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21-48
DIALÉTICA E HERMENÊUTICA
Ernildo Stein
1 - INTRODUÇÃO
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e hermenêutica representam os dois caminhos através dos quais o de-
bate atual sobre a questão d o método c o m o instrumento de produ-
ção de racionalidade, através da convergência entre filosofia e ciên-
cias humanas, se desenvolve numa esfera que transcende a fragmenta-
ção dos procedimentos científicos em geral. É possível, portanto,
desenvolver uma questão filosófica relevante, pela análise das rela-
ções, das diferenças e d o universo c o m u m do pensamento crítico-dia-
lético e da hermenêutica filosófica.
2 - C R I T I C A E HISTORIA
Perguntando por este fudamento, que não pode ser encontrado fora
da história, coloca-se a questão dos limites e da justificação da c r í t i -
ca da ideologia. Certamente Marx, ao fazer a sua crítica da economia
política a partir do materialismo histórico, apresenta-se com preten-
sões de validade dotadas de alcance universal. Esta universalidade da
c r í t i c a , entretanto, só se pode conceber como uma universalidade
sui generis, pois, de um lado, essa explicação universal, ao mesmo
tempo c r í t i c a , pretende atingir todos os fenômenos tanto da mate-
rialidade infra-estrutural como da idealidade supra-estrutural; e de
o u t r o lado, deve-se fundar, de algum m o d o , o caráter racional desta
universalidade, isto é, as proposições do materialismo histórico de-
vem apresentar uma consistência e uma coerência que garanta a sua
justificação como discurso.
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neiras: de um lado, pela intransparência do dado que o gera, e de ou-
t r o lado, pelo m u n d o categorial de procedência histórica determina-
da que ele utiliza.
3 - DIFERENÇA E MEDIAÇÃO
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f r o n t o , como veremos, não excludente, mas antes busca de comple-
mentaridade, apesar da pretensão de universalidade apresentada tan-
t o pela crítica c o m o pela hermenêutica.
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hermenêutico. Ela instaurou desde sempre, uma proximidade entre
ambos. De tal maneira que um não pode operar sem o o u t r o . Portan-
t o , tanto na filosofia crítica c o m o na filosofia hermenêutica, aparece
o ideal da reflexão enquanto busca da racionalidade. Apenas a refle-
xão crítica acentua a diferença, o contraste e a reflexão hermenêutica
acentua a identidade. O método c r í t i c o se apresenta basicamente co-
mo um instrumento para detectar a ruptura do sentido, enquanto o
método hermenêutico busca nos muitos sentidos a unidade perdida.
Essa estrutura ambivalente da razão humana enquanto reflexão, f u n -
da ou ao menos justifica a pretensão de universalidade t a n t o da crí-
tica como da hermenêutica.
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possibilidades de que dispõe a reflexão para se encontrar com a rea-
lidade histórica: em vez de refletir sobre conteúdos abstratos que se
lhe opõem, procura tornar-se conscientes dos condicionamentos que
determinam sua posição dentro da constelação histórica. Através da
compreensão, á hermenêutica procura atingir o sentido que nos vem
do passado e que abrange, n u m único m o v i m e n t o , aquele que com-
preende e aquilo que é compreendido. A pretensão de universalidade
da hermenêutica nasce precisamente desta tendência integradora. De
algum m o d o , t u d o deve ser compreensível. A i n d a que Gadamer afir-
me: "Ser que pode ser compreendido é linguagem". " A pretensão
de uma unidade abrangente, a hermenêutica crê poder defender par-
ticularmente pelo fato de ela mesma, como teoria não se fazer dis-
tinguir virtualmente do complexo tematizado pela compreensão".(4)
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tuação hermenêutica), a crítica da economia burguesa, para a partir
dela, compreender os modos anteriores de produção, refaz o mesmo
caminho hermenêutico. Mas a substancialidade que determina toda
subjetividade não é a que se constitui pela sedimentação dos sentidos
passados que agem na subjetividade, e sim as condições materiais que
determinam as consciências. Portanto: "Refazer, para trás, o caminho
da Fenomenologia do Espírito de Hegel até mostrar em toda subjeti-
vidade a 'substancialidade' (materialidade das relações, E. S.) que a
determina".
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e práxis, não é estabelecida retoricamente a partir das pretensões de
filosofias d o absoluto. O método dialético, c o m o também o método
hermenêutico, trabalham sobre u m plano em que há propriamente
apenas o h o m e m . É claro, uma tal redução d o espaço da teoria traz
consigo t a m b é m novas possibilidades de uma ampliação da produção
de racionalidade a partir da integração e da convergência entre filo-
sofia e ciências humanas, convergência que vem substituir a pseu-
do-racionalidade e transparência de u m t i p o de discurso que parte
de dois pressupostos excluídos do campo hermenêutico e do campo
dialético: o p o n t o de partida d o m u n d o natural ou o ponto de par-
tida do m u n d o teológico.
6 - T E X T O S QUE D O C U M E N T A M A C O N T R O V É R S I A
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fundamentos teóricos d o trabalho das ciências humanas com a fina-
lidade de converter os conhecimentos assim adquiridos, em prática;
se resulta alguma conseqüência prática das presentes investigações,
elas não saberiam em nenhum caso, conduzir a u m engagement
não-científico mas, ao contrário, reconhecer, por probidade 'cientí-
fica', o engajamento que está em obra, em t o d o o trabalho de com-
preensão. Minha ambição autêntica f o i e continua sendo de nature-
za filosófica: o que está em questão não é o que fazemos nem o que
devemos fazer, mas o que nos sobrevem além de nosso querer e de
nosso fazer" (7).
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seu par de volumes que vem com o t í t u l o Teoria do Agir Comuni-
cativo (1981) (14), sendo que o primeiro volume traz c o m o subtí-
t u l o Racionalidade do Agir e Racionalização Social e o segundo vo-
lume. Sobre a Crítica da Razão Funcionalista, repito muitos aspec-
tos ali abordados repõem questões da hermenêutica sobretudo a
partir d o que ele chama de "idealismo hermenêutico da sociologia
compreensiva".
7 - 0 N Ú C L E O D A H E R M E N Ê U T I C A F I L O S Ó F I C A DE
GADAMER
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falso que pode ter drásticas conseqüências já que sobre ele não se re-
flete, ficando por isso desapercebido. O iluminismo, c o n t u d o , pensa
poder situar-se n u m p o n t o de vista fora da história.
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Habermas reconhecendo embora, e aqui, implicitamente, o alcance
da hermenêutica, teme que sua auto-suficiência ontológica (herança
heideggeriana do pensamento de Gadamer), a afaste do debate re-
levante com as questões d o método nas ciências. É assim que Ha-
bermas, n u m t e x t o bem recente, exige e constata na obra de Gada-
mer, uma "urbanização da província heideggeriana" (20).
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ainda mais radical na introdução: " O que está em questão não é o
que fazemos nem o que devemos fazer, mas o que nos sobrevem além
de nosso querer e nosso fazer" (23).
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tica, de uma outra maneira: " N ã o existe proposição possível que
não possa ser compreendida c o m o resposta a uma pergunta, e só
assim a proposição pode ser c o m p r e e n d i d a " (31).
10 - OS L I M I T E S D A C R I T I C A S E G U N D O G A D A M E R
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entre si e disto conclui que não é a hermenêutica, mas a crítica das
ideologias que apresenta a perspectiva mais ampla.
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nário Histórico da Filosofia (36). A í temos a seguinte afirmação:
" U m a nova importância conquistou o problema hermenêutico no
campo da lógica das ciências humanas. Pois, também a crítica da
ideologia de inspiração marxista concorda c o m a crítica hermenêu-
tica do objetivismo ingênuo nas ciências humanas, ainda que a crí-
tica da ideologia discuta a pretensão de universalidade da hermenêu-
tica, acusando-a de 'idealista' e oferece o modelo da psicanálise para
legitimar a pretensão social-crítica de uma hermenêutica bem enten-
dida: Discurso livre de coerção e racional deve 'curar' a falsa consci-
ência social, do mesmo m o d o como o diálogo psicoterapêutico con-
duz o doente de volta para a comunidade do diálogo. Efetivamente,
o curar pelo diálogo é u m fenômeno eminentemente hermenêutico
para o qual, sobretudo, Ricoeur e Lacan discutiram novamente as
bases teóricas. É claro que o alcance da analogia entre doenças do
espírito e doenças da sociedade é d u v i d o s o " .
11 - A S R E A L I Z A Ç Õ E S P O S I T I V A S D A H E R M E N Ê U T I C A
SEGUNDO HABERMAS
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de posições que o fazem reconhecer as realizações positivas da her-
menêutica. Entre elas poderíamos enumerar, segundo Habei mas, as
seguintes:
12 - OS L I M I T E S D A H E R M E N Ê U T I C A S E G U N D O H A B E R M A S
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linguagens fechados para uma linguagem do m u n d o da vida, coloca
a hermenêutica diante de questões inteiramente novas. " A consciên-
cia hermenêutica nasce da nossa reflexão sobre nosso m o v i m e n t o em
meio às linguagens naturais, enquanto a interpretação das ciências
deve produzir para o m u n d o da vida a mediação entre linguagem na-
tural e sistemas de linguagem monologicos. Este processo de tradução
ultrapassa os limites da arte retórica-hermenêutica que tem c o m o ob-
jeto próprio apenas a cultura constituída e herdada no c o n t e x t o da
linguaguem o r d i n á r i a " (41).
13 - A C R I T I C A É POSSÍVEL E É N E C E S S Á R I A
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o lugar ou a época e a c u l t u r a " (43). Habermas atribui à razão huma-
na uma força transcendental. " A hermenêutica, por assim dizer, bate,
a partir de d e n t r o , nas paredes do c o n t e x t o da tradição; tendo expe-
rimentado e reconhecido estes limites, ela não pode mais colocar co-
mo absolutas as tradições c u l t u r a i s " (44). A experiência destes limi-
tes significa para Habermas, a superação da hermenêutica. A reflexão
entra então em questão e não como hermenêutica, mas c o m o crítica.
É nesse c o n t e x t o que Habermas afirma: " A substancialidade se dissol-
ve na reflexão, porque essa não apenas c o n f i r m a mas também rompe
forças dogmáticas" (45). Lembremos aqui que Habermas, a seu mo-
d o , recorre à condição ambivalente da razão a que aludimos nas pá-
ginas iniciais de nosso trabalho: a razão que c o n f i r m a , une, e a razão
que contesta, dissocia.
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de da hermenêutica e traçar seus limites. C o m o ainda lembramos a
crítica de Habermas à posição de Gadamer diante da autoridade e do
preconceito, podemos remeter a argumentação, que aqui chegou ao
seu eixo fundamental, para contestar a posição da hermenêutica dian-
te da autoridade e do preconceito. E então sim, poderíamos concor-
dar com Gadamer: dada a condição prévia, condição somente produ-
zida pela c r í t i c a , no d o m í n i o coletivo, isto é, a comunicação livre de
dominação, então sim razão e autoridade, conhecimento e poder
convergiriam. C o m o argumento final, citemos esta passagem dura e
luminosa de AIbrecht Wellmer: " A ilustração sabia o que a herme-
nêutica esquece: que o 'diálogo' que segundo Gadamer 'somos', tam-
bém é um c o n t e x t o de violência e nisto não é d i á l o g o . . . A pretensão
de universalidade do p o n t o de partida só pode ser sustentada quando
se parte d o fato de que o c o n t e x t o da tradição, enquanto o lugar da
possível verdade e acordo f á t i c o , é t a m b é m , ao mesmo t e m p o , o lu-
gar da inverdade fática e da violência constante" (47).
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14 - H E R M E N Ê U T I C A E D I A L É T I C A E A R E A B I L I T A Ç Ã O
DA FILOSOFIA
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ciências humanas, é o que se leva dentro da intenção de analisar a
controvérsia entre hermenêutica e dialética.
NOTAS
(1) Para e x p l i c i t a ç ã o d a e s t r u t u r a p o l a r d a r e f l e x ã o s i r v o - m e d o t e x t o d e B U B -
N E R , Philosophie ist ihre Zeit, in Gedanken erfasst ( F i l o s o f i a é seu t e m p o
44
a p r e e n d i d o e m p e n s a m e n t o s ) , in Hermeneutik und Dialektik, Vol. 1, pp.
317-342.
(2) V e r I d . , i b i d . , p. 3 2 6 .
(3) A p u d B u b n e r , I d . , i b i d . , p. 3 2 4 .
(4) I d . , i b i d . , p. 3 2 9 .
(8) I d . , I b i d . , p. 2 7 4 .
(16) I d . i b i d . , p. 2 5 5 .
45
(17) I d . , i b i d . , p. 2 6 3 .
(22) I d . , i b i d . , p. 4 6 5 .
(23) I d . , i b i d . , p. X V I .
(26) I d . , i b i d . , p. 2 8 5 .
(28) I d . , i b i d . , p. 4 5 0 .
(29) I d . , i b i d . , p. 4 5 0 .
(30) I d . , i b i d . , p. 4 5 0 .
(33) I d . , i b i d . , p. 1 1 8 .
(34) I d . , i b i d . , p. 1 2 9 .
(35) I d . , i b i d . , p. 1 3 0 .
46
(38) H A B E R M A S , Universalitãtsanspruch der Hermeneutik, p. 7 9 .
(39) ld.,ibid.,p.79.
(40) ld.,ibid.,p.83.
(42) I d . , i b i d . , p p . 8 3 sgs.
(44) I d . , i b i d . , p. 2 8 7 .
(45) I d . , i b i d . , p. 2 8 4 .
(46) I d . , i b i d . , p. 2 8 9 .
BIBLIOGRAFIA
47
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8. H A B E R M A S , J ü r g e n , Der Universalitãtsanspruch der Hermeneutik ( A pre-
tensão d e u n i v e r s a l i d a d e d a h e r m e n ê u t i c a ) , in Hermeneutik und Dialetktik
V o l . I , p p . 7 1 - 1 0 3 , T ü b i n g e n , J . C . B . M o h r (Paul S i e b e c k ) , 1 9 7 0 .
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