantia de novos direitos aos sujeitos historicamente
excluídos.
910
2. As disputas religiosas sobre o sentido e o conteúdo dos direitos humanos no
contexto das democracias contemporâneas
Nas últimas décadas do século XX e no século XXI, a retórica dos direitos humanos
tornou-se a mola propulsora das sociedades democráticas e o ideal a ser conquistado
é a garantia de tais direitos. Neste sentido, o discurso da cidadania e dos direitos hu-
manos tem sido apropriado e interpretado por diferentes grupos em consonância com
suas lutas, reivindicações e resistências. Na contemporaneidade, praticamente todos os
discursos, as ideologias, as lutas, os debates e embates são traduzidos para a linguagem
da cidadania e dos direitos humanos. Neste contexto, presencia-se nas últimas duas
décadas do século XX e na década atual, o retorno da categoria de cidadania, o retorno
do cidadão e o triunfo da retórica dos direitos humanos como instrumento de legitima-
ção de ideologias progressistas e também conservadoras (KYMLICKA; NORMAN, 1997
e GAUCHET , 2004).
O retorno da categoria de cidadania e do cidadão e o triunfo da retórica dos direi-
tos humanos estão imbricados à nova onda de redemocratização em todo o mundo,
principalmente na América Latina nas últimas décadas do século XX, bem como à con-
juntura política e social de insegurança material e existencial, oriundas da intensificação
do fenômeno da globalização e da implantação do modelo neoliberal de acumulação
de capital. A implantação do neoliberalismo em escala global, bem como suas conse-
quências políticas e sociais resultaram em efeitos negativos significativos no que diz
respeito à cidadania e aos direitos humanos. Como salienta Douzinas,
“Com el tiempo há resultado claro, sin embargo, que muchos grupos – ne-
gros, mujeres, pueblos aborígenes, minorias étnicas y religiosas, homose-
xuales y lesbianas – todavia se siente excluídos de la ‘cultura compartida’,
pese a poseer los derechos comunes proprios de la ciudadanía. Los miem-
bros de tales grupos se sienten excluídos no solo a causa de su situación
socioeconômica sino también como consecuencia de su identidad socio-
cultural: su ‘diferencia’” (KYMLICKA; NORMAN, 1997, p. 12).
Com o ressurgimento dos movimentos sociais (dentre eles, novos movimentos re-
ligiosos e conservadores), bem como o surgimento de novos movimentos sociais, as
controvérsias entre a luta por igualdade e as novas exigências de legitimação da dife-
rença se acirram e atestam a natureza inacabada da cidadania e dos direitos humanos,
restando evidente que ambos estão em construção permanente. Neste contexto, ser
sujeito de direitos humanos e portador de cidadania não significa simplesmente um
“As origens da atual noção redefinida de uma nova cidadania podem ser
parcialmente encontradas na experiência concreta dos movimentos sociais
no final da década de 1970 e nos anos 80. Para os movimentos populares
urbanos, a percepção das carências sociais como direitos representou um
passo crucial e um ponto de inflexão em sua luta. Para os movimentos
sociais como o ecológico e os conduzidos por mulheres, negros e homos-
912 sexuais, a luta pelo direito à igualdade e à diferença encontrou claro apoio
na noção redefinida de cidadania. Uma parte significativa dessa experi-
ência comum foi constituída pela elaboração de novas identidades como
sujeitos, como portadores de direitos, como cidadãos iguais” (DAGNINO,
2000, p. 83).
Tal fato significou uma redefinição da noção de cidadania e de seu referencial, bem
como uma redefinição do conteúdo, do sentido e da interpretação dos direitos huma-
nos. Esta redefinição está relacionada a uma nova concepção de democracia identifica-
da, não somente com a democratização das instituições políticas, mas, também com a
democratização da sociedade como um todo, e com a busca da supressão das práticas
culturais fundadas em relações sociais de exclusão e desigualdade (DAGNINO, 2000, p.
80-81). No caso da América Latina, e especialmente do Brasil, como salienta Dagnino,
“Lutas por direitos humanos são simbólicas e políticas: seu campo de ba-
talha imediato é o significado de palavras, tais como diferença, igualda-
de ou semelhanças e liberdade, mas, se bem-sucedidas, elas acarretam
conseqüências ontológicas, transformam radicalmente a constituição do
sujeito jurídico e afetam a vida das pessoas. O uso criativo da retórica e, es-
pecificamente, de transferências metafóricas e metonímicas de significado,
impulsiona a campanha. A metáfora funciona quando um novo grupo es-
tabeleceu na lei e na realidade suas reivindicações de igualdade e diferen-
ça e se apropriou do valor simbólico do ‘significante flutuante’. Ele, assim,
torna-se o grupo ‘de base’ para a proliferação posterior de reivindicações
de direitos e para afirmações inovadoras de semelhança e diferença. Após
o reconhecimento de um direito geral à igualdade para gays e lésbicas,
por exemplo, mais direitos concretos serão reivindicados: idade igual para
consentimento a relações sexuais, o direito de casais de gays e de lésbicas
à união civil, à adoção de criança e aos mesmos benefícios tributários e
sociais concedidos aos heterossexuais etc. O mecanismo retórico da me-
tonímia, por outro lado, permite a transferência da suposta dignidade da
natureza humana a entidades que, embora não estritamente idênticas às
pessoas, são contíguas ou estão, de algum modo, relacionadas a elas. Os
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
direitos do meio ambiente dos animais, ou os supostos direitos do feto são
exemplos de tais direitos ‘metonímicos’” (DOUZINAS, 2009, p. 265).
Esta vida sacralizada reflete na sacralização dos direitos humanos, ao passo que a
vida é um direito humano “dado por Deus”. Neste sentido, a vida torna-se central nos
discursos e práticas oficiais das instituições religiosas, e seu significado simbólico vai
muito além da vida biológica. A vida, como defendida por tais instituições, torna-se
objeto da política. Assim, quem não a defende no contexto democrático é considerado
contrário aos ideais democráticos.
Na verdade, parece que estratégia das instituições religiosas é tentar fazer com que
a sociedade contemporânea esteja sob o comando de um poder teológico-político,
criando formas de ingerência religiosa no espaço público, principalmente em matéria
de sexualidade e reprodução. Tal estratégia tem como objetivo interferir e fazer preva-
lecer nos espaços públicos os seus princípios morais e religiosos no que diz respeito aos
direitos sexuais e reprodutivos. Vance frisa que,
Comentando as grandes religiões monoteístas, Chauí (2004) alerta que essas reli-
giões são obrigadas a enfrentar, na sociedade contemporânea, a pluralidade das con-
fissões religiosas rivais e a moralidade laica determinada pela sociedade e pelo Estado
secular ou profano. Tal fato faz com que inúmeras religiões de matriz cristã encarem a
ciência e o processo de racionalização social e política pelo prisma da rivalidade e da
exclusão, impossibilitando um debate fértil no espaço público democrático, uma vez
que os preceitos dessas religiões são revelados – dogmas – não passíveis de negocia-
ção. Para essa mesma autora, as religiões monoteístas “(...) se imaginam em relação
imediata com o absoluto, porque se imaginam portadoras da verdade eterna e univer-
sal, essas religiões excluem o trabalho do conflito e da diferença e produzem a figura
do Outro como demônio e herege, isto é, como o falso e o Mal” (CHAUÍ, 2004, p. 132).
1 Para maior aprofundamento sobre a categoria biopoder ver: Agambem (2002 e 2005) e Foucault (1988 e
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Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil. Disponível em: www.mapadaviolencia.org.br
1. Objetivos
Este trabalho tem por objetivos: analisar os aspectos da violência contra travestis
e transexuais no âmbito educacional; pesquisar as políticas públicas educacionais vol-
tadas para essa população. A classificação médico-jurídica da determinação do sexo
se baseia num binarismo de gênero a partir do sexo biológico (conjunto entre o sexo
genético, o sexo gonadal/hormonal e o sexo genital/morfológico), delimitando os indi-
víduos em homens (macho) e mulheres (fêmeas).
Como afirma Silva (2008, p. 11), “as travestis sofrem maior violência e preconceito
porque a marca da transgressão é nítida, visual e, portanto, afronta o poder heteronor-
mativo, muito menos evidente no gay ou na lésbica”, uma vez que a transexualidade
rompe com a correspondência esperada pelo discurso médico-jurídico, entre identida-
928 de de gênero – isto é, a compreensão biopsicossocial acerca do próprio corpo – e sexo
biológico; ao fazê-lo, é posta à margem do moralmente constituído e aceito, sendo
marginalizada pelo Direito e pela Medicina como algo passível de tratamento e cura
para readequação ao considerado normal.
Uma vez que a marginalização sócio-jurídica de travestis e transexuais implica na
negação de direitos básicos, como garantia de uma identidade civil reconhecida e, con-
sequentemente, fomenta discursos de violência, sobretudo, nas escolas e universida-
des, objetivamos entender aqui quais os modos de produção dessa violência e o que
pode ser feito para mudar essa realidade.
2. Metodologia
Por meio dos aportes teóricos, buscou-se compreender e relacionar a realidade
social de travestis e transexuais que estudam ou lecionam em escolas e/ou universida-
des de Vitória da Conquista, Bahia. Para tanto, além das referências teóricas, utilizou-se
o recurso de entrevistas semiestruturadas, com roteiro previamente elaborado, com
estudantes que se auto declararam transexuais, entre os anos de 2015 e 2016, e fazem
parte das atividades desenvolvidas no âmbito do subprojeto “As várias formas de vio-
lência contra LGBTs: homofobia no ensino superior”, parte do projeto de pesquisa “Di-
versidade e Educação: desvelando a violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis
e transexuais nos espaços escolares”, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
4. Referências 929
BORRILO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Tradução de Guilherme João de Freitas
Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
JUNQUEIRA, R. Diniz. Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Bra-
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dação Perseu Abramo, 2011.
REVISTA ADVIR. Diversidade sexual e universidade. Rio de Janeiro: ASDUERJ, n. 28, jul. 2012.
1. Objetivos
Avaliar a construção da identidade individual determinada pelas relações formadas
ao longo da vida com as experiências, primordialmente, no meio escolar, como local de
confronto de ideologias. Ressaltando que definição de gênero não é dada tomando por
base o órgão sexual, mas, na maioria das vezes, imposta pela moral do pânico.
No momento em que a cor rosa é para a menina e o azul para o menino uma
percepção nula aos olhos de uma criança é aos olhos de um adulto como uma visão
heteronormativa.
Precisamos estar a par das informações, no que tange o nosso direito de informar
e de sermos informados por quaisquer meios, processos ou veículos de comunicação
para conhecermos de fato os direitos que temos assegurados pela CRFB/88, como por
exemplo: os aspectos materiais de integridade física que é o direito de ampla disponi-
bilidade pelas partes do corpo, além dos direitos que podemos lutar para melhorar o
convívio em sociedade com mais respeito e tolerância de modo mútuo entre os cida-
dãos brasileiros.
930
Hodiernamente temos a multiplicidade de gênero presentes na sociedade gerando
cada vez mais embates culturais acentuados que vêm sendo analisados dentro das:
2. Metodologia
A comunicação é imprescindível para atender às demandas sociais, proporcionan-
do aos indivíduos viverem suas sexualidades e enfrentarem a homofobia, inserindo na
educação uma indagação de inovação para proporcionar uma informação aos aspectos
sociais atuais. E, exercer, dessa maneira, um diálogo entre o povo e os representantes
eleitos. Primordialmente nas esferas educacionais.
A Metologia empregada será de maneira clara e objetiva, na promoção de debates
e rodas de conversas entre alunos e professores, para elaboração de um relatório so-
bre a percepção dos indivíduos dentro os aspectos da sociedade atual, com múltiplos
gêneros.
3. Conclusão
Após uma abordagem sumária sobre os desafios da diversidade cultural da sexua-
lidade e de gênero, observamos que a multiplicidade de gênero presente na sociedade
gera cada vez mais embates culturais acentuados. 931
O maior desafio será aceitar esses embates e respeitar as escolhas de modo recí-
proco.
Portanto, ao indivíduo é imprescindível a necessidade de um olhar de relativização
e procurar deixar de lado a visão etnocêntrica.
4. Referências
. apud UNIDAS. Naciones, 1995, anexo, cap. VII, par. 7.2.– Saúde sexual e saúde reprodutiva,1. ed., 1. reimpr.
– Brasília : Ministério da Saúde, 2013
________ 1. ed., 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 04/06/2016.
1. Objetivos
Em meados do século XX, logo após o mundo ter passado pelas consequências
deixadas pela Segunda Guerra Mundial e presenciado o então surgimento da Organi-
zação das Nações Unidas (ONU), passou-se a formular um novo conceito em matéria de
Saúde, deixando de lado a velha ideia da saúde como somente o tratamento e a cura
dos males e doenças que acometiam os indivíduos. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) traz em 1946 um novo conceito, amplo e abrangente, compreendendo a saúde
como “o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a
ausência de doença.”
Dessa forma, pôde-se pensar novas maneiras de ver e efetivar a saúde, trazendo
práticas que acolheram de forma mais próxima os indivíduos que necessitavam desse
tipo de cuidado. Assim nasceram as chamadas práticas integrativas em saúde, mais es-
pecificamente na Conferência Mundial de Alma-Ata, realizada em 1978 na União Sovié-
tica. Nesta Conferência a OMS trouxe a importância da implementação de uma política
932
de atenção de Saúde para Todos, através da preconização de práticas das chamadas
medicinas tradicionais, naturais, perpassando pela cultura do cuidado (cuidar do corpo
e mente para a harmonização do ser).
No Brasil, também houve a conscientização sobre essa nova maneira de ver a saúde.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, dispõe a saúde como um direito
fundamental: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políti-
cas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e
recuperação”.
A Magna Carta também instituiu o Sistema Único de Sáude (SUS), trazendo à mar-
gem a abertura que o sistema de saúde brasileiro necessitava para também imple-
mentar em seu bojo as práticas integrativas. O SUS nasce num ambiente onde há a
prevalência e o foco na promoção do bem de todos os indivíduos, sem preconceitos de
origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Dá abertura
também para o tratamento da saúde de forma integral, enfatizando o direito à saúde
inserido também no rol dos direitos humanos.
Porém, a efetivação das práticas humanizadas dentro do SUS somente começou a
ser realizada com a expedição da Portaria nº 971, de 03 de maio de 2006, que aprovou
a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único
de Saúde. Mesmo assim, ainda encontra-se algumas dificuldades na total e plena in-
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão Gênero, Sexualidade e Direito do VI Seminário
Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de
agosto de 2016.
3. Conclusão
Desse modo, conclui-se que o Direito à Saúde, com ênfase no direito da mulher ao
parto humanizado, é de extrema importância dentro da seara das lutas femininas da
atualidade no rol das práticas integrativas em saúde. Percebe-se que há a necessidade
4. Referências
VENTURI, Gustavo. Direitos Humanos: percepções da opinião pública. 1 ed. Brasília: Secretaria de Direitos
Humanos, 2010.
MORAES, Eleonora de. “O que é Parto Humanizado?” In: despertar do parto. São Paulo. Sem data. Disponí-
vel em:<http://www.despertardoparto.com.br/parto-humanizado---o-que-eacute.html> Acesso em: 07 jun.
2016.
934
1. Objetivos
Em 1948, com o nascimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os
Direitos Humanos passaram a ter maior reconhecimento no cenário socioeconômico
mundial. Porém, quando da aplicação de tais direitos, surgiram algumas discussões,
na medida em que nem todos os povos compartilham os mesmos valores, tampouco
possuem o mesmo entendimento a respeito do arcabouço mínimo de direitos inerentes
a cada ser humano.
Os Direitos Humanos estão dispostos na Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos, sendo que também se fundamentam nos textos provenientes de outras fontes
que lutam pela sua completa afirmação, a exemplo da Organização das Nações Unidas
(ONU), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNES-
CO), Organização Mundial da Saúde (OMS). Também é relevante a assertiva de que os
Direitos Humanos buscam ser firmados mediante tratados e convenções que promo- 935
vem debates a respeito de seu reconhecimento e aplicabilidade.
Em contraposição a essa ideia, existe o relativismo cultural, teoria que defende a não
imposição de valores de uma sociedade em outra (e nesse contexto, estão inseridos os
Direitos Humanos), na medida em que a formação de pensamentos referentes ao direi-
to nas sociedades decorre de circunstâncias históricas que estão intimamente ligadas ao
modo de viver e à cultura de cada povo. Desse modo, não haveria um conceito universal
do que seriam os direitos humanos e como estes deveriam ser aplicados.
No contexto de práticas culturais contrapostas a direitos mínimos inerentes ao ser
humano, cabe mencionar a cirurgia de circuncisão feminina. Trata-se de uma mutilação
do aparelho genital feminino, que consiste, basicamente, na extirpação, parcial ou to-
tal, do órgão genital. Essa é uma prática cultural milenar realizada em países africanos,
árabes e asiáticos, e hoje, em face dos intensos processos migratórios, atinge também
a Europa e a América.
Essa mutilação atinge grande número de mulheres e crianças todos os anos, sendo
justificada com variados argumentos por aqueles que a praticam, como proteger a vir-
gindade da mulher e a honra da família, impedir que esta tenha prazer no ato sexual ou
mesmo purificação da mulher. A cirurgia é feita muitas vezes sem qualquer cuidado, ge-
rando para a mulher que a ela foi submetida uma série de consequências, como proble-
mas de saúde física e psicológica, esterilidade e até a morte. Desse modo, essa prática
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão Gênero, Sexualidade e Direito do VI Seminário
Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de
agosto de 2016.
2. Metodologia
Análise de artigos científicos, dissertações e teses atinentes à temática.
3. Conclusões
De tudo isso, conclui-se que, em que pese o reconhecimento da diversidade cul-
tural e das crenças arraigadas em cada povo, práticas culturais que violem os direitos
mínimos consagrados universalmente não podem ser toleradas. Na balança entre os
Direitos Humanos e a heterogeneidade cultural, o ideal é que se promova uma pon-
deração, de modo a não se excluir completamente um ou outro, mas que haja uma
preponderância da máxima efetividade dos direitos mínimos de cada ser humano, firme
no propósito maior de proteção da dignidade da pessoa humana.
4. Referências
MARTINS, Urá Lobato. Direitos Humanos: universalismo versus relativismo. In: Jus Navigandi, Teresina, XVI,
936 n. 2862, mai. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19027/direitos-humanos-universalismo-versus
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ARAÚJO. Márcia Gleide Cavalcante de. A visão dos direitos humanos universais sobre a mutilação genital fe-
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nível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0533a888904bd486>. Acesso em: 26 fev. 2016.
1. Objetivos
O trabalho faz uma reflexão sobre a necessidade do empoderamento de mulheres
no campo e relatar a experiência da participação da pesquisadora no Estagio Interdisci-
plinar de Vivência – EIV (2013) em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra – MST e também no projeto “Empoderamento Político das Mulheres
do Assentamento Bom Sucesso” realizado no ano de 2014 pela Universidade Federal de
Goiás – UFG através do Programa de Educação Tutorial - PET.
A pesquisadora aproximou-se da temática a partir da experiência do EIV no qual
passou e 7 dias em um acampamento do MST precisamente no Acampamento 8 de
Março em Brasília/DF; durante esse período observou a rotina dos acampados, organi-
zação e articulação política; divisões de brigadas sempre compostas por homens e mu-
lheres atuantes, um “acampamento feminista” todas as ruas tinham nomes de mulheres
exemplo: Pagu, Rosa Luxemburgo, Frida, Dandara, Simone de Beauvoir, dentre outras.
Todavia não são todos os acampamentos em que essa metodologia prevalece muito
menos os Assentamentos de Reforma Agrária. A partir dessa reflexão a pesquisadora 937
procurou refletir sobre a necessidade e dificuldade de tratar gênero no espaço rural e
buscou aprofundar nos estudos e discussões sobre a temática.
No ano de 2014 foi realizado o projeto de Extensão “Empoderamento Político das
Mulheres do Assentamento Bom Sucesso” por meio do grupo PET Regional Goiás da
Universidade Federal de Goiás no qual buscava realizar atividades que promovessem o
empoderamento de mulheres, projeto em parceria com o município de Goiás a pesqui-
sadora participou do desafiante e enriquecedor projeto.
2. Metodologia
O projeto teve como objetivo refletir sobre o papel de mulheres no campo e propi-
ciar o empoderamento político destas. Deste modo, foi organizado em quatro módulos:
discussão de políticas públicas para as mulheres; sexualidade e saúde mental; previ-
dência social e economia criativa, além de rodas de conversas que oportunizaram as 35
participantes expressassem seus anseios e frustrações como mulheres. Houve debates
sobre a emancipação feminina através dos direitos das mulheres e a compreensão da
mulher no meio rural não apenas como companheira, mas como sujeito ativo da forma-
ção política e social da realidade em que estão inseridas. Ao fim do debate do último
modulo foi requisitado que as participantes escrevessem o lado bom e ruim de ser
mulher foi então perceptível que toda a atividade trouxe inquietações sobre o cotidiano
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão 6. (GÊNERO, SEXUALIDADE E DIREITO) do VI Semi-
nário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27
de agosto de 2016.
3. Conclusões
Através do projeto de extensão foi notório a subordinação da mulher nos espaços
rurais, a divisão social do trabalho é muito presente no cotidiano dessas mulheres, es-
tas são excluídas das discussões e decisões políticas; sua função e cuidar do lar e dos
filhos, muitas não reconhecem suas “tarefas” domésticos como trabalho, a educação no
campo e a discussão de gênero tem a tarefa de conscientizar homens e mulheres por
meio do conhecimento.
As mulheres são encorajadas a não expor suas ideias, já que as tarefas domésticas
e o cuidar dos filhos e marido faz com que o tempo para estudar seja reduzido, oca-
sionando maior desgaste devido ao acúmulo dessas tarefas e impossibilitando que as
mesmas estejam em condições iguais em relação aos homens. Predominando a figura
do homem no espaço público e da mulher no espaço privado.
Sendo assim, a pesquisadora pode observar que a realidade do assentamento foi
totalmente diferente das expectativas advindas a partir do Estágio Interdisciplinar de Vi-
vência – EIV; concluindo que discussões de gênero deve estar presente na formação dos
938 militantes do MST, e estas discussões não devem ceder mesmo que a terra já tenha sido
conquistada; o empoderamento e engajamento de mulheres da cidade e do campo se
faz necessário para que as desigualdades postas possam ser superadas.
Depois dessa conscientização promovida por meio do projeto de extensão é neces-
sário que as mulheres se organizem e lutem por condições igualitárias rompendo com
o padrão patriarcal burguês, a discriminação, subordinação e desigualdade de gênero.
Transformando e construindo relações mais igualitárias participando dos conselhos e
adquirindo papeis de liderança, coordenação e representantes de cooperativas e mo-
vimentos sociais.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2011.
939
940
MUNDO DO TRABALHO,
MOVIMENTO SINDICAL E DIREITO
The Labor Law in the face of the context of productive restructuring and the casualiza-
tion of female labor: The issue of work’s domiciliation in the industrial pole of Franca-SP
Abstract: To understand the precariousness process of work by labor law and the con-
flicts arising from the reorganization of work’s domiciliation within the context of recent
changes in the work’s regulamentation is required a legal analysis of the formation and
construction of the legal phenomenon against the resurgence of flexible working and
productive restructuring. In the present paper will be performed a theoretical and empi-
rical analysis of the legal elements of these issues, to understand the various issues rela-
ted to the specificities of the industrial pole of Franca/São Paulo. Aiming to understand
legal phenomenon in it’s context of flexible working, in other words, how the Labour
Law have following and tutored such transformations, will be performed the analysis
of the conflicts arising from the female work’s domiciliation reorganization in this in-
dustrial pole within the context of these recent changes in the productive restructuring
Thus, it will be sought to understand what are the main legal demands of these workers
and how labor law comprises such demands..
Keywords: Productive restructuring; Genre; Law and Social Movements.
Figura 16
946
3 Idem, p.49.
4 NAVARRO, Vera. “A indústria de calçados no turbilhão da reestruturação”. In: ANTUNES, Ricardo (Org.).
Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 424.
5 BARBOSA, Agnaldo de Sousa. RELATÓRIO DE PESQUISA: ATUAÇÃO PÚBLICA E EFICIÊNCIA COLETIVA EM
ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS (…) Franca, 2013, p. 49.
6 Fonte: BARBOSA, Agnaldo de Sousa. RELATÓRIO DE PESQUISA: ATUAÇÃO PÚBLICA E EFICIÊNCIA COLETIVA
EM ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS O Caso do Pólo Industrial de Franca-SP. Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Franca, 2013, p. 46.
Figura 28
(...)
Já o art. 3º da CLT cujo caput dispõe que “considera-se empregado toda pessoa
física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência
deste e mediante salário” foi amplamente utilizado como o dispositivo jurídico que
elenca os requisitos para o estabelecimento do reconhecimento de vínculo empregatí-
cio, que são: a pessoalidade, a não-eventualidade, a subordinação e a onerosidade (ou
seja, o salário).
Faz-se mister ressaltar que o princípio da primazia da realidade também foi elenca-
do na fundamentação da sentença judicial, nos seguintes termos:
Por fim, em que se pese uma primeira análise de que a Justiça do Trabalho busque
assegurar, a partir da doutrina e da jurisprudência, a aplicação do Direito no sentido
de valorização do trabalhador por entendê-lo como o elo mais “frágil” da relação de
emprego, nesse contexto de superexploração do trabalho, uma análise crítica desse
fenômeno evidencia que o alijamento destes sujeitos em relação às poucas garantias e
direitos trabalhistas conquistados através das lutas sociais acaba sendo justificado pelo
próprio Direito, uma vez que as trabalhadoras acabam se submetendo à precarização
do trabalho e a subcontratação pelo próprio Direito do Trabalho que, de uma forma ou
de outra, acaba por legalizar e legitimar a própria flexibilização aliada aos contratos de
terceirização.
Nesse sentindo, é fundamental elencar a questão da tramitação do Projeto de Lei
4.330-A/2004, conhecido como “PL da terceirização”, que se aprovado, permitirá a
generalização da terceirização para toda a economia, provocando a lesão de direitos
sociais, trabalhistas e previdenciários no País. Para compreender tais fenômenos é
necessária uma análise dialética e ontológica da formação e da construção do direito
do trabalho que compreendam os conflitos advindos da reorganização do trabalho
dentro do contexto das transformações do mundo do trabalho das últimas quatro
décadas.
Considerações Finais
A sociedade civil-burguesa é a mais complexa e desenvolvida relação histórica de
produção, portanto a compreensão das categorias que exprimem as relações desse tipo
de sociabilidade nos peritem compreender de forma crítica o desenvolvimento histó-
rico e dialético dos fenômenos que se desenvolvem no cerne das sociedades dentro
do atual modelo capitalista de organização da sociedade. Uma vez que o trabalho é
elemento central da relação entre o homem e a natureza, compreender a centralidade
do trabalho é fundamental para a crítica das transformações no mundo do trabalho
advindas da reestruturação produtiva do capital, como também o processo de estru-
turação e consolidação do Direito, e principalmente, do Direito do Trabalho dentro do
atual modelo de reprodução do capital.
951
Notadamente, o Direito do Trabalho como o compreendemos atualmente, ou seja,
sob a perspectiva da normatividade do Estado, se dá a partir do advento do capitalismo,
pois embora a regulamentação das relações de trabalho esteja presente em todos os
momentos da organização humana em sociedade, somente com as relações de traba-
lho e de produção advindas da Revolução Industrial fez-se necessária a construção do
Direito do Trabalho e da regulamentação jurídica como um todo.
Sendo assim, para a compreensão da dinâmica de precarização do trabalho a partir
da própria instrumentalidade do Direito e as transformações do mundo do trabalho e
dos movimentos operários e sindicais no contexto da reestruturação produtiva, é fun-
damental a crítica, histórica, dialética e ontológica do fenômeno jurídico.
O primeiro ponto a ser destacado é o surgimento da mediação política, entendi-
da enquanto mediação das classes sociais. O surgimento desta, inevitavelmente, tem
ligação com o surgimento do Estado entendido enquanto um complexo especializado
acima da sociedade. Nesse sentido, é importante destacar que o Estado nasce da ne-
cessidade da classe burguesia conferir a seus interesses de classe um caráter geral que
ocultasse os mecanismos de garantia da propriedade privada e da dominação de classe.
É dentro desse contexto que a mediação política fez surgir dentro da divisão social do
trabalho a forma dos juristas e a chamada “via institucional” na qual o Direito apresen-
ta-se enquanto elemento indissociável do Estado e da mediação política. Por tanto, o
Direito surge como ferramenta de dominação de classe uma vez que este é essencial
à mediação dos conflitos inerentes à luta pela dominação e hegemonia na sociedade
capitalista.
Embora seja fundamental a crítica ontológica e marxista do Direito, tal crítica não
deve se esgotar na exposição dos mecanismos de dominação do Direito pela classe
dominante com a finalidade de manutenção do status quo e de reprodução do capital.
Sendo assim, cabe ao pensamento jurídico crítico a construção de novos fundamentos
de validade do fenômeno juridico. Ou seja, não basta compreender os mecanismos
a partir dos quais o direito se estrutura, é operacionalizado e se efetiva: é necessário
pensar novos paradigmas de legalidade e de legitimidade do Direito. Nesse sentido,
faz-se necessária uma nova práxis do Direito pautada na perspectiva descentalizadora
e antidogmática do fenômeno jurídico, em outras palavras, um novo fundamento de
validade das normas não mais pautada na lógica mercantil-capitalista, mas sim na luta
organizada dos movimentos sociais.
15 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr, 2000,
p. 23.
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Centro de Estudios Ecuménicos, 1984.
TORRE RANGEL, Jesús Antonio de la. El derecho que nace del pueblo. Bogotá: FICA; ILSA, 2004.
16 TORRE RANGEL, Jesús Antonio de la. El derecho como arma de liberación en América Latina. México, D.F.:
Centro de Estudios Ecuménicos, 1984, p. 101.
Resumo: O presente estudo tem por objetivo fundamental analisar os desafios atuais
da proteção social do trabalho rural no Brasil, a partir da confrontação da configuração
atual do mercado de trabalho rurícola, as estratégias de formalização das relações de
emprego e as discussões sobre os fenômenos da precarização/flexibilização no campo
brasileiro. Será dada prioridade a analise dos aspectos jurídico-trabalhistas mais rele-
vantes da regulação do emprego rural, destacando suas características, pressupostos e
sujeitos, aspectos fundamentais do contrato de trabalho e os principais direitos decor-
rentes da referida relação, com vistas à percepção crítica das medidas legais de exten-
são das garantias sociais trabalhistas aos/as trabalhadores/as do campo.
Palavras Chave: Trabalho Rural; Precarização; Flexibilização
Abstract: The fundamental aim of this study is to analyze the current challenges of
social protection of rural work in Brazil, starting from the confrontation of the current
configuration of rural labor Market, the strategies of formalisation of employment re-
954 lationships and discussions on the phenomena of precariousness/deregulation in the
brazilian countryside. The analysis of the more relevant legal aspects of regulation of ru-
ral employment, highlighting its characteristics, assumptions and subjects, fundamental
aspects of the labor contract and the main rights arising out of the said relationship will
be given priority, focusing on the critical perception of legal measures for extension of
labor social guarantees to rural workers.
Keywords: Rural Labor; Precariousness; Flexibilitzation
959
2 Estratégias de formalização do trabalho rural – no limite entre o previsto e
o possível
O desenvolvimento das relações capitalistas na agricultura não conseguiu forjar a
homogeneização das relações de trabalho no campo, tendência forte que marcou du-
rante décadas as análises da questão agrária no país. O que se verificou foi justamente
o oposto. O avanço do capitalismo na agricultura se deu de forma bastante complexa,
na medida em que articulou em seu processo de reprodução ampliada o uso de velhas
(no sentido de historicamente já desenvolvidas) e novas relações de trabalho, intensi-
ficando o seu caráter heterogêneo. O principal resultado dessa configuração diversa
do mercado de trabalho rural se expressa no limitado grau de assalariamento das ati-
vidades agrícolas, mais ainda de seu núcleo formal (detentor de direitos). Nesse caso, a
baixa taxa de formalização das relações de assalariamento e a própria heterogeneidade
das relações de trabalho só podem ser compreendidas a partir da analise cuidadosa das
desigualdades socioeconômicas que lhes sustentaram e sustentam.
Os debates e as ações em torno da regulação pública do trabalho rural deparam-se
frente a um contexto de extrema desigualdade do mercado de trabalho. Apontam os
autores que vários são os fatores que tornam a tarefa da regulação ainda mais com-
plexa, podendo-se destacar: (i) a heterogeneidade estrutural do mercado de trabalho
rural; (ii) as múltiplas identidades do próprio trabalhador rurrícola, portando-se ora como
produtor autônomo ora como assalariado, ora na agricultura ora em atividades rurais
não-agrícolas, ora no campo ora na cidade; (iii) a própria extensão territorial do país, sua
configuração fundiária, o tamanho e o isolamento dos estabelecimentos; (iv) a dificuldade
de organização dos trabalhadores; (v) a situação de pobreza elevada (idem, p. 60).
Como bem apontou o dirigente sindical, mais do que elaborar novos institutos le-
gislativos ou realizar planos bem construídos, o desafio da proteção social do trabalho
968 rural está na urgente efetivação das garantias trabalhistas no dia-a-dia das relações de
emprego no campo brasileiro, para que resguarde de forma concreta o trabalhador
rural frente às contradições crescentes de um modelo de desenvolvimento centrado na
expropriação ampliada do trabalho, somados aos problemas estruturais que marcaram
[e ainda marcam] o mercado de trabalho rural no Brasil.
3 Considerações pontuais
Ao longo da história brasileira, o/a trabalhador/a do campo sempre foi tratado/a
como personagem subalterno, tendo seu trabalho sofrido intenso processo de desvalo-
rização. A regulação pública, apesar dos avanços pontuais, passando de uma dimensão
meramente formal, para outra de cunho mais social (com a edição do ETR em 1963,
substituído pela Lei 5.889/73 e com a promulgação da Constituição Federal de 1988),
não garantiu as transformações necessárias à construção de relações de trabalho me-
nos degradantes no setor agropecuário.
____________________________
3 Sobre o PRONACAMPO ver em: http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetiza-
cao-diversidade-e-inclusao/programas-e-acoes?id=18720
4 Sobre o PRONATEC ver em: http://portal.mec.gov.br/pronatec
5 Sobre o PAT ver em: http://www.mtps.gov.br/pat
4 Referências
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htm>, acessado em 18 de Maio de 2011.
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planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 14 mai. 2016.
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L10256.htm>. Acesso em: 18 de mai. 2016.
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972
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar as mudanças recentes nos di-
reitos das trabalhadoras domésticas no Brasil, apontando os novos e velhos impasses
na luta por reconhecimento. Para tanto, inicialmente, compreenderemos o desenvol-
vimento histórico do trabalho doméstico no país, com o intuito de perceber o seu
quadro atual de exclusão social. Em seguida, enfocaremos a constituição das relações
de trabalho no Brasil e a formação do trabalho livre como realidade ampla e concreta,
com a finalidade de compreender como emerge na sociedade brasileira a temática da
cidadania e os seus efeitos para a classe trabalhadora e, mais precisamente, para as
trabalhadoras domésticas. Nessa linha, partindo-se da teoria do reconhecimento de
Nancy Fraser, abre-se um debate teórico consistente para compreender, de um lado,
como se estruturam na contemporaneidade as desigualdades históricas incidentes so- 973
bre a dinâmica das relações de trabalho doméstico e, por outro lado, como enfrentar os
seus dilemas para a desconstrução simbólica e material dessa realidade, a partir tanto
de uma dimensão redistributiva como de uma dimensão de reconhecimento. Dessa
forma, apontaremos que a luta por reconhecimento não se encerra com a igualação de
direitos, sendo necessária a desconstrução simbólica e material do quadro de exclusão
social.
Palavras-Chave: Trabalhadoras Domésticas; Direitos; Luta por Reconhecimento.
Abstract: This paper aims to analyze the recent changes in the rights of the female
domestic workers in Brazil, highlighting the new and old dead-locks in the fight for re-
cognition. To do so, at first we will understand the historical development of domestic
labor in the country, intending to notice its current state of social exclusion. Then, we
will focus on the constitution of labor relations in Brazil and on the formation of free
work as a wide and concrete reality, aiming to understand how the theme of citizenship
comes up in the Brazilian society and what are its effects for the working class, precisely
for the female domestic workers. Along this line, starting from Nancy Fraser’s theory
of recognition, a new theoretical debate opens. It is consistent to understand, on one
hand, how the historical iniquities appurtenant to domestic labor relations are struc-
tured in contemporaneity, and, on the other hand, how to face their dilemmas for the
symbolic and material deconstruction of this reality – from both a redistributive and a
recognition dimensions. Thus, we will highlight that the fight for recognition does not
concern only equalization of rights. A symbolic and material deconstruction of the so-
cial exclusion state is necessary.
Keywords: Female domestic workers; Rights; Fight for recognition.
Inicialmente, note-se que a filósofa americana constrói a sua teoria crítica conside-
rando a articulação das dimensões do reconhecimento e da redistribuição, ou em ou-
tras palavras, relaciona questões culturais com a economia política, evidenciando como
tal articulação é funcional no quadro de desigualdades sociais sofridas por determina-
dos grupos ou coletividades. Nessa linha, o seu constructo teórico permite compreen-
der como determinados valores culturais tornam legítimas a inclusão incompleta 2 das
trabalhadoras domésticas no campo do Direito do Trabalho, bem como desigualdades
econômicas fundamentam padrões sociais simbólicos que impedem ou dificultam te-
matizar as suas iniquidades como uma questão social relevante.
Nesse sentido, Jamile Campos da Cruz (2012) assinala que o trabalho doméstico se
desenvolve sob estereótipos e construções de gênero e raça intrinsecamente ligados
a naturalização de elementos inferiorizadores da mulher negra. Afirma ainda a autora
que outros pesquisadores apontam para a naturalização das desigualdades enquanto
processos políticos e ideológicos que estruturam as desigualdades raciais e de gênero
numa sociedade de classes. Já Mary Garcia Castro (1992, p.60) reconhece que, na so-
ciedade brasileira, identificam-se historicamente sistemas de privilégios que se perfilam
de forma nítida, podendo-se referir a um sistema de raça, a um sistema de gênero e a
um sistema de geração, com hierarquias próprias e relações legitimadas, sendo que tais
sistemas não são explicados por causações lineares ordenadas pela questão de classe.
_________________________
2 Compreendo inclusão incompleta como um processo de inserção limitada, precária e restritiva das traba-
lhadoras domésticas no mercado de trabalho, regido por uma legislação trabalhista com baixa efetividade,
negadora de direitos fundamentais trabalhistas mínimos para a categoria.
5. Considerações Finais
Diante do exposto, pretendeu-se argumentar que a igualação de direitos das traba-
986 lhadoras domésticas com os demais trabalhadores aponta para novos e velhos impas-
ses na luta por reconhecimento, sendo necessária a desconstrução simbólica e material
do quadro de desigualdade social para se dar efetividade a tais direitos.
Nessa linha, ao compreender o desenvolvimento histórico do trabalho doméstico
no país, bem como emergência na sociedade brasileira da temática da cidadania e os
seus efeitos para as trabalhadoras domésticas, torna-se imprescindível a construção
desse debate como uma questão social relevante, que exponha a articulação entre a
dimensão cultural-simbólica e a injustiça socioeconômica, que se entrelaçam e funda-
mentam o quadro de desigualdade material.
Assim, a teoria do reconhecimento de Nancy Fraser pode ser uma ferramenta analíti-
ca capaz de expor como normas culturais enviesadas de forma injusta contra alguns são
institucionalizadas no Estado e na economia, enquanto que as desvantagens econômicas
impedem participação igual na fabricação da cultura em esferas públicas e no cotidiano,
tendo como resultado um ciclo vicioso de subordinação cultural e econômica.
Referências
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secular das desigualdades. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
Resumo: Este trabalho tem como objeto analisar quais as políticas públicas de com-
bate ao trabalho escravo contemporâneo (TEC) do Ministério Público do Trabalho de
Sergipe. Essa abordagem se justifica pelo fato de somente em 2014 ter sido registrada
a primeira libertação de trabalhadores escravizados em Sergipe, o que provocou a dis-
cussão se antes dessa data havia TEC no Estado. Assim, para entender melhor o caso,
é necessário estudar as instituições responsáveis pelo combate ao TEC em Sergipe,
como é o caso do MPT-SE. Tal estudo será feito por meio da análise dos mecanismos
que o referido órgão detém voltados para o combate a essa prática, bem como através
do Estudo do Caso da Fazenda Taquari, que ensejou a propositura de uma ação civil
pública, ainda em tramitação. Além disso, foram realizadas observações participantes
988 e entrevistas com procuradores do trabalho, a fim de entender de que forma o Parquet
tem influenciado para a prevenção e repressão da escravidão em Sergipe. Observamos
que o MPT-SE possui mecanismos de combate ao TEC, sendo um órgão com postura
combatente, no entanto, ainda encontra uma série de dificuldades, como a falta de
denúncias e a escassez de recursos.
Palavras-Chave: Ministério Público do Trabalho de Sergipe; Políticas Públicas; Trabalho
escravo contemporâneo.
Abstract : This article aims to analyze which are the public politics against contempo-
rary slave labor from the Labor Prosecution Office of Sergipe. This approach is justi-
fied by the fact that only in the year of 2014 have been registered the first release of
enslaved workers in Sergipe, what caused the discussion if before that day there were
any CLS in the state. Therefore, to a better understanding of the case, it is necessary to
study the responsible institutions for combating the CLS in Sergipe, as in the case of
LPM-SE. Such a study will be made by the analysis of the mechanisms that the referred
government agency has aimed to combat this practice, and by the Taquari Farm Case
Study, which permitted the filing of a public civil action, still in progress. Furthermore,
were made participants observations and interviews with labor prosecutors, in order to
understand how the Parquet has influenced for the prevention and repression of slavery
in Sergipe. We observed that the LPM-SE has combat mechanisms of the CSL, being a
goverment agency with fighting stance, however, it still finds a number of difficulties,
such as the lack of complaints and the scarcity of resources.
Keywords: Labor Prosecution Office of Sergipe; public politics; contemporary slave labor.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Mundo do Trabalho, movimento sindical e direito do VI
Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23
a 27 de agosto de 2016.
2 Lei n° 3.353 de 13 de maio de 1888, conhecida como “Lei Áurea”, determinou em seu art. 1º: “Art. 1º. É
declarada extinta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brasil.”.
3 As discussões acerca do conceito de Trabalho Escravo e sua denominação serão abordadas com mais pro-
fundidade em tópico específico.
4 Bancos e outros setores do comércio tinham acesso a essa lista, o que prejudicava os empregadores
nessa situação em relação a obtenção de financiamentos, empréstimos, etc. Infelizmente, no final de 2014,
o Supremo Tribunal Federal suspendeu a “lista suja”, que se encontra suspensa até hoje, sob, entre outros
argumentos, de que não há garantia da ampla defesa para os empregadores. No entanto, em maio de 2016,
o Ministério do Trabalho assinou uma nova portaria interministerial que recria o cadastro de empregadores
flagrados utilizando trabalho escravo, mas ainda não há previsão para publicação de uma nova relação.
(SAKAMOTO, 2016).
5 Trata-se de caso em que, segundo Relatório elaborado pelo MPT-SE, a Fazenda de cana de Açúcar Taquari
LTDA e a Agro Industrial Capela LTDA estavam fazendo uso de trabalhadores aliciados no interior de outros
Estados, notadamente Alagoas e Pernambuco, sem garantir o retorno destes ao local de origem, fazendo com
que os empregados se submetessem à condições de trabalho degradantes. (Ação civil pública nº 0001606-
62.2014.5.20.0011).
7 Faz-se referência aqui a Escravidão moderna como a escravidão típica dos tempos coloniais, caracterizada
pelo elemento racial, somente sendo escravos os negros, pela compra do escravo e não pagamento de salário.
8 A Convenção 29 da OIT, por muitas décadas, influenciou o conceito do TEC no Brasil e, até os dias atuais,
ainda ajuda a firmar a convicção dos Magistrados. (ANDRADE, pág. 152).
Assim, além das formas análogas, o artigo fala em basicamente quatro situações:
submeter alguém a condições análogas a de escravo, englobando o trabalho forçado,
degradante, jornadas exaustivas, e escravidão por dívida.
9 Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a
oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia
o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II
– mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do tra-
balhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é come-
tido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
[...] Tem uma que eu insisto que é a escravidão por dívida, o barracão, a
pessoa, todos os bens de consumo que ela tem de alimentação, higiene
pessoal, ela adquire através do empregador, ele “vende” ali, com valores
exorbitantes, e esses valores são descontados dos salários de forma que
muitas vezes eles sequer recebem salário.
Então ele fica ali escravo, preso em uma dívida de coisas que o emprega-
995
dor teria que fornecer, mas na verdade, fornece através do pagamento, do
desconto de valores, com preços exorbitantes, e aí você tem esse regime
de escravidão por dívida.
10 Constituição Federal, Art.127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicio-
nal do Estado, incumbindo-lhe a defesa de ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
11 LC 75/93. Art. 83, III. Promover ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interes-
ses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; Art. 84, II. Instaurar
inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos
direitos sociais dos trabalhadores.
12 Capítulo II, do Título I, da Lei em estudo, o Art. 6°, VII, d.
13 São interesses metaindividuais: Os interesses difusos, caracterizados por serem indetermináveis, indivisí-
veis e nascerem de uma situação de fato; Os interesses coletivos, que são determináveis, indivisíveis e nascem
de uma relação jurídica; E os interesses individuais homogêneos que são determináveis, divisíveis e nascem
de uma situação de fato.
14 No presente trabalho, ao se referir a informações obtidas através de observação participante será utilizada
a primeira pessoa no singular, uma vez que são impressões do próprio autor, característica dessa técnica de
pesquisa.
1005
1. Objetivo
O objetivo deste trabalho é analisar a participação dos sindicatos dos trabalhadores
e trabalhadoras rurais atuantes no atual Território de Identidade do Sudoeste Baiano,
além da sua atuação destes sindicatos nos municípios junto aos agricultores.
2. Metodologia
Inicialmente, fez-se o levantamento bibliográfico sobre o tema. Depois, dividiu-se
a pesquisa em duas etapas empíricas para a coleta de dados em campo, que posterior-
mente seguiu-se com a Análise e diagnóstico dos sistemas agrários (DAS) de acordo
com os princípios metodológicos, descrita por Garcia Filho (1999). Na primeira etapa,
participou-se das reuniões dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável
nos 24 municípios do território supracitado, realizando-se entrevistas com representan-
tes dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR’s) e dos Sindicatos
dos Pequenos Trabalhadores Rurais (SPTR’s). Na segunda etapa, visitou-se as comu-
1007
nidades rurais destes municípios, aplicando-se um questionário semiestruturado para
alguns dos moradores, de modo mais representativo possível.
Posteriormente, tabulou-se e analisou-se os dados obtidos através das entrevistas e
dos questionários, cuja análise se deu de forma qualitativa e quantitativa.
3. Conclusões
O sindicalismo rural brasileiro foi regulamentado em 1962 pelo Presidente João
Goulart que, ao invés de se basear em acordos com a oligarquia rural, elevou ao extre-
mo o corporativismo, o aparelhismo e a referência de "ação" limitada à base territorial
de abrangência municipal que se tornaram a marca registrada do movimento sindical
brasileiro da época (THOMAZ JÚNIOR, 1998). No entanto, os sindicatos rurais do atual
Território do Sudoeste Baiano, começaram a surgir apenas na década de 70, inseridos
num panorama geral de reorganização da estrutura sindical no período da ditadura mi-
litar e de vinculações a grandes centrais sindicais. Muitos sindicatos foram pressionados,
no plano social e político pelas bases a assumir a liderança na luta dos trabalhadores,
como foi o caso do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Vitória da Conquista
(DAMASCENO, S. N. 2013).
O que se vê hoje é um retrocesso do processo para a década de 1930, uma vez
que é forte a presença do “apadrinhamento político” e formação de duas frentes de
luta, uma de direita e outra de esquerda. Para melhor exemplifica-los, pode-se recorrer
aos conceitos de Romita (1976 apud FARIAS, 2005) que são: o sindicato sociológico, o
sindicato como grupo de pressão e o sindicato jurídico. O primeiro conceito é de que
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
"o sindicato é um grupo social", onde o autor explica que para existir um grupo social é
indispensável que ele possua uma estrutura e uma organização, mesmo que rudimen-
tar, e uma base psicológica na consciência de seus membros. O segundo conceito do
sindicato como grupo de pressão segundo ROMITA,
Dessa forma, diz-se também que, o sindicato é uma “espécie do gênero associa-
ção”. Todo sindicato é uma associação cuja finalidade consiste na defesa dos interesses
da classe que representa, tanto morais quanto econômicas. Os sindicatos estudados
apresentaram os dois primeiros conceitos.
No âmbito social, todos os sindicatos afirmaram atuar junto à sociedade, divulgan-
do informações acerca dos direitos trabalhistas tanto em reuniões no espaço físico do
sindicato como as associações vinculadas ao mesmo. Eles também davam suporte com
assistência médica, jurídica e assistência técnica, além de esclarecimentos quanto a pro-
gramas e projetos do governo, auxiliando na documentação como é o caso da emissão
de DAP (Declaração de Aptidão ao PRONAF).
1008 Portanto, percebe-se que sindicatos apresentam um potencial evidente para a solu-
ção dos problemas que afetam as organizações rurais. Dentre estes problemas, os mais
citados são: a falta de acesso a políticas públicas, falta de água (e má distribuição da
mesma) e a burocracia para envio de documentação para editais do governo. Mas, para
que tal potencial seja explorado na solução destes entraves, necessita-se de uma maior
integração/organização da categoria, com um maior alcance e comunicação entre to-
dos. Dessa forma, assim como está historicamente dado, não apenas seriam soluciona-
dos os problemas como também se alcançariam uma melhor organização econômica
e social da categoria.
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Abstract: The actual law and political conjuncture in Brazil demands the construction of
a colective agenda of militant (and participant) research which should have as its “ob-
ject” the Brazilian Federal Service for Prosecution (FSP). Since the June-2013 “journeys”
(with the massification of the PEC 37), passing for the institutional agendas “agains
corruption”, and coming into the mediatic “Car Wash Operation”, the FSP imposed efec-
tivelly not only its corporate agenda, but even an institutional redesign (like the federal
police, states military police etc.) with propositions that were not discussed in any mo-
ment in a public and democratic debate with brazilian civil society. It is imperious to
the social movements in this moment to build a more comprehensive vision about this
institution, what this article only tries to do in an initial and exporatorian way. Initially we
make a discussion about some methodological issues that are essential for the execu-
tion of this proposed research. We defend a topic construction of this research design,
considering the nature of the information that the research aims to acess and analyse.
As conclusion, the article takes some proposals towards a colective research that could
be made by the IPDMS, in its GT “Observatory of the brazilian law system, the policies
and the Legislative Power”.
Keywords: Federal Service of Prosecution; law research; critical sociology of law; law
field; law elites
1 Muitos estudiosos tem discutido qual o tamanho da responsabilidade da Operação Lava Jato no resultado
do PIB brasileiro no ano de 2015 (que concluiu com atípicos -5,8%). Os analistas variam entre -1% a até -3,5%
como produto direto ou indireto da referida Operação.
2 Disponível em <http://assessoriajuridicapopular.blogspot.com>.
3 No blogue “Assessoria Jurídica Popular”, inauguramos no último período a coluna “Direito e conjuntura”,
na qual podem ser acessadas as postagens que remetem a uma análise de conjuntura mais ampla, incluindo
elementos referentes ao próprio MPF, objeto do presente artigo.
4 Estamos no entanto cientes da crítica que o próprio Lukacs fizera a esta abordagem posteriormente, já
tendo em mãos a estrutura fundamental de sua Ontologia do Ser Social. Apesar da auto-crítica, o tema da
dialética do sujeito cognoscente e da construção social dos interesses de classe, e consequentemente da
chamada “consciência de classe”, seguem sendo temas polêmicos no plano do marxismo ocidental.
5 Vide nesse sentido o sítio eletrônico da Rede Brasileira de Pesquisa Jurídica Empírica, disponível em <http://
www.reedpesquisa.org/>. Acesso em 06/06/2016.
6. Referências bibliográficas
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PAULA, Edylcea Tavares Nogueira de. Ministério Público Federal: Memória. 2. ed. Brasília: MPF, 1991.
1026
1 – Introdução
A Educação do Campo no espaço agrário brasileiro vem se conformando a partir de
lutas e tensões em meio às contradições existentes no modo de produção e reprodução
da vida no campo. Deste modo, vem sendo possível perceber vários avanços no proces-
so de construção e/ou ressignificação da vida dos sujeitos a partir da influência destas
lutas por conquista e garantia de direitos. Esses processos dizem respeito à busca pela
emancipação humana e que encontram hoje, nas lutas reivindicatórias, espaço para o
reconhecimento do coletivo nacional que vem pesquisando a escola no espaço agrá-
rio e buscando alternativas ao modelo de desenvolvimento educacional vigente, como
por exemplo, as demandas de estudos e pesquisas sobre: currículo, material didático,
formação docente, prática pedagógica, gestão escolar, políticas públicas, entre outros.
Sob este ponto de vista toda ação que busque legitimar a participação dos coletivos
nos espaços reais de luta deve entender estes coletivos como sujeitos de transformação
da realidade da qual fazem parte. Ao mesmo tempo o processo de se reconhecer como
sujeitos da própria realidade exige a apropriação de elementos objetivos e subjetivos
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
que só é possível a partir da ação lenta e ininterrupta de conscientização (de classe),
mobilização e participação como uma das alternativas viáveis à emancipação humana.
Ao lutarem por um projeto de educação e escolarização vinculado às necessidades
e interesses da classe trabalhadora, os movimentos sociais do campo conseguiram le-
vantar uma bandeira de luta, chamada: Educação do Campo. Ela passou a se delinear
enquanto fenômeno da realidade agrária brasileira exatamente por corresponder a um
movimento histórico que surge a partir da luta dos povos do campo, em suas tomadas
de decisão nas tensões e confrontos entre projetos de desenvolvimento do campo e de
educação. A partir daí muito tem sido os avanços que não se restringem à escolarização
dos sujeitos, mas que alcançaram o espaço agrário em geral, essenciais à continuidade
e avanço da luta.
É com a citação de Emir Simão Sader que abrimos este diálogo sobre a Educação
do Campo porque elucida de modo amplo a complexidade e desafios que cercam os
princípios e concepções desta Educação. Trata-se de adentrarmos nos processos his-
tóricos que a precedem e que a fez surgir enquanto categoria de análise. No entanto,
como o mesmo autor destaca, não há como o povo chegar ao processo mais amplo de
“consciência e domínio sobre seu próprio destino” – e apropriação destes princípios - se
não for pelas vias do desvelamento e ruptura das “invisíveis” paredes do poder capita-
lista que o subjuga e oprime. Desse modo, esta reflexão se apresenta como um aporte
reflexivo acerca da realidade educacional brasileira e busca trazer a historicidade que
permeia a Educação do Campo não apenas como política pública, mas como resultante
de lutas coletivas e articuladas em prol de alternativas educativas e de sociedade.
A Educação do Campo é vista enquanto uma concepção de educação que sur-
ge a partir dos sujeitos do campo “na sua diversidade de povos indígenas, povos da
floresta, comunidades tradicionais e camponesas, quilombolas, agricultores familiares,
assentados, acampados à espera de assentamento, extrativistas, pescadores artesanais,
ribeirinhos e trabalhadores assalariados rurais” (FONEC, 2012. p. 03), que buscam, no
processo de luta no espaço agrário, a transformação da condição material que lhes é
imposta violentamente. Portanto “[...] foi sendo constituída pela tomada de posição nos
confrontos entre concepções de agricultura, de projetos de campo, de educação e de
lógica de formulação das políticas públicas” (FONEC, 2012. p. 04). E ao buscar potencia-
lizar o confronto pelo polo do trabalho, compreende a importância de manter a fide-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
lidade à “[...] diversidade que existe entre os trabalhadores do campo. [...] diversidade
[que] é nosso patrimônio tanto na natureza como na sociedade” (FONEC, 2012. p. 24).
Todavia, trazer trabalho como princípio educativo, o trabalho vinculado à matriz
pedagógica da cultura, “não pode justificar fragmentação das lutas em um momento
tão decisivo nos rumos do confronto entre as classes que se expressa hoje na contra-
dição entre agronegócio e agricultura familiar camponesa” (FONEC, 2012. p. 24). Do
contrário, compreende a necessidade de recuperar a totalidade da realidade histórica
como processo inerente e dinâmico que precede à compreensão dos determinantes
que condicionam a escolarização dos sujeitos do campo.
É um modo de fazer educação que ao propor sua especificidade não a distancia do
todo que é a sociedade onde está inserida. Ao contrário, dela sofre influências e nela se
materializa estabelecendo espaços de contradições e conflitos por forças em disputa.
Por isso, para compreendermos o lugar de onde a Educação do Campo se manifesta
enquanto práxis é necessário compreendermos o que a precede enquanto cenários de
lutas. E os caminhos que foram percorridos para se chegar à consolidação das políticas
públicas educacionais para a Educação do Campo, coloca em cheque o antagonismo
existente entre o que se estabelece em bases legais e o que temos como real. Mas
também apresenta o grande desafio da efetivação de direitos humanos inerentes ao
processo de materialização da formação dos sujeitos e da emancipação humana.
Historicamente, ela é construída em profunda tensão com o Projeto de Educação
Rural que, por sua vez, se estabelece como o espectro de educação para o meio rural
brasileiro, trazendo todo o aporte burguês e latifundiário que se mescla no modelo 1029
de desenvolvimento capitalista brasileiro desde o século XIX: um país eminentemente
agrário com um histórico de “esquecimento” do Campo enquanto espaço de produção
e reprodução da vida e que, por isso mesmo sequer mencionava este território em seus
aspectos legais e educacionais. De acordo com Rocha, Passos & Carvalho (2012, p. 01):
Interessante notar que o período mencionado – assim como os outros que o prece-
deram - refere-se ao modo de produção e reprodução da sociedade brasileira baseada
nos resquícios do modo de acumulação primitiva do capital, que encontra na economia
escravagista há pouco abolida no país, elementos para legitimar de modo mais perver-
so a relação de exploração entre os seres humanos, visto que no processo de corre-
lação de forças, a classe explorada e oprimida trazia como sujeitos, majoritariamente,
escravizados/as1 negros/as e minoritariamente escravizados/as indígenas que viviam
em fazendas ou quilombos, portanto no espaço rural.
1 Ao discutir o conceito de escravidão Fiabani (2012) recorre ao já suscitado por Mário Maestri em que “o
autor parte do ‘pressuposto de que a escravidão’, no ‘contexto de diferentes níveis de desenvolvimento das
forças produtivas materiais’, originou ‘diferentes sociedades escravistas’: ‘[...] uma forma de dependência
social pode ser definida como escravidão quando apresenta três atributos’: O cativo era ‘tido e tratado como
mercadoria’; ao menos teoricamente, ‘a totalidade dos frutos de seu trabalho pertence ao senhor, que de-
limita arbitrariamente o grau de exploração do cativo’; o status de cativo é ‘hereditário e vitalício’” (p. 155).
Para garantir esse status quo ainda que depois da abolição da escravatura e inicia-
ção do processo de industrialização no Brasil, os governos dos períodos mencionados
criam estratégias de silenciamento das camadas populares. Se de um lado age através
da força física reprimindo violentamente quem se opunha ao modelo vigente; do outro
lado age com o mecanismo de cooptação de camadas da classe trabalhadora, através
de leis de amparo do então Estado de Bem-Estar que levassem a população a perma-
necer em estado de conformidade diante da realidade que estava sendo sobreposta.
Isso significa dizer que todas as estruturas da sociedade brasileira passam a ser pla-
nejadas de modo a comprometer seriamente a organização e solidariedade da classe
trabalhadora, consequentemente, aprofundando ainda mais as condições de subalter-
E de acordo com Fonseca (2007, p.169), para o período mencionado, o Estado bra-
sileiro:
É aqui que os movimentos sociais do campo compreendem que a luta por Reforma
Agrária não se limitava à luta pela conquista da terra, mas deveria conter também o
anseio da conscientização (FREIRE, 1980) e emancipação dos sujeitos do campo como
forma de conservação da terra conquistada. Para isso, passou a ser compreendido que
Terra, Educação e Trabalho são princípios fundantes para a construção de uma nova
sociedade que rompa com o modelo societário vigente.
Essa realidade representa um significativo avanço da classe trabalhadora do campo
e uma profunda alteração na estrutura educativa brasileira, já que se trata de questio-
nar o modelo centralizador, classista, racista, etc., que tem sido utilizado para formar os
educadores (trabalhadores) do campo até então. O modo fragmentado e conteudista de
escolarização não servem e nunca serviu nem para o campo nem para a cidade. E a visão
ruralista de que campo não é lugar de gente (historicamente reproduzida pelo modo de
produção deste espaço) é posto como fator de contradição, tensão, conflito e luta.
Neste sentido, a partir da década de 90 do século XX a Educação do Campo passa
a se configurar como possibilidade de política pública, “como conjunto de ações re-
sultantes de processos de institucionalização de demandas coletivas, constituído pela
interação Estado/Sociedade” (ARROYO, CALDART e MOLINA 2009, p. 49). Assim os mo-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
vimentos sociais e sindicatos do Campo pressionam ainda mais o Estado brasileiro para
que haja, de fato, a consolidação de políticas educacionais para a Educação do Campo:
uma escolarização voltada para esta realidade privilegiando os aspectos sociais, eco-
nômicos, culturais e políticos, bem como o aspecto natural/material que é a terra e o
trabalho6. Como lembra Roseli Caldart, a Educação do Campo, enquanto um conceito
em construção específico da realidade que o produz:
Partindo desse pressuposto a ação dos movimentos sociais do campo se consolida como
prática e luta cotidiana. E estas ações se expressam mais claramente ao tempo em que vão
sendo realizados, em âmbito nacional, encontros, conferências e consolidação de leis, pare-
ceres e decretos que garantem direitos conquistados a partir da luta das mulheres e homens
do campo. Todo esse processo traz para a atualidade outro grande desafio: a efetivação de
direitos humanos, inerente ao processo de materialização da formação dos sujeitos.
Portanto a luta dos movimentos sociais do campo traz para as condições da vida
atual o desafio de vincular as ações educativas e de escolarização ao processo de cons-
trução de um novo projeto de desenvolvimento nacional com vistas à luta e conquista 1037
da emancipação humana. Isto porque não se trata apenas de avançar na garantia de
direitos para a cidadania, ou direitos que esbarram nos limites das relações privadas de
produção e reprodução da vida que, historicamente tem sido um dos fatores determi-
nantes da dominação do homem sobre o homem. Para além disso, esta perspectiva de
luta por direitos está assentada no questionamento das dominações, no “porquê” do
acúmulo de riquezas e poder nas mão de uma minoria em detrimento e subordinação
da maioria, que reflete diretamente na insatisfação das necessidades individuais e so-
ciais deste grupo majoritário.
Este ponto é central porque toma a discussão dos marcos legais para a Educação
do Campo como demarcação de territórios legais contra a negação e violação de Di-
reitos Humanos resultante da exploração dos trabalhadores e exploração da natureza
(FONEC, 2012). E, depois de reconhecidos avanços conquistadas pelos sujeitos sociais
em direção aos interesses dos trabalhadores do campo, esta disputa necessita ser in-
tensificada no momento atual, de ofensiva do Capital, em que o Estado retoma a lógica
do projeto de educação rural para atender as exigências do agronegócio.
Nesse sentido ao produzir luta o próprio campo tem levado os espaços educativos
a produzir história, cultura; a legitimar o direito à escola do campo, com organização
dos sujeitos do campo, vinculando os saberes produzidos coletivamente. Todavia a luta
também é por apropriação do conhecimento historicamente produzido e que este seja
de acesso de todos e todas. É nessa relação que os movimentos sociais do campo avan-
çam em defesa de outro projeto societário – e também educativo.
Nesse sentido as Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo vem se confi-
Daí propõe-se uma Educação do Campo e não mais “Rural”, já que a primeira atua
para além da formação técnica e mercadológica do indivíduo. A Educação do Campo
é outra forma de ver a Educação – e sua qualidade – que, imperativamente está para
além do processo de ensino e aprendizagem dos povos do campo, porque está asso-
ciada a iniciativas de políticas públicas que, tendo em vista outro modelo societário, não
dissocia Educação e Trabalho, do contrário, estabelecem essas categorias como pano
de fundo para a elaboração de proposta pedagógica e curricular na práxis educativa da
Educação do Campo.
Em decorrência disso os conflitos vão dando forma e densidade às forças em
disputa. Por isso criticamos profunda e propositivamente o modo unilateral de propa-
1038gação do Conhecimento e de sistematização das Ciências no processo de escolarização
dos sujeitos. Porque a classe dita subjugada historicamente vem alterando o modo de
produção da vida humana mediante pressões de todos os graus e intensidade em com-
bate ao estado de coisa que se formou e vem-se agravando em decorrência do modus
operandi capitalista.
Nessa perspectiva a identidade destes povos vai sendo redefinida a partir de suas
vivências e a relação com o modo de produção solidário, aqui se transformam em sujei-
tos de sua própria realidade. O trabalho também se reconfigura tomando seu aspecto
mais abrangente, tanto como produção material quanto produção cultural,
[...] enfim, é possível dizer que se tem no Brasil uma política pública, no
seu sentido de política permanente, porque é materializada no escopo do
Estado brasileiro. Com efeito, bem mais que as resoluções do CNE que é
“apenas” um órgão de aconselhamento de um ministério (MEC), o Decre-
to, baixado pelo Presidente da República, tem muito mais forte o sentido
de concretização dos resultados – nesse caso positivos – das lutas sociais
por Educação do Campo empreendidas até o presente. Significa um mo-
mento alto do processo de materialização dessas lutas (Poulantzas, 1985),
que acabam por compor o próprio desenho da instituição Estado nesse
contexto de disputas. Importante ponto de chegada, o Decreto é, simulta-
neamente, um suporte para sustentar os ideais dessas mesmas lutas, que
continuarão nos espaços próprios das organizações e movimentos sociais
e no interior das esferas estatais. (MUNARIM, 2011. p. 56)
Pensar uma Diretriz é pensar num conjunto de transformações que abrange a com-
plexidade social e que aponte para a necessária superação dos antagonismos produzi-
dos por uma sociedade dividida em classes. Isso requer a apreensão do movimento da
realidade em toda sua dialética que abrange os conflitos, contradições, mas que aponta
caminhos para a superação destes em busca de uma nova realidade. São nestas rela-
ções que as políticas públicas se dão e sofrem transformações porque está vinculada ao
modo de produção a vida material: à terra, trabalho, cultura, educação.
E no tempo atual, sendo as diretrizes um instrumento que caracteriza as sociedades
democráticas, ela também apresentará elementos de maior entendimento da realidade
fazendo surgir as contradições inerentes ao capitalismo de modo que apresentem-se
as condições para a construção de uma sociedade justa e igualitária sustentada “fun-
damentalmente na ação protagonista das organizações e movimentos sociais [...] que
lutam por soberania educacional e por territorialização ou defesa de território material
(terra) e imaterial (conhecimento)” (MUNARIN, 2011. p. 62).
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IANNI, Octavio (org). Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão Popular,
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Resumo: Este artigo visa analisar a influência das teologias fundamentalistas cristãs
no Poder Legislativo brasileiro segundo uma perspectiva descolonial. Para tanto, pes-
quisou-se o uso de argumentos religiosos na Câmara dos Deputados nos últimos dez
anos, com o objetivo de questionar a legitimidade de sua presença nos processos deli-
berativos públicos, e identificar a eficácia do arcabouço jurídico fornecido pelas teorias
democráticas do Direito para a regulamentação das atividades estatais. Nesse sentido,
discute-se a compatibilidade do modelo de racionalidade idealizado por essas teorias
com a realidade latino-americana e propõe-se a equiparação do conhecimento hege-
mônico, de base regional euro-americana, com os demais saberes.
Palavras-chave: poder legislativo; democracia; racionalidade; descolonização.
Abstract: This article aims to analyze the influence of the Christian fundamentalist theo-
logies in the Brazilian legislature according to a de-colonial perspective. Therefore, were 1045
researched the use of religious arguments in the House of Representatives in the last ten
years, in order to question the legitimacy of their presence in public decision-making
processes, and identify the effectiveness of the legal framework provided by the demo-
cratic theories of law to regulation of state activities. In this sense, were discussed the
compatibility of the rationality model devised by these theories to the Latin American
reality and propose the equivalence of hegemonic knowledge, that has Euro-American
regional basis, with other knowledge.
Keywords: Legislative Power; Democracy; Rationality; Decolonization
1. Introdução
A politização dos interesses no âmbito legislativo é um fenômeno complexo capaz
de revelar que o processo de criação e modificação das normas jurídicas está em dispu-
ta por setores que possuem interesses antagônicos na sociedade brasileira. Isso ocorre
porque a institucionalização das demandas sociais é considerada por muitos grupos
enquanto etapa imprescindível para o reconhecimento e consolidação de seus direitos.
Nesse sentido, para compreender o fenômeno do processo legislativo brasileiro, en-
tende-se ser necessário observar as dinâmicas que o integram, investigar quais as suas
potencialidades e limitações, bem como analisar os projetos políticos em disputa pela
regulamentação estatal.
2 http://www2.camara.leg.br/deputados/discursos-e-notas-taquigraficas
3 Conhecido como projeto de criminalização da homofobia, o Projeto de Lei 122/2006 altera a Lei nº 7.716,
de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor; e dá nova redação
ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e ao art. 5º da Conso-
lidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
[...] por séculos vivemos sob legislações que impunham a doutrina cató-
lica e perseguiam outras crenças, notadamente perseguidos foram aque-
les que não acreditavam na existência de Deus. As Ordenações Filipinas4
(1603) e, posteriormente, as Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia (1707) são exemplos acabados da imposição estatal de uma particu-
lar visão religiosa de mundo, capaz de naturalizar a religião católica como
algo dado, natural, e não o que realmente foi no Brasil: algo socialmente
construído, por meio de imposição legal.
A influência dos valores religiosos cristãos no Brasil se deu, a princípio, por inter-
médio da presença colonizadora da Igreja Católica no “Novo Mundo”. Nesse sentido,
é correto analisar que muitos dogmas presentes em algumas teologias cristãs estão
enraizados no Brasil desde há muitos séculos e, com o passar do tempo, foram atua-
lizados e, até mesmo, recepcionados por outras instituições e/ou doutrinas religiosas.
O hibridismo dos fenômenos religiosos elevou a complexidade das experiências te-
ológicas brasileiras, sem, no entanto, prejudicar o controle exercido sob a sociedade
pelos representantes das religiões baseadas no cristianismo ao longo de toda a história 1047
política pátria.
No que concerne a afirmação estatal dos limites estabelecidos por algumas teolo-
gias cristãs aos corpos e às práticas sexuais, é importante frisar que não se trata de uma
prática recente. Conforme explica a historiadora Mary Del Priore (2011), a interdição
moral dos corpos no Brasil é um fenômeno muito antigo e minucioso fundado, dentre
outras coisas, na narrativa judaico-cristã que reserva ao sexo um papel exclusivamente
reprodutor.
4 As Ordenações Filipinas, de 1603, no Livro V, art. 13, impunha a pena de morte para a homossexualidade:
“Toda pessoa, de qualquer qualidade que seja, que pecado de sodomia por qualquer maneira cometer, seja
queimado e feito por fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memória, e todos
seus bens sejam consfiscados para a Coroa de nossos reinos, posto que tenha descendentes; pelo mesmo
caso seus filhos e netos ficarão inábeis e infames, assim como os daqueles que cometem crime de lesa-ma-
jestade”. (LOREA, 2011, p.40).
Desse modo, observa-se que a inclusão dos valores religiosos na agenda política
da Câmara dos Deputados também tem ocorrido mediante a ocupação dos cargos
de deputado por parlamentares que reivindicam o estabelecimento da sua fé como
parâmetro para a condução das políticas estatais, o que trouxe para a composição dos
poderes legislativos muitos pastores, bispos e líderes religiosos de todo o país.
Conclusões
A influência das instituições religiosas cristãs sobre o espaço público brasileiro é
um fenômeno cujas raízes históricas remontam ao período colonial. No entanto, a con-
solidação das representações evangélicas no Congresso Nacional simboliza uma nova
etapa da politização dos interesses religiosos. Muitos valores externados pelos par-
lamentares durante o período pesquisado expressam visões fundamentalistas sobre
o cristianismo. Porém, isso não permite afirmar que elas representam a totalidade da
teologia cristã.
Ao identificar a existência de outras perspectivas teológicas no cristianismo, é pos-
sível compreender que, mesmo no campo religioso, existe uma margem de discussão
acerca dos dogmas que possibilita a comunicação racional. Tomando como base as
teorias democráticas do Direito anteriormente mencionadas, seria possível argumentar
em defesa da suspensão do uso dos argumentos religiosos nos processos deliberativos
públicos, em virtude da incompatibilidade entre os argumentos religiosos e o modelo
secularizado de racionalidade por elas adotado. O problema dessa medida, no entanto,
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
advém do caráter cogente do modelo de racionalidade europeu, uma vez que se estaria
deixando de levar em consideração a existência de modelos de racionalidade tolerantes
ao pensamento religioso.
Conforme explica Santos (2014), as religiões possuem um papel importante para
a construção das concepções de dignidade existentes. Assim, desconsiderá-las equi-
valeria a reproduzir o colonialismo epistemológico identificado pelo pensamento de
autores como Dussel (2000) e Quijano (2005). É preciso desenvolver alternativas de
organização social que ultrapassem os limites do modelo de racionalidade hegemôni-
co, o que não implica em desconsiderar as suas contribuições, principalmente no que
concerne aos ideais procedimentalistas desenvolvidos pelas teorias democráticas ou
neoconstitucionalistas do direito.
O controle da argumentação no Poder Legislativo é necessário, dada a existência da
Constituição enquanto um referencial normativo que vincula a atuação dos parlamen-
tares. Nesse sentido, é preciso reconhecer a contribuição do neoconstitucionalismo em
busca da limitação do arbítrio dos agentes públicos. No entanto, diante dos discursos
analisados, é possível perceber que os mecanismos de controle da argumentação par-
lamentar precisam ser aprimorados.
Conclui-se, portanto, que o uso dos argumentos religiosos é admissível nos pro-
cessos deliberativos públicos, em virtude da função que desempenham no desenvolvi-
mento de valores morais. No entanto, tais valores não devem estar imunes ao âmbito
normativo da Constituição. Nesse sentido, é importante preservar a pluralidade das
1057
manifestações religiosas e estimular a consolidação de uma cultura política inclusiva e
tolerante, visando à construção de uma sociedade autônoma que se oriente segundo
valores que, de fato, sejam elaborações autônomas da sociedade que influenciam. Não
é preciso extirpar os valores religiosos dos espaços políticos para preservar a democra-
cia. Entretanto, em relação aos argumentos fundamentalistas, é urgente que as institui-
ções brasileiras, estejam desenvolvidas o suficiente para limitar os seus efeitos.
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Abstract: the presence of the judiciary is still deficient in the regions of the interior of
Bahia and its productive hinterland presents itself as a territory of identity sensitive to
this poor performance. The central issue of this article goes beyond merely identifying
the presence or absence of judicial bodies in that territory. Indeed, it questions: to what
extent it is possible to draw a diagnosis of justice in the productive hinterland of Bahia,
seeking ways to enlarge its implementation through a critical analysis of the state ju-
diciary role as a vector for the democratization of access? To answer this question is
linked to bibliographic and exploratory research to critical cartographic method by data
crossing the municipalities Development Index to judicial organization of Productive
Hinterland, by working with the central thesis that the lack of access to the courts state
identifies with the low level of HDI. Based on this assumption, we seek to find other
protagonisms democratization of access to justice in the social context analyzed.
Keywords: cartography; justice; hinterlands; democratization; access.
Tal, contudo, parece distante de ser a realidade brasileira. É que, apesar dos avanços
alcançados com a Constituição de 1988, há muito o que ser feito na busca por uma 1063
sociedade efetivamente justa e solidária. Com efeito, Antonio Carlos Wolkmer (2012,
p. 153-154) faz uma leitura crítica do processo de redemocratização do Estado brasi-
leiro, ao afirmar que, na verdade, ainda que de modo limitado e tímido, a Carta Magna
de 1988 contribui para ir além de uma mera tradição publicista liberal-individualista e
social-intervencionista, marcada historicamente por processos maquiados de democrá-
ticos, já que pautados em articulações políticas manipuladas pelo poder econômico e
financeiro.
Feitas essas considerações acerca das mudanças paradigmáticas do modelo liberal
-individualista, passando pelo social-intervencionista e sob a ascensão do democrático
de direito, passa-se a invocar uma reflexão acerca da democratização do acesso à justi-
ça no Brasil. É que as referidas mudanças nos modelos estatais geram reflexos na forma
de encarar essa problemática. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos (2011, p. 16)
adverte que:
Note-se que a democratização do acesso à justiça no Brasil vai muito além da cen-
tralização no Poder Judiciário. É que o protagonismo continua sendo visto hora como
fenômeno positivo, que garante a efetivação de direitos, hora como um fenômeno
negativo que extrapola a função jurisdicional. Entre os aspectos positivos, Boaventura
de Sousa Santos (2011, p. 27) cita como exemplo a intervenção judicial na proteção
jurídica dos casais homoafetivos, face a inexistência de lei específica a tutelar direitos
em tal matéria.
Em síntese, os tribunais exercem e exercerão relevantes funções na democratização
do acesso à justiça no Brasil, mas, é preciso ampliar os horizontes, verificando outros
protagonismos. Limitar tal atividade ao Poder Judiciário é traçar uma visão reducionista
da sociedade democrática e de seu potencial emancipatório e de autoregulação. So-
1065
mente a partir de uma mudança de perspectiva do Poder Judiciário, associada à partici-
pação popular na concretização da justiça, é que se pode ultrapassar o tradicionalismo
liberal-individualista e a burocratização do modelo social de Estado rumo à verdadeira
consolidação do Estado Democrático de Direito (e Justiça).
1066
Ao todo, os dezenove municípios que compõem o Território possuem PIB estimado
em 1.840, 28 (milhões), no ano de 2007, constituindo a zona de maior concentração de
minérios do Estado, em grande parte por conta da exploração de urânio, ferro, magne-
sita, manganês e talco.
Do ponto de vista econômico, os municípios com maior peso no PIB total da re-
gião são os municípios de Brumado, Guanambi, Caetité e Caculé, sobretudo graças ao
impacto das indústrias mineradoras de grande porte, e o Município de Livramento de
Nossa Senhora, face a produção decorrente da agricultura irrigada.
I - a extensão territorial;
É preciso fazer uma análise crítica de tal sistemática na medida em que, como bem
observam Leonardo Avritzer, Marjorie Marona e Lilian Gomes (2014, p. 33), a distribui-
ção de comarcas no Brasil, atende, em regra, a critérios de densidade populacional (e
amplitude do eleitorado) e ao volume de processos, pautados em aspectos meramente
quantitativos ou econômicos.
Vislumbra-se, desse modo, que a lei tende a privilegiar os maiores municípios na
instalação de comarcas, visto que há uma relação direta entre fatores como tamanho
territorial e populacional, receita e um cálculo subjetivo de custo-benefício da instalação.
Tal constatação, de caráter nitidamente hegemônico, desafia uma reflexão sobre em que
medida tais critérios, quando confrontados com a realidade local, confluem para facilitar
ou obstaculizar o acesso à justiça.
Partindo de tal problemática, nota-se que não se trata apenas de identificar a presen-
ça ou ausência dos órgãos judiciais no sertão produtivo da Bahia. Com efeito, busca-se
traçar um diagnóstico da justiça nesse território, à procura de instrumentos para ampliar
sua concretização, por meio de uma análise crítica do protagonismo do Poder Judiciário
estadual como vetor para a democratização do acesso.
Vale-se, para tnto, do método cartográfico, sob inspiração das atividades do Ob-
servatório da Justiça Brasileira que deram origem à obra “Cartografia da Justiça no Brasil:
uma análise a partir de atores e territórios”. Leonardo Avritzer, Marjorie Marona e Lilian
Gomes (2014, p. 30), organizadores da referida obra, observam que tal metodologia dis-
tingue-se do método empírico, que pressupõe a maior quantidade possível de dados
para melhor representação da realidade. Já o método cartográfico apresenta maior male-
1068abilidade e seletividade, na medida em que pode escolher arbitrariamente determinadas
referências e deixar outras de lado, estabelecendo uma opção pela escala na qual os
mapas querem orientar o leitor.
Para estabelecer um mapeamento da presença do Judiciário Estadual no Sertão Pro-
dutivo, parte-se da identificação preliminar de quais municípios, dentre os dezenove que
compõem este território de identidade, são sede de comarca. Segundo dispõe a Lei de
Organização Judiciária, os municípios de Caetité, Guanambi, Palmas de Monte Alto, Pin-
daí, Urandi, Caculé, Rio do Antônio, Brumado, Tanhaçu, Ituaçu e Livramento de Nossa
Senhora são sede de comarca. (Tabela 1).
19 11 8 58%
1069
Embora mais de 50% dos municípios que compõem o território sejam sede de co-
marca, o índice ainda é inferior à média do Estado da Bahia, onde quase 67% dos mu-
nicípios são sede de comarca. É que, o Estado conta com 417 municípios e segundo
a Lei de Organização Judiciária, são 219 comarcas de entrância inicial, 58 de entrância
intermediária e uma comarca de entrância final. Nota-se, portanto, que o sertão pro-
dutivo já aponta um desvio preliminar no que tange ao número médio de comarcas
não-instaladas, ficando aquém da média estadual.
Em um segundo plano, é preciso observar o Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDH-M) do território sob análise. Tal índice é uma medida composta por três
indicadores de desenvolvimento humano - longevidade, educação e renda - e varia de
0 a 1, sendo que, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano. Veja-
mos a cartografia do IDH-M do sertão produtivo, que constam do Atlas de Desenvolvi-
mento Humano do Brasil, de 2010:
1070
1072
De outro lado, apenas 5 dos 11 municípios com IDH abaixo de 0,6 são sede de co-
marca, condição em que a proporção cai para em torno de 46% (Figura 5).
1073
Este dado é indiciário de que os municípios que já possuem menor índice de acesso
a serviços básicos, conforme mensurado pelo IDH-M, são ainda mais vulnerados pelo
distanciamento geográfico da Justiça Estadual, vez que tendem a não ser sede de co-
marca.
Observe-se, desta feita, que é possível vislumbrar o porte econômico do município
como fator velado, preponderante na criação de comarcas no Território Sertão Produ-
tivo. Diz-se velado porque não é um fator explicitamente declarado, embora possa ser
vislumbrado na LOJ, quando cita, entre os fatores que impactam tal desiderato, a receita
tributária do município e a relação de custo-benefício.
Isso sem falar que, em vários dos municípios sedes de comarca, a extensão tende a
constituir um profundo entrave às populações residentes na zona rural, que não aces-
sam com facilidade os fóruns, lotados na zona urbana. Ora, um Judiciário geografica-
mente distante da população com menos acesso a serviços básicos tende a reforçar a
negativa de direitos face a tais sujeitos.
Ora, é cediço que a mensuração da importância da presença do Judiciário a par-
tir de fatores de ordem econômica tende a deixar de fora a efetivação de direitos de
5 Considerações finais
Inicialmente, e decorrente de uma pesquisa essencialmente bibliográfica, restou
observado que os tribunais exercem e exercerão relevantes funções na democrati-
zação do acesso à justiça no Brasil, mas, é preciso ampliar os horizontes, verificando
outros protagonismos. Limitar tal atividade ao Poder Judiciário é traçar uma visão
reducionista da sociedade democrática e de seu potencial emancipatório e de au-
toregulação. Somente a partir de uma mudança de perspectiva do Poder Judiciário,
associada à participação popular na concretização da justiça, é que se pode ultra-
passar o tradicionalismo liberal-individualista e a burocratização do modelo social
de Estado rumo à verdadeira consolidação do Estado Democrático de Direito (e
Justiça).
Posteriormente, caracterizou-se o sertão produtivo enquanto território baiano
de identidade, refletindo criticamente acerca dos critérios de distribuição de comar-
cas no Estado da Bahia. Nesse sentido, observou-se que a lei tende a privilegiar os
maiores municípios na instalação de comarcas, visto que há uma relação direta en-
tre fatores como tamanho territorial e populacional, receita e um cálculo subjetivo
de custo-benefício da instalação. Tal constatação, de caráter nitidamente hegemô-
nico, desafia uma reflexão sobre em que medida tais critérios, quando confrontados
com a realidade local, confluem para facilitar ou obstaculizar o acesso à justiça.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Por conseguinte, adentrando especificamente à cartografia crítica da justiça no ser-
tão produtivo, restou confirmada a tese levantada da tendência ao estabelecimento de
sedes de comarcas em municípios com maior IDH. No caso do Território Sertão Produ-
tivo, 6 de 8 municípios com IDH acima de 0,6 são sede de comarca, o que confere uma
proporção de 75%. De outro lado, apenas 5 dos 11 municípios com IDH abaixo de 0,6
são sede de comarca, condição em que a proporção cai para em torno de 46%.
Por fim, trabalhando-se com a tese de que não basta a análise crítica da atuação do
Poder Judiciário estadual, sendo necessária a identificação de outros protagonismos,
constatou-se, de modo exemplificativo, que há uma clara demanda para que os cursos
de Direitos da região atendam às necessidades locais, sobretudo no que tange aos nú-
cleos de prática jurídica e à introdução na matriz curricular de assuntos concernentes à
realidade local, bem como a preocupação com o direito das comunidades tradicionais,
direito minerário, entre outros, sob uma ótica pluralista e intercultural.
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Resumo: Este artigo reúne resultados de pesquisa sobre o Conselho Municipal de Ed-
ucação de Ribeirão Preto (CMERP), desenvolvida como tema de mestrado. Apresenta-
mos a análise, em formato de estudo etnográfico, do desenho institucional do CMERP
e da sua inserção nos movimentos democratizantes do país, que veem a participação
popular como garantia da democracia, desde abertura política representada pelas con-
quistas da Constituição de 1988. O objetivo é traçar inferências descritivas sobre o Con-
selho, buscando abarcar os seguintes elementos - o contexto, os sujeitos e as suas
ações. Assim, foram coletados, organizados e analisados dados indiretos - o conjunto
legislativo do CMERP, as atas das reuniões e o Plano Municipal de Educação de 2008
-, cujos resultados são apresentados neste estudo. Quanto à relevância do estudo, a
ampliação do debate sobre novos arranjos institucionais democráticos reforça a ne-
cessidade de fortalecimento das instituições participativas, espaços permanentes de
organização popular nas instâncias decisórias do Estado. Se ainda estamos distantes de
conseguir olhar para a política representativa como uma possibilidade satisfatória na
1078conquista de direitos, sem dúvida é na voz e na participação populares que se revelam
os sentidos latentes de uma democracia verdadeira, a ser constantemente construída
pela deliberação social autônoma.
Palavras-Chave: Democracia participativa; Conselho Municipal de Educação; instituições
participativas; participação social e popular; desenho institucional de conselho gestor.
Abstract: This article gathers results from the research about the Educational Council of
Ribeirão Preto (ECRP), developed as a Master’s Degree theme. We present the analysis,
in case study, of the institutional design of ECRP and its inclusion in the country’s demo-
cratizing movements, which sees the popular participation as a guarantee of democracy,
since the political overture represented by the Brazilian Constitution. The objective is to
trace descriptive inferences about the ECRP, seeking to embrace the following elements –
the context, the subjects and its actions. Thus, indirect data were collected, organized and
analyzed – the legislative set of ECRP, the reunions records and the Municipal Educational
Plan of 2008 – whose results are presented in this study. As regards to the relevance of the
study, the expansion of the debate on new democratic institutional arrangements stren-
gthens the need to valorize the participative institutions, permanent spaces of popular
organization in the decision-making instances of the State. If we are still far from being
able to look at representative politics as a satisfactory possibility on the rights conquer,
undoubtedly is in the voice and popular participation that the latent meanings of a real
democracy reveals itself, one to be constantly built by autonomous social deliberation.
Keywords: Participative democracy; Municipal Educational Council; participative institu-
tions; social and popular participation; institutional design of the management council.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão 8 (OBSERVATÓRIO DO SISTEMA DE JUSTIÇA, DE POLÍTICAS
PÚBLICAS E DO LEGISLATIVO) do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual
da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
A passagem dos anos 1980 para os anos 1990 foi o momento em que
diferentes forças políticas procuraram desenvolver propostas de um novo
padrão de relação entre Estado e sociedade, cada uma delas afirmando
como deveria ser a construção democrática no Brasil. A participação ad-
quiriu sentidos diversos, de um lado trata-se de uma força que interpela o
Estado na aposta da democratização das políticas públicas, de outro não
passa de um instrumento que legitima a população como “público-alvo”
de políticas compensatórias. (MARANHÃO E TEIXEIRA, 2006, p. 115).
Alguns movimentos tiveram atuação decisiva na luta pela participação como ho-
rizonte de possibilidades para a nova democracia brasileira desde os anos de 1980 e
1990. Dentre eles, destacam-se a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MTST) e as “redes e fóruns” como o “Fórum Na-
cional da Reforma Urbana, o Fórum Nacional de Criança e Adolescente, a Articulação
de Mulheres Brasileiras, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), a Articulação no Semi
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
-Árido Brasileiro, a Associação Brasileira de ONGs (ABONG)” (MARANHÃO E TEIXEIRA,
2006, p. 116).
Assim, depois do período incial da redemocratização (anos de 1980 e 1990), o que
os estudos e os movimentos sociais têm se questionado é: em que medida o funciona-
mento das diversas instituições participativas é capaz de cumprir as expectativas pro-
jetadas pelas lutas democratizantes do país? Ou ainda: as diversas instituições criadas
funcionam e produzem resultados efetivos, tendo em vista os objetivos para os quais
foram criadas? Se não os produzem, trata-se de um problema das próprias instituições?
Ou seja, boa parte da agenda de pesquisas gira em torno do desenho institucional, do
funcionamento e da efetividade desses órgãos para responder aos questionamentos
sobre as experiências dessas instituições.
Desde então, o número de instituições participativas aumentou significativamente
no país, a ponto de o Brasil ter-se tornado referência mundial para estudos nessa área.
Wampler (2015) afirma que, atualmente, ao menos 300.000 cidadãos brasileiros são
eleitos para cargos em instituições participativas, onde têm algum tipo de autoridade
sobre políticas públicas. Além disso, entre 2004 e 2008, cerca de oito milhões de brasi-
leiros tiveram participação em conferências de políticas públicas realizadas apenas pelo
governo federal, sem contar os estados e os municípios (WAMPLER, 2015, p. 2 e 3).
Quanto aos seus tipos, Avritzer (2008) aponta que existem três principais desenhos
de instituições participativas no Brasil – a “partilha de poder”, os modelos “de baixo para
cima” e a “ratificação pública”. Esses tipos são exemplificados, respectivamente, pelos
1080conselhos de políticas públicas, pelos orçamentos participativos e pelos planos direto-
res municipais (AVRITZER, 2008).
A nossa pergunta de pesquisa se coloca no seguinte sentido – como o Conselho
Municipal de Educação de Ribeirão Preto (CMERP) se insere no contexto de participa-
ção política direta local? Para encontrarmos linhas explicativas para essa questão, pre-
cisamos, antes, responder: qual o desenho institucional deste órgão? Seus encontros e
reuniões versam sobre a educação do Município? Suas ações são efetivas? Buscamos,
sobretudo, entender em que medida esta instituição participativa tem respondido às
expectativas em torno da democracia direta, conforme os debates sobre os contextos
de avanços e limites da participação política no Brasil.
Nossa hipótese é que, compreendendo o desenho institucional do Conselho, pode-
remos encontrar caminhos para entendimento sobre seu funcionamento e efetividade,
a partir da observação da realidade do órgão. Assim, nossa meta geral é a análise dos
dados levantados junto ao Conselho Municipal de Educação de Ribeirão Preto, com os
objetivos específicos de traçar o seu desenho institucional e verificar como se dá a atua-
ção politica no colegiado – ou seja, se e como seu funcionamento efetivamente impacta
no aprofundamento das práticas democráticas e participativas para o Município na área
específica da educação, a partir de leitura das teorias democráticas.
Para isso, lançamos mão de dados documentais (e indiretos, porque produzidos
sem a participação do autor) acerca do CMERP. São eles: o conjunto legislativo de cria-
ção e instituição do colegiado, bem como as modificações normativas posteriores, as
atas das reuniões ordinárias e extraordinárias da plenária do Conselho (a partir de 2008)
e, também, o Plano Municipal de Educação de Ribeirão Preto de 2008.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Ou seja, objetivamos analisar o Conselho de Educação e as dinâmicas de participa-
ção democrática ensejadas por ele. O trabalho parte da descrição de dados disponíveis
e levantados ao longo da pesquisa, resumidos e organizados pelo próprio autor, para
um esforço de compreensão de fatos que não conhecemos, mas que buscamos conhe-
cer, tais como a efetividade o funcionamento do colegiado. Vale ressaltar, contudo, que
todas as conclusões possuem certo grau de incerteza, conforme a própria perspectiva
de pesquisa empírica (EPSTEIN E KING, 2013).
Para concretização desses objetivos, a pesquisa proposta apresenta natureza empí-
rica, de caráter qualitativo, em formato de estudo de caso.
2. Institucionalização da participação
O caminho rumo à institucionalização tem sido uma aposta importante e significa-
tiva das democracias contemporâneas e, em especial no Brasil, para a concretização da
participação da sociedade civil2 e dos diversos movimentos sociais nas tomadas de de-
cisões pelos agentes públicos. Também tem representado a principal forma de controle
popular sobre as políticas públicas no país nos mais diversos níveis de governo - do lo-
cal ao nacional. Apresentamos a seguir algumas das bases teóricas sobre efetividade da
participação e desenho institucional de conselhos gestores, em especial dos conselhos
municipais de educaçãnão apenas para subsidiar a descrição do CMERP, mas também,
no que for possível, para analisarmos seu funcionamento e sua efetividade como insti-
tuição participativa. 1081
Segundo o mesmo relatório, o mais recente a que tivemos acesso sobre o perfil dos
CME em âmbito nacional, até o ano de 2007, a partir os dados cadastrados no Sistema
de Informações dos Conselhos Municipais de Educação (SICME), na região Centro-Oes-
te do país, 85% dos municípios tinham leis que criavam os respectivos conselhos de
1086educação; na região Nordeste, o número era de 86%; na região Norte, de 75%; na re-
gião Sudeste, de 96%; e, na região Sul, de 90% (BRASIL, MEC, 2008, p. 16).
Além disso, demonstra-se que apenas 10% dos municípios cadastrados no SI-
CME até 2007 não possuíam CME criados e que, dentre esses, 93% manifestaram
interesse em criar o órgão. Os motivos que levaram os municípios a não criarem
os conselhos até aquele momento variavam - desde falta de conhecimento da
importância do órgão até falta de interesse do Executivo em propor o projeto de
lei de criação ou do Legislativo em aprová-la. Alguns municípios encontravam-se
em processo de negociação para criação da lei pertinente (BRASIL, MEC, 2008, p.
31 e 32).
Outro documento de relevância nacional que traz alguns números sobre os con-
selhos municipais de educação são os Relatórios Munic do IBGE (2009; 2011) sobre o
perfil dos municípios brasileiros:
4 A modificação trazida pela LC 455 apenas altera o número de conselheiros do CMERP para 28 membros. Já
a LC 488 acrescenta como membro efetivo um representante das Delegacias de Ensino da cidade, sediadas
em Ribeirão Preto, além de modificar, mais uma vez, o número de membros, que passou a ser de 27 membros.
c) educação infantil 0 2
d) divisão regional de ensino 1 0
e) rede de ensino especial 0 1
c) trabalhadores da educação 6 5
d) estudantes 4 4
e) associação de professores 0 2
f) associação de bairro 3 0
g) USP 1 0
h) rede particular de ensino 1 0
i) Conselho de Escola 2 2
j) organização popular 1 0
k) associação de pais e mestres 2 0
l) sindicatos 3 0
a) ordinárias 11 11 10 10 10 7 10
b) extraordinárias 0 6 3 3 2 0 0
Fonte: produção do autor com base nos dados das atas do CMERP - Ribeirão Preto (2008 a 2014).
Reuniões ex-
traordinárias Titulares Suplentes Mulheres Homens
28/02/2013 10 4 10 4
27/06/2013 11 6 13 4
31/07/2013 16 0 10 6
23/09/2013 13 2 11 4
22/10/2013 14 1 11 4
Fonte: produção do autor com base nos dados das atas do CMERP - Ribeirão Preto (2008 a 2014).
Fonte: produção do autor com base nos dados das atas do CMERP - Ribeirão Preto (2008 a 2014).
Os dados que reunimos e organizamos foram, como já dissemos, extraídos das atas
do CMERP referentes às reuniões ordinárias e extraordinárias do órgão entre 2008 e 2014.
Com isso, podemos dizer que o CMERP, no cenário considerado, foi um Conselho: a)
em pleno funcionamento – já que houve encontros regulares e mensais de conselheiras
e conselheiros; b) em funcionamento efetivo – já que, nas reuniões, houve amplos e rei-
terados debates sobre a educação em Ribeirão Preto, dentro das categorias propostas.
1092 Com isso, contabilizamos os seguintes números, entre 2008 e 2014: 46 questões
normativas, 98 questões deliberativas, 131 questões fiscalizatórias e 88 questões inter-
nas. Isso representa que, no período considerado, no CMERP houve 46 debates em sua
função normativa, 98 debates em sua função deliberativa, 131 debates em sua função
fiscalizatória/consultiva e 88 debates em sua função interna.
Assim, percebemos um Conselho muito mais voltado para as questões fiscalizató-
rias da educação municipal em Ribeirão Preto. Seja ao cobrar a Secretaria Municipal da
Educação sobre os diversos problemas que lhe são reportados, seja ao enviar ofícios
e denúncias ao Ministério Público, seja na leitura dos relatórios das comissões perma-
nentes em suas visitas in loco nas escolas, o CMERP parece se consolidar como uma
instância, mesmo, de monitoramento das diversas políticas públicas voltadas para a
educação no Município.
Um ponto muito importante a ser considerado é que a LC 1686 não previu expres-
samente que o CMERP deveria, ou mesmo poderia, ser um órgão fiscalizatório, confor-
me já expusemos no início deste capítulo. Relembramos que a categoria da fiscalização
foi construída com base na descrição da literatura e no que foi proposto pelo IBGE
(2011), e não na legislação. Mas, na prática cotidiana, a fiscalização existe e se mostra a
função mais desempenhada pelo CMERP.
Comparando as previsões legislativas que já descrevemos no início do capítulo,
notamos que a prática cotidiana do Conselho não necessariamente corresponde ao
que foi delimitado pelas normas relacionadas à sua instituição. Isso porque a LC 1686
designou formalmente mais atribuições deliberativas e normativas ao CMERP, mas a
análise que realizamos revelou uma prática conselhista muito mais voltada à fiscaliza-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
ção e ao monitoramento da qualidade do ensino na cidade que uma preocupação em
produção de normas ou na tomada de medidas. Essa característica parece depender
muito menos das obrigações legais impostas nos atos fundacionais do colegiado que
da preocupação cotidiana dos sujeitos que o ocupam. Mesmo com as trocas de mesas
diretoras, esses aspectos se mantiveram e foram confirmados, ao menos pelo histórico
da documentação que levantamos.
A segunda categoria mais presente foi a deliberativa. Nessa função, temos o CMERP
tomando atitudes e posições, votando e se posicionando sobre as mais diversas ques-
tões que lhe são apresentadas. Esta categoria está expressamente prevista na LC 1686
e representa o meio como o Conselho chega a posicionamentos frente às políticas
públicas educacionais.
A terceira categoria mais presente foi a das questões internas no órgão. O fato de
o Conselho se ocupar das prórpias questões revela um órgão preocupado com a con-
tinuidade da sua atuação, por meio, por exemplo, da realização de eleições, da escolha
de representantes em outros órgãos e conselhos, horários de reuniões e encontros, etc.
Conforme já abordamos, essa categoria não se volta à produção de resultados externos
e, portanto, não está voltada diretamente para as políticas públicas educacionais. Con-
tudo, a sua presença é igualmente importante quando avaliamos o funcionamento de
um conselho, como demonstrou a prespectiva de Silva, Almeida e Carlos (2015).
Por fim, as questões normativas compuseram a categoria menos presente no pe-
ríodo considerado. Pela análise das atas, não conseguimos explicar o porquê desse
1093
fenômeno, mas o fato é que houve apenas 46 pontos de discussões sobre a função nor-
mativa no período considerado, bem abaixo das demais categorias. A função normativa
é das principais, senão a principal do Poder Público, pelo qual são criadas e oficializadas
as próprias políticas públicas, por exemplo. Nesse sentido, talvez fiquem prejudicados
os aspectos, na realidade abordada: a partilha de poder quanto à capacidade normativa
e a criação de políticas públicas pelo próprio Conselho.
4. Conclusão
Neste artigo apresentamos as duas primeiras partes do trabalho que temos desen-
volvido sobre a participação democrática no Conselho Municipal de Educação de Ri-
beirão Preto, bem como a descrição das atividades até agora realizadas. Apresentamos,
no primeiro item, o aporte teórico introdutório sobre a participação democrática, ins-
titucionalização e instituições participativas, com foco nos conselhos municipais como
nova perspectiva política para o Brasil, desde a promulgação da Constituição de 1988.
De modo geral, os dados sobre os conselhos municipais e os conselhos municipais de
educação no país demostram a expressividade quantitativa dos tipos de instituições
que se assemelham ao nosso objeto de pesquisa. Além disso, trouxemos o levantamen-
to de como a literatura tem tratado a participação, a institucionalização e os conselhos
em si, buscando acrescentar ao trabalho elementos qualitativos que nos ajude a inter-
pretar os dados sobre o CMERP levantados para a pesquisa.
Como vimos, a institucionalização foi o caminho encontrado pelos movimentos so-
ciais que, desde as diversas lutas pela redemocratização do país, atuaram no sentido
5. Referências
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1096
Abstract: from the narrative and analysis of three cases involving the conduct of the
Administration of the Public Defender of the Rio de Janeiro State in removals policy un-
dertaken in the city during the years 2011/2014 and during the demonstrations began in
June 2013, this article seeks to understand the relations of the institutional leadership with
the state government and the City of Rio de Janeiro. Therefore, it seeks to characterize 1097
the earthly government and judicial policy, which highlights the clash between political
groups vying for different projects for the institution, its relations with social movements
and other political actors and the strategies undertaken to achieve their goals. Observe
how in such cases the institutional policy overrode the legal guarantees and how it can
operate in the effectiveness or not of rights enshrined by law, acting selectively.
Keywords: Public Defender - Justice system - judicial policy - hegemony
1. Introdução
Em 29 de abril de 2011, em um dos atos iniciais do desmonte do Núcleo de Terras
e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – NUTH/DPGE-RJ, a sala
de atendimento às comunidades, usuários e usuárias foi fechada e lacrada, a mando
da Administração da Defensoria Pública. No mesmo dia foi destacado um segurança
para vigiar a porta com o propósito de impedir o acesso dos defensores públicos e
estagiários àquela dependência2. Nos dias que se seguiram, a Administração afastou
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão 8 OBSERVATÓRIO DO SISTEMA DE JUSTIÇA, DE POLÍTICAS
PÚBLICAS E DO LEGISLATIVO do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual
da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2 “Na manhã do dia 29 de abril de 2011, na sede do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro – NUTH/RJ, foi fechada e lacrada a sala de atendimento das comunidades, usuários
e usuárias daquele serviço público que ali acorriam em busca de direitos humanos. Além da sala ter sido la-
crada há um segurança vigiando a porta com o propósito de impedir o acesso dos Defensores e estagiários
àquela dependência”. Esses fatos são narrados em uma nota de repúdio assinada pela Assessoria Jurídica
Popular Mariana Crioula e pela ONG Terra de Direitos, elaborada e divulgada por grupo que se organizou
pela defesa do modo de funcionamento até então desenvolvido no NUTH. (Cf. Repúdio ao atentado contra
2. Metodologia
Esse artigo concentra-se na análise do comportamento recorrente da chefia insti-
tucional da Defensoria Pública nesses três casos acima elencados, utilizando-se como
fonte notícias de jornais eletrônicos, notícias e notas da Associação dos Defensores
Públicos do Estado do Rio de Janeiro – ADPERJ, relatos e notas advindos de grupos e
pessoas negativamente afetadas pelos fatos, principalmente dos defensores públicos e
estagiários alvo das políticas institucionais capitaneadas pela Administração, entre as
gestões 2011/2012 e 2013/2014. Esta preferência deve-se ao entendimento de que es-
tes setores atingidos representam o compromisso institucional assente na Lei Orgânica
da Defensoria Pública junto aos Direitos Humanos e a defesa de direitos das pessoas
em situação de vulnerabilidade, como o texto buscará esclarecer.
Ao focar nas disputas políticas institucionais, pretende lançar mão dos conceitos
de governo e política judicial, entendido o primeiro como o espaço institucional de
exercício de poder de gestão que incorpora funções executivas e legislativas afeitas 1099
à chefia das agências do sistema de justiça, e o segundo como mais ampla esfera de
disputa e exercício da supremacia política na instituição. A política judicial integraria a
disputa do governo judicial enquanto exercício direto da autoridade institucional e seus
instrumentos coercitivos com a disputa da hegemonia enquanto concepção e projeto
de instituição, seus valores e práticas predominantes. Nesse sentido, busca-se correla-
cionar as concepções de supremacia, hegemonia e dominação utilizadas por Antonio
Gramsci para o campo das relações políticas no sistema de justiça.
Esse concerto político entre a Defensoria e o governo do Estado pode ser confirma-
do pelo que se segue à eleição do novo DPG:
Até então, o Núcleo de Terras e Habitação – NUTH era coordenado por defenso-
res públicos identificados com a luta por moradia, com atuação próxima ao ativismo
político, auxiliados por estagiários igualmente envolvidos. Essa identificação pode ser
atestada não só pela lógica de funcionamento do NUTH, mas pela resistência empre-
endida pelos defensores e estagiários e pela permanência da vinculação de pelo menos
quatro dos cinco defensores em redes e movimentos correlatos após deixarem de atuar
no Núcleo7.
Objetivamente, quanto ao seu funcionamento, o Núcleo implementou o planeja-
mento estratégico participativo desenvolvido em conjunto com as comunidades as-
sistidas e priorizou reuniões nas comunidades atingidas como princípio metodológico
voltado a conhecer a realidade dos conflitos urbanos na cidade. A Administração da
Defensoria Pública, almejou, portanto, o enfraquecimento do acesso à justiça da po-
pulação ameaçada de remoção, buscando como resultado a perda na esfera judicial
da garantia dos seus direitos, garantindo os interesses da Prefeitura. MENDES (2014)
continua narrando os acontecimentos que levara ao desmonte do Núcleo, ressaltando
as atitudes de resistência das comunidades:
6 Esta relação é contínua e estreitada ao longo dos quatro anos de gestão. Por exemplo, no mesmo dia em
que estava agendada a remoção integral de uma das comunidades atendidas pelo NUTH, o Defensor Público-
Geral convidou o prefeito do Rio de Janeiro para um evento intitulado “Defensoria Pública e Prefeitura: juntos
pela Copa e Olimpíadas”. (Id.,2014)
7 Três defensoras públicas do NUTH nesta época, Adriana Britto, Maria Lúcia de Pontes e Roberta Fraenkel,
foram responsáveis por coordenar o GT Moradia do Fórum Justiça (Cf. Fórum Justiça, 2015).
8 Essa Assembleia Geral Extraordinária foi analisada in: ALVES; LAVIGNE, 2014.
9 O Fórum Justiça é um espaço aberto a organizações e movimentos sociais, setores acadêmicos e agentes
públicos do sistema de justiça para discutir, coletivamente, política judicial com redistribuição e reconheci-
mento de direitos e participação popular, enfatizando a justiça como serviço público. Busca potencializar o
exercício e a produção de direitos, no eixo da democracia e com o paradigma dos direitos humanos e, nesse
sentido, estimula o uso de mecanismos democráticos que possam aprofundar a relação entre atores sociais
e políticos com a finalidade de provocar a expansão das capacidades institucionais do sistema de justiça,
tornando-o mais eficaz na concretização das demandas populares e, ainda, facilitando a circularidade de
políticas públicas promotoras de igualdade. Para mais informações conferir: http://www.forumjustica.com.
br/. Acesso 08 out. 2015.
Este modo de agir caracteriza mais uma vez a sobreposição de posições políticas da
Administração da Defensoria sobre a atuação judicial. Não foi seguido o rito previsto para
o conflito de interesses, ou seja, a nomeação de membro tabelar, e não foi consultada
a comunidade defendida, o que indica atuação autoritária da chefia de desrespeito ao
defensor natural do processo e às prerrogativas funcionais e a alienação dos principais
interessados na causa quanto às ações empreendidas pelos seus representantes judiciais. 1107
Esse caso ganha complexidade em virtude da propaganda realizada pela Adminis-
tração na defesa da revogação da liminar. O argumento utilizado era de que inúmeras
famílias que já haviam concordado em sair dos imóveis poderiam agora ter acesso mais
rápido às unidades do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, o que é rebatido
pelos defensores, que alegam que a liminar não obstruía essa mudança, somente im-
pedia a derrubada das casas daqueles que decidiram permanecer. De fato, houve uma
reunião da chefia com moradores que haviam decidido sair da comunidade, os quais
teriam consentido com a revogação (Cf. G1 RIO, 2015). Os defensores alegam que os
moradores foram erradamente instruídos sobre os reais efeitos da decisão liminar, já
que ela não obstruiria a mudança, e que foram conduzidos a consentir com a sua re-
vogação de acordo com os interesses da Prefeitura que, desse modo, enfraqueceria a
situação daqueles que resistiam e tinham seus direitos assegurados por ela.
A relevância desse caso emerge também devido à interferência direta da chefia nos
processo judicial, avocando a competência dos defensores que atuavam anteriormente.
Esse foi um comportamento diferente dos dois outros casos, em que a Administração
fez valer a sua política mediante o constrangimento dos defensores, mudança de coor-
denação, ou seja, mediante o enfraquecimento dos mecanismos funcionais de acesso
à justiça. Entretanto, mais uma vez, caracteriza-se uma relação de subserviência aos
interesses da Prefeitura, pois, independentemente da legitimidade da sua ação, ela fa-
voreceu mais uma vez os interesses da municipalidade.
(Tijuca), o órgão obteve decisões judiciais importantes, obrigando a prefeitura a apresentar projetos urba-
nísticos, realizar audiências públicas e suspendendo demolições de casas negociadas, cujos escombros e
entulhos geram um efeito devastador nos moradores que permanecem e resistem nas áreas afetadas pela
remoção”. Cf. Id..
13 Em nota convocando para ato contra a Administração, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia alude:
“O slogan que levou o atual Defensor Geral ao Poder – DEFENSORIA PARA OS DEFENSORES – é o retrato
de um retrocesso orquestrado. A pessoa certa no lugar certo, na hora certa. Comprometido apenas com as
melhorias de carreira e com seus apaniguados cumpre com maestria e truculência a missão de desmonte
da Instituição Democrática e de avanço do projeto de exclusão e extermínio em curso no Estado do Rio de
Janeiro”. (Movimento Nacional de Luta pela Moradia -MNLM-RJ, 2011).
7. Conclusões
A perspectiva da política judicial traz a necessidade de se compreender as relações
existentes nas instituições do sistema de justiça tanto em seu cenário interno, em que
atuam grupos políticos partidários de projetos conflitantes para as instituições, como
em suas relações com o processo político mais amplo, abrangido pelas relações de
poder entre partidos institucionalizados, movimentos sociais e o conjunto de interesses
econômicos e sociais. Diante desse complexo de relações faz-se necessário observar o
funcionamento do sistema de justiça para além dos papéis que as agências exercem
dentro do âmbito do processo judicial. A chave privilegiada de análise e de ação para
entender a efetividade dos direitos deve ser, assim, uma análise política que contemple
1112
a conjuntura da correlação de forças internas e suas relações com as forças externas
às instituições. A perspectiva da política judicial privilegia o campo de ação política
dos atores institucionais, no qual operam táticas eleitorais, estratégias políticas de re-
sistência, disputa de hegemonia e formas políticas de coerção que se valem do poder
conferido à chefia institucional, cuja compreensão pode ser facilitada por ferramentas
conceituais tais como supremacia, dominação, hegemonia, Estado ampliado, sociedade
civil, sociedade política e partidos políticos.
Os casos narrados em relação ao comportamento do Defensor Público-Geral do
Rio de Janeiro e do grupo que o acompanhava na gestão de 2011 a 2014 exacerbaram
essa relação com as forças políticas internas à Defensoria, que lhe davam suporte a
partir de uma hegemonia conservadora e corporativista, e com forças políticas exter-
nas, notadamente aquelas do PMDB fluminense, que geria a Prefeitura e o Governo
do Estado do Rio de Janeiro naquele período, e também os setores econômicos que
lhe davam suporte. Pode-se dizer, com base nesses casos, que a Defensoria Pública
teria atuado de modo similar a uma secretaria de governo ligada aos interesses da
fração dominante no Estado e na Prefeitura do Rio de Janeiro, principalmente no to-
cante aos projetos urbanísticos para a cidade, que envolvia a remoções de inúmeras
famílias e de comunidades inteiras, o que diz respeito ao primeiro e ao último caso
analisados.
De forma omissa, ao não permitir a atuação de defensores públicos nas manifes-
tações de junho de 2013, a instituição favoreceu a política do governo estadual, exe-
ADPERJ, foi realizada no Copacabana Palace e as revistas da Associação buscavam destacar os defensores à
moda das colunas sociais.
ADPERJ. “AGE repudia conduta da Chefia em relação ao NUTH”, In: ADPERJ, 4 abr. 2014a. Disponível em:
http://www.adperj.com.br/noticias_detail.asp?cod_blog=85. Acesso em 15 out. 2015
1. Objetivos
O trabalho cuidou de pesquisar, no Presídio Regional de Feira de Santana, a ilega-
lidade prisional devido à falta de investimento e o descaso do poder público perante
a dignidade humana do apenado. Trata-se de uma pesquisa exploratória que objetiva
a construção de novas hipóteses através da apresentação de ideias e evidências, evi-
denciando o papel fulcral da Defensoria pública que torna viável o acesso à justiça e a
audiência de custódia como divisor de águas na jurisdição penal.
Uma das maiores violações aos direitos humanos, que estão ligadas ao sistema
jurídico e às políticas prisionais, é a prisão preventiva, já que pode atrapalhar o funcio-
namento da execução penal e o direito de defesa, por isso, a vultosa cifra apresentada.
O uso demasiado deste instrumento jurídico pode obstar o indivíduo de sua liberdade
até o julgamento, além de perpassar a pena atribuída anteriormente na sentença.
O princípio da Presunção de Inocência é no Brasil um dos princípios basilares do 1117
Direito, previsto pelo art. 5º da Constituição de 1988, proferindo que: “ninguém será
considerado culpado até transito em julgado de sentença penal condenatória”.
Nesse sentido, como se pode explicar as estatísticas do Infopen (Sistema Integrado
de Informações Penitenciarias) de junho de 2012 demonstrando que dos presos no
Brasil, 191.024 estão em regime provisório, sendo ainda mais especifico 180.038 são
homens, representando 94,25% e 10.986 são mulheres, restando 5,75% do total?
Essa deturpação do Direito, na qual uma exceção vem se tornando regra, trás a baila
o descrédito da prevenção e da reabilitação do condenado. A prisão que outrora surgiu
como um instrumento substitutivo da pena de morte, das torturas públicas e cruéis,
atualmente não consegue efetivar o fim correcional da pena.
O Conjunto Penal de Feira de Santana, hodiernamente, conta com 1749 detentos,
sendo 1669 homens e 80 mulheres que vivem separadamente de acordo com o formu-
lário de inspeção mensal do estabelecimento prisional apresentado em fevereiro do ano
de 2016.
Da quantidade de presidiários citados e ainda de acordo com o mesmo formulá-
rio, boa parte encontra-se presa provisoriamente. Do total de detentos, 361 já foram
condenados, ou seja, a grande maioria, ainda encontra-se em prisão provisória, 1388,
sendo que boa parte nem sequer foi ouvida, possuindo muitas vezes diversos direitos
denegados.
2. Metodologia
As etapas de elaboração para confecção do presente artigo constituíram-se em um
levantamento bibliográfico, o qual, fundamentou teoricamente o trabalho e discutiu os
conceitos que o norteiam, sustentando a temática proposta e indicando caminhos para
a investigação em campo.
No que tange a pesquisa de campo, além das observações e de conversas infor-
mais, também foram utilizados os dados estatísticos fornecidos pela Direção do Presí-
dio Regional de Feira de Santana. Tais dados, associados ao levantamento bibliográfico,
possibilitaram as analises e conclusões acerca da temática proposta.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Desta forma, o presente estudo tratando-se de uma pesquisa de cunho explora-
tório, que objetiva familiarizar-se com um assunto atual, buscando subsídios para a
construção de novas hipóteses.
3. Conclusões
Este estudo demonstrou que é comum a detenção antes do processo condenatório,
desrespeitando em alguns casos o direito à presunção de inocência garantida consti-
tucionalmente. O que comprova essa afirmação é o fato de boa parte dos indivíduos
encarcerados serem provisórios.
Na contramão desse problema, a Defensoria Pública, através de suas atribuições, con-
cretiza o direito de acesso à justiça de diversos indivíduos, prestando assistência jurídica
e tendo como objetivo defender em juízo a pessoa assistida. Nesse contexto, percebe-se
como é fulcral a função desse órgão essencial à justiça, já que torna viável o acesso a esta,
refutando as mazelas do sistema prisional e mitigando a invisibilidade, provocada pelas
assimetrias sociais, que colimam aqueles que mais precisam desse serviço.
Outro fator preponderante na mitigação dessa problemática é a audiência de cus-
tódia, pois permitirá a análise rápida se existe ou não a necessidade da realização da
prisão, podendo o indivíduo, a depender do delito cometido, responder em liberdade,
o que acarretará numa diminuição do número de indivíduos encarcerados e, também,
das mazelas estruturais como a superlotação.
1119
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OBSERVATÓRIO DA MÍDIA,
DIREITOS E POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO
Eloisa Slongo
Rafael Mendonça de Souza
Nikácio Junior
1. Introdução
Uma maior implementação do direito humano à comunicação está diretamente
relacionado ao fortalecimento da democracia brasileira. Percebe-se, entretanto, que o
Brasil pouco avançou nessa pauta. Uma simples análise do marco legal e do oligopólio
da grande mídia demonstra que, nesse ponto, poucos evoluímos nas últimas décadas.
Esse cenário apresenta-se como um grande entrave à discussão e divulgação de massa
de temas centrais para os movimentos sociais. No caso do movimento feminista, por
exemplo, é notório que a democratização da comunicação é fundamental para a parti-
cipação na formação cultural. Neste artigo, daremos foco à representação estética do
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão: 9. Observatório da mídia, direitos e políticas de comuni-
cação, do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da
Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Bobbio, em seu livro A Era dos Direitos (1992, p. 240), afirma que “o problema fun-
damental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o
de protegê-los”. Tal afirmativa, não se aplica integralmente às liberdades comunicativas,
pois, nesse campo, antes da efetivação requer-se a justificativa e o reconhecimento
(jurídico, político e social) do direito humano à comunicação.
Os direitos humanos são inerentes à própria condição humana, decorrentes do nú-
cleo duro que é o direito à vida. São direitos que todos os seres humanos dispõem,
independentemente de suas diferenças biológicas, culturais, de gênero, etnia, classe
social, grupo religioso, entre outros. Por sua vez, fazem partem da consciência moral e
política da humanidade (COMPARATO, 2003).
1128 Vale salientar, que o fato das elites concentrarem os meios de comunicação tem
um objetivo de controle social e manutenção da hegemonia. Segundo PORTELLI (1997),
Gramsci repassa a ideia que a mídia seria um dos instrumentos da hegemonia: “um dos
aspectos essenciais da sociedade civil consiste em sua articulação interna, isto é, na
organização através da qual a classe dirigente difunde sua ideologia”. Essa organização
é qualificada por Gramsci de “estrutura ideológica” da classe dirigente, entendendo-se,
por esse termo, “a organização material destinada a manter, defender e desenvolver a
frente teórica”.
Na estrutura ideológica, portanto, estariam reunidas não somente as organizações
cuja função é difundir a ideologia, mas também todos os meios de comunicação social
e todos os instrumentos que permitem influenciar a “opinião pública”. A imprensa e a
edição, assim como a organização escolar, assumem um papel essencial, pois são as
únicas a abranger de modo integral o domínio da ideologia.
Nessa linha de construção do consenso e definição do que deve ser admitido e o
que deve ser oprimido, a classe dominante, através dos meios midiáticos, impõe sua
visão como sendo ideias da sociedade como um todo. A ideologia é mostrada como
um conjunto de pensamentos consensuais de todos os indivíduos da sociedade. Dessa
forma, busca-se agregar o apoio, principalmente de setores da classe média, na lógica
que incrimina os movimentos sociais e seus líderes. A sociedade acaba se convencendo
e passa a identificar o ato de lutar por um direito como um crime contra a ordem social.
À medida que as pessoas não se reconhecem nos movimentos, não se identificam com
ele, não os veem como justos e próximos a elas, o que acaba por construir a deslegiti-
mação dessas lutas, inclusive das que buscam democratizar a comunicação.
Neste âmbito, sob uma comunicação excludente, reforçam-se estereótipos que evi-
tam a transformação da ordem vigente como alternativa para a formação de outras
2 Para esta pesquisa, restringimos o objeto feminino como categoria correspondente aos corpos biopolitica-
mente entendidos como mulher, trabalhando, portanto, com relações de gênero que a circunscrevem.
Assim, apesar dos avanços da presença das mulheres na política nas ul-
timas décadas, o discurso político delas continua carregando os signos
de sua subalternidade social. A associação convencional entre a mulher
e o cuidado repercute fortemente na ação no campo político, fazendo
com que elas se dirijam de maneira prioritária para questões vinculadas a
assistência social, família ou educação. [...] As marcas da feminilidade no
discurso reduzem a legitimidade da falante, mas a ausência delas é denun-
ciada como uma falha da mulher que não as tem: a emotividade excessiva
não é pertinente num político, mas a frieza e a racionalidade não cabem
6. Considerações Finais
Neste trabalho apontamos brevemente a respeito da comunicação como direito hu-
mano essencial à emancipação humana, bem como sobre a democratização da comuni-
cação como preceito para igualdade de condições de manifestação, trazendo esta como
veículo de informações gestionadas dentro do âmbito social e, desta maneira, consti-
1132tuinte de reprodutibilidade das normas sociais hegemônicas e contraditoriamente, como
meio pelo qual se pode promover uma reforma popular da comunicação.
Com a democratização da comunicação, busca-se favorecer o acesso à informação
enquanto sujeitos políticos, de modo a promover a cidadania, produzir imagens e re-
presentações, inclusive pelo discurso, que não reproduzam as hierarquias de gênero e a
dominação masculina, ampliando os espaços de atuação e performatização, rompendo
com os estereótipos, pois, sendo uma causa maior, inclusive de controle e de fácil re-
produtibilidade social, constitui-se como demanda essencial para a garantia da digni-
dade humana, da diversidade humana e também, das perspectivas sociais atreladas aos
recortes sociais.
E, por conseguinte, a sensibilização estatal através dos movimentos sociais que soli-
citam do Estado resposta a atenuar, através de políticas publicas o enfrentamento à cul-
tura patriarcal, expressa, aqui, pela abordagem da representação estética do feminino.
8. REFERÊNCIAS
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RESUMO: Este trabalho pretende verificar a influência exercida pelos meios de co-
municação no sistema de justiça criminal, na política penal e de segurança pública,
com enfoque na constante massificação de informações do cotidiano na sociedade
neoliberal, sobretudo, no estado da Bahia. O comércio de notícias pelas grandes em-
presas de mídia, a manipulação política e ideológica, bem como a exaustiva exposição
da criminalidade e da violência nas narrativas jornalísticas e a disseminação do credo
criminológico induzido por essas agências. Pretende, ainda, investigar a seletividade
com que as informações sobre crime são expostas pelos meios de comunicação aos
diferentes escopos da sociedade, bem como a propagação dos discursos de ódio e da
cultura de medos sociais.
Palavras-Chaves: mídia, criminalidade, direito, medo.
ABSTRACT: This work aims to verify the influence of the media in the criminal justice
1134system, the criminal policy and public security, focusing on constant mass of daily in-
formation in the neoliberal society, especially in the state of Bahia. Trade news by major
media companies, political and ideological manipulation, as well as a comprehensive
exhibition of crime and violence in journalistic narratives and the dissemination of cri-
minological credo induced by these agencies. It also intends to investigate the selecti-
vity with which information on crime are exposed by the media to the different scopes
of the society and the spread of hate speech and culture of social fears.
Keys-words: media, crime, law, fear.
INTRODUÇÃO
No território brasileiro é comum a exposição de noticiários de cunho policial, seja
pelos jornais impressos e televisivos, bem como pelos programas matutinos de saúde e
culinária. Assim, ao longo do dia o fluxo de notícias aumenta com as redes sociais, com
as páginas dos jornais na internet, tendo seu ápice no horário do meio dia, com o dito
jornalismo policial, o qual apresenta cenas de linchamentos, rebeliões em presídios,
ou/e ações policiais em comunidades pobres, onde intimidações e agressões mútuas
são a tônica, quando não, corpos crivados de bala pelo chão. Notícias das mais variadas
gamas de violência, o que é uma constante dentro desses quadros midiatizados.
As questões de segurança, violência e criminalidade no Brasil, hodiernamente com
destaque para o Nordeste, passaram a ter imensa relevância frente ao seu rápido cres-
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão (ED) 09 – Observatório da mídia, direitos e políticas de
comunicação, do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, na Universidade Estadual da Bahia –
UESB, em Vitória da Conquista, Bahia, nos dias 23 a 27 de agosto de 2016.
DISCURSOS DE ÓDIO
Como a notícia precisa atrair e prender o público, até mesmo para garantir a saú-
de financeira da empresa de mídia (CARDOSO, 2011, p. 30), o discurso precisa seguir
a linha do extraordinário, do espetacular, o sensacionalista. Assim, apresentadores e
repórteres, exploram os discursos de forma massificante; às vezes em tom messiânico,
mas sempre de forma incisiva e acusadora, nunca complacente, ou equânime. A atua-
ção policialesca de alguns órgãos de imprensa é gritante:
(...) é peculiar ao ser humano ter uma sensação que vai além da ameaça de
sua vida. Ele conhece um medo de “segundo grau”, um “medo derivado”
capaz de dirigir seu comportamento independente da presença de uma
1138 ameaça imediata. É o sentimento de ser “suscetível” ao perigo, é uma sen-
sação de insegurança e vulnerabilidade.
Tamanha é a ubiquidade do medo na atual conjuntura social que, como disse Bau-
man (2008, p. 12), “novos perigos são descobertos e anunciados quase diariamente”.
Consequentemente, no dia a dia nos condicionamos a aprender que o rol de perigos
da sociedade atual é inesgotável e, nesse aspecto, não se pode refutar a contribuição
que tem os meios de comunicação na produção, difusão e manutenção desses medos.
E Glasner (2003, p. 33) diz ainda que, “entre as diversas instituições com mais culpa
por criar e sustentar o pânico, a imprensa ocupa indiscutivelmente um dos primeiros
lugares”.
Embora o medo seja uma instância de imensa complexidade, já que se relaciona
com as singularidades da psique e, é fruto da história e experiências de cada indivíduo.
No entanto, existem medos que têm sua origem na construção social (BAIERL, 2004, p.
03-04), já que havendo ou não, qualquer tipo de ameaça concreta, as pessoas viven-
ciam uma insegurança, apenas por sensações (CARDOSO, 2011, p. 108).
Pela força de um perigo abstrato, que por vezes foi vivenciado pelo “primo do vizi-
nho de um colega de trabalho”. Na visão de Bauman (2008, p. 29), esses medos abstra-
tos são mais perigosos que os medos concretos, já que não se pode prevê, ou mesmo
reagir à ameaça.
Tais medos dão nova configuração à vida em sociedade, uma vez que podem tanto
mudar a vivência de forma geral, como as pessoas se relacionam, as atitudes e estraté-
gias que passam a adotar para a rotina diária, como também influencia nas interações
Embora a relação entre imprensa e polícia seja um tanto quanto conflituosa, parece
haver uma espécie de “trégua”, quando da prisão de alguém, especialmente quando tal
sujeito atende aos requisitos do etiquetamento. Afinal, assim como o direito criminal,
os órgãos de segurança pública fazem parte dos entes compromissados na manuten-
ção do status quo. Assim, quando equipes da polícia efetuam prisões e, por ventura,
não estão sendo acompanhadas por equipes jornalísticas, prontamente estabelece-se
1141
um link entre polícia e canais de comunicação, para que ao menos sejam exibidas as
imagens dos presos.
Desta forma, a mídia estaria no seu exercício de informar e alertar a população
quanto à delinquência e, a prisão daqueles que cometeram o delito. Uma espécie de
serviço de utilidade pública. Já a polícia, ao exibir o criminoso, estaria publicizando seus
atos. Uma espécie de prestação de contas à sociedade. Entretanto, esse é também uma
forma de castigar, uma forma de antecipar a pena, ou propriamente o julgamento.
É de bom alvitre dizer que, essa é uma política de segurança que expõe as consequ-
ências dos valores seguidos tanto pelos legisladores como pelos chefes do executivo, o
que representa de certa forma, uma ligação entre o Estado e a sociedade.
8 Ambas são expressões populares usadas comumente para designar ladrões de coisas pequenas, de menor
valor pecuniário, menor importância.
São criadas, gestadas e sustentadas verdadeiras carreiras políticas com esse mote.
Muitos políticos se especializaram no tema, quando não nasceram dele, como é o caso
dos jornalistas e policiais que viraram “políticos profissionais”, aliás, é cada vez mais
comum ver policiais em cargos legislativos.
Aqui na Bahia, nas duas últimas “eleições federais”, forma pelo menos cerca de um
1144jornalista e dois policiais eleitos para ocuparem cadeiras na Assembleia Legislativa. O
“fenômeno” não é tão novo assim, ao menos não a nível municipal, mas vem ganhando
contornos diferentes de algum tempo pra cá. Tanto pela projeção nacional que algumas
figuras vêm ganhando, como pela plataforma que lhes sustenta, afinal, os discursos
giram sempre em torno de motes como, “bandido bom é bandido morto”, “redução da
idade penal para o menor infrator”, e por ai vai.
Entretanto, o encarceramento massivo é uma construção política que decorre das
mais variadas decisões, nas mais diversas esferas (CARVALHO, 2010, p. 10). Sendo as-
sim, atuação da mídia aparecerá não só no legislativo, mas também no jurídico.
Os anseios populistas e conservadores que clamam por um direito penal máximo,
em detrimento ao Código de Hamurábi, e que demanda um julgamento-espetáculo
no lugar das antigas “fogueiras santas”, já que traz em seu flanco as imposições de um
Estado de Direito, vê no judiciário o caminho mais curto para atender esse anseio. Pois,
tal qual o teatro, a dramaturgia, o próprio exercício da atividade em si do judiciário é
uma espécie de teatro, um espetáculo:
Atribui-se aos juízes e promotores a tarefa não só de julgador e acusador, mas tam-
bém, a função de justiceiros. Em tempos de recrudescimento e expansão de um direito
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
penal que se constituiu subsidiário; da ampliação desenfreada de institutos como o da
“delação premiada”, nada mais natural e aceitável que o processo criminal se desenrole
sob os holofotes da mídia. Uma sociedade do espetáculo11, que, muitas vezes, atende
a uma mídia do espetáculo e, por fim resulta num processo penal do espetáculo (CON-
TERA, 2002; CASARA, 2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abolição da escravatura não foi capaz de garantir isonomia de tratamento entre
negros e estrangeiros em relação às elites constituídas do país, especialmente no que
diz respeito ao sistema penal. É sabido que o contínuo controle seletivo desse grande
contingente populacional, que vive sob o julgo do autoritarismo do sistema penal e ar-
bitrariedades civis, e em constante ameaça, quando não, pelo massivo encarceramento,
aprofundou as desigualdades sociais.
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1150
Resumo: O artigo em questão tem por objetivo apresentar uma análise provocativa
sobre o atual panorama da mídia brasileira e sua posição conjuntural dentro do nosso
sistema político/institucional. Partilhando ideias do filósofo e escritor Aldous Huxley
de que, a comunicação com as massas, em uma palavra, não é nem boa nem má;
é simplesmente um poder e, como todo e qualquer outro poder, pode ser bem ou
mal-empregado”, acreditamos que, se utilizados de uma maneira, a imprensa, o rá-
dio, a televisão, o cinema, a internet ou quais sejam os meios de comunicação, são
imprescindíveis para a sobrevivência e manutenção da democracia. Contudo, também
entendemos que se utilizados de modo diverso, prestam um serviço de desinformação
à sociedade, ou ainda pior, servem de instrumentos de legitimação das desigualdades
e da retirada de direitos, sejam sociais ou políticos. Com base nisso, é discutido o papel
da mídia no cenário sócio/político brasileiro, seu contexto histórico, o atual sistema
de concessões e outorgas, que norteiam a legislação da mídia nacional, bem como a
abordagem constitucional acerca do tema, apresentando um contraponto entre o atual
modelo midiático nacional e suas contradições quanto ao respeito pela comunicação
limpa, livre e democrática. 1151
Palavras chave: Democratização da mídia, Legislação, Outorgas, comunicação.
INTRODUÇÃO
A comunicação é um fator de extrema importância para a construção de um sis-
tema democrático, onde o papel desempenhado pela mídia, em suas mais diversas
esferas de atuação, é, em tempos de globalização, elemento fundamental para a com-
preensão da sociedade e seu processo político fundamental. Porém, o quadro que se
apresenta sobre os meios de comunicação no Brasil está na contramão de um sistema
centrado no bem comum e que possibilite a diversidade de opiniões que deveriam ser
difundidas pelo processo da radiodifusão. Legislações obsoletas e cheias de fissuras,
que propiciam a formação de monopólios, oligopólios, e vários outros tipos de concen-
trações, que como em um círculo vicioso, geram um cenário de poder, manipulação e
desinformação sobre a sociedade.
Nesse sentido, o presente estudo tem por finalidade analisar, ainda que sucinta-
mente o contexto midiático vivido pelo Brasil, trazendo um breve relato sobre os as-
pectos históricos da comunicação no país, o atual sistema de concessões e outorgas,
que norteiam a legislação da mídia nacional, bem como a abordagem constitucional
acerca do tema, apresentando um contraponto entre o atual modelo midiático brasilei-
ro e suas contradições quanto ao respeito pela comunicação limpa, livre e democrática,
e finalizando, elencaremos algumas medidas sugestivas para democratizar a falta de
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão 9 – Observatório da Mídia, Direitos e Políticas de Comuni-
cação do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da
Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Seguindo nesse recorte histórico, e só para se ter uma ideia do quão arcaico é a
nossa legislação de regulamentação dos meios de comunicação, ainda em 1932 surge
o Decreto-Lei nº. 21.111, que, de acordo VIEIRA (2015), passou a regulamentar especi- 1153
ficamente o serviço de radiodifusão no Brasil (o então chamado Serviço de Rádio Co-
municação), juntamente ao decreto anterior. Esse decreto foi um divisor, definindo os
primeiros procedimentos e regras para outorgas de rádio e até 1962 os dois decretos
(20.047 e 21.111) regulamentaram a radiodifusão brasileira referente às autorizações
para exploração do serviço.
Com uma legislação já fragmentada, já era de se esperar que esses dois decretos
-leis se transformariam em um verdadeiro “caos regulatório”. Procurando resolver a
questão e acalmar os ânimos e pressões dos “barões das telecomunicações, o governo
federal enviou ao Congresso Nacional, em 1953, um projeto de lei que abrigasse a te-
lefonia e os serviços de radiodifusão em uma só legislação, ou seja, num código para
as telecomunicações.
Assim:
3 VIEIRA. Vilson Jr. Quem é o dono? Emissoras de rádio e TV são concessões de serviço público, e não bens
privados! Disponível em <http://vilsonjornalista.blogspot.com.br/2008/05/quem-o-dono-emissoras-de-rdio
-e-tv-so.html>. Acesso em: 06. Ago. 2015.
4 LOULY, Julyete Farias. Projeto de lei prevê fim dos oligopólios de mídia no Brasil. Dispo-
nível em: <http://www.fndc.org.br/noticias/projeto-de-lei-preve-fim-dos-oligopolios-
de-midia-no-brasil-924467/>. Acesso em: 06. ago. 2015.
Isso faz com que apenas interesses políticos e econômicos de alguns empresários
da mídia prevaleçam do início ao fim do processo. Diante disso, o Intervozes5 – Coletivo
5 BARBOSA, Bia. RIBEIRO, Bráulio. Concessões de rádio e TV: Onde a democracia não chegou. Coletivo Inter-
vozes. Disponivel em: <http://www.intervozes.org.br/arquivos/interrev001crtodnc>. Acesso em 20. Agosto.
2015.
Assim, embora a concessão seja pública, ela é usada para fins privados. É
comum, por exemplo, que emissoras as utilizem para promover a crimi-
nalização dos movimentos sociais e impor uma agenda política que lhes
interessa. Também é comum a discriminação contra mulheres, negros,
indígenas, homossexuais, pessoas com deficiência e idosos, além de de-
terminadas religiões e classes sociais. Estipulam padrões estéticos, éticos
e morais, impondo valores que promovem e perpetuam preconceitos. A
sociedade, em nome de quem é dada a concessão, não tem como prote-
ger-se, apesar da Constituição garantir este direito.
Nessa mesma análise, Barbosa e Ribeiro (2015) nos diz que, isso é o que acontece
com grupos políticos, religiosos e famílias que mandam e desmandam na mídia do país,
a exemplo disso os Marinhos (Globo), Saad (Bandeirantes), bispo Edir Macedo/Igreja
Universal (Record), Abravanel/Silvio Santos (SBT) e Civita (Editora Abril) que controlam
seus canais de TV e de rádio como se fossem propriedades particulares e concentram
um imenso poder em suas mãos por conta do uso político e ideológico que todos fa-
zem desses meios de comunicação.
6 Quarto poder” é uma expressão criada para qualificar, de modo livre, o poder das mídias em alusão aos
outros três poderes típicos do Estado democrático: Legislativo, Executivo e Judiciário. Esta expressão refere-
se ao poder dos meios de comunicação quanto à sua capacidade de manejar a opinião pública, a ponto de
ditar regras de comportamento, influenciar as escolhas dos indivíduos e da própria sociedade. (SOUZA, Rob-
son S.R. O “quarto poder” se assanha. Observatório da Imprensa, Belo Horizonte, ed. 727, 2012. Em <http://
observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/_ed727_o_quarto_poder_se_assanha/>. Acesso em: 02 de
Julho 2015.
Ainda assim é preciso contextualizar essas classificações. Sabemos que os dois pa-
drões que ora pretendemos para justificar o modelo midiático brasileiro se chocam, e,
portanto, sua análise deve ser feita tomando como base um período compreendido en-
tre o início dos anos 2000 – mais precisamente a partir da eleição do presidente Lula e
o início do “Lulismo” – até a época mais recente, meados de 2015, período da chamada
“ascensão do conservadorismo no congresso, e retomada das ruas pelas massas”.
De maneira geral, observando o que foi apresentado até aqui podemos notar que
nos dias de hoje, o papel da mídia de fiscalizadora dos demais poderes é diretamente
conflitante com o seu status de quarto poder, e que portanto requer uma análise mais
realista e aprofundada que, quando realizada, traz uma visão da mídia mais como artic-
uladora da agenda da sociedade, que outra coisa.
Como bem coloca Sodré (1994, apud RIZZOTTO, 2012, p. 114), o quarto poder,
considerado o mais adequado para controlar os demais em nome da cidadania e da de-
mocracia, acabou por ser o mais poderoso e o menos controlável, já que se vincula com 1157
as forças de geração de demanda, a publicidade, modelando as condutas e as consciên-
cias de acordo com o que a economia de mercado determina. Ou seja, o quarto poder,
exercido pela imprensa, saiu de representante do público nas discussões políticas para
se tornar inibidor do papel ativo do público.
Aldous Huxley em “Regresso ao Admirável Mundo Novo”7 já nos trazia uma análise
bem realista sobre a mídia enquanto quarto poder e reforça o que foi discutido acima.
Para ele “a comunicação com as massas, em uma palavra, não é nem boa nem má; é sim-
plesmente um poder e, como todo e qualquer outro poder, pode ser bem ou mal empre-
gado”. Ou seja, se utilizados de uma maneira, a imprensa, o rádio, a televisão, o cinema, a
internet ou quais sejam os meios de comunicação, são imprescindíveis para a sobrevivên-
cia e manutenção da democracia. Contudo, se utilizados de modo diverso, encontram-se
entre as armas mais poderosas do arsenal dos ditadores. (HUXLEY, 1959, p. 63).
Não obstante, são raros os casos em que esse “poder” é empregado de forma a
beneficiar a comunidade ou a sociedade, prestando muitas vezes um serviço de “desin-
formação” ao cidadão.
MANIPULAÇÃO E DESINFORMAÇÃO.
Com o advento da tecnologia e a popularização dos computadores domésticos nas
últimas décadas o acesso a informação tornou-se muito mais amplo, rápido e simples.
No entanto, paralelo a essa evolução, a quantidade de fontes de comunicação também
7 HUXLEY, Aldous. Regresso ao admirável mundo novo. São Paulo: Hemus, 1959. 197 p.
Na vida pública e privada sucede muitas vezes que não há apenas tempo
para colher os fatos relevantes ou para avaliar a importância deles. Somos
forçados a agir firmados em fatos insuficientes e dirigidos por uma luz
bem menos refulgente do que a da lógica.
(...) A propaganda a favor da ação inspirada por impulsos que estão abaixo
do verdadeiro interesse, apresenta provas falsas, falsificadas ou incomple-
tas, evita os argumentos lógicos e procura influenciar as suas vítimas pela
simples repetição de frases feitas, pela denúncia louca de bodes expiató-
rios, estrangeiros ou domésticos, e pela associação hábil das paixões mais
vis com os mais elevados ideais...
Sodré (1999, apud Bayer, 2014) explica que “os meios de comunicação constituem
o lugar primordial de construção da realidade ou de moldagem ideológica do mundo
a partir da retórica tecnoburocrática de inspiração gerencial”. E para esta construção
da realidade os meios de comunicação utilizam de várias técnicas para alcançar seus
objetivos dentre quais, podemos iniciar destacando o princípio da seletividade. Ou seja,
uma perspectiva desanimadora que nos remete a infeliz realidade de que os meios de
comunicação no Brasil hoje deixaram de informar para formar opinião, ou seja, deixou
de informar para definir o que quer que seja repassado adiante. É indiscutível que os
meios de comunicação divulgam os fatos conforme percepções próprias, selecionando
apenas o que lhe convém que o público fique sabendo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora exploradas majoritariamente por empresas privadas, rádios e TVs são con-
cessões públicas. Isto é, as câmeras podem ser da Globo, o cenário pode ser da Record,
os atores e jornalistas contratos podem ser da Bandeirantes, mas o canal não pertence
a eles. O canal é do povo brasileiro.
Porém, o quadro que se apresenta sobre os meios de comunicação no Brasil está na
contramão de um sistema centrado no bem comum e que possibilite a diversidade de
opiniões que deveriam ser difundidas pelo processo da radiodifusão.
Emissoras usam suas concessões para promover a criminalização dos movimen-
REFERÊNCIAS
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tado no XVII Encontro da Compós. In: RIZZOTO, Carla Cândida. Constituição histórica do poder na mídia no
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BAYER, Diego Augusto. O discurso da mídia e sua desinformação através dos espetáculos criados. Dispo-
nível em: <http://diegobayer.jusbrasil.com.br/artigos/121943203/o-discurso-da-midia-e-sua-desinformacao
-atraves-dos-espetaculos-criados> Acesso em: 6 de agosto de 2015
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JR., Vilson Vieira. Quem é o dono? Emissoras de rádio e TV são concessões de serviço público, e não bens
privados! Disponível em: <http://vilsonjornalista.blogspot.com.br/2008/05/quem-o-dono-emissoras-de-r-
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www.andi.org.br/sites/default/files/legislacao/18.%20Pol% C3%ADtica%20de%20Comunica%C3%A7%-
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MIRANDA, Gustavo Lima. A história da evolução da mídia no Brasil e no Mundo. Brasília, 2007. Disponível
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SODRÉ, M. A máquina de Narciso: televisão, indivíduo e poder no Brasil. In: RIZZOTO, Carla Cândida.
Constituição histórica do poder na mídia no Brasil: o surgimento do quarto poder. Revista Estudos Comuni-
tários. Curitiba, v. 13, n. 31, p. 111-120, maio/ago. 2012.
SOUZA, Robson S.R. O “quarto poder” se assanha. Observatório da Imprensa, Belo Horizonte, ed. 727, 2012.
Em < http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/_ed727_o_quarto_poder_se_assanha/>.
Acesso em: 02 de Julho 2015.
Resumo: Este trabalho tem como objetivo propor uma forma de noticiar os fatos crimi-
nosos sem ferir os direitos humanos. Desse modo, o garantismo midiático visa tutelar
a dignidade das pessoas que são expostas a mídia quando suspeitas de praticar ato
ilícito. Sem nenhuma pretensão de exaurir a temática, o artigo é apenas um recorte de
um trabalho maior. Para alcançar a proposta, debruçamos em uma literatura interdisci-
plinar: Jornalismo, Direito e Filosofia.
Palavras-Chave: direitos; dignidade; jornalismo; mídia; polícia
1. Introdução
O presente artigo é um recorte de um trabalho maior, dedicado ao estudo sobre
direitos humanos e às crônicas policiais. Tema, frise-se bem, ainda pouco versado nos
meios acadêmicos e no campo profissional, muito em virtude do preconceito com o
jornalismo policial, conforme a observação da mestre e jornalista Patrícia Paixão (2010).
Acreditamos, todavia, que não é se eximindo que iremos solver uma questão que
1162 está em relevo no nosso tempo: a exploração dos suspeitos de atos criminosos pela
mídia, ferindo direitos fundamentais. É bem verdade, que o estudo sobre o jornalismo
policial na televisão tem sido bem explorado no mundo acadêmico.
Antes de tudo, convém pontuar, que a busca pelo bom jornalismo é uma luta coti-
diana. O jornal de hoje precisa ser melhor do que o de ontem, e o de amanhã deve ser
melhor do que o de hoje. Contudo, assim como toda a atividade humana, o jornalismo
não é perfeito e nunca será. Sempre teremos que lidar com erros. É a reflexão sobre
o modo como se produz que, sem dúvida nenhuma, evitará cairmos num abismo de
equívocos.
Os casos noticiados, principalmente, os que ganham muita notoriedade, precisam
ser estudados e debatidos. É provável que eles se repitam em outro espaço e com per-
sonagens diferentes, no entanto, os erros não devem serem reproduzidos.
Relatar fatos criminosos parece para muitos jornalistas (ou não) uma simplória ta-
refa, mas noticiar com responsabilidade social exige conhecimento e uma certa dose
de reflexão. Não devemos jamais esquecer que a divulgação de um crime traz para ao
suposto autor graves consequências sociais, pois o suspeito passa a revestir aos olhos
da sociedade a condição de “mostro sem traço de procedência humana”, como já nos
alertava o jurista baiano Ruy Barbosa.
O italiano Francesco Carnelutti, em sua clássica obra As misérias do processo penal,
fez questão de ressaltar que “Cristo perdoa, os homens não”. À visto disto, toda vez que
2. Os direitos humanos
Ainda no século XX, o filósofo italiano Norberto Bobbio observou que o desafio do
nosso tempo não era mais de saber quais e quantos são os direitos do homem3, mas
sim o modo mais seguro para garanti-los (2004, p.25). Em sua célebre obra A Era dos
Direitos, frisa que embora estejam descritos em códigos e sejam pronunciados em as-
sembleias, os direitos do homem são violados cotidianamente.
Lembra Bobbio (p.14-15) que a expressão direitos humanos, ao longo da história,
foi alvo de muitas definições. O próprio filósofo italiano apresenta uma significação.
Na concepção dele, são coisas desejáveis e que precisam ser perseguidas para serem
reconhecidas.
1164
Nesta mesma linha de pensamento, o professor doutor da Universidade Estado do
Rio de Janeiro (UERJ) e procurador da República Daniel Sarmento (2004, p.20), ressalta
que a concepção de direitos humanos surge no Ocidente e “constituem imperativos
éticos que protegem todo e qualquer ser humano, independentemente do seu país ou
cultura”.
Bobbio e Sarmento salientam que os direitos são conquistados após travar lutas
e batalhas nos campos políticos e sociais, a título de exemplo a Reforma Protestante
na qual se reivindicou e houve o reconhecimento da liberdade da opção religiosa e ao
culto em muitos países europeus.
O filósofo italiano pontua, em sua obra, a relevância do reconhecimento dos direi-
tos humanos. Diz ele que “sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há
democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica
dos conflitos” (BOBBIO, p.1). Dito de outra forma, direitos do homem, democracia e paz
precisam e só caminham juntos.
É sempre bom ressaltar que um direito que nos parece fundamental em nosso
tempo pode não ser no futuro. No entendimento de Bobbio (p.18), essas modificações
acontecem por conta das condições históricas e isto prova que não existem direitos
fundamentais por natureza. No entanto, prossegue o filósofo:
3 Convém assinalar que, no percurso da história, autores usaram expressões como “direitos do homem”,
“direitos individuais”, “direitos humanos fundamentais”, “direitos fundamentais”, para, em algum momento,
falar sobre “direitos humanos”. No presente trabalho, usamos tão-somente os termos “direitos humanos”
e “direitos do homem”, pois entendemos que conseguem abranger com mais precisão a noção de direitos
constituídos como inerentes ao homem.
Demais disso, segundo Bobbio (p.20), quando há uma conquista de um novo direi-
to, por tabela, outro acaba suprimindo-se. Cita-se como exemplo o direito de não ser
escravizado, que proíbe o direito de ter escravos. Convém destacar, no entanto, que o
debate sobre direitos humanos não é recente.
Segundo o jurista e professor doutor Ingo Wolfgang Sarlet, são as primeiras Cons-
tituições4 que reconhecem e consagram os direitos humanos, a partir da evolução do
Estado Liberal para o Estado Social (2005, p.43).
Mas calha pontuar que se ganha um caráter universal depois da Segunda Guerra
Mundial, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948,
pela Assembleia Geral das Nações Unidades. Foi naquele ano que se estabeleceu o
marco da luta pela efetivação dos direitos do homem no mundo.
Neste sentido, o professor doutor Daniel Sarmento lembra que alguns críticos se
contrapõem a este entendimento de caráter universal dos direitos humanos. O estudio-
so pontua que não se deve impor o mesmo direito, às civilizações com culturas distin-
tas, pois poderá se constituir uma violência. Acrescenta o professor que: 1165
O jurista Ingo Wolfgang Sartlet (p.53) averba, em sua obra A eficácia dos direitos
fundamentais, que os Direitos Humanos sofreram diversas transformações com o tem-
po. A tal ponto de falarmos em, ao menos, três gerações distintas de direitos. De acordo
com Sarlet (p.54-55), a primeira dimensão foi marcada por um caráter de defesa do
indivíduo perante o Estado.
Por fim, há autores, como o respeitado jurista e professor Paulo Bonavides, que já
fala em uma quarta geração de direitos. Esta é resultado da globalização e é “composta
pelos direitos à democracia (…) e à informação, assim como pelos direito ao pluralismo”
1166(SARTEL, 2005, p.59).
3. Garantismo midiático
Em meados do século XX, o jurista italiano Luigi Ferrajoli difundiu a ideia do ga-
rantismo penal, que propõe a adoção de 10 princípios pelo Estado para limitar a inter-
venção penal e proteger as garantias do cidadão. Um exemplo deles é o da legalidade
que assegura a não existência de um crime sem uma lei. Calha mencionar que Ferrajoli
registrou este conceito na clássica obra Direito e Razão: teoria do garantismo penal.
O pensador italiano não cunhou a expressão garantismo, mas é o responsável pela
divulgação. Assim sendo, tomamos o termo, como Ferrajoli, e a lógica dele para de-
senvolver as nossas ideias. O garantismo midiático, objeto do presente estudo, é uma
proposta alicerçada em, ao menos, cinco pilares (normas) que visa garantir os diretos
fundamentais do cidadão sem vedar a liberdade de informação.
Não será inútil recordar que o Brasil conviveu, em muitos momentos da sua história,
com governos autoritários que lhe impôs censura à imprensa. Razão pela qual, qualquer
ideia que vise limitar a atuação da mídia é sempre vista com receio pela sociedade e,
principalmente, pelos jornalistas.
É bom salientar, todavia, que o garantismo midiático não objetiva restringir a atu-
ação da mídia, mas sugerir normas para um meio-termo entre a garantia dos direitos
humanos e a liberdade de informação.
A primeira norma para se garantir uma informação sem referir os direitos humanos
8 O ministro Luís Roberto Barroso (2004, p.35) distingue a liberdade de informação da de expressão. O pri-
meiro, segundo ele, “diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser
deles informado”. A liberdade de expressão, por sua vez, “tutela o direito de externar ideias, opiniões, juízos
de valor e manifestações do pensamento em geral”
Referências
ARAÚJO, Fábio Roque. O princípio da proporcionalidade referido ao legislador penal. – Salvador: Faculdade
Baiana de Direito, 2011.
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da Personalidade. Critérios de Pon-
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___________. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo
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___________. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdi-
ção constitucional no Brasil. 2ª reimpressão. – Belo Horizonte: Fórum, 2013.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de J. Carlos Jr. e Agnes Cretella. – 6ª ed. revista. São Paulo:
Editor Revista dos Tribunais Ltda, 2013.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
1172
POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, QUESTÃO
AGRÁRIA E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
Abstract: This article reports a experience of the extension project denominated “Popu-
lar Legal Consultancy ande Humans Rights: partnership of the calon people from Con-
1174dado-PB”, linked to Faculdades Integradas de Patos. Bibliographical and documental
reasearch was held about the theorical contributions than based a experience of project.
The Popular Legal Consultancy aims think about the contribution than a relationshipn
between the extension works and the traditional community can bring to the construc-
tion of a model of legal education directed at human emancipation.
Keywords: Popular Legal Consyltancy; Humans Rights; Gypsy Question.
Introdução:
A questão dos povos tradicionais brasileiros e, especialmente, a situação dos ci-
ganos e ciganas expõem o contexto de violação generalizada de Direitos Humanos.
Reflexo disso é a negligência secular dos cursos de direito e da academia que prati-
camente ignoraram as particularidades desses grupos sociais além de ter contribuído
sua criminalização e exclusão social. É comum ouvir nesses ambientes que “não há mais
povos tradicionais no Brasil” ou comentários negativos sobre a condutas relacionadas
à esses grupos. No meu caso em especial que cursei o curso de direito no sul da Bahia,
presenciei em diferentes episódios inúmeros comentários estigmatizantes, fascitas e
violentos1 em relação aos inúmeros povos indígenas, que habitam essa região desde
antes de 1500.
Envolver a temática da questão cigana à assessoria jurídica popular é inédito e talvez
represente o início de uma reparação histórica em relação ao papel que os sistemas nor-
mativos desempenharam para os povos ciganos, traziam dispositivos legais expressos
1 Ouvir um professor conhecido por ser conservador e apoiador do regime militar de 1964 afirmar “que os
índios deveriam desaparecer e que ele pagaria para alguém que matasse um” e perceber poucas pessoas
manifestaram indignação talvez tenha sido um dos episódios mais chocantes durante os anos de graduação.
1 Metodologia e dilemas
O método da educação popular em Paulo Freire representa o principal elemento de
inspiração para o desenvolvimento do projeto de extensão por estimular a comunica-
ção e interação dos membros da Assessoria Jurídica Popular com os povos ciganos da
comunidade envolvida. Romper com as formas convencionais das relações em regra
estabelecida entre a academia e a comunidade constitui o desafio central, sobretudo as
concepções que partem do pressuposto da superioridade do saber científico e jurídico,
tido como o reflexo supremo da racionalidade e civilidade alcançada pela humanidade.
Busca-se construir encontros mediante espaços dialógicos5 e horizontais de modo a
permitir que a comunidade e os estudantes extensionistas sintam-se à vontade para
fazer relatos de sua história e das lutas diárias, e a partir de então entender que uma
educação libertadora depende da tentativa de superação das opressões absorvidas
pelo sistema ao longo da história.
No caso, a libertação do contexto de opressão imposto aos povos ciganos não
parte do simples acesso ao conhecimento supostamente oferecido por um projeto de
1176extensão do curso de direito, por exemplo, levar noções de direitos humanos, consti-
tuição ou cidadania para comunidades que vivem em contexto de violações de direitos
básicos. Da mesma forma, importa desassociar a extensão universitária de práticas me-
ramente assistenciais, mesmo que em diversas situações os membros do projeto sejam
abordados e ao mesmo tempo motivados à promover doações de roupas, alimentos
ou demais ações sociais. Mesmo que ocorra ações dessa natureza eventualmente que
contribui para estabelecer confiança e empatia com a comunidade, não são suficientes
para apontar para um processo concreto de libertação.
O contexto de exclusão e pobreza vivenciada por boa parte dos ciganos e ciganas
surge de uma opressão que jurons e jurins6 (não-ciganos) impõem na interação social
estabelecida. É importante reconhecer que os integrantes do projeto estão inserida na
sociedade que estebelece meios de categorizar as pessoas e os atributos considerados
normais, comuns, aceitáveis; e os indivíduos ou grupos sociais que não se incluem em
tais categorias são considerados uma espécie menos desejada (GOFFMAN, 1998). É
inevitável que os descréditos e pré-julgamentos construídos em relação aos ciganos,
por exemplo, foram e ainda são reproduzidos pelos extensionistas, coordenadores ou
colaboradores do projeto tendo em vista que pertencem a totalidade em que tais es-
tigmas7 são construídos na sociedade.
5 Como afirma Paulo Freire, “o diálogo, que é sempre comunicação, funda a colaboração. Na teoria da ação
dialógica, não há lugar para a conquista das massas aos ideais revolucionários, mas para a sua adesão” (1974,
p. 197, grifo do autor).
6 Como homens e mulheres não ciganos são chamados pela comunidade calon de Comunidade.
7 De acordo com Goldfarb, o termo estigma é “usado em referência a atributos negativos que depreciam a
imagem de um grupo de pessoas, atrávés do estabelecimento de um linguagem específica. Se constrói pelo
desenvolvimento de uma linguagem que objetiva, na maiora das vezes, como no caso dos ciganos, interferir nas
relações sociais, sendo um mecanismo sutil, porém bastante eficaz nas foras de segregação social” (2013, p. 33).
A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto
da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens
são produtores desta realidade e esta, na invasão da praxis, se volta sobre
eles e os condiciona , transformar a realidade opressora é tarefa histórica,
é tarefa dos homens. (FREIRE, 1974, p. 39, grifo do autor)
10 Degredo significa expulsão enquanto penalidade aplicada pela Coroa Portuguesa em face de grupos
populacionais indesejáveis.
11 Uma das integrantes e liderança da comunidade é professora do programa de alfabetização MOVA-Brasil
que ministrava aula para pessoas ciganas e não-ciganas.
12 Para garantir a viabilidade da participação dos jovens e adultos, as crianças da comunidade foram
entretidas numa especície de ciranda composta por estudantes fantasiados de palhaços. Na ocasião foi
servido lanches para os presentes. Frisa-se que os próprios integrantes do projeto foram responsáveis pela
limpeza do espaço após a atividade, buscando haver uma paridade de gênero na realização das tarefas, de
modo a compensar o fato das mulheres do projeto terem ficado responsável pela organização do lanche
servido e das tarefas do projeto de modo geral.
15 Segundo Goldfarb, “além de promover uma distinção entre calon e juron, a língua também representa
um veículo diferenciador entre os grupos ciganos (…) a língua é vista, pelos ciganos, como o único elemento
capaz de medir o grau de ciganidade” (2013, p. 119).
Considerações Finais
O presente projeto de Assessoria Jurídica Popular, aliada a uma concepção crítica
dos Direitos Humanos, entende que a luta protagonizada pelos povos calons de Con-
dado contra as desigualdades e preconceitos, pela inclusão social, e pela valorização e
respeito da sua cultura representa um espaço de aprendizado que ensina às pessoas
envolvidas no projeto que os direitos não são dádivas, presentes das autoridades e sim
conquistas resultadas da insistente batalha por emancipação.
O objetivo do projeto é continuar desenvolvendo reflexões e ações que visam de-
monstrar a potencialidade transformadora da organização popular, evidenciando o
quanto os cursos de direito e o ensino superior como um todo estão distantes das
vivências dos movimentos sociais, organizações populares e das comunidades tradi-
cionais.
1188 Os tratados internacionais de direitos humanos recpecionados no ordenamento ju-
rídico brasileiro, a própria constituição ao reconhecer os direitos dos povos tradicionais
e o acesso pontual à políticas públicas governamentais nos últimos anos são um marco
na luta e resistência do povo cigano, embora não seja suficientes para a superação da
opressão e ao mesmo tempo correm o risco de serem excluídas dentro do movimento
pendular que envolve a afirmação e retrocesso de direitos humanos.
Diante de turbulências políticas ocorridos no cenário brasileiro em torno da ten-
tativa de golpe da presidenta Dilma Roulseff, iniciou-se um processo de desmonte do
estado e alguns retrocessos em materia de Direitos Humanos, sobretudo em relação
as minorias. Para começar, a SEPPIR foi incorporada em 2015 ao Ministério Cidadania,
juntamente com a pasta das mulheres e dos direitos humanos que também perderam
o status de ministério. Não obstante, o Ministério da Cidadania foi extinto e incorpora-
do ao Ministério Justiça pela medida provisória n° 724/2016 proposta pelo presidente
interino em exercício desde maio de 2016. Nessa conjuntura, o presente a Assessoria
Jurídica Popular torna-se indispensável para auxiliar e acompanhar a luta dos povos
ciganos, entendendo seu protagonismo nesse processo e a necessidade de conciliar
movimento, formação teórica e organização.
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo traçar a trajetória do Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB) e descrever a sua reformulação ocorrida no início do
século XXI, de modo a atingir a meta social a qual se orienta. Como método de pesqui-
sa, utilizou-se a pesquisa qualitativa, mais precisamente, a análise documental, a análise
bibliográfica e entrevistas com roteiro. Foram entrevistados dois membros do MAB em
Belo Horizonte. O trabalho apresenta como a questão energética, compreendida em
sua totalidade, fez com que o movimento deixasse de atuar apenas nas áreas rurais,
tomando, também, as áreas urbanas como campo de militância.
Palavras-Chave: Movimento dos Atingidos por Barragens; Movimentos Sociais; Barra-
gens; Mudanças de Repertório; Belo Horizonte.
Abstract: This work aims to delineate the trajectory of the Movement of people affec-
1190ted by dams (MAB) and to describe its reformulation, which occurred in the beginning
of the 21st century, in order to achieve the socially oriented goal. This research is based
on document analysis, literature review and interviews with script as qualitative research
methods. Two MAB members were interviewed in Belo Horizonte. The work presents
how the energy issue, understood in its entirety, led to the fact that the movement
would not only act in rural areas, but also perceive the urban ones as a militancy field.
Keywords: Movement of Dam-Affected People; Social Movements; Dams; Repertoire
Changes; Belo Horizonte.
1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo traçar a trajetória do Movimento dos Atin-
gidos por Barragens (MAB), bem como a reformulação na sua área de atuação. O MAB
é um movimento social que surgiu em meados da década de 1970 e o seu caráter de
luta sempre foi em prol dos trabalhadores rurais diretamente atingidos pela construção
de barragens das usinas hidrelétricas.
No início do século XXI, o Movimento constatou a necessidade de uma reformula-
ção. A área de atuação passa a ser, também, as zonas urbanas, pois se entende que a
questão energética vai além das usinas e o conceito de atingidos incorpora as pessoas
que vivem nas cidades.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Povos e Comunidades Tradicionais, Questão Agrária e Con-
flitos Sócio-Ambientais do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da
Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Johnston (2011), citado por Gohn (2012), identifica que o repertório utilizado pelos
movimentos sociais varia em diferentes épocas. Tem-se que
Ainda de acordo com a cartilha do MAB (2015), o movimento possui oito princípios.
São eles:
De acordo com o site do MAB, os grupos de base são parte essencial do Movi-
mento, “seu alicerce, sua força e o seu povo organizado”, é a forma através da qual as
pessoas que querem lutar por seus direitos se reúnem. Os grupos são compostos por,
em média, 10 famílias. São coordenados por, no mínimo, três pessoas – uma mulher,
um homem e um jovem.
Atualmente, o Movimento se organiza em dezesseis estados brasileiros: Rio Grande
do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia, Pernambu-
co, Paraíba, Ceará, Piauí, Goiás, Tocantins, Pará, Maranhão e Rondônia. A nível nacional,
são organizados Encontros Nacionais periódicos.
4. Metodologia de Pesquisa
Esta pesquisa partiu de uma abordagem qualitativa de pesquisa social. Pires (2008)
argumenta que não se pode falar da existência de uma metodologia qualitativa ou
quantitativa. Para o autor, há pesquisas quantitativas e/ou quantitativas, uma vez que as
Nesta concepção, documentos são entendidos como indícios da ação humana que
apresentam ideias, opiniões, formas de atuar e de viver. Há documentos escritos, numé-
ricos ou estatísticos, de reprodução de som e imagem e documentos-objeto. A pesqui-
sa documental se divide em duas etapas: a coleta dos documentos e a análise do con-
teúdo. Primeiramente, o pesquisador deve selecionar as fontes de dados relevantes à 1197
investigação e coletar o material necessário. Este material é, posteriormente, analisado
a partir de categorias definidas pelo pesquisador, tendo em vista seu objeto de estudo.
(SILVA et. al. 2009) Neste trabalho, serão analisados documentos disponíveis no site do
Movimento dos Atingidos por Barragens, bem como a cartilha educativa “Nossa orga-
nização é nossa força”, produzida e publicada pelo movimento em dezembro de 2015.
A pesquisa bibliográfica, de acordo com Lima e Mioto (2007), é utilizada para se
fundamentar teoricamente o objeto de estudo. Ela tem sido amplamente utilizada em
estudos exploratórios ou descritivos uma vez que possibilita um grande alcance de in-
formações e o acesso a dados dispersos em diferentes publicações. Neste sentido, a
pesquisa bibliográfica auxilia na construção do quadro conceitual relativo ao objeto de
estudo proposto. Contribui, também, com elementos que fundamentem futuras análises
de dados obtidos através da pesquisa de campo. (LIMA e MIOTO, 2007). Neste trabalho,
analisar-se-á a bibliografia sobre a temática dos movimentos sociais no Brasil em geral,
dando destaque àquela que trata particularmente do nosso objeto do estudo, o MAB.
Já a entrevista, segundo Minayo (2004, p. 107), trata-se da “(...) colheita de infor-
mações sobre determinado tema científico.”. Para este trabalho, propomos a realização
de entrevistas orientadas por roteiro prévio. Minayo (2004, p. 99) define o roteiro de
entrevista nos seguintes termos:
Visando a apreender o ponto de vista dos atores sociais previstos nos ob-
jetivos da pesquisa, o roteiro contém poucas questões. Instrumento para
orientar uma “conversa com finalidade” que é a entrevista, ele deve ser o fa-
cilitador de abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação.
O entrevistado 2 ressalta, ainda, que seu ingresso no movimento se deu por cau-
sa de seu histórico de ativismo num movimento social fundamentalmente urbano, o
Levante Popular da Juventude. Demonstra que a estratégia adotada pelo MAB para se
aproximar das questões urbanas tem sido levar militantes às periferias da cidade e dis-
cutir com as populações residentes nessas zonas o preço do fornecimento de energia
elétrica aos consumidores residenciais.
A identidade é um dos componentes da definição de movimentos sociais proposta
por Castells (2010). Há, ainda, o elemento adversário. A seguir, apresenta-se a fala da
Entrevistada 1 que faz alusão à questão.
Energia gera indústria, gera tudo. Energia gera a vida. Então, você falar de
energia você fala do processo de acumulação do capital, você fala do pro-
cesso de fazer a sociedade funcionar e daí entender pra que e pra quem
que essa sociedade funciona. É para a classe trabalhadora ou é para as
empresas? (ENTREVISTADA 1)
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Neste sentido, a entrevistada aponta como adversárias do Movimento dos
atingidos por barragens as empresas do setor energético, representativas do capi-
tal estrangeiro no país. Tais empresas, em sua perspectiva, não visam ao interesse
popular, da classe trabalhadora, mas à angariação de lucros privados.
Quanto ao projeto de sociedade, destacam-se os seguintes relatos dos entre-
vistados: “O debate do projeto energético não é um debate de medidas paliativas
para a transformação dentro do capitalismo. Você questionar o modelo energético
que o sistema capitalista nos traz. (ENTREVISTADO 2)”; “O modelo energético não
pode ser esse que a gente tem. A forma de produção dele que é a água é o mais
barato que tem e nós pagamos a energia mais cara do mundo.” (ENTREVISTADO
2); “Tem as questões da nossa estratégia, que é a transformação da sociedade bra-
sileira através do modelo energético e quais as táticas, o que a gente vai utilizar
para poder chegar nesse objetivo.” (ENTREVISTADO 2); “Não adianta só eu lutar
pelo direito do atingido se o modelo continua gerando outras violações de direi-
tos.” (ENTREVISTADA 1).
A partir das falas dos entrevistados, pode-se concluir que a meta social do
MAB seja a construção de um projeto popular para o país, que beneficie a popu-
lação em detrimento dos interesses das grandes corporações por trás da gestão
energética nacional. Esta construção parte de alteração do modelo energético
brasileiro, de modo a torná-lo benéfico para as camadas menos favorecidas da
população. Neste sentido, pode-se considerar a pauta do MAB como revolucioná-
1200ria, de acordo com a tipologia apresentada por Dias (2010).
Referências
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1202
Abstract: This study aims to analyze the coloniality of power in the Brazilian field, re-
presented by agribusiness and the use of pesticides. It starts with the reflection of these
categories (agribusiness and pesticides) represent the continuation of the cover-up of
forms of life different front the European standard by the destruction of land and natu-
re. In this sense, the work asks: What is the Brazilian judicial posture when demanded to
resolve conflicts involving pesticides Through such unrest this paper develops through
literature review on ‘Agrarian Question’ and the discussions of the ‘coloniality of power’,
together with the analysis of the decision by the Supreme Cort in the judgment of ADI
3813/2015. In this way, one suspects that the judiciary contributes to the perpetuation
of the power of colonialism in the field Brazilian through excessive legal formalism and
constitutes while a fetishized power to limit the wiil-to-live of various social sectors.
Keywords: Coloniality of power; Pesticides; Judicial power; Legal formalism; Fetishized power;
1. Introdução
A ideia do presente trabalho é promover o diálogo entre as bases teóricas de-colo-
niais para analisar a situação social, política e jurídica que envolve os usos e abusos dos
agrotóxicos no campo brasileiro. A escolha se deu através da vivência do autor com ex-
periências1 de violação de direitos humanos envolvendo os agrotóxicos. Neste sentido,
1 Dentre os casos, há que se destacar o contato através da extensão universitária com o caso da pulverização
aérea que atingiu a Escola São José do Pontal no Assentamento Pontal dos Buritis – Rio Verde – GO. Situação
esta, em que, diversas crianças e professores foram envenenados pelo agrotóxico Engeo Pleno e sofreram
uma série de violação de direitos fundamentais.
Tal usurpação das terras e das gentes se consolidou através do processo que Dussel
(1994, p.8) denomina de encobrimento do outro. Como apresenta:
2 Texto decorrente da exposição de Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho durante a Aula Inaugural da
Pós-Graduação em Direitos Sociais do Campo – Residência Agrária, ministrada em 12 de julho de 2013. Dis-
ponível em: http://www.direitosocioambiental.com.br/aula-usurpacao-das-terras-e-das-gentes/ Acesso30 de
outubro de 2014.
3 Enrique Dussel apresenta que a modernidade nasce através do confronto entre a Europa com o ‘outro’ (que
no caso, representa a América Latina). Durante o processo colonizador surge a Europa se apresenta enquanto
o ‘novo’ e ‘moderno’. Portanto, deveria salvar as comunidades ‘atrasadas’ e ‘primitivas’ desta situação inferior.
Tal concepção constituiu o que o autor denomina de mito da modernidade. Há que se destacar que as princi-
pais consequências do mito da modernidade foram o eurocentrismo e o desenvolvimentismo (DUSSEL, 1994).
4 Nota-se que existiram e existem resistências ao modelo hegemônico implementado para o campo brasi-
leiro. Tais resistências tendem a considerar mais a reprodução social da família do que o lucro, neste sentido,
desenvolvem uma relação harmônica com a natureza. O principal grupo que oferece tais enfrentamentos são
os(as) camponeses(as) e os seus movimentos sociais.
5 Tal trecho busca apresentar, que em tempos passados o latifúndio era tido enquanto ‘vilão’ da nação por
não produzir. No entanto, na atualidade as grandes porções de terra destinadas ao agronegócio são tidas
enquanto ‘heróis’ da nação pela grande produtividade (mesmo que, baseada na destruição dos recursos
naturais, humanos e de não garantir alimentos para a população) (FABRINI, 2014).
Nota-se que a lógica do atual modelo para o campo brasileiro já não trabalha ape-
nas com a extração de mais-valia. Atualmente, se desenvolve através de práticas pre-
datórias, que se desenvolvem através da fraude e da extração violenta, de grupos vul-
neráveis para acumular mais recursos (AUGUSTO et al., 2015, p.97). Dentre as práticas
predatórias, encontram-se os agrotóxicos. Neste sentido:
Nota-se ainda que a tendência sobre os agrotóxicos no país é de piorar. Afinal: 1211
Nota-se que são diversos os estudos que apontam para os problemas para a saú-
de e para o meio ambiente dos usos intensivos dos agrotóxicos, dentre os problemas
encontra-se a insegurança alimentar (CARNEIRO et al., 2015, p.58). Verifica-se que um
terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros são contaminados
por agrotóxicos (CARNEIRO et al., 2015, p.56). Dentre os problemas encontrados com
diversas substâncias encontram-se: efeitos neurotóxicos retardados, alterações cro-
mossomiais, lesões hepáticas, arritmiais cardíacas, cânceres, dentre diversas outras con-
sequências (CARNEIRO et al., 2015, p.59).
Apesar de poucos estudos feitos sobre a contaminação da água de consumo huma-
no e da chuva por agrotóxicos, nota-se que são os diversos municípios que declararam
poluição ou contaminação junto com o esgoto sanitário, os resíduos de agrotóxicos e
a destinação inadequada de lixo. São cerca de 72% das incidências de poluição (CAR-
NEIRO et al., 2015, p.66).
Os agrotóxicos trazem também malefícios para a saúde dos trabalhadores, como
se observa:
Neste contexto, o Ministério da Saúde estima que no Brasil 400 mil pessoas são
mortas em decorrência da contaminação por agrotóxicos, o que se amplifica tendo em
vista que a maioria dos trabalhadores rurais são desprovidos de seguridade social e de
escolaridade mínima necessária para lidar com tais substâncias perigosas (AUGUSTO et
al., 2015, p.127).
O Estado brasileiro se mostra forte para financiar o agronegócio e isentar os agro-
tóxicos de impostos; e ao mesmo tempo, mínimo para proteger a saúde da população
e do ambiente dos atuais impactos deste modelo (AUGUSTO et al., 2015, p.128).
3.2 Os Agrotóxicos nos Tribunais Jurídicos: uma análise da Ação Direta de In-
constitucionalidade 3814̸2015
Para responder a pergunta anterior, o presente trabalho irá analisar uma decisão
judicial proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nos últimos anos ocorreu uma
considerável judicialização dos conflitos agrários, fazendo do judiciário, campo privile-
giado para pesquisas empíricas sobre os sentidos da justiça (MOREIRA, 2014).
Foi feita uma pesquisa jurisprudencial com a palavra-chave: “agrotóxico” no site do
STF13. Houve a incidência de 31 acórdãos; 25 decisões monocráticas; 5 informativos e 3
decisões da presidência. Enquanto opção metodológica da presente pesquisa houve a
opção por analisar uma decisão emblemática.
Neste sentido, optou-se pela ADI 3814-2015 pelos seguintes motivos: a) por tratar-
se de uma decisão recente, o que caracteriza a atualidade da temática dos agrotóxicos
no judiciário; e b) por ser uma decisão que envolve a relação: comércio exterior (merca-
do) e direito à saúde, defesa do meio ambiente e direito dos consumidores.
A presente ação foi ajuizada pelo Procurador Geral da República (PGR) em face nor-
13 Tal pesquisa foi realizada no dia 15 de julho de 2015. As ações foram sistematizadas por Geraldo Miranda
Pinto Neto e Erika Macedo Moreira.
1214 Afinal:
Neste sentido, quando o Supremo Tribunal Federal, prefere dar enfoque téc-
nico formal, do que para o caso concreto, verifica-se que há uma preferência pela
manutenção da ordem simbólica e atua (através da omissão) enquanto agente
estatal para promover a violência simbólica, tendo em vista que diversas pessoas
no estado do Rio Grande do Sul estariam ingerindo agrotóxicos de alimentos sem
fiscalização.
Desta maneira, o formalismo e a linguagem jurídica se constituem enquanto ele-
mentos capazes de garantir a perpetuação da contaminação populacional por agrotó-
xicos em prol do mercado.
14 Tanto a ordem simbólica quanto a violência simbólica são consequências do poder simbólico. O poder
simbólico é uma forma transformada, irreconhecível, transfigurada e legitimada de outras formas de poder.
Atua no trabalho de dissimulação e de transformação que garante transubstanciação das relações de força –
que contribuem para que violências sejam ignoradas (BOURDIEU, 1989, p.15).
15 Considera-se enquanto político as ações, instituições, princípios, etc. que regulam as atividades do Estado
(DUSSEL, 2007, p.17).
Neste sentido, a instituição do judiciário que deveria ser fruto para aumentar a vida,
acaba por promover a morte:
Pode-se observar que o judiciário brasileiro possui um poder fetichizado, que nega
a vontade de viver pela vontade-de-poder, dando continuidade aos traços coloniais de
usurpação das terras e das gentes. Desta maneira, a vida humana encontra-se direta-
mente em perigo de extinção, pois há uma escalada de contaminação do planeta que
corta vidas e produz a falta de qualidade suficiente de saúde na população (DUSSEL,
2007, p,107).
Considerações Finais
O Estado brasileiro se mostra forte para financiar o agronegócio e isentar os agro-
tóxicos de impostos; e ao mesmo tempo, mínimo para proteger a saúde da população
e do ambiente dos atuais impactos deste modelo (AUGUSTO et al., 2015, p.128). Neste
sentido, a política estatal adotada para a estrutura fundiária brasileira segue a mesma
lógica colonial, se fundamenta pelos mesmos pilares coloniais, da modernidade e do
desenvolvimentismo e gera a continuidade da destruição da natureza e das pessoas,
configurando a colonialidade do poder no campo brasileiro.
O judiciário e o direito legitimam a lógica colonial, utilizando do formalismo jurídico
e do poder fetichizado para negar a vontade-de-viver de diversos povos. Afinal, o co-
16 Tendo em vista, que a classe burguesa tem a opção de consumir alimentos orgânicos (que não são conta-
minados com os agrotóxicos e são mais caros).
E é isto o ocorre com os agrotóxicos, tendo em vista, que a sociedade civil sofre os
efeitos das injustiças políticas e não participam das decisões. É importante frisar que as
instituições servem para satisfazer as reivindicações da comunidade. E, caso não sirvam,
devem ser transformadas (DUSSEL, 2007, p.158). Desta maneira, tornam-se essenciais
articulações, reivindicações e lutas para contrapor ao modelo dos agrotóxicos (que se
consolida enquanto instrumento colonial para o Estado brasileiro) e de mudanças de
paradigmas no judiciário.
Neste sentido, é essencial a mobilização política para fortalecer o modelo do cam-
pesinato e da agroecologia frente ao modelo predatório que é o agronegócio. Deve-se
construir mecanismos de defesa dos trabalhadores rurais diretamente afetados no ma-
nejo dos venenos químicos e dos recursos naturais (principalmente a soberania alimen-
tar e das águas); e incentivar a promoção de novas formas de vida pós-coloniais, que
reivindiquem uma nova relação ser-humano e natureza e que as instituições políticas e
suas decisões possam ser reflexo de uma maior participação popular.
1219
Publicação
ACÓRDÃO ELETRÔNICO: DJe-073 DIVULG 17-04-2015 PUBLIC 20-04-2015
Parte(s)
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Decisão
Retirado de pauta por indicação da Presidência. Ausentes, justificadamente, os Se-
nhores Ministros Celso de Mello e Eros Grau. Presidência do Senhor Ministro Gilmar
Mendes. Plenário, 10.09.2009.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou pro-
cedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei
nº 12.427/2006, do Estado do Rio Grande do Sul. Ausentes o Ministro
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Ricardo Lewandowski (Presidente), em viagem oficial a Roma, na Itália, para parti-
cipar do “8º Congresso Internacional da Anamatra” e de audiências com diversas auto-
ridades daquele país, e, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julga-
mento a Ministra Cármen Lúcia (Vice-Presidente). Plenário, 12.02.2015.
Indexação
- IMPOSSIBILIDADE, INVOCAÇÃO, CASO CONCRETO, COMPETÊNCIA CON-
CORRENTE, ESTADO-MEMBRO, MATÉRIA, LEGISLAÇÃO, CONSUMO, PROTEÇÃO,
SAÚDE, FUNDAMENTO, PREDOMINÂNCIA, COMPETÊNCIA PRIVATIVA, UNIÃO,
MATÉRIA, LEGISLAÇÃO, COMÉRCIO EXTERIOR, COMÉRCIO INTERESTADUAL.
ATRIBUIÇÃO, LEGISLAÇÃO FEDERAL, COMPETÊNCIA, MINISTÉRIO DA AGRICULTU-
RA (MAGR), MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS), SUPERVISÃO, RESÍDUO, AGROTÓXICO, PRO-
DUTO VEGETAL.
1222
Abstract: This work consists of an analysis of ethnic emergence process in the state of
Rio Grande do Norte (RN), from the experience of Tapuias da Lagoa do Tapará- Macaíba
/ RN. Thus, it aims to broaden the debate on indigenous issues in the state, systemati-
1223
zing the experience of this community and your claim, seeking to build some possible
paths that can contribute to the guarantee of rights.
Keywords: Ethnic emergence; Tapuias da Lagoa do Tapará.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste em uma análise do processo de emergência étnica no
estado do Rio Grande do Norte (RN), a partir da experiência dos Tapuias da Lagoa do
Tapará - Macaíba/RN. Assim, visa ampliar o debate sobre a questão indígena no esta-
do, sistematizando a experiência desta comunidade e suas reinvindicações, buscando
construir alguns caminhos possíveis que possam contribuir para garantia de direitos.
As reflexões que aqui se apresentam são resultantes da experiência da autora, in-
tegrante do Núcleo de Atuação em Comunidades Indígenas, do programa Motyrum
de Educação Popular em Direitos Humanos, vinculado a Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, que surge em 2013 a partir da necessidade do programa em ampliar
seu raio de ação dada às demandas indígenas que emergem no Rio Grande do Norte.
Inicialmente, apresenta-se o contexto atual indígena no Nordeste e, em especial,
no Rio Grande do Norte, sobretudo no que diz respeito ao “apagamento” dos po-
vos indígenas no Estado por parte da historiografia oficial. Em seguida descreve-se o
processo de emergência étnica na comunidade Lagoa do Tapará, sistematizando suas
reivindicações pela efetivação de direitos fundamentais e específicos, por fim, aponta-
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Povos e comunidades tradicionais, questão agrária e confli-
tos socioambientais do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia,
Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2 Por remeter a ausência ou perda da cultura esse termo vem sendo descartado pela antropologia. Todas as
culturas são mutáveis e passiveis de transformação quando em contato com outras, as trocas e ressignifica-
ções culturais não caracterizam um processo de aculturação.
3 O termo etnicidade é usado para designar um sistema de classificação e organização social das interações
sociais, segundo categorias que distinguem entre “nós” e “eles”, vale dizer, entre coletividades cujos mecanis-
mos de distinção mútua se reproduziriam nas interações sociais de seus membros. Em Geral, essa distinção
é expressa em termos de características culturais de pertencimento a determinado grupo ou categoria social
(PINTO, 2000, pag. 68).
No Rio Grande do Norte a luta e a emergência étnica dos povos indígenas são
emblemáticas. Por muito tempo acreditou-se não existir mais índios no estado devido
aos escritos do folclorista Câmara Cascudo (2000), nos quais afirmou que a população
indígena do Rio Grande foi assimilada ao modo de vida do Brasil não índio. O episódio
da “Guerra dos Bárbaros”, também conhecida como “Confederação Cariri”, aparece no
imaginário da população, sendo reafirmada pelos textos clássicos, como marco do ex-
termínio indígena no Estado.
Entretanto, a noção de extermínio completo não se sustenta quando analisadas as
formas de resistência indígena ao longo da história. Após os conflitos, muitos migraram
para outras regiões, misturaram-se com a população local ou procuraram se isolar da
política colonizadora da época. Em sua pesquisa voltada para os Povos Indígenas do Rio
Grande do Norte, na busca pela revisão da historiografia oficial, a antropóloga contesta:
A forte presença indígena no Rio Grande do Norte pode ser percebida, inclusive, se ob-
servado através dos censos de 1940, nos quais os ‘pardos’ representavam 43% da popula-
ção total, e em 1980, 46%. (Oliveira, 1999, p. 133). Ocorre que, com as perseguições durante
o período colonial, os grupos étnicos do Nordeste brasileiro foram levados a se esconder
em terras pouco cobiçadas e localidades de difícil acesso (CAVIGNAC, 2003, p.7) omitindo
sua identidade e substituindo ou ressignificando suas práticas tradicionais. Além disso,
A experiência traz que o simples contato de grupos étnicos não faz um ab-
sorver o outro, numa integração necessária, mas proporciona uma mudança
cultural, que não retira do índio sua identidade. Ela lhes foi roubada muitas
vezes por uma interação forçada, violenta, uma política levada pela sociedade,
pela igreja e pelo Estado, para transformar o índio em indivíduo pobre que
A memória dos Tapuias vistos como bravos, fortes, rudes, feios, bichos do mato e
outras caracterizações, pejorativas ou não, aparece repetidamente na oratória da co-
munidade. Ainda segundo Francisca, durante muito tempo negou-se essa origem por
medo ou vergonha, pois vigorava o discurso de que não se podia dizer que ali existiam
índios para não serem caçados e presos. Ela lembra que quando criança, na escola, o
professor afirmava: “vocês são todos descendentes de indígenas, mas não podem sair
por aí dizendo isso porque é perigoso”.
Alguns moradores da comunidade afirmaram não gostar quando eram chamados
1228de Tapuias, pois tal expressão era usada para depreciá-los. A irmã de Francisca, Zuleide
Bezerra, informou que por muito tempo acreditou ter sido adotada já que não tinha
“jeito de índio” como os irmãos, uma vez que possui a pele clara e o cabelo cacheado,
mesmo sendo filha do mesmo pai e da mesma mãe, assim como os irmãos. Francisca
Bezerra, por sua vez, afirma que quando era adolescente se envergonhava das carac-
terísticas que a associavam com sua origem indígena (cor da pele escura, cabelo liso,
etc.). Hoje ambas afirmam compreender que o “ser índio” não está necessariamente
relacionado a fenótipos, mas a processos históricos, territoriais e familiares, e sentem-se
bem ao afirmarem suas identidades e cultura indígena.
As características físicas e de personalidade, embora não sejam determinantes da
identidade e etnicidade da comunidade Lagoa do Tapará, são mencionadas diversas ve-
zes para evocar a ligação do grupo com seus ancestrais indígenas. Severino Gerônimo
da Silva, membro mais antigo de Tapará, afirma:
Daqui p ladeira Grande, Lagoa do Mato, Bebo, era tudo morada de índio.
Agora o povo foi chegando e eles foram desaparecendo. Aqui era mata,
não tinha cercado nenhum, era tudo morada de índio, caboclo, essas coi-
sas. Daqui pra Lagoa do Mato tinha seis fornos de índios, deles cozinha-
rem. Eu ainda vi esses fornos. Minha mãe dava banho dentro do Águeda
que tirou debaixo da terra, que acharam quando foram caçar peba. Os
índios com medo do povo que ia aparecendo fugia e não podia carregar
as bacia, as coisas, iam enterrando nessa região. Os fazendeiro foram to-
mando as terras e deixaram os pobre sem nada. Ai esses índios foram se
casando com os outros povo que iam aparecendo ai misturou a geração.
4. PISA LIGEIRO, PISA LIGEIRO, QUEM NÃO PODE COM A FORMIGA NÃO AS-
SANHA O FORMIGUEIRO: MOVIMENTO INDÍGENA NACIONAL - AVANÇOS POLÍ-
TICOS PARA GARANTIA DE DIREITOS.
Sem negar as importantes formas de resistência indígena às iniciativas coloniza-
doras ao longo desses quinhentos anos de história do Brasil, pode-se afirmar que a 1233
década de 1970 marcou o início de um movimento indígena organizado no sentido da
luta pelo reconhecimento dos direitos indígenas a nível nacional. “É quando tem início
o período de atuação de povos de diferentes regiões do Brasil em torno da consciência
da necessidade de se organizarem e lutarem por direitos que alcançassem todas as
etnias indígenas deste país” (BICALHO, 2011, pag. 8).
Com a I assembleia indígena, em 1974, e as demais que aconteceram na mesma
década, surge o protagonismo indígena nacional, embora ainda tímido e bastante in-
fluenciado pelas entidades de apoio, como o Conselho Indígena Missionário (CIMI).
Ocorre que essas reuniões, num contexto de vulnerabilidade em virtude do avanço
dos projetos desenvolvimentistas dos governos militares sobre os territórios indígenas,
além de proporcionarem gradualmente o amadurecimento da consciência da luta in-
dígena, davam visibilidade às dificuldades enfrentadas por essas populações, demons-
trando a necessidade de uma nova relação entre Estado, sociedade e Povos Indígenas.
(BICALHO, 2011).
O protagonismo indígena ganha forte expressão nacional durante o processo da
Constituinte – que durou um ano e sete meses, sob tensões e contradições, até a ho-
mologação da Constituição Federal Brasileira, em 05 de outubro de 1988. Visando o
reconhecimento dos direitos fundamentais dos povos indígenas, o Movimento atuava
na elaboração de documentos que sintetizavam as demandas das populações, envian-
do-os ao Congresso Nacional, e promovendo discussões no âmbito da sociedade civil
organizada em conjunto com organizações indigenistas, juristas, academia, mídia, etc.;
e através da participação em manifestações políticas que culminaram em um novo pa-
radigma político e jurídico pautado na ideia de pluralidade e aceitação da diversidade
cultural e populacional. A esse respeito, Luiz Fernando Villares (2009, pag. 16), discorre:
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
O Brasil foi ideologicamente concebido como íntegro territorialmente, de
povo miscigenado (negro-branco-índio) e unificado linguisticamente. A
despeito da ideologia oficiosa, a existência de aproximadamente 225 po-
vos, 446 terras reconhecidas oficialmente e 180 línguas e dialetos indíge-
nas revela claramente que o País possui uma impressionante diversidade
de culturas e de etnias. Nele convivem índios, negros, brancos e asiáticos,
não amalgamados, como se entendia ser a raiz do povo brasileiro. São po-
vos, étnicas e comunidades que renascem de coletividades anteriormente
ignoradas, fruto da democracia contemporânea ainda em implementação.
O marco legal desse novo regime democrático é, sem dúvida alguma, a
Constituição Federal de 1988.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
1234 fazer respeitar todos os seus bens.
Como foi possível observar, tanto o artigo 3º do Estatuto do índio quanto a Con-
venção 169 da OIT, apresentam três elementos comuns no que diz respeito ao reconhe-
cimento dos povos indígenas, quais sejam: Origem, identificação e cultura. O Estatuto
fala em origem ou ascendência pré-colombiana; na necessidade do indígena identifi-
car-se como tal e ser identificado como pertencente a um grupo étnico pelos outros
integrantes; e em características culturais que os distinguem da sociedade nacional.
A Convenção, no que diz respeito às origens, cita a descendência de populações
que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da con-
quista ou da colonização; com relação à identificação, compreende que a consciência
de sua identidade indígena ou tribal deve ser considerada como critério fundamental;
fala ainda na conservação, parcial ou total, de todas as suas instituições sociais, econô-
micas, culturais e políticas.
Existe divergência no que diz respeito a se a auto declaração é suficiente para a
identificação ou se há a necessidade dela estar associada ao reconhecimento por parte
da comunidade e com certa preservação de características que distingue o grupo étnico
ao qual pertence. Ocorre que os dispositivos normativos não estabelecem um único
critério, nem mesmo a Convenção 169 da OIT, mas três elementos que se relacionam.
1237
Nesse sentido, no plano individual, são consideradas indígenas as pessoas perten-
centes a um povo indígena que os reconheça. É preciso estar claro, no entanto, que a
consciência da identidade indígena por parte do individuo, embora não seja critério
único, deverá ser considerada como fundamental. Esse entendimento pode ser ob-
servado no trato da FUNAI com as populações indígenas do Rio Grande do Norte, no
qual as comunidades são ouvidas durante o processo de cadastramento dos indígenas
ligados ao seu povo.
Apesar do avanço legislativo das últimas décadas, com uma Constituição que ga-
rante os direitos Indígenas e a adoção da Convenção 169 da OIT no Brasil, a questão
indígena ainda é um tema novo e pouco aprofundado no campo do Direito. Ainda há
muito que ser estudado, discutido e sistematizado. Além disso, como o direito é campo
de disputa, contraditório e conflituoso, não basta a mera positivação de normas para a
concretização da justiça. Faz-se necessário a devida interpretação e, principalmente, o
preenchimento político para garantia de sua efetividade.
Diante disso, no contexto após a promulgação da Constituição, o Movimento In-
dígena segue na luta em torno da garantia dos direitos conquistados. Vislumbrando
maior autonomia e participação, e num contexto de relações interculturais ainda as-
simétricas, o movimento indígena segue lutando para garantir sua representatividade
nos espaços de poder e decisão. Nesse momento, a preocupação com a formação
escolar indígena, a ampliação do número de organizações criadas e coordenadas por
indígenas, desenvolvimento de projetos e capacitações, participação cada vez maior em
atividades institucionais, candidatura a cargos públicos, formulação e apresentação de
propostas políticas são exemplos de expressão desse protagonismo.
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“LIVE AND LET DIE DO: BRAZIL IN THE CROSSROADS OF CONFLICT THE
RIGHT TO THE TERRITORY OF TRADITIONAL POPULATIONS”
Abstract: The territory corresponds to the place where people develop their ways of
life, where social, economic, legal and political are structured by linking subjects and
consequently establishing identities. It is from the territory that individuals understand
their condition of being-being in the world, which is strengthened by social webs that
are created. The territory is therefore intrinsically linked to the existence of a people or
the people and for them, the expropriation of the territory corresponds to the expro-
priation of their own existence. This relationship can be seen in the way traditional po-
pulations relate to the place from which or to which they are linked. Among these Brazi-
lian quilombo people are inserted, comprising their stay in the territory as a prerequisite
for the continued existence. The right to land is, for these people, more than a formally
recognized right, as it corresponds to its resistance and ancestry, their right to life broa-
dly. Therefore, this study aims to analyze the relationship between the guarantee of the
right to territory and the effectiveness of social rights of traditional populations and the
preservation of its identity, considering the inseparability of these guaranteed the right
1. Introdução
O território corresponde ao lugar onde as pessoas desenvolvem suas formas de
vida, onde as relações sociais, econômicas, jurídicas e políticas são estruturadas, vincu-
lando sujeitos e consequentemente estabelecendo identidades. É a partir do território
que os indivíduos compreendem a sua condição de ser-estar no mundo, a qual é forta-
lecida pelas teias sociais que se criam.
O território está, portanto, intrinsecamente ligado com a existência de um povo ou
de vários povos, e para eles, a expropriação deste corresponde à expropriação de sua
própria existência. Tal condição pode ser constatada pela forma como as populações
tradicionais se relacionam com o lugar de onde provêm ou ao qual estão ligadas. O
direito ao território é, para tais populações, mais que um direito formalmente reconhe-
cido, pois corresponde à sua resistência e ancestralidade, o seu direito à vida.
Obviamente em países permeados por desigualdades de diversas ordens, como o
Brasil, a garantia de tais direitos se constitui em desafios de ordem política e jurídica,
uma vez que não podem ser desconsideradas as relações de poder vigentes no seio
dessa sociedade. O que há de se considerar, ainda, que o reconhecimento formal não
garante a efetividade imediata de tais direitos, o que coloca o Estado brasileiro, por 1241
meio de suas instituições, sempre numa posição de conflito para com os grupos que o
demandam. O Estado assume, portanto, o papel de violador de direitos – seja por ação,
seja por omissão – no tocante à garantia dos direitos de seus cidadãos, e no que diz
respeito às populações tradicionais, a constatação nunca é diferente da ora referida.
Entretanto, afirmar que a relação entre Estado e populações tradicionais é uma relação
tensa, permeada por violações de direitos humanos, sem buscar entender as suas ra-
zões e as reais motivações que constituem tais situações é uma afirmação reducionista
que não contribui para a busca por formas de solução dos conflitos. Por essa razão, este
trabalho, ainda em desenvolvimento, propõe-se a analisar a relação existente entre o
território e a efetividade dos direitos humanos das populações tradicionais, os meios
utilizados para a preservação de sua identidade, numa perspectiva de considerar as
estratégias de reexistência destes povos, como forma de garantir a sua continuidade e
forjar a sua autonomia.
Para as sociedades primitivas, a terra é poder pois ela é origem (é dela que
procede toda a realidade), presença (é no “seu encontro como uma pai-
sagem que se apresenta e se anuncia a ela que o presente se renova e se
transmite como uma reserva oculta de vigor e de força”), e força sobrena-
tural (“na base da geografia dos povos primitivos, há um comportamento
religioso, e é através desse valor sagrado que se manifestam os ‘fatos’
geográficos (DARDEL, 1990, p. 74)
Tal concepção foi descartada pelos povos dominadores, que compreendiam a terra
apenas como um espaço para extração de riquezas e expansão de seu domínio político
– econômico, instituindo a concepção de território meramente como espaço geográ-
fico, delimitado pelo aspecto físico e disponível à demarcação com fins exploratórios.
Contribuindo, portanto, para a não percepção do território a partir da sua relação com
os elementos constitutivos das relações de pertencimento dos indivíduos aos locais dos
quais são oriundos. Desse modo, o território foi se solidificando como um privilégio dos
1242grupos dominantes da sociedade brasileira, caracterizado como um bem material de
aspecto mercantil sem relação com valores identitários para os indivíduos. A definição
de território, nesse sentido, seria a de área terrestre, também considerada como área
geográfica, ou seja, a porção física do globo terrestre, constituída apenas pelo solo,
subsolo, espaço aéreo e mar territorial.
No decorrer do processo histórico pelo qual o Brasil vai se desenvolvendo ao longo
do tempo, diversas mudanças ocorrem no plano social e, consequentemente, afetam o
plano jurídico. Assim, a compreensão de território assume outro caráter sob o qual se
passa a considerar que as definições territoriais estão para além do espaço geográfico,
constituindo, portanto, o espaço em que as pessoas constroem a sua identidade como
ser em si e ser no grupo. Território passa a ser, então, o lugar a partir do qual as pessoas
percebem a sua condição de ser e estar no mundo, é, portanto, o lugar das estratégias
de controle necessárias à vida social – uma outra maneira de dizer que ela exprime uma
soberania (SACk, 1986). Segundo Paul Claval:
diária que beneficia um grupo minoritário detentor dos privilégios vigentes na sociedade da época, para a
qual a terra, como um bem, representava a demonstração de poder no seu sentido mais amplo. O parágrafo
primeiro do referido artigo merece destaque por estabelecer a gratuidade das terras em áreas de limites do
Império com países estrangeiros, obedecendo a uma distância pré-determinada, local onde mais tarde serão
encontrados os vários grupos de populações tradicionais, com destaque para indígenas e quilombolas. A Lei
de Terras é, portanto, um referencial na política fundiária brasileira, figurando como um ato de Estado no to-
cante à garantia e efetivação de vantagens atribuídas ao grupo dominante na sociedade, o que contribui para
a perpetuação da idéia de propriedade de certas condições sociais que terminam por desencadear conflitos,
muitas vezes, evitáveis.
2 A abordagem a povos nativos faz referência aos primeiros habitantes do território quando da chegada dos
portugueses, a qual segundo as fontes históricas oficiais corresponde aos povos indígenas.
Artigo 1º
1244
3. Os Estados-partes no presente Pacto, incluindo aqueles que têm res-
ponsabilidade pela administração dos territórios não autônomos e ter-
ritórios sob tutela, devem promover a realização do direito dos povos a
disporem deles mesmos e respeitar esse direito, em conformidade com as
disposições da Carta das Nações Unidas (PIDESC, 1966, artigo 1º. 3).
4 O conceito de populações tradicionais corresponde ao utilizado na definição dada pela Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT, instituída pelo Decreto
nº6.040, de 07 de fevereiro de 2007.
Art. 3º Para fins deste Decreto e do seu Anexo compreende – se por:
I – Povos e Comunidades Tradicionais : grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais,
que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios naturais como condição
para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição.
5 O Estado brasileiro é signatário de todos esses instrumentos internacionais de direitos humanos.
Sob tais aspectos, o ordenamento jurídico interno prossegue no seu propósito legal de
confirmar o Estado como o ente garantidor de direitos, à medida que estabelece, por meio 1245
da Carta Maior, o dever de proteger tais direitos. Segundo Jayme Benvenuto Lima Júnior:
Uma vez que o Estado tem a função constitucional de promover direitos, e por
essa razão, se lhe atribui a prerrogativa de respeitar e garantir os direitos já existentes,
cabe-lhe, portanto, o dever de primar pela instituição de mecanismos viabilizadores
da garantia do direito ao território, bem como preservar os já existentes, conforme o
faz formalmente nos mecanismos legais de direito interno e no direito internacional,
incluindo-se os mecanismos internacionais de direitos humanos.
Sob essa perspectiva, os direitos pertinentes às populações tradicionais estão ga-
rantidos pelo Direito positivo, o que lhes dá um caráter de obrigatoriedade perante
o Estado brasileiro. Entretanto, o amparo legal não tem sido suficiente para garan-
tir a efetivação de tais direitos, o que pode ser percebido cotidianamente quando do
acompanhamento de noticiários das mais diversas modalidades no tocante aos confli-
tos envolvendo essas populações. Na maior parte dos casos, os conflitos envolvendo
populações tradicionais versam a partir da implementação de empreendimentos de
caráter desenvolvimentista, os quais poderão causar grande impacto na região em que
as populações tradicionais estão localizadas, ou ainda, poderão resultar na retirada –
quase sempre forçada – dessas populações de seu lugar de existência. Associados aos
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
empreendimentos desenvolvimentistas estão também os conflitos deflagrados por se-
tores estatais que visam destituir tais populações de seu território sob o discurso da
promoção do desenvolvimento e da inclusão social.
Depois da migração forçada de Alcântara para São Luís, a gente foi morar
num bairro que demos o nome de bairro da Liberdade. Já faz mais de 50
anos que as famílias migram de Alcântara para este bairro, como é muito
antigo, a gente tem uma certa infra-estrutura, porém, a maior parte das
famílias ainda vinculadas aos costumes tradicionais de Alcântara mora em
palafitas, em meio aos esgotos a céu aberto, insetos e ameaçadas ou co-
optadas por setores do crime organizado. O bairro da Liberdade tem a
maior população negra de São Luís, chega a ser mais de 80% da popula-
ção. A expulsão começou com a instalação da base de lançamento espacial
instalada pelo Exército Brasileiro, no começo prometeram o céu e a terra,
disseram que iam contratar a população local para os postos de trabalho
1248 e recrutar os jovens para o serviço militar. O que ocorreu, no entanto, foi a
aquisição de parte das terras por valores muito baixos, expulsão das famí-
lias que resistiam à presença dos militares na região, e estupros de mulhe-
res e meninas, além da transmissão de DST’s. Aí muitas famílias migraram
de Alcântara para São Luís para se protegerem das violências dos militares
(entrevista concedida em 15 de junho de 20119)
Em Rio dos Macacos (Bahia), a Marinha do Brasil tem praticado os mais diversos
atos de violência, com o objetivo de expulsar os moradores da área para que a mesma
possa ser usada para a extensão da base naval localizada na região. A revista Carta
Capital tem veiculado com freqüência matérias contendo relatos de invasões das resi-
dências dos moradores durante a madrugada, por fuzileiros ostensivamente armados,
direcionamento de armas para crianças e idosos, proibição de melhorias nas casas que
sofreram avarias em decorrência das últimas chuvas ocorridas na área, e corte de ener-
gia elétrica numa área com crianças, idosos e pessoas doentes. Nesse caso específico
em que o Estado brasileiro tem agido como violador de direitos humanos há ainda
um elemento reforçador que é o Poder Judiciário, o qual vem atuando sucessivamente
como detonador ou mantenedor dos conflitos.
A compreensão formulada por Milton Santos sobre território permite perceber que,
sob essa nova perspectiva, constitui-se num elemento transcendente à sua tentativa
5. Apenas Começamos...
Longe de concluir a abordagem sobre o tema aqui tratado, porém pela necessidade
em se dar um encerramento à discussão proferida neste espaço, caminha-se para uma
pausa às questões aqui trazidas.
A relação existente entre território e populações tradicionais compreende-se por
um caráter de indissociabilidade, tendo em vista que é no território que as pessoas
constituem suas relações, seus modos de vida, suas formas de ser-estar no mundo. No
território são firmadas as relações de poder entre os grupos que o ocupam e sobre ele
desenvolvem sua identidade.
O território compreende também o espaço sobre o qual se torna possível a efetiva-
ção dos direitos humanos de seus respectivos grupos populacionais. O que demanda
do Poder Público a observância das características específicas de tais grupos a fim de se
garantir a efetividade dos respectivos direitos.
Sendo este um trabalho ainda em desenvolvimento, as questões trazidas apontam
para a formulação de entendimentos, compreensões que visem ampliar a leitura de
território e sua importância para os direitos humanos das populações tradicionais. A
desconsideração do elemento territorial quando da adoção de ações pelo Poder Pú-
blico contribuem por expor esses grupos populacionais a situações de vulnerabilidade
frente a contextos sociais abrangentes, colocando em risco a continuidade de suas for-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
mas de vida, sua cultura, sua identidade. Relegando-as ao que Débora Duprat chamaria
de etnocídio.
Assim, compreenderia formas de concretização da biopolítica pelo Estado brasilei-
ro. Ou seja, o desenvolvimento de ações que tenham por base a regulação da vida dos
sujeitos pelo Estado ou pelo poder político. Desse modo, a exposição de tais sujeitos a
cenários favorecedores do etnocídio corresponde a uma forma “sutil” de dar continui-
dade ao extermínio de certos segmentos, ação embalada e fundamentada no racismo
e na violência que o reflete, o que dá condições materiais para a execução do “fazer
viver e deixar morrer”. Em outras palavras, na escolha política sobre quem tem o direito
de viver e quem deve ser deixado morrer. Nesse sentido, no formato de Estado que se
tem quando falamos de Brasil, as populações tradicionais encontram-se inseridas no
segundo grupo, e por tais razões a resistência e o enfrentamento a essas condições de
vulnerabilidade são os meios que elas encontram de refazer o cotidiano e continuarem
o legado de sua existência, cujo propósito consiste na sua reexistência.
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Abstract: This study aims to understand the limitations of interpretation and applica-
tion of the principle of the social function of land ownership, and their contribution (or
not) for the realization of land reform and democratization of access to land in Brazil, 1255
considering the ( des) compliance with the requirements of social function and produc-
tivity concept itself - these criteria listed by the Constitution of 1988 (CF / 88) to define
the terms of relativization of the right to private rural property in Brazil, from a biblio-
graphic study the above theme.
Keywords: State, social function, social function of land ownership, land reform, cons-
titutional law.
1. Introdução
A função social da propriedade rural é postulada dentro do ordenamento jurídico
brasileiro na CF/88 enquanto principio constitucional, e atribui à propriedade privada li-
mitações ao seu uso, rechaçando-a enquanto direito absoluto. Assim, o presente trabalho
tem o intuito de compreender as limitações de interpretação e aplicação da função social
da propriedade rural, e a sua contribuição (ou não) para a efetivação da reforma agrária
e da democratização do acesso a terra no Brasil, considerando o (des)cumprimento dos
requisitos da função social e do próprio conceito de produtividade - critérios estes elen-
cados pela CF/88 para definir os moldes da relativização do direito à propriedade privada
rural - a partir de um estudo bibliográfico sobre o supracitado tema.
Vale pontuar que uma parte da doutrina aponta que tal princípio é discutido dentro
da perspectiva da produtividade, já para outra parte a discussão é centrada no alcan-
ce de um bem estar social. Assim, a função social da propriedade (rural) é englobada
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Criminologia Crítica e Movimentos Sociais do VI Seminário
Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de
agosto de 2016.
Duguit tinha, portanto, uma clara intenção de atribuir à propriedade uma função
social de modo a torna-la produtiva, a ponto de que gerasse benesses a coletividade,
mas em nenhum momento buscou abolir a propriedade privada, o que atende aos in-
teresses do estado capitalista, ainda que este se configure num Estado Social, pois em
4 Tradução livre: “O homem não tem o direito de ser livre; tem o dever social de trabalhar, de desenvolver
sua individualidade e de cumprir sua missão social. Nada pode se opor contra os atos que executa com esta
finalidade, com a condição, bem entendido, de que esses atos não tenham como resultado atentar à liber-
dade do outro” (MALDANER, 2012, p. 40).
5 Tradução livre: “1.ª O proprietário tem o dever, e portanto o poder, de empregar a coisa que possui na sat-
isfação das necessidades individuais, e especialmente das suas próprias, de empregar a coisa no desenvolvi-
mento da sua capacidade física, intelectual e moral. Não se esqueça, com efeito, que a intensidade da divisão
do trabalho social está em razão direta com a intensidade da atividade individual. 2.ª O proprietário tem o
dever, e portanto o poder, de empregar sua coisa na satisfação de necessidades comuns, de uma comunidade
nacional inteira ou de coletividades secundárias”. (MALDANER, 2012, p. 40).
Já Silvia C. B. Optiz e Oswaldo Optiz (2015, p. 200) afirmam que ainda que de direito
público, constitucional e administrativo, a desapropriação afeta sobremodo o direito
agrário, não somente por necessidade ou utilidade pública, mas principalmente por in-
teresse social, pois a propriedade deve cumprir sua função social, preconizada tanto na
CF/88, quanto no CC (Código Civil) 2002, quanto no Estatuto da Terra. E é pela desapro-
priação que o Estado faz, em sua maior parte, a reforma agrária, por ela ser a que visa
a melhor promoção da distribuição da terra improdutiva, mediante modificações no
regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios da justiça social e aumento
da produtividade, conforme o Estatuto da Terra.
Tais autores defendem que a função social da propriedade da propriedade rural
não tem outro fim senão o de dar sentido mais amplo ao conceito econômico da pro-
priedade, encarando-a como uma riqueza que se destina à produção de bens que sa-
tisfaçam as necessidades sociais. (Optiz e Opitz, 2015, p. 204). Portanto, dentro dessa
conceituação da propriedade, conclui-se, para tais autores, que a finalidade do direito
agrário não é proteger os fracos, mas incentivar a produtividade da terra que termina
alcançando a função social de proteção aos agricultores. Por isso a necessidade desse
conjunto de normas ditado pelo Estado para regulamentação do uso e gozo da pro-
1263
priedade territorial rural. (Optiz e Opitz, 2015, p. 205).
Essa “conciliação” entre as classes, promovida pelo Estado Social, através da norma-
tização de pautas sociais na busca da diminuição das desigualdades, na prática, pode
não ter nenhum viés transformador. Porém, não se pode olvidar que as lutas sociais e
politicas podem desmentir aquela previsível falta de concretização, impondo, assim, à
realidade “as mudanças previstas na Constituição, que, se não são revolucionárias, ao
menos representam grandes alterações do status quo com a urgência possível” (Melo,
2009, p. 48).
Ainda discutindo o ponto da efetividade constitucional, que aqui se apresenta
como uma perspectiva crítica à interpretação rasa da funcionalização da propriedade,
enquanto avanço à efetivação da reforma agrária e a democratização do acesso a terra,
faz-se mister pontuar a teoria da constitucionalização simbólica, estudada por Marcelo
Neves, que segundo Tarso de Mello, propõe, de forma crítica, uma leitura das normas
Dito isto, é possível identificar que as interpretações dadas as normas ditas pro-
gramáticas da CF/88 são consideradas “mais ou menos realizáveis”, colocadas para um 1265
objetivo a longo prazo, sem uma busca real pela sua aplicação, e geralmente são estas
as normas abertas para as reivindicações sociais, com o objetivo de uma mudança da
realidade social brasileira, a qual é, ainda, extremamente excludente, principalmente
com a população do campo, devido aos altos índices de concentração fundiária e, con-
sequentemente, altos indicies de conflitos no campo.
Logo, a positivação de princípios e garantias fundamentais que busquem a modi-
ficação do status quo, e que foram feitas num período de “conciliação” entre as classes
sociais no intuito de manutenção do sistema capitalista e da cessão parcial dos valores
individualistas da burguesia para a busca de uma igualdade social foi feita dentro da
ideia de constitucionalização simbólica apontada por Neves, na qual a principal função
da Constituição não é a transformação da realidade social.
Notório se faz perceber, portanto, que a eficácia da função social da propriedade
rural e a sua contribuição para a efetivação da reforma agrária e democratização do
acesso à terra, assim como todas as normas constitucionais, dependem de prestações
concretas do Estado, que é gerenciado pela classe dominante e que ocupa suas esferas
de poder, tem obstáculos concretos. E isto apenas aponta os desafios que as normas
constitucionais encontram na chamada cultura jurídica para serem efetivadas e concre-
tizarem uma real mudança social (Melo, 2009, p. 50). Assim, fica evidente que a simples
disposição da funcionalização da propriedade na Constituição como forma de exigên-
cia à garantia do direito de propriedade não é suficiente para que a democratização do
acesso a terra, a reforma agrária e a diminuição da concentração fundiária aconteçam.
Com a Constituição Federal de 1988, espalhou-se pelo discurso da dogmática jurí-
É ela, a ideologia jurídica, uma das responsáveis pela não percepção do conflito
social que ocorre na atuação cotidiana dos órgãos judiciais, e nas posturas majoritárias
da jurisprudência e dos estudiosos do direito. É ela que ocasiona essa não percepção da
manutenção “indireta” do direito absoluto de propriedade. Em contrapartida o ímpeto
de mudança referente a aplicação da função social da propriedade rural advém, histori-
camente, da classe trabalhadora. Porém, “onde reina a segurança da ordem é que o Di-
reito aparece precisamente como aquilo que próprio não é, como um todo sistemático,
coerente, pleno e objetivo” (Melo, 2009, p. 37). A ideologia jurídica contribui, portanto,
para que o Direito seja apenas um “norte”- um objetivo a longo prazo, impossível de
Logo, as grandes propriedades rurais, que são bens de produção, mesmo quando
cumprem sua função social, geram riqueza que é apropriada individualmente, ou seja,
mesmo cumprindo a função social que a Constituição lhe comina, não deixa de ser
um bem de produção que funciona nos moldes do individualismo capitalista, pois o
bem estar social previsto pela própria função social como interesse de todos é definido
como o funcionamento tranquilo de uma ordem social que deixa intactos os interesses
dos setores dominantes, e circunscreve as possibilidades de uma admissível mudança
social a essa perspectiva”. (Melo 2009, p. 110)
Diante do conflito entre a positivação meramente simbólica do principio da função
social da propriedade rural e a real possibilidade de efetivação através de sua força
normativa, com base nas lutas e reivindicações sociais, é válido salientar:
O amplo discurso social e a não tão ampla atuação social do Estado surgem
apenas porque, como diziam Marx e Engels já em 1848, “para se oprimir
uma classe, é necessário assegurar-lhe condições para que possa, no
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
mínimo, prolongar sua existência servil”, ou, noutras palavras, porque
“o individualismo (a liberdade pessoal) na esfera da sociedade civil
não pode ser tão desagregador, com o aprofundamento dos interes-
ses egoísticos, a ponto de comprometer a indispensável sociabilidade
exigida na esfera da produção, tendo em vista não só a manutenção das
condições de reprodução da vida material da sociedade, como também a
preservação das relações especificas que permitem a exploração do tra-
balhador e a acumulação privada do produto social”. (Grifo nosso) (Melo
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e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2015.
OPTIZ, Silvia C. B. e OPITZ, Oswaldo. Curso Completo de Direito Agrário. 9ª edição revisada e atualizada. São
Paulo: Saraiva, 2015.
Cléber A. R. Folgado
Abstract: Brazil’s regulatory agrochemical system is relatively new, since before the
enactment of Law No. 7.802 / 89 that came specifically address the issue, being the
cornerstone of the current system, the pesticides were standardized by a set of sparse
regulatory instruments, based on Decree-Law 24,114 of 1934. The massive use of pes-
ticides in Brazilian agriculture was an imposition of the Green Revolution, which has in
Agribusiness its continuity. Unfortunately, the speed with which the use of pesticides
spread in society was not accompanied with the same force by law. However we have
a legal system fairly good, the result of historic struggles of the Brazilian people that
currently is under threat by several attempts to dismantle through bills that transacts in
Congress. The knowledge about the system and the historical process of its construc-
tion is necessary, so we can qualify the debate surrounding the subject, thus seeking to
avoid regression. A critical reflection on the subject and existing legislation is a need to
point advances that aim to care for life and the environment.
Keywords: Normative system of agrochemicals; Law of agrochemicals; Agribusiness
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Povos e Comunidades Tradicionais, Questão Agrária e Con-
flitos Sócio-Ambientais do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da
Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2 Ainda que não seja tema específico deste artigo, vale mencionar, que atualmente está em curso um pro-
cesso de desmonte da atual legislação de agrotóxicos, representado em especial pelo Projeto de Lei 3200/15,
que propõe a revogação da Lei 7.802/89.
O artigo traz ainda um parágrafo único dizendo que incluem-se como defensivos
da lavoura os engenhos destinados aos fins mencionados no artigo, desde que sejam
essenciais às características do processo de combate.
O artigo 3º destaca que ao Serviço de Defesa Sanitária Vegetal (SDSV) do Departa-
mento de Defesa e Inspeção Agropecuária, compete especificar e caracterizar os pro-
dutos químicos, as preparações e as matérias-primas de composição de defensivos de
uso na lavoura, para efeito desta lei e de outros dispositivos legais relacionados com a
importação, exportação, fabricação manipulação, venda e uso de tais produtos no País.
Além disso, a Lei 4.785/65 aponta que a fiscalização do comércio, armazenamento,
trânsito e uso de produtos fitossanitários, bem como a fiscalização das empresas que
exploram serviços fitossanitários, compete ao Ministério da Agricultura, por intermédio
do Serviço de Defesa Sanitária Vegetal do Departamento de Defesa e Inspeção Agrope-
cuária. A lei determina ainda, que em se tratando de fiscalização, poderá o Ministério da
Agricultura, mediante convênio, delegar competência às Secretarias ou Departamentos
de Agricultura dos Estados, Territórios ou Distrito Federal. O parágrafo 6º dispôs sobre
algo que, no entanto, nunca veio a realizar-se, pois determinava que o Poder Executivo,
no prazo de noventa dias iria editar o regulamento da lei, bem como as medidas com-
plementares que se fizessem necessárias à sua execução. 1279
Como destaca Ferrari (1985, p. 51-52) “Até 1970, outras leis e decretos seriam incor-
porados à legislação sanitária, mas sem tratar diretamente de agrotóxicos”. Dentre as
normas que foram editadas e que de alguma forma passam pelo tema dos agrotóxicos,
relacionando-os com outros temas, podemos destacar, por exemplo, a Lei 5.197, de 03
de janeiro de 1967, que dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências. No
art. 10, quando trata da proibição da utilização, perseguição, destruição, caça ou apa-
nha de espécimes da fauna silvestre, por diversas formas, vai mencionar na alínea “a” o
uso de veneno, ou seja, de agrotóxicos.
O Decreto-Lei 917, de 7 de outubro de 1969, que trata do emprego da aviação
agrícola, incorpora dentre as atividades do setor, o emprego de defensivos, e determi-
na em seu art.3º, que incumbe ao Ministério da Agricultura, ouvidos outros Ministérios
interessados, quando for o caso, homologar e fazer publicar a relação dos produtos
químicos em condições de serem aplicados por aviação agrícola, atendidas as normas
de proteção biológica, de proteção à saúde, e de defesa geral do interesse público.
Em 1970, no dia 27 de agosto, foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto
nº 67.112, que por sua vez aprovou normas técnicas especiais para controle da fabri-
cação e venda de produtos saneantes e congêneres. Tais normas tinham por objeto o
controle da fabricação, manipulação, fracionamento, venda e demais operações con-
cernentes aos produtos saneantes. Enquadravam-se dentro da área de abrangência
da norma todo e qualquer produto, seja qual for a sua finalidade, que encerrar em sua
composição, substância destinada à prevenção, controle e combate a agente-nocivos
ao homem, aos vegetais e animais domésticos.
Tal como determinava o decreto que instituiu a comissão especial, o texto do ante-
projeto ficou pronto em 60 dias. Segundo Pinheiro (1993, p. 61) “Em ato solene, no dia
9 de janeiro de 1986, ele foi entregue pelo professor Flavio Lewgoy, decano represen-
tante da Agapan, ao Ministro Pedro Simon”.
O anteprojeto foi enviado a Casa Civil, que por sua vez quis retornar o anteprojeto
para que fossem feitas alterações, alegando vícios de inconstitucionalidade. Pedro Simon,
que já se preparava para sair da condição de Ministro da Agricultura, não aceitou a volta
do anteprojeto, alegando que tal como determinava o Decreto 91.633/85, a comissão
cumpriu com o prazo estabelecido, elaborou o anteprojeto e auto extinguira-se. Entre-
tanto Íris Resende, o sucessor de Pedro Simon no Ministério da Agricultura, aceitou a
volta do anteprojeto para o Ministério da Agricultura, e autorizou, mesmo sob forte ma-
nifestação contrária de ex-integrantes da comissão especial, que alterações fossem feitas
no anteprojeto. As alterações no anteprojeto atendiam com as pressões exercidas pelos
representantes da indústria de agrotóxicos, no entanto, o anteprojeto ficaria parado no
palácio por quatro anos, sem nenhuma movimentação para sua aprovação.
Em 1988, o seringueiro e líder ambientalista Chico Mendes que havia no ano ante-
rior recebido o “Prêmio Global 500” das Nações Unidas, e o prêmio “Por Uma Vida Me-
lhor” da sociedade americana para ecologia, foi cruelmente assassinado. O crime contra 1283
Chico Mendes teve enorme repercussão internacional, e atuou como pressão sobre o
governo, que como resposta propôs um pacote de medidas relacionadas a questão
ambiental e ecológica chamado de “Nossa Natureza”.
No âmbito do Programa Nossa Natureza7, o anteprojeto de agrotóxicos que en-
contrava-se engavetado, é então retomado, e em 24 de abril de 1989, ele é submetido
pelo Poder Executivo ao reexame do Congresso Nacional, onde recebeu a caracteriza-
ção de PL nº 1.924. Como o projeto foi enviado em regime de emergência, este teria
então apenas 45 dias para sua apreciação, e caso não fosse apreciado, seria aprovado
automaticamente por decurso de prazo e sancionado.
Durante o processo de tramitação o PL 1.924 recebeu 28 emendas parlamentares
que em geral buscavam contribuir com a redação do texto, sem alterações de conteúdo,
com exceção apenas do substitutivo proposto pelo Deputado Federal Jonas Pinheiro, que
propôs um novo PL que ao tramitar foi recusado por todas as comissões que o apreciou.
Nas Comissões, três foram os substitutivos propostos, como bem relata Pinheiro:
Avanço destacável também diz respeito à competência para legislar sobre a matéria,
visto que antes da Lei 7.802/89, havia grande impasse sobre a questão. A primeira vitória
em relação a esta competência, como vimos, veio quando a Lei de Agrotóxicos do Rio
Grande do Sul foi reconhecida parcialmente constitucional pelo Supremo Tribunal Fede-
ral, o que apontou para a constitucionalidade dos estados legislarem sobre o tema. 1287
6. Considerações Finais.
1288 Como tentamos demonstrar o atual sistema normativo de agrotóxicos é resultado
de um complexo processo histórico de avanços e retrocessos, impulsionado pelas lutas
sociais em torno do tema dos agrotóxicos. Não se pode negar que mesmo sendo a
atual lei de agrotóxicos incapaz de dar respostas a algumas questões, trata-se de um
marco normativo extremamente importante e em certa medida bastante avançado.
Por isso, fazer o resgate histórico do processo de construção do sistema normativo
de agrotóxicos e uma reflexão crítica acerca dele é de extrema importância, afinal, é
significativo conhecer o passado, avaliar criticamente a atualidade e com base nisso
projetar o futuro, evitando retrocessos no que se refere às conquistas sociais.
O direito à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentre outros,
além de estarem plasmados em nossa Carta Magna, devem estar reverberados nos
demais diplomas normativos. O processo em curso de desmonte do sistema normativo
de agrotóxicos representa uma ameaça a diversos outros direitos. Faz-se necessário,
portanto, capacidade de reflexão crítica e de mobilização social para evitar os retroces-
sos sociais em curso no país, dentre os quais a questão dos agrotóxicos é uma delas.
7. Referências Bibliográficas.
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1290
Abstract: This paper aims to analyze the process of building the Tupinambá Amerindian
identity in southern Bahia, where ethnic groups undergo a recovery process of ethnic
culture and vital relationship with the land traditionally occupied by their descendants. It
seeks to transcribe the administrative process of demarcation of the Tupinambá of Earth
, as well as resumed in rural areas , a situation that causes severe land crisis in the region
Keywords: Tupinambá de Olivença ; Territory ; Demarcation ; Identity; Resumption .
1291
1292
Fonte: IBGE, 2012
Este mapa demonstra a área que abrangerá a demarcação, conforme dados da FUNAI e IBGE.
d) Parte 4 – Meio Ambiente (fls. 555/600 do Anexo II): trata do clima, hidro-
grafia, solos e florestas na área em estudo (fls. 546/600).
Desde 05.04.2012, o processo não mais teve nenhum andamento decisório no Mi-
nistério da Justiça, motivo pelo qual o MPF ajuizou ACP para impor ao Ministério da Jus-
tiça uma decisão sobre o relatório. Paira sobre essa demarcação muitos ações judiciais,
buscando suspender a demarcação.
Um divisor de águas, em casos envolvendo interesses indígenas, foi o julgamento
da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no norte de Roraima. A decisão gerou
polêmicas e diferentes interpretações até hoje e parece ser a base para o anulamento
cada vez mais frequente de portarias e decretos do Executivo.
1298
Raposa foi delimitada pela primeira vez em 1998. Ao longo dos anos, muitos fazen-
deiros foram se instalando no interior da TI e as comunidades indígenas foram ilhadas
em porções desse território. Isso provocou a revisão dos limites em 2005, quando o
Executivo decidiu pela demarcação contínua, ou seja, que os não índios deveriam ser
indenizados pelas benfeitorias e sair. Um fazendeiro questionou e a decisão foi parar no
Supremo, que validou a tese do Executivo após julgamento realizado em 2009.
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March 2003.
Abstract: The tension and the pressure around the demarcation process Indigenous
Land Cachoeira Seca have increased in recent years. The mobilizations and demonstra-
tions that if revealed in the region since then, Walnut make believe that you Indigenous
Land Cachoeira Seca is the site of an ancient conflict between indigenous and non-indi-
1301
genous, born of contradictory actions adopted by Incra and by Funai in the last 40 years,
and whose main theme would be the antagonism between the right to land of settlers
and beiradeiros and rights originating from the Arara people. A more accurate about
the creation process Indigenous Land Cachoeira Seca, when considering the presence
of other social subjects, leads us to ask whether in this scenario is believable if you speak
in a clash between Indians, settlers and beiradeiros, between the rights of both.
Keywords: Indigenous Land Cachoeira Seca; Beiradeiros; Arara; demarcation; conflict.
1. Introdução
Era 09 de outubro de 1970, quando o então presidente Emilio Garrastazu Médici
aplaudiu entusiasmado a derrubada de uma imensa castanheira, durante solenidade
realizada em Altamira (PA) de implantação do marco inicial da Transamazônica, e in-
crustou uma placa no tronco partido, com os seguintes dizeres: “Nestas margens do
Xingu, em plena selva amazônica, o Sr. Presidente da República dá início à construção
da Transamazônica, numa arrancada histórica para a conquista deste gigantesco mun-
do verde”2.
A alguns quilômetros dali, o povo Wokorongma, historicamente chamado de Arara,
mantinham-se praticamente isolados. Longe do controle de órgãos governamentais e
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Povos e Comunidades Tradicionais, Questão Agrária e Con-
flitos Sócio-Ambientais do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da
Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2 FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 10 de outubro de 1970. Arrancada para conquistar o gigantesco mundo
verde. Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_10out1970.htm. Acessado em: 09 de outubro
de 2011 apud SANTOS, 2012.
2. Um pouco de história
Há 117 anos, Henri Courdreau, navegando pelo Rio Xingu, descrevia os Arara como
“a nação misteriosa por excelência” (1982, p. 38). Vivendo nas proximidades de Altami-
ra pelo menos desde meados do século XIX, os Arara protagonizaram uma história de
contato longa e sinuosa, marcada por diversos encontros amistosos e conflitos com a
população ribeirinha das bacias dos rios Xingu e Iriri registrados tanto em documentos
oficiais, com em textos históricos e etnográficos.
Em 1853 eles figuraram pela primeira vez nos registros oficiais, constando
dos relatórios do Presidente da Província do Pará, depois de aparecerem
pacificamente no baixo rio Xingu. Em 1861, um grupo Arara permanece
cerca de dez dias entre seringueiros abaixo da Cachoeira Grande do Iriri.
Em 1873, o bispo Dom Macedo Costa leva alguns Arara para Belém. Entre
1889 e 1894, eles são perseguidos por seringueiros na região do divisor de
águas do Amazonas-Xingu/Iriri (Teixeira-Pinto, 1997, p. 206).
1307
3. Os Planos Geopolíticos dos Governos Militares e a Expansão Capitalista na
Amazônia
Diversos momentos dos planos geopolíticos dos governos militares para a Amazô-
nia se ligam à história da área onde foi demarcada a Terra Indígena Cachoeira Seca. Por
isso, a compreensão dos conflitos territoriais que se descortinam na TI passa necessa-
riamente pela percepção das transformações mais recentes da região, especialmente
depois da década de 1960, com o advento das ações e políticas perpetradas pelos
governos militares.
Como destacado anteriormente, a área que hoje corresponde à TI foi palco das
obras do Plano de Integração Nacional (PIN - Decreto-Lei n° 1.106, 16.06.1970 e De-
creto-Lei n° 1.243, 30.10.1972) e foi, em sua quase totalidade, englobada pelo Polígono
Desapropriado de Altamira (Decreto n° 68.443/1971) e destinada à colonização.
A Transamazônica, seus travessões, picadas e clareiras acessórias passaram a pou-
cos quilômetros de uma das grandes aldeias onde subgrupos do povo Arara se reuniam
no período da estiagem, cortando plantações, trilhas e espaços de casa tradicionalmen-
te utilizados pelo Povo e formando barreiras que impediram o trânsito dos Arara pelas
matas e impuseram limites a interação tradicional entre os subgrupos. Os índios que,
anteriormente, a passagem do leito da rodovia mantinham uma rede comunitária coesa
se viram dispersos e perseguidos (Instituto Socioambiental, 20192). Dom Erwin Krautler
3 Cf. Sobre o bloqueio dos 1,3 milhões de hectares, veja-se MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. “MPF pede
e Justiça bloqueia 34 títulos de terra fraudados em Altamira”. Disponível em: http://www.prpa.mpf.mp.br/
news/2008/noticias/mpf-pede-e-justica-bloqueia-34-titulos-de-terra-fraudados-em-altamira. Acessado em:
02 de novembro de 2015.
1312
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2ª. Petrópolis: Vozes, 1985.
__________. Não há terras para plantar neste verão: o cerco das terras indígenas e das terras de trabalho no
The MST in southern Bahia: Brief analysis of the case of Fazenda Santa Luzia
Abstract: This article has the objective to analyze the legal and media discourse of a
particular land conflict in the southern region of Bahia, which has been spreading for
about fifteen Sixteen (16) years. Within the analyzed conflict, we study what are the
legal assumptions used by large landowners seeking to stop the action of the Landless
Workers’ Movement - MST, especially deepening the legal foundations and media used
to criminalize the actions of the MST. For this, we made a small literature with some
theories that try to explain the crime phenomenon of the Penal System and Crimi-
nology as a whole, beyond the pale of the embasarmos in critical theories of law and
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão – Povos e Comunidades Tradicionais, Questão Agrária e Con-
flitos Sócio Ambientais – do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da
Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
1. Introdução
O que leva um ser humano a arriscar a sua própria vida e de seus familiares em
busca de um pedaço de terra? Ora, esta é a pergunta central da nossa breve, porém
1316alertada pesquisa, e ao longo dessas linhas, tentaremos responder.
É sabido que o Estado moderno após várias metamorfoses ao longo da sua história
– falando de Terras Brasilis – se metamorfoseou em sua estrutura institucional, se con-
figurando atualmente com sendo um “Estado Democrático de Direito”, através da
promulgação da Constituição da República Federativa de 19882, ou como alguns es-
tudiosos do tema preferem afirmar, como sendo um “Estado de Direito Democrático”.
Para ser considerado com tal título, houve vários processos dramáticos de colo-
nização (invasão portuguesa), escravidão (legalizada) e ditaduras militares (golpe de
Estado), para não falar da conjuntura atual, que não faremos muito menção, embora
fosse essencialmente necessário. Para tanto, este Estado deveria suprir as necessidades
básicas do povo, ou seja, cumprir a “Lei” no tocante aos direitos sociais, no horizonte
do que declara a CRF/88.
A nossa Carta Magna, orientará ao Estado cumprir alguns pré-requisitos para que
haja “harmonia” para o povo que é soberano, e que esta soberania se dá através de
representação no Congresso Federal.
Desta forma, direitos básicos para a “sobrevivência” da população em geral, são
constituídos ao longo dos anos através do princípio basilar da CRF/88 – princípio da
dignidade da pessoa humana – que rege os demais princípios fundamentais, e que não
sendo cumpridos de fato, e sim apenas proclamados, poderá acarretar “desobediên-
cias civis” em busca de sua concretização. Assim, outros tantos direitos fundamentais
da pessoa humana não são postos em prática, e sim, vilipendiados por este Estado,
resultando assim em conflitos que nessa conjuntura político/social atual, muitos seres
humanos lutam pelo direito à vida e outros poucos pelo direito à propriedade privada,
2 A partir desse momento do texto a sigla para esse conjunto de palavras será CRF/88.
Por fim, o presente artigo se tornou palpável através de pesquisa bibliográfica a res-
peito do tema para melhor aprofundamento, estudo empírico através de depoimentos
de famílias acampadas sobre os vários casos de reintegração de posse na área, visita
nas Comarcas de Itabuna-BA e Camacã-BA nos seus respectivos fóruns com a inten-
ção de vistas nos processos judiciais, tanto os processos movidos por parte da antiga
proprietária Sílvia de Almeida entre os anos de 2000 à 2008, como também o que foi
movido pelo Sr. Manoel Marques Coelho, no ano de 2014.
2. Algumas teorias que servem como subsídio para a reflexão do caso da fa-
zenda Santa Luzia
Para que possamos fazer a nossa pesquisa e analisar de forma profunda o caso em
questão, é fundamental entendermos algumas teorias que analisam o Direito, que tem
como um dos seus “ramos” a criminologia8, que analisa a questão do crime como um todo.
8 Uma definição clássica sobre o que seria criminologia, fará o escritor Molina, onde ele diz que a crimino-
logia é, “uma ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da
vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida,
constatada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplando este como problema
individual e como problema social -, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e
técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao
delito”. (MOLINA. A criminologia como ciência empírica e interdisciplinar: aproximação à mesma. Definição
provisória. Conceito, método, objeto, sistema e funções da criminologia). O texto encontra-se disponível em
Refletindo sobre o conflito agrário em questão, quem são as pessoas que tem o
interesse de criminalizar a atuação do MST? Quem gostaria que a socialização do prin-
cipal meio de produção – a terra – não acontecesse? E por fim, de quem é o interesse
de que a miséria e a pobreza NÃO deixem de existir? Ora meu caro leitor, as respostas
para essas perguntas são cruciais para entendermos os motivos pelos quais penalizam
as pessoas que buscam dignidade humana.
Segundo o professor Alessandro Baratta, a respeito das várias vertentes da crimino-
logia e o papel do criminólogo, afirmará o autor:
No dia que ocupamos aqui com quase 500 pessoas, era de dia, os policiais
estavam na casa grande e nós foi12 chegando devagar e um deles saiu na
11 Preferimos não usar os nomes dos entrevistados que fazem parte do MST por uma questão de segurança
a pedido dos/as próprios/as acampados/as.
12 Seremos fiéis aos depoimentos dos entrevistados/as, onde as partes que considerarmos de difícil
compreensão abordaremos logo em seguida.
A organicidade do MST é mister para que a luta seja travada de uma forma mais
equilibrada e que não haja intrigas influenciadas pelo problema do individualismo que
se alastra monstruosamente com o avanço do sistema capitalista que prega uma polí-
tica de consumo exacerbado.
Quando o movimento ocupa uma área, a primeira medida que se preocupa em
fazer além da segurança, é de chamar e abrir uma assembléia geral com todos/as os
envolvidos/as e eleger uma coordenação. Essa coordenação estará com a responsabili-
dade de organizar as famílias em grupos e cada grupo deverá conter dois coordenado-
res (um homem e uma mulher), respeitando assim a paridade de gênero, para daí sim,
levar os problemas para a coordenação de forma que comece de baixo pra cima e não
de cima pra baixo.
Esses grupos são denominados NB´s que significa núcleo de base, isto é, núcleo
1325
significando centro e base chão, para que na medida que os problemas forem apare-
cendo, esses vão sendo levados para a coordenação do acampamento e lá discutidos
e encaminhados.
Logo após os acampados elegerem a coordenação do acampamento, é hora do
trabalho coletivo e acima de tudo voluntário, e esse trabalho se dá na construção dos
barracos de lona preta que serve como moradia e a labuta na terra para começar a
produção e a auto- sustentação.
Após o acampamento ser consolidado, as barracas serem montadas – principal-
mente o barracão da escola – é hora da própria comunidade se organizar na produ-
ção com um viés agroecológico. Reivindicando direitos, as famílias vão progredindo e
avançando na luta, como é o caso da jornada da educação que é feita todos os anos,
onde as pautas são entregues nas prefeituras por melhorias das escolas sejam nos as-
sentamentos, sejam nos acampamentos, para saírem do papel e colocados em prática.
Em entrevista concedida por João Pedro Stédile à Bernardo Mançano, perguntado
se o movimento não extrapola o seu papel enquanto movimento social que luta por
terra, e vai além parecendo com uma organização política que luta por educação, saúde
e melhoria na qualidade de vida, João Pedro responde:
Por fim, além desses argumentos, o advogado da requerente pede uma indenização
aos danos provocados pelos Sem Terra no imóvel e que os mesmos sejam condenados
a pagarem as custas judiciais para efeitos processuais, no valor de R$39.000,00 (trinta
e nove mil Reais).
Se os Sem Terra seguirem reincidindo no esbulho, o advogado requer do juiz que
sejam todos tipificados pelo crime de desobediência (C.P, art. 33025), determinando
que o oficial de justiça identifique todos.
Para tanto, a respeito das atuações do MST, os escritores Davi de Paiva, Fábio Ro-
berto e Salo de Carvalho citam com louvor o professor Juarez Cirino do Santos sobre
esta questão das mobilizações praticadas pelo MST e criminalizadas, onde ele diz:
26 Esse fato é interessante de ser mencionado, pois a autoridade policial mais próxima era a Delegacia de
Arataca-Ba, que fica à cerca de 60 Km de distância da cidade de Itabuna-Ba, e mesmo assim, levaram a Sra
Cristina para Itabuna. O argumento do oficial de justiça, era que nas proximidades da cidade de Arataca,
havia um Assentamento de Reforma Agrária já consolidado, e que por questões de segurança, a Sra. Cristina
teve que ser levada para Itabuna. Ficamos imaginando se cada cidade da região sul da Bahia tivesse um
Assentamento de Reforma Agrária, como faria a autoridade competente? Aqui percebemos uma tentativa do
próprio Estado para desmobilizar a atuação do MST.
27 Direitos Humanos no Brasil 2008. Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Artigo extraído
de “Criminalização dos Protestos e Movimentos Sociais”.
33 Esses trabalhadores na versão dos acampados eram os próprios policiais que foram contratados pela
antiga proprietária da fazenda, ou seja, uma milícia armada fazendo a guarnição de um patrimônio particular.
34 Aqui fica claro que a própria corporação reconhece que as famílias não são providas de recursos e que, no
nosso ver, é papel do Estado suprir essas necessidades básicas.
35 O aumento da violência não se dá em detrimento ao efetivo de policiais, e sim da falta de políticas públicas
que fortaleçam a educação, moradia, saúde, lazer e cultura. Ademais, o termo marginal significa aqueles que
vivem as margens, as margens de todos esses direitos já citados anteriormente.
36 Percebamos que após quase 15 (quinze) anos de luta, es que surge um “novo” proprietário da fazenda
Santa Luzia, reivindicando uma suposta posse.
O Juiz de Direito ainda solicita que no prazo de 15 (quinze dias), seja ofertada a
contestação, como reza o artigo 285 do antigo CPC que diz: Ao decidir o pedido, o juiz
admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pre-
tendida provar: I – se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração
no prazo do art. 357; II – se a recusa for havida por ilegitimidade. 1333
Os Sem Terra do acampamento Diolinda Alves ao terem ciência do fato através
da presença da Oficiala de Justiça, foram em busca de uma solução. Através de uma
reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo com a Ouvidoria
Agrária do INCRA no final do mês de maio de 2014, ficou definido que a comissão iria
oficializar o Juiz da Comarca de Camacan-BA, pois antes de qualquer decisão proferida,
isto é, o cumprimento de mandato de reintegração de posse, ouça primeiro o INCRA
e a CDA, conforme orienta a Recomendação Conjunta n° CGJ-CCI-01-2013, mediante
a qual os Desembargadores Ivete Caldas Silva Freias Muniz e Antônio Pessoa Cardoso
recomendam aos Juízes de Direito do Estado da Bahia, no âmbito de suas competên-
cias, que observem o parágrafo único do artigo 91, da Lei 10.845-2007-LOJ, que dispõe:
(…) “Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no
local do litigio”.
37 É dito que esse Sr. Manoel é latifundiário, pois em pesquisa feita pelo advogado das famílias dos Sem Terra,
foi descoberto que ele tem em seu nome várias fazendas nos Estados do Piauí, Pará, Espírito Santo, São Paulo,
além claro da Bahia, onde só na região sul, são quase 10 (dez) fazendas em seu nome.
38 Entende-se por carta de adjudicação a transferência de um determinado bem do seu antigo proprietário
a um adquirente que assume totais direitos sobre o mesmo.
39 Como pode haver duas matriculas, ou seja, duas escrituras para o mesmo imóvel?
40 Antigamente as pessoas além de demarcarem as terras através do grito em cima das colinas, (ver o
filme “Narradores de Javé), era comum um coronel da época das capitanias hereditárias fazer grilagem.
Essa grilagem se dava da seguinte forma: primeiro, se colocava um papel com uma escritura falsa de uma
determinada terra dentro de uma gaveta; segundo, jogava grilos ainda vivos dentro da gaveta e deixavam
eles lá dentro por uma à duas semanas; por fim, tirava o papel que já aparentava estar velho por conta
da sujeira que os grilos fizeram e o coronel com seus capitães do mato invadiam pequenas propriedades
de terras e expulsavam os pequenos agricultores dizendo que ele tinha comprado aquela terra, e que o
documento que estava em suas mãos era a prova.
6. (in)conclusões
Em todas as ocupações que o movimento dos Sem Terra efetuou nesse caso, fica
claro a agilidade que o sistema judiciário atua quando o pano de fundo principal é a
propriedade privada. O problema é que uma parcela da sociedade brasileira “desinfor-
mada” acredita nas “falácias” ditas pelos meios de comunicação de massa, e acabam
reproduzindo o mesmo discurso que criminaliza os Movimentos Sociais. Ademais, al- 1335
gumas decisões respeitaram o princípio do contraditório e da ampla defesa, mas em
outras se quer as famílias acampadas tiveram chances de serem ouvidas.
O grande gargalo das decisões dos Magistrados que decidem contra o MST, é que
esses ou são “esclerosados”, ou esquecem-se da história e de como esse “país conti-
nente” foi se configurando, ou os mesmos se servem da “parcialidade ideologia” vinda
de berço. Para que a Justiça seja de fato justa, as vantagens para uns precisam deixar de
existir e a imparcialidade se potencializar, entretanto, o que verificamos é a parcialidade
reinando em favor da elite brasileira.
Ora, se fizermos um breve levantamento de quem são os Magistrados que julgam
a maioria dos processos contra o MST, verificamos que são grandes proprietários de
terras sejam direta ou indiretamente. Não podemos permitir que decisões que tratam
sobre o direito de “viver” sejam levadas a margem da CRF/88, e o direito de proprieda-
de privada seja alojada no topo do ordenamento jurídico acima do direito à vida.
Destarte, não nos restam dúvidas que as ações promovidas pelo MST além de seres
legítimas, são necessárias para que haja um processo de emancipação humana.
Com todas essas inquietações e levantamentos, apenas nos resta resgatar nova-
mente as palavras da professora Vera Regina em dois momentos: a um, sobre a base
legal que se funda o MST; a dois, qual é o verdadeiro motivo pelo qual famílias, como
dito no começo da nossa pesquisa, arriscam suas vidas por um pedaço de terra. A mes-
ma CRF/88 que reconhece o direito de propriedade, é a mesma – como se fosse uma
concha de retalhos – que segundo Vera Regina reconhece,
43 A vida em baixo de barracos de lona preta não é digna, mas no momento que o Estado atua colocando
em prática alguns direitos sociais proclamados pela CRF/88, essas pessoas começaram a ter dignidade no
seu sentido amplo da palavra.
44 Lembramos em relatório efetuado pela polícia militar que em várias ocupações do MST relatadas, uma das
primeiras atividades é a produção de alimentos, isto é, o plantio.
45 São 7 (sete) famílias de norte ao sul do Brasil que controlam os meios de comunicação de grande escala.
Resumo: Este trabalho abordará o tema da Reforma Agrária. Num primeiro momento
iremos discutir sobre o direito de terra no Brasil desde o Brasil Colônia até a confi-
guração do acesso à terra atual numa perspectiva histórica. No segundo momento a
abordagem será sobre as leis que se relacionam com a reforma agrária especificamente
sobre a política pública atual do PRONERA. Em terceiro e último momento iremos anali-
sar como ocorreu o processo da reforma agrária num estudo de caso, no Assentamento
Antonio Conselheiro, para termos uma dimensão do processo na região de Tangará da
Serra (MT).
Palavras-Chave: Reforma Agrária; leis; políticas públicas; Antonio Conselheiro; PRO-
NERA.
1338
Abstract: This papers will address the issue of land reform. At first we will discuss about
land rights in Brazil since the colonial Brazil to the configuration of the access to the cur-
rent ground in historical perspective. The second time the approach will be about the
laws that relate to specifically agrarian reform on the current public policy PRONERA.
In the third and last time we will examine how was the process of land reform in a case
study, the Settlement Antonio Conselheiro, to have a dimension of the process in Tan-
gara da Serra (MT).
Keywords: Reforma Agrária; leis; políticas públicas; Antonio Conselheiro; PRONERA.
A Coroa Portuguesa distribuiu essas terras em grandes glebas para aqueles que
pudessem cultivá-las e em troca o detentor da sesmaria dava à Coroa um sexto da
produção. Obviamente estes que tinham o direito de receber estas terras eram homens
com posses e aristocratas. Para cultivar a terra utilizavam a mão de obra barata que era
o trabalho escravo, dos negros vindos da África. Perceberam que o trabalho indígena
seria insuficiente para satisfazer seus objetivos, muitos morriam por doenças, suicídio
ou fuga. Os latifúndios surgiram da ideia de sesmarias, ou seja, de grandes porções de
terra com um único dono. O sistema de sesmaria durou por três séculos, tendo fim em
1822, mas não colocou fim aos latifúndios, protegidos desde sempre pelo Estado por- 1339
tuguês e posteriormente pelo Estado brasileiro.
Ainda segundo o Dicionário da Educação no Campo (2012), entenderam que, em Por-
tugal, o sistema de sesmaria foi o passo para a criação das pequenas propriedades, pois
dava a população a chance de sair dos centros urbanos abarrotados de gente devido ao
êxodo rural e voltar para as terras para produzirem nela, trabalharem nela, e já no Brasil,
acabou por ser a origem da criação dos grandes latifúndios que a até hoje perduram.
Segundo Silva, em 17 de julho de 1822, dois meses antes do “grito do Ipiranga”
foi suspensa a concessão de sesmarias no Brasil. Esse período ficou conhecido como o
de “posse da terra” e neste sistema trocavam terras da maneira que lhes agradasse, as
demarcavam a olho nu, as fronteiras eram fictícias ou delimitadas com base em referên-
cias de riachos, montanhas, serras ou florestas. Nesse cenário, Silva também esclarece
que “os novos fazendeiros do café no Rio de Janeiro e São Paulo abarcavam léguas a
fio de terras sem considerar os indígenas que ali viviam. Em Goiás foram, sobretudo, os
criadores de gado que não respeitaram limites algum” (SILVA, 2000, p. 74).
Todo esse cenário, de falta de ordenamento que regulou o uso da terra levou ao
início de muitas lutas armadas por porção de terras, mas não é nesse sentido, que a luta
por terra que se estendeu até hoje. Não podíamos falar em trabalhadores sem-terra e
sim em trabalhadores provenientes do trabalho escravo, da luta entre proprietários e
grileiros e de homens com apoio de bandos armados. Segundo Freitas (2016), o siste-
ma de posse da terra mais uma vez veio como instituto que dificultaria, e na verdade
impossibilitaria o acesso à terra aos trabalhadores dessa própria terra e por isso mesmo:
O MST tem sido muito atuante na busca de seus objetivos de luta pela
terra. Sua história está associada à luta pela Reforma Agrária e ao desen-
volvimento do Brasil. Nasceu da ocupação da terra e se reproduz por meio
da espacialização e da territorialização da luta pela terra. As conquistas de
frações do território do latifúndio e a sua transformação em assentamento
acontecem pela multiplicação de espaços de resistências e de territórios
camponeses (DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2012, p. 498.).
O MST tem sua história voltada a uma série de eventos e lutas que o levaram às
conquistas que podem ser elencadas hoje. O movimento tem seu início no final dos
anos 1970, em uma época de luta contra a política da ditadura militar em relação ao
acesso à terra, o mesmo Estado que tinha criado o Estatuto da Terra em 1964. Segundo
o MST (2016) nunca chegaram a aplicá-lo realmente:
1341
Em setembro de 1979, centenas de agricultores ocupam as granjas Macali
e Brilhante, no Rio Grande do Sul. Em 1981, um novo acampamento surge
no mesmo estado e próximo dessas áreas: a Encruzilhada Natalino. Este
foi o primeiro acampamento com organização em beira de estradas em
um lugar visível (os outro eram sempre em fazendas ou lugares fora da
visibilidade publica), ele esteve estrategicamente localizado em um en-
troncamento rodoviário, onde havia uma grande circulação de ônibus e
veículos, que viam e iam as 4 das maiores cidades estas sendo Passo Fun-
do, Sarandi, Carazinho e Ronda Alta, que cria ligação entre o Rio Grande
do Sul à Santa Catarina, e também estava próximo a outros vários assenta-
mentos da região, sendo esta uma época de luta armada contra o regime
principalmente essa organização era valiosíssima. A Encruzilhada Natalino
veio a ser muito importante em várias ações de seu tempo, inclusive orga-
nizando a que foi a maior manifestação de trabalhadores rurais da história
do estado, até mesmo sendo comparada a as da ABC paulista realizadas
pelo sindicato dos metalúrgicos (MST, 2016)
Segundo o Dicionário da Educação no Campo (2012), a luta pela terra foi muito
difícil entre 1964 e 1985. Essa luta não teve fim, mas se transformaria em uma resistên-
cia contra os grandes latifundiários e contra o agronegócio já que, quando o já citado I
Plano Nacional Da Reforma Agrária (PRNA) foi editado, os trabalhadores rurais se orga-
nizaram para combater a forma de acesso à terra como os grandes proprietários. Eles se
organizaram criando órgãos como a União Democrática Ruralista (UDR) que no tempo
do governo Sarney atacou muito o PRNA para que este não fosse levado adiante.
2 De acordo com o Decreto Nº7.352 em seu art. 1º II, será considerado como escola do campo “aquela situ-
ada em área rural, conforme definida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou
aquela situada em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo. ”
Esta área na verdade ficou conhecida até os dias de hoje na região por apenas “Os
40 Lotes”, e não pelo nome oficial, como propõe a escritora.
Conta-nos um dos entrevistados, morador e pioneiro do assentamento, que o pro-
cesso histórico da criação do assentamento que temos hoje, vem de mais que 20 anos
atrás, no dia 09 de outubro de 1996. Ele esclarece que:
Segundo ele, foi nesse período que as famílias de diferentes culturas e procedên-
cias, nessa época organizadas pelo Movimento Sem-Terra, fizeram sua concentração
nas proximidades da cidade de Nova Olímpia/MT, em frente a um complexo de Olarias
na MT-358. Nesse agrupamento de famílias em busca pela tão sonhada terra havia o
número de aproximadamente 1600 famílias dentre as origens dessas famílias vemos na
trajetória de vida do entrevistado que haviam pessoas de vários lugares do pais inteiro.
O entrevistado ainda enfatizou “eu pesquisando, encontrei moradores no assentamen-
to de origem de 23 estados” (CARVALHO, 2016).
Para viver no assentamento haviam regras a serem cumpridas e decisões a serem
tomadas, e mesmo com todas as dificuldades como a falta de estrutura para se viver,
mesmo que passageiramente ali, por ser muito quente a região, por terem muitas famí-
1345
lias, muitas com crianças vivendo apenas em barracos de lona preta e também o perigo
que era a rodovia extremamente movimentada todo o tempo, e este foi um fator que
levou a saída dos acampados dali, ele tiveram que fazer na rodovia quebra-molas para
diminuir o perigo constante que proviam do trafego de automóveis e foi nesta época
que houve o infortúnio de um acidente envolvendo uma carreta desgovernada e um
caminhão de carga menor, e nesta noite 5 sem-terra morreram e outros 30 acabaram
feridos devido a este acidente.
Freire comenta que:
Nesses mesmos dias, eles viriam a sair deste local pois o decreto de desapropriação
da fazenda havia saído, e eles foram chamadas/convidados a usar provisoriamente um
pequeno espaço dentro da fazenda Tapirapuã, local onde posteriormente se construí
a Escola Ernesto Che Guevara. O número de famílias veio a reduzir, pois alguns foram
mandados a outros assentamentos que já estavam em andamento em outros lugares.
O assentamento Rio Branco, no município de Nova Olímpia é um deles, mas para as
famílias que restaram, eles estavam com dois impasses: primeiro, o fato de ainda serem
acampados usando um lugar cedido a eles, onde as restrições eram muito grandes,
como a negação em se poder cultivar qualquer cultura nesse local ou suas proximida-
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
des apenas tendo o uso do rio para agua e da estrada MT – 359 para locomoção até a
cidade de Tangara da Serra/MT; segundo , a espera para o termo de imissão posse dos
acampados no futuro assentamento. O processo para obtenção de terras a partir da
reforma agraria, segundo o INCRA, segue os seguintes passos:
E por fim o termo de Imissão de Posse, será dado pela Justiça federal assim
que todo o processo anterior estiver cumprido, e aí então o INCRA poderá
dar início a criação do assentamento, por meio de seus projetos e organi-
zação devidamente escolhida.
1346
O INCRA tem uma estimativa que este processo como um todo leve em
torno de 10 meses para ser concluído.
1348
Considerações Finais
Entendemos que é importante o registro do processo de reforma agrária em cada
contexto e local específico. A fala dos assentados acaba por enriquecer dados que ape-
nas estatisticamente e legalmente vem sendo trabalhados ou analisados. Entendemos
também como as leis da reforma agraria veio sendo aplicada no Brasil, e o estudo de
caso nos faz compreender as riquezas e fragilidades do processo de acesso à terra. Por
fim, entendemos necessários proliferar pesquisas de campo e registros desse processo
a partir da visão dos assentados, presidentes de Associação, professores da educação
do campo e lideranças do MST. O intuito desse trabalho foi iniciar as pesquisas nessa
área e compreender a aplicação das leis e as especificidades do processo no Assenta-
mento Antônio Conselheiro.
1350Abstract: This paper addresses the social function of rural property in the State of
Tocantins, the aim is to demonstrate the importance of the social function of rural pro-
perty through an analysis of the agrarian problem in the state. Initially demonstrates
the right to property as a fundamental human right. In the second part, there is a brief
account about the history of land tenure in Brazil and the State of Tocantins. Also in the
second part, there is a special topic on which points the necessary documents to the
statement of the administrative proceedings. Finally, there is the appreciation of the
shares and land regularization programs in the state of Tocantins, in order to facilitate
access to land and the fulfillment of the social function of rural property.
Keywords: Rural property. Social role. Land regularization. Tocantins.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho abordará a questão agrária no Tocantins e a função social da
propriedade rural no Estado. Inicialmente, será tratado sobre o direito à propriedade
como um direito humano fundamental.
No segundo tópico, tem-se a evolução da história agrária no Brasil, uma análise
desde a chegada dos portugueses ao Brasil e suas políticas de distribuição de terras,
com uma análise histórica da legislação até às disposições legais em vigor.
Adiante será analisada a situação agrária no Estado do Tocantins, com um breve
relato a respeito do histórico da regularização fundiária, o quantitativo de áreas regu-
larizadas e a regularizar e o quantitativo de títulos definitivos expedidos pelo Instituto
de Terras do Tocantins e pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário do Estado de Goiás.
Em seguida, serão examinadas questões relativas à problemática enfrentada pelo
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Estado para a regularização fundiária. Também será destinado um tópico especial no
qual apontará os documentos necessários para a instrução do processo administrati-
vo e sua relação com a celeridade do processo. Por fim, serão apreciadas as ações e
programas de regularização fundiária no estado do Tocantins, de modo a viabilizar o
acesso a terra e o cumprimento da função social da propriedade rural.
A importância do caráter social impresso à propriedade evidencia-se no dever do
proprietário de dar à sua propriedade uma função específica. No tocante a propriedade
rural, a exigência desta destinação social torna-se ainda mais perceptível, tendo em
vista o fato de a terra ser, antes de tudo, um bem de produção, que tem como utilidade
própria a produção de bens imprescindíveis à sobrevivência do ser humano.
O tema foi escolhido por ser um assunto pouco explorado em trabalhos acadê-
micos, embora, muito discutido no cenário atual do Estado, sendo que a metodologia
utilizada para a realização do presente trabalho foi a pesquisa de livros e documentos
disponíveis a respeito do tema, além de informações obtidas junto ao órgão responsá-
vel pela regularização fundiária das terras pertencentes ao Estado do Tocantins.
Frisa-se, por fim, que em virtude do Tocantins ser um Estado novo, os materiais de
pesquisa são muito recentes e carecem de material escrito sobre o tema. Foram encon-
tradas dificuldades para obtenção de informações no órgão, devido à descentralização
de informações.
A presente pesquisa caracteriza-se como aplicada, sendo que utiliza os resulta-
dos da pesquisa básica para definir problemas inventariados a aplicações palpáveis 1351
(RICHARDSON, 2012), quanto a sua natureza pode ser identificada como quanti-qua-
litativa. Richardson (2012, p. 90) enfatiza que: “A pesquisa quanti-qualitativa pode ser
caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e ca-
racterísticas situacionais” .
Em relação ao objetivo, a pesquisa é exploratória, haja vista que o levantamento
realizado junto ao Instituto de Terras do Tocantins, foi de caráter exploratório. Quan-
to aos procedimentos, no primeiro momento estão as análises bibliográficas feitas
em publicações, livros, normas, diretrizes e outras referências pertinentes ao tema
proposto. Em seguida, realiza-se a pesquisa exploratória de campo por intermédio
de análise documental e aplicação de questionários com posterior análise dos dados
obtidos.
Cada donatário recebia uma capitania hereditária e tinha o direito de posse, con-
tudo não lhe era concedido à emissão de propriedade, pois esta se mantinha sobre
o domínio da Coroa Portuguesa. Os donatários desfrutavam o direito de proceder à
doação de sesmarias para outros colonizadores. Estas, por sua vez tinham por obje-
tivo, dentre outros, o desenvolvimento de atividades agrícolas, assim os sesmeiros,
como também eram chamados, realizavam a junção dos interesses públicos e priva-
dos (LENZA, 2012).
O período sesmarial se estendeu até o início do século XIX, sendo suspensa a con-
cessão de terras pelo então príncipe Dom. Pedro em julho de 1822, até a regulamen-
tação de uma lei de legitimação de terras no Brasil. Esse sistema gerido por capitanias
perdurou até meados de 1821.
Com a independência do Brasil, em 1822, ocorreu o contrário do que se esperava
no sistema de distribuição de terras, pois, não havendo normatização e regulamenta-
ção de uma lei específica acerca da distribuição fundiária, a posse era a única maneira 1353
de aquisição de terras. Este período foi denominado como Império de posses ou fase
áurea do posseiro (SILVA, 2009). Nesta época ocorreu gradativamente o aumento da
quantidade de posseiros e de grandes propriedades, deixando como marca a formação
de oligarquias rurais no Brasil, no entanto, essas posses não poderiam ser legalizadas,
de acordo com a norma vigente.
Segundo Medeiros (2003), a única delimitação pública existente para a distribuição
de terras era a proibição da ocupação das mesmas, salvo as que fossem compradas
por moeda do Império, favorecendo ainda mais os grandes latifundiários, sendo estes
os únicos que tinham condições financeiras para adquirir tais terras, expandindo ainda
mais suas propriedades.
Desse modo, entre o período de extinção do regime sesmarial até a regulamenta-
ção de uma nova lei, iniciou-se um novo período na história da formação de proprieda-
de no Brasil que se estendeu até 1850, quando surge, enfim, a chamada Lei de Terras.
A elaboração do primeiro Estatuto de Terras do Brasil teve como um dos princi-
pais objetivos buscar novas soluções para os problemas fundiários do Império, visando
coibir o domínio sobre as terras devolutas, com exceção daquelas adquiridas através
de compra e venda, como mencionado anteriormente, e, ainda, legitimar a propriedade
dos detentores de sesmarias não confirmadas; transformar a posse mansa e pacífica,
que muito aconteceu naquele período, em aquisição de domínio.
A Lei n° 601, de 18 de setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras, se tornou
um marco na história do Brasil Império, pois este necessitava não somente reorganizar
essa estrutura, como também dar à terra um caráter mais comercial do que social, como
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
era observado pelos grandes engenhos e latifúndios de pessoas influentes, haja vista o
contexto da sociedade mundial, na qual a Europa, movida pela expansão do capitalis-
mo, vivia uma grande evolução comercial e social (MEDEIROS, 2003).
A Lei nº 601/1850 passou a regulamentar o registro público de todas as terras, pois
previa a delimitação da propriedade no Brasil e a forma de concessão de novas proprie-
dades a partir dessa data. Trazia, também, previsao de legitimar as sesmarias concedidas
que não houvessem caído em comisso, à legitimação de outras posses, principalmente
as que haviam ocorrido no período entre 1822 a 1850, bem como a demarcação das
terras devolutas. A Lei de Terras serviu como instrumento, pois incentivava a entrada de
imigrantes no Brasil, já prevendo o fim do trabalho escravo, tornando-se necessária à
transição para o trabalho livre.
A referida Lei representou uma conquista dos grandes proprietários rurais. Dispôs
que ficariam “proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja
o de compra”, excetuando dessa regra “as terras situadas nos limites do Império com
países estrangeiros em uma zona de dez léguas, as quais poderão ser concedidas gra-
tuitamente” (art. 1º, Lei n° 601/1850). Também trouxe a definição do que poderiam ser
consideradas terras devolutas em seu artigo 3°, in verbis:
Em seu artigo 14, a aludida Lei disciplinava acerca da forma de venda das terras de-
volutas, o Governo ficava autorizado a vender as terras devolutas em hasta pública, ou
fora dela, como e quando julgar mais conveniente, fazendo previamente medir, dividir,
demarcar e descrever a porção das mesmas terras que houver de ser exposta à venda.
Desse modo, fortaleceu o latifúndio nas mãos das classes mais abastadas. Com relação
ao objetivo de impedir a apropriação privada irregular de terras públicas, este jamais
foi alcançado.
Medeiros (2003) explica ainda que, mesmo após a abolição da escravatura, o cenário
de distribuição de terras pouco mudara e que somente na década de 1950, com a chega-
da da industrialização e com maior urbanização do país é que começa um debate junto
à sociedade acerca das questões de terras no Brasil, tendo em vista que nesse período o
foco da economia, antes agrícola, agora passa a ser com insumos, serviços e bens.
Acerca da questão agrária, Lisboa (2012, p. 38) acrescenta que:
Todavia, em 24 de junho de 2013, por meio da Lei n° 2.730, foi instituída a Secretaria
de Desenvolvimento Agrário e Regularização Fundiária – SEDARF, a qual estabelecia as
seguintes providências:
DESCRIÇÃO AREA EM HÁ
Área total do Estado do TO 27.762.091,4000
Área titulada pelo IDAGO 12.356.067,8500
Área titulada pelo ITERTINS 4.108.464,8013
Área titulada pelo INCRA/ GETAT 1.865.147,9000
Área total regularizada 18.329.680,5513
Área total a regularizar 9.432.410,8487
Fonte: Instituto de Terras do Estado do Tocantins - ITERTINS.
2011
ATIVIDADE QUANTIDADE ÁREA (ha) Nº FAM. BENEFICIADAS
TÍTULOS EXPEDIDOS 30 16.630,3537 37
2012
ATIVIDADE QUANTIDADE ÁREA (ha) Nº FAM. BENEFICIADAS
TÍTULOS EXPEDIDOS 285 471.089,6704 356
2013
ATIVIDADE QUANTIDADE ÁREA (ha) Nº FAM. BENEFICIADAS
TÍTULOS EXPEDIDOS 169 44.691,7068 211
2014
ATIVIDADE QUANTIDADE ÁREA (ha) Nº FAM. BENEFICIADAS
TÍTULOS EXPEDIDOS 331 70.179,8685 414
TOTAL 815 602.591,5994 1.018
Tal oscilação não representa índice negativo na produtividade, como podemos ob- 1359
servar no comparativo dos últimos três anos:
Com a chegada dos portugueses no Brasil, toda a terra passou por direito de con-
quista para domínio público de Portugal. Em decorrência disso, inicia-se a formação da
origem da propriedade histórica no Brasil. O processo de ocupação iniciou-se com o
Tratado de Tordesilhas, que traçava uma linha imaginária a 370 léguas de Cabo Verde
e serviria de referência para a divisão das terras entre Portugal e Espanha. As terras a
oeste desta linha ficaram para a Espanha, enquanto as terras a leste eram de Portugal.
Posteriormente, a Coroa Portuguesa cedeu os direitos possessórios de parte das
terras aos moradores das capitanias hereditárias a fim de possibilitar a exploração do
imenso território, transferindo aos colonos enormes glebas de terras denominadas ses-
marias.
Desse modo, a formação da propriedade privada no país, em decorrência da pro-
priedade pública, até 1822, deu-se principalmente pela concessão de sesmarias. Em vir-
tude do alto custo de investimento e com as dificuldades para iniciarem as explorações,
as famílias aquinhoadas com as doações devolveram os lotes recebidos, iniciando o
processo cuja denominação permanece até o momento atual da história: as chamadas
terras devolutas.
Em 1850, Dom Pedro II, por meio da Lei n° 601, de 18 de setembro, dispôs sobre as
terras devolutas no Império e as que eram possuídas por titulo de sesmaria, bem como
aquelas decorrentes do simples título de posse mansa e pacífica, determinando que
fossem medidas e demarcadas e que fossem legitimadas aquelas adquiridas por ocu-
pação primaria, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com
No artigo 13, estabeleceu-se que o Estado faria a organização por freguesias o re-
gistro das terras possuídas, sobre as declarações feitas pelos respectivos possuidores,
impondo multas e penas aos que deixassem de fazer, nos prazos determinados as ditas
declarações ou as fizerem inexatas.
A Lei n° 601/1850, além de definir as terras devolutas, determinou as formas de
reconhecimento do domínio privado, de regularização das situações irregulares e da
titulação dominial. Contudo, somente em 1854, por meio do Decreto nº 1.318, de 30
de janeiro, no capítulo intitulado “Do registro das terras públicas” é que se encarregou
o vigário de cada freguesia para receber declarações para o registro de terras, sendo
atribuída ao vigário de cada freguesia a tarefa de registrar as terras de sua freguesia
apenas, nos termos do art. 97.
1363
Criou-se, então, o chamado registro paroquial ou registro do vigário, com finali-
dade somente estatística, e, que, atualmente, é indevidamente utilizado como se fosse
título de domínio para o ingresso de imóveis no registro imobiliário.
Os registros paroquiais de terras tornaram-se obrigatórios para todos os possui-
dores de terras, qualquer que fosse o título de sua propriedade ou possessão. Eram os
vigários de cada freguesia os encarregados de receber as declarações para o registro de
terras. Cada declaração deveria ter duas cópias iguais, contendo: o nome do possuidor,
designação da freguesia em que estivesse situada; o nome particular da situação, se o
tiver; sua extensão se for conhecida; e seus limites (art. 100, Decreto nº 1.318/1954).
No Estado do Tocantins, o ITERTINS aponta a existência de grandes incidências de
registros paroquiais em vários municípios e que a região sudeste do Estado é onde há
maior concentração de tais registros, ao todo envolve 27 municípios, numa área de
aproximadamente de 2.923.479,0000 ha.
Havendo, ainda, a necessidade de firmação de convênios entre o Governo Federal
e o Governo Estadual por intermédio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, para
efetuação de um diagnostico da realidade fundiária dos municípios tocantinenses que
estão dentro das regiões com incidências de Registros Paroquiais.
Logo, os problemas decorrentes da não efetivação de formal de partilha entre her-
deiros e a venda de seus direitos hereditários, o desconhecimento das terras públicas
devolutas, as áreas aforadas e arrendadas, entre outras, são alguns daqueles problemas
que podem ser exemplificados para caracterizar a complexidade da estrutura fundiária
tocantinense.
4.1.4 Devolução das terras que estão sob o poder da União ao Estado do To-
cantins
O Decreto-Lei n° 1.164, de 01 de abril de 1971, editado pelo Governo Federal, con-
siderava indispensável à segurança nacional, na região da Amazônia Legal, as terras
devolutas situadas na faixa de 100 (cem) quilômetros de largura, em cada eixo das ro-
dovias federais construídas, em construção ou projetadas. Entretanto, posteriormente,
editou-se o Decreto-Lei n° 2.375, de 24 de novembro de 1987, que revogou aquele,
destinando as terras devolutas ora mencionadas ao Estado e transferindo-lhe a título
1364gratuito, as terras não devolutas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho propôs-se a tratar do direito à terra, da questão agrária no
Brasil com enfoque no Estado do Tocantins, bem como da função social da propriedade
rural, este, por sua vez, um direito de grande importância.
Tal direito foi mencionado pela primeira vez na história constitucional brasileira em
1934, no artigo 17, vinculando, a partir de então, o uso da propriedade a sua função
social, ou seja, atrelando o interesse social ou coletivo ao uso da propriedade privada. E
sendo reafirmado pela Carta Magna de 1988, como um direito fundamental de grande
importância, tendo em vista estar inserido, no artigo 5º, inciso XXIII.
Assim, o princípio da função social passa a integrar o rol dos direitos e garan-
tias fundamentais, concedendo-lhe aplicabilidade imediata. De modo que ocorrendo
o descumprimento de sua função social haverá a desapropriação de terras para fins de
reforma agrária de interesse social.
Ao discorrer acerca da evolução histórica agrária e sua função social, percebeu-se
que, apesar de ser um direito fundamental, o direito à propriedade é também um di- 1367
reito social, ou seja, para ser concretizado, requer ações positivas do Estado, vez que
há necessidade da regularização fundiária da propriedade como um dos meios para o
cumprimento de sua função social.
No entanto, nem sempre tais ações são efetivadas, tendo em vista a problemática
enfrentada pelos estados para a regularização. No que tange ao estado do Tocantins,
a problemática gira em torno da devolução de terras que ainda estão sob o poder da
União ao estado do Tocantins (terras devolutas, que estão fora das hipóteses elencada
no art. 20, II, CF/88), a questão das propriedades com Registros Paroquiais e o elevado
número ações discriminatórias ainda sub judice, bem como os problemas enfrentados
com relação às divisas estaduais.
Nota-se o desenvolvimento de programas e ações que visam proporcionar maior
celeridade nos processos administrativos estaduais, a fim de emitir títulos definitivos
de propriedade, assegurando o efetivo cumprimento de sua função social, vez que a
emissão de títulos definitivos garante o pleno domínio sobre o imóvel e proporciona,
assim, o desenvolvimento de atividades produtivas para garantir a geração de renda e,
automaticamente, o crescimento econômico do estado.
Tendo em vista que de posse da escritura da propriedade em seu nome, os pro-
prietários poderão arrendar ou emprestar sua terra a terceiros, impede também a con-
cessão de empréstimos para compra de maquinários, dentre outras possibilidades.Tais
medidas vêm sendo aplicadas gradativamente no estado por meio do órgão responsá-
vel pela execução da política fundiária do Tocantins.
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1369
The environmental damage caused in the Serra do Periperi with the illegal
exploitation of gravel and duty recovery area by court decision
Abstract: The study aimed to analyze the impacts of illegal exploitation of gravel made
by the company Torres Rural Empreendimento LTDA in Serra do Periperi between the
years 2006 and 2007, as well as see if there was a recovery of the degraded area requi-
red by the 1st judicial decision Stick Federal Court of Vitória da Conquista. In addition,
there was the study of degraded area with comparative images between the years 2007,
2010, 2013 and 2016 in order to determine the damage and see if there was compliance
with the court ruling. Therefore, the research sought to observe, from interviews, the
adjacent community Periperi Serra was aware of the judgment of the decision and what
their observations of damage in the region. To achieve these objectives, we used the
qualitative method, which helps the perception of subjectivities of the studied pheno-
menon. The research was also conducted from interviews with municipal government
agencies in order to know the measures taken to combat illegal exploitation of gravel by
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, QUESTÃO AGRÁ-
RIA E CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade
Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
1. Introdução
A extração mineral é uma atividade humana exercida desde a antiguidade, que tem
aumentado significativamente seu papel desenvolvimentista no decorrer da história,
em especial pela evolução das técnicas de exploração, fazendo com que esta passas-
se a ser exercida em larga escala, tornando-se indispensável para a construção civil e
desenvolvimento urbano. Todavia, devido à forma invasiva de sua execução, se tornou
também uma das atividades humanas que mais gera debates entorno dos impactos
ambientais e sociais que produz. Tais questões são potencializadas quando a explo-
ração mineral é exercida sem o correto licenciamento ambiental, o que dá uma nova
dimensão às suas consequências, gerando conflitos socioeconômicos na região explo-
rada e danos ambientais ainda mais intensos, por vezes irreversíveis.
Assim como a maioria das regiões, o município de Vitória da Conquista - Bahia
não está distante destes embates e, diante do rápido crescimento urbano, aliado ao
deficiente Plano Diretor Urbano e a vulnerabilidade de grande parte de seus sistemas
ambientais, possui variados problemas ocasionados pela exploração irregular de recur-
sos. Dentre estes, ganham especial relevo os sérios danos ambientais à fauna, à flora,
1371
ao solo e ao subsolo da região da Fazenda Vitória, localizada à margem da BR-116 e
do anel viário no município de Vitória da Conquista – Bahia, ocasionados pela extração
de calcário de forma irregular nos anos de 2006 e 2007, realizados pela empresa Torres
Empreendimento Rural e Construtora LTDA.
Diante deste cenário de exploração irregular, a justiça federal, na 1ª Vara da Subseção
Judiciária de Vitória da Conquista reconheceu os danos ambientais realizados pela cons-
trutora Torres Empreendimentos Rural e Construtora LTDA, condenando ao pagamento
de 500 mil reais e a obrigação de recuperar a área degradada. A sentença foi prolatada
em março de 2015, em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal.
A partir do exposto, o presente estudo tem por objetivo pesquisa é a análise da
efetividade dos mecanismos de proteção ambiental à luz de um caso real, materializado
pela concretude ou não da sentença judicial que obrigou a Torres Empreendimento a
recuperar os danos ambientais causados por suas atividades. Ademais, foi feito o uso
da legislação ambiental municipal e nacional para tentar solucionar o problema, bem
como avaliar as políticas públicas investidas no local, à luz dos princípios de preserva-
ção, cooperação e prevenção do direito ambiental.
Visando sanar esse questionamento, o estudo foi desenvolvido a partir de uma
pesquisa de campo, na qual foi realizada a observação in lócus da realidade da re-
gião, analisando-se a existência ou não de medidas reparadoras. Além disso, visando
aprimorar e especificar os conhecimentos acerca da problemática, a pesquisa contou
ainda com entrevistas com órgãos públicos do município de Vitória da Conquista, bem
como com a população local, baseando-se em uma abordagem qualitativa. Tal método
Classe VII – substâncias minerais industriais, não incluídas nas classes pre-
cedentes
Com o advento da lei 6.567/1978, a classe II dessa classificação foi incorporada pelo
regime de licenciamento ambiental, devendo evitar danos sérios ao meio ambiente
com a sua danificação dos solos e permitir a recuperação da área degrada, como é
exposto abaixo:
O artigo 225, § 20, CF afirma que aquele que explorar recursos minerais fica obri-
gado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida
pelo órgão publico competente. O decreto No 97.632, de 1989, dispõe sobre a regulamentação do Artigo
2°, inciso VIII, da Lei n° 6.938,de 1981, e dá outras providências; em seu artigo 1o pre-
leciona que os empreendimentos que se destinam à exploração de recursos minerais
deverão, quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental - EIA e do Relatório
do Impacto Ambiental - RIMA, submeter à aprovação do órgão ambiental competente,
plano de recuperação de área degradada.
1379
Recuperação ambiental é um termo geral que designa a aplicação de téc-
nicas de manejo visando tornar um ambiente degradado apto para um
novo uso produtivo, desde que sustentável. Dentre as variantes da recu-
peração, a restauração é entendida como o retorno de uma área degra-
dada às condições existentes antes da degradação, com o mesmo sentido
que se fala da restauração de bens culturais, como edifícios históricos. Em
certas situações, as ações de recuperação podem levar um ambiente de-
gradado a uma condição ambiental melhor do que a situação inicial (mas
somente, é claro, quando a condição inicial for a de um ambiente altera-
do). (SÁNCHEZ, Luis Enrique, 2008, p. 41).
5. Resultados e Discussões
Foram realizadas entrevistas com os órgãos públicos do município de Vitória da
Conquista com o intuito de saber como o Poder Público tem se posicionado com os
impactos ambientais dentro da Serra do Periperi, bem como observar quais as medidas
tomadas de combate à exploração de calcário e areia de forma ilegal, uma vez que
compete ao município também a fiscalização e a proteção do direito ambiental.
O primeiro deles a ser entrevistado foi a SeMMA, órgão municipal que atua tanto
de forma preventiva como também de modo coercitivo, neste caso em parceria com a
Policia Militar e o Ministério Público.
Segundo o Senhor Iragildo Silva Pereira, Gerente de Estudos, Viabilização de Proje-
tos e Promoção da SeMMA, esta realiza a defesa e fiscalização ambiental do município,
mas conta apenas com 5 fiscais os quais desempenham um trabalho em defesa da fau-
na e da flora nativas, principalmente no Parque Municipal da Serra do Periperi coibindo
a caça e captura de animais, a retirada de madeira nativa, a extração de pedra, cascalho
e areia, o descarte de lixo e entulho e as tentativas de invasão e ocupação da Serra. Re-
aliza também a vistoria de empreendimentos e atividades potencialmente poluidoras a
concessão e licenciamento de alvarás e licenciamento ambiental.
1382 No que tange à penalidade atribuída para aqueles que são flagrados praticando
atividades ambientais ilegais no âmbito do Parque, são tomadas as seguintes medidas:
Notificação da gravidade do problema, a qual é enviada para os órgãos competentes
quando necessário e, de acordo com a sentença atribui-se a penalidade.
O segundo órgão a ser entrevistado foi a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos
Hídricos – SEMARH, o qual possui em sua estrutura dois órgãos em funcionamento o
Centro de Recursos Ambientais – CRA, e a Superintendência de Biodiversidade Flores-
tais e Unidade de Conservação – SFC. O primeiro tem como função fiscalizar e conce-
der licenciamento ambiental de empreendimento de potencial poluidor como por ex.
mineração, postos de combustível, indústria de transformação e etc. já o segundo tem
como incumbência autorizar a supressão de vegetação, desenvolvimento florestal e
também o monitoramento das áreas em que está sendo cultivado o eucalipto.
De acordo com o Sr. José Carlos Barreiros, o Coordenador Regional da SEMARH,
a atuação do CRA e da SFC se dá em toda a região Sudoeste, para isto estes órgãos
contam com apenas 7 (sete) profissionais dos quais 3 (três) são fiscais, este número é
insuficiente para atuar com eficácia, mas segundo o Sr. Barreiros, a SEMARH ainda esta
sendo estruturada, pois com a transferência da gestão florestal do IBAMA para o go-
verno do estado houve um aumento de demanda, de modo que esta secretaria está se
organizando para melhor atender.
No momento a SEMARH, vem desenvolvendo alguns projetos, sobretudo no sen-
tido de prevenção ambiental, podendo ser citado o projeto Jovens Ativistas, o qual é
direcionado para alunos das escolas públicas do Município e do Estado. Estes jovens
serão capacitados e posteriormente atuarão como multiplicadores nas suas respectivas
comunidades.
Informante 1: Sim. Eu lembro. Veio aqui e disse que estava legal e acabou
destruindo todo. Até hoje as rachaduras na terra permanecem e deixaram
muito entulho por aí quando foram pegos.
Informante 2: Sim. Foi uma grande confusão nas rádios. Os donos dizendo
que era legal e nós lutamos para denunciar o que estavam fazendo. Fazia
pena. Tinha vezes que os bichos corriam do mato fugindo. Toda hora mor-
ria um na pista.
Informante 3: Teve muitas empresas que exploraram areia aqui. Ainda con-
tinuam explorando. Ás vezes só muda o lugar para não perceberem o que
estão fazendo.
Informante 3: Não. Pensei que as leis nem funcionassem para ricos. Mas,
também ninguém resolveu nada aqui. A prefeitura limpa o local de vez em
quando.
Informante 5: Não sabia. Nem esperava uma atitude assim. Mas, não acho
que a empresa está recuperando nada. Tudo permanece sujo aí. A prefei-
tura que limpa.
1384 Não. Pensei que era uma reserva florestal. Não sei se tem diferença
Sim. A serra é uma área de preservação, mas a cidade cresceu tanto que
esqueceram de preservá-la. A cada dia reduz um pedaço.
Nota-se que a comunidade tem conhecimento dos impactos provocados pelas em-
presas de cascalho, além de identificar a ação danosa de outras empresas. Apesar de
saberem que é uma área de preservação, a população não percebe que há o devido
cuidado com a área, mesmo com a denúncia dos moradores.
1385
1386
Fonte: Acervo de imagens da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista.
6. Considerações finais
A partir das informações colhidas no presente estudo constatou-se a pouca efetiva-
ção da decisão judicial de recuperação da área degradada pela empresa Torres Empre-
endimento Rural e Construtora LTDA, já que a Serra do Periperi não recebeu as medidas
restaurativas devidas. Dessa forma, percebe-se o desrespeito aos princípios basilares de
proteção ao meio ambiente: preservação, cooperação, prevenção, entre outros. Além
disso, nota-se uma clara violação à legislação ambiental municipal e nacional, já que
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2016.
FIGUEREIDO, João. Lei nº 6. 938/81. Brasília: 1988: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
Lorena Lima Moura Varão
Natasha Karenina de Sousa Rego
Resumo: O presente trabalho tem como tema central o caso da luta das mulheres con-
tra o deslocamento compulsório justificado por políticas de desenvolvimento urbano na
Avenida Boa Esperança, Teresina – Piauí em virtude do Programa Lagoas do Norte. Ele
é uma iniciativa da Prefeitura Municipal de Teresina em parceria com o Banco Mundial
que objetiva resolver problemas ligados às áreas ambientais, sociais e urbanísticas de 13
bairros de Teresina, mas desde sua a primeira fase de realização, populações tradicio-
nais, em especial, ribeirinhos, têm manifestado seu descontentamento pela forma como
o Programa tem sido implementado. Objetiva-se analisar o protagonismo das mulheres
na resistência ao deslocamento compulsório justificado como desenvolvimento sus-
tentável na Avenida Boa Esperança, Teresina-PI. A importância do trabalho reside em
documentar o protagonismo da luta das mulheres da Av. Boa Esperança, o que tem
feito deste movimento o referencial nas lutas em prol dos direitos à cidade e à moradia
em Teresina.
1391
Palavras-chave: Mulheres; Boa Esperança; Deslocamento compulsório; Desenvolvi-
mento.
Abstract: This work is focused on the case of women’s struggle against compulsory
displacement justified by urban development policies in Boa Esperança Avenue, Teresina
- Piaui under Lagoas do Norte Lakes Program. It is an initiative of Teresina Municipality
in partnership with the World Bank that aims to solve problems related to environmental
areas, social and urban development of 13 districts of Teresina, but since its the first pha-
se of realization, traditional populations, especially riverine, they have expressed their
discontent for the way the program has been implemented. The objective is to analyze
the role of women in resistance justified compulsory displacement as sustainable de-
velopment in Boa Esperança Avenue, Teresina-PI. The importance of the work lies in
documenting the role of women’s struggle Boa Esperança Avenue, which has made this
movement the reference in the struggle for the rights to the city and housing in Teresina.
Keywords: Women; Boa Esperança; Compulsory displacement; Development.
1. Introdução
O presente trabalho tem como tema central o caso da luta das mulheres contra o
deslocamento compulsório justificado por políticas de desenvolvimento urbano na Ave-
nida Boa Esperança, Teresina - Piauí. Apresenta-se como objeto de estudo o protagonis-
mo das mulheres na resistência ao deslocamento compulsório na Avenida Boa Esperan-
1Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão Povos e Comunidades Tradicionais, Questões Agrárias e Con-
flitos Sócio-Ambientais do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual da
Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Em meio a esse contexto, como evidencia a ONU, no guia “Como atuar em projetos
que envolvem despejos e remoções?”, não se pode ignorar a situação específica dos
grupos em condição de vulnerabilidade. A Relatoria Especial da ONU para Moradia
Adequada (2010, p. 21) considera que “o reassentamento deve garantir que os direitos
humanos das mulheres, crianças, povos indígenas e outros grupos vulneráveis sejam
protegidos de forma equânime, inclusive no seu direito à propriedade e acesso a re-
cursos”.
Para a ONU, alguns grupos ou indivíduos têm dificuldades particulares para exercer
o seu direito à moradia adequada. Como consequência de quem eles são, por questões
de discriminação ou estigma, ou uma combinação desses fatores, enfrentam desafios
desproporcionais na realização de seus direitos. Dessa forma, para proteger o direito à
moradia de forma eficaz, é necessário prestar atenção à situação específica de indivídu-
os e grupos, em particular aqueles que vivem em situações vulneráveis.
O referido guia destaca que, nas remoções, deve-se assegurar que as mulheres:
não sofram violência e discriminação; sejam atendidas em suas necessidades de saúde
materno-infantil, de aconselhamento para vítimas de abuso sexuais, dentre outros; se-
jam cobeneficiárias junto aos homens nos pacotes de compensação; mulheres solteiras
e viúvas tem direito à sua própria compensação; tenham igual e efetiva participação
nos processos de retorno ou restituição, a fim de superar preconceitos domésticos,
comunitários, institucionais, administrativos, jurídicos ou outros baseados no gênero
(RELATORIA ESPECIAL DA ONU PARA MORADIA ADEQUADA, 2010, p.23).
Parte dos atingidos pelo Programa Lagoas do Norte tem se insurgido contra a sua
função não-declarada e a forma como a própria função declarada tem sido implemen-
tada, especialmente pela ausência de consulta da Prefeitura Municipal à população. Em
virtude dos impactos socioambientais que acompanham programas como o referido, o
Banco Mundial, (2001), em seus marcos documentais, entende que as “pessoas desloca-
das deverão ser consultadas extensivamente e deverão ter oportunidades para partici-
par do planeamento e implementação de programas de reassentamento”. Novamente
estes marcos têm sido desrespeitados na implementação do Programa, uma vez que
a Prefeitura tem partido do pressuposto de que os deslocamentos são essenciais, sem
apresentar alternativas, estudos ou mesmo consultar a população.
5. Considerações finais
A luta na Av. Boa Esperança pelos direitos à moradia e à cidade tem se tornado
referência em Teresina e ícone de resistência na luta pelos direitos à cidade e à mora-
1400dia, contra as políticas neodesenvolvimentistas implementadas com verbas do Governo
Federal e do Banco Mundial.
Os moradores e as moradoras da Av. Boa Esperança, área que, de acordo com os
marcos do programa, será afetada pela duplicação desta avenida, têm se organizado
para pleitear a participação real no Lagoas do Norte, especialmente para garantir seus
direitos à moradia e à cidade. A Prefeitura Municipal tem colocado o reassentamento
involuntário destes moradores e moradoras como pressupostos para a duplicação da
Avenida. O próprio Banco Mundial, em seus marcos documentais, aduz que tal medida
tem o caráter excepcional e deve ser evitado sempre que possível, ou então minimiza-
do, explorando-se todas as alternativas viáveis para o design do projeto.
Os moradores e as moradoras da Av. Boa Esperança têm protagonizado pro-
cessos de litigância estratégica em que grupos sociais vulneráveis saem da condição
de apenas atingidos e passam a atuar como protagonistas nos processos decisórios de
interesse público que afetam diretamente o seu modo de vida, de forma que os argu-
mentos passam a ser escutados e debatidos concretamente na sociedade (Cavallaro, J.L.
e Brewer, S. E., 2008).
Esta forma de mobilização social promove debates importantes para o fortaleci-
mento de uma nova cultura de direitos humanos, almejando a democratização, sensi-
bilização e educação dos atores e das atrizes institucionais para lidar com os direitos
de comunidades tradicionais, sem, contudo, deixar de problematizar a educação dos
sujeitos de tais direitos para exigi-los e fomentar o debater sempre que necessário,
diante da agudização do capitalismo que se projeta nos empreendimentos de desen-
volvimento econômico.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Destaca-se que a luta das mulheres contra o deslocamento compulsório tem sido
essencial para a resistência da comunidade inteira perante as ofensivas da Prefeitura
Municipal de Teresina em manter os deslocamentos compulsórios e os reassentamentos
involuntários como pressupostos para a realização da 2ª fase do Programa Lagoas do
Norte. O protagonismo feminino nas tarefas de direção e formulação do movimento tem
sido primordiais para os êxitos alcançados, especialmente a visibilidade que a luta dos
moradores e das moradoras têm na cidade e a própria demora na realização da 2ª fase.
Dentre as perspectivas para a luta destas mulheres, podem-se elencar, dentre ou-
tras,: o fortalecimento constante de todos moradores e todas as moradoras para que
todos e todas estejam plenamente ciente de seus direitos e possam reivindicá-los sem
o intermédio de terceiros; a continuidade da articulação com Ministério Público do
Estado do Piauí, a Defensoria Pública do Estado do Piauí e a articulação de Assessorias
Jurídicas Universitárias Populares e Advogados Populares para que a luta social esteja
alinhada à institucionalidade; e a articulação com outros movimentos sociais da cidade
de Teresina que também pleiteiem os direitos à cidade e à moradia.
6. Referências bibliográficas
ABRAMOVAY, M.; et.al. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para
políticas públicas. Brasília: UNESCO, 2002.
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Resources/210384-1170795590012/op412Portuguese.pdf>. Acesso em 12 jan. 2016. 1401
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periência para reflexão. Concepção e Gestão da Proteção Social Não Contributiva no Brasil. Brasília: Mi-
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PENIDO, Maria de Oliveira; MAIA, Laís Jabace. Os deslocamentos compulsórios e os reassentamentos como
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Encontro Nacional da ANPUR. V. 15 (2013). Disponível em: <http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/
index.php/anais/article/viewFile/4367/4236>. Acesso em 12 jan. 2016.
PREFEITURA MUNICIPAL DE TERESINA. Avaliação ambiental do programa de melhoria da qualidade
Resumo: O Trabalho Escravo Contemporâneo (TEC), apesar de ser proibido por lei,
mantém-se como prática assídua no mundo, realidade que não se distancia da verifi-
cada no Brasil. Todavia, o primeiro caso no estado de Sergipe, no município de Capela,
foi apenas detectado no ano de 2014 na fazenda Taquari. Por conseguinte, o presente
artigo tem como objetivo desvendar a atuação do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária de Sergipe (INCRA/SE) no combate dessa mazela. Enveredando sobre
o intrínseco liame entre o TEC e o descumprimento da função social da propriedade
privada rural. Para tanto, usamos entrevistas semi-estruturadas, observação não parti-
cipante e analise documental aliada à revisão bibliográfica do objeto. Supondo-se que 1403
o uso incorreto da propriedade possa ser causa deflagradora da superexploração pro-
movida por meio do TEC e concluindo-se a reforma agrária como instrumento efetivo
de combate.
Abstract: The Contemporary Slave Labor (CSL), although of been forbbiden by law,
keeps as a assiduous pratice in the world, reality that doesn’t keep way of the one
verified in Brazil. Even tough, the first case in state of Sergipe, in county of Capela, was
detected only in 2014 at Taquari’s farm. Consequently, this present article has the ob-
jective of unveil the operation of Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
de Sergipe (INCRA/SE) in the combat of these evils. Embarking on the intrinsic bond
between the CSL and the noncompliance of the social role of rural private property.
Therefore, was used semistructured interviews, non participant observation and a doc-
umental analysis alied with literarure review of the object. Supposing that the incorrect
use of property may be the igniter cause of the super explotation promoted by means
of CSL and it concluded land reform as an effective combat instrument.
Keywords- Contemporary Slave Labor; Social role of private rural property; Combat ins-
trument; Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária de Sergipe (INCRA/SE).
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão 10. Povos e Comunidades Tradicionais, Questão Agrária e
Conflitos Sócio-Ambientais do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual
da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2 Será adotada essa designação para o presente trabalho, pois em virtude do cenário político e econômico
brasileiro o ministério está passando por reestruturações e aglutinações.
3 Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/05/quase-46-milhoes-vivem-regime-de-escra-
vidao-no-mundo-diz-relatorio.html>. Acessado no dia 06 de junho de 2016.
4 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): o índice de Gini é medida do grau
de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (a desigualdade
máxima). Segundo o IPEA, “No Relatório de Desenvolvimento Humano 2004, elaborado pelo Pnud, o Brasil
aparece com Índice de 0,591, quase no final da lista de 127 países. Apenas sete nações apresentam maior
concentração de renda”. Abaixando para 0,490 em 2014
5 O TEM/SE não participou da ação.
6 Sem financiamento.
7 A saber: a produtividade racional, o respeito às condições trabalhistas, ambientais e sociais.
8 Uwe Flick (2009, p. 62) conceitua triangulação quando: “ (...) implica que os pesquisadores assumam diferen-
tes perspectivas sobre uma questão em estudo ou, de forma mais geral, ao responder a perguntas de pesqui-
sa. Essas perspectivas podem ser substanciadas pelo emprego de vários métodos e/ou em várias abordagens
teóricas. Ambas estão e devem estar ligadas”.
9 O autor designa esse enfoque “começados de níveis diferentes”.
10 As inferências sobre a fala desses três servidores no artigo serão fruto da observação não participante, em
meio a conversas informais.
11 Todas as audiências que ocorreram no período da execução da pesquisa.
12 Sua jurisdição abrange os municípios sergipanos de: Capela, Divina Pastora, General Maynard, Japaratuba,
Laranjeiras, Riachuelo, Pirambu Santa Rosa de Lima, Santo Amaro das Brotas e Siriri. Disponível em: http: <//
trt20.jus.br/22-destaques/5818-conheca-mais-a-vara-do-trabalho-de-maruim>. Acessado no dia 06 de ju-
nho de 2016.
1407
2.2 Conceito
A base do trabalho como hoje vivenciamos remonta ao período da revolução indus-
trial, berço do atual sistema econômico, o capitalismo, fruto das mudanças sociais na
Europa Feudal17. Antes desse período o trabalhador – então camponês artesão – deti-
nha os meios de produção, sua força de trabalho e o produto. Contudo, através de um
duro processo de criação da classe proletária, por meio da acumulação primitiva do ca-
1408pital, mediante elementos como da expropriação de terras e legislações sanguinárias18
o trabalhador passou a ter apenas sua força de trabalho como meio de sobrevivência.
Desta forma, “na evolução da produção capitalista, desenvolve-se uma classe de
trabalhadores que, por educação, tradição, costume, reconhece as exigências daquele
modo de produção como leis naturais evidentes. (MARX, 1996, p. 358). Todavia, Marx
destaca a importância do trabalho para a humanidade e sua mutabilidade, visto que é
intimamente ligado a história e ao ser social, assim uma categoria histórica. O trabalho
é a unidade básica de singularização do ser humano e essa característica distingue-o
dos demais animais. Está além do suprimento das necessidades biológicas e consoante
Netto e Braz (2010, p. 34, grifos dos autores): “O trabalho implica mais que a relação
sociedade/natureza: implica uma interação no marco da própria sociedade, afetando os
seus sujeitos e a sua organização”.
“A relação de exploração ocorre na medida em que a desigualdade é a cena das
relações sociais. Assim, o trabalhador alienado dos meios de produção oferece sua for-
ça de trabalho, que é somente o que tem, em troca de moeda, meio de troca fundante
da sociedade capitalista” (OLIVEIRA; GERMANI; COUTINHO; ARAÚJO, 2015, p. 282). Sua
força de trabalho é a única mercadoria capitalista que adiciona mais valor do que está
16 Apenas homens participaram da amostragem utilizada.
17 Notadamente na Inglaterra e na França.
18 O termo é usado por Marx para caracterizar a legislação penal e trabalhista que fora imposta no período
a qual apresentava severas penas a crimes como vadiagem. “Tantae molis erat [Era tamanha a dificuldade –
tradução livre] para desatar as “eternas leis naturais” do modo de produção capitalista, para completar o pro-
cesso de separação entre trabalhadores e condições de trabalho, para converter, em um dos pólos, os meios
sociais de produção e subsistência em capital e, no pólo oposto, a massa do povo em trabalhadores assalaria-
dos, em “pobres laboriosos” livres, essa obra de arte da história moderna. (MARX, 1996, p.378, grifos do autor)
19 Sobre o assunto, recomenda-se ler: MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política.
20 Tratado por diversos autores e entidades “Dentre os quais destacamos Neiva (1994), Esterci (1999), Mar-
tins (1999), Vilela e Cunha (1999), Figueira (2004), Girardi (2008), além de instituições governamentais (MTE)
e não governamentais: OIT, Anti- Slavery Internacional (ASI), Comissão Pastoral da Terra (CPT), que apontam
visões complementares, ora distintas”. (Girardi;Théry; Théry; Hato, 2015, p. 304)
21 Silva citado por Andrade (2015, p.131) traz a baila as seguintes: “trabalho escravo”; “trabalho em condições
subumanas”; “escravidão por dívida”; “trabalho forçado”; “escravidão branca”; “escravidão contemporânea”;
“redução à condição análoga à de escravo”; “super exploração do trabalho”; “formas contemporâneas de
escravidão”; “nova escravidão”; “trabalho análogo ao de escravo”; “servidão”; “servidão por dívida”; “trabalho
em condições análogas à de escravo”; “trabalho obrigatório”; “senzala amazônica”, “semi-escravidão”; e, “tra-
balho em condições análogas à escravidão”.
22 O tipo penal antes da lei comentada, de 2003, assim era disposto: “Artigo 149. Reduzir alguém à condição
análoga à de escravo”
23 Apesar de Kant fazer parte de um marco teórico diferente do adotado por nosso estudo, utilizamos nesse
excerto em razão da grande importância para o conceito delimitado por Brito Filho.
2.3 Causas
Com relação ao que foi exposto, desde sua gênese o trabalho escravo possui como
fim primordial a produção de excedentes” (ANDRADE, 2015). Gomes Jr e Silva (citados
por SOARES, 2015, p. 199) aduzem que dentre suas causas “(...) temos o não acesso à
terra, um alto índice de pessoas com baixa escolaridade desempregadas, (...) e uma
estrutura fundiária30 que permanece com a distribuição desigual de terra, com alto grau
1412de concentração fundiária no território nacional”. Assim, como destacado, a proprieda-
de e sua relação com os indivíduos e a sociedade é parte inerente ao TEC.
O professor Carlos Haddad (2015, p. 215) assevera que:
Muitos dos problemas associados com o trabalho escravo tem relação não
coma própria escravidão, mas com a intensa pobreza, educação insufi-
ciente, informações falhas e falta de alternativas civilizadas para os mais
desfavorecidos. Em outras palavras, pobreza, exclusão social e a negação
dos direitos humanos podem ser condições necessárias, mas não são con-
dições suficientes para levar as situações análogas à escravidão. Essas cir-
cunstâncias são o adubo do trabalho escravo, mas o crime só é cometido
quando o empregador planta a semente da exploração.
De acordo com os geógrafos Eduardo Girardi, Hervé Théry, Julio Hato e a autora
Neli Théry (2015, p.301 a 304): em relatório preparado pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT) no ano de 2011 fruto de entrevista aos trabalhadores libertados em
condições de trabalho escravo contemporâneo pelo MTE, a maioria deles apontavam
o acesso ao trabalho digno na terra como sua solução (59,6%, somando-se a hipótese
de terem terras para plantar – 46,1 % – e a de emprego rural registrado – 13,5%). Esses
dados evidenciam a inerente relação com a questão agrária no Brasil devido a sua maior
No entanto, o artigo 185 bloqueia a propriedade produtiva desse alvo. Rosim (2013,
p.102) destaca que “Destarte, da análise dos artigos acima transcritos extrai-se a ocor-
rência daquilo que Hans Kelsen (2006) denomina ‘indeterminação não-intencional do
ato de aplicação do Direito’”. Diniz (2011) assevera que: Considerando que a legislação
de que trata a Constituição Federal é a Lei nº 8.629/93, nesse diploma legal encontram-
1414se os critérios e graus noticiados pelo texto constitucional”. Dentre eles o que de que
para haver a produtividade racional do imóvel rural, todos os requisitos estabelecidos
para a função social da propriedade devem ser atendidos.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), trata-se de uma au-
tarquia37 responsável por representar a União em questões como o confisco de terras
através da produção de laudos sobre a atendimento ao cumprimento da função social
da propriedade privada, realizadas por meio de vistorias.
Segundo o parecer, de caráter obrigatório consoante o art. 4238 da Lei Complemen-
tar n°73/93, do Ministério do Desenvolvimento Agrário39/INCRA (BRASIL, 2004) duas
interpretações se destacam dentro do INCRA; a primeira que foca função social na
questão da produtividade foi, infelizmente, consagrada pela prática institucional que
se preocupa com a mensuração dos aspectos concernentes ao GUT (Grau de Utilização
da Terra) e GEE (Grau de Eficiência na Exploração)40, assim como também acontece no
37 Que recebe a definição legal no art5, inciso I, do Decreto-Lei 200, de 25/02/1967, nos seguintes termos:
“serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita própria, para executar
atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão adminis-
trativa e financeira descentralizada”.
38 LC N.°73/93, Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo
Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Esta-
do-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas.
(grifo nosso)
39 Apesar de na data que escrevemos esse texto ele estar instinto, em virtude da conjuntura política brasilei-
ra, esse ministério sempre foi muito importante para a reforma agrária no país.
40 Definidos na Lei n° 8.629/93, nos artigos que seguem: Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela
que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de efi-
ciência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. § 1º O grau de utilização da
terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela
Quando ele [o agrônomo do INCRA] vai fazer um laudo desses, (...) vai
calcular o GUT e o GE, era pra calcular a função social, mas só calcula GUT
e GE, eles entendem essa questão trabalhista e ambiental não regulamen-
tada, então fazem essa dispensa, não apuram. Acham que isso é compe-
tência do MPT, do IBAMA, ou seja, vai calcular a produtividade do imóvel.
(...) por um lado faz uma certa razão também, em que sentido, o GUT e o
GE são muito técnicos. Você joga no sistema a planilha e ele vai te dá [uma
porcentagem]. No GUT, abaixo de 80% ela é improdutiva, no GE, abaixo
de 100% ela é improdutiva. (...) Mas qual o cálculo, por exemplo, quando
se tem normatizado como a área de preservação permanente que [a cor-
respondente a]100 hectares, 90 está preservado e 10 não, e ai, você me diz
que a fazenda descumpriu a função social por causa desses 10? Você tem
10 trabalhadores, 2 não tem carteira assinada, isso já é descumprimento?
Pode levar a ser desapropriado? 1415
Para o uso e gozo dos bens e riquezas particulares o Poder Público impõe normas
e limites e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e
na ordem econômica, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências
coletivas e a reprimir a conduta antissocial da iniciativa particular. (MEIRELES, 2010, P.
644). Nos casos como o da Fazenda Taquari no qual é identificado o TEC ele afronta
diretamente sua função social devendo ser suas terras confiscadas. A desapropriação
em questão... aparece como penalidade. (MELO, 2014, 892)
Com a Emenda Constitucional nº 81, de 2014 dá nova redação ao art. 24341 da
Constituição Federal 2014, possibilitando novo folego a essa luta, pois acrescenta o
Trabalho Escravo no elenco dos motivos para a expropriação, não auferindo qualquer
relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel. § 2º O grau de
eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo
com a seguinte sistemática: I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto
pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada
Microrregião Homogênea; II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais
(UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada
Microrregião Homogênea; III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida
pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.
41 CF Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas
ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e
destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário
e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo
único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpe-
centes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com
destinação específica, na forma da lei.
4 Considerações finais
As pessoas foram habituadas a pensar que o trabalho escravo fora abolido com a
Lei Aurea, história contada em verso e prosa – o que de fato sua legalidade foi extinta
–, todavia, sua aplicação ainda persiste com vigor, inovando-se e passando a adotar
novas configurações. Hoje, previsto como crime conforme o artigo 149 do Código Penal
Brasileiro, são quatro as hipóteses para sua execução: trabalhos forçados, restrição de
locomoção, jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho. Tipo penal criado
fruto da luta de movimentos sociais e autoridades tendo em vista os casos encontrados
em sua prática. No sistema capitalista, todos temos nossa força de trabalho explorada
para produção de excedentes, a mais-valia, contudo a prática do TEC afeta a própria
humanidade do indivíduo.
Nesse contexto, o INCRA pode surgir como verdadeiro combatente dessa prática,
através do ataque ao instrumento central do TEC no meio rural, a propriedade, esta que
já foi considerada como direito absoluto, hoje todo proprietário deve atender a sua
função social da propriedade privada. Quando contrário, esse instituto é o responsável
1416por fazer com que ela seja concretizada através do instrumento do confisco de terras
para uso da reforma agrária. O que possibilita que o trabalhador não seja reinserido
novamente na superexploração que é o TEC, pois uma de suas principais causas é a
desigualdade social e falta de oportunidades de trabalho decente.
Infelizmente, o que foi verificado em Sergipe é que há ainda uma negação da in-
cidência do TEC e nas vistorias de imóveis rurais, realizadas até então, o único critério
balizado é o econômico, através da aferição do GUT e GE. Contudo, esperamos que
com o caso da Fazenda Taquari as instituições públicas do estado possam avançar na
investigação e combate.
5 Referências
ANDRADE, Shirley Silveira. A formação da consciência do trabalhador escravizado rural: reflexões sobre as
potencialidades dos processos formativos desenvolvidos pela comissão Pastoral da Terra no Tocantins. Tese
(doutorado), Programa de Pós-Graduação em Educação: Universidade de Brasília, 2015.
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________. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Procuradoria Federal Especializada junto ao In-
cra. Lei 8629/93 comentada por procuradores federais: uma contribuição da PFE/Incra para o fortalecimento da
reforma agrária e do direito agrário autônomo. Org.: Gilda Diniz. Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária, Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra. Brasília: INCRA, 2011.
________. Lei Complementar Nº 73, De 10 De Fevereiro De 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
Abstract: The present research is part of the research Project “Pertenças ocultas e “et-
nogêneses” identitárias como faces de etnocídio “cordial” Antropologias & Histórias
“em suspenso” entre os Tembé/Tenetehara no Rio Guamá. It’s goal was to understand
the academic categories that correspond to Etnogenesis, Etnocitizenship or Double Cit-
izenship and Juridical Pluralism and to translate the native concepts os justice within
the Tembé/Tenetehara to explain possible approaches. In order to do that it was neces-
sary to know the process of ocupation done by theTembés in the northwestern region
of Pará and the process of colonization that made then targets and was carried out by
the State. From this comprehension it was possible to think of better strategies to act in
field, updating the etnography to develop a participant research. The field was divided
in two moments: the first one consisted of workshops teached at two schools, Odojober
de Souza Botelho and Francisco Nunes, in which the agency of the indigenous children,
who described themselves as belonging to the Tembé people, was highlighted. The
second moment was the visit to the Prata Village, where it was possible to make contact
with the historic of the ocupation in the region. In this way, the work concludes that
the agencies of resistance carried out by the Tembé are fundamental to consolidate the
etnocitizenship of this people.
Keywords: Tembés, Juridical Pluralism, Etnography, Justice.
1 Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, QUESTÃO AGRÁ-
RIA E CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade
Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2. Aprendendo em grupo
É recorrente encontrar em trabalhos de antropólogos a seguinte citação: “... imagine-
se o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento, numa praia tropical próxima
2 É necessário explicitar que o presente artigo apresenta resultados preliminares, pois o projeto ainda está
em curso.
3 Coordenado pela Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão. Processo 303027/2013-4/CNPq cujo período de execução,
compreende: mar. 2014/fev.2018.
4 O termo campo será utilizada neste artigo como a prática da observação participante, que consiste em um
método que possibilita ao pesquisador um mergulho na cultura nativa pesquisada através de um vivenciar
o cotidiano nativo, impregnando-se da mentalidade destes. Devendo viver, falar, pensar e sentir como os
nativos (Goldenberg, 2004).
5 Etnografia é a especialidade da Antropologia, que tem por fim o estudo e a descrição dos povos, sua língua,
raça, religião, e manifestações materiais de suas atividades, é parte ou disciplina integrante da Etnologia é a
forma de descrição da cultura material de um determinado povo. Para Geertz, praticar etnografia não é so-
mente estabelecer relações, selecionar informantes transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos,
manter um diário “ o que define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para
uma “descrição densa” (Geertz, 1989, p. 15)
3. Preparando o Campo
Somado e entrelaçado com o aprendizado em grupo, as leituras feitas permitiram
1422apreender conceitos elementares para o desenvolvimento do campo, construindo uma
linha de analise capaz de balizar os intentos propostos e acertar os contornos iniciais.
Também, a possibilidade de ter acesso a história de ocupação do território Tembé, me-
diante os conhecimentos produzidos pelos pesquisadores do GPCAP, cooperou para
formação de um olhar mais atento e crítico sobre esse povo, pois “só a História pode
nos desvencilhar da História”, (Bourdieu, 2003: p. 6) ajudando a visualizar de que ma-
neia a ação indigenista do Estado “fraturou” a cultura e a dinâmica social dessa etnia,
alcançando uma compreensão mais ampla do seu atual processo de luta por direitos
e resistência/persistência na busca por suas raízes étnicas, culturais e religiosas como
uma constante às novas gerações. (Pacheco de Oliveira & Freire, 2006)
Para compreender a ação colonizadora do Estado sobre o território Tembé é
necessário visualiza-la como um processo que faz parte de um contexto mais amplo
e inserido dentro da lógica indigenista nacional iniciada com a invasão portuguesa no
limiar do século XVI, a qual efetivou saques os povos indígenas com o intuito de gerar
acumulação de riquezas, utilizando a “bala” e a “bíblia”, sem nem um limite, para a rea-
lização desse projeto, tendo como consequência o extermínio de vários povos nativos,
produzindo o genocídio e etonocídio12 e Sendo esse o mesmo modelo de dominação
11 Os Tembé constituem o ramo ocidental dos Tenetehara. O grupo oriental é conhecido por Guajajara. Sua
autodenominação é Tenetehara, que significa gente, índios em geral ou, mais especificamente, Tembé e Gua-
jajara. Tembé, ou sua variante Timbé, constitui um nome que provavelmente lhes foi atribuído pelos regionais.
De acordo com o linguista Max Boudin, timbeb significaria “nariz chato”. Fonte: http://pib.socioambiental.
org/pt/povo/tembe/1021. Acesso dia 18.01.2016.
12 Estimativas apontam que no atual território brasileiro habitavam pelo menos 5 milhões de pessoas, por
ocasião da chegada de Pedro Álvares Cabral, no ano de 1500. Devido as epidemias, a escravização, as ações
missionarias hoje esse contingente populacional está reduzido a pouco mais de 700.000 pessoas (Luciano,
2006).
Dessa forma era possível ao clero livre acesso aos povos indígenas, fomentando a
realização do seu trabalho de catequese e possibilitando a rápida expansão do sistema
colonial, ocupando territórios e defendendo novas fronteiras. Os chamados “aldeamen-
tos”: destinação de áreas onde eram reunidas diversas etnias indígenas em uma única
comunidade sob a administração de ordens religiosas (especialmente de jesuítas) e que
seguiam o chamado regimento das missões, visando, em especial, facilitar o trabalho 1423
de assistência religiosa. (Araújo, 2006).
Esta “assistência religiosa” encarregava as atividades missionária de tentar destruir
as religiões indígenas e aos pajés/xamã, seus guias espirituais, além da conversão das
lideranças étnicas, visando o controle social, a qual não se dava somente via esse meca-
nismo de cooptação das direções políticas e religiosas. Com o intuito de alcançar toda
a aldeia a capitalização dessa estrutura ocorria por meio da educação dos curumins,
como salientam em sua análise Pacheco de Oliveira e Freire:
Esses “aldeamentos” além de destruir as culturas dos povos “cativos”, por meio da
catequese forçada que obrigavam as populações a abandonarem suas crenças espiritu-
ais em prol do Deus de além-mar, reduzia, drasticamente, os territórios indígenas, pois,
inicia nesse período uma prática que vai se estender durante o império e também por
13“As ações do Estado no sentido de “educar” o povo para o trabalho, aliadas a missões religiosas que tinham
um grande interesse nos indígenas da região, deram início, no final do século XIX, à implantação das missões
religiosas dentro do território Tembé” (Fernandes, 2013: p. 22).
3.Campo
O Campo teve como objetivo obter narrativas sobre as categorias acadêmicas cor-
respondentes ao genocídio e etnocídio, buscando compreender os conceitos nativos
correspondentes à justiça, entre os Tembé Tenetehara, os quais impulsiona a ação em
busca do que se chama Etnocidadania ou Dupla cidadania como forma de superação
do processo de colonização exposto acima.
Para isso, foi idealizado inicialmente que dever-se-á buscar entre os Tembé/Te-
netehara ditos de Santa Maria: (1) ouvir narrativas sobre os “tempos antigos” entre
as lideranças tradicionais. (2) Obter depoimentos das lideranças políticas sobre a ca-
tegoria que, entre os indígenas, corresponde à justiça, a direitos, especialmente em
1426oposição aquilo que é considerado injustiça e subtração de direitos. (3) Desvendar as
múltiplas formas de agências produzidas pelos indígenas para enfrentar a homoge-
neização e a acusação de “não ser indígena”.
Contudo, a realidade em campo mostrou outros caminhos para compreender o
conceito nativo de justiça. O contorno inicial buscava colher relatos dos antigos como
meio a essa compreensão, entretanto, esse meio se demonstrou muito “pedregoso”,
pois requeria um maior aprofundamento no cotidiano das aldeias para se chegar a
confiança necessária dos interlocutores, fato que não foi possível. Dessa forma, o
diálogo com as lideranças das aldeias, que ocorreria por meio da Associação In-
dígena Tembé de Santa Maria do Pará (AITESAMPA), organização que possibilita a
representação jurídica dos Tembés frente à sociedade não-indígena, além da atua-
ção na elaboração de estratégias para conquista, defesa dos direitos e interesses da
comunidade (Beltrão; Fernandes; & Silva, 2011), ficou impossibilitado.
Entretanto, por mais difícil que pareçam os caminhos, alguma vereda se vislum-
bra, e surgem novos rumos com perspectivas mais vibrantes e possibilidades mais
atraentes. Durante o campo, foram desenvolvidas oficinas, as quais ministras nas es-
colas Francisco Nunes e Odojober de Souza Botelho por Rosani de Fátima Fernandes e
Diego Andrés León Blanco que tinha como objetivo perceber o processo educacional
de instituições, onde são oferecidas praticas educativas tanto para indígenas como
para não-indígenas como forma de acumular material de pesquisa para a tese de
Rosani Fernandes.
1427
16 Para esse trabalho só será exposto os resultados com a escola Odojober de Souza Botelh.
Por último, foi construída uma reflexão, tanto por Diego León como por Rosani
Fernandes sobre a diversidade cultural. Colocaram para as crianças que a diversidade
1428está em todas as coisas desde a forma de ver uma arvore até a forma que nós nos
vemos. Discutindo que a relação com o mundo nos possibilita entender a diversidade
entre coisas, lugares e pessoas, como parte do nosso entendimento sobre o mundo e
nosso lugar no mundo que se estrutura a partir da nossa cultura. Utilizando para isso as
respostas oferecidas pelas crianças protagonistas da oficina aos desafios apresentados.
Rosani Fernandes mostrou em slides diferentes tipos de pessoas e colocou a importân-
cia da multiplicidade de povos para a construção da igualdade.
O ponto de maior importância, para esse trabalho, foi relacionar as questões da
identidade indígena, informando aos presentes, como a identidade é construída a partir
do indigenismo e como ela é entendida pelos povos indígenas, usando as respostas
das crianças. Rosani Fernandes mostrou fotos de diferentes tipos de moradias: aparta-
mentos, casas de barro, de madeira, de alvenaria, palafitas e indagou às crianças qual
seria a “casa” indígena. Por sua vez, elas responderam de pronto que a “casa” indígena
deveria ser a de barro, resposta que contempla o que se pensa sobre os indígenas que,
não necessariamente, corresponde à realidade. Em seguida, Rosani recolocou as ques-
tões, informando que os indígenas vivem em todos os tipos de moradias apresentadas,
apontando que “ser indígena” não depende de onde se mora, o fato causou estranheza
a algumas crianças, pois abala as convicções passadas em sala de aula.
Posteriormente, foram apresentadas fotos de diversas pessoas: um grupo de indí-
genas em trajes rituais; um indígena colando grau na Universidade; um indígena pes-
quisador, um indígena advogado e um indígena com roupa de festa segurando uma
câmera e perguntou qual das pessoas retratadas seriam indígenas. As crianças aponta-
ram para a foto do grupo em trajes rituais e para a do indígena com a câmera e falaram
18 Um dispositivo que visa organizar unidades espaciais, podendo ser utilizado como máquina de fazer
experiências, modificar o comportamento treinar ou retreinar os indivíduos, podendo ser utilizado para expe-
riências pedagógicas com a utilização de crianças .(Foucault, 2009)
4. Novos contornos
Pode-se aprender, preliminarmente, problematizando algumas questões, como a
relação das populações no entorno das aldeias tembé é importante para a pesquisa, es-
pecialmente, pois a visão que o “outro” (não-indígena) possui pressiona a manutenção
ou não da identidade étnica do povo Tembé, aproveitando para verificar como se dão
as relações interétnicas que podem limitar e/ou impulsionar a afirmação/emancipação
dos indígenas.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Em relação a representação que as criança possuem dos indígenas a grande maioria
colocou o indígena como o ser isolado da sociedade, na figura do homem de tanga,
ideia mantida até mesmo pelas crianças indígenas, mostrando que (talvez) falte uma
educação específica intercultural à sociedade brasileira. Cabe discutir, em relação as
crianças indígenas, duas questões: ou elas não possuem uma educação que construa a
sua identidade de povo tembé ou estavam retraídas com dificuldade de apresentar-se
tembé por estarem entre não-indígenas e por se sentirem inferiorizadas ou por ambos
os motivos e até por outros que se mantiveram invisíveis nesta primeira aproximação.
Analiso que mesmo as crianças que escutamos se afirmando como indígenas ao
responderem as perguntas, em relação a habitação, as pessoas indígenas e ao “ser in-
dígena” de forma estereotipada, mas não se desenharam como o estereótipo, fato que
se relaciona aos direitos diferenciados e do acesso ao mesmo. Entretanto, ao afirmar-se
indígena mostra que o resgate da cultura produzida pelo esforço dos tembé, contribui,
ainda que “timidamente” para o desenvolvimento da dupla cidadania tembé que pos-
sibilitará contribuir para luta por um Estado plural que garanta a autonomia dos povos
indígenas.
Uma questão importante passa pela educação na conformação da identidade cultu-
ral das crianças é como essa educação está sendo trabalhada e se as questões de cida-
dania estão postas de forma liberal ou com alternativas, do tipo dupla cidadania como
direito constitucional. De que maneira as raízes de povo tembé estão sendo reforçadas?
Se que a formação oferecida pela escola essa formação leva em conta a diversidade de
1432sujeitos e em caso afirmativo se as diversidades são colocadas em igualdade, respeitan-
do as diferenças? Esses são questionamentos que tentaremos responder ao longo dos
próximos meses a partir de novos campos.
Referências
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lis, Vozes, pp. 249-356.
1433
Abstract: The aim of this work is to understand how follows the regularization process
of quilombo territory of Santiago do Iguape. The quilombo of Santiago do Iguape, in
the municipality of Cachoeira /BA, master’s research locus, brings in his political career,
a whole history of struggle and resistance to ensure the preservation and titling of qui-
lombo territory and at the same time fighting for a development that respects the spe-
cific characteristics as a traditional community. Currently, suffer threats in its territory,
such as the implementation of a large project in the Federal Extractive Reserve of the
Bay of Iguape (RESEX), the Shipyard Cove do Paraguaçu, located in the vicinity of Iguape
Bay, more precisely in the city of Maragogipe. In this scenario, the traditional communi-
ties living around the Bay of Iguape, experience land and territorial conflicts, which are
caught by vested interests between the state and big business, to the detriment of the
rights of peoples and traditional communities.
Keywords: Quilombola Community. Fight. Resistance.
Introdução
Santiago do Iguape é uma comunidade quilombola que se autorreconhece desde
12/05/2006, sendo considerado o maior distrito do município de Cachoeira/BA. San-
tiago é constituída por pescadores e pescadoras artesanais, marisqueiras, pequenos e
Vale ressaltar, que os nomes das/os interlocutores/as foram substituídos por nomes de lideranças negras,
com o objetivo de preservar a identidade das pessoas que foram entrevistadas e, na perspectiva de garantir
uma simbologia para as guerreiras e os guerreiros que empreenderam as lutas no período escravagista.
4 O Decreto 4887/2003, que define as comunidades quilombolas como grupos étnico-raciais, segundo
critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (art. 2º).
Ainda nos anos 2000, através da mesma Secretaria, é instituída, a partir do Decreto
6040/2007, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comuni-
8 Informações disponibilizadas no site da Fundação Cultural Palmares, através do link: http://www.palmares.
gov.br/?page_id=88
9 Relato etnográfico registrado no período de trabalho de campo da dissertação do mestrado.
10 Fonte: Site da SEPPIR. Criada pela Medida Provisória nº 111, de 21 de março de 2003, convertida na Lei
10.678, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República nasce do
reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro. A data é emblemática, pois em todo o
mundo celebra-se o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, instituído pela Organização
das Nações Unidas (ONU), em memória do Massacre de Shaperville. (Disponível em: http://www.seppir.gov.
br/sobre)
11 Criado em 2004 pelo Governo Federal, sendo coordenado pela Secretaria Especial de Política de Pro-
moção da Igualdade - (SEPPIR).
12 A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial foi criada em 2003, na gestão do ex- presidente
Luís Inácio Lula da Silva. Tendo como objetivo garantir Políticas Afirmativas para a população negra, os povos
e comunidades tradicionais.
13 Fonte: Site da SEPPIR. (Disponível em: http://www.portaldaigualdade.gov.br/)
Além de complexificar a luta pelo território quilombola, pois se, anteriormente ha-
viam três sujeitos envolvidos nos conflitos territoriais, são eles: O Estado, responsável
por garantir as políticas públicas que viabilizem a sustentabilidade das comunidades
quilombolas, principalmente o direito constitucional à terra, regulamentado pelo artigo
68º da Constituição, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que
desencadeou na Política de Regularização Fundiária para comunidades quilombolas, os
latifundiários e a comunidade. Desde 2009, entra em cena o quarto sujeito, o Estaleiro
Naval, que explora, deteriora e destrói o ecossistema (flora, fauna, manguezal) da Baía
do Iguape.
As contradições presentes no discurso do capital hegemônico para garantir a im-
plantação do Estaleiro Naval caminham na contramão das reais necessidades das po-
pulações tradicionais que vivem no entorno da Baía do Iguape.
Abstract: The pretension of universality is characteristic of law and therefore also pres-
ent in environmental legislation. Due to this aspect, the characterization of environmen-
tal damage, the object of environmental protection, and the concept of environment,
don’t include extern categories from social and cultural relations lived by subaltern sub-
jects as peasants, quilombolas, quebradeiras de coco etc. This contrast representations is
approached by ethnographic analysis and political ecology, on the relationship between
man and nature, made by authors such as Antonio Carlos Diegues, Carlos Walter Por-
to-Gonçalves and Enrique Leff. In this sense, the objective is to analyze how environ-
mental laws turns invisible the knowledge of subaltern subjects. To this end, we seek
to investigate in the speech of environmental protection and the brazilian legislation
devices which epistemic framework becomes dominant and also understand opposite
the State rationality, what are the environmental practices of resistance in São Raimun-
do’s community. As a result, is observed that against the failure of environmental legis-
lation, the subaltern subjects seek alternative own protection, use and management of
nature. This time, the methodology consists of the systematization of experiences, field
research, interviews, literature and process researchs.
Keywords: subalternized subjects; environmental legislation; State’s rationality; envi-
ronmental practices of resistance
Entretanto, é necessário questionar que saberes e quem está legitimado para con-
tribuir na produção de tal direito. Porto-Gonçalves (2014, p. 98) destaca que ao homem
é instituído um limite na relação com a natureza, ou seja, “que a sociedade tem limites
Com isso, a proteção jurídica ambiental pelo Estado – por meio de normas, regras
e instituições – representa o meio ambiente alinhado a interesses e associados a con-
textos políticos - como se destaca da germinação do cuidado ambiental na década de
1970. Ou seja, não se furta de representações que expressam a dominação e a legiti-
midade de certas formas de compreender a natureza, consideradas técnica e cientifica-
mente corretas, excluindo diversas manifestações sociais.
1455
2 Representações e representações: grupos e movimentos sociais e proteção
do meio ambiente
No tópico anterior, destacaram-se aspectos a respeito das representações da reali-
dade provenientes do Estado. Em contraponto a estas, existem também representações
por meio da sociedade – a exemplo de grupos e movimentos sociais –, nas quais há
também um cuidado com os componentes naturais, mas sem as mesmas pretensões
das normas racionais, gerais e universais estatais.
A respeito da proteção ambiental, importa destacar os ensinamentos de Diegues
(2000, p. 5), ao destacar que o modelo dominante de Conservação é marcado por alguns
princípios julgados universais, sendo eles: a) a natureza, para ser conservada, deve estar
separada das sociedades humanas; b) a noção de mundo selvagem estabelece que a
natureza selvagem somente pode ser protegida quando separada do convívio humano.
O referido autor afirma, ainda, que tal concepção é marcada por um longo caminho do
relacionamento traçado entre homem e natureza na sociedade ocidental. Assim, uma vez
que inicialmente, esta relação é marcada por uma lógica de dominação e conquista da
natureza, sendo esta sempre vista como algo que necessitava ser domesticado.
Contudo, empreendida tal dominação, há uma constatação de que grande parte da
natureza foi destruída nesse processo de conquista, e surge assim, uma valorização da
“natureza selvagem” (DIEGUES, 2000, p. 5). Essa visão que exalta a “natureza selvagem”
como um “recanto de paz”, longe da sociedade industrial, da cidade de concreto, ex-
pandiu-se no mundo através do conceito de áreas protegidas sem moradores, o que
causou, e ainda causa, inúmeros conflitos.
1 Tais movimentos se caracterizam, em grande parte, por serem encampados por agentes populares, grupos
cuja sobrevivência e sustento depende do ar puro, da terra disponível e de água limpa (ALLIER, 2007, p. 335).
Neste aspecto:
Considerações finais
Conforme observado, a legislação ambiental estatal configura uma forma – e não
única e mais adequada – de representar a natureza e determinar formas de proteção.
Esta redução acarreta na negação e invisibilização de outras relações com a natureza,
que por não terem um fundamento na racionalidade técnica e burocrática, são descar-
tadas enquanto forma adequada de tutela.
Não obstante, o caso de São Raimundo – e das demais comunidades do município
de Urbano Santos – reflete uma relação própria com a natureza, de caráter local, reme-
tendo a um conjunto de ações de manejo dos componentes ambientais. Estas ações
não se fundamentam em normas impostas pelo Estado, mas sim pelo reconhecimento
da própria comunidade da importância dos frutos, árvores, rios etc.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Tais práticas alternativas representam a resistência a imposições econômicas e jurí-
dicas advindas do cenário de conflitos socioambientais envolvendo o avanço do agro-
negócio, do monocultivo e conflitos fundiários no Maranhão – decorrente de décadas
de políticas desenvolvimentistas que afetam diretamente a população camponesa e
tradicional no interior do Estado.
Os discursos de desenvolvimento sustentável são apropriados reiteradas vezes por
empreendedores, como a Suzano Papel e Celulose, mas não refletem um cuidado com
a natureza, pois a significa enquanto recurso econômico, não como base para a vida. É
o que se observa com o cuidado, o manejo e a proteção imprimida por comunidades
camponesas – e, na realidade brasileira, em relação a demais comunidades e povos
tradicionais.
Com isso, os projetos, os programas, o sistema agroflorestal, a criação de regras em
assembleia comunitária e de legislações próprias mostram-se enquanto contraponto e
tentativa de efetivar direitos – relacionados com a natureza, a saúde, a alimentação, o
bem estar – que não são garantidos pura e simplesmente pela atuação do Estado. Há
que se reconhecer tais manifestações sociais (e jurídicas) enquanto formas legítimas de
proteção e de persecução de uma justiça e equidade ambiental.
Referências
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Objetivos:
O trabalho em questão busca analisar a forma que o Estado brasileiro trata os im-
pactos sociais e ambientais quando da realização de grandes obras. Para tanto, anali-
sa-se o caso dos impactos sofridos pela população ribeirinha de Altamira(PA), afetada
pelo aumento do nível das águas do Rio Xingu em decorrência da Construção da Usina
Hidroelétrica de Belo Monte.
A realização do trabalho tem o intuito de desvelar o papel que o Estado cumpre
quando da mediação de interesses dos diversos atores sociais envolvidos, buscando as-
sim compreender como àqueles que são atingidos por Megaprojetos têm seus direitos
protegidos(ou amaçados).
Nesse tocante, entendemos como importante a análise de três momentos relativos
ao processo negociação entre iniciativa privada e atingidos pelos impactos da obra, são
eles, o cadastramento das famílias, a “mesa de negociação” a respeito da indenização e
1466
a efetiva realização da medida compensatória acordada na etapa anterior.
Esses três momentos diferentes de um mesmo processo parecem merecer melhor
atenção uma vez que evidenciam aspectos importantes da função que o Estado, prin-
cipalmente o Direito, tem quando da regulação dos conflitos da sociedade. Subjeti-
vidade jurídica, desmobilização coletiva por meio de individualização das demandas,
criminalização dos movimentos sociais são apenas alguns dos elementos que ganham
contornos mais claros quando se realiza uma análise critica do processo citado acima.
Metodologia:
Para desenvolvimento dos trabalhos são utilizadas três ferramentas metodológicas,
a saber:
Referências bibliográficas
“Sobre a questão da moradia” - Friedrich Engels
“Teoria Geral do Direito e Marxismo” – Eugeny Pachukanis
“Direito Ambiental, Luta Social e Ecossocialismo” - João Alfredo Telles Melo
“Marxismo e direito um estudo sobre Pachukanis” - Márcio Bilharinho Naves
“Megaprojetos de Impacto Urbano e Ambiental: violação de direitos, resistência e possibilidade de defesa
das comunidades impactadas” - Autor(es): Henrique Botelho Frota, Nelson Saule Júnior, Paulo Romeiro, Stacy
Natalie Torres da Silva. Organizador(es): Henrique Botelho Frota, Nelson Saule Júnior, Paulo Romeiro, Stacy
Natalie Torres da Silva
Claudio vieira
Kelly Nancy
Luzia Sena
Marina Novaes
Michele Paiva
Maria Moura
Thaise Souza
Valdinei Costa
1. Objetivos
O presente pôster consolida um trabalho de pesquisa e extensão realizado pela
Faculdade de Direito de Ilhéus, através do projeto Interdisciplinar com objetivo de
apresentar os diversos pontos e contrapontos das relações étnicas raciais, envolvendo
comunidades quilombolas.
Dentre os objetivos do trabalho destacam-se a análise do processo demarcatório
das terras.
1468 2. Metodologia
O presente trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica sob o méto-
do exploratório, além de análise de dados secundários junto a FUNDAÇÃO PALMARES .
3. Conclusões
Analisando o mapa demarcatório de terras quilombolas no Brasil, percebe-se que
o Estado desenvolve um processo lento, com poucas titulações, e um grande conflito
agrário envolvendo essas posses.
4. Referências
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S0104-71831999000100006.
1. Objetivos
O trabalho teve por objetivo analisar a organização das associações de Agricul-
tores familiares no Território Sudoeste Baiano, buscando entender de que forma estas
tem resistido às controvérsias sociais de desenvolvimento, onde o enfrentamento do
avanço do agronegócio tem posição especial, abordando sob uma ótica de sustentabi-
lidade econômica, social e ambiental a luta desses agricultores por uma vivência digna
no campo. Segundo Oliveira (2001), a concentração de terra se dá nas mãos de inúme-
ros grupos econômicos por essas representarem em determinados momentos reserva
de valor e em outros momentos representarem reserva patrimonial, obtendo garantias
de incentivos bancários e governamentais para os mandantes do capital. Dentro desta
lógica capitalista de concentração fundiária, os agricultores familiares passam a sofrer
1469
com a exclusão do mercado e perda da principal fonte de renda, a terra.
Como força que se opõe ao convencional, Silva & Barone (2009) apresentam o
Associativismo Rural como uma alternativa para a luta pela permanência na terra, uma
resistência social, e a colocação da pequena produção agrícola camponesa no circuito
econômico. Porém, no sudoeste baiano as Associações Rurais vem sofrendo com pro-
blemas como a falta de verbas, políticas públicas e projetos de desenvolvimento rural,
sendo esses, fatores de enfraquecimento das associações que ficam impossibilitadas de
contornarem situações relatadas por Assunção Júnior et al. (2014) no que se refere à in-
fraestrutura, acesso a serviços básicos de educação e saúde, e incapacidade de convívio
com a seca que impede a agricultura e a criação de animais, causando assim a saída de
jovens e adultos do meio rural para trabalhar nas cidades.
2. Metodologia
O estudo foi desenvolvido por meio de roteiros de entrevista previamente estru-
turados, em que entrevistou-se presidentes de associações rurais em 19 dos 24 muni-
cípios do Território Sudoeste Baiano, além da participação em reuniões dos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Sustentável (CMDS) e conversas com agricultores fa-
miliares e lideranças.
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão Povos e Comunidades Tradicionais, Questão Agrária
e Conflitos Sócio-Ambientais do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual
da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Referências
ASSUNÇÃO JR, Reinaldo Alves de ; CARVALHO, Franklin Damasceno ; ROCHA, Anelita de Jesus. Caracterização
Socioeconômica da Comunidade Quilombola Tiagos no Município de Ribeirão do Largo –BA. In: III Simpósio
Regional de Desenvolvimento Rural: Políticas Públicas de Pobreza Rural no Nordeste, 2014, Itabaiana. Anais
do III Simpósio Regional de Desenvolvimento Rural.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e
Reforma Agrária. Estudos avançados, v. 15, n. 43, p. 185-206, 2001.
SILVA, Martha Esthela Santos; BARONE, Luis Antônio. Associativismo e organização produtiva em assenta-
mentos rurais: resistência social e políticas públicas na reforma agrária. Retratos de Assentamentos. Arara-
quara: NUPEDOR, p. 349-368, 2009.
1. Objetivos
Esse trabalho têm como objetivo principal a comparação das normas sobre Áreas
Naturais Protegidas dos países Peru e Brasil, e como objetivos secundários: a) o estudo
do desenvolvimento histórico das normas comparadas; b) o análise das correntes de
pensamento plasmadas nas leis de Unidades de Conservação; c) a identificação e análi-
se das semelhanças e diferenças entre as normas comparadas.
2. Metodologia
Escolheu-se como caminho metodológico a revisão de literatura a respeito das ma-
térias propostas, como a legislação pertinente de ambos os países, livros, artigos, revis-
tas, dissertações, entre outras. Também buscou-se informações oficiais das instituições
públicas encarregadas da criação e gestão de Áreas Naturais Protegidas, e a informação
gerada por instituições internacionais reconhecidas por seu trabalho em unidades de 1471
conservação.
O método utilizado é o comparativo, que possibilita o confronto e análise das nor-
mas analisadas. Através deste método, as normas são cotejadas para determinar as
possíveis semelhanças e diferenças, assim como para constatar as relações estabeleci-
das (Bittar, 2006).
3. Conclusões
A extinção de espécies é um padrão ecológico natural que acontece em um longo
lapso de tempo, mas na atualidade a perda de espécies não é mais considerada como
um fenômeno natural, senão, um resultado da apropriação da natureza pelo homem,
na qual ele intervém, modificando substancialmente suas características. O Sistema de
Áreas Naturais Protegidas é destacado como uma das ferramentas mais importantes a
nível mundial para deter o desmatamento e a perda de biodiversidade.
O Sistema de Áreas Protegidas não só é ressaltado por sua importância para deter
a perda de biodiversidade, também se consideram outros múltiplos benefícios obtidos
de sua implantação como a luta contra a pobreza mediante o apoio a melhores meios
de vida, é considerada uma barreira para as doenças, serve de filtro e produtor de agua
doce, ajuda na mitigação de desastres naturais como secas e inundações, e contribui
com a luta contra a mudança climática (Mulongoy,2008).
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão 10 (Povos e comunidades tradicionais, questão
agrária e conflitos socioambientais) do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade
Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
1473
1. Objetivos
O Sistema Municipal de Meio Ambiente, previsto no art. 6º da Lei 6938/81 (BRASIL,
1981), estabelece que o aparato estatal na gestão ambiental local compõe-se de órgão
executor da Política Ambiental e Conselho de Meio Ambiente como órgão de controle
social. Em Itabuna, a Lei 1295 de 2011 regula a Política Municipal de Meio Ambiente e
estabelece os órgãos do seu sistema de meio ambiente. No entanto, a estrutura encon-
tra grandes obstáculos ao seu funcionamento. O órgão executor, a Secretaria de Agri-
cultura e Meio Ambiente, em face da dificuldade de captação de recursos bem como
da posição secundária que ocupa no planejamento e na gestão pública municipal. E
o conselho, em face da fragilidade organizacional da sociedade civil, bem como dos
1474conflitos de interesses diversos das suas finalidades que ocupam o espaço deliberativo
em benefício próprio.
Assim, o trabalho possui como objetivo geral discutir as experiências do Conselho
Municipal de Meio Ambiente de Itabuna (COMAM) sob a ótica do exercício participa-
ção político-institucional da sociedade civil organizada. E como objetivos específicos
analisar o sistema municipal de meio ambiente no Município de Itabuna e a efetivida-
de do controle social, bem como discutir as experiências do COMAM no período de
2014/2016 à luz do Princípio Democrático.
Tais questionamentos são relevantes na medida em que a efetivação das políticas
públicas ambientais no nível local somente serão alcançadas com a participação da
sociedade civil e dos indivíduos como agentes de transformação comprometidos com
o bem estar da cidade e dos cidadãos (ARRETCHE, MILARÉ, MORIN, 2006, 2015, 2015).
2. Metodologia
A pesquisa partiu da abordagem sistêmica e da teoria da complexidade numa análi-
se qualitativa. A partir de observações realizadas no acompanhamento das reuniões or-
dinárias mensais foram feitas anotações de campo, além de entrevistas compreensivas
com os funcionários da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Itabuna.
Referências
1475
BRASIL. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins
e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015. Tradução de Eliane
Lisboa.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015.
ARRETCHE, M. Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. In: SARIAVA,
E.; FERRAREZI, E. (Org.). Políticas Públicas. Brasília: ENAP, v. 2, p. 91-110, 2006
1. Objetivos
A sobrevivência dos povos indígenas no mundo contemporâneo está ligada à pos-
sibilidade de manterem e desenvolverem seus modos de vida, bem assim ao reco-
nhecimento de seus direitos sobre suas terras, lugar em que realizam, constituem e
expressam o ser. A terra, portanto, é lugar de manifestação da cultura, de habitação e
de reprodução material e espiritual. É lugar em que um povo indígena se define e se
produz a si mesmo como organização comunal.
Em meio à luta pela terra, que se configura como uma luta pelo direito de existir
como sujeito, as comunidades indígenas parecem colocar em questão o modo de se
sobrepor de não-índios e as relações de poder que estes e estas tentam estabelecer
sobre povos, seus conhecimentos, seus modos de vida. Da resistência em serem co-
locados à margem, perfaz-se a “questão indígena” e põe-se em debate a episteme
1476dominante, os modelos de “desenvolvimento” que se impõem com a concentração
e exploração de recursos naturais, os efeitos da economia de mercado sobre pessoas
que, com a sua presença no mundo, apresentam outras possibilidades de acesso a bens
materiais e imateriais, mas, sobretudo, de produção da vida concreta.
Assim como a maioria dos grupos indígenas do Brasil, no Estado de Goiás, também
ocorre a resistência indígena às intervenções por parte dos não-índios, especialmente
àquelas que se dão com a expansão da fronteira agrícola e das cidades sobre as terras
indígenas . Especificamente quanto à Terra Indígena Karajá de Aruanã, mesmo depois
de homologada, entre 1998 e 2000, este território tem enfrentado preconceito por
parte da população não-índia e precisa ser defendido de forma persistente em face
do poder econômico local que encara a terra como um objeto a ser parcelado para a
construção de mansões, atracadouros, hotéis, restaurantes, entre outros.
É sobre a luta pelo direito à terra em face da omissão do Estado, bem assim sobre
a capacidade indígena de reelaborar, de se reconstituir culturalmente enquanto povo
em resistência, mesmo estando em situações que lhes são desfavoráveis, que trata o
presente poster.
Sendo assim, os objetivos são:
1. Promover uma aproximação com o problema territorial indígena no Estado de
Goiás;
2. Compreender que papel tem desempenhado o Poder Público na solução ou
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão “Povos e comunidades tradicionais, questão a e
conflitos sócio-ambientais” do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual
da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2. Metodologia
O presente trabalho é expressão de uma proposta de pesquisa de aproximação que
mescla o estudo teórico, que se vale da revisão bibliográfica sobre a questão indígena
no Brasil e no Estado de Goiás, com a análise de documentos existentes em arqui-
vos públicos e/ou porventura já tratados em outras pesquisas que tenham como tema
o conflito territorial entre comunidades de índios e índias e população não-indígena.
Além disso, também é estudada a legislação federal pertinente, bem como a decisão do
STF na Reclamação 3.3371-7/RR, que discute a demarcação da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol em Roraima, para compreender como vem sendo entendido o art. 231 da
Constituição Federal, que trata do reconhecimento das terras indígenas, qual a noção
de territorialidade tem sido constituída do ponto de vista jurídico e que responsabilida-
des devem ser assumidas pelo Estado quanto ao seu implemento.
Por fim, como parte do processo de investigação, são realizados grupos de estudos
coletivos e elaboração de artigos científicos sobre as conclusões parciais e finais alcan- 1477
çadas sobre o tema, bem como a sua apresentação em eventos científicos.
3. Conclusões
Por se tratar de um projeto de pesquisa que está se iniciando, o que se espera
alcançar enquanto resultados é dar visibilidade para conflito territorial indígena, bem
como cooperar para que se possam encontrar os elementos que obstam o exercício
de direitos territoriais por parte de comunidades indígenas em Goiás; contribuir para a
análise de mecanismos que possam garantir a segurança de comunidades de índios e
índias sobre suas terras, bem como para a promoção de sua autonomia, uma vez que
a existência dos povos índígenas está diretamente vinculada à terra como lugar de
reprodução espiritual, material, cultural; perceber como se dá a atuação do Estado nos
conflitos territoriais indígenas em Goiás, assim como verificar se o poder público realiza
como devido as responsabilidades que lhe são atribuídas pela legislação pertinente.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 23/05/2016.
BRASIL. Lei nº 6.001 de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, de 21 dez. 1973. Seção 1, p. 178.
ONU. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos povos indígenas.
ONU. Convenção 169 OIT.
1478
1. Objetivos
Antes mesmo de se consolidar como nação independente, ou mesmo de possuir
ordenamento jurídico próprio, o Brasil se apoiou em leis que se referiam ao negro como
conteúdo patrimonial/elemento servil. Aplicava-se, nas situações em que se observa-
va a necessidade de intervenção jurídica, o conceito de propriedade primeiramente
admitido no Direito Romano. Logo, o negro nada mais era que uma coisa em termos
jurídicos. Sobre isto dissertava MALHEIROS (1866, p.11):
2. Metodologia
O presente projeto fundamenta-se na concepção histórico-jurídica, buscando ana-
lisar a evolução do instituto jurídico em questão, pois, tanto este quanto o fenômeno
histórico “deverá ser reconhecido a partir de uma multiplicidade de tempos, de fontes,
de redes sociais e conceituais”. (DIAS; GUSTIN, 2001: p. 26)
A pesquisa documental tem como premissa o levantamento de dados sobre a le-
gislação referente aos períodos imperial (a escravidão e a luta pela sua liberdade), re-
publicano (o silêncio legislativo) e contemporâneo (adoção de políticas reparatórias).
Neste sentido, o projeto utilizou-se da técnica de observação participante e a apli-
cação do método etnográfico junto às representações políticas e sociais dos grupos
negros existentes hoje em Salvador.
1480
3. Conclusões
Em primeiro, o texto ora apresentado se volta a contextualização de fatos históricos
que ensejaram a luta pelos direitos raciais, desde a supressão dos mesmos até as con-
quistas do período imperial. Posteriormente, observa-se forte tendência a simplificar tais
questões, mediante adoção de políticas públicas, com cerne na conjectura legal e históri-
ca, de modo a aprofundar o tema sob o viés antropológico e dos direitos humanos.
Os pontos discutidos se mostram essenciais à compreensão dos direitos adquiridos,
posto que a lei, como forma de valorização do fato, vide teoria tridimensional do direi-
to, ratificam valores sociais abordados na Constituição Federal.
Deste modo, procedeu-se o levantamento das legislações voltadas ao tratamento
do negro, através de pesquisa bibliográfica e documental, desde o Período Imperial ao
período contemporâneo. Ato contínuo, em busca de aprofundamento teórico sobre
as instâncias políticas, houve contato com uma comunidade quilombola e seus repre-
sentantes. Adentrando esta realidade, portanto, é possível extrair com maior precisão
a demanda social da qual resultam as leis e, em virtude desta conclusão, estudá-las da
melhor forma possível.
4. Referências
GUSTIN. Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re) pensando a pesquisa jurídica. 2.ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006.
MALHEIROS, AMP. A escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social [online]. Rio de Janeiro: Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais, 1866, vol. 1.
1481
Introdução:
Tem sido relatado pela comunidade da APA do Maracanã, vários problemas que
teriam surgido com a construção de condomínios do Programa Minha Casa Minha
Vida, o que provocou mudanças significativas no modo de vida da Comunidade, cuja
reprodução depende das condições naturais e culturais da APA.
A Lei Federal nº 9.985 de 18 de julho de 2000 também regulamentou a criação
das Áreas de Proteção Ambiental (APA) que fazem parte do grupo das UCs. A lei cria
modelos que traçam a maneira como as praticas humanas deve ocupar determinados
espaços territoriais sob um enfoque socioambiental (BRASIL, 2000). A Área de Proteção
Ambiental de acordo com a Legislação Ambiental brasileira é aquela destinada à pre-
1482
servação dos recursos ambientais (fauna, flora, solo e recursos hídricos) e pode apenas
ter uso sustentável, ou seja, seu acesso, ocupação e exploração devem ser controlados
para não prejudicar o ecossistema da área.
Objetivos:
Refletir sobre conflitos socioambientais urbanos decorrentes da expansão urbana
sobre áreas de preservação ambiental; levantar os impactos causados pelos empre-
endimentos imobiliários na APA do Maracanã; identificar os diferentes usos que são
realizados na APA pelos diferentes sujeitos; identificar os agentes envolvidos nos con-
flitos; verificar as mudanças causadas na área de proteção do Maracanã em virtude da
instalação dos empreendimentos imobiliários na área.
Metodologia:
O desenvolvimento da pesquisa ocorreu com leitura e sistematização da bibliogra-
fia relacionada à temática em estudo, atrelado à parte teórica, realizou-se a pesquisa
empírica que consistiu em visitas à área de proteção ambiental; entrevistas com mo-
radores locais e a observação direta dos empreendimentos instalados e os impactos
destes causados aos recursos naturais da APA, como, poluição, destruição dos rios,
derrubadas dos juçarais, cujo fruto faz parte da principal fonte de sustento de grande
parte da população do Maracanã.
Referências:
ACSELRAD, Henri. Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual _Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2003.
BRASIL, Lei Nº 9.985 de 18 de julho de 2000, Publicada no Diário Oficial da União em Brasília em 18 de julho
de 2000.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Ed. Moraes, 1991.
1484LIMA, Helozine Martins Moreira. Do papel aos brejos do Maracanã: estudo sobre as políticas públicas de
ecoturismo na área de proteção ambiental do Maracanã. Trabalho de conclusão de curso. (Graduação em
Turismo, UFMA), 2000.
LIMA, Rosirene Martins Lima. Conflitos socioambientais urbanos: O lugar como categoria de análise da
produção de Curitiba/ Jardim Icaraí_São Luís: Edições Uema, 2008.
Objetivos
As comunidades de remanescentes de quilombos trazem em seu modo de vida
uma tradição transmitida por anos de luta por sobrevivência, em especial a ancestra-
lidade africana, cuja agricultura é totalmente diferente dos modelos atualmente de-
fendidos pelo agronegócio (ROCHA et al., 2014). Para essas comunidades, assim como
para muitas outras comunidades do meio rural a escassez de água é uma das maiores
limitações para alcançar o desenvolvimento social e econômico.
Segundo ANA (2006), à preservação do acesso, do gerenciamento e a valorização
da água, amplia a compreensão e a prática da convivência sustentável e solidária com o
ecossistema do semi-árido. Sendo assim, levar novas tecnologias para melhor aprovei-
tamento da água, e sua reutilização na produção agrícola, a partir da filtragem natural 1485
das águas servidas dos chuveiros e pias, se constitui como uma importante alternativa
de convivência com a escassez de água. O que antes seria jogado na natureza, com
possibilidades de gerar situações poluidoras, retorna para ser utilizada na molhação de
canteiros de hortaliças.
Diante do exposto, a realização do projeto tem por objetivo a inserção de uma
atividade produtiva nas propriedades quilombolas com a reutilização da água da pia
da cozinha para manutenção de um canteiro econômico com produção agroecológica
de hortaliças. Dessa forma espera-se que a família consuma normalmente as hortaliças
produzidas, melhorando a qualidade nutricional da alimentação, tornando a proprie-
dade produtiva, e elevando a sua auto-estima. Acredita-se que após o domínio deste
processo a família poderá replicá-lo no intuito de gerar excedentes que possam ser
comercializados.
2. Metodologia
Através do convênio entre o PROEXT do Ministério da Educação e a Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), e pareceria como o Núcleo de Extensão em
Desenvolvimento Territorial, está sendo desenvolvido o projeto de extensão Estratégias
para Indução ao Desenvolvimento Rural Sustentável através do Fortalecimento Comu-
nitário com Base na Produção Agroecológica, e Apoio à Comercialização dos Agriculto-
res Familiares no Território de Vitória da Conquista – Bahia, que tem parte das ações re-
alizadas em comunidades quilombolas pertencentes aos 24 municípios que compõem
o atualmente denominado de Território Sudoeste Baiano.
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
Para realização destas ações foram selecionadas 16 comunidades quilombolas, sen-
do cada uma em município do território. As comunidades quilombolas selecionadas
foram: Água Doce (Anagé), Baixa Seca (Vitória da Conquista), Bomba (Belo Campo),
Brejinhos (Encruzilhada), Cinzento (Planalto), Lagoa do Jataí (Cândido Sales), Lajinha
(Piripá), Mumbuca (Bom Jesus da Serra), Peri Peri (Presidente Jânio Quadros), Quenta
sol (Tremedal), São Domingos (Mortugaba), Serra Negra (Aracatu), Sossego (Barra do
Choça), Tamboril (Condeúba) Thiagos (Ribeirão do Largo) e Vassouras (Poções). Nessas
comunidades estão sendo beneficiadas 10 famílias, com a capacitação em agroecologia
e doação dos materiais necessários para a construção dos filtros e dos canteiros, totali-
zando assim 160 famílias diretamente beneficiadas pelo projeto.
Realizaram-se visitas para leitura de paisagem e observação sistemática das comu-
nidades quilombolas, buscando melhor conhecer a realidade local. Foi realizada aplica-
ção de questionários que possibilitaram conhecer mais detalhadamente a organização
da comunidade e sua situação socioeconômica. Posteriormente foram realizadas reuni-
ões com os moradores para apresentar o projeto e saber do interesse e disponibilidade
em estar participando das atividades do mesmo.
Estão sendo realizados cursos para as famílias beneficiadas e para outros membros
das comunidades, onde são tratados temas como a produção de hortaliças de forma
agroecológica na propriedade, esclarecimento sobre as cultivares a serem utilizadas e
recomendações técnicas para o plantio, preparo de sementeira, semeadura, preparo de
solo dos canteiros, tratos culturais, noções de espaçamento, utilização de consórcio,
1486
identificação e controle de pragas através de catação manual, produção e utilização de
adubação orgânica, controle natural de pragas, entre outros.
Também estão sendo realizadas capacitações sobre a construção e utilização do
filtro e de canteiros econômicos nas comunidades. Os filtros, para reciclagem da água
servida, são construídos de areia, solo, brita e matéria orgânica, com o objetivo de
retirar o excesso de sais contido na água, principalmente pela utilização de sabão in-
dustrializado. Os canteiros, onde serão plantadas hortaliças, são caracterizados por uma
escavação no solo com 7,00 m de comprimento X 1,20 m de largura X 0,20 m de profun-
didade, recoberto com lona plástica. Sobre a lona é colocado, no sentido longitudinal,
um tubo de esgoto de 40 mm x 6,00 m, furado em dois lados paralelos, de 0,20 em 0,20
m, ao longo de seu comprimento, com uma curva nas extremidades, e um tubo de 1 m
em cada curva para receber a água de reuso.
3. Conclusões
Com base nas ações realizadas até o presente momento foi possível confirmar,
através dos relatos dos quilombolas, o quanto a carência de recursos hídricos e de as-
sistência técnica limita as atividades agrícolas tradicionalmente desenvolvidas por eles.
Desse modo, tem sido observado a importância de incentivar e orientar essas famílias
a aumentar suas produções de hortaliças de forma sustentável, considerando que o
sistema proposto permite a produção de alimentos saudáveis durante todo o ano com
baixo consumo de água.
1487
Adriano Pereira
Fabiana Rebouças
Fábio Damascena de Carvalho
Juliana de Oliveira Gonçalves
1. Objetivos
A historiadora Tânia Pacheco (2007) em seu artigo intitulado “Desigualdade, injusti-
ça ambiental e racismo: uma luta que transcende a cor” nos afirma que enfrentar a injus-
tiça e o Racismo Ambiental é um desafio para todos nós, independentemente das cores
das nossas peles. As raízes culturais que os alimentam são fundas, entranhadas nas
luzes ofuscantes e enganadoras do ‘espírito do capitalismo’. De acordo com a autora,
ter clareza desse fato e combatê-lo é base fundamental para a construção do processo
democrático e da verdadeira cidadania. É nesse sentido que vale ressaltar a importância
de se juntar -movimentos sociais, ONGs e universidade -, para discutir essas questões.
1488 Considerando a problemática trazida por Pacheco (2007), esse trabalho tem como
objetivo estudar uma comunidade quilombola que compõe o trio da Batalha - conjun-
to de comunidades quilombolas na cidade de Vitória da Conquista/BA2, que incluem:
Ribeirão do Paneleiro, Batalha e Lagoa do Arroz -, trazendo à tona seus aspectos histó-
ricos, suas resistências e suas conquistas na luta pela legitimação de suas terras e dos
seus costumes.
A comunidade de Ribeirão dos Paneleiros, foco desse trabalho, é uma comunidade
remanescente indígena e quilombola que depende fundamentalmente do uso da ter-
ra, plantio, manejo de animais, pesca, caça, uso da agua dos riachos, busca de lenha e
argila para confecção de panelas de barro, e vem ao longo do tempo perdendo parte
da sua identidade cultural e sofrendo grandes dificuldades de se manter devido às im-
posições dos fazendeiros que se apropriaram de suas terras.
2. Metodologia
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica em artigos científicos e em sítios de pes-
quisa, bem como a captação de depoimentos dos moradores da comunidade quilom-
bola Ribeirão dos Paneleiros.
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão “Povos e comunidades tradicionais questão agrária
e conflitos sócio-ambientais” do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Estadual
da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
2 Vitória da Conquista: 3ª maior cidade do estado da Bahia, localizada no sudoeste do Estado, com popula-
ção estimada em 2015 de 343.230 habitantes (IBGE).
Referências
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua consequência frente à situação proprie-
tária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
CENTRO BERNARD E AUDRE RAPOPORT PARA DIREITOS HUMANOS.Entre o direito e as suas terras: A luta
das comunidades quilombolas pelo seu direito à terra. Disponível em: http://www.cpisp.org.br/acoes/upload/
arquivos/Quilombo_Report_Summary_Final_Trad_.pdf Acesso: 15 abril 2016.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Bahia: Vitória da Conquista, 2016. Disponível em:
<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=293330> Acesso: 10 Abril 2016.
O´DWYER, Eliane Cantorino. Introdução - os quilombos e a prática profissional dos antropólogos. In:. O´-
DWYER, Eliane Cantorino (Org.).Quilombos – identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Fundação
FGV, 2002. p, 18-19.
OLIVEIRA, Renata Ferreira de.Nas trilhas da memória: Identidade e História Indígena no Planalto da Conquis-
ta (Século XX). Disponível em: http://anpuhba.org/wp-content/uploads/2013/12/Renata-Ferreira-de-Oliveira.
pdf. Acesso: 06. Jan. 2015.
______. Batalha: Memória e Identidade Indígena no Planalto da Conquista. Monografia de finalização de curso,
UESB, Vitória da Conquista, 2009.
OLIVEIRA, Renata Ferreira de, SOUSA, Adilson Amorim de, Batalha: Memória e Identidade Indígena no
1490
1. Objetivos
As mulheres têm se despertado para formatar movimentos de mobilização em
torno de objetivos comuns, por diversas motivações identitárias (mulheres extrativis-
tas, artesãs, pescadoras, agricultoras familiares, da floresta, das águas, etc.), unindo-se
numa teia complexa de relações entre elas e entre seus parceiros domésticos (maridos e
companheiros) e institucionais (associações, governos, Redes). Um exemplo desta nova
configuração é a Rede de Mulheres de Comunidades Extrativistas e Pesqueiras do Sul
da Bahia.
Entendendo-se que, para se compreender a sustentabilidade, não se pode ape-
nas levar em conta a utilização contínua dos recursos naturais e a justa repartição dos
ganhos econômicos, mas também fatores culturais (HALL, 2011), de bem-estar (JARA,
2001; SEN, 2010), de relações de poder entre gêneros (BOURDIEU, 2002; CASTELLS,
1491
2010; COSTA, 2000; WEBER, 2004) e o reconhecimento das limitações ecológicas do
espaço ocupado (AMEX, 2013), e partindo-se do estudo singularizado dessa Rede de
Mulheres, tem-se como objetivo geral deste trabalho identificar que fatores dificultam
ou impedem que mulheres se unam em movimentos de mobilização em torno de ob-
jetivos comuns.
Como objetivos específicos, procurou-se: a) avaliar o processo de formação e atu-
ação da Rede de Mulheres de Comunidades Extrativistas e Pesqueiras do sul da Bahia;
b) verificar e analisar a presença ou não de novo arranjo identitário das mulheres ma-
risqueiras e pescadoras e de suas famílias após a Rede; c) buscar estabelecer relações
entre o empoderamento feminino, por meio da formação de Redes.
2. Metodologia
Fez-se necessário um aporte teórico que permitisse a concepção conceitual de sus-
tentabilidade, desenvolvimento, capital social, identidade e gênero, a fim de dar susten-
tação à investigação. As análises foram feitas a partir de levantamento de documentos
de constituição da Rede, tais como projetos submetidos a agências financiadoras e
relatórios, os quais serviram de aporte para as informações extraídas de entrevistas se-
miestruturadas aplicadas em dois grupos: com mulheres consideradas líderes da Rede,
e com mulheres identificadas como participantes da Rede. As entrevistas seguiram um
roteiro pré-elaborado, por meio de visitas às entrevistadas e em eventos promovidos
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão10 (Povos e comunidades tradicionais, questão
agrária e conflitos socioambientais) do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade
Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
3. Conclusões
O caminho para o tecimento da Rede de Mulheres Pescadoras e Marisqueiras não
seguiu sem que houvesse obstáculos. Segundo as entrevistadas, houve desafios a se-
rem superados cujas principais dificuldades encontradas foram: comodismo existente
nas mulheres, o descrédito em relação a propostas coletivas, dificuldades com tempo
e família (filhos para tomar conta e dificuldades impostas pelos maridos) e questões
econômicas (ocupação, distância, transporte, falta de dinheiro), sendo que as ques-
tões econômicas ocorreram mais vezes. De fato, em ambos os grupos é recorrente a
manifestação de falta de recursos, problemas com transporte e falta de comunicação.
Os problemas de ordem econômica, que abrangem tanto a questão financeira quanto
estrutural, parece ser a principal causa de desmobilização. As entrevistadas relatam que
a distância entre as comunidades e a concentração das atividades da Rede na cidade de
Canavieiras, também, têm sido um fator de desmotivação das marisqueiras, o que pode
acarretar no esvaziamento da Rede, bem como ser um empecilho a novas adesões. Essa
distância dificulta, inclusive, os processos de comunicação com as comunidades.
Outro conflito é de ordem política. Nas caminhadas de mobilização as lideranças
1492 se depararam também com rejeições à Rede, decorrentes de sua ligação direta com a
Reserva Extrativista - Resex, que, de certa forma, estabeleceu um perfil das mulheres
que vieram a aderir à proposta da Rede, ou seja, quem era a favor da Resex participava
da Rede e quem não era a favor, não aceitou a proposta de adesão. A desmotivação
das mulheres não existia, apenas, em virtude da existência da Resex. Fatores como des-
crença nas propostas e possíveis resultados da Rede e condições financeiras, sendo
elas relacionadas a benefícios ou a dificuldades, também foram barreiras na adesão de
mulheres à Rede em formação, as quais se mantêm como um empecilho nos intentos
da Rede.
Nesse caminho a Rede também convive com conflitos internos, alguns deles que já
levaram ao afastamento de antigas lideranças, em que as informantes de alguma forma
sugeriram que o motivo foi o fato de ter havido um “esquecimento” das mais velhas pe-
las mais novas, que “tomaram conta” das coisas e não chamam mais para as atividades,
algumas daquelas que começaram tudo.
Confirmando a influência da tradição patriarcal, muitas mulheres ainda não se li-
garam à Rede por medo e impedimento dos seus companheiros, que tentam ou já
tentaram impedir a participação delas, inclusive com violência física. De acordo com
algumas lideranças, a dominação masculina é muito patente em suas comunidades;
em outras, é negada. Mas infelizmente a possibilidade de mudança no jogo de poder
doméstico dá lugar às proibições e atos de violência, mesmo que não física. Verifica-se
ainda, em alguns casos, o sentimento de posse de maridos/companheiros sobre suas
mulheres, como se fossem donos de suas vontades. Em outros casos, se nota também o
próprio consentimento das dominadas, através do reforço à divisão sexual do trabalho,
colocando as tarefas domésticas como empecilho, colaborando para a manutenção do
ANAIS DO VI SEMINÁRIO DIREITOS, PESQUISA E MOVIMENTOS SOCIAIS
campo de poder estabelecido. A superação dessas limitações pode se dar através do
empoderamento das mulheres, por ações de educação, participação política e engaja-
mento, além do incremento de suas atividades econômicas.
Referências
ASSOCIAÇÃO MÃE DOS EXTRATIVISTAS DA RESEX DE CANAVIEIRAS. Projeto Análise Socioeconômica da
Rede de Mulheres Pescadoras e Marisqueiras do Sul da Bahia. Canavieiras, AMEX, 2013.
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
CASTELLS, M. O poder da Identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
COSTA, A. A. Gênero, poder e empoderamento das mulheres. Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a
Mulher . NEIM/UFBA, 2000. Disponível em: http://www.neim.ufba.br/wp/wp-content/uploads/2013/11/texto-
sapoio1.pdf. Acesso em: 20 mar. 2014
HALL, S. A identidade cultural na pós – modernidade. Rio de Janeiro: DPeA, 2011.
JARA, C.J. As dimensões intangíveis do desenvolvimento sustentável. Brasília: IICA, 2001.
MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.
SEN, A. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
WEBER, M. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. V.2. São Paulo, Imprensa
Oficial, 2004.
1493
Eric Bezerra
Iasmin Neves
Marcos Amorim
Rebeca Froes
Robert Solidade
Vanessa Guimarãe
Ioná Gonçalves Santos Silva
1. Objetivos
O presente pôster consolida um trabalho de pesquisa realizado pela disciplina de
Direito Ambiental do Curso de Direito da Faculdade de Ilhéus, com objetivo de apresen-
tar os diversos pontos e contrapontos das injustiças ambientais presentes no Município
de Ilhéus. Dentre os objetivos do trabalho destacam-se a análise sobre o que é injustiça
ambiental, caracterização das injustiças ambientais no município de Ilhéus e sugestões
de melhorias da qualidade ambiental no município.
1494
2. Metodologia
O presente trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica sob o méto-
do exploratório, além de análise de dados secundários junto ao IBGE e à SEMA.
3. Conclusões
O conceito de justiça ambiental desenvolveu-se a partir das lutas por direitos civis
da população negra dos Estados Unidos na década de 1960, quando as populações
mais pobres percebeu que os resíduos tóxicos proveniente da industria, eram deposi-
tados em seu território.
As transformações ambientais no município de Ilhéus não são resultados apenas
do desequilibro devido a população urbana e rural. Resulta de problemas econômicos,
sociais e políticos.
Assim, as soluções de vários problemas ambientais dependem de evolução socio-
política, institucional, administrativa e econômica.
1495
Resumo: O presente artigo tem como objetivo identificar e analisar os avanços e re-
trocessos na luta pela reforma agrária na conjuntura atual, observando o papel politico
desempenhado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e o olhar da
mídia para os mesmo, e as áreas de conflitos, massacre de Eldorados dos Carajás também
serão temas apresentados, já que se fazem necessários para uma melhor compreensão
sobre a história da reforma agrária até os dias atuais. Constatando-se que em um país
de dimensões continentais como o Brasil, a Reforma Agrária ainda não aconteceu. Sem
priorizar a reforma agrária, que muitas vezes garante a moradia de milhares num local
apropriado por uma só família, não é possível transformar o Brasil num país melhor.
Palavras-Chave: Reforma Agrária, mídia, Massacre, trabalhadores.
Abstract: This article aims to identify and analyze the advances and setbacks in the
struggle for agrarian reform in the current economic climate, noting the political role
played by the Landless workers movement (MST), and the media to look the same,
1496and the conflict areas, Eldorados dos Carajás massacre are also themes presented, as
is required for a better understanding of the history of agrarian reform to the present
day. Noting that in a country of continental dimensions such as Brazil, land reform has
not yet happened. Without prioritize land reform, which often ensures the housing of
thousands in a place suitable for one family, it is not possible to transform Brazil into a
better country.
Keyword: agrarian reform, media, Massacre, workers.
Referências
MST. Princípios da educação no MST. Caderno de Educação, Porto Alegre, n.8, 1999.
CALDART, R. S. Intencionalidades na formação de educadores do campo. Cadernos do ITERRA, Veranópolis,
ano VII, n. 11, 2007.
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4504. htm..Acessado em 04 de maio de 2016, às 19:30min.
http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/questao-agraria/historico-da-questao-agraria
www.incra.gov.br>reformaagraria.m.suapesquisa.acessado em 15 de abril 2016, às 21h30min.
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/05/07/coronel-condenado-por-massacre-de-ca-
rajas-epreso-no-para.htm.Acesso em-15 de abril de 16, às 15h20min.
www.mst.org.br/nossa-historia.Acesso- em 20 de abril de 16, as 15h00min.
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RIBEIRO, Paulo Silvino. “O MST no Brasil”; Brasil Escola. Disponível em http://brasilescola.uol.com.br/sociolo-
gia/mst.htm . Acesso em 05 de junho de 2016.
1. Objetivos
O presente pôster consolida um trabalho de pesquisa realizado pela disciplina de
Direito Ambiental do Curso de Direito da Faculdade de Ilhéus, com objetivo de apresen-
tar os diversos pontos e contrapontos da demarcação da Terra Indígena Tupinambá de
Olivença em Ilhéus na Bahia.
Dentre os objetivos do trabalho destaca-se a atividade de analisar aspectos sociais,
ambientais e jurídicos das retomadas executadas pelos indigenas em áreas particulares
nas cidades envolvidas no processo demarcatório.
2. Metodologia
1497
O presente trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica sob o méto-
do exploratório, além de análise documental da FUNAI.
3. Conclusões
Após o reconhecimento étnico, em 2002, o processo demarcatório enfrenta impug-
nações judiciais , o que atrasou a delimitação das áreas. Essa morosidade tem provo-
cado muitos conflitos agrários entre indígenas e não-indígenas, pois ocorrem invasões
por parte dos índios, com morte e violência às propriedades e às pessoas.
Sem indenização das áreas invadidas, os agricultores passam por dificuldades fi-
nanceiras, pois sem terra e sem apoio do governo, estabilizam uma situação de miséria.
O processo de territorialização envolve os município s de Una, Buerarema e Ilheus.
Referências
AMBIENTE BRASIL. Índios invadem sede da Funai em Ilhéus/BA. Disponível em: http://www.ambienteemfoco.
com.br/?p=4547 . Acesso em: 19/03/2016.
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (CIMI). Povo Tupinambá de Olivença intensifica o processo de reto-
madas do seu território no Sul da Bahia. Disponível em: http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/
acervo.php?id=6551.Acessoem: 19/03/2016.
1498
1. Objetivos
A Pegada Ecológica é uma estratégia que mede a quantidade de recursos naturais
renováveis para manter nosso estilo de vida.
O presente pôster consolida um trabalho de pesquisa realizado pela disciplina de
Direito Ambiental do Curso de Direito da Faculdade de Ilhéus, com objetivo de provocar
a discussão sobre o consumo sustentável. 1499
O trabalho objetivava o estudo da estratégia denominada Pegada Ecológica, por
MathisWilliam Rees e Mathis Wackernagel (1996) , e em seguida a aplicação de ques-
tionário, exposto no site da organização internacional WWF, aos alunos do quinto
semestre do Curso de Direito da Faculdade de Ilhéus, para o conhecimento do perfil de
consumo da turma em comparação com os índices nacional e internacional.
2. Metodologia
O presente trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, aplicação
de questionários pré formulado, e utilização da calculadora presente no site da função
pegada ecológica.
A idéia básica apresentada pelos autores, MathisWilliam Rees e Mathis Wackernagel
(1996) é que todo indivíduo ou região, ao desenvolver seus diferenciados processos,
tem um impacto sobre a Terra, através dos recursos usados e dos desperdícios gerados.
Para chegar-se à Pegada Ecológica, calcula-se em hectares a quantidade de terra e água
produtivas utilizada para a obtenção dos recursos consumidos, assim como para a ab-
sorção dos resíduos gerados, devendo ser, de maneira geral, menor do que sua porção
de superfície ecologicamente produtiva.
Utilizamos o estudo de caso para fundamentar a caracterização do perfil da turma
do quinto período, enquanto entrevistados.
1 Resumo de pôster apresentado ao Espaço de Discussão POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, QUES-
TÃO AGRÁRIA E CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS do VI Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais,
Universidade Estadual da Bahia, Vitória da Conquista, 23 a 27 de agosto de 2016.
Referências
BRASIL.Agenda 21, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, O caso do Bra-
sil: perguntas e respostas, Brasília, MMA, 1998.
Wackernagel M.; Rees W., Our ecological footprint, The new catalyst bioregional series, Gabriola Island, B.C.:
New Society Publishers, 1996.
Cristiane Kleba Lisboa e Mirian Vizintim Fernandes Barros, «A pegada ecológica como instrumento de
avaliação ambiental para a cidade de Londrina», Confins [Online], 8 2010, posto online no dia 16 Março 2010,
consultado o 06 Junho 2016. URL: http://confins.revues.org/6395; DOI: 10.4000/confins.6395
Calcule sua Pegada Ecológica. Disponível em http://www.pegadaecologica.org.br/2015/index.php
WWF. Living Planet Report, 2006. Disponível em: <http://www.panda.org/news_facts/publications/living_pla-
net_report/index.cfm> BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Dis-
ponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10/05/2015.
1500
1. Objetivos
O presente pôster consolida um trabalho de pesquisa realizado pela disciplina de
Direito Ambiental do Curso de Direito da Faculdade de Ilhéus, com objetivo de apre-
sentar os diversos pontos e contrapontos do Licenciamento Ambiental do Porto Sul em
Ilhéus na Bahia.
1501
Dentre os objetivos do trabalho destaca-se a atividade de analisar o EIA/RIMA do
empreeendimento Porto Sul, selecionando os impactos positivos e negativos, além de
demonstrar as medidas judiciais envolvidas no caso.
2. Metodologia
O presente trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica sob o méto-
do exploratório, além de análise documental do EIA/RIMA.
3. Conclusões
Diante dos estudos feitos em relação ao licenciamento Ambiental do empreendi-
mento Porto Sul, chegamos às seguintes conclusões:
A construção do Porto Sul trará grande desenvolvimento para a região, entretanto
haverá impactos negativos como alterações climáticas, assoreamento de mananciais,
extinção de animais além diversas formas de poluição.
1502
Resumo: O texto aborda reflexões e interpretações de obras de Marx & Engels no sen-
tido de explicitar as concepções desenvolvidas por estes autores a respeito da análise
sobre o capitalismo e suas dimensões na prática social da classe trabalhadora/operária.
Para tanto, destacamos as seguintes questões-problema: Como se explicita a relação
entre trabalho e produção material? Que aspectos dessa relação são identificados como
rupturas e continuidades estruturais entre projetos de sociedade? Como as relações de
produção capitalistas produzem alienação? Para explorar estas questões foi realizado
um caminho teórico que buscou resgatar dos clássicos e contemporâneos do marxismo
suas concepções históricas e filosóficas.
Palavras-chave: Capitalismo. Trabalho. Produção. Alienação.
Abstract: The text covers reflections and interpretations of works by Marx & Engels
in order to clarify the concepts developed by these authors regarding the analysis of
capitalism and its dimensions in the social practice of the proletarian/working class.
Therefore, we highlight the following problem issues: How can the relationship between
labor and material production be made explicit? Which aspects of this relationship are 1505
identified as structural ruptures and continuities in society projects? How do capitalist
production relations produce alienation? To explore these issues, a theoretical path is
followed rescuing from classical and contemporary Marxism its historical and philoso-
phical conceptions.
Keywords: Capitalism. Labor. Production. Alienation.
Marx apud Manacorda (1991, p. 45) define: “o trabalho é o homem que se perdeu 1507
de si mesmo”. Podemos assim concluir, também, que a concepção de trabalho [deter-
minada pelas circunstâncias dominantes] para Marx é trabalho estranho e alienado3,
esta expressão aparece em diversos de seus textos dando significado a sua crítica à
propriedade privada, a divisão do trabalho, em fim, ao sistema capitalista.
A construção da sociedade capitalista se fez representar por um processo histórico
calcado no poder de uma classe (burguesa), a qual se reconhece como hegemônica/do-
minante, sobre outra (proletária), despossuída de propriedade, de bens materiais, enfim
do capital. Em especial são estas relações sociais - produtoras de divisão de classe, de tra-
balho manual e intelectual - que levam Marx & Engels (l989) a concluir que a propriedade
privada é o principal motivo de alienação do ser social, assim como é também o motivo
de estranhamento de homens e mulheres em relação a sua própria produção objetiva.
Em decorrência do próprio processo histórico orientado pela classe hegemônica,
Marx e Engels (1989, p. 56), em “A Ideologia Alemã”, apresentam a seguinte compre-
ensão sobre o ser social e sua construção, dizendo: “as circunstâncias fazem os homens
assim como os homens fazem as circunstâncias”, e por esta visão afirmam que
ser social se desenvolvem, à medida que surge e se explicita a práxis social, a partir do ser natural, tornando-
se cada vez mais claramente social” (Lukács, 1979, p.17 ), explica o autor. O que ocorre pelo ato da posição
teleológica do trabalho, surgindo daí o ser social. Essa forma para Lukács, “da posição teleológica enquanto
transformação material da realidade é, em temos ontológicos, algo radicalmente novo” (idem).
3 Segundo Manacorda (1991), Marx já expressava nos Manuscritos de 1844 que o processo histórico da
alienação havia perdido toda a aparência de “manifestação pessoal”, para ser a única forma possível, embora
negativa, da manifestação pessoal, onde o trabalho “subsume” os indivíduos sob uma determinada classe
social, predestinando-se à “membros” de uma classe, a uma condição que somente poderá ser eliminada se
houver a superação da propriedade privada e do próprio trabalho.
Partindo da afirmação de Marx que o capital não é uma coisa e sim uma relação
social, Napoleone (1981) acrescenta que: