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AJÊ í / f C / ' ( /
VOL. 155

Moldar a juventude: a Ratio Studiorum


NOHMIO DALLAHRU
IA

J. S1LV0RA DE BH1TD
Dos consumidores que somos
,1 CHFSPODF CARVALHO
José Régio e a Moda
PMOlS-ALMfflt
Principia Ethica de G. E. Moore
ALFREUQ DINIS SJ

Dezembro 2 0 0 2
BROTÉRIA, SECÇÕES

Ao longo da sua história, na arrumação dos números da


Brotéria, foram aparecendo secções que normalmente agrupa-
vam, ou crónicas regulares sobre uma temática específica,
ou textos mais curtos de carácter informativo ou reflexivo.
Mais persistentes ou menos, e pela ordem em que foram apare-
cendo (e desaparecendo), é este o rol:

— Notas bibliográficas
— Subsídios para o vocabulário português
— Notas de aviação
— Correspondência de Espanha
— Direito canónico
— Movimento religioso no estrangeiro
— Correspondência do Brasil
— Revista de revistas
— Notas e factos
— Efemérides
— Crónica literária
— Textos e comentários
— Do que se pensa pelo mundo
— Tribuna de consultas
— Ideias e factos
— Política externa
— Vida literária
— Do pensamento e da vida
— Filmes de que se fala
— Horizonte do mundo
— Actualidade religiosa
— Problemas ultramarinos
— Vida económica
— Para o diálogo
— Caso e circunstância
— Notas e comentários
Brotéria A
I Cristianismo e Cultura ^ B v o u s s

Dezembro 2002

Série Mensal

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Brotéria
I Cristianismo e Cultura

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Brotéria
Cristianismo e Cultura VOL. 1 5 5

ÍNDICE

451 Norberto Dallabrida


Moldar a alma plástica da juventude:
a Ratio Studiorum e a manufactura de sujeitos letrados
e católicos

467 José Henrique Silveira de Brito


Ética e comunicação social

479 José Mexia Crespo de Carvalho


Dos consumidores que somos

493 Paulo Morais-Alexandre


José Régio e a Moda

507 Alfredo Dinis SJ


Ética naturalizada, cem anos depois
dos Principia Ethica de G. E. Moore

521 Bibliografia

539 índices do volume 155

545 Obras recebidas na redacção


Moldar a alma plástica da juventude:
a Ratio Studiorum e a manufactura

d e sujeitos letrados e católicos* Norbempaiiabrida-

r \ Ratio Studiorum foi promulgada Origens e elaboração da Ra tio Studiorum dos


colégios jesuítas. A partir de categorias da filoso-
pela Gompanhia de Jesus em 1599,
fia de Michel Foucault, releitura do «documento-
com o intuito de servir como discurso -monumento» analisando estratégias e tácticas
pedagógico uniformizador das práticas pedagógicas para a moldagem da subjectividade
dos alunos, conectando-as com os princípios
educacionais dos colégios jesuítas.
ascéticos da Companhia de Jesus e com as
Forjou importantes peças disciplinares circunstâncias sociais do século das reformas e
da «maquinaria escolar» jesuíta e cató- das guerras de religião; com ênfase na organiza-
lica, que seriam secularizadas e utiliza- ção de conteúdos (predominância do latim) e nas
práticas didácticas (exercícios e emulação).
das pelos sistemas escolares formulados
pela Ilustração e principalmente pelo
Estado Nacional burguês. Pretende-se reler a Ratio como
um «documento-monumento», analisando as suas estratégias
e tácticas pedagógicas na produção da subjectividade dos
alunos jesuítas, conectadas com os princípios ascéticos da
Companhia de Jesus, bem como com as circunstâncias sociais
d o século das reformas e das guerras de religião. O foco da 1
As reflexões sócio-históri-
análise será colocado na selecção e estruturação dos con- cas de inspiração foucaul-
tiana sobre a «maquinaria
teúdos escolares e nas práticas didácticas determinadas pela escolar- jesuíta são baseadas
em Julia Varela, Modos de
Ratio, procurando relacioná-los com os grupos sociais que Educación en la Espana de
frequentavam os colégios jesuítas 1 . la Contrarreforma, Madrid,
La Piqueta, 1983; Julia Varela
e Fernando Alvarez-Uría,
Arqueologia de la Escuda,
Madrid, La Piqueta, 1991.
Sobre o conceito d e *docu-
mento-monumento" consul-
• O presente texto foi produzido a partir das reflexões da disciplina -Los usos tar Michel Foucault, A Ar-
sociales dei cuerpo-, ministrada pela Professora Doutora Julia Varela no Curso de queologia do Saber, trad.
Luiz Felipe Baeta Neves, Kio
Doutoramento em Sociologia, do Departamento de Sociologia VI da Universidad
de Janeiro, Forense Univer-
Complutense de Madrid, em que participei como aluno ouvinte no ano lectivo sitária, 1995; J a c q u e s Le
1998-9- Agradeço as orientações e críticas da Professora Doutora Julia Varela e as Goff, História e Memória,
sugestões do Professor Doutor Fernando Alvarez-Uría. trad. Bernardo Leitào, Cam-
" Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e professor do Depar- pinas, Editora da UNICAMP,
tamento de Estudos Geo-Históricos da Universidade de Santa Catarina (UDESC). 1990, pp. 535-49.

lirotória 155.(2002) 451-466 451


Elaboração da Ratio Studiorum

Os fundadores da Companhia de Jesus, Inácio de Loyola e


seus companheiros, não tinham a intenção de criar uma con-
gregação religiosa dedicada à educação escolar, pois as suas
motivações iniciais voltavam-se para as actividades missioná-
rias no mundo asiático, acompanhando a expansão europeia
oriental. A preocupação com os colégios emergiu da necessi-
dade intra-institucional de proporcionar formação «substancial»
e regular aos seminaristas jesuítas. No entanto, pressionada pelo
avanço das religiões protestantes e das guerras de religião, a
Companhia de Jesus passou a admitir alunos externos nos
2
Sobre a fundação da Com- seus colégios, transformando-os em trincheiras católicas, prin-
panhia de Jesus, consultar
Jean Lacouture, Os Jesuítas cipalmente após o Concílio de Trento. Os jesuítas consolida-
-1. A Conquista, trad. Maria
Fernanda Gonçalves de Aze- ram-se como a principal milícia da cruzada moderna da Igreja
vedo, Lisboa, Circulo de
Leitores/Ed. Estampa, 1993, Católica, distinguindo-se como uma congregação activa, munida
vol. 1, A fundação dos colé-
gios da Companhia de Jesus
de espiritualidade individualizante e linguagem guerreira 2 .
e a elaboração da Ratio
Studiorum são concebidas
Na década de 1540, os colégios jesuítas começaram a
como estratégias na guerra pipocar pela Europa, transformando a educação escolar numa
permanente contra os pro-
testantes, pois segundo Fou- das principais acções pastorais da congregação inaciana. O pri-
cault a política é a guerra
por outros meios; cf. Michel meiro estabelecimento educacional que efectivamente admitiu
Foucault, Genealogia dei
Racismo: De la guerra de las alunos externos foi o Colégio de Messina, em 1548, prática
razas al racismo de Estado,
Madrid, La Piqueta, 1992.
estendida, muito rapidamente, para outras cidades europeias,
j
asiáticas e americanas. Em Roma, sede da Companhia de Jesus,
Egídio Francisco Schmitz,
Os Jesuítas e a Educação: em 1551 foi fundado o Colégio Romano, tornando-se a insti-
A Filosofia Educacional da
Companhia de Jesus, São tuição escolar modelo para os jesuítas, que aglutinava os seus
Leopoldo, Ed. UN1SINOS,
1994, p. 44; Ernesto Mene- principais teólogos e pedagogos e testava práticas escolares
ses, El Codigo Educativo
de la Companía de Jesus,
que estariam na base da Ratio Studiorum. No ano seguinte,
México, Universidad Ibero- foi instituído o Colégio Germânico, destinado à formação de
americana, 1988, pp. 13-15.
No Brasil os primeiros colé- quadros jesuítas das regiões germânicas, atingidas frontal-
gios dirigidos pelos padres
jesuítas foram fundados na mente pelo redemoinho das reformas luterana e calvinista 3 .
década de 1550; cf. J. M.
Madureira, A Liberdade dos A Ratio Studiorum foi uma reinvenção pedagógica pro-
índios. A Companhia de
Jesus. Sua Pedagogia e seus duzida a partir da releitura católica de obras pedagógicas e de
resultados, Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1929,
práticas educativas renascentistas, bem como da sistematização
vol. 2 , especialmente a sexta das práticas dos próprios colégios jesuítas. A primeira geração
parte -Resultados da Pedago-
gia da Companhia de Jesus de professores da Companhia de Jesus foi deveras influen-
no Brasil Colonial (1549-
-1759)-. ciada pelas formulações pedagógicas de Erasmo e Vives, tanto

452
em relação à aprendizagem do latim clássico, como no tocante
às práticas escolares activas. Por outro lado, o «modus pari-
siensis» foi elegido como modelo educativo para os primeiros
colégios jesuítas, não somente pelo facto de Inácio de Loyola
e os seus companheiros co-fundadores terem estudado na
Universidade de Paris, mas sobretudo devido ao seu método
de ensino, que se diferenciava por ensinar gramática sólida,
graduar classes e cursos, implementar exercícios nas classes
e individualizar o aluno 4 . '' Emile Durkheim, A Evolu-
ção Pedagógica, trad. Bruno
As «Constituições da Companhia de Jesus» dedicaram a Charles Magne, Porto Ale-
gre, Artes Médicas, 1995,
quarta parte, intitulada «Como instruir nas Letras e em outros pp. 100-21; Andre Petital,
Produção da escola/produ-
meios de ajudar o próximo os que permanecem na Compa- ção da sociedade: análise
nhia», à educação dos nascentes colégios jesuítas. É o marco sócio-bistórica de alguns
momentos decisivos da evo-
jurídico-pedagógico da Companhia de Jesus, em que Inácio de lução escolar no ocidente,
trad. Eunice Gruman, Porto
Loyola determinou as orientações fundamentais para a prática Alegre, Artes Médicas, 1994;
Fernando Alvarez-Uría, La
educativa jesuíta, indicando a necessidade de produzir a Ratio educación jesuítica en la
génesis de la Modernidad.
Studiorum5. En torno de la tesis de
Max Weber, Madrid, 1999,
Ademais, a Ratio de 1599 é sobretudo produto da reflexão mimeo., J. Varela, op. cit.,
e sistematização das práticas educativas implementadas nos pp. 35-38, 136-8.

colégios jesuítas durante meio século. Os primeiros planos de ' Inácio de Loyola, Consti-
tuições da Companhia de
estudos foram escritos pelos reitores do Colégio de Messina: Jesus, trad. e notas de Joa-
quim Mendes Abranches,
«De Studiis Societatis Iesu et Ordo Studiorum», de Jerónimo S.J., Lisboa, s. n., 1975.
de Nadal, e «De Ratione Studiorum», de Aníbal du Coudret.
A partir de suas experiências e observações em vários colé-
gios, mas especialmente no Colégio Romano, onde trabalhou
como professor e prefeito de estudos, Diego de Ledesma
publicou «De Studiorum Collegii Romani», que deveria servir
de modelo para todos os colégios da Companhia de Jesus,
sendo considerado a principal contribuição individual para a
Ratio de 1599 6 . 6
Leonel Franca, O Método
Pedagógico dos Jesuítas: O
A partir destes começos parciais, o Padre Cláudio Acqua- •Ratio Studiorum-- introdu-
ção e Tradução, Rio de
viva, quinto superior geral da Companhia de Jesus, liderou Janeiro, Agir Editora, 1952,
pp. 7-17; E. Meneses, op.
o processo de elaboração da Ratio Studiorum «definitiva». cit., pp. 11-23; E. F. Schmitz,
op. cit., pp. 51-78.
Em 1586, nomeou uma comissão de seis representantes para
escrever um anteprojecto, que foi enviado às províncias jesuí-
tas. A partir das apreciações provinciais, cinco anos depois,
foi elaborado um novo texto, remetido a todos os colégios

453
jesuítas. Depois de passar pelo crivo dos revisores nomeados
pelo superior geral, em 1599, a «Ratio Atque ínstitutio Studio-
rum Societatis Jesu» foi aprovada oficialmente pela Companhia
de Jesus, tornando-se obrigatória nas escolas jesuítas.
Em verdade, a versão «definitiva» da Ratio respondeu à
necessidade de uniformização das práticas educativas da rede
de colégios jesuítas, que se formara meteoricamente na segunda
metade do século XVI. A primeira estratégia pedagógica de
controle adoptada pela Companhia de Jesus foi o estabeleci-
mento de «comissários gerais», que visitavam e inspeccionavam
regularmente os colégios jesuítas. Contudo, a diversidade dos
visitadores e os longos intervalos entre as visitas não concor-
riam para a construção da uniformidade pedagógica, que seria
7
L. Franca, op. cit., pp. 15- estabelecida pela Ratio de 15997•
-26; E. F. Schmitz, op. cit.,
pp. 79-88; E. Meneses, op.
cit., pp. 23-34. O presente
ensaio apoia-se na tradução As regras da Ratio
portuguesa feita pelo Padre
Leonel Franca em 1943 e
publicada nove anos depois;
cf. -Organização e Plano de
A Ratio de 1599 é um código educativo composto por 467
Estudos da Companhia de regras, aglutinadas em trinta conjuntos, dirigidas aos agentes e
Jesus-, trad. Leonel Franca,
in L. FRANCA, op. cit., pp. instituições escolares dos colégios jesuítas. As regras abordam
119-236, traduzida de Ratio
Atque ínstitutio Studiorum a administração, o plano de estudos, o método e a disciplina
Societatis íesu. Superiorum
permissu, Neapoli, in Colle-
escolares, sendo dirigidas para as três «classes» do ensino jesuí-
gio eiusdem Societatis. Ex
typographia Tarquinii Lon-
tico - classes inferiores, filosofia e teologia - , que tinham prin-
gui, MDXCVIII, 208 pp., no cípios pedagógicos comuns, mas, enquanto as duas últimas
fim, Neapoli, apud Tarqui-
nium Longum, 1599. eram destinadas à formação do clero jesuíta e de outras con-
gregações religiosas, as classes inferiores admitiam alunos exter-
nos, que seguiam outros estudos, mormente direito e medicina.
Aproximadamente um terço destas regras normatizava os con-
teúdos e as práticas escolares das classes inferiores, que eram
divididas em «séries»: retórica, humanidades e gramática, sendo
que esta era subdividida em inferior, média e superior. A Ratio
determinava que as cinco séries não se deveriam misturar por
meio de fusões ou divisões e que as promoções de uma série
para a outra deveriam ser realizadas anualmente, mas nas
classes de gramática somente quando o aluno demonstrasse
domínio do conhecimento estipulado. Estes graus escolares
de aperfeiçoamento intelectual eram inspirados nos processos

454
progressivos e lineares de busca da perfeição espiritual, pres-
critos nos «Exercícios Espirituais»8. 8
Assim como na vida espi-
ritual, a vida escolar tinha
O objectivo central das classes inferiores era proporcio- uma progressão rumo à per-
feição, pois, nas classes
nar ao estudante jesuíta um sólido conhecimento gramatical, inferiores, a de retórica, a
última, visava «a formação
como auxílio e fundamento para os estudos de filosofia e perfeita da eloquência», a
principalmente de teologia. O núcleo central do currículo das superior de gramática tinha
como objectivo o conheci-
classes inferiores fixado pela Ratio era o ensino das línguas e mento perfeito da gramá-
tica-, enquanto que a média
literaturas clássicas, que era ministrado em todas as classes em de gramática buscava -o
conhecimento ainda que
grau crescente de complexidade e aperfeiçoamento. O recorte imperfeito de toda a gra-
mática- [grifos nossos], cf.
do saber escolar literário, que deveria ser seguido por todos os -Organização...-, pp. 192,
professores jesuítas, estava explicitamente definido na regra 204, 208; San Ignacio de
Loyola, Obras Completas,
relativa à prelecção: «Na prelecção só se expliquem os autores Transcripción, introducción
y notas de Ignacio Iparra-
antigos, de modo algum os modernos». Todavia, tratava-se de guirre y Candido de Dalma-
ses, 3 a ed., Madrid, Biblio-
ensinar as gramáticas latina e grega de maneira formal, des- teca de Autores Cristianos,
1977.
contextualizada da mentalidade pagã das sociedades da anti-
guidade das quais faziam parte.

Assim é que, entre as mãos dos jesuítas, a Antiguidade podia


tornar-se um instrumento de instrução cristã, enquanto não pode-
riam ter utilizado da mesma maneira a literatura de sua época,
toda impregnada de espírito de rebelião contra a Igreja 9 . 9
E. Durkheim, op. cit., p. 235.

Havia uma preocupação em expurgar os autores antigos


e apartar dos alunos os «escritos impuros» e os «livros pernicio-
sos e inúteis». Neste ponto, a regra número 34 do Provincial,
intitulada «Proibição de livros inconvenientes», rezava que a
selecção dos livros almejava produzir alunos dóceis e católicos:

Tome todo o cuidado, e considere este ponto como da maior


importância, que de modo algum se sirvam os nossos, nas aulas,
de livros de poetas ou outros, que possam ser prejudicados à
honestidade e aos bons costumes, enquanto não forem expurgados
dos factos e palavras inconvenientes-, e se de todo não puderem
ser expurgados, como Terêncio, é preferível que não leiam para
que a natureza do conteúdo não ofenda a pureza da alma 10 . 10
-Organização...-, p. 130
[grifos nossosl.

Além do trabalho de «despaganização» das obras greco-roma-


nas, os jesuítas produziram obras didácticas próprias, imbuídas
da mentalidade católico-tridentina, como a «Gramática do Padre
Manuel Álvares», recomendada às classes de gramática.

455
Predominância do latim e da prosa

No entanto, entre as línguas e literaturas clássicas, o latim e a


prosa tinham predominância sobre o grego e a poesia. O ideal
a ser perseguido nos «estágios de progresso» era o domínio
oral e escrito do latim clássico, a partir de alguns escritores
romanos. E, entre estes, havia uma preferência por Cícero, que
deveria ser aprendido e imitado de forma progressiva nos
graus ascendentes das classes inferiores. Ao indicar o que deve
ser comum a todas as classes inferiores, diz a Ratio-, «Antes de
tudo, comum será a leitura de Cícero de modo que as cousas
mais fáceis se perguntem ao grupo menos adiantado, as mais
" •Organização...-, p. 168. difíceis ao outro»11. Da mesma forma como era preferido na
prelecção, Cícero era o principal autor que deveria ser imitado
nas composições e avaliado nos exames, provas e disputas.
Na classe de retórica, a última, exigia-se o uso exclusivo
do latim, mas nas classes de humanidades e principalmente
nas de gramática, permitia-se o uso da língua vernácula, mas
como instrumento para a aprendizagem do latim. A obrigato-
riedade do latim está claramente expressa nas «Regras comuns
aos professores das classes inferiores», que diz:
De modo especial conserve-se com rigor o costume de falar latim
excepto nas aulas em que os discípulos o ignoram; de modo que
em tudo quanto se refere à aula nunca seja permitido servir-se
do idioma pátrio, dando-se nota desfavorável aos que forem negli-
gentes neste ponto; por este mesmo motivo, o professor fale
12
ibicl., p. 184. sempre latim 12 .

A língua latina era obrigatória também nas representações


teatrais, bem como nas solenidades escolares. A hierarquiza-
ção dos conteúdos escolares pode ser percebida também nos
prémios concedidos aos alunos: na classe de retórica havia
prémios para prosa e poesia, latina e grega; na classe de huma-
nidades omitiam-se os de poesia grega e nas de gramática
omitiam-se os de poesias grega e latina. O número de prémios
a ser distribuído poderia variar de acordo com a quantidade
de alunos, mas o prémio mais importante sempre deveria ser
o de prosa latina.

456
Nas estruturas políticas e culturais do Antigo Regime, o
latim tinha um carácter utilitário, pois era a língua oficial da
Igreja católica e dos Estados absolutistas. Mas sobretudo tinha
a função de distinção social, sendo cultivado pelas elites cor-
tesãs e burguesas com o objectivo de se distanciarem tanto
da antiga nobreza guerreira como das classes populares 13 . 13
Sobre os mecanismos de
distinção social das elites
Analisando as pedagogias renascentistas, Durkheim afirma que cortesãs, consultar Norbert
Elias, El Proceso de la civili-
Erasmo e Rabelais, apesar de suas divergências, acreditavam zación: investigaciones socio-
que a educação aristocrática deveria ter como escopo a preo- -genéticas y pslcogélicas,
Madrid, Fondo de Cultura
cupação estética, desvinculada da vida prática 14 . Nas classes Económica, 1995; Norbert
Elias, La Sociedad Corte-
inferiores, cujo coroamento era a retórica latina, o conheci- jaria, Espana, Fondo de
mento da língua latina era aprendido efectivamente pelos Cultura Económica, 1993.

poucos estudantes que empreendiam estudos superiores de 1,1


E. Durkheim, op. cit.,
pp. 196-212.
teologia, direito ou medicina.
A obrigatoriedade da língua grega nas classes inferiores
não foi bem aceite pelas escolas jesuítas espanholas. O ensino
do grego foi incluído pela comissão de 1586 e, apesar das
resistências, mantido na versão «definitiva» da Ratio. A intro-
dução do hebreu visava instrumentalizar o aluno para a leitura
do Antigo Testamento, realizada nos estudos teológicos supe-
riores. Por outro lado, a Ratio determinava que em todas as
classes inferiores fosse ensinada, duas vezes por semana, a
doutrina cristã e estimulada a leitura espiritual, especialmente
da vida de santos. Nas classes inferiores, a doutrina católico-
-tridentina era apenas de rudimentos teológicos que seriam
estudados em detalhe e em profundidade na classe de teologia.

Moldagem da alma do aluno

No entanto, na manufactura dos estudantes jesuítas das classes


inferiores, a transmissão dos conteúdos literários expurgados
à luz do catolicismo tridentino era conjugada com o ensino
do£ «bons costumes». Ao definir o fim da educação jesuítica,
a 'Ratio Studiorum determinava aos seus padres-professores:

Concentre de modo especial a sua intenção, tanto nas aulas quanto


se oferecer o ensejo como fora delas, em moldar a alma plástica
da juventude n o serviço e no amor de Deus, bem como nas u 101
virtudes com que lhe devemos agradar 15 . (grifos nossos].

457
A moldagem da alma do aluno jesuíta previa um conjunto de
estratégias e tácticas disciplinares a serem postas em prática den-
tro e fora da sala de aula. Esta «maquinaria escolar» implicava
o controle do tempo e do espaço, rígida hierarquia, emulação
e competição entre os alunos, individualização das carreiras
escolares, incitamentos à actividade permanente dos alunos.
A Ratio orientava os professores para que exercitassem
sempre os seus alunos, transformando-os em agentes activos
da aprendizagem. Durkheim considera esta transformação
«uma grande revolução», que distinguia as práticas educativas
"' E. Durkheim, op. cu., modernas das medievais l6 . A prescrição jesuítica do exercício
PP
' escolar deriva da ascética inaciana, que previa um conjunto de
exercícios espirituais progressivos e lineares para obter a con-
versão e a salvação. O incitamento permanente ao exercício
deveria criar uma rede totalizante de estímulos que não per-
mitisse a passividade dos alunos, mas a permanente produção
escolar. Referindo-se aos exercícios na aula, o método pedagó-
gico dos jesuítas é categórico: «Nada arrefece tanto o fervor dos
alunos como o fastio». E prescreve que, assim como a leitura
de Cícero, os exercícios e os desafios deveriam ser práticas
comuns às classes inferiores, próprias de uma «pedagogia activa».
A acção permanente dos alunos jesuítas nas aulas deve-
ria ser lograda por meio da prescrição de exercícios variados,
especialmente os trabalhos escritos, transformando a aula numa
«sala de exercícios». Analisando as rupturas provocadas pelas
pedagogias dos reformadores do século XVI, entre os quais os
jesuítas, Petitat constata: «Uma importante alteração em relação
à pedagogia medieval reforça esta escolarização: os exercícios
orais cedem lugar aos trabalhos escritos. Os deveres, provas
17
A. Petitat, op. cit., p. 8 I . e exercícios diversos são realizados por escrito»17. A Ratio
orientava os professores das classes inferiores para que reali-
zassem trabalhos escritos todos os dias, com excepção do
sábado, o dia de sabatina. Insistia sobre a correcção individual
dos exercícios, prescrevendo:

Todos os dias deveria o professor corrigir os trabalhos escritos de


cada um, porque desta prática resulta muito e grande faito. Se, porém,
-Organização - pp 184 não o permitir o número elevado de alunos, corrija quantos puder
-5. de modo que os omitidos num dia sejam chamados no seguinte 18 .

4 58
Os exercícios diversos eram estimulados por meio da
prelecção, que tinha como objectivo "introduzir o aluno numa
compreensão perfeita do autor», como explica Franca:

A prelecção, na sua finalidade, é menos informativa do que forma-


tiva; não visa comunicar factos mas desenvolver e activar o espírito.
[...] No silêncio da sua banca de estudos [o aluno] repetirá depois
os processos vitais percorridos pelo autor e analisados na pre-
lecção 19 . 19
L. Franca, op. cit., pp. 57-8.

A Ratio detalhava os passos da prelecção para todos os pro-


fessores das classes inferiores: leitura do texto, análise sintética
do texto, leitura detalhada de cada período e, por último,
apresentação de observações adaptadas a cada classe. Se o
professor achasse conveniente, poderia ditar algumas obser-
vações, mas nunca em excesso, e os alunos deveriam tomar
nota somente quando mandados. Os ditados, comuns nas uni-
versidades medievais, foram muito minimizados tanto pelas
orientações pedagógicas de Inácio de Loyola como pela Ratio,
que se espelhavam no «modus parisiensis». Os colégios jesuítas
utilizavam diversos livros impressos, fornecidos pela nascente
imprensa escrita, e tinham cuidado especial com as bibliotecas
escolares.

Emulação e competição

Visando provocar o «estado de alerta permanente», a Ratio


previa a emulação e a competição entre alunos, grupos e
classes, recomendando aos professores a realização dos «desa-
fios das aulas», que deveriam ser bem preparados e realizados
com modéstia e serenidade. Nas «Regras comuns aos profes-
sores das classes inferiores», o método pedagógico da Compa-
nhia de Jesus rezava:

O desafio que poderá organizar-se ou por perguntas do professor


e correcção dos émulos, ou por perguntas dos émulos entre si deve
ser tido em grande conta e posto em prática sempre que o permi-
tir o tempo a fim de alimentar uma digna emulação, que é de
grande estímulo para os estudos. Poderá bater-se um contra um,
ou grupo contra grupo, sobretudo dos oficiais, ou um poderá pro-

459
vocar a vários; em geral um particular provocará outro particular,
um oficial outro oficial; um particular poderá às vezes desafiar um
oficial e se vencer conquistará a sua graduação, ou outro prémio
20
-Organização...-, p. 187 OU s í m b o l o d e vitória [...] 2 0 .
[grifos nossos).

Contudo, previa-se também o desafio com a classe imediata,


de modo que os alunos viviam num verdadeiro pé-de-guerra.
Na Ratio, a emulação estava conjugada com um sistema
individualizado de controle, avaliação, classificação e premia-
ção dos alunos, que pressupunha uma rígida hierarquia escolar.
Não por acaso, as regras da Ratio estão apresentadas em
ordem descendente: primeiro do padre provincial, seguido das
autoridades colegiais: reitor, prefeito de estudos e professores;
por outro lado, os alunos não tinham nenhum conjunto de
regras. Nas prescrições da Ratio, percebe-se o distanciamento
entre os dirigentes escolares e os alunos e a imposição da
obediência, característicos das «instituições totais». Entre os
dirigentes escolares, os professores deveriam subordinar-se ao
reitor, para assuntos disciplinares, e ao prefeito de estudos,
tanto em relação ao ensino como à disciplina; o prefeito de
estudos devia obediência ao reitor. As classes eram divididas
em dois grupos, de modo que cada grupo tivesse os seus
soldados e oficiais, como se fossem dois batalhões militares.
Diz claramente a Ratio:

Para alimentar a emulação, por via d e regra poderá a aula divi-


dir-se e m dois campos, cada um com os seus oficiais, uns opostos
aos outros, tendo cada aluno o seu émulo. Os primeiros oficiais
21
tbict., p. 189. d e ambos os campos ocuparão o lugar de honra 2 1 .

Os oficiais deveriam ser escolhidos de dois em dois meses,


mediante uma prova escrita de prosa, que classificava os
postos de honra. Em cada classe, o professor deveria nomear
um censor ou pretor, cuja função era controlar a frequência
e os exercícios na sala de aula, bem como o comportamento
dos colegas no pátio.
O professor tinha que zelar pelo progresso de cada um
dos seus alunos. Em relação ao controle da frequência, a Ratio
prescrevia aos professores: «Se alguém faltar, mande-lhe à casa

460
um condiscípulo ou outra pessoa e, se não apresentar escusas
aceitáveis, seja castigado pela ausência»22. No seu quotidiano 22
Md., PP. 190-1.

escolar, o aluno era examinado pelo prefeito de estudos e


pelo professor: para ingressar deveria fazer os exames de
admissão e, em todas as classes, deveria prestar provas escri-
tas - cujos procedimentos eram bem detalhados na Ratio - e
exame oral. No começo de cada ano, o professor deveria pro-
duzir uma pauta dos alunos, classificando-os em seis catego-
rias, representadas pelos números de um a seis. Este processo
de vigilância panóptica, fez com que os colegiais jesuítas per-
dessem a autonomia que os estudantes universitários tinham
na Idade Média. Como nos «Exercícios Espirituais», o professor
deveria ser o «director da aprendizagem», que detinha o saber
correcto e verdadeiro e deveria pautar-se pelo afecto paterno,
tendo como missão dirigir o «aluno-exercitante».

Controle do tempo e do espaço

A individualização e o governo constante implicavam o con-


trole do tempo e do espaço dos alunos. A Ratio prescrevia
uma divisão uniforme do tempo escolar, indicando que a
classe de retórica deveria ter duas horas de aula pela manhã
e o mesmo tempo à tarde e as classes de humanidades e
gramática, duas horas e meia tanto no período matutino como
no vespertino. Nas regras específicas dos professores de cada
classe, a divisão temporal ocupava um espaço significativo,
indicando detalhadamente as actividades a serem desenvolvi-
das nas quatro ou cinco aulas diárias, inclusive nos sábados
e feriados. Havia uma preocupação com a distribuição minu-
ciosa do tempo escolar, a variação das actividades e exercícios,
a moderação de horas de estudo, a introdução de pequenas
pausas produtivas. O tempo cronológico era rigorosamente
controlado pelo bedel, que deveria ter sempre consigo um
relógio, tendo como função avisar o professor ou o prefeito
de estudos do início e do término das actividades escolares.
Desta forma, assim como nas manufacturas e nos colégios pro-
testantes, a apropriação do tempo dos alunos foi introduzida
nos colégios jesuítas do século XVI e consagrada no seu
método pedagógico.
O colégio jesuíta tinha uma organização conventual, que
se disseminou nas instituições educativas do século XVI, em
que os alunos eram segregados dos perigos e prazeres do
mundo. A Ratio formulou estratégias para disciplinar e paci-
ficar o espaço escolar, procurando vigiar os alunos. Na sala
de aula, cada um deveria ter o seu lugar definido pelo prefeito
de estudos ou pelo professor, em que os nobres teriam lugar
distinto e os estudantes jesuítas e de outras congregações
deveriam ser separados dos alunos externos. Neste sentido,
determinava aos alunos:

Nas aulas não vão de um lugar para outro; mas fique cada um no
seu lugar, modesto e silencioso, atento a si e aos seus trabalhos.
23
ibid., p. 221. Sem licença do professor, não saiam da aula 23 .

Sob o título «ordem nos pátios», prescrevia:

Nos pátios e nas aulas, ainda superiores, não se tolerem armas,


ociosidade, correrias e gritos, nem tão pouco se permitam jura-
mentos, agressões por palavras ou factos; ou o que quer que seja
24
ibid., p. 175. de desonesto ou leviano 24 .

Os alunos também eram proibidos de participar de espectá-


culos públicos, comédias e execução de condenados e de
representar papéis em teatros externos ao colégio.

Incitamento por prémios

Como parte integrante da rede de incitamentos, a Ratio previa


um sistema de premiaçâo escolar, detalhado nas «Normas para
a distribuição de prémios». Havia os prémios públicos anuais,
específicos para as cinco classes e concedidos mediante a rea-
lização de provas escritas e sigilosas, que eram avaliadas por
uma banca de três professores, e um prémio especial para
aqueles que tivessem melhor rendimento em doutrina cristã.
Além dos critérios de desempate das provas, as normas indi-
cavam os procedimentos da sessão de entrega de prémios,

462
que deveria ser pública e solene. Para maior visibilidade dos
melhores, os nomes daqueles que se aproximavam dos ven-
cedores também deveriam ser lidos e recompensados com
alguma distinção. Por outro lado, a Ratio determinava que os
professores estimulassem os seus alunos, nas salas de aula,
por meio de pequenos prémios particulares ou «símbolos de
vitória», concedidos àqueles que vencessem o adversário ou
tivessem realizado algum esforço notável.
Desta forma, o método pedagógico dos jesuítas propunha
formar os seus alunos muito mais por meio dos incitamentos
à produção escolar do que por meio dos castigos físicos,
ainda muito usados no início da Idade Moderna. A tradição
pedagógica de recorrer aos castigos físicos como último recurso,
quando «as boas palavras e exortações» estivessem esgotadas,
fora fundada por Inácio de Loyola. Entre outras manifesta-
ções, em 1552, escreveu uma carta a Everardo Mercuriano,
dizendo categoricamente: «Não convém que os professores da
Companhia castiguem senão com palavras». Os castigos corpo-
rais previstos deveriam ser aplicados pelo corrector, alguém
que não pertencesse à Companhia de Jesus, de forma que
nenhum professor jesuíta tocasse ou maltratasse o corpo dos
alunos. Franca esclarece o processo de punição corporal: «Os
golpes não deviam normalmente passar de seis; nunca no
rosto ou na cabeça. Nem tão pouco se devia aplicar o castigo
em lugar solitário, mas sempre na presença de, pelo menos,
duas testemunhas» 25 . Em última instância, depois das advertên- 25
L. FRANCA, op. ar, pp. 62-
3
cias verbais e dos castigos físicos, previa-se a eliminação dos
incorrigíveis dos colégios, contudo podendo serem readmiti-
dos por decisão do reitor. A substituição dos castigos físicos
pela vigilância amorosa e domesticação doce, mais eficaz e
produtiva, proposta pela Ratio, era uma tendência que emer-
giu no século XVI.
Os «bons costumes» também eram produzidos entre os
alunos pelo estímulo aos actos de piedade, especialmente os
de carácter sacramental. A Ratio prescrevia oração antes de
cada aula, que deveria ser feita de cabeça descoberta e de
joelhos, exame vespertino de consciência, recitação diária do

463
terço ou do ofício de Nossa Senhora, missa diária, confissão
mensal. O controle da frequência à confissão deveria ser
feito por meio de cartões contendo nome, sobrenome e classe
do aluno, os quais deveriam ser entregues aos confessores.
Os alunos mais piedosos eram estimulados a fazer parte das
congregações marianas, que tinham exercícios especiais de
devoção à Virgem Maria, devendo ser fermento na massa estu-
dantil. Com o objectivo de moralizar e catolicizar os alunos,
a Ratio previa a realização de representações teatrais, porém
deveriam ser raras, em língua latina e com personagens exclu-
sivamente masculinos.

Documerito-monumento da modernidade ocidental

A Ratio Studiorum é um «documento-monumento» que faz


parte da emergência de «um novo modelo de gestão de indi-
víduos» ou da «arte de governar» no início da modernidade
ocidental. Segundo Foucault, no século XVI houve uma pro-
blematização geral da arte de governo em diversos aspectos da
vida social: o governo dos Estados pelos príncipes, o governo
das almas pelas reformas protestante e católica, o governo das
26
Michel Foucauli, -A Go- crianças pela pedagogia, o governo de si mesmo 26. Tanto as
vernamentalidade*, in Michel
Foucault, Microfísica do diversas igrejas protestantes como a Igreja Católica tridentina
Poder, irad. Roberto Macha-
do, 7.a ed., Rio de Janeiro, produziram novos saberes-poderes teológicos, para a salvação
Graal, 1988, pp. 277-93.
das almas, e pedagógicos, para a «perfeita» formação dos estu-
dantes. No contexto das guerras de religião do século XVI,
todas as igrejas cristãs investiram os seus poderes-saberes refor-
mados para moldar, formar, manufacturar a alma infantil e
juvenil. Neste sentido, o pedagogo jesuíta João Bonifácio con-
cluiu: «A educação da puerícia é a renovação do mundo».
Durkheim diagnosticou com precisão a modernidade na Com-
panhia de Jesus ao concluir: «Eles [jesuítas] entenderam muito
cedo que para chegar ao seu fim, não bastava pregar, confes-
sar, catequizar, e que a educação da juventude era o verda-
27
E. Durkheim, op. cit., deiro instrumento de dominação das almas»27.
p. 219.
No século XVI, juntamente com o estabelecimento dos
Estados absolutistas e das nobrezas cortesãs e a instauração

464
das reformas religiosas e das guerras de religião, foram for-
mulados programas educativos diferenciados, que produziram
e naturalizaram desigualdades sociais. Em primeiro lugar para
os príncipes e cavalheiros, que segundo o novo «ethos» da
nobreza cortesã deveriam ser educados nas armas, como na
Idade Média, mas principalmente nas letras e virtudes. Por outro
lado, para as classes populares, que deveriam preparar-se para
executar trabalhos manuais, previa-se a transmissão de con-
teúdos básicos e a inculcação da submissão e da obediência.
Contudo, havia uma classe intermediária, a burguesia ascen-
dente, que deveria ser educada nas letras latinas e nas virtu-
des católicas e que ocuparia postos burocráticos importantes
nos nascentes Estados absolutistas. Grosso modo, os colégios
jesuítas fabricaram os «funcionários modernos» provenientes de
estratos burgueses, bem como filhos da aristocracia provin-
ciana. Contudo, a Ratio visava fabricar sujeitos letrados e cató-
licos do sexo masculino, seguindo a redefinição e naturaliza-
ção dos papéis e da educação dos sexos, formulada pelos
humanistas e eclesiásticos, em que aos homens caberiam as
funções públicas e, para tanto, deveriam receber estudos mais
teóricos e refinados, enquanto que às mulheres estaria desti-
nado o espaço privado e uma educação mais prática e sóbria 28 . 28
Julia varela, Naamiento
de la mujer burguesa: el
cambiante desequilíbrio de
poder entre los sexos, Madrid,
A Ratio reformada de 1832 La Piqueta, 1997

Até à supressão da Companhia de Jesus pela Igreja católica,


em 1773, a Ratio de 1599 vigorou como o método pedagógico
dos jesuítas, sofrendo pequenas alterações, aperfeiçoamentos
e comentários. Após a Revolução Francesa, com a «restaura-
ção» da Companhia de Jesus, a Ratio Studiorum foi repensada
para se adaptar à nova conjuntura forjada pela «dupla revo-
lução», marcada pelo capitalismo industrial e pelos sistemas
nacionais de ensino. À luz dos «sinais dos tempos», os jesuítas
articularam um processo de reinvenção da Ratio, cuja versão
reformada foi publicada em 1832. No século XIX, a Ratio Stu-
diorum perdeu a universalidade que gozava no Antigo Regime,
pois, apesar de continuar a ser o método oficial da Companhia

465
de Jesus, deveria ser adaptada à realidade político-cultural de
cada província jesuíta.
Em relação aos conteúdos curriculares, houve desconti-
nuidade, pois as letras clássicas deixaram de ser o fio condu-
tor do currículo, dando espaço significativo às línguas e lite-
raturas nacionais, bem como às ciências experimentais e às
matemáticas. No entanto, com algumas alterações, o método
de ensino e os mecanismos disciplinares foram mantidos e
burilados, procurando formar sujeitos eruditos e católicos do
sexo masculino. A Companhia de Jesus criou o colégio-inter-
nato para alunos externos - que seria adoptado por outras
congregações religiosas, como os maristas e salesianos - , ver-
dadeira instituição disciplinar que se disseminou na Europa
da «restauração», sendo normatizado pela «maquinaria escolar»
formulada na Ratio Studiorum. Como parte integrante da «euro-
peização» do Brasil, os colégios-internatos foram estabelecidos
no território brasileiro desde meados do século XIX, tendo
crescimento significativo na Primeira República, quando foram
estabelecidos em quase todas as capitais dos estados brasilei-
ros, com o intuito de educar boa parte de suas elites burguesas.
Ética e comunicação social S r e S i t e w
TEXTO BASE DE INTERVEN-
ÇÕES NA ESCOLA SECUNDÁRIA
DA TROKA E N O
A U D I T Ó R I O MUNICIPAL
DE VIANA D O CASTELO.

O l h a n d o para o título deste texto e A ética, mesmo que não respeitada, é condição de
possibilidade da comunicação social, a qual não é
para a comunicação social que nos
um negócio como outro qualquer, su|elto apenas
rodeia, não seremos levados a pensar ao lucro, não podendo abandonar a sua função
estarmos perante um paradoxo? Em vez formativa. Para responder às preocupantes
tendências actuais dos órgãos de comunicação
de «Ética e comunicação social», não seria
social, mais do que regulamentar e fiscalizar pelo
mais correcto dizer «Ética ou comuni- lado da oferta, convém actuar pelo lado dos
cação social»? Se lermos os jornais, se consumidores, pela educação nas famílias,
folhearmos as revistas de informação e a invenção mediática de qualidade e o apoio a
grupos de pressão.
coração, se olharmos para a televisão,
podemos ser levados a pensar que as
duas realidades, ética e comunicação social, são incompatíveis.
E parecem incompatíveis porque a vida ética deve ser presi-
dida por valores que pautam os comportamentos, e o nosso
olhar sobre a comunicação social mostra-nos, ou parece mos-
trar-nos, que nessa área de actividade vale tudo, desde que
traga leitores, audiências e telespectadores. É ver as capas
das revistas, a primeira página dos jornais, o modo como se
faz rádio, o que interessa à televisão, para se concluir que
comunicar, informar, divertir é apenas um pretexto porque o
objectivo é sempre outro: manter presos os destinatários e
manobrá-los porque são mercadoria rentável.
Como não é possível tratar de todos os assuntos - a
bibliografia sobre o tema é extensa - abordarei apenas três
pontos. No primeiro, mostrarei que a comunicação, e portanto
a comunicação social, não é possível sem ética - a ética é a

* Professor de Ética na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa,


em Braga.

Brotéria 155 ( 2 0 0 2 ) 4 6 7 - 4 7 8 467


condição de possibilidade da comunicação, o que não signi-
fica, como ficará patente, que a ética seja respeitada na comu-
nicação. Depois tentarei apresentar a escala de valores que
preside hoje à comunicação social. Em terceiro lugar, procura-
rei responder a esta pergunta: «o que fazer perante a comuni-
cação social que temos?»

1. A ética como condição de possibilidade


de comunicação

A comunicação faz-se pela linguagem com a qual se transmi-


tem mensagens. A primeira condição de uma mensagem é que
ela seja entendida pelo destinatário, o que obriga a um esforço
interpretativo daquele a quem é dirigida a comunicação. Ora,
a primeira condição da interpretação é que o destinatário
admita a priori que aquele que é o emissor da mensagem seja
veraz; isto é, que aquele que comunica diz o que pensa e con-
sidera que o estado das coisas corresponde ao que ele afirma.
Além disso, quando se trata de normas do mundo social, o
destinatário da mensagem admite a correcção das normas de
acção desse mundo. Numa palavra: a comunicação é possível
porque se aceitam, ao menos implicitamente, as suas «preten-
sões de validade».
Digo implicitamente porque a comunicação nem sempre
é racional, nem sempre o emissor pretende ser veraz; ela pode
ser comandada pela racionalidade estratégica; isto é, o comu-
nicador pode não ter pretensões de validade na sua comuni-
cação, mas, apesar disso, espera que o receptor conte com ela
e, por isso, espera que a falta à verdade presente na sua comu-
nicação não seja vista por aquele a quem se dirige. Em síntese:
a mentira só é possível porque aquele a quem se mente espera
a verdade.
1
Cf., Luís Archer, -O geno- Com um exemplo 1 : quando em Junho de 2000 a im-
ma humano- in José Henri-
que Silveira de Brito (org.), prensa de todo o mundo noticiou que tinha sido integralmente
Bioético. Questões em debato,
Braga, Publicações da Facul- descodificado o genoma humano, as pessoas acreditaram e, na
dade de Filosofia da UCP,
2001, p. 69.
Wall Street, as acções da empresa ligada a essa investigação
subiram em flecha. Ora, em Junho de 2000, não havia novi-

468
dade nenhuma relativa ao mapeamento do genoma. O que
acontecia é que a referida empresa estava com necessidade de
financiamento, uma vez que os supercomputadores utilizados
na investigação são caríssimos, e, por isso, convinha-lhe que a
sua cotação na Bolsa subisse. Através de uma bem montada
operação de marketing, a que, consciente ou inconsciente-
mente, a imprensa mundial aderiu, transmitiu-se a falsa ideia
de que tinha acontecido algo de novo e importante, quando
tudo continuava na mesma. Contudo, e era o que a empresa
pretendia, as acções subiram. Isso foi possível porque, perante
os discursos produzidos, as pessoas reagiram normalmente
seguindo a condição de possibilidade de toda a comunicação:
«a pretensão de validade».
Dizendo de outra maneira: um discurso estratégico, uma
comunicação baseada numa racionalidade estratégica, que não
é dirigida pela pretensão de veracidade, é possível porque as
pessoas esperam sempre - é condição transcendental de toda
a comunicação - estar perante uma comunicação racional, ver-
dadeira, veraz. Ainda numa outra formulação: faltar à ética
na comunicação é possível porque ainda é a ética a condição
de possibilidade de comunicação.

2 . A escala de valores que preside hoje em dia


à comunicação social

É hoje comum afirmar que vivemos numa sociedade pluralista.


O que é que significa esta expressão? Apenas isto, que já não
é pouco: vivemos numa sociedade em que não há uma escala
de valores única. Assim, encontramos crentes, agnósticos e
ateus e não é pelo facto de alguém pertencer a um destes
grupos que é penalizado, que vê desrespeitado o princípio
de igualdade de oportunidades; pelo menos diz-se que é ou
deverá ser assim. Há pessoas que defendem uma sociedade
liberal, dominada pelo individualismo, e outras lutando por
uma sociedade mais solidária e defendendo uma maior inter-
venção do Estado; outras ainda defendem uma terceira via e
todas elas têm direito a defenderem os seus pontos de vista
sem serem penalizadas por isso. Há, na nossa sociedade,
quem seja defensor do casamento, das uniões de facto, da vida
em comum sem qualquer limitação. Há uma pluralidade de
escalas de valores, pluralidade essa que é respeitada e deve ser,
desde que não haja consequências inaceitáveis para terceiros.

Pluralidade de órgãos de comunicação social

É neste contexto que surgem diferentes órgãos de comunica-


ção social. Na imprensa escrita, há os jornais institucionais que
tentam fazer a bissectriz entre as escalas de valores vigentes
na sociedade e apresentam uma pluralidade de opiniões; este
tipo de imprensa só em algumas circunstâncias ou perante
questões fundamentais defende determinada posição com cla-
reza. É o caso do Expresso, em Portugal. Para além de encon-
trarmos colaboradores em páginas de opinião a defenderem
pontos de vista diferentes, os jornalistas daquele semanário
defendem posições nem sempre coincidentes. Em todo o caso,
o jornal como instituição tem posições que assume em certas
circunstâncias. Foi o que aconteceu no fim de semana de
26-27 de Janeiro deste ano. Estava-se na ressaca do julgamento
feito no tribunal da Maia, em que uma enfermeira tinha sido
condenada por praticar clandestinamente abortamentos e certas
vozes tinham aparecido a defender a liberalização do aborto.
Com toda a clareza o Expresso, no Editorial, disse ser con-
trário à liberalização do aborto, fazendo algumas referências
importantes. A primeira tinha a ver com o facto de, na discus-
são do aborto, nunca aparecer a referência ao homem como
um dos intervenientes. No caso do aborto, a mulher não é o
único actor; temos o pai e o feto. Assim sendo, o debate não
pode deixar de ter em conta estes dados. Numa sociedade
que pretende ultrapassar o machismo, não é admissível que
o homem fique de fora e deixe sozinha a mulher grávida.
Por outro lado, o ovo, o embrião é alguma coisa e deve ser
tida em conta. O outro argumento apresentado pelo Expresso
referia-se à responsabilidade: cada um deve ser responsável
pelos seus actos e a liberalização do aborto é um chamamento
à desresponsabilização.
Embora existam esses jornais institucionais, o mais comum,
contudo, é cada periódico ter um certo ponto de vista a partir
do qual faz a leitura da realidade. Assim, falam de política, de
economia, de religião, de desporto, enfim de todas as ques-
tões, a partir de um determinado quadro ideológico. Por esta
razão se diz que determinado jornal é de direita, que aquele é
de esquerda e que outro é centrista, não no sentido de ser de
CDS. Em Espanha, é sabido que o ABC é de direita e o El Pais,
de esquerda; em França, o Figaro é de direita e o Libération,
de esquerda.
Nas rádios, também é assim. Repare-se que em Portugal
há imprensa que quase nunca dá notícias que tenham a ver
com a religião e outra que fala sempre em termos críticos ou
depreciativos da religião e, concretamente, da Igreja Católica.
Com um exemplo: na peregrinação dos jovens a Roma, no ano
do jubileu de 2000, deslocaram-se àquela cidade mais de um
milhão de jovens de todo o mundo e a comunicação social
portuguesa quase não disse uma única palavra sobre isso.
A Renascença, por seu lado, que é propriedade da Igreja, deu
particular atenção ao evento, tal como informa desenvolvida-
mente sobre o que se passa no mundo religioso e, concreta-
mente, na Igreja.
Há, portanto, um quadro de valores a partir dos quais os
órgãos de comunicação social falam. É o que se designa por
estatuto editorial, espécie de magna carta de cada órgão de
comunicação, em que se explicita o quadro de valores que
preside ao projecto editorial.

Empresas de comunicação social

Simplesmente os órgãos da comunicação social são também


empresas, públicas ou privadas, o que complexifica as ques-
tões e coloca problemas enormes, sendo o primeiro relativo à
sua finalidade. É ponto assente que a finalidade das empresas
privadas em geral é ganhar dinheiro. Quando se trata, porém,
de empresas de comunicação social, a pergunta a fazer é se
elas têm como fim único o lucro.
No que respeita às empresas públicas de comunicação,
a questão não é mais simples: essas empresas podem ser con-
sideradas de «serviço público». E o que é que isso significa?
Sendo empresas de serviço público, há que esclarecer o seu
financiamento e se os seus gestores se devem preocupar com
a sua rentabilidade económica. No caso português, sabe-se a
que situação esta indefinição tem levado.
Penso ser inquestionável que uma empresa tem por
finalidade ganhar dinheiro, mas, uma vez que a imprensa
trabalha com bens culturais, não pode ter como único fim
o lucro. Como diz Enrique Bonete Perales, professor de Ética
e Filosofia Política na Universidade de Salamanca,
por muito que surpreenda os empresários da comunicação, há que
afirmar taxativamente que o fim último de uma empresa informa-
tiva e audiovisual não é ganhar dinheiro. É um dos seus fins para
subsistir com independência e profissionalismo. O aumento do
capital na realidade é o meio imprescindível para realizar os fins
2
Enrique Bonete Perales, específicos do mundo audiovisual: informar, formar e entreter 2 .
•Introducción. Conflitos mo-
rales en los médios audiovi-
suaies-, in idem (ed.) Ética Os bens culturais, que são aqueles com que lida a comunica-
da la comunicación audio-

uisuai, Madrid, Tecnos, 1999, ção social, são diferentes dos outros bens. Nao se pode com-
p 36
' parar uma cadeia de televisão com um hipermercado. Este
rege-se pela ética empresarial, pela ética dos negócios, pela
ética económica. Estas éticas, contudo, não chegam para uma
empresa de comunicação social, precisamente porque esta
negoceia [...] com bens culturais, com produtos -ideológicos- que
contribuem ou não para a formação - em suas múltiplas dimen-
sões - da cidadania. O qual é motivo suficiente para que estas
3
ibidem, p. 37. empresas -sócio-económicas- se submetam a pautas morais 3 ,

como diz o autor já referido. A comunicação, devido ao pro-


duto com que trabalha, tem que atender a princípios consa-
grados em todo o mundo democrático e de que citarei os
referidos por Bonete Perales: os princípios de
d) objectividade, veracidade, imparcialidade; ti) separação entre
informações e opiniões; c) respeito pelo pluralismo político, reli-
gioso, social, cultural, [...]; d) respeito pela honra, a fama, a vida
privada e os direitos constitucionais; e) protecção da juventude e
4
ibidem. da infância; f ) respeito pelos valores da igualdade, etc. 4

472
Quando se pensa em comunicação social como serviço
público, considera-se que aquela dá particular atenção ã sua
função formativa e defende-se que deve ser sustentada pelo
Estado enquanto presta esse serviço. Ora, a definição de ser-
viço público não é imune à controvérsia e muitas vezes o
«serviço público» tem sido capa para serviços a alguém, ao
poder, que é quem financia esse serviço, o que tem dado azo,
e justamente, a muitas críticas provindas de muitos quadrantes,
muito particularmente dos partidos que, no momento, estão
na oposição e se sentem prejudicados. Isto significa que quem
financia o serviço público serve-se dele, directamente ou por
interposta pessoa, quem paga põe esses órgãos de comunica-
ção social ao seu serviço. Para dizer isto com o título de um
livro NãO há almOÇOS grãtÍS\ 5 E aqui está C O m O O S princípios 5
M o César das Neves, Não
bá almoços grátis: colectâ-
acima referidos, a que devem obedecer os órgãos da comuni- ma de artigos de opinião,
. , _ ,. , , , .. . Lisboa, Notícias D.L., 1994.
caçao social, sao distorcidos pelas empresas publicas da comu-
nicação. Quem financia, acaba por encontrar caminho para
ser compensado da sua boa vontade.

«Serviço público» e «Serviço ao público»


em mercado concorrencial

E o que se passa com as empresas privadas de comunicação


social, relativamente aos princípios enunciados? Apesar de ser
evidente a justeza do que disse sobre os princípios que devem
reger esta área de actividade, o que se verifica, olhando para
o que nos rodeia, é que aqueles princípios são sacrificados em
função do gosto do público, pelo menos é o que mais vezes
se ouve dizer pelos responsáveis por esses órgãos de comuni-
cação quando são criticados pelo baixo nível da programação
ou pelo modo de abordar os temas. Dizem esses responsáveis
que estão ao serviço do público.
Antes de mais, é preciso fazer uma distinção importante.
Há que distinguir entre «serviço público» e «serviço ao público»,
distinção essa aplicável ao que emitem as empresas públicas
e privadas de comunicação social. Toda a empresa desta área
afirma que, numa sociedade democrática, isto é numa socie-
dade que implica o consenso, é indispensável a informação
que deve ser fornecida pelos órgãos de comunicação. Desta
6
Francisco j. Laporta, -EL necessidade de base deriva o «direito a saber»6, e, consequen-
derecho a informar e sus
enemigos- in E. Boneie temente o «Direito de informar e ser informado» , pelo que os
1'erales (ed.), ot>. cil., p. 79. . . . , . . . ,

orgaos de comunicaçao social se tornam indispensáveis numa


lhlde L
" tal sociedade, não devendo o Estado interferir no fluxo de
informação. Com isto fica descartado, ou parece ficar, o pro-
blema da interferência do poder político na comunicação que,
como mostrámos há pouco, pode não ficar, uma vez que há
empresas públicas de comunicação. Devemos, contudo, fazer
duas observações. Em primeiro lugar, não se pode esquecer
que o direito a informar e a ser informado não são direitos
absolutos. Em segundo, deve ter-se em conta que, numa socie-
dade democrática e liberal, como são as sociedades evoluídas
em que vivemos, esses direitos de informar e ser informado
praticam-se no mercado, num sistema concorrencial; isto é,
exercem-se nos condicionalismos inerentes do mercado livre
e competitivo, o que não é inócuo.
O que significa a interferência do mercado na comunica-
ção? Disse anteriormente que a comunicação social, em geral,
informa - tem o dever de informar - e diverte - é hoje uma
das funções que dela se espera. Mas tudo se faz no mercado.
Surge então a competição. O objectivo é ser mais visto, mais
ouvido, mais lido e para isso não é tanto a informação ou a
qualidade de diversão que interessam. No fundo, o que inte-
ressa é ter clientes e, consequentemente, o serviço público
torna-se um serviço ao público. Em vez de se avaliar a quali-
dade do produto a apresentar, procura-se agradar ao público,
mesmo que isso exija baixar o nível. O que interessa é ser
visto, ouvido e lido por muitos, porque é assim que se ganha
dinheiro, e ganha-se dinheiro por duas vias: pelo produto que
se vende e pela publicidade que se conquista. O mercado da
publicidade é fundamental para os órgãos de comunicação
social, quaisquer que eles sejam. É verdade que se a empresa
de comunicação social é paga pelo orçamento geral do Estado,
não é o mercado que a condiciona, mas levanta-se logo a difi-
culdade da sua instrumentalização por parte do poder político

474
a que já me referi. No caso português, a RTP tem vivido a
dupla dificuldade: o financiamento público e a concorrência
própria do mercado.
Por tudo isto, a dimensão formativa dos órgãos de comu-
nicação social, um dos seus fins, se não o seu fim funda-
mental, é abandonada e desce-se ao grau zero da cultura e à
boçalidade atroz dos instintos mais primários. E é ver-se quem
desce mais baixo para atrair mais público.
Os responsáveis pelos órgãos de comunicação social dizem
que não têm culpa do baixo nível do que apresentam, que
apenas respondem ao gosto do público e que este quer aquele
produto. Outros chegam mesmo a dizer que não têm respon-
sabilidades culturais, que gerir uma empresa de comunicação
social é como dirigir um outro qualquer negócio. Evidente-
mente que não é! Quem considera que a comunicação social
é como qualquer outro negócio, reduz os outros a meros objec-
tos consumidores, isto é a meros meios para ganhar dinheiro,
o único valor que considera importante. Está-se perante uma
nova idolatria e a coisificação das pessoas.
O que acontece é que na nossa sociedade - Marx tinha
toda a razão - o dinheiro é o valor supremo e, para o adqui-
rir, vale tudo, embora o pudor leve alguns a esconder o que
procuram. Quando a privacidade de alguém é violada, ime-
diatamente o órgão de comunicação social infractor dirá que
tinha a obrigação de informar. Quando a honra de alguém é
molestada, dirá que a verdade é para ser dita, mas, vendo bem
cada caso, normalmente se conclui que a única motivação que
levou à violação da privacidade de alguém ou a beliscar a sua
honra foi prender o público para ganhar ainda mais dinheiro.
Neste panorama, a televisão ocupa um lugar à parte. Hoje
- j á há bastante tempo, aliás - o que não passa na televisão
não existe e o que existe acontece segundo o que a televisão
mostra. Como o estranho, o pitoresco, o bizarro, o chocante,
o escandaloso, o boçal prende audiências, é isso que se emite.
No noticiário sobre a política, fica-se pelo chiste, pelo circuns-
tancial. Dá-se mais tempo de antena ao anedótico ocasional
que apareceu na discussão da proposta de lei do que ao con-
teúdo da lei; dá-se ao Presidente da Comissão Nacional para
as Ciências da Vida um minuto para comentar a licitude ou a
ilicitude da quebra do sigilo profissional de um médico e meia
hora para comentar um assassinato ou, pior ainda, um fait
divers do jet set nacional, que não tem qualquer importância
para o país ou para cidadão comum; repete-se à saciedade
uma gaffe de um político, fora de qualquer contexto que a
permita compreender, e não se refere o que de importante ele
disse antes ou depois.
A rampa na qual se está a deslizar não se sabe até onde
conduzirá, mas não nos levará a bom sítio. Há quem pense
que é a própria liberdade e a democracia que estão em perigo.
Algumas declarações dos principais responsáveis são de tal
ordem que fazem temer o pior. Afirmações tais como: «a comu-
nicação social não tem nada que ter preocupações culturais!»,
«fazem-se presidentes como se vendem sabonetes», não são
de bom augúrio.

3. «Que fazer perante a comunicação social que temos?»

Perante tudo isto, o que fazer? Esta questão tem sido imensa-
mente discutida e há diversidade de respostas. Alguns consi-
deram que nada há a fazer, que o poder da comunicação
social - o novo poder, ao lado do poder legislativo, executivo
e judicial de que já falava Montesquieu - é de tal ordem, que
nada o pode controlar. Segundo outros, há que criar um quadro
legal amplo, bem articulado e com um conjunto de penas sufi-
cientemente dissuasor que desencoraje os que são tentados
a ultrapassar os limites. Outros pensam que há que melhorar
a deontologia profissional. Há quem se sinta tentado pela
constituição de comissões de controlo que deverão zelar pela
comunicação social de maneira a evitar abusos. Por último,
e não pretendo ser exaustivo, alguns autores consideram,
8
Esta pane do texto está Francisco Sarsfield Cabral é um deles 8 , que, nesta questão
bastante inspirada pelos es-
critos sobre comunicação dos órgãos de comunicação social, nada há a fazer pelo lado
social que este autor reuniu
no seu livro Ética na socie-
da oferta e, por isso, a única esperança de inverter a situação
dade plural, Coimbra, Edi- calamitosa a que se chegou, principalmente na televisão, é
ções Tenacitas, 2001.
trabalhar pelo lado da procura.

476
Muito sucintamente direi o que penso sobre cada uma
destas tentativas. Não fazer nada é demitir-se da sua qualidade
de pessoa e de cidadão. Uma sociedade de mulheres e homens
livres não pode pactuar com a exploração desenfreada a que
se chegou; há que fazer alguma coisa.
Mas o quê? Considero que é sempre possível melhorar
o quadro legal e os códigos deontológicos, mas por aqui não
se irá muito longe. Há sempre possibilidades de aproveitar a
condição humana de seres hermenêuticos que somos jogando
no campo interpretativo e distorcer os textos ou imagens de
modo a escapar ao estipulado; além disso, não é possível
encontrar um código, jurídico ou deontológico, que preveja
todas as situações. Por último, mesmo que isso fosse possível,
ainda ficava por resolver o principal problema: como levar
os responsáveis a cumprir as normas? Não é a norma jurídica
ou deontológica que leva à necessidade do seu cumprimento;
é a moral que ensina que é nossa obrigação obedecer às leis
justas. Quanto às comissões de fiscalização, estamos perante
uma solução perigosíssima. Rapidamente estaremos perante
comissões de censura cujas funções todos sabem onde come-
çam mas ninguém sabe onde acabam.
Como se vê, pelo lado da oferta não penso que se possa
fazer muito. Efectivamente, o valor supremo para as empresas
de comunicação social é o lucro e a esse valor tudo se sacri-
fica. E quando se fala e pede autocontrolo ou se declara que
se vai enveredar por ele, apenas se pode ter a certeza de uma
coisa: tudo ficará na mesma, isto é, tudo será sacrificado ao
económico.
Fica a possibilidade de trabalhar a questão pelo lado da
procura, isto é pelos consumidores de comunicação social,
havendo vários caminhos possíveis dos quais apontarei três.
O primeiro tem a ver com a educação dos telespectadores, dos
leitores de jornais e revistas e dos ouvintes de rádio. Cabe em
primeira instância às famílias. Os pais devem aproveitar as
oportunidades que surgem ou criá-las para educar os filhos a
ver e a ler, como uma das dimensões fundamentais do pro-
cesso educativo. Isto exige que eles se cultivem e cultivem
os filhos, transmitindo valores e espírito crítico. Para isso, o
direito inalienável à liberdade de ensinar e aprender em real
igualdade, de modo a que os pais possam efectivamente esco-
lher as escolas onde querem que os filhos estudem, é funda-
mental. Uma escola assim será uma óptima ajuda para os pais
na tarefa da educação.
Um segundo caminho, embora não acessível a todos,
é o de trabalhar ou colaborar com qualidade na comunicação
social e nisso procurar formar os consumidores. É um trabalho
pedagógico de grande importância.
O terceiro, e importantíssimo, é o de participar em grupos
de pressão que tentem condicionar os órgãos de comunicação.
É do conhecimento geral a importância e o que consegue
obter uma opinião pública bem organizada.
Em síntese, e para concluir: mostrei que sem ética a
comunicação é impossível. Referi, de seguida, os valores que
dominam a maioria da comunicação social: a propaganda polí-
tica e o lucro. Concluí com o que penso se pode fazer para
sair da situação a que fomos conduzidos. É evidente que os
caminhos propostos para sair do estado actual são longos e os
resultados levarão muito tempo a aparecer, mas numa socie-
dade livre e democrática - a democracia, apesar dos seus
defeitos, ainda é o melhor sistema político que encontrámos -
não há outros, pois que só eles respeitam os indivíduos como
pessoas, isto é, seres que são fins em si mesmos e não meios.
Dos consumidores que somos
Today's consumer has been variously described as
demanding, fickle, informed, sophisticated, disloyal,
footloose, individual and easily bored. It is assumed
that ali consumers can identify themselves through
a combination of any or ali of these characteristics.
FINANCIAL TIMES BUSINESS, 1.998

1. Do conhecimento do cliente/ Apesar das diversidades regionais, há sinais de


homogeneidade de mercado e, sobretudo, dificul-
consumidor
dades de resposta a estímulos psicossociológicos
comuns (pressão urbana, insegurança, vazio,
Queremos conhecer o cliente/consumi- escassez de tempo) que tipificam o consumidor
dor final com o intuito de percebermos europeu (e global). O padrão que sobressai (impa-
como se comporta o mercado, como as ciente, individualista, consumista insaciável mas
cansado de tudo) é desinteressante, mas desafia
empresas se devem preparar para ele e,
a mudanças de comportamento no mercado para
por último, se é possível antever, através reagir contra a dependência escravizante do binó-
do seu conhecimento, alguma mudança mio abundância-deslnteresse.
que lhe possa ser induzida, formando-o
e fazendo-o sair, tanto quanto possível, do binómio redutor e
escravizante em que caiu e que se designa por abundância-
-desinteresse. Neste contexto, os principais atributos explica-
tivos do cliente/consumidor, que pretendemos caracterizar,
podem bem ser sumarizados por:

• o cliente/consumidor exerce o seu poder de consumo


através de um número diverso de canais, on e off-line,
novos e tradicionais;
• o cliente/consumidor é um indivíduo cauteloso, preo-
cupado e ansioso com o futuro;
• o cliente/consumidor é esperto, filtra informação e con-
segue captar a essência da actividade de quem lhe faz
propostas de venda, mesmo que de forma inconsciente;
• o cliente/consumidor é, simultaneamente, liberal e con-
servador, não conformista e, em alguns casos, algo pre-
visível;

* Professor Associado (Gestão), com Agregação, do ISCTE.

Umtéria 155 (2002) 479-491 479


• o cliente/consumidor pretende preservar algum senso de
família, embora a unidade tradicional esteja posta em
causa;
• o cliente/consumidor está bem mais preocupado com a
sua saúde e higiene e as condições com que se depara
do lado da oferta, fazendo rapidamente juízos de valor;
• o cliente/consumidor encontra-se, simultaneamente, mais
longe e mais perto de uma alimentação mais saudável,
muito embora sem a conseguir sustentar no médio prazo;
• o cliente/consumidor é uma espécie de arco-íris, cama-
leão, sendo que a oferta muitas vezes não encontra a
melhor solução, ou a cor mais apropriada, nomeada-
mente para combinar com o seu padrão de comporta-
mento, fazendo perigar a organização/empresa consti-
tuída para o servir.

Estas e outras características fazem com que possamos


dizer que existe um mercado final que emerge rápida e susten-
tadamente, caracterizado por um perfil de cliente/consumidor
diferenciado, quiçá padronizável e, talvez, novo, sendo que a
empresa, de forma isolada, não está preparada para responder
de maneira eficiente e eficaz às suas exigências e expectativas.
Esta homogeneidade encontra explicação num padrão de
mercado que se desenvolve no contexto europeu, e também
global, mesmo sabendo da heterogeneidade de base e da
diversidade, se centrada no continente europeu, e "nomeada-
mente na vertente Ocidental, dos vários estados-nação ou, com
mais acutilância, dos vários blocos regionais.

2. Do Cliente/Consumidor da Europa e do Mundo

De facto, a Europa, nomeadamente a comunitária, como palco


prioritário desta nossa abordagem, consiste num conjunto rela-
tivamente diverso, para não dizer s„eparado, de indivíduos (ou
grupos) e de práticas empresariais. Mais, a história da gestão
e do empreendimento empresarial europeu Ocidental mais
recente tem como características dominantes, mas agora con-
juntas, a lentidão no percurso, a reactividade aos modelos
americanos ou nipónicos e a fraca criatividade, sem nos im-
portar, para já, se existe, de facto, um curso comum que esteja
a ser percorrido, quer por empresas quer por clientes/consu-
midores, nomeadamente para que se possa dizer que se iniciou
um cursar conjunto desse mesmo caminho.
De há uns anos a esta parte a criação de grandes poten-
tados económicos tem-se sobreposto à construção de tecido
empresarial pequeno e ágil, faltando dinamismo empreendedor
e legislação favorável ao acto criador.
Um aspecto parece certo. À medida que as empresas pro-
curam vantagens competitivas nas várias mudanças que se vão
verificando na Europa, a importância do que designamos por
logística, cada vez mais supply chain management, ou melhor,
supply-demand chain management ou network management,
tem vindo a aumentar. E a razão parece mais ou menos óbvia
e simples, residindo no papel coordenador crítico que aquela
desempenha para um grande número de empresas, seus for-
necedores, clientes directos e, também, clientes/consumidores
finais.
Convém, porém, ante um cenário com pano de fundo tão
rico, explicitar que por logística, ou sinónimo, se entende
sempre a gestão de um conjunto de actividades integradas,
capazes de coordenarem com êxito fluxos físicos e informa-
cionais de uma origem a um destino (das matérias-primas
ao consumidor final, por um lado, e dos produtos e/ou emba-
lagens não utilizados até à sua reciclagem e aproveitamento
— reverse logistics —, por outro), de maneira a servir de forma
global - serviço total - os públicos pertencentes aos vários
mercados alvo.
Sabe-se ainda, pela evolução empresarial a que temos
assistido, que a origem e o destino acima referidos são cada
vez menos reconhecíveis e podem, em muitas circunstâncias,
apresentar-se coincidentes. Mais, a existência de cada vez menos
produtos puros e serviços puros, reconhecendo-se apenas ser-
viços com produtos, produtos com serviços ou serviços com
serviços, fazem com que o conjunto de actividades integradas
que acima se referia se oriente, também, para o universo dos
serviços e não só dos produtos, abrangência que pode ser
sintetizável numa palavra: disponibilização.
Reconhece o leitor, tão bem como nós, que o serviço ao
cliente/consumidor - e falamos de serviço total ao cliente/con-
1
Martin Christopher, Richard sumidor, acréscimo diferenciador ao produto/serviço nuclear 1
Yallop, -Audit your Custo- „ . . _ .

mer Service Quaiity-, Focus, - e critico para o posicionamento estrategico em todas as econo-
9(5), 1990, pp. i-6. mias de mercado. Na Europa Ocidental, como nas restantes
economias de idêntico perfil, o posicionamento estratégico,
desde que dotado de alguns dos seus ingredientes principais,
ditos atributos, tornou-se uma componente empresarial (ou da
cadeia de valor) com importância histórica sem precedentes.
Porque é por intermédio daqueles atributos, mutáveis consoante
as exigências e o rumo do mercado, que as empresas edificam
oferta, atraem procura e fidelizam clientes/consumidores.
Conjugando o cenário europeu Ocidental com a perspec-
tiva de serviço total temos um teatro de operações interessante,
no mínimo, para podermos perceber o porquê da importância
de tais atributos para poder fazer convergir oferta (de serviço
total) com procura (de bens e de serviços). Primeiro porque
estamos a falar da forma como se move e orienta a nossa
própria casa europeia. Depois porque nela se encontra, salvo
algumas excepções, a base sólida dos principais clientes/con-
sumidores das nossas empresas, a servir. Por último, porque é
ela, reconhecendo nós o fraco alcance da nossa capacidade
altruísta, a que genuinamente mais nos interessa, quer na pers-
pectiva do desenvolvimento económico, quer na perspectiva
do enquadramento à escala global.
Façamos, então, um percurso Ocidental europeu para,
ante a diversidade, podermos caracterizar e explicitar aquilo
que designámos, inicialmente, por padrão tipificável ou cliente/
consumidor homogéneo (mesmo se válido à escala global).

Uma Europa heterogénea

E comecemos, sem grandes pretensões, pelo índice Coca-Cola


1
(consumo de Coca-Cola per capita, nomeadamente na Europa
The Economist, Dec. 20th- • , i , . , 2\
- j a n . 2nd 1998, pp, 122-23. Ocidental, publicado pelo The Economist ), para depressa nos

482
apercebermos de que de todas as grandes regiões do globo,
i.e., macro-regiões, é talvez esta a mais heterogénea. Temos
desde heavy drinkers (acima dos 71 litros/ano por habitante),
como o caso da não comunitária mas Ocidental Noruega, até
aos soft drinkers, como Portugal, França e Itália (14-28 litros/ano
por habitante). Pelo meio ficam alguns médium drinkers como
a Áustria e a Espanha (28-50 litros/ano por habitante), por
exemplo.
Nem o clima, nem o rendimento per capita, nem o índice
de desenvolvimento agregado proposto pelas Nações Unidas
(rendimento, educação, saúde e instrução) conseguem expli-
car totalmente as várias diferenças de consumo de Coca-Cola
entre países da Europa Ocidental. Sinais de diversidade, apenas.
Veja-se, também, que a geografia europeia apresenta fron-
teiras físicas não ignoráveis, de que são exemplo os Pirenéus,
acentuando a periferia ibérica, mais ainda a portuguesa, os
Alpes, que constituem, de alguma forma, barreira natural
entre Alemanha, Suíça, Áustria e Itália, a Mancha, separando o
Continente das ilhas britânicas e o Mar do Norte e o Báltico,
afastando Finlândia, Suécia e Noruega da Europa Central.
Mas as diferenças não se ficam pelas barreiras físicas,
estendendo-se a zonas climatéricas que, embora complemen-
tares, apresentam características francamente diversas. As nações
do Centro e Norte da Europa apresentam climas frios, con-
trastando com os climas mediterrânicos dos países do Sul.
Longe da harmonia está também o produto (PIB) per
capita. Homogeneidade, a existir, verifica-se, muito grosso modo,
entre Alemanha, Áustria, Bélgica, Finlândia, França, Holanda,
Itália, Reino Unido e Suécia. No topo superior figuram Luxem-
burgo e Dinamarca e as não comunitárias Noruega e Suíça.
No patamar inferior encontram-se Irlanda, Espanha, Portugal
e Grécia. Aquém destas, e menos ocidentalizadas (geográfica
e economicamente), aparecem as restantes economias euro-
peias não comunitárias.
A população está também concentrada, ou densificada,
em bolsas específicas, sobretudo no centro da Europa, nomea-
damente no Benelux, Alemanha e Noite de Itália, nalgumas
zonas do Reino Unido, como as de Londres, Birmingham e
Manchester, por exemplo, nas extensas zonas urbanas de Paris
e Lyon, em alguns pontos da península Ibérica como Barce-
lona, Madrid e Galiza/La Coruna, bem como, e em menor
escala, na grande Lisboa e grande Porto.
Adicionalmente, existe uma diversidade linguística invul-
gar, com padrões culturais assentes em raízes de natureza dife-
rente. Culturas pró-latinas (com línguas românicas como o
francês, o italiano, o espanhol e o português) que diferem
substancialmente das que derivam da tradição pró-germânica
(dinamarquês, holandês, alemão, inglês, norueguês e sueco)
e das de tradição pró-eslava que, muito embora não comuni-
tárias, tenderão a fazer, cada vez mais, por enquanto por via
indirecta, parte do todo comunitário (casos do polaco e do
checo, por exemplo).
Para além destas existem, ainda, algumas variantes e decli-
nações nacionais ou regionais em vários países, correspon-
dendo a etnias, tradições e formas de estar também diversas.
De realçar os grupos culturais que, reconhecidamente,
se formam subjacentes a este espectro e se podem descrever
como teutónicos, latinos e anglo-saxónicos, variando nas formas
i
Andersen Consulting, Cran- de expressão e abordagem às mais variadas temáticas 3 .
field School of Manage-
ment, Recotifiguríng Euro- O grupo teutónico (de raiz alemã, escandinava ou do
pean /.ogislics S)>siems, para
o Council of Logistics Mana- Norte e Centro da Europa) tem tendência a ser altamente lega-
gement, U.K., 1993.
lista, começando por exprimir a conclusão de um argumento,
dando-lhe continuidade com o desenvolvimento de suporte e
regressando, finalmente, à conclusão.
O grupo latino (França e Sul da Europa) dá prioridade ao
pensamento assente no formalismo, começando com um intróito
ao argumento, usualmente de natureza teórica, e fazendo o
seu desenvolvimento assente em vários pontos, cada um deles
contendo vários subpontos de suporte, e terminando com uma
conclusão, qual tese, que permite a validação, ou não, do
argumento.
O grupo anglo-saxónico (Reino Unido, na Europa) privi-
legia a inferência a partir de uma aproximação empírica, ini-
ciando com uma série de observações concretas e pragmáticas
para passar rapidamente à conclusão mais lógica.

484
Adicional e paralelamente, alguns aspectos parecem poder
ser mais ou menos esboçáveis. Em primeiro lugar, a Europa
constrói-se sobre terreno instável e marcado por clivagens pro-
fundas, facto que só contribui para tornar o projecto mais
interessante, ambicioso e arrojado.
Em segundo lugar, e face às inúmeras diversidades apon-
tadas, o tempo de negociação de cada etapa, no sentido de
atingir pontos comuns, é francamente demorado e revela ao
exterior, qual open-book, toda a sua hipotética componente
estratégica (se é que ainda a tem, ou alguma vez ousou ter).
As empresas e os indivíduos sentem-se, eles próprios, reféns
desta inércia e, talvez por isso, menos propensos à criatividade,
à construção de novas ideias e à empresarialidade pró-activa.
Por último, se há aspecto que convém realçar é o facto
de a história da Europa, qualquer que seja o grupo cultural
em que possamos pensar, ter demorado sempre séculos a
construir, o que poderá tornar a União Europeia num projecto
à la longue, potenciando a sua paralisia e alargando o fosso
que nos separa, queiramos ou não, da economia empresarial
mais incubadora do mundo, ou seja, os E.U.A.
Todavia, acima de todos estes aspectos e já numa tenta-
tiva de encontrar pontos comuns, é possível delimitar dois
grandes grupos europeus. Um mais federalista, acreditando
que a Europa se pode construir assente num governo supra-
nacional, com uma política externa e de defesa comum, uma
moeda única e um parlamento com poderes alargados. Outro
mais céptico, acreditando na União Europeia sob o ponto de
vista estritamente económico e sem que cada estado-nação,
e porque não região, se veja obrigado a ceder autoridade que
deva ser pertença dos vários governos nacionais/regionais.
No meio de todo um cenário de génese separatista e,
paradoxalmente, muito embora persistam, sejam visíveis e
notórias as diversidades climatéricas, orográficas e físicas,
excessivas diferenças entre sistemas de saúde e de educação,
desníveis acentuados entre poderios económicos e políticos,
barreiras sociológicas, religiosas e culturais latentes, proteccio-
nismos mais ou menos subtis e passados à prática pelo mundo
empresarial e por cada uma das nações per se, ou por agru-
pamentos sectários, de tipo racial, religioso ou outros, sobe ao
palco europeu, e acima de tudo isto, um comprador/consumi-
dor, geralmente pró-urbano, com características próprias, unas
e impensáveis face à diversidade de origem, não tendo outra
alternativa senão apresentar-se como o consumidor da Europa
(perfil também válido para um consumidor global).

3. Do Cliente/Consumidor Padrão

Quer isto dizer que, por entre a diversidade, mesmo se imposta


pela continuidade das práticas locais e por diferenças no ser-
viço aos vários mercados, até por via dos desníveis infra-estru-
turais na base de cada uma das regiões e/ou estados-nação
(rodoviários, marítimos, aéreos, ferroviários, unidades de arma-
zenagem e redes de informação, entre outros), surge um mer-
cado novo (segmento), i.e., um padrão de compra/consumo
que, englobando vários outros, acaba por se lhes sobrepor.

Sinais de homogeneidade

E é a este padrão de consumo europeu, tipicamente pró-


-urbano, que ousamos chamar o consumidor da Europa, pois
recebe, como comuns, alguns sinais da homogeneidade que
encimam a diversidade reinante, embora possamos pensar que
não são estes, ainda, os mais determinantes para a construção
do caminho caracterizador do novo perfil de mercado, nomea-
damente na indústria alimentar.
Referimo-nos, entre outros, a uma marca ou conjunto de
marcas globais, procuradas como sinal de ostentação, caução
e/ou garantia de qualidade, nomeadamente quando aumenta
a implicação na compra, muito embora o consumidor já se
tenha habituado a conviver bem, também, com a(s) sua(s)
4
Georges Chetochine, Estra- substituta(s) 4; um package publicitário pan-europeu ou global
tégias da empresa face à tor-
menta dos preços - ser con- e de características semelhantes, muito embora o consumidor
correncial ou diferencial?,
AJE Sociedade Editorial, padrão dê sinais crescentes de indiferença face a ele, uma vez
Lisboa, 1998.
que tem tendência a postecipar a decisão de compra para o

486
local de venda; um conjunto de pontos de venda ou formatos
de distribuição demasiadamente iguais e prototipados (forma-
tos conhecidos da moderna distribuição de base alimentar,
sobretudo), através dos quais aprendeu, ele próprio, a fazer
o seu benchmarking e a gerir proveitos. Outros exemplos de
natureza semelhante poderiam ser apontados.
Sempre que se apresentem ao consumidor da Europa (ou
global) um conjunto de soluções repetitivas mas que dêem
margem de manobra para alternativas, pela multiplicidade da
oferta, ele consegue tirar delas o melhor partido e depressa
as passa a encarar como previsíveis, gerívéis e só capazes
de desanuviarem, momentaneamente, a sua eterna monotonia.

Estímulos psicossociológicos comuns

O consumidor da Europa (e global) recebe como sinais ou


estímulos verdadeiramente comuns, para os quais não encon-
tra solução, aqueles que o afectam mais fortemente na sua
natureza psicossociológica, qualquer que seja a parte da casa
europeia (ou global) onde habita:

• um congestionamento urbano (e já não só) crescente e


insuportável, em nada importando a localização da me-
trópole por onde vagueie, não sendo capaz de encontrar
soluções agradáveis para o contrariar, à excepção das
efémeras estadas nos paraísos bucólicos a que pode
aceder ou com os quais ainda sonha;
• um futuro cada vez mais incerto, um trabalho mais inse-
guro, um amanhã nebuloso e perturbado, que o tornam
demasiadamente obsessivo no que quer, numa tentativa
de chegar não sabe bem onde, mas sendo levado a per-
correr, quase sempre, um caminho com o qual convive
menos bem;
• um urbanismo selvagem, caótico e agressivo-poluidor,
com o qual coabita de forma pouco amistosa, muito
embora aparentemente descomprometida, e para o qual
também contribui mas que o torna, na maioria das vezes
inconscientemente, num dos consumidores ecológicos
mais preocupados do planeta;
• um vazio de substância que vai encontrando no(s)
outro(s), como se este(s) não partilhasse(m), também,
do mesmo sentimento, tornando-se um cidadão sozinho
e alheado num mundo de gente, transformando a sua
solidão numa permanente repetição de nonsense life,
impaciência e, acima de tudo, fazendo emergir uma inca-
pacidade total de espera, chegando cada vez mais rapida-
mente ao estado de violência. O consumidor da Europa
é um verdadeiro umbelico dei mondo, numa total depen-
dência do binómio abundância-desinteresse.

O que faz este consumidor da Europa (com perfil global),


acima de todas as diversidades que foram sendo apontadas,
por entre consumos e preferências diversas, e por mais gros-
seiro que possa parecer o esboço e cruas as palavras (embora
5
Ver, por exemplo, mesmo fortemente sustentado bibliograficamente 5 ) é, sob a sua auréola
se com carácter evolutivo,
em: André Tordjman, Straté- pró-urbana, a escassez de tempo (provocada pela fast society),
gies de Concurrence dam te
Commerce: Les Services au a falta estonteante de paciência para o que o rodeia, uma relu-
Consommaleur, Les Éditions
d'Organisation, Paris, 1983;
tância global a tudo o que ultrapasse a sua própria pessoa,
Andersen Consulting, Grocety uma incapacidade total para compreender que ele próprio se
Dlslribttlion in lhe 1990's:
Slrategies for fast Jlow reple- encontra refém, em certa medida, de um ciclo de vida, u m
nisbment, para The Coca-
-Cola Retailing Research apego material e um receio relativo ao futuro verdadeiramente
Group, Europe, 1992; David
Walters, RetailManagement, desproporcionados, uma sobreposição do ter sobre o ser e
MacMillan Press, London,
1994; Martin Christopher,
uma necessidade insaciável de consumo aliado a um cansaço
Marketing Logislics, Butter- de tudo, porque está tudo (por hipótese) cada vez mais visto,
worth-Heinemann, London,
1997. percebido e registado 6 .
6
M. Christopher, Marketing Sendo assim, o consumidor da Europa emerge, por entre
logislics.
inúmeras clivagens e diversidades de base, como algo padro-
nizável e com características pouco interessantes quando posto
a nu. Porém, por mera prudência, vamos abster-nos de entrar
em apreciações subjectivas e mais profundas sobre o padrão
psicossociológico encontrado pois, em grande medida, cabe-
mos quase todos, com maior ou menor intensidade, inclusive
quem se atreve a escrever estas linhas, dentro do mesmo refe-
rencial comum.
Importa-nos, antes, descrever objectivamente as caracte-
rísticas intrínsecas e exteriorizáveis desse padrão, obviamente

488
um alvo de mercado demasiadamente importante para o mundo
empresarial, e as economias europeias (e globais) em geral,
uma vez que, e por recurso a ele, se podem formular estraté-
gias e utilizar atributos adaptáveis ao melhor posicionamento
da oferta.
Paralelamente à emergência do consumidor da Europa,
e qualquer que seja o movimento do velho Continente em
termos de união e/ou integração, as empresas, embora muito
reactivas, percebem cada vez melhor a mensagem e, elas pró-
prias, desenvolvem esforços (e adoptam movimentações em
tudo semelhantes a outras de índole externa e oriundas hoje,
sobretudo, do Continente americano) no sentido de alimenta-
rem o padrão encontrado.

0 consumidor da Europa

Em síntese, il umbelico dei mondo pode caracterizar-se, de


forma sumária, por ser um consumidor com média etária
acima dos 30-35 anos e capaz de despender somas avultadas
de dinheiro no seu lazer e na(s) sua(s) casa(s). Com mobili-
dade tolhida pela falta de tempo ou pela idade avançada pre-
fere comprar os produtos commodity (que são cada vez mais)
induzido pela proximidade e conveniência.
O padrão encontrado, fechado e individualista, vive em
agregados familiares reduzidos e torna-se comprador/consu-
midor individual, sendo que as decisões de compra/consumo
são muito centrados em critérios de escolha pessoais e basea-
dos em determinadas circunstâncias. A variável tempo é forte-
mente diferenciadora e capaz de tornar o consumidor infiel a
uma marca, ou a um projecto, pelo facto de a substitutibili-
dade ser factor latente ante o tempo reduzido. O preço, por
seu turno, funciona bem em segmentos de mercado aos quais
o cliente/consumidor perdeu o medo, tout court, sendo que
1
daí advém muito do sucesso das marcas próprias ou de insígnia Ver em: G. Chetochine,
op. cit.; José Crespo de Car-
vulgarizadas pelas grandes superfícies 7 . valho, Susana Cunha, Marcas
do Distribuidor em Portugal:
Muitas decisões de compra são tomadas de forma impul- Manual e Estudo Prático,
AJE Sociedade Editorial,
siva (seguindo estados tipo 1-3-2, onde figuram processos deci- Lisboa, 1998.

489
sivos de âmbito cognitivo-comportamental-avaliativo) e recaem
frequentemente sobre produtos não necessários, sendo que
o dispêndio em bens essenciais tem vindo a reduzir-se para
ceder lugar a compras ostentativas, compras para a casa ou
compras de produtos de lazer.
A procura por variedade e novidade é uma constante,
sendo que se verifica uma apetência crescente por produtos
que incorporam tecnologia (encarada, no sentido amplo, como
ciência da técnica), i.e., quer os melhor trabalhados em termos
de merchandising, por exemplo, quer os que incorporam
possibilidade de entrega em casa, encomenda à distância e/ou
8
Rodenck Younger, Logis- estejam associados à compra e pagamento via Web6.
Iks Ttvnds In Eiimpcan
Consunier Goods, Financial
Times Hetail & Consumcr A ^
Publishinn, London, 1997. COPIClUSãO

Começámos por referir que quisemos conhecer o cliente/con-


sumidor final com o intuito de percebermos como se com-
porta o mercado, como as empresas se devem preparar para
ele e, por último, se é possível antever, através do seu conhe-
cimento, alguma mudança que lhe possa ser induzida, for-
mando-o e fazendo-o sair, tanto quanto possível, do binómio
redutor e escravizante em que caiu e que se designa por abun-
dância-desinteresse.
O padrão encontrado é complexo, é fechado e é difícil,
dir-se-ia que humanamente desinteressante quando analisado
de fora. Não obstante, se pensarmos no que somos e como
nos comportamos não podemos esquivar-nos, em muito do
que foi dito, a uma imagem de nós próprios. Os 'espelhos'
têm essa dupla virtude, a de nos permitirem o confronto com
o que de bom temos mas, não menos, com o que de pior
corre dentro de nós.
Assim sendo, conhecendo-nos a nós próprios poderemos
ousar conhecer um pouco do mercado que nos rodeia e do
qual fazemos parte, mesmo correndo o risco da miopia de
marketing. Tão simplesmente porque, conhecendo-nos a nós
próprios estamos sempre a tempo de reduzirmos o peso e a
carga negativa que se deposita dentro de nós. Conhecendo-nos

490
a nós próprios podemos pensar, por analogia, que a maioria
do mercado há-de querer o que nós queremos de pior. E, atra-
vés desse conhecimento, podemos encarar a possibilidade de
nos mudarmos, sendo que assim estaremos a mudar um pouco
o mercado. Porque nós somos mercado. E, como mercado,
temos a obrigação de contribuir para a correcção, para a regu-
lação da oferta e para a migração das empresas.
Ou seja, se não queremos compactuar com o mercado,
como o conhecemos, temos que ser nós a contribuir para
o mudar. Por nós. Pelas nossas ideias. Pelas nossas adesões
e convicções de compra/consumo. Pelo testemunho real de
que não fazemos parte de uma massa humana cujo comporta-
mento podemos reprovar e onde alegremente também nos
incluímos. Apetece referir Confúcio para dizer que «uma pessoa
superior é modesta nas suas palavras, mas inexcedível nas
suas acções». Tal como devemos ousar ser.
José Régio 8 3. Modâ Paulo Morais-Alexandre'

DESENVOLVIMENTO DE UMA
CONFERÊNCIA NA ESCOLA
SUPERIOR DE T E A T R O E
C I N E M A , NAS C O M E M O R A -
ÇÕES D O C E N T E N Á R I O D O
N A S C I M E N T O D O ESCRITOR.

0. Introdução Qual foi a relação de José Régio com a moda?


Oos indícios documentais biográficos, releva uma
relação com a Indumentária pessoal multo sóbria,
A 17 de Setembro de 2001, comemo-
multo menos preocupada que a de outros escrito-
rou-se o centenário do nascimento de res, mas igualmente longe do desleixo. Na sua
José Régio. Verificou-se que embora a obra, as descrições de vestuário e as referências
sua obra venha sendo sistematicamente à moda são parcas e muito limitadas, e nem
mesmo a excepção de ter escrito um conto sobre
estudada por investigadores como Eugé- um vestido questiona uma atitude geral de alhea-
nio Lisboa, alguns aspectos permane- mento e desinteresse.
cem inéditos. Sabia-se à partida que o
autor de Poemas de Deus e do Diabo era um notável coleccio-
nador de Arte, nomeadamente de Escultura. Nas Artes Decora-
tivas, as peças portuguesas tiveram um lugar privilegiado na sua
colecção, mas confesso que desconhecia que o escritor tivesse
tido alguma actividade relacionada com essa Arte Decorativa
por excelência que é a Moda para além da informação de
todos conhecida de ter escrito o conto «O Vestido Cor de Fogo».
Assim, o que ora se deixa registado mais não é que o
levantamento das referências à indumentária e às suas varia-
ções na obra, de José Régio e na sua própria pessoa, pro-
curando-se em conclusão caracterizar a postura do poeta em
relação à Moda.

1. José Régio e a Moda

Aceitando-se a afirmação do próprio escritor quando, numa


carta a Jorge de Sena, considera que as suas melhores foto-

" Professor-adjunto da Escola Superior de Teatro e Cinema.

fíroléría 155 (2002) 493-505 493


grafias haviam sido publicadas no volume antológico editado
' Jorge de Sena e José Ré- pela Tavares Martins 1 e tentando-se, a partir desta preciosa
gio, Correspondência, Lisboa,
Imprensa Nacional-Casa da fonte iconográfica, traçar um perfil psicossociológico do autor
Moeda, 1986, p. 190.
no que diz respeito à indumentária que envergou ao longo da
vida, pode-se desde logo considerar que o panorama não é
particularmente animador, para mais se cruzadas as poucas
referências obtidas, com a evidência de uma relação privile-
giada com a Moda, da parte doutros autores, quer seus con-
temporâneos, quer de épocas anteriores.
Assim, pode desde logo afirmar-se que Régio nunca foi
o protótipo de escritor Dandy como o fora Almeida Garrett,
nem sequer o elegante como o haviam sido Eça de Queiroz
ou Ramalho Ortigão, mas pelo inverso tem preocupações que
o afastam do género desleixado cultivado pelo heterodoxo
Luiz Pacheco.
Sant'Anna Dionísio traçou do autor de Jacob e o Anjo
um correcto retrato:

José Régio, exteriormente, é um vulto meão, de cara de donzel.


Não tem nada do ar arrebatado e titânico que salta dos seus versos.
Não há ninguém mais cortez do que ele. Atura - é o termo... - com
igual benevolência os importunos, os medíocres, os fúteis e os
pares. Gosta mais de ouvir do que de falar. E quando fala foge
a discutir. Não se exalta, nem perde a >linha» nunca. Mas o certo
é que, às vezes, o seu alongado rosto de adolescente toma jeitos
2
Sanl'Anna Dionísio, -Como inopinados de máscara trágica 2.
vi Régio desde sempre-,
in AA. W . , In Memoriam
de José Régio, Pono, Brasília Efectivamente este retrato tomado aos 25 anos, manter-
Editora, 1970, p. 503.
-se-ia pela vida fora, com a óbvia excepção do ar de donzel,
que seria perdido e duma falta de paciência para aturar, quer os
medíocres, quer os próprios pares, que se viria a desenvolver
com a idade e que é expresso à saciedade no seu diário íntimo.
Pode pois levantar-se a questão se a aparência exterior
reflectia quer o carácter quer a obra de Régio; a resposta ficou
liminarmente registada no texto «O Homem e o Escritor» da
s
autoria de João Pedro de Andrade: «Poucas vezes, pois, se
Joào Pedro cie Andrade,
-O Homem e o Escritor-, poderá encontrar escritor cuja vida esteja mais estreitamente
in AA. W . , In Memoriam
de José Régio, p. 293. ligada à obra produzida» 3 .

494
Mas essa vida não seria tumultuosa, nem sequer vaga-
mente agitada, como a de outros autores. Pelo contrário,
«.. .Régio evitaria todo e qualquer acidente na sua vida privada,
a fim de mais deleitosamente se entregar à sua obra» 4 . 4
ibidem, pp. 293-4. Veja-se
a este propósito a descrição
E é essa a postura vestimentar de Régio: absolutamente do dia em que não come-
morou os seus cinquenta e
correcto, absolutamente clássico, absolutamente neutro. oito anos: -...faço hoje 58
anos. Aqui estou sozinho,
Raras são as imagens de Régio, em que este aparece sem âs seis horas da tarde, no
estar formalmente vestido, embora por vezes existam indícios meu quarto da casa de
madrinha Libânia [...] Mais
de algumas concessões ao conforto. Assim sucede numa foto- ninguém [...] porque o João
Maria está fora. No ano pas-
grafia datada de 1957, onde o escritor surge acompanhado de sado, ainda o convidei a
ele e ao Orlando, - fomos
seu pai José Maria Pereira Sobrinho e seus irmãos João e Júlio. almoçar juntos. Resolvi, este
Aí verifica-se que todos envergam fato de três peças, ou seja ano, passar inteiramente o
dia como qualquer outro.
calças, colete e casaco, enquanto que Régio substituiu o formal Almocei só, tomarei um leite
à hora do jantar...• (José
colete do fato, por um mais confortável casaco de malha 5. Régio, Páginas do Diário
íntimo, Lisboa, Imprensa
No geral vestiria fato, com camisa invariavelmente branca Nacional-Casa da Moeda,
e com gravatas particularmente sóbrias, numa postura aliás não 2000, p. 342).

muito diferente da do seu confrade presencista Miguel Torga. 5


AA, W . , In Memoriam de
José Régio, s.p.
Por vezes substituía o fato pelo menos formal paletó escuro
com calças de fazenda. Para trabalhar em casa aligeirava o
vestuário, largando a gravata e recorrendo aos casacos de malha
como abafo, conforme fotografia de Régio à sua mesa de
trabalho da autoria de Manuel de Oliveira 6. Manuel de Oliveira, «José
Régio à sua mesa de traba-
Não se encontrou, quer nas Páginas do Diário íntimo, lho-, in AA. W . , In Memo-
riam de José Régio, p. 373.
quer na sua correspondência 7 , referência às roupas que decerto
7
transportaria consigo no trânsito frequente entre Portalegre Vide a título de exemplo
a já citada obra Sena e
e Vila do Conde. Certamente teria roupa pessoal nas duas Régio, Correspondência.

casas, mas pode especular-se se nestas viagens levaria consigo


pelo menos uma mala com objectos pessoais e alguma roupa:
O que é certo é que com o carácter metódico que Régio
evidencia, o fazer dessa mala estaria longe das características
tumultuosas que encontramos descritas n'«0 Vestido Cor de
Fogo»: «...fui buscar uma pequena mala; enchi-a, quase ao
acaso, de roupa minha que remexi nas gavetas...» 8 . * José Régio, -O Vestido Cor
de Fogo-, in Histórias de
Mulheres, Contos e Novelas,
Lisboa, Imprensa Nacional-
2. A moda na obra de José Régio -Casa da Moeda, 2000, p. 200.

Procurar referências ao vestuário ou à Moda n'«0 Vestido Cor


de Fogo» pareceria tarefa fácil, mas uma leitura atenta da obra

495
vem provar exactamente o contrário, já que essas referências
são mínimas, esparsas e pouco elucidativas, mesmo quando
José Régio se torna mais descritivo.

Poesia

Na Poesia apenas se podem encontrar raras alusões a peças


de indumentária, por vezes procurando a expressão, como por
9
José Régio, -Experiência-, exemplo «...frio manto de brocado gasto...» 9 ou «Modelei-o
in Biografia, s.l., Portugália
Editora, ed. de 1969, p. 36. num fraque bem talhado / Que lhe vincasse os gestos e a esta-
10
José Régio, -O Mane- tura» 10, mas nunca existindo qualquer concessão à descrição.
quim-, in Biografia, p. 36.

Teatro

Procurar no Teatro de Régio encontrar descrições de peças de


indumentária é tarefa inglória, já que estas são praticamente
inexistentes e embora nas didascálias exista frequentemente
a referência à composição do cenário, não há sequer a des-
crição de uma peça de roupa.
No entanto não deixa de ser sabido o grau de exigência
a este respeito do autor de Benilde, que tantas vezes o levou
a negar a subida à cena de textos seus, conforme as suas
próprias palavras: «Continuo a receber convites de Grupos
de Teatro Experimental para representação de peças minhas.
Infelizmente tenho que lhes dizer não! Infelizmente esses
11
Régio, Páginas do Diário Grupos não podem dispor dos recursos exigidos» 11 . Chega
íntimo, p. 341.
mesmo a afirmar, a propósito de um pedido de José Cayolla
relativo a Jacob e o Anjo, que para que se «...realize cenica-
mente a peça exige um palco vasto, um desempenho difícil
e condigno, cenários e guarda-roupa ricos, efeitos de luz [...]
12
Ibidem. Muito dinheiro. 12

Contos e Romance

É nos contos e nos romances que, por vezes, Régio se estende


nas descrições das características das roupas que as suas per-
sonagens envergam.

496
Em «Davam Grandes Passeios aos Domingos», Régio dá ao
leitor alguns elementos da indumentária na época do final da
2.a Guerra Mundial. Assim, quando Rosa Maria desembarca na
estação de Portalegre, o registo de um artigo obrigatório, também
na bagagem de uma jovem rapariga era a caixa do chapéu 1 3 . 13
José Régio, -Davam Gran-
des Passeios aos Domingos-,
Um aspecto a que Régio recorria para falar de riquezas in Histórias de Mulheres,
p. 25.
passadas era a referência à preservação de velhas colecções
de vestidos. Este aspecto merece ser analisado, já que daí se
podem tirar ilações curiosas. Assim, numa situação de ruína
pode-se recorrer à venda das propriedades e dos diversos
bens móveis, mas verifica-se que o valor do vestuário em
segunda mão é absolutamente residual, nomeadamente o ves-
tuário de Alta Costura, para o qual não existe mercado de
usados; assim estas peças não são alienadas, situação que Régio
regista por diversas vezes. Desta forma e ainda em «Davam
Grandes Passeios aos Domingos», a arruinada tia Vitória, «...da
sua brilhante existência passada, conservara sempre algumas
jóias, meia dúzia de bons vestidos...» l4 . 14
Ibidem, p. 29.

Estas jóias a que o autor se refere não são peças parti-


cularmente valiosas, já que, se tivessem existido, teriam sido
certamente vendidas, para assegurar a subsistência. Tratar-se-ia,
pois de meros artefactos sem outro valor que não o simbólico
e cuja venda logicamente não compensaria. Régio podia mesmo
estar a referir-se à bijutaria que se disseminou a partir do
primeiro quartel do século XX.
Extrapolando, pode também afirmar-se, sem cair em erro
grosseiro, que recorrentemente o escritor vila-condense evoca
velhos guarda-roupas démodées para mostrar decadência,
inépcia, que o autor indubitavelmente associa à incapacidade
das mulheres obterem sustento após a morte do marido ou
pior, perante a possibilidade de permanecerem solteiras até à
idade em que o casamento se torna impossível, o que leva
a uma situação a raiar a loucura como o caso de menina
Olímpia em «Menina Olímpia e a sua Criada Belarmina», da
qual é traçado o quadro de decadência e ridículo mais com-
pleto a partir das trapagens que envergava:

...vestidinhos primaveris-. Pois não vão bem às suas faces róseas,


aos seus cabelos negros? Assim de há muitos anos veste menina

497
Olímpia os mesmos vestidos rosa-chá, azul-celeste, verde-mar, só
um pouco desbotados, hoje: sim um pouco desbotados! Só com as
rendas e guarnições um pouco amarrotadas; talvez quase rotas
15
José Régio, -Menina Olím- aqui e além... 15 ,
pia e a sua Criada Belar-
mina-, in Histórias de Mu-
lheres, p. 107. tendo-se salvo «...os vestidos, os sapatos, os chapéus, até
16
Ibidem, p. 108. leques e luvas, até capinhas, bichos para o pescoço...» 1 6
acrescentando ainda que
...aquela trapagem foi de ela própria, foi de sua mãe, foi d e sua tia.
Para a menina Olímpia, há muito não corre o tempo [...] para
menina Olímpia, esses gastos ouropéis continuam na moda, frescos
" Ibidem, p. 107. e galantes, como há trinta, há sessenta anos 17,

o que fica complementado com uma pintura desadequada,


18
Ibidem, p. 104. com um vermelhão que o autor apelida de teatral 1 8 e que
levava os «labregos» a dizer que «O diacho da mulher parece
19
Ibidem, p. 102. um Entrudo» 19 .
Régio não nos fala da sua postura em relação à Moda,
mas descreve perfeitamente as reacções às suas mudanças,
pelas gerações mais idosas, nomeadamente quando afirma que
«.. .a geração de tia Vitória [não poderia] apoiar que Dona Alice
exibisse vestidos ora demasiado curtos ora demasiado com-
20
Régio, -Davam Grandes pridos, (imposições da moda)...» 2 0 .
Passeios aos Domingos-,
pp. 30-31. Embora muito raramente, o autor alarga-se na descrição
de um arranjo; aqui vem à tona o Régio coleccionador que
mais do que descreve, inventaria quase arqueologicamente as
peças de indumentária:
...tia Vitória [...] saiu-se com o capricho de querer fantasiar
Rosa Maria [...] Abriu o imenso guarda-vestidos [...] e pôs-se a tirar
os preparos. Surgiu um velho e lindo vestido azul pálido, com
preciosos raminhos cor de oiro, - relíquia de qualquer bisavó.
Guarnecido a franzidos duma larga fita de seda marfim antigo,
levantava-se atrás em tufados e laços [...] saiu-se ainda com finos
sapatinhos de cetim, que não ficavam mal [....] embora um boca-
dinho largos; meias a dizer; fitas para enastrar nos cabelos com
flores de veludo, um leque de marfim; e até um lindo colar (fossem
ou não valiosas as pedras) [...]. A toilettte levou-lhes muito tempo:
Era preciso ajustar, coser aqui e além [...]. O decote era bastante
ousado, via-se aparecer o fino sulco entre os seios solevados pelo
corpete espartilhado [...] meteu-lhe no decote uma rosa de renda

498
que velava o nascer das suaves redondezas. Pôs-lhe depois, aos
ombros uma capa muito rica, toda veiada de reflexos marmórea -
dos, - também desencantada no maravilhoso guarda-vestidos.. ,21. 21
Ibidem, pp. 49-51.

Descrita a toilette de forma quase sistemática, nada nos


diz o autor da forma como o vestido interagiu com o corpo,
ou seja como a roupa vive.
Mas podemos ter uma ideia muito aproximada da toilette
que nos foi descrita, recorrendo ainda ao uso da tournure
e com espartilho, típica dos primeiros anos do século XX,
eventualmente Arte Nova e que poderia ser assinada por um
criador francês como Doeillet ou mesmo pelos herdeiros da
célebre Casa Worth.
Por vezes manifesta-se alguma incoerência na sua obra
quando tem que tratar o tema da indumentária, assim em
«Sorriso Triste», ao descrever Dulce refere que o «...arranjo
do cabelo dizia com o seu todo; embora um pouco fora de
moda...» 2 2 para logo de seguida afirmar que o «.. .que, parece, José Régio, -Sorriso Triste-,
in Histórias de Mulheres,
estava na moda era o seu vestido, aliás um belo vestido que p. 82.

surpreendia. Mas [...] não seria, também, excessivamente sério,


quase monacal?», acrescentando: «Dir-se-ia, também, que outrem
lhe impusera esse belo vestido para ir a um serão tão distinto,
- sendo embora do seu gosto o corte monacal» 23 . 23
Ibidem, p. 82.

Régio não tinha que justificar quais os mecanismos que


o levavam a fazer qualquer destas afirmações. Todavia, não
só os mesmos não são óbvios, como os pressupostos em que
parece ter-se baseado se afiguram erróneos.
As tendências da Moda, reflectem-se nos seus textos.
Assim e ainda em «Sorriso Triste» narra uma soirée dançante
num casino de praia nos arredores da cidade do Porto, onde
se dançava «.. .ao ritmo do jazz» com as mulheres em «.. .toilette
de grande gala - as costas nuas, os braços nus, o colo nu...» 24 . 2Í
Ibidem, p. 96.

Esta descrição reflecte uma das mudanças mais significa-


tivas da forma de dançar, o que levaria a modificações vesti-
mentares extremamente importantes, a nova forma de dançar
agarrado, impensável até então e que teria como implicação a
passagem dos decotes dos vestidos para as costas.

499
No entanto, considera-se que esta referência não tem de
forma alguma a riqueza e sobretudo a força da descrição que
o modernista António Ferro, em Viagem à Volta das Ditadu-
25
António Ferro, Viagem à ras, traçou da ligação do traje à dança na era do Jazz25.
volta das Ditaduras, Lisboa,
Empresa -Diário de Notí- A agitação frenética de Ferro, dá lugar à contenção em
cias-,1927, pp. 363-4. Vide a
este respeito, Paulo Morais- Régio, podendo ver-se dois mundos em confronto à volta de
-Alexandre, -António Ferro -
O Traje e a Moda-, Brotéria um vestido e uma mesma dança.
141 (1995) 397-411, Lisboa,
onde o texto citado é trans- Seria Régio profundamente conservador? Efectivamente
crito.
pode-se considerar que o que em Ferro surgia como moder-
nidade, nomeadamente o Jazz, fenómeno cosmopolita, arauto
de novas e melhores realidades, via Régio decadência, relaxa-
mento de costumes, associado à música que as prostitutas de
casino dançavam quando na busca de clientes.

A questão da elegância

O interesse, ou falta dele, de José Régio relativamente às osci-


lações do gosto a que se convencionou chamar Moda é bem
evidente quando se confronta com o conceito de elegância em
O Jogo da Cabra Cega. Discorrendo a propósito da compra
recente de um chapéu cinzento-pálido pela personagem Luiz
Afonso, refere o narrador que este lhe conferia um ar tal, que
o assemelhava ao príncipe de Gales, isto no entender de uma
personagem que se arrogava saber dessas matérias:

Era um chapéu cinzento-pálido, recentemente comprado; e que o


fazia assemelhar-se ao Príncipe de Gales - no autorizado entender
do Celestino. Fossem lá saber que razões tinham levado Celestino
a tomar o Príncipe de Gales por supremo árbitro das elegâncias!
Ou que relações estabelecera êle entre a hipotética elegância d o
Príncipe de Gales (talvez êste simples título - o Príncipe de Gales -
sugerisse ao Celestino um determinado ideal de elegância) e a q u e
26
José Régio,/ego da Cabra era conferida ao Luiz Afonso pelo seu chapéu cinzento-pálido! 26 .
Cega, Coimbra, Edições -Pre-
sença-, 1934, p. 183.

Aquela afirmação pode levar à conclusão de um alhea-


mento absoluto da parte do autor desta matéria.
Não há dúvidas sobre qual dos herdeiros do trono inglês
era referido, o príncipe Eduardo, posteriormente rei com o

500
número oitavo daquele nome e ainda mais tarde, após a abdi-
cação, Duque de Windsor, filho do rei George V, que gover-
nou entre 1910 e 1936.
Descontando os posteriores escândalos amorosos que há
data ainda não se haviam sucedido, lembre-se que a obra
é publicada pela primeira vez em 1934, o príncipe Eduardo 21
-Whatever the Prince
havia-se indubitavelmente afirmado como o grande árbitro do wore, every man of his
generation wanted to wear,
gosto europeu e até norte-americano, sendo seguidas as suas though trying to keep up
vvith him could be as bewil-
propostas vestimentares, mesmo as mais insólitas, sem serem dering as it was expensive.
He would not only appear
sequer discutidas já que se partia do princípio que o príncipe in several outfits a day, but
de Gales sabia melhor 2 1 . Tal aconteceu por exemplo quando he would keep it up week
after week. (...] 'As worn
o futuro Eduardo VIII introduziu o uso de sapatos de camurça by the Prince' became the
catch-phrase of the West
castanhos com fatos azuis escuros 28. End shops, and then of the
world. 'His fair and clean-
Voltando ao texto de Régio, será abusivo considerar que cut goocl looks were suffi-
cient to make him an idol,
a afirmação transcreve uma dúvida do próprio autor? Efectiva- considering his position,' an
American critic summed up,
mente analisadas as referências à indumentária na obra de 'but he possessed just that
combination of conventio-
Régio verifica-se a existência de mais dúvidas, às quais o autor nal good taste and siight but
never exaggerated whimsy
não procurava sequer encontrar respostas, já que o assunto to make him a fashion idol.'
manifestamente não lhe interessava. With perhaps a touch of
exasperation, Mens Wear in
New York reported that the
average young man in Ame-
rica is more interested in
Os mecanismos da moda the clothes of the Prince of
Wales than in the clothes
of any individual on earth'-
No romance Príncipe com Orelhas de Burro há no entanto (Richard Walker, Savile Row,
New York, Rizzoli Inter-
um momento excepcional na obra de Régio, que embora não national Publications, Inc.,
1989, p. 94).
alterando o que se disse anteriormente, indicia alguma sensi-
bilidade para o assunto dos mecanismos da Moda. 28
-The Duke of Windsor
once caused a sensation by
Assim, perante a absurda universalização do uso do tur- wearing brown suede shoes
with a dark blue suit. But
bante, que o leitor sabe motivado por um defeito físico do when a bystander expressed
surprise at this sartorial faux
príncipe Leonel, primeiro expandindo-se para a corte que gra- pas, one of the Duke's
friends justified it thus: 'It
vitava à volta da família real e depois para os que tinham would be wrong if it were a
pretensões a aristocratas, Régio descreve o percurso que vai mistake. But the Duke knows
better - so it's alright'- (Paul
do aparecimento de uma nova tendência à sua generalização: Keers, A Gentleman's War-
drobe, Londres, Weidenfeld
& Nicolson, 1987, p. 6l).

De modo que, por uma delicada, e, neste caso, inconscientemente 29


José Régio, O Príncipe
genial adulação, desde a mais tenra idade todos os filhos dos com Orelhas de Burro,
Lisboa, Editorial Inquérito
nobres da corte haviam passado a usar turbantes, que mantinham Limitada, 1946 { ! ' ed.),
em toda e qualquer eventualidade 2Í>. p. 81.

501
Mas como havia surgido a Moda?

Reparara qualquer nobre dama da corte, mãe de família, que o sítio


onde toda a gente tem suas orelhas naturais e normais era, na
cabeça do príncipe, o mais embrulhado em ricos tecidos. De forma
que nem pontinha das suas certamente naturais e normais orelhas
fora alguma vez vista! Vá, então, de capricharem as mais elegantes
donas da coite em nada deixar ver das orelhas de seus nobres
filhos [...] Com a tendência em todos os tempos manifestada por
certos excêntricos, certos cansados, a exagerar as inodas, - até no
pino do verão exibiam os moços e mocinhos fidalgos as cabeças
escaipulosissimamente entroixadas. [...] Da nobreza passara a moda
à burguesia com pretensões de nobreza; e da burguesia com pre-
30
ibidem, pp. 81-2. tensões de nobreza passara ao povo com pretensões a burguesia 30 .

Efectivamente uma das constantes da moda consiste


exactamente na existência de indicadores de gosto, que são
seguidos e imitados até nos próprios defeitos, que por vezes
são tomados por bons exemplos a copiar. A título de exemplo
o defeito de formação da cabeça das princesas filhas do faraó
Amenhotep IV ou Akhenaton, motivado pelo trauma do parto,
que foi seguido pelas damas da corte que enfaixavam os
crânios ou usavam postiços com aquele fim 31 .
31
Cf. Michael Batlerberry e
Ariane Batlerberry, Fashion
The Mirror of History, Lon- O autor seguia depois a sua descrição apontando os
dres, Columbus Books, 1982,
pp. 28-9. Atenção: nào se únicos que não seguiam aquelas insólitas modas e quais as
confunda aqui uma moda
documentada enquanto tal, razões da rejeição:
com as características estéti-
cas maneiristas da Arte no
reinado do faraó Akénaton, Já só os rústicos do campo, os miseráveis dos bairros pobres, os
caracterizada por um alonga-
misantropos à margem do mundo, usavam então cabeça e orelhas
mento da figura. Um outro
exemplo de um defeito tor- ao léu: Uns, porque desconheciam as modas, e se vestiam como
nado moda, pode ser encon-
fosse mais conveniente aos seus trabalhos; outros, porque mal
trado na corte portuguesa do
final do século XIX: a inca- tinham com que cobrir o indispensável; os últimos, porque des-
pacidade da Rainha Dona
Amélia, de origem francesa,
prezavam tais preocupações, ou se compraziam até em andar ao
em dominar a língua portu- invés delas 32.
guesa sem sotaque, levou a
que a sociedade da corte
copiasse a sua forma pecu-
liar de falar, acentuando os
Aqui é efectuada uma sistematização relativamente com-
erres, modismo que perma-
neceu na sociedade casca-
pleta do fenómeno de rejeição das modas, a saber: alhea-
lense até aos anos sessenta mento, incapacidade financeira, necessidade de vestuário ade-
do século XX.

32
quado à profissão e por último conhecimento seguido da não
Régio, O Príncipe com
Orelhas de Burro, p. 82. aceitação, contrariando as tendências vigentes.

502
Régio registou ainda sobre o desconforto e a insensatez
de certas modas que chegavam a causar dano à saúde:

Mas será natural ou cómodo, usar cabeleiras postiças sobre as


verdadeiras, deslavar amarelo o cabelo negro, entalar a barriga
entre varetas armadas, aleijar os pés comprimindo-os em coiro,
furar as orelhas, os beiços, o nariz, para lhes meter penduri-
calhos...? i i . 33
Ibidem, p. 82.

Se o texto viu renovada a sua actualidade com a vulgari-


zação do piercing 34, não é aventada qualquer explicação para 34
Veja-se a este respeito a
obra de Véronique Zbinden,
um fenómeno que mereceria reflexão aprofundada. Piercing - Ritcs Ethniques
Pratique Modeme, Lausanne,
Favre, 1997.

0 Vestido Cor-de-Fogo

Da prosa regiana a descrição mais significativa é efectivamente


a do tal vestido «Cor-de-Fogo»:

...embrulhada num casaco de luxo que não enfiara.


[...] Sorrindo [...] ela deixou cair-lhe aos pés o agasalho de luxo.
Tinha um vestido cor de fogo, sem enfeites, que, porém, lhe mol-
dava todo o corpo franzino e sólido, como se ao mesmo tempo
o cobrisse e o desnudasse. Mas os braços ficavam-lhe nus, com-
pletamente nus os ombros, e a nu o começo dos seios, entre quais
brilhava uma rosa de crisólitas. Sempre sorrindo Maria Eugênia
voltou-se. O decote descia-lhe ainda mais, as costas ficavam-lhe
nuas quase até à cinta [...] Era um milagre aquele vestido segu-
rar-se, não cair. Por isso mesmo a imaginação via inteiramente nua
aquela mulher, (por baixo dele parecia não haver nada) embora
só o estivesse em parte. [...] Sim, estava provocadoramente b e l a ! -
e sabia-o... 35 . 35
Régio, -O Vestido Cor de
Fogo-, p. 194.

Nada mais, ou talvez tudo, assim na sequência desta des-


crição a frase mais significativa e mais reveladora: «...Eu não
sabia e na realidade aquele vestido cor-de-fogo escandalizaria
alguém. A mim, escandalizava profundamente» 36 . 36
Ibidem, p. 194.

E aqui pode surgir a interrogação sobre o carácter auto-


biográfico de tal afirmação. Não há dúvida de que neste caso,
era efectivamente Régio quem falava.

503
Conclusão

Nem uma vez a referência a uma marca, a um costureiro


célebre, quer do estrangeiro, quer português, nem sequer a
identificação de uma modesta costureira de bairro ou de um
alfaiate citadino, sendo a referência mais explícita a indicação
em «Pequena Comédia- de que Estefânia Soares Medeiros,
morena e seca de carnes, mulher abastada que vivia numa
vila perto da cidade do Porto «...vestia as melhores coisas,
• José Régio, -Pequena e feitas na cidade...» 37 .
Comédia-, in Histórias de
Mulheres, p. 209. Relativamente à indumentária masculina a informação é
limitada ao mínimo indispensável, quase ao lugar-comum,
embora por vezes fixando momentos curiosos que podem
documentar comportamentos já desaparecidos, como quando
em «Os Alicerces da Realidade», o modesto funcionário Silves-
tre, que posteriormente viria a enlouquecer «...mandara ao
José Régio, -Os Alicerces mestre André alfaiate para limpar e passar a ferro.. .»38 o «.. .seu
da Realidade-, in Há mais
Mundos, Contos c Novelas, fatozinho escuro que era o melhor que tinha...» 39 .
p. 331.
Importa referir por fim e ao nível daquilo a que Roland
39
Ibidem, p. 331.
Barthes chama «vestuário escrito»40 a utilização de vocábulos
40
Roland Banhes, Sistema
da Moda, Lisboa, Edições 70,
que à época haviam já desaparecido da oralidade, como por
ed. de 1999, p. 15.
exemplo «labita» , «glabra» ou «ouropéis» entre outros,
embora não se encontre de forma alguma um vocabulário
41
José Régio, -Os Três Vin-
gadores ou Nova História de
Roberto do Diabo-, in Há particularmente extenso ou sequer erudito relativamente à
mais mundos, p. 247.
indumentária.
42
Ibidem, p. 247.
A sua descrição é pois, tendencialmente limitada, desti-
43
Régio, -Menina Olímpia
e a sua Criada Belarmina-, nando-se a apontar meramente a inteligibilidade da mensa-
p. 107.
gem que tenta transmitir e que jamais está relacionada com
o vestuário, seja função é mero veículo.
Analisada a postura relativamente à indumentária de
Régio, verificou-se que a correcção do vestuário era impor-
tante para o autor. Com efeito não se encontrou um só registo,
quer fotográfico, quer escrito, onde o seu vestuário apare-
cesse em desalinho. No entanto, pode afirmar-se que tal não
constituía preocupação de maior. Constata-se ainda que as
preocupações que sempre teve de riqueza na simplicidade e

504
depuração, tornaram este tema quase inexistente na sua
obra. Pode pois concluir-se que as historietas de um coleccio-
nador de Antiguidades não incluíram jamais o registo de uma
visita às adeleiras, pelo que, da sua obra, à qual sacrificou
toda a sua vida, se salvou um vestido de mulher, um vestido
cor-de-fogo.
Ética naturalizada, cem anos depois
dos Principia Ethica de G. E. Moore
COMUNICAÇÃO APRESENTADA
N O I ENCONTRO NACIONAL
DE FILOSOFIA ANAÚTICA,
FACULDADE DE LETRAS,
COIMBRA, 1 6 - 1 8 MAIO 2 0 0 2 .

r \ obra Principia Ethica de G. E. Moore, Descrevem-se as questões pelas quais Moore


recusou o naturalismo ético; passam-se em
publicada em 1903, tem sido geralmente
revista as discussões sobre a falácia naturalista
considerada a que maior influência teve denunciada por ele; e os novos estudos impulsio-
no pensamento ético anglo-americano, nados pelo recente renascer do naturalismo ético
evolucionista e das ciências cognitivas que voltam
sobretudo na primeira metade do séc.
a defrontar-se com os Principia na questão da
XX. Mary Warnock reconhece que «se relação entre facto e valor. Em conclusão, a polé-
tornou habitual considerá-la a fonte da mica à volta de Moore, mais do que uma vitória
qual fluiu a subsequente filosofia moral exclusiva dum dos lados, incentiva ao desenho
dum novo paradigma do que é ser humano que
do século, ou pelo menos, a maior dê, na ética, o espaço devido à dimensão corpó-
influência nesta filosofia moral» 1 . De rea sem cair num empirismo simplista.
acordo com James P. Sterba, «todos estão
1
Mary Wamock, Ethicssince
virtualmente de acordo que a ética contemporânea começa 1900, London, Oxford Uni-
com o estudo de G. E. Moore sobre a natureza da ética»2. Paul versity Press, 1960, p. 16.
2
James P. Sterba, Contem-
L. Farber considera que o pensamento ético de Moore «define porary Ethics. Selected Read-
3 ings, Englewood Cliffs, New
um ponto de partida fundamental para a ética do séc. XX» . Jersey, Prentice Hall, 1989,
Paul Thompson inclui a «falácia naturalista» analisada por Moore p. 1.
3
Paul L. Farber, The Temp-
como uma das questões principais entre «alguns dos temas tations ofEvolutionaty Ethics,
4 Berketey, University of Cali-
contemporâneos centrais» . fórnia Press, 1994, p. 108.

Os estudos sobre o pensamento ético de Moore suce- " Paul T h o m p s o n (ed.),


Issues in Evolutionaty Ethics,
deram-se ao longo do século XX, e continuam ainda hoje 5 . New York, State of New
York University Press, 1955,
Contudo, este acordo geral sobre a influência da obra de p. 19.

Moore não corresponde a um semelhante acordo sobre o valor 5


Alan R. White, G. E. Moore.
A Criticai Exposition, Oxford,
de algumas das ideias éticas centrais que nela são defendidas, Basil Blackwell, 1958; James
H. Olthius, Eacts, Values and
sobretudo as que se relacionam mais directamente com o seu Ethics: A Confrontation ivith
20'' Century British Moral
antinaturalismo. Philosophy, in Particular
G. E. Moore, Assen, Van
Gorcum, 1968; E. D. Klemke
(ed.), Studies in the Philo-
sophy of G. E. Moore, Chi-
Professor da Faculdade de Filosofia de Braga, da Universidade Católica Portuguesa. cago, Quadrangle Books,

Brotéria 155 (2002) 507-519 507


1969; A. Ambrose & M. La-
zerowitz (eds.), G. E. Moore: 1. O antinaturalismo dos Principia Ethica
Essays in Relmspecl, London,
Roulledge and Kegan Paul,
1970; John Hill, The Elhics
of G. E. Moore: A New fntcr- O antinaturalismo dos Principia constitui uma das principais
prelalion, Assen, Van Gor-
cum & Co., 1976; Paul Levy, linhas de fundo do pensamento ético de Moore. Nos Princi-
Moore: G. E. Moore and
lhe Cambridge Aposlles,
pia ele afirmou que a Ética Naturalista é a característica das
New York, Holt, Rhinehart
and Winston, 1979; Richard
teorias que «devem a sua prevalência à suposição que bom
Soghoian, The Elhics ofG. E.
Moore and David Hume:
pode ser definido por referência a um objecto natural»6.
The Tivalise as a Response lo Moore esclarece nesta obra as suas objecções contra o natu-
Moore's Refulallon ofElhical
Naluralism, Washington, DC, ralismo:
University Press of America,
1979; Shukla Sarkar, Episle-
mology and Elhics of G. E. As minhas objecções contra o Naturalismo são, em primeiro lugar,
Moore. A Criticai Evalua-
tion, Atlantic, Humanilies que ele não proporciona qualquer razão, muito menos uma válida
Press, 1981; Tom Regan,
Bloomsbury's Prophet, Phila- razão, para a existência de qualquer princípio ético; e neste aspecto
delphia, Temple University ele falha também em satisfazer as exigências da Ética enquanto
Press, 1986; Dennis Rohaiyn,
The Reluctant Nalurallst. A estudo científico. Mas em segundo lugar afirmo que, embora não
Study of G. E. Moore's Prin- dê nenhuma razão para a existência de qualquer princípio ético,
cipia Elhica, New York,
University Press of America, ele é causa da aceitação de falsos princípios éticos; e neste aspecto,
1987; Robert Peter Sylvester,
The Mora/ Philosophy of é contrário a todos os objectivos da Ética 7 .
G. E. Moore, Philadelphia,
Temple University Press,
1990; Thomas Baldwin, G. E.
Moore, London, Roulledge,
Mais tarde, voltou ao assunto, especialmente em «The
1990; Brian Hutchinson,
G. E. Moore's Elhical Theory.
conception of intrinsic value» (1922) 8 e depois ainda em res-
Rcsislance and Reconcilia- posta a um ensaio de G. D. Broad, em 1942. Este, intitulado
lion, Cambridge, Cambridge
University Press, 2001. «Alguns aspectos das ideias éticas de Moore», é o primeiro dos
6
G. E. Moore, Principia que integram um volume de estudos sobre a obra de Moore.
Elhica, Cambridge, Cam-
bridge University Press, p. 39. É significativo que as três questões analisadas por Broad sejam
7
Ibid., p. 20. as seguintes: a refutação por Moore do egoísmo ético; a sua
H
Incluído no volume de distinção entre «natural» e «não-natural», e a sua tese de que
G. Moore Pbilosophical Sm-
dies, London, K. Paul, 1922, «bom» é uma qualidade não natural. É a problemática do natu-
pp. 253-276.
9
ralismo que acaba por dominar nesta análise, e Moore sen-
O ensaio de Broad, e a
resposta de Moore sob o tiu-se na necessidade de lhe dar uma extensa resposta incluída
título -Meaning of 'natural'-
foram publicados em P. A. no mesmo volume 9 . Moore reconhece que Broad tem razão
Schilpp (ed.), The Philo-
sophy of G. E. Moore, La em algumas das críticas que lhe faz, nomeadamente sobre o
Salle, Illinois, Open Court,
1942, pp. 43-67 e 581-592, facto de não ter procedido nos Principia a uma elaboração
respectivamente. Este volu-
me inclui dezanove ensaios clara do que considera uma propriedade não natural: «Con-
sobre a obra de Moore, uma
sua autobiografia, e uma cordo que em Principia não dei qualquer explicação aceitável
resposta do autor àqueles
do que entendo quando digo que 'bom' não era uma proprie-
Ibid., p. 582. dade natural» 10 .

508
0 naturalismo de Moore nos Principia Ethica está pre-
sente sobretudo na sua abordagem das seguintes questões:

1 - Objecto da Ética. Moore considera que

a definição de 'bom' é a questão mais fundamental de toda a ética.


O que se entende por 'bom' é [...] o único objecto simples do
pensamento que é peculiar à Ética. A sua definição é, portanto,
o ponto mais essencial para a definição da Ética 11 .

Todavia, Moore conclui que

se nos perguntarem 'o que é bom?' a nossa resposta será que bom
é bom e ponto final na questão. Ou ainda, se nos perguntarem
'como havemos de definir 'bom'?, responderemos que não pode
ser definido e que é tudo o que temos a dizer sobre o assunto 12 .

«Bom» é indefinível porque é inanalisável. É pois uma proprie-


dade intuitiva. É também uma propriedade nào-natural.

2 - Falácia naturalista. Moore admite que

pode ser verdade que todas as coisas que são boas sejam também
outra coisa qualquer [...] E é um facto que a Ética tem por objec-
tivo descobrir quais são essas outras propriedades que pertencem
a todas as coisas que são boas. Mas a verdade é que um número
excessivo de filósofos tem pensado que ao enumerar todas essas
outras propriedades estava de facto a definir bom, e que essas
propriedades não eram 'outras', diferentes, mas se identificavam
total e absolutamente com bondade. A esta proposição propomos
que se dê o nome de 'falácia naturalista' 13 .

Esta é uma das questões que até hoje nunca deixou de levan-
tar polémica, como veremos a seguir.

3 - Refutação da Ética Naturalista. Moore aplica o termo


'naturalismo' a

um método específico de abordar a Ética - um método que, enten-


dido no seu sentido mais estrito, é incompatível com a possibili-
dade de haver qualquer Ética. Este método consiste na substituição
de 'bom' por uma qualquer propriedade de um objecto natural, ou
de um conjunto de objectos naturais, substituindo assim a Ética por
qualquer das ciências naturais 14 .
O hedonismo, tão característico do pensamento ético de
Herbert Spencer, é, segundo Moore, uma modalidade da Ética
Naturalista.

4 - Refutação da Ética Evolucionista. Esta é também um


capítulo da Ética Naturalista. Moore restringe o termo 'Ética
Evolucionista' «ã posição de que basta apenas considerar a
tendência da 'evolução' para se descobrir a direcção que deve-
15
Ibid., p. 46. mos tomar»15, ou, por outras palavras, à tese de que «devemos
seguir na direcção da evolução simplesmente porque é a direc-
ção da evolução. O facto de as forças da natureza estarem a
actuar nesse sentido é tomado como pressuposto de que é o
Ibid., p. 56. sentido correcto»16. Moore considera que é esta a inaceitável
posição de Herbert Spencer, Sidgwick, Bentham e Stuart Mill.
No entanto, a Ética evolucionista tem conhecido um crescente
desenvolvimento desde meados dos anos setenta do século
passado, como se verá a seguir.
17
George Nakhnikian, -On
the naturalistic fallacy-, in
H.-N. Castaneda & G. Nakh-
nikian (eds.), Moraiiíy and 2. A falácia naturalista e o debate «is-ought»
lhe Ixtnguage of Conduci,
Detroit, Wayne State Uni-
versity Press, 1963. Defen- A falácia naturalista tem na derivação dos valores a partir dos
dem a derivação da norma
ética do facto natural: M. factos uma das suas mais analisadas expressões. O tema foi
Zimmerman, -The 'is-ought':
an unnecessary dualism- in
continuamente debatido ao longo de todo o século XX 17, e já
W. D. Hudson, The Is/Ougbt entrou no séc. XXI18.
Question, London, Macmillan,
1969, pp. 83-91; K. Hanly, W. K. Frankena publicou em 1939 um ensaio intitulado
•Zimmennan's 'is-is': a schi-
zopluenic monism-, in ibid., «The naturalistic fallacy»19 refutando a posição de Moore. Para
pp. 92-94; M. Max Black,
•The gap between 'is' and
Frankena, o que está verdadeiramente em causa na falácia
'should'- in ibid., pp. 99-113; naturalista é algo mais básico do que a identificação ou redu-
D. Z. Phillips, -The possibi-
lities of moral advice- in ção de uma propriedade não natural a outra natural. O que
ibid., pp. 114-119.
está em causa é a possibilidade de definir uma propriedade
18
Cf. J. M. Lemos, •Darwi-
nian Natural Right and lhe
em termos de outra. Deste modo, para que se possa falar de
Naturalistic Fallacy-, Biology falácia naturalista tem que ser possível falar, antes, de uma
and Philosopby 15 (2000),
pp. 119-132; E. Dussel, -Algu- «falácia definicionista», implicitamente cometida por Moore.
nas reflexiones sobre la fala-
da naturalista'. (Pueden tener Ora, a definição de uma propriedade em função de outra não
contenidos normativos im- significa que as duas propriedades sejam idênticas. Segundo
plícitos cierto tipo de jui-
cios empíricos?-, Diánoia 46 Frankena,
(2001), pp. 65-80.

" Mind 48 (1939), pp. 464- duas palavras, ou conjuntos de palavras representam ou significam
-77. a mesma propriedade. Moore foi em parte enganado pelo modo

510
material de expressão, como Carnap lhe chama, em tais proposi- 20
William K. Frankena, -The
ções como -bondade é agradabilidade», «conhecimento é crença naturalistic fallacy-, in James
P. Sterba (ed.), Contempo-
verdadeira-, etc. Quando alguém afirma «A palavra 'bom' e a pala- rary Ethics. Selected Read-
vra 'agradável' significam a mesma coisa", etc., é evidente que não ings, Englewood Cliffs, N.J.,
Prentice Hall, 1989, p. 33.
está a identificar duas coisas. Mas Moore não quis entender isto
afirmando que não estava interessado em quaisquer afirmações 21
W. D. Hudson, The Is/
acerca do uso de palavras 20. Ought Question, p. 11.

22
Carl Wellman, The Lan-
Frankena conclui que a hipotética falácia definicionista não guage of Ethics, Cambridge,
MA, Harvard University
invalida uma definição naturalista dos termos éticos. O seu Press, 1961, p. 45. Segundo
E. Dussell, a falácia natura-
texto tornou-se entretanto um clássico da crítica a Moore, de lista tem pelo menos quatro
dimensões nem sempre con-
tal modo que continua a ser até hoje uma referência obrigató- venientemente distinguidas:
1- a redução de -is- a -ought-
ria nos estudos sobre a ética deste autor. no sentido humeano; 2- a
identificação entre proprie-
Na introdução a uma colecção de ensaios publicada em dades naturais e proprieda-
des éticas; 3- a redução do
1969 sobre «a questão é/deve» W. Hudson afirma que esta •dever ser- (juízo normativo)
ao -ser- (juízo empírico)
constitui «o problema central na filosofia moral»21. Mas embora num sentido lógico-formal;
4- a redução prática de con-
a falácia naturalista seja um dos temas da ética de Moore que teúdos normativos a juízos
empíricos. O autor procede
têm sido mais discutidos até hoje, alguns autores consideram a uma análise de cada uma
destas dimensões em E.
que não é claro em que consiste exactamente esta falácia. Dussel, op. cit.
«O que é exactamente esta falácia naturalista?» pergunta Carl
23
S. Darwall, A. Gibbard,
Wellman. P. Railton, -Toward fin de
siècle ethics: some trends-,
The Phitosophical Review
Esperar-se-ia que isso se pudesse saber examinando as passagens 101 (1992), p. 115.
de Principia Ethica em que é elaborada esta acusação ao natura- 24
John Searle, -How to
lismo ético. Infelizmente, não é de todo claro qual dos muitos erros derive 'ought' from 'is'-, The
de que Moore acusa os naturalistas deva ser considerado a falácia Phitosophical Review 73
(1964), pp. 43-58.
naturalista 22 .
25
Anthony Flew, -On not
deriving 'ought' from 'is'-,
Por outro lado, S. Darwall, A. Gibbard e P. Railton, proce- Analysis 25 (1964), pp. 25-
-32. James and Judith Thom-
dendo a uma identificação das principais correntes éticas em son, -How not to derive
'ought' from 'is'-, in W. D.
finais do século XX, são de opinião que «se sabe desde os Hudson, op. cit., pp. 163-
-167; W. D. Hudson, -The
últimos cinquenta anos que Moore não descobriu realmente 'is-ought' controversy-, in
ibid-, pp. 168-172; R. Hare,
qualquer falácia»23. -The Promising game», in
ibid., pp. 144-156.
No final dos anos sessenta, o tema foi retomado por John
26
Searle 24 , o qual mostra como, contrariamente à tese de Moore, J. E. McCIellan and B. P.
Komisar -On deriving 'ought'
os valores se podem derivar dos factos. O texto deste autor from 'is'-, in ibid., pp. 157-162.

provocou um interessante debate com a publicação de um


27
-Reply to the promising
game-, in Pahel, K. & Schil-
considerável número de artigos nos anos imediatos, alguns ler, M., (eds.), Readings
in Contemporary Ethical
contra a posição de Searle 25 , a maior parte a seu favor 2 6 , Theory, Englewood Cliffs,
New Jersey, Prentice-Hall,
tendo o autor respondido a alguns dos seus críticos 27. 1970, pp. 180-182.

511
A dicotomia facto/valor não se extinguiu com o fim da
controvérsia provocada pelo texto de Searle. Com o reacender
do naturalismo evolucionista e cognitivo no último quartel do
século XX, a questão voltou a ser objecto de inúmeros estudos
como se verá a seguir. E dado que a mesma questão se faz
remontar habitualmente a David Hume, também a posição
28
A. C. Maclntyre, -Hume deste autor tem sido objecto de debate 2 8 .
on 'is' and 'ought'-, in W. D.
Hudson, op. cit., pp. 35-50; Mais recentemente, A. Maclntyre considerou que
R. F. Alkinson, -Hume on 'is'
and 'ought'; a reply to Mr.
Maclntyre-, in ibid., pp. 51-
as afirmações iniciais de Aristóteles na Ética a Nicómaco pressu-
-63; A. Flew, -On the inter- põem que o que Moore chamaria «falácia naturalista» não é de
pretation of Hume-, in ibid., forma alguma uma falácia, e que os juízos sobre o bom - o justo,
pp. 64-69; G. Hunter, -A
reply to Professor Flew-, in o valoroso ou excelente, por outros modos - sejam um género
ibid., pp. 70-72; W. D. de proposição factual. Os seres humanos, tal como os membros
Hudson, -Hume on is and
ought-, in ibid., pp. 73-80.
de todas as demais espécies, têm uma natureza específica; e essa
No seu ensaio -Moore, natureza é tal que tem certos propósitos e finalidades através dos
Spencer, and the naturalistic
quais tendem para um fim específico. O bem define-se em termos
fallacy-, History of Philo-
sopby Quarterly 10 (1993), das suas características específicas 29.
pp. 271-277, James Fieser
argumenta que a crítica de
Moore a Spencer é inválida Para Maclntyre a separação entre proposições puramente fac-
dado que Spencer não deu
à expressão -mais evoluído- tuais e proposições puramente normativas não tem razão de
criticada por Moore como
significando -eticamente me- ser. Esta posição foi fortemente acentuada pela ética evolucio-
lhor», qualquer carácter ético. nista e pela ética cognitiva em décadas recentes.
8
A. Maclntyre, After Viriue,

3.
trad. esp., Barcelona; Crítica,
2001, p. 187. O naturalismo evolucionista

A seguir à primeira guerra mundial o evolucionismo ético


estava pouco activo. Paul Farber considera que por esta altura
«a ética evolucionista estava a aproximar-se de um beco sem
saída. Os filósofos tinham abandonado a discussão sobre a
perspectiva evolucionista da ética e ignoraram com desdém
Farber, op. cit., p. 118. 'tentativas mal concebidas para a reavivar'»30. Entre estas ten-
tativas está certamente o impulso muito pouco frutuoso de
Julian Huxley em defesa do evolucionismo desde essa altura
até finais dos anos sessenta. Isso não impediu G.J. Warnock
de afirmar em 1967 que «não é suficientemente claro o que
se deve entender por naturalismo». Este facto parecia dever-se
em parte a
não haver actualmente algum auto-proclamado naturalista entre os
filósofos da ética; e a indefensabilidade do naturalismo tem pare-

512
eido, pelo menos até muito recentemente, tão evidente que os seus
críticos não consideraram necessário apresentar com algum por-
menor a doutrina que eles já rejeitaram de modo tão constante 31. 31
G. J. Wnrnock, Contem-
porary Moral Philosopby,
London, MacMillan and Co.
Todavia, já nas décadas de cinquenta e sessenta se procedia a Ltd., 1967, p. 62.

um grande número de estudos, embora ainda pouco sistemá-


ticos, sobre os chamados insectos sociais. Como resultado
destes estudos, Edward Wilson publicou em 1971 a obra The
Insect Societies, cujo último capítulo, intitulado «Perspectiva de
uma sociobiologia unificada», apontava para o que viria a ser
a obra fundamental deste autor, publicada em meados dos
anos 70, e que ressuscitou o evolucionismo ético: Sociobio-
logy: The New Synthesis. Nesta obra, Wilson escreveu que
«cientistas e humanistas deveriam considerar juntos que chegou
o tempo de a ética ser retirada temporariamente das mãos dos
filósofos, e ser biologicizada» 32 . Mais recentemente Wilson 32
E. Wilson, Sociobiology:
The New Synthesis, Cam-
afirmou, referindo-se a Moore, entre outros: «Considero difícil bridge, Harvard University
acreditar que se Kant, Moore e Rawls tivessem conhecido a Press, 1975, p. 562.

moderna biologia e a psicologia experimental teriam pensado


da forma em que o fizeram»33. Wilson reconhece porém que a 33
E. Wilson, Consilience.
perspectiva a que chama «transcendentalismo», na qual presu- The Unity of Knowledge,
New York, Alfred Knopf,
mivelmente inclui Moore, permanece para muitos tão actual 1998, p. 249.

no final do séc. XX como há um século:

No final deste século, o transcendentalismo permanece firme no


coração não apenas dos crentes religiosos mas também de inúme-
ros investigadores nas ciências sociais e nas humanidades, os quais,
como Moore e Rawls antes deles, preferiram isolar o seu pensa-
mento das ciências naturais 34. Ibid.

Segundo Wilson, uma das razões para esta situação é o receio


que têm estes investigadores de cair na falácia naturalista.
Mas para Wilson tal perigo não existe. Por isso mesmo,

nós não temos que colocar o pensamento moral numa categoria


especial, nem de usar premissas transcendentais, já que a enuncia-
ção da falácia naturalista é ela mesma uma falácia. De facto, se
deve não é é, o que é então? A tradução de é em deve faz sentido
se tivermos em conta o significado objectivo das normas éticas.
Muito dificilmente as poderemos considerar mensagens etéreas
externas à humanidade e à espera de serem reveladas, ou então

513
verdades independentes vibrando numa dimensão não material da
mente. Elas são mais provavelmente produtos do cérebro e da
cultura. Do ponto de vista consiliente das ciências naturais elas não
são mais do que princípios do contrato social, concretizados em
regras e mandamentos, em códigos de conduta que os membros de
uma sociedade ardentemente desejam que os outros sigam e que
eles próprios aceitam para o bem comum. As normas são o ponto
extremo numa escala de acordos que vão de assentimentos casuais,
ao sentimento público, à lei, e àquela parte d o cânone considerado
35
Ibid., pp. 249-250. inalterável e sagrado 35

Na mesma linha de Wilson, Michael Ruse é hoje um dos


principais defensores do naturalismo ético de uma perspectiva
biológica e evolucionista. Ruse reconhece que depois do
ataque de Moore à ética Darwinista
a ética evolucionista tradicional foi conduzida a um completo
imobilismo. Ele promoveu uma distorção grotesca da verdadeira
moralidade e isto só pôde suceder porque os seus fundamentos
estavam enfraquecidos. A questão permaneceu assim durante três
36
Michael Ruse, -Evolutio- quartos de século 36.
nary Elhics: A Phoenix
arisen-, in Paul Thompson
(ed.), Issues in Euolulionaty Ruse acrescenta que o tempo é agora apropriado para um
Elhics, New York, Slale of
New York University, 1995, novo recomeço. Para isso há que reconhecer que não há
p. 226.
qualquer derivação a fazer das proposições éticas a partir das
empíricas, simplesmente porque não há qualquer base objec-
tiva, empírica ou outra, da qual as normas éticas possam ser
derivadas.
É de facto verdade que não se podem deduzir afirmações éticas
a partir de afirmações factuais. Todavia, partindo de afirmações
factuais acerca das origens, pode-se dar às afirmações morais
a única explicação fundacional que elas possam ter. Em particular,
o evolucionista afirma que, graças à ciência, vemos que as afir-
mações como >deve-se maximizar a liberdade individual- não são
mais do que expressões subjectivas impressas no nosso pensa-
mento devido ao seu valor adaptativo. Por outras palavras, vemos
que a moralidade não tem quaisquer fundamentos filosoficamente
objectivos. Ela é apenas uma ilusão, um engano de que somos
vítimas de forma a que seja promovido o 'altruísmo' biológico [...]
O evolucionista já não procura derivar a ética a partir de funda-
mentos factuais. A sua afirmação agora é que não há quaisquer
fundamentos dos quais derivar a ética [...] O evolucionista situa
os nossos sentimentos morais simplesmente na natureza subjectiva
37
ibid., p. 234. da psicologia humana 37.

514
Tal como fizera David Hume, Ruse coloca-se na linha emoti-
vista uma vez que para ele «a ética é apenas uma questão de
emoções e sentimentos humanos» 38 , por oposição a qualquer 38
ibid., p. 236.

tipo de fundamentação racional. Ruse conclui assim que a


argumentação evolucionista, partindo do suposto de que a
ética emerge naturalmente do próprio dinamismo evolucio-
nista nos permite pensar que «evolução e ética estão final-
mente unidas numa profícua simbiose, e isto acontece sem
que sejam cometidas as falácias do século passado» 39 . ibid., p. 245.

Na mesma linha de Wilson e Ruse, Daniell Dennett per-


gunta sobre a origem das normas éticas:

Se «deve» não pode ser derivado de «é», de onde pode então «deve»
ser derivado? É a ética uma área de investigação inteiramente 'autó-
noma? Será que ela voa indiferente aos factos provenientes de
qualquer outra disciplina ou tradição? Será que as nossas intuições
éticas emergem de algum inexplicável módulo ético implementado
nos nossos cérebros (ou nos nossos 'corações' para usar uma ter-
minologia tradicional)? Tal constituiria um duvidoso guindaste do
qual poderíamos suspender as nossas convicções mais profundas
sobre o que é certo e errado 40 . 40
Daniell Dennett, Darwi-
n's Dangemus Idea. Evolu-
tion and the Meanings of
Esta posição de Dennett vai ser também a de grande parte dos Life, London, Penguin Books,
1995, p. 467.
autores das ciências cognitivas.

4. 0 naturalismo cognitivo

O renascer do naturalismo no Ocidente no último quartel do


século XX tem uma considerável base de apoio nos recentes
desenvolvimentos não só em biologia como também nas
ciências cognitivas. Estas têm contribuído para uma imagem
naturalizante dos seres humanos, facto que torna difícil manter
a principal afirmação de Moore, de que «bom», o conceito
central da ética, é uma propriedade não natural. Por outro
lado, se tudo o que existe no mundo são seres e aconteci-
mentos naturais, torna-se também difícil continuar a defender
o tradicional hiato radical entre facto e valor. Reduzindo o
pensamento e a linguagem humanas a meros fenómenos neu-
robiológicos, tendo como pano de fundo o naturalismo evo-

515
lucionista, os cientistas e filósofos cognitivos argumentam
assim em favor de uma «ética corpórea», uma ética de factos.
Mark Johnson é certamente um dos autores das ciências
cognitivas mais críticos de Moore, sobretudo por este ter esta-
belecido um hiato intransponível entre a ética e as ciências
empíricas:

A firme negação da relevância do estudo empírico para a orien-


tação moral foi reforçada do modo mais infeliz no início do
século XX por G. E. Moore na sua obra Principia Ethica, a qual
teve uma profunda influência sobre a direcção tomada pela teoria
111
Mark Johnson, «Ethics- in moral nas décadas a seguir à sua publicação 41.
William Bechtel & George
Graham (eds.), A Compa-
nion lo Cognilive Science, Johnson considera, tal como muitos outros autores na mesma
Oxford, Blackwell Publ.,
1998, p. 692. área, que foi o intuicionismo de Moore que constituiu o con-
texto para o desenvolvimento do emotivismo. Por outro lado,

o pressuposto emotivista de um eu bifurcado e da negação de


qualquer sério papel para a razão em ética constitui sem sombra de
dúvida uma posição idiossincrática. De facto, ela faz perfeitamente
sentido no contexto da perspectiva da ética que veio a dominar a
ética do século XX como resultado da publicação em 1903 de
Principia Ethica de G. E. Moore. Moore instituiu quase autonoma-
mente uma concepção de filosofia moral como nada mais d o que
meta-ética, e os efeitos desastrosos desta concepção drasticamente
42
Mark Johnson, Moral estreita da questão ainda atormentam a filosofia hoje 42.
Imaginalion. Implicalions of
Cognilive Science for Ethics,
Chicago, The University of Johnson considera assim que as concepções éticas de Moore
Chicago Press, 1993, p. 138.
contribuíram fortemente para negar à razão qualquer lugar
em ética.

Apesar da sua veemente campanha em favor do pensamento


lógico, de uma cuidadosa análise e de uma rigorosa argumentação,
Moore conseguiu excluir virtualmente a razão da ética normativa.
E uma vez que a argumentação racional foi banida d o debate
normativo, não é suipreendente que o emotivismo tenha surgido
Ibid. como seu lógico sucessor 4 3 .

Johnson considera que este facto é bem ilustrado pela tese da


indefinibilidade do conceito central da ética, «bom». Só agora,
em sua opinião, a ética está a recuperar da negativa influência
de Moore no pensamento ético do ocidente.

516
Olhando para trás, pareceria que o intuicionismo de Moore consti-
tuiu um infeliz episódio na teoria moral. Ao afirmar que a evidên-
cia empírica sobre quem somos e como funcionamos é simples-
mente irrelevante para as questões fundamentais da filosofia moral,
Moore deu início a um sério declínio em ética e igualmente na
teoria do valor em geral neste século (XX), d o qual só agora come-
çamos a recuperar 44. 44
Mark Johnson, Moral
Imagination, p. 140.

No entanto, a posição de Johnson, comum a muitos


outros estudiosos na área das ciências cognitivas, é fortemente
criticada por autores como Virginia Held 4 5 . A crítica destes 45
Virginia Held, -Whose
agenda? Ethics versus cogni-
autores consiste basicamente em reafirmar a distinção feita por tive science», in Larry May et
al. (eds.), Minei and Morais.
Moore entre o domínio dos factos e o domínio dos valores. Essays on Ethics and Cogní-
tive Sciences, Cambridge,
Neste sentido, as ciências cognitivas podem informar-nos como MA, MIT Press, 1999, pp.
69-88.
o cérebro de facto funciona, e de que modo isso se relaciona
com o que as pessoas eticamente fazem, mas o conhecimento
dos factos neuronais nada nos pode dizer sobre o que as
pessoas devem eticamente fazer. «Nenhuma investigação sobre
os estados cerebrais ou sobre biologia evolucionista nos dirá
aquilo que as pessoas deveriam aspirar fazer ou ser. Isto res-
suscita o fantasma de Moore, mas talvez de uma forma mais
aceitável» 46 . Esta afirmação de alguns autores da área das Md., p. 4.

ciências cognitivas reconhece que

mesmo que os cientistas da cognição pudessem descrever os fun-


damentos computacionais dos juízos morais actuais, isso ainda não
nos diria o quer que fosse acerca de que juízos morais são melho-
res que outros, já que os melhores juízos morais podem ainda não
ter sido formulados por qualquer cérebro 47 . Ibid.

5. Os Principia Ethica, cem anos depois

Vários dos aspectos fundamentais da ética de Moore expressa


nos Principia continuam a ter hoje um considerável número
de discípulos. De tal maneira que Stephen Maizen considerou
recentemente ser necessário contrariar o efeito de um «artigo
denso e fascinante publicado há cerca de dez anos» por
Toomas Karmo. No artigo, Karmo «junta a sua voz ao coro dos
filósofos que negam a possibilidade de uma legítima derivação

517
Slephen Maizen, -Closing de 'deve' ('ought') a partir de 'é' ('is')»48. Maizen afirma-se
the 'is'-'ought' gap-, Cana-
iliiin Journal of Pbilosopby preocupado pelo facto de a posição de Karmo «não ter sido
28:3 (1998), pp. 349-366.
refutada; pelo contrário, ganhou até recentes apoios, dado que
alguns filósofos acreditam que aquele autor pôs finalmente fim
49
Ibid., p. 349. Como exem- ã questão da autonomia lógica da ética»49. No entanto, poder-
plo de um apoio recente, cf.
Mark Wheeler, -In defense se-á dizer em abono da verdade que são mais os críticos de
of a derivation of 'ought'
from 'is'-, Indian Philosophi- Moore do que os seus discípulos.
cal Quarterly 26:3 (1999),
pp. 343-353. Cem anos depois da publicação dos Principia Ethica,
a questão da relação entre as proposições da ética e as das
ciências naturais, nomeadamente da biologia em geral e das
neurociências em particular, continua a ser problemática. A eli-
minação do hiato entre o facto e a norma, afirmada pela linha
naturalizante, parece, para os adversários desta corrente e na
linha de Moore, terminar com a possibilidade de qualquer dis-
curso ético. Reduzir a norma ética a «o que é o facto» empírico,
objecto de estudo das ciências naturais não deixa qualquer
lugar para um discurso sobre «o que deve ser o facto», o
domínio específico da ética. Para estes autores a questão da
falácia naturalista denunciada por Moore mantém hoje perfeita
actualidade. Todavia, o extraordinário desenvolvimento da
perspectiva evolucionista e das ciências cognitivas tem condu-
zido a uma visão mais realista da ética. Embora não se possa
dizer que são os factos empíricos que determinam em abso-
luto os valores éticos em cada estádio da evolução biológica
em geral, e da evolução do sistema cognitivo humano em
particular, não é possível ignorar por completo a forma como
a dimensão corpórea da existência humana condiciona, talvez
mais do que tenhamos considerado até agora, a forma como
pensamos e agimos eticamente.
Fazendo um balanço da situação actual, deve afirmar-se
que a polémica que continua a opor naturalistas e antinatura-
listas não se poderá resolver simplesmente pela vitória de uma
das partes. Por um lado, os antinaturalistas não poderão igno-
rar as dramáticas repercussões que os actuais desenvolvimen-
tos quer da teoria evolucionista, quer das ciências cognitivas,
estão a ter na concepção do que é ser humano. Mas por outro

518
lado, os naturalistas que investigam nestas áreas deverão
manter um espírito suficientemente crítico de forma a não
serem vítimas de um empirismo ingénuo e simplista. Por isso
mesmo, mais do que uma declaração de vitória por uma das
partes em confronto, toma-se necessário desenhar criativa-
mente um novo paradigma do que é ser humano, e que repre-
sente verdadeiramente um passo em frente no conhecimento
da totalidade da realidade do que somos nós mesmos.
Cem anos depois dos Principia Ethica, Moore continua a
ser uma referência fundamental nos debates sobre a temática
ética, e a questão da relação entre facto e valor não deixou
ainda de estar na agenda dos teóricos da ética. Neste sentido,
os Principia conservam uma impressionante actualidade.
no mesmo vol. pane do ensino dispen-
Bíblia sado no quadro do Instituto de História
das Religiões da Faculdade de Ciências
Históricas da Universidade Marc-Bloc de
BLANCHETIÈRE, François: Estrasburgo.
Enquête surles racines juives du mouvement Como é óbvio, não pretendeu Blan-
chrêtien (30-135). chetière abordar aqui o «problema de
587 págs. CERF, PARIS, 2001. Jesus» por si mesmo, mas tão somente na
medida em que ele mantém alguma rela-
C o m diferente e mais amplo propósito ção com o das origens do Cristianismo
d o que muitos dos seus predecessores, palestiniano: «Isso justifica a data de 30
visou o A. oferecer-nos aqui uma base da nossa era como terminus a quo, visto
sólida de trabalho e de reflexão sobre que a crucifixão e morte de Jesus de
uma etapa da história d o cristianismo mui- Nazaré podem ser aproximadamente fixa-
tas vezes deixada de lado, apesar de fun- das nesta data com dois ou três anos de
damental, etimologicamente falando. diferença, enquanto que 135 parece im-
Ao tentar compreender e reconstruir, por-se como terminus ad quem com o
numa perspectiva histórica, os múltiplos aparecimento de uma kxxXr\oía - com
aspectos da evolução desse «movimento unidade exclusivamente heleno-cristã em
suscitado pela personalidade fora do comum Jerusalém». Estes limites cronológicos são,
de Jesus de Nazaré-, começa o A. por todavia, «transgredidos», sempre que pre-
recusar a tese da escola de Tubinga, «que ciso, assim como as fronteiras do domínio
ainda vigora como lei na historiografia geográfico da Palestina, «domínio que pa-
judia das origens cristãs-, retomando, pelo rece suficientemente rico e complexo para
contrário, os mais recentes trabalhos que reter a atenção em exclusivo».
desembocam numa consideração funda- É sabido que as origens da corrente
mental do Judaísmo palestiniano, antes e cristã na sua componente «hebraica- não
depois da destruição do Templo em 70. foram até aqui abordadas pelos historia-
Acolhe, por outro lado, Blanchetière o dores da Igreja senão de maneira margi-
contributo dos manuscritos d o Mar Morto nal, rápida e esquemática, com uma ex-
e apoia-se, obviamente, nos trabalhos exe- cepção digna de ser relevada e imputável
géticos dos últimos anos em torno dos à grande figura que foi Jean Daniélou
Actos, dos Evangelhos canónicos, sobre- com os contributos por ele publicados
tudo Mateus, e da literatura apócrifa. desde 1958 em Recherches de science
Temos, assim, em mãos não só o fruto religieuse, além das páginas consagradas
de uma investigação de grande fôlego, também ao judio-cristianismo na Nouvelle
levada a cabo pelo A., que integrou ainda histoire de l'Église (1963). De resto, até
muito recentemente, o Judaísmo dos pri- meio durante o qual se pensou e cons-
meiros séculos da nossa era foi encarado, truiu noutras matrizes diferentes da da
pelos historiadores do Cristianismo, ape- religião» {op. cit., 11-12).
nas numa perspectiva heilsgeschichtliche, Daí a intenção e o sentido profundo
ou seja, como pedagogia (Gál. 3, 24-25) do texto de D. Marguerat que surge em
ou praeparatio evangelica (Eusébio) ou epígrafe às conclusões gerais d o vol.:
ainda como pano de fundo sobre o qual «A nossa imagem do alvorecer da cristan-
aparece e se destaca o cristianismo: -Por dade deve ser recomposta: a tarefa ainda
outros termos, o judaísmo, não é abor- mal começou [...] restituir à genealogia do
dado por si mesmo, mas enquanto pavi- cristianismo a amplidão que lhe é devida
antes que medidas de constrangimento
mentou o caminho ao cristianismo, de-
façam nascer a ilusão (e o dever) da una-
vendo este substituir aquele».
nimidade».
Declara o A. (515) que o seu trabalho
Voltando ao ponto de partida, acaba
é devedor, a vários títulos, ao estudo de Blanchetière por reconhecer, enfim, algum
M. Sachot, L'invention du Christ. Genèse resultado positivo à tese da escola de
d'une religion (Paris, 1997), para acres- Tubinga: «tornar a pôr em evidência a
centar de seguida, entre as conclusões da existência de uma corrente hebreófana
II parte, que -os conceitos a que recorre- ou arameófana no seio da nebulosa cristã
ram os especialistas modernos para des- original, durante esse primeiro século».
crever os primeiros decénios do movi- Estêvão Trocmé denominou-o de modo
mento saído do ensinamento do Rabi feliz A Infância do Cristianismo (1997),
de Nazaré estão carregados de implica- sem cair todavia, nas conclusões discutí-
ções muitas vezes marcadas ao canto do veis de Jean Daniélou. Esse primeiro sé-
historicismo». Assim, falar de origem, por culo -parece-nos pessoalmente mais como
exemplo, não é apenas evocar começos, a embriogénese do cristianismo- (521),
mas é recorrer também a uma metáfora irrompendo este como corrente também
genética que leva a não encarar a história complexa no seio de um judaísmo poli-
de maneira redutora como se ela fosse morfo - o que não lhe rouba em nada a
a mera explicitação progressiva de um sua originalidade e novidade (522), como
conteúdo inteiramente dado na origem e se Deus tivesse mudado de plano ou
de parecer quanto ao autêntico Israel da
que se desenvolve de modo contínuo.
Aliança.
Em consequência disso, diz-nos o A. Uma coisa é clara, ao encerrar este
(516), que falar de religião cristã no estudo denso e de grande fôlego: »A his-
I século da nossa era não é apenas ina- tória do cristianismo primitivo revela-se,
dequado mas mesmo um anacronismo portanto, altamente paradoxal» (523), so-
porque, como bem explica M. Sachot, esta bretudo pelas razões que o A. seguida-
noção -não é primitiva nem universal. Ela mente enuncia quanto à influência pro-
não é a matriz na qual se verteu o cristia- funda da herança judaica que continua a
nismo. Mas foi a matriz que ele mesmo exercer-se mesmo quando se reforça a
moldou ao procurar definir-se no seio da proporção dos cristãos que já não têm
latinidade depois de século e meio de nenhum vínculo pessoal com o judaísmo.
existência, isto é, depois de um século e - / . Ribeiro da Silva.

522
LÉGASSE, Simon: ciliável. Esforça-se, pelo contrário, e m
L'épitre de Paul aux Romains. compreender Paulo e a sua linguagem,
992 págs. CERF, PARIS, 2002. nem sempre fácil. Para tal, segue-o nos
meandros e nos confrontos d o seu pensa-
N a colecção lectio divina, com o n.° 10 mento, no seio d e uma obra magistral que
d e «Comentários", aparece este vol. denso exprime e veicula as convicções e as teses
e de peso n o qual, seguindo os mesmos fundamentais d o seu autor - «o mais antigo
princípios aplicados às Cartas aos Tessa- testemunho d o cristianismo em Roma-,
lonicenses e Gálatas, o A. se dedica a O professor emérito d o Instituto Ca-
comentar a Carta aos Romanos. tólico de Toulouse informa-nos também
Uma «verdadeira carta missiva», aliás, acerca das origens da comunidade cristã
motivada pelas prerrogativas de apóstolo de Roma e alude ainda aos judeus da
que levam Paulo a dar conselhos e adver- capital d o Império, «porque foi entre eles
tências a uma comunidade na qual ainda que o cristianismo romano recrutou os
não estivera. seus primeiros fiéis». Com efeito, a pre-
sença d e judeus em Roma inscreveu-se no
Mas é o conteúdo do escrito que se
grande movimento da Diáspora que os
sobrepõe às suas características e razões
levou a expandir-se tanto no Oriente como
circunstanciais, já que, em grande parte,
no Ocidente, a partir da Palestina. Assim,
ele emerge como uma «apologia-: defesa
é incontestável q u e «no século I antes da
d e Deus e defesa d e Paulo e das suas
nossa era, os judeus constituíam uma parte
perspectivas categóricas relativamente ao
notável da população romana» (30).
dilema que o p õ e a Lei de Moisés, dada
Ao contrário d e outras cartas d e Paulo,
por Deus, e a Redenção, operada por
a Carta aos Romanos não deixa entrever
Deus em Jesus Cristo.
facilmente as razões que levaram o Após-
Considerada, às vezes, como o testa-
tolo a escrevê-la; elas «permanecem um
mento espiritual d o Apóstolo, a Carta aos enigma para q u e m as queira reduzir à
Romanos n ã o se apresenta como uma unidade». Sumariamente, as opiniões divi-
exposição teológica completa mas é, cer- dem-se em dois grupos: para uns, a Carta
tamente, «a última palavra» que nos che- é motivada, antes de mais, pelas necessi-
gou de Paulo, esse judeu «convencido d e dades da comunidade destinatária; para
ter sido objecto de uma revelação divina» outros, é necessário partir da situação de
e que se e m p e n h o u totalmente para que Paulo, da sua reflexão teológica e da sua
«a nova via- aparecesse como «a sucessão experiência adquirida (38).
e o desenvolvimento- da antiga aliança Todavia, anteriormente a qualquer con-
q u e Deus estabeleceu com Israel. sideração, acentua Légasse o carácter de
Dando por assente que o pensamento carta-missiva, a fim de não a tomarmos
d e Paulo «não é imóvel nem imune a como composição trabalhada ou trans-
certas tensões», Légasse procura, no seu formada em carta mas sem obedecer às
erudito comentário, não estabilizar o que regras d o género epistolar. Não se trata,
aparece em movimento nem conciliar a em suma, d e u m simples discurso teoló-
qualquer preço o que é dificilmente con- gico.
Além da bibliografia geral no início como a elaborar uma base de partida
do vol., cada perícopa comentada por comum, optando pelo Status quaestionis
Légasse apresenta uma bibliografia parti- da obra de Goppelt, atrás citada, para
cular em que as remissões são efectuadas orientar a pesquisa de «um aparelho con-
pelo nome de autor munido de asterisco, ceituai e das categorias mentais úteis para
enquanto os comentários aparecem com a investigação». A panóplia das categorias
indicação exclusiva do respectivo autor. - encontradas foi considerável, já que, à
I. Ribeiro da Silva. «fluidez da terminologia», vieram juntar-se
categorias como a intertextualidade, a ale-
goria, a citação e o seu funcionamento
KUNTZMANN, Raymond (dir.): literário, etc. A síntese final do vol. aponta
Typologie biblique. De quelquesfigures vives. a convergência do trabalho realizado por
278 págs. CERF, PARIS, 2002. cada colaborador e define algumas aquisi-
ções incontornáveis dessa forma de exe-
O b r a colectiva, fruto do trabalho da gese que a tipologia representa n o interior
Equipa de acolhimento 2328 em ciências d o Antigo e do Novo Testamento e na
bíblicas da Universidade de Marc-Bloc relação entre os dois.
(Estrasburgo); trabalho realizado entre Como resultados obtidos, são de assi-
1997 e 2001. Colaboram aqui 13 autores nalar principalmente: a definição de uma
- Beauchamp, Bons, Coulot, Deneken, tipologia fundada sobre a constituição e a
Duval, Gerber, Husser, Kuntzmann, Mor- exploração das figuras bíblicas e distinta
gen, Renaud, Rõmer, Schlosser e Siffer- da alegoria simplesmente ilustrativa; a
-Wiederhold - provenientes de diferentes orientação da tipologia para novas reali-
horizontes e com formações e sensibi- dades, definitivas ou actuais; a própria
lidades diversificadas, naturalmente; isso construção do «tipo» para que ele possa
redunda em riqueza pluridisciplinar no abrir o futuro e culminar «numa ultrapas-
trabalho de pesquisa levado a cabo por sagem» na cristologia do Novo Testamento;
cada um no respectivo domínio. a relação da tipologia com a cristologia;
Partiram os AA. da urgência constatada a escatologia aberta pela tipologia, etc.
em estabelecer uma definição mais precisa O grupo de investigação em referência
da tipologia e em explorar também o seu revela-se inteiramente consciente da uto-
funcionamento, tomando em conta as inves- pia que representa pretender atingir uma
tigações literárias recentes. É que, com •visão definitiva e comum» acerca da tipo-
excepção de «Paul Beauchamp e alguns logia. Existe uma pluralidade de aborda-
outros», os biblistas «mal ultrapassaram gens possíveis. Inscrita nos textos bíblicos,
as vias abertas pelo estudo de Leonard a função da tipologia é dinâmica; e é pela
Goppelt, Typos. Die typologische Deutung sua ; f u n ç ã o de orientação para novas
des Alten Testaments im Neuen- (1938). realidades que a tipologia se demarca da
É certo que a questão da tipologia «está sua parte de analogia- (270). Em suma, a
longe de fazer unanimidade» entre os tipologia bíblica é «um movimento que
investigadores. Mas este esforço de cola- assume o passado para o projectar na
boração levou não só a ultrapassar um escatologia e o tornar a trazer para o pre-
conceito muito elementar de tipologia sente» (274). - 1. Ribeiro da Silva.

524
nidade duma pessoa é um valor superior
Ética social ao respeito das regras que aplica ou que
pede para aplicar o Estado» (11).
Tudo isso porque «o respeito do Estado
Églises, terres d'asile. Les chrétiens solidaires não é um absoluto- mas deve ir a par com
des réfugiés. «um espírito crítico»: «A confiança conce-
50 págs. LABOR ET F I D E S , G E N È V E . dida ao Estado não pode ser cega, porque
o Estado não é um fim em si, mas um
V o l colectivo, publicado pela Comissão instrumento ao serviço do respeito dos
Nacional Justiça e Paz Suíça e pelo Ins- direitos humanos fundamentais. O respeito
tituto de Ética Social da FEPS, sobre a destes direitos é o critério último de julga-
situação dramática dos que vêem rejeitado mento do Estado- (11).
definitivamente o seu pedido de asilo e Mas se a responsabilidade do cidadão
obrigam as Igrejas a acudir em defesa da vai para além do respeito formal da lei,
sua dignidade através de iniciativas e de só os valores fundamentais podem justifi-
soluções lançadas, tantas vezes, «à margem car actos de resistência, sempre no quadro
da legalidade contra decisões administra- do Estado de direito e em favor do Estado
tivas do Estado de direito». de direito.
É a legitimidade de tais acções que é Claro que é preciso ponderar bem o
aqui discutida, através de uma série de estado de necessidade que se apresenta
interrogações iniludíveis: Poderão justifi- para que o acto de resistência tenha
car-se tais acções num Estado de direito? dimensão profética ou remeta verdadeira-
Até que ponto é legítimo assumir esses mente para o respeito dos direitos funda-
actos de resistência, abrindo «refúgios de mentais.
Igreja- sem pôr em perigo os valores que Mas uma conclusão ressalta do que foi
fundamentam a realidade jurídica de uma vivido em confronto com o apelo a ser
democracia? Autorizará, acaso, a fé cristã, sal, luz e fermento evangélicos (Mt. 5, 13
em determinadas circunstâncias, que se e 14; 13, 33): «A nossa responsabilidade
actue à margem da lei aprovada democra- consiste em levar uma mensagem, uma
ticamente pela maioria? Boa Nova ao conjunto da sociedade a que
Registe-se que a acção mais notória, na pertencem, a nossa cidadania está assim
Suíça, foi a que levaram a cabo paróquias vinculada à nossa fé. Nós queremos reali-
católicas e reformadas no cáritãò de Berna, zar gestos que possam ser lidos e rece-
em favor dos kosovares que em 1993- bidos pelo conjunto da sociedade, que
-1994 requeriam asilo. A iniciativa suscitou possam trazer um contributo a uma Suíça
toda a gama de questões acima aponta- portadora de direito e de justiça» (22).
das, já que estava em jogo «a responsabi- Através de contributos orais ou escri-
lidade dos cidadãos, cristãos ou não, face tos, colaboraram nos debates em causa
ao Estado, face às pessoas que desejavam teólogos e juristas, cabendo a Doroteia
proteger»; responsabilidade que, perante Wilhelm, colaboradora do movimento cris-
uma vivência tão marcante, os levou a agir tão para a paz em Zurique, apresentar os
em virtude da seguinte afirmação: «« dig- fundamentos teológicos do tema refúgio
de Igreja, que «significa rotura- (43) com farçadas... Mediante essa quase identifica-
as abstracções que não tomam em conta ção, consegue ir além da história literária
o medo, o desespero ou a morte da pes- e chegar ã interpretação da história pessoal
soa, quando se trata de nos abrigarmos d o árcade sadino, isto é, -transporta o lei-
e declararmos -que a barca está cheia, tor para o ambiente vivido nos primeiros
tentando proteger a nossa ilha das vagas anos d o século XIX e para a mente de um
ameaçadoras- (45). O refúgio de Igreja -não homem que foi mais do que o imaginário
tem qualquer significado jurídico- mas «um popular lhe atribui- (capa).
alcance eminentemente profético- (46). Também n o texto de Letria, u m dos
A encerrar o vol., encontramos o texto traços salientes é a seriedade da reflexão.
da célebre Carta de Groningen (1987) De qual dos dois é esta verdadeira efusão
sobre a qual baseiam o seu trabalho mais de alma ou -a minha inebriante sede de
de 700 comunidades eclesiais. - I. Ribeiro absoluto- (12), mas -sempre aquém d o que
da Silva. quis e d o que sonhei- (19)? Por uma vez
sério: -Quem serei eu agora se já Bocage
não sou?» (39). Destroço? Fogo fátuo? Farol
na procela? Viver é escolher. Reconhecendo

Literatura a vã glória de tantos louros q u e o sedu-


ziram, grande a última lição d o poeta à
'gente impia': -Rasga meus versos, crê na
eternidade-.
LETRIA, José Jorge:
Será este romance um bom coroamento
Já Bocage não sou - Romance.
dos trinta anos de vida literária d o autor,
Contemporânea-66.
sem excluir alguma possível semelhança
120 págs. EUROPA-AMÉRICA, M E M MARTINS, 2 0 0 2 .
com a consciência existencial d o poeta
celebrado. Note-se porém que, na trans-
U m romance 'literário' ou mesmo 'poético',
crição inicial d o soneto titulante, n ã o res-
reduplicativamente. Sobre um Bocage exis- peita a 'licença poética' da -gente impia-
tencialista, prestes de desexistencializar-se que o metro e a rima impõem. - F. Pires
e olhando já a vida com mais seriedade Lopes.
d o que simples anedota. Em Dezembro
de 1805, vésperas de encerrar o balanço,
o poeta facecioso mostra a outra face, por FERNANDES, Manuel Correia:
certo a mais definitiva e definitória - a q u e Pós-Leituras- Temas de Literatura portuguesa
o romance desenvolve. e comparada.
Juntando numa só densidade os dons EDIÇÕES ASA, P O R T O , 1999-
de poeta, escritor e jornalista para retratar
outro poeta, Letria como que se funde com O título mostra q u e o autor se assume
Bocage para lhe apanhar a alma vibrátil, como escritor por conta de outrem. Foram
a desordem passional e o fecho de contas leituras prévias q u e lhe suscitaram a refle-
ã vida, onde envolve o homem, o tempo, xão e o impulso para a escrita. Desse ape-
a obra, as preocupações tantas vezes dis- trechamento preliminar resultaram deza-
n o v e ensaios sobre autores d e literatura autor, sem deixar d e reconhecer o inegá-
portuguesa, espanhola, brasileira e hispano- vel mérito d o premiado, destacando na
-americana. sua obra a capacidade d e evolução que
Como o próprio subtítulo da obra deixa culmina numa "depurada linguagem de
perceber, algumas das análises assumem reconstrução da língua», manifesta um avi-
u m a perspectiva comparativista, dando boa sado recuo relativamente ao «quase endeu-
conta d e uma cuidada investigação sobre samento- q u e foi d a d o na nossa imprensa
as mútuas influências entre a literatura por- à obra e à figura d o laureado.
tuguesa e espanhola. É o caso da abor- Esta colectânea d e ensaios revela q u e
d a g e m da temática religiosa e moral n o o seu autor se mostrou capaz d e com-
Cancioneiro Geral e m contraste com outros preender e d e assimilar experiências lite-
cancioneiros hispânicos e d e um estudo rárias diversas, c o m uma qualidade de
s o b r e Camões, mostrando a projecção q u e reflexão só possível a q u e m é conhecedor
o nosso épico teve na literatura espanhola. dos textos e dos seus contextos. - Manuel
D o m e s m o modo, se dá atenção ao aco- António Ribeiro.
lhimento q u e o génio d e Almada Negrei-
ros mereceu e m terras d e Espanha, fazen-
d o - s e t a m b é m uma oportuna pesquisa
DUMAS, Alexandre:
s o b r e a presença d e escritores espanhóis O conde de Monte-Cristo.
da nossa Revista Nova, uma publicação THACKERAY, William Makepeace:
q u e , apesar d e vida efémera, tentou n o A feira das vaidades.
início d o século XX uma cooperação entre TOLSTOI, Leão:
autores portugueses e espanhóis. Guerra e paz.
Além dos ensaios dedicados aos gran- 960, 732, 1072 págs. EUROPA-AMÉRICA,

d e s clássicos Gil Vicente e Luís d e Camões, M E M MARTINS, 1999/99/2002.


s ã o d e realçar os dois estudos sobre o n ã o
m e n o s clássico António Vieira (analisando T r ê s autores 'clássicos', três romances tor-
na sua obra n ã o só o esplendor barroco renciais a retratar três sociedades mais ou
d a novidade da palavra e d o conceito menos contemporâneas: francesa, inglesa,
e n g e n h o s o , mas t a m b é m a ironia e o russa. Os três p o d e m comparar-se a pra-
h u m o r presentes e m alguns sermões) e o tos d e resistência para leitores corajosos
exercício e m q u e se faz uma investigação e pacientes. Histórias tão opostas quanto
s o b r e Álvaro d e Campos, -o heterónimo paralelas, na Europa napoleónica: a frieza
psíquico de Fernando Pessoa». Dos auto- calculista na política d e interesses.
res mais próximos d o nosso tempo, Cor- 1. A começar pela figura quase alegórica
reia Fernandes seleccionou para o seu de Edmond Dantès, vítima e vingador cio
e s t u d o Torga, Vergílio Ferreira, António 'destino': um h o m e m b o m a quem rou-
G e d e ã o e Maria d e Lurdes Belchior, reser- bam liberdade e amor, mas que conse-
v a n d o para os escritores ibéricos d o outro gue a fuga graças à ajuda d u m amigo e
lado d o Atlântico os n o m e s d e J o ã o Cabral reaparece como o misterioso -Conde de
d e Melo Neto e d e Octávio Paz. Acerca Monte-Cristo» para levar a termo uma
da atribuição d o Nobel a Saramago, o vingança impiedosa, para além d e qual-
quer lei. Note-se a coincidência: os anos curas de ostentação. A força da era vito-
de ergástulo e de conhecimento de um riana é a real 'feira das vaidades'. Com
tesouro situam-se na ilha de Monte-Cristo, outro título, interno, diz-se 'Romance sem
entre as de Córsega e Elba (149), onde um herói' (63, 315). Mas o mais interes-
interioriza a ideia de 'premiar os bons' sante da penetração analítica psicossocial
e 'castigar os maus' (235-6). Tenham-no d o romancista é o contraste entre grupos
como proclamador da verdade ou louco centrados em duas alunas duma escola,
varrido (356), ele considera-se omnipo- tão amigas quanto diferentes: Rebeca,
tente e omnisciente, até ao «tudo está sem- pobre e órfã; Amélia, de família burguesa
pre à venda para quem pode jogar» (407). e endinheirada. A primeira, figura ardilosa
Afinal, «devo-me ao meu dinheiro» (557). de ambição, segue em rota de sedutora
De admirar em Dumas (1802-70) o não falsidade, ao passo que a segunda con-
deixar descair o interesse do leitor nem a trasta a seu lado como modelo de afei-
surpresa da urdidura neste romance múl- ção e desapego. Pomba e serpente en-
tiplo (como se fossem vários interligados) volvem-se denodadamente nas águas tur-
onde a variedade e contraste de situa- vas das convulsões sociais e pessoais da
ções proporciona autêntica romagem pelas época.
regiões de Provença, ilhas tirrenas e Itália, Para as pessoas de hoje, um pouco
na rica ambientação de factos e perso- como a sociedade que descreve: «Tudo isto
nagens. Outros tempos, em toda a linha. é futilidade; mas quem não possui o seu
Mas também o virar do avesso toda a quinhão?- (530). Além os canhões vomi-
falsidade social: «O charlatão procura não tam metralha, aqui as garrafas espumam
deixar os seus créditos por mãos alheias- champagne; uns caem mortos ou feridos,
(561); «não sou hipócrita sem motivo- (566). outros tombam de bêbados. Nomes, his-
Algumas lições, entre muitas: sobretudo tórias, ostentação, ambições e aparência
em tempo de revoluções, «as culpas dos dizem a cotação na feira das vaidades.
pais não podem atingir os filhos- (723); «é Quando o dinheiro regulava o peso de
onde fomos felizes que devíamos morrer» coisas e pessoas, os assuntos d e coração
(918); -provenho de um planeta chamado nutrem a ideia de suicídio. Até a bíblia
dor, mais avançado do que o nosso- (952). tinha de ser 'pomposa', não para edificar
2. Pode dizer-se que já nasceu 'clássico'. mas para exibir. «Pelo cavalo, quem é
Foi o primeiro romance e obra-prima ele?» (296) - Todos sabemos traduzir para
(1847) que projectou Thackeray (1811-63) hoje. «Vanitos vanitatum. Omnia vanitas-.
para o nível de Dickens como retratista - A i r u m e m - s e palco e fantoches, que «a
- -o mundo é um espelho» (19) - da balofa peça já foi representada» (729). Amanhã
sociedade londrina, cuja arrogante deca- haverá mais. A feira continua.
dência foi ajustadamente medida pela sátira 3. Há outras edições, em vários volumes
realista do escritor de garra ao pôr nos e de outros tradutores. Em um só volume,
pratos da balança impérios que se degla- a obra já é antiga na editora. A tradução,
diam em fúria napoleónica e a incons- por Isabel da Nóbrega e J o ã o Gaspar
ciência de famílias que se afogam em lou- Simões não é isenta de defeitos (vários
introduzidos por gralha ou mantidos por Em suma: o romancista em sua vigo-
inactualização) mas merece mais confiança rosa faceta de sociólogo, historiador e filó-
que se fosse produto actual. sofo - ou critico deles. E, pelo meio, o
Obra-prima de Tolstoi (1828-1910), incessante trepidar de afectos no convívio
escrita em 1865-69, impõe-se por si como de três gerações. - F. Pires Lopes.
grande literatura de estilo simples e relato
fiel, por isso também inspiradora de cinema
(como aliás 1 e 2). Várias são as dimen- TUROW, Scott:
sões que merecem nota: transmite muito Presumível inocente.
da mentalidade russa e da vida na Rússia
FREIRE, João Rui
d o século XIX ao tempo das campanhas
Marta sem idade.
napoleónicas (1805-12); retrata a superfi-
312, 116 págs. Contemporânea-59, 62.
cialidade ociosa na elite da velha socie-
E U R O P A - A M É R I C A , M E M M A R T I N S , 2002.
dade em duas famílias (Bolkonsky e Ros-
tov) e sob os mais diversos cenários da
1. Quem não tem a consciência tranquila
vida real; traduz o gosto pessoal do autor
pode sofrer de pesadelos. Em terra de
pela vida campestre e pelos seus traba-
armas, violência e cabeças estoiradas,
lhadores; louva algumas figuras militares
parece frequente o de enfrentar conde-
que se contentam com vida modesta; mas
nações por homicídio. É o que sucede na
aprofunda em especial o tema 'guerra e
p. 109, bem à americana. Um advogado
paz', mais guerra que paz, onde «pereceu
estabelecido deixa-se arrastar em paixão
a glória russa» (285), «acontecimento em
desacordo com a razão e a própria natu- por meio palmo de cara, sem saber que
reza do homem» (537); e cuida as profun- é a família, honra e vida que vai pôr em
didades psicológicas das personagens em jogo. A 'palmito' aparece assassinada e vai
íntima aliança de descritivismo, humor e ser preciso advogado e narrador que conte
crítica social: até no campo de batalha, tudo em pormenor, ao gosto americano e
«conselheiros não faltam, mas homens de com abundância de diálogos. Por esta via
valor são raros» (659). de ficção realista (1987), o A. «desmascara
o sistema judicial americano, pondo a nu
São mais de mil páginas cheias da
esse chocante mundo de traição e morte»
Rússia de Tolstoi nos múltiplos aspectos
(capa), com alguma intensidade humanista
da sua humanidade e riqueza de escritor,
como se descrevesse tudo em cada breve mesmo se «dentro de uma falta de maté-
capítulo, em cada longo pormenor. Sabe ria-prima humana» (96), servindo-se porém
d o que escreve e fá-lo com generosidade: de todos os aliciantes e vulgaridades para
«Cada um de nós não é mais nem menos conquistar leitores e mercado, uma vez
d o que qualquer Napoleão» (694). Apesar mais à boa maneira do Tio Sam, porque
da capitulação de Moscovo, Borodino foi «represento o Estado e estou aqui para
o golpe fatal para a «destruição da França apresentar as provas de um crime» e «as
napoleónica- (725). Napoleão dizia: «Do enormes rodas que giram por baixo de
sublime ao ridículo vai apenas um passo» tudo aquilo que fazemos... Sou um buro-
(939). E deu-o. crata do Bem e do Mal» (7). Tudo à mis-

529
tura com uma campanha eleitoral e em Todo o romance é, na sua brevidade,
versão 'New Age', desbocada, aventureira esse -fico d e s e n h a n d o no silêncio o teu
e artifical. rosto sem idade» (14). Uma dedicação
No m e s m o contexto e muito n o género digna, sem cair na lubricidade. Marta sem
d o já traduzido 'Danos pessoais' (cfr. Bro- idade é a mulher miragem na evanescên-
téria, Jan.-02, 90); a saber: «Vergonha para cia física sem qualquer resto d e materia-
a causa da justiça- (273). Uma promessa lidade real. Outra característica louvável:
no dia d e julgamento: «Se sobreviver a fraseado curto para não s o b r e p o r nem
isto, tornar-me-ei o melhor- (190), -para confundir ideias. Já menos agradável algu-
atingirmos a boa vontade e o perdão» ma mistura d e estilo directo e indirecto
(274). -A corrupção é uma doença pro- (vg. 18). Um refrigério para a invasão de
gressiva» (278). sexismo que por aí suja ecrãs, papel e
vidas. Grande tema: os apelos da vida a
Segunda página, primeiro tropeço n o
dissipar-se c o m o fumo e n q u a n t o não a
português: -Todos vós aceitaram-. Paciência!
vivemos a sério. Um rasto d e poesia con-
2. Personagens: -Marta, Rogério, eu de
tudo. Marta, uma figura poética: mulher
outrora» (89). Memorial d e um amor d e
d e sonhos, antes d e ser a mulher real.
jovens, e m paixão sem idade e nunca
•Se te esqueceres d e mim, n ã o esqueças
amadurecida, tem e m Marta um símbolo
o amor- (47). - F. Pires Lopes.
d e certa ligeireza volúvel e m q u e nem
os solavancos da vida lhe acomodam a
carga. -Perder a idade- é perder o ritmo e
ERSKINE, Barbara:
o significado d e viver. O q u e logo sobres-
Segredos na areia.
sai é a ligação entre o descritivo exterior e
o aprofundamento psicológico (nem sem-
WERBER, Bernard:
O império dos anjos.
pre interior: -uma lâmina d e xisto) da per-
352, 288 págs. Contemporânea-63, 65.
sonagem focada que vai crescendo -den-
EUROPA-AMÉRICA, M E M MARTINS, 2002.
tro d e mim-, fazendo d o A. o responsável
d o retrato como -existência onírica» que
1. Neste romance, a A. conta (2000) duas
é a imagem d o escritor a o espelho dela.
viagens paralelas, a 140 anos d e distân-
Mas a interioridade vivida está sempre a
cia: a d e uma recém-divorciada (Ana) que
marcar a exterioridade envolvente e des-
resolve minorar a depressão e m cruzeiro
crita. -O q u e és d e mim e o que eu fui
pelo Nilo, imitando o e x e m p l o d e uma
em ti... uma intenogação ã qual a única
trisavô (Luísa) e levando c o m o talismãs o
resposta é a morte» (41-2) - um -simples-
diário q u e esta escrevera e u m perfume
mente narrar-te- (58) e -inscrever-te no
egípcio que deixara. No m e s m o percurso,
Infinito- (93) ou -a minha imagem de ti»
lido e revivido, surpresas e coincidências
(97). Há ainda textos avulsos ficticiamente
acumulam-se: à medida q u e descobre as
enquadrados mas que servem para melhor
velhas belezas mitológicas, descobre igual-
definir o autor e dar c o r p o ao texto base
mente n o diário n ã o só a velha história
a fim d e consciencializar o oposto -reino de amor da antepassada mas também o
sórdido» (86). mistério d o tal perfume e o seu próprio
drama íntimo. Só q u e pelo m e s m o cami- 'reencarnação' - reciclagem da morte, 'mais
n h o se vai meter na boca d o lobo e em uma vida para nada'.
perigos q u e n ã o sabe vencer. Uma salgalhada ecléctica e materialista.
História(s) d e amor e vingança, n o cená- Mas também lições à esquerda e à direita.
rio d e deserto e rio. Parte gaga, mas peça Procurando «empurrar as fronteiras d o
de resistência e travejamento: o ocultismo, conhecido... sempre e m direcção ao des-
crendices femininas, ideias fixas e medos, conhecido. .. Mas nem dispomos d o conhe-
a par com verdades antigas. Evo, história, cimento q u e nos permita medir a nossa
vida e... sonhos d e infância. -A areia vem ignorância-, -Tudo o que é dotado d e alma
e todas as coisas desaparecem: o epitáfio tem vontade d e evoluir-, E os humanos?
d e uma civilização» (39). «O Egipto é um «Antes d e se julgarem super-homens, tor-
local mágico» (248) q u e estimulou a A. nem-se homens».
(formada em história medieval escocesa) A simplicidade da criança e a malícia
a escrever sobre imaginação e divindades,
d o adulto. Perigo d o género: cair n o banal
mas descambando para a magia. No prin-
e descosido. Umas vezes interessa, outras
cípio entusiasma. Depois torna-se repeti-
empata - farófias. Quanto mais para o fim,
tivo. Ao fim satura.
mais repetitivo. Muita sucessão de peque-
Tradução razoável com alguns erros d e
nos quadros. Em suma: u m romance d e
concordância verbal (14, 52, 122, 181, 197,
cultura geral. Desapiedado o m u n d o , visto
293, 328), confusão entre estacar e 'estan-
d e cima 'à vol d'oiseau', mas c o m a n d a d o
car' (162, 245, 364), a contradição «erguer
por homens com livre arbítrio.
o olhar esfregando os olhos- (27), repe-
Erros d e concordância verbal: 106, 203,
tição de 'erguer uma sobrancelha (?) e
244. - F. Pires Lopes.
'ecoar através de' n o sentido d e 'para lá
de' (passim).
2. Ideia original a deste original francês
SOUSA, Sérgio de:
(2000): o A. recolhe a opinião d e várias
Restara-lhes o sexo - Romance + Na senda
pessoas sobre 'os bastidores d o paraíso'
dos utopistas - Ficção.
e 'o que há lá e m cima'. Começa c o m o
o 11 de Set. d e 2001 e pela morte, para
FREIRE, Henrique Lima:
Vidas infaustas - Contos.
chegar ao 'mundo dos anjos' e, d e lá, ver
o dos homens. Acompanha o nascimento, TINOCO, José Luís e
infância e vida d e três e m paralelo. A brin- ANTUNES, António Lobo:
car com tudo e com todos, n u m realismo Diálogos.
superficial e desrespeitador, com recurso 312, 224, 100, 120 págs. ESCRITOR, LISBOA,

a humor (barato), filosofia, ficção cientí- 1997/2001/01/1998.

fica, sociologia, espiritualidade e cepti-


cismo. Tudo muito embrulhado e m enci- 1. Neste primeiro livro d e ficção pretende
clopedismo e descrição q u e admitem todos o A. testemunhar a sua vivência n o meio
os calibres, mas p o n d o o d e d o na ferida em q u e convive e trabalha. Como amador,
e alguma pincelada na lógica da vida e avisa, mas para transmitir m o d o s d e ver o
progresso: 'o inferno é a Terra' como quadro escolhido: ante 68, pelos 20 anos,
marcelismo, paixão de dominar, revan- versos q u e as cores. Ou serão novos
chismo. E é toda a Lisboa natal, com seus testes de Rorschach? Claro que «a terra é
bairros e gentes, q u e perpassa na narra- quadrada e assente em quatro pernas
tiva protagonizada por figuras que tam- como as mesas- (92). - F. Pires Lopes.
bém gostam de pintar e escrever, como o
autor a quem servem de alter ego para
almar a ficção. Com alguma diferença
entre «o único elo entre amigos, o sexo» Psicanálise
(23) e o real amor de solidariedade para
'distinguir pessoas e oportunistas' no con-
flito de gerações. Autêntico e partidário, RAND, Nicholas:
mas real. Com o mérito de avivar memó- Quelle psychanalyse pour demain? Voies
rias. «Quando já nada lhes restava» (282), ouvertes par Nicholas Abraham et Maria
tem lugar o título. Torok.
2. A utopia é para o A. aquele misterioso 166 págs. ÉRÈS, RAMONVILLE S A I N T - A G N E , 2001.

algures inencontrado (153ss) que se situa


na convergência de coordenadas terres- A tão anunciada morte da psicanálise n ã o
tres com a coordenada humana e no final se deu, afinal! Esse grande -delírio d o
d o segundo milénio. Uma dimensão que passado- continua vivo, ou seja, a psica-
sempre atraiu homens em cuja senda se nálise renova-se, adapta-se às exigências
situam também estas curtas ficções: de d o tempo e abraça o desafio de voltar às
amor, escárnio, maldizer, poder, utopia. suas fontes fundadoras através d o espírito
Na brevidade dos textos, a intensidade de pesquisa activa que detectamos nos
das mensagens. escritos de Freud, Breuer e Ferenczi.
3. Seis ficções breves, as duas d o meio Campo de reflexão permanente, a psi-
um tanto trágicas. Mas as restantes a dar canálise, nas suas correntes mais vivas,
igualmente razão ao título. Estilo agradá- aceita a interrogação e o imperativo d e
vel de narração, povoada de bucolismo, renovação, como o demonstram as obras
psicologia, saudade ou optimismo, a impor de Nicolas Abraham (1919-1975) e de
a ideia da incessante novidade da vida: Maria Torok (1925-1998) que se apresen-
•Cada coisa é outra coisa nova» (70). tam como exemplo flagrante de uma via
Mesmo o -aproximar paulatinamente do de renovação: -Com efeito, eles oferecem
fim- (80), na tranquilidade de cumprir uma uma teoria global da psique, a partir d e
filosofia da vida. alguns princípios maleáveis e manejáveis
4. Diálogos, porque vários: cinquenta e - com a única finalidade de libertar a infi-
quatro. Mas breves e autênticos. Entre nita variedade das criações, das vivências
pinturas de 1990-92 d o primeiro autor e e dos dramas humanos». Tal acontece
breves comentários d o segundo. Tão figu- porque eles permanecem perto da reali-
rativas elas como concretos eles. Por isso dade, d o sofrimento das pessoas, a fim
se explicam mutuamente: por sugestões de apreender o mal-estar específico d e
aproximadas. Às vezes mais explícitos os cada um.
Daí o convite d e ambos o s autores a psíquicos, além d e terem induzido à revi-
abandonar toda a teoria que n ã o quadre são d e todos os grandes temas da psica-
com o q u e vivem os pacientes: "Tentar nálise clássica.
a análise a partir d e concepções forma- O mérito deste estudo de N. Rand
das antecipadamente é correr o risco d e reside em vir revelar, pela primeira vez, a
sufocar a voz dos sofrimentos individuais». teoria d o psiquismo elaborada pelos dois
Ora, urge voltar a pôr em livre circulação autores, apoiando-se, para tanto, na publi-
tudo aquilo que, nos recessos mais ínti- cação de amplos extractos de textos e d e
mos da alma, n ã o teve direito à palavra. notas inéditos. Ressalta neles, à luz d o que
Para o A. deste estudo, Abraham e fica insinuado, uma vincada concepção
Torok vêm, assim, reforçar a inspiração transindividual, multigeracional ou grupai.
originária da psicanálise freudiana, ou seja, Em suma, uma leitura inovadora da
a exploração profunda e a cura dos males obra de Abraham e de Torok que traz
psíquicos, por mais que esse intento venha de novo a debate os conteúdos, as linhas
a mexer com doutrinas estabelecidas e de evolução e o alcance terapêutico da
beliscar -a consolidação d e dogmas». Sem psicanálise. As biografias dos dois autores
deixar d e dialogar com a tradição, trata-se são apresentadas no final d o texto que se
de escutar, antes d e mais, -o q u e há d e refere nestes termos ao futuro do papel da
único na vida d e qualquer pessoa, d e psicanálise: «Assim, pela sua atitude com-
específico nos textos literários e d e singu- preensiva e pela sua acção terapêutica aos
lar nas situações históricas». Mais d o q u e níveis individual ou grupai, a psicanálise
a sistematização, impôe-se a abertura d e facilitará a aceitação colectiva e satisfató-
•ura sem n ú m e r o d e entradas clínicas e d e ria d o novo» (132). - I. Ribeiro da Silva.
pistas d e investigação», por muito q u e isso
pareça atingir «o edifício institucionalizado
da psicanálise-.
Esta redescoberta, p o r Abraham e Sociologia
Torok, d o texto freudiano é contempo-
rânea da d e J. I.acan mas orientada para
uma conceitualidade inteiramente dife- GANERI, Anita:
rente: a partir das noções d e traumatismo Drogas.
e de introjecção, eles apresentam noções WRIGHT, Rachel:
originais acolhidas pela psicanálise con- Sexo.
temporânea, tais c o m o os segredos d e 123, 128 págs. EUROPA-AMÉHICA,

família intergeracionais (teoria d o fantas- M E M MARTINS, 2002.


ma), a vergonha irreparável, o enterro REDFORD, John:
psíquico d e vivências indizíveis (cripta), Sexo - O que ensina a Igreja Católica.
o luto impossível (doença d o luto), etc. 208 págs, PAULUS, APELAÇÃO, 2001.
Com isso, eles vieram reforçar a inspira-
ção primeira da psicanálise freudiana, a 1.2. Para muitos desvairados da huma-
exploração profunda e a cura dos males nidade, o sexo anda pelas vias da amar-
guia e a droga está pelos olhos da bato... Os problemas são os mesmos, mas
cara. -Um viciado pode necessitar de as perspectivas alargam-se para outra am-
300 a 450 € por dia. (58). Modas e abu- plidão de horizontes. Procedendo (após
sos que se pagam bem caros: do êxtase introdução) por pergunta e resposta, a
(ecstasy) à agonia ou via rápida para primeira suscita o problema, a segunda
suiSidar-se. aponta a solução formativa.
A recente colecção 'Ponto de Referên- A perspectiva da Igreja não coincide
cia' dedica-lhes os números 3 e 5. Na boa em tudo com ideias hoje correntes (vg.
intenção de alertar para os riscos a não em 2), porque acredita que somos ima-
transpor e os perigos aonde não chegar. gens de Deus, com dignidade e vocação
Para as drogas, a lista: álcool, tabaco, originais, e que o sexo, como toda a natu-
calmantes, LSD, canabis, crack, cocaína, reza, é uma dádiva divina, caminho de
heroína, ecstasy. Será que são tão boas santificação dos esposos e condição exis-
como os consumidores afirmam? «Toda a tencial de todo o ser humano em todas
as circunstâncias de adulto. Os tempos
informação está neste livro» - ponto de
mostram que nem o sacerdócio nem o
referência.
casamento é solução para problemas de
Sobre o sexo, aviso de capa: contém
castidade. Mas «o caminho para a felici-
material explícito e inclui histórias reais.
dade está na verdadeira castidade, quer
Para benefício de outros, em especial
sejamos casados ou não» (13). Contudo,
adolescentes. Que a informação explícita
•melhor casar do que andar por aí a
e real, a tempo, pode prevenir grandes
queimar-se e a queimar outros- (I Cor.
desastres em toda a linha. Virgindade,
7, 9).
prevenção, doenças transmissíveis... são
Tanto a autoria, de sacerdote e publi-
sexualmente relevantes. Derruba ideias
cista católico, como a matéria e a respec-
feitas e previne muita devastação: o que
tiva exposição, tornam este livro precioso
é normal e adquirido, e o que é desvio
«para escolas, professores, cursos de pre-
e perda. «A informação está toda aqui
paração para o matrimónio, Equipas de
dentro» - ponto de referência.
Nossa Senhora e todos os que querem
Originais em inglês, de 1996 e 98. conhecer o conteúdo e o porquê daquilo
Breves, claros, informativos... para «a tua que a Igreja ensina sobre tão importante
própria opinião-. Porque, em ambos os assunto- (capa). Portanto, também de refe-
casos, de exploradores e irresponsáveis rência. Mas com outra altura e muito
está o mundo cheio. A poluir a saúde mais alcance formativo: «Nem casamentos
física, mental e moral. homossexuais, nem sexo fora do casa-
3. Também de original inglês (2000) na mento» (150). O espírito é que vivifica.
internacional Paulus, mas agora sobre o Os ministros do casamento são os pró-
que ensina a Igreja Católica (subtítulo) prios casados. Além de que «há sempre
relativamente a virgindade, casamento, algo de monge em cada um de nós» (132).
contracepção, homossexualidade, celi- - F. Pires Lopes.
cer, venho falar de agir. Em plena cons-
Teologia ciência, certamente! Porque esta obra
reflecte a história pessoal do seu autor.
Ele quer dar expressão a um sonho de
LÉON-DUFOUR, Xavier: juventude: ter sob os olhos uma apresen-
Agirselon VÉvangile. tação da mensagem evangélica no seu
186 págs. SEUIL, PARIS, 2002. conjunto, e colocar à disposição do leitor
os seus textos de alcance espiritual a
O título da obra condensa uma questão fim de o encorajar a melhor responder
com que acaba de confrontar-se sempre ao apelo interior que ele já ouviu n o
qualquer cristão convicto: como proce- segredo» (7).
der de acordo com o Evangelho? Mesmo O livro não pretende, como é óbvio,
sabendo que o cerne da mensagem evan- reflectir filosoficamente sobre a acção,
gélica reside, em última instância, no amor cuja estrutura profunda foi já elaborada
e no perdão, -únicos dignos de fé», não por M. Blondel, nem descrever as condi-
estamos dispensados de aprofundar a ções do acto bom ou mau, como fazem
riqueza do seu sentido e o seu alcance os moralistas. É outro o objectivo visado
universal através do estudo da Palavra por estas páginas: elas «tentam remontar
neotestamentária. É o que se dedica a mais profundamente, até à própria raiz
fazer aqui o A., por meio do estudo siste- do agir do homem segundo o Evangelho»
mático do tema do agir cristão à base (13), convidando, assim, o cristão «a apro-
dos três Evangelhos sinópticos e do de fundar a sua fé, escutando as palavras de
S. João. Resulta daí o perfil de uma vida Jesus e descobrindo o seu comportamento
activa segundo Cristo, em toda a sua pro- na acção: ele é o tipo de homem que
fundidade espiritual. todos os cristãos são chamados a ser» (14).
O livro contém em si como que a fina São cinco as etapas em que se desen-
flor da investigação, do saber, da expe- rola a pesquisa do A.: a experiência de Jesus;
riência e da vida de fé de Léon-Dufour, o critério do agir (só Deus); o homem
cuja obra considerável fica mais enrique- face a Deus que vem; o homem face ao
cida com este novo contributo. Na aborda- universo; o amor no coração do agir.
gem da Boa Nova, ela vai mais além da O «reino de Deus» é não só o centro do
mera investigação das fontes e dos docu- pensamento de Jesus mas também «a reve-
mentos literários e históricos. Na expressão lação principal» (20), como explicita o vol.
de P. Gilbert, poderíamos caracterizar o ao longo da primeira secção, concluindo
presente vol. como «Um livro de ciência a propósito da tradição sinóptica: «Jesus
ao serviço imediato da mensagem crística». teve a experiência de que Deus propunha
Existe, além disso, a dimensão muito a Israel e ao mundo uma novidade abso-
pessoal neste ensaio que abre caminho luta, há muito pressentida pelos profetas e
-a uma apresentação mais fiel dos dados agora prestes a chegar. Esta experiência é
evangélicos e, ulteriormente, a uma autên- tão forte que ele compromete a sua vida
tica 'Teologia do Novo Testamento'». Ei-la inteira para a comunicação: Deus vem»
expressivamente confiada pelo próprio (40). Por sua vez, o IV Evangelho «con-
Léon-Dufour: «No momento de envelhe- vida a interiorizar a relação Jesus/Deus
d o ponto de vista da imanência...» (50); Uma meditação nada fácil, na qual a
•Jesus torna-se também o protótipo d o linha de reflexão d o teólogo de Basileia
homem unido a Deus pela Aliança, que poderá, eventualmente, nalguns d o s seus
se cumpriu nele mesmo» (51). desenvolvimentos, causar certa estranheza;
O agir moral de todo o homem segundo mesmo se, no seu todo, o texto é suscep-
o Evangelho - tema que titula o vol. - é tível de vir iluminar a dimensão eclesial
abordado no cap. 3 que conclui assim, d o crente q u e se interroga a f u n d o acerca
aludindo à tradição sinóptica e joânica: da sua relação com a Igreja.
•Uma e outra tradições são indispensáveis Nos horizontes que o teólogo suíço
para exprimir a resposta humana a Deus abre sobre o mistério da Igreja, c o r p o e
q u e vem ao encontro d o homem. O agir esposa de Cristo, Maria - «a resposta per-
humano exprime o d o próprio Deus»; o feita e típica à questão» - aponta o centro
h o m e m não é Deus, obviamente, mas é genuíno através da sua fé virginal, da sua
imagem d'Ele (119). esperança transparente e d o seu amor
Recolhendo elementos dispersos nos total: «É assim q u e a Mãe de Jesus contém
capítulos anteriores, o texto sobre o amor e figura todos aqueles que o Espírito dá
no coração do agir humano qualifica o a Cristo, fazendo-os renascer para a vida
encontro com o outro como sendo encon- de filhos de Deus» - comenta o tradutor e
tro com o próprio Jesus, não reconhecido apresentador d o texto, publicado pela pri-
imediatamente (168). A sinergia d o homem meira vez em 1961 numa colectânea de
e de Deus transforma a antropologia: -o estudos consagrados à Igreja, s o b o título
Sponsa Verbi.
homem é sempre um ser suspenso de
Deus pela sua respiração» (170). - / . Ribeiro Yves Congar achava o texto de Wer ist
da Silva. die Kirche não só difícil mas de -tradu-
ção verdadeiramente penosa» (Revue Tho-
miste, 71, 1971, p. 628); escusado será
BALTHASAR, Hans Urs von: dizer q u e ele não condensa em si, como
Qui est l'Église? é sabido, todo o pensamento de von Bal-
117 págs. PAROLE ET SILENCE,
thasar sobre a Igreja.
SAINT-MAUR, 2001.
A questão veiculada por esse texto, em
referência, foi ulteriormente abordada num
Tradução (e apresentação) de M. Vidal, colóquio teológico, realizado em Friburgo
feita sobre o original alemão Wer ist die (Suíça) em 1998. - I. Ribeiro da Silva.
Kirche (1965) onde nos é proposta uma
reflexão sobre a Igreja a que o A. atribuía GALOT, Jean:
muita importância. É a própria formulação Libérés par l'amour. Christologie III.
da questão Quem é a Igreja? q u e nos 266 págs. PAROLE ET SILENCE, PARIS, 2001.
orienta para as pessoas que são Igreja: a
pessoa de Cristo quando fala da Igreja E x p l o r a ç ã o teológica d o mistério da
q u e é o Seu Corpo; a pessoa de Maria q u e redenção cristã.
concentra em si a figura da Igreja, esposa Parte o A. da necessidade d e tornar
de Cristo; a pessoa d o conjunto dos cren- •mais viva», em cristologia, a n o ç ã o mo-
tes, cristalizados na fé de Maria. derna de redenção, apoiando-a na sua
história antiga, ou seja, no passado d e o primado d o Redentor «não tira nada ao
Israel. Daí o título sugestivo d o vol. para amor q u e preside à Incarnação», já q u e
operar essa viragem num termo com tão Cristo «nunca foi querido s e n ã o c o m o
ampla significação c o m o é o termo de Redentor», permanecendo portanto intacto
redenção, já que designa toda a obra da o testemunho d o amor misericordioso e
salvação: desde a libertação da escravidão da generosidade divina (39).
d o pecado até à restauração d o homem, O aspecto d e libertação na obra d e
elevando-o a um estado superior através Cristo «é o mais fundamental» n o sentido
da santificação q u e assenta no d o m da d e que é libertando a humanidade n o seu
vida divina, na filiação adoptiva da parte estado presente que Cristo lhe oferece a
d e Deus e da destinação à glória eterna - salvação para o futuro- (43).
t u d o como fruto d o sacrifício d e Cristo. A perspectiva bíblica acentua fortemente
Evoca, assim, esse título toda a história a iniciativa divina (55) e a instauração d e
da salvação, espelhada na imagem d o um regime d e justiça e de amor (62). Ao
p o v o judeu exilado e oprimido, aguar- situar-se ao nível das relações mais pro-
d a n d o com impaciência a sua libertação fundas da humanidade com Deus, ela atinge
e recebendo-a d e maneira gratuita com directamente o destino mais fundamental
t o d o o entusiasmo, na convicção d e q u e a d o h o m e m (63) e abre caminho à expan-
verdadeira libertação se realizará ao preço são d e todas as forças do amor (95):
d e um grande sacrifício cujos efeitos irão «É uma libertação que torna o ser h u m a n o
abranger, generosa e gratuitamente, todas capaz d e amar-, com «consequências e m
as multidões humanas. todo o comportamento humano- (106).

Insiste Galot na distinção -fundamen- Uma realidade muito repisada p o r


tal" que a teologia moderna faz entre os Galot, e m referência óbvia a contextos
dois aspectos essenciais, e estreitamente teológicos bem conhecidos: -Sem a liber-
implicados um n o outro, na obra reden- tação interior, espiritual, as outras liberta-
tora: redenção objectiva, ou «redenção de ções não poderiam ser senão superficiais
princípio», integralmente realizada; reden- e suscitar ilusões- ( 1 1 8 ) ; «A libertação é
ção subjectiva, q u e visa a aplicação indi- 'teológica' n o sentido mais completo d o
vidual dessa salvação adquirida para termo: liberta o homem, fazendo-o par-
todos, d e p e n d e n d o das disposições sub- ticipar na liberdade de Deus» ( 1 1 9 ) . -
I. Ribeiro da Silva.
jectivas de cada um. Não s e n d o perfeita,
esta terminologia «mantém a sua utilidade»,
apesar dos inconvenientes apontados (15): RUSSEIL, Jean-Paul:
«Ela clarifica o problema da natureza da Une culture de l'appel pour la cause de
obra-redentora, porque previne as confu- l'Évangile.
sões entre o seu princípio e as suas apli- Pour une théologie des vocatiohs aux minis-
cações individuais; permite ainda carac- tères diocésains.
terizar com mais precisão o q u e Cristo 199 págs. C E R F , PARIS, 2001.
operou em proveito d e todos e o q u e Ele
opera em cada indivíduo particular». B a i x a d e vocações ao ministério sacer-
Começa por abordar o A. o motivo da dotal, visível em toda a França, apesar d e
Incarnação, para d e seguida acentuar que os serviços das vocações terem realizado
«proezas de pedagogia, de apresentação, vessada por um apelo que deve transmi-
de reflexão- e das muitas preces para que tir- (15). Daí o sentido do título da obra: é
Deus nos dê «muitos santos sacerdotes- (9). urgente uma «cultura do apelo- e m todas
Depois da análise e das múltiplas ver- as situações da vida da Igreja, porque
tentes do fenómeno, duas coisas se foram apelo e missão caminham a par. Ora o
entretanto constatando: «Começa-se a adi- corpo eclesial «perdeu o hábito da sua
vinhar que a quebra do número de sacer- responsabilidade de chamar». Daí que a
dotes oculta uma 'crise' relativamente ao pastoral das vocações -ponha às comuni-
ministério-; «a baixa quantitativa e a crise dades cristãs a questão da sua eclesiologia
qualitativa são geralmente confundidas» concreta- (16).
(10). Até aqui, palavras certeiras e esclarece-
Ora «a Igreja reafirma nitidamente que doras de apresentação do vol. pelo bispo
é ela que reconhece uma vocação e de Poitiers, Albert Rouet; palavras em per-
chama-, É por isso, que a vocação ao feita consonância com o teor do livro cujo
sacerdócio sublinha «um ponto de forte A. é o responsável do serviço de voca-
oposição entre a teologia prática da Igreja ções, além de Secretário do Conselho
e as tendências da sociedade- (12). A essa presbiteral dessa diocese.
luz, cabe afirmar que não são tanto os Na linha aberta pela carta dos Bispos
serviços das vocações que estão em causa aos católicos de França, Propor a fé na
«mas sim a relação com a comunidade sociedade actual (Cerf, 1996) este livro
dos fiéis- - o que vem impelir ao discer- procura mostrar como é fundamental a
nimento da situação actual onde a socie- dinâmica da fé, já que é ela que inspira
dade já não surge imbuída da influência e põe em campo os diferentes apelos
cristã. «Tocamos aqui o ponto extremo de dirigidos aos baptizados. Só a partir daí
uma longa história que foi progressiva- é possível atentar melhor no sentido da
mente afastando a preocupação com as vocação aos diferentes ministérios: «Que
vocações da vida concreta de um presbi- se elaborem propostas pastorais convi-
tério-, Além de que urge saber se temos dando a um compromisso suficientemente
realmente «as vocações que são precisas lúcido e confiante, porque é aí que se
para hoje-; e isso por uma razão muito joga o hoje d o Evangelho e da missão
simples: -Porque se trata essencialmente apostólica da Igreja-,
de determinar que tipos de ministérios são É, portanto, a responsabilidade das
actualmente necessários à Igreja. Senão, comunidades cristãs que está em causa; a
arriscamo-nos a ser sacerdotes para nós partir dela é que se podem formular pro-
mesmos, a partir da ideia e das represen- postas que potenciem a cultura d o apelo,
tações pessoais de um candidato- (13). conjugando a lucidez com a esperança -
Toda a vocação possui, portanto, uma essa «virtude do caminho- - para nos fazer-
dimensão eclesial prioritária e é dramático mos ao largo, segundo a palavra de Jesus
esquecer esse dado fundamental, já que (Zc. 5, 4): «Os desafios do tempo, como
leva à formação de sacerdotes -em si-, outras tantas vagas poderosas, tornam-se
fora do lugar estruturante de um presbité- pro-vocações a partir para o largo» (194).
rio. A Igreja apela e é apelante: «ela é atra- - 1. Ribeiro da Silva.
ÍNDICES DO VOLUME 155

1. DE AUTORES

ASSUNÇÃO, Paulo d e
— O espectáculo da morte e a imortalidade d o poder na celebração
das exéquias d e D. João V 273-294

BRITO, José Henrique Silveira d e


— Ética e comunicação social 467-478

CABRAL, Ruben de Freitas


— Política, ética e educação 131-145

CÂMARA, José Bettencourt da


— Luís de Freitas Branco e Francisco de Lacerda 147-162

CARNEIRO, Roberto
— Indústria de conteúdos culturais, valores e identidade: Um breve
ensaio seminal 7-29

CARVALHO, José Mexia Crespo de


— Da colaboração empresarial e da necessidade de mudança 163-170
— Dos consumidores que somos 479-491

DALLABRIDA, Norberto
— Moldar a alma plástica da juventude: a Ratio Studiorum e a
manufactura de sujeitos letrados e católicos 451-466

DINIS SJ, Alfredo


— Ética naturalizada, cem anos depois dos Principia Ethica de
G. E. Moore 507-519
FRANCO, José Eduardo
— Antijesuitismo pedagógico e científico e o nascimento da Brotéria 295-318

FRANZEN, Beatriz Vasconcelos


— Os colégios jesuíticos no Brasil: Educação e civilização na Colónia
(1549-1759) 69-91
— Aldeamentos portugueses: Jesuítas e carijós 389-399

FREITAS SJ, Domingos de


— Relação Escola-Família numa sociedade pós-moderna 243-257

KOLVENBACH SJ, Peter-Hans


— A dimensão intelectual dos apostolados jesuítas 197-205

LANGROUVA, Helena Santos Conceição


— Mar-Poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen: Poética d o
espaço e da viagem - II 41-68

MORAIS-ALEXANDRE, Paulo
—José Régio e a Moda 493-505

NEVES, Maria d o Céu Patrão


— Tolerância: Entre o absolutismo e o indiferentismo morais 31-39

PATTO, Pedro Maria Godinho Vaz


—Justiça e perdão face à criminalidade 343-361

RENAUD, Isabel Carmelo Rosa


— Terrorismo e tragédia: Um apelo à ética 373-380

RENAUD, Michel
— O terrorismo na dialéctica da ideologia e da utopia 231-241

SALINGAROS, Nikos A.

— Anti-arquitectura e religião 381-388

SANTOS, João Soares


— Uma realidade de evidências invulgares 171-195

SENA-LINO, Pedro
— O corpo consumido: Fascínio ou ditadura da própria imagem . . . 259-272

540
SILVA, Manuela
— A economia de comunhão na rota de uma globalização solidária 119-130
— As mulheres perante os desafios da globalização 363-372

VIEIRA, Cristina Maria da Costa


— ... que o meu pê prende... de Fernando Campos ou o convite
onírico à reflexão 401-425

2. DE MATÉRIAS

ARTES
— Luís de Freitas Branco e Francisco de Lacerda 147-162
— Anti-arquitectura e religião 381-388

CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS


— Da colaboração empresarial e da necessidade de mudança 163-170
1
— Dos consumidores que somos 479-491

CULTURA
<—Indústria de conteúdos culturais, valores e identidade: Um breve
ensaio seminal 7-29
— Uma realidade de evidências invulgares 171-195
— O corpo consumido: Fascínio ou ditadura da própria imagem . . . 259-272
—José Régio e a Moda •••• 493-505

CULTURA RELIGIOSA
— A dimensão intelectual dos apostolados jesuítas 197-205

DIREITO
—Justiça e perdão face à criminalidade 343-361

EDUCAÇÃO
— Política, ética e educação 131-145
— Relação Escola-Família numa sociedade pós-moderma 243-257
— Moldar a alma plástica da juventude: a Ratio Studiorum e a
manufactura de sujeitos letrados e católicos 451-466

ÉTICA
— Tolerância: Entre o absolutismo e o indiferentismo morais 31-39
— Terrorismo e tragédia: Um apelo à ética 373-380
— Ética e comunicação social 467-478

541
FILOSOFIA
— O terrorismo na dialéctica da ideologia e da utopia 231-241
— Ética naturalizada, cem anos depois dos Principia Ethica de
G. E. Moore 507-519

HISTÓRIA
— Os colégios jesuíticos no Brasil: Educação e civilização na Colónia
(1549-1759) 69-91
— O espectáculo da morte e a imortalidade do poder na celebração
das exéquias de D. João V 273-294
— Antijesuitismo pedagógico e científico e o nascimento da Brotéria 295-318
— Aldeamentos portugueses: Jesuítas e carijós 389-399

JUSTIÇA E SOLIDARIEDADE
— A economia de comunhão na rota de uma globalização solidária 119-130
— As mulheres perante os desafios da globalização 363-372

LITERATURA
— Mar-Poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen: Poética do
espaço e da viagem - II 41-68
— ... que o meu pé prende... de Fernando Campos ou o convite
onírico à reflexão 401-425

3. BIBLIOGRAFIA

AA.W. — Henri de Lubac et te mystère de l'Église 106


ASSUNÇÃO, Paulo de — A terra dos brasis 326
ATTWATER, Donald — Dicionário de Santos 103
BALTHASAK, Hans Urs von — Qui est 1'Église? 536
BLANCHETIÈRE, François — Enquête sur tes racines juives du mouvement chrétien
(30-135) 521
BUBER, Martin — La relation, âme de 1'éducation 438
CANTISTA, Maria José (coord.) — A dor e o sofrimento 431
CARREL, Aléxis — O homem, esse desconhecido 321
CARVALHO, Maria Manuela — O poder e o saber 431
CLAIR, André — Métaphysique et existence. Essai sur la philosophie de Jules
Lequier 100
C O N G A R , Cardinal Yves — Écrits Réformateurs 107
COTTIER, Georges — Le désir de Dieu 210
DESCOMBES, Vincent (et ai.) — Conferências de Filosofia - II 431

D O M I N G U E S , Francisco — O eu cósmico 97

542
DOYLE, Arthur Conan — Um estudo em escarlate + O sinal dos quatro + /Is aven-
turas de Sherlock Holmes + As aventuras de Sherlock Holmes 214
D U M A S , Alexandre — O conde de Monte-Cristo 527
D U P U I S , Michel (et aO — Dor e sofrimento 431

D U Q U O C , Christian — Christianisme, mémoire pour 1'avenir 331

E D G A R , William — La carte protestante. Les réformés francophones et l'essor de la


modemité (1815-1848) 324
Églises, terres d'asile. Les chrétiens solidaires des réfugiés 525
ERSKINE, Barbara — Segredos na areia 530

FALCÃO, José António, PEREIRA, Fernando Ant. Baptista — Santiago combatendo


os mouros 327
F E R G U S O N , James — Caraíbas 103

FERNANDES, Manuel Correia — Pós-Leituras 526


FERREIRA, José Ribeiro (coord.) — Plutarco - Educador da Europa 436
FETJAINE, Jean-Louis—A hora dos elfos 215

FOUILLOUX, Étienne (dir.) — Un intellectuel en son siècle 101

FRANKL, Viktor E. — La presencia ignorada de Dios. Psicoterapia y religión . . . . 216


FREIRE, Henrique Lima — Vidas infaustas 531

FREIRE, João Rui — Marta sem idade 529

G A L O T , Jean — Libérés par 1'amour 536


G A N E R I , Anita—Drogas 533
G A R O , Isabelle — Marx, une critique de la philosophie 98
G I L B E R T , Paul (éd.) — Au point de départ. Joseph Maréchal entre la critique

kantienne et Vontologie thomiste 434


G I U S S A N I , Luigi — Toda a terra deseja o Teu rosto 217
G O G O L , Nicolau — A cidade do sossego e O capote 329

G R E L O T , Pierre — Le langage symbolique dans la Bible 429

G U T E R S O N , David — A neve caindo sobre os cedros 211

H E R M A N N , C . , MARCADÉ, J . — A Península Ibérica no século XVII 32

H O F F M A N N , E . T . A . — O quebra-nozes 211

— O pote de ouro 329


JAMES, Henry — O calafrio 329
JOLIVET, Jean — La théologie et les arabes 439
KOTZWINKLE, William — E.T., o extraterrestre 215
K U N T Z M A N N , Raymond (dir.) — Typologie biblique. De quelques figures vives . . . 524
LALAGUNA, Juan — Espanha - Guia histórico para viajantes 327
LASZLO, Ervin — Lagoa dos murmúrios 207
LÉGASSE, Simon — L 'épitre de Paul aux Romains 523
L É O N - D U F O U R , Xavier — Agir selon 1'Évangile 535

L É O N - D U F O U R , Xavier (éd.) — 35 mots pour entrer dans la Bible 319

Les nouvelles voies de 1'exégèse. En lisant le Cantique des cantiques 430


LETRIA, José Jorge — Já Bocage não sou 526

L Ó P E Z HERNANDEZ, Eleazar — Sagesse indigène 217

543
MONFORTE, Josemaría — Conhecer a Bíblia 427
MONOD, Jacques — O acaso e a necessidade 321
MONTA VONT, Anne — Dela passivité dans la phénomênologie de Husserl 319
MONTCLOS, Xavier de — Breve histoire de l'Église de France 325
NIETZSCHE, Friedrich — A genealogia da moral 321
N O D E T , Étienne — Le Fils de Dieu. Procès de Jésus et Évangiles 94

O Grande Amor de Deus 431


PAS, Robert de — À la découverte de l'Esprit Saint 427
PASTERNAK, Bóris — Melodia interrompida 329
PETERS, Ellis — A feira de S. Pedro 211
— Um corpo a mais 211
PINCKAERS, Servais — À la découverte de Dieu dans 'Les Confessions' 96
PINHEIRO, Maria H. Mano — Subjectividade plural 431
P I N T O , Nadir Martinez — Globalizar épreciso 330
POE, Edgar Allan — Narrativa de A. Gordon Pym 329
RAND, Nicholas — Quelle psychanalyse pour demain? Voies ouvertespar Nicholas
Abraham et Maria Torok 532
RAVAS, Gianfranco — La paternité de Dieu dans la Bible 217
READEK, John — África 103
REDFORD, John — Sexo 533
R E N D E U , Ruth — Engano astucioso + O diário de Asta 212
ROCHLIN, Gene I. — A p a n h a d o s na Net 207
R O D R I G O , Pierre — Uétojfe de l'art 99
ROTHERY, David A. — Geologia 207
RUSSEIL, Jean-Paul — Une culture de 1'appet pour la cause de 1'Évangile 537
SOUSA, Sérgio de — Restara-lhes o sexo + Na senda dos utopistas 531
TAILLAND, Michèle Janin-Thivos — Inquisition et société au Portugal 102
THACKERAY, William Makepeace — A feira das vaidades 527
THEISSEN, Gerd — La Religion des premiers chrêtiens. Une théorie du christia-
nisme primitif 93
THOMAS, SJ., Jean-Françols — Jnitiation ã Teilhard de Chardin, maitre spirituel 96
THUBKON, Colin — Na Sibéria 213
T I N O C O , José Luís, ANTUNES, António Lobo — Diálogos 531
TOLSTOI, Leão — Guerra epaz 527
T U R O W , Scott — Presumível inocente 529

VAZ, Armindo dos Santos — A arte de ter a Bíblia 427


VECA, Salvatore — Éthique et politique 323
VERUNDE, Joseph-Marie — Initiation ã la Lectio Divina 427
VIEIRA, Anselmo — Ser ou não ter 330
WELLS, H. G. — A máquina do tempo 215
WERBER, Bernard — O império dos anjos 530
W H I T E , Michael — Superciência 207
W R I G H T , Rachel — Sexo 533

544
o b r a s r e c e b i d a s n a r e d a c c ã o

OFERTA DOS AUTORES

Aurélio PORTO, Calendário de cal e azul. 12 sonetos irregulares, Porto, O Caminho ou


Como Caminhar, 2002.

OFERTA DOS EDITORES

A p o s t o l a d o d a O r a ç ã o - Largo das Teresinhas, 5 - 4714-504 Braga:


1) José Alves MARTINS, S.J., Exercícios espirituais de libertação pessoal, 2002.

2) José Augusto Alves de SOUSA, S.J., A Bíblia, mestra da vida, Vol. II - Do Livro
de Josué até ao Livro do Profeta Malaquias, Braga, Moçambique, Fátima,
Editorial A. O., Paulinas Editorial, Difusora Bíblica, (s.d.).
3) Thomas MICHEL, Um cristão encontra o Islão. Na confluência dos Dois Alares
(Alcorão, XVIII: 60), 2002.
4) Vais sempre comigo. Guia de oração, Lisboa, Braga, Edições S. T.J., Editorial
A. O., 2002.

A P P A C D M - Quinta do Amorim - Gualtar - 4710 Braga:


1) Álvaro de OLIVEIRA, Poemas para uma arca vazia, 2002.
2) Augusto VILA-CHÃ, O mundo da saúde: Um apaixonante desafio, 2002.
3) J. E. Gonçalves LOPES, Escritos de Direito Público. 1994-1999, 2002.
4) José Ferraz MOTTA, A mulher através da história. Grandezas e misérias, 2001.
5) Laura C. Ferreira PEREIRA, A Áustria e a integração europeia, 2002.
6) Patrícia PIRES, Sim, sou eu..., 2001.
7) Rui Carrington da COSTA, Obra completa, Vol. I, II, 2002.
8) Sonhar. Comunicar, Repensar a diferença, Setembro-Dezembro, 2001.

C a s a A m o r i m d e C a r v a l h o - Travessa Anselmo Braancamp, 58 - 4000-085 Porto:


1) Júlio Amorim de CARVALHO, Dois escritores portuenses. O poeta António Pinheiro
Caldas e Amorim de Carvalho, 2000.
2) IDEM, Achegas para uma biografia: Amorim de Carvalho, Separata da revista Gil
Vicente, n.° 3 - 4." série, Janeiro/Dezembro, 2002, Guimarães, (s.n.) pp. 63-76.

545
C e r f - 2 9 , bd. La Tour-Maubourg - 75340 Paris Cedex 07 (França):
1) Henry Morru, DietríchBonhoeffer, 2002..
2) Hubert GOUDINEAU, Jean-Louis SOULETIE, Júrgen Moltmann, 2002.

3) Jean-Michel POFFET, O . P . (dir.), Vautorité de 1'écriture, 2002.


4) Jean-Yves CALVEZ, Chrétiens penseurs du social. Maritain, Mounier, Fessard,
Teilhard de Chardin, de Lubac. 1920-1940, 2002.
5) Joseph MOINGT, S.J., Dieu qui vient à l'homme. Du deuil au dévoilement de
Dieu, 2002.
6) Pierre de Martin d e VIVIÉS, Apocalypses et cosmologie du salut, 2002.

7) Rudolf PESCH, Laprimauté dans l'Église. Les fondements bibliques, 2002.

EDIPUCRS - Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 33 - Caixa Postal 1429 - 90619-900 Porto Alegre/RS (Brasil):
Nicolau d e CUSA, A Douta ignorância, 2002.

G u i m a r ã e s E d i t o r e s - R u a da Misericórdia, 68-1200 Lisboa:


1) Almudena de ARTEAGA, A Beltraneja. (ou a Excelente Senhora], O pecado oculto
de Isabel, A Católica, 2002.
2) Damião de Góis, Elogio da cidade de Lisboa, 2002.
3) Edgar Allan POE, Criptografia. O escaravelho de ouro, 2002.
4) Arthur SCHOPENHAUER, Metafísica do amor, 2002.

IN-CM - Imprensa Nacional Casa da Moeda - Av. António José de Almeida -1000-042 Lisboa:
1) António de MACEDO, Da essência da libertação. Ensaio antropológico a partir
da poesia de Félix Cucurull, 2002.
2) David HUME, Tratados filosóficos, Vol. 1 - Investigação sobre o entendimento
humano, 2002.
3) Jorge BARBOSA, Obra poética, 2002.
4) José da Silva Maia FERREIRA, Espontaneidades da minha alma, 2002.
5) José Luís Brandão da Luz, Introdução à epistemologia. Conhecimento, verdade
e história, 2002.
6) Tomaz d e FIGUEIREDO, NÓ cego, 2002.

P a u l u s E d i t o r a - Estrada de São Paulo - 2685-704 Apelação:


1) P. c António Lúcio da SILVA (org.), Santa Rita de Cássia. Novena e tríduo, 2002.
2) IDEM (org.), São Judas Tadeu. Novena, 2002.
3) Evangelhos 2003• Textos dos quatro Evangelhos para cada dia do ano. Orações
para a vida cristã, 2002.
4) CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PASTORAL DA SAÚDE, Droga e toxicodependência.
O desafio de uma intervenção global, Apelação, Lisboa, Paulus Editora,
Pastoral da Saúde, Comissão Nacional, 2002.
5 ) VÁRIOS A U T O K ES, A moral social. Respostas às perguntas mais provocadoras, 2002.
P u b l i c a ç õ e s E u r o p a - A m é r i c a - Apartado 8 - 2726-901 Mem Martins:
1) Alan MACDONALD, Al Capone e o seu gang, 2002.
2) IDEM, Henrique VIII e o seu cepo, 2002.

3) Arthur Conan DOYLE, O regresso de Sherlock Holmes, 2002.


4) Colin J A R M A N , NÓS. Nós, voltas, cotes, falcaças e costuras, 2002.
5) E. L. DOCTOROW, A cidade de Deus, 2002.' ; . "

6) Jean-Marc DUROU, A exploração do Sara, 2002..

7) José Jorge LETRIA, Já Bocage não sou, 2002.


8) Joseph PEARCE, Tolkien. O homem e o mito. Uma vida literária, 2002.
9) Kjartan POSKITT, Isaac Newton e a sua maçã, 2002.
10) Margaret SIMPSON, Cleópatra e a sua víbora, 2002.
11) Rafael SABATINI, O falcão dos mares, 2002.
12) Ray BRADBURY, Fahrenheit 451, 2002.
13) Stephen MOORE, Sociologia, 2002.
Revista Portuguesa de Filosofia
Abril-Junho • 2 0 0 2 • Volume 5 8 • Fase. 2

Política & S o c i e d a d e :
Ensaios Filosóficos
JoAo J. V I I A - C H À Politica & Sociedade: A Questão das Origens
Acluo E. ROCHA Filosofia e Ideia de Europa: Cosmopolitismo
e Paz no "Iluminismo''
JEAN-CIAUDE ESIIN L'Au-delà dans la Vie de la Cité:
Le Rôle Politique des Peines de 1'Enfer
d'apròs Hannah Arendt. Essai d'lnterprétation
JOHN MIIBANK The Last of the Last:
Theology, Authority and Democracy
REYES MATE La Justlcla de las Victimas
ANTHONY W . BARTIETT The Swerve of Desire:
Eplcurus, Economics and Violence
PAUI DUMOUCHEI Hobbes, Contractarlans and Scepticism
SÉRGIO L. PERSCH A Questão do Pacto na Teoria Politica de Splnoza
WOLFGANG PALAVER Sakrales Kõnigtum, Todesstrafe, Krleg: Der
(Jrsprung politischer Instltutionen aus der Sicht
der mimetischen Theorle René Girards
LÍDIA FIGUEIREDO O Pensamento Politico de Hannah Arendt:
Uma Revolução Copernlcana?
C R Ú M C A / C H R O N C U • RECENSÕES / BOOK REVIEWS • FICHEIRO DE REVISTAS / INDEX OF ARTICIES

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MANUEL MORAIS; MANUEL SUMARÉS; ALFREDO DINIS; JOSÉ GAMA; JOSÉ H . SILVEIRA DE BRITO; ETELVINA NUNES; JOSÉ MIGUEL
DIAS COSTA.

rcumnm COMULTWO • A. T. DALKVO (KAMÍALA) I Aduo E. ROCHA (BRAÇA) I ADELA CORTOU (VALENCIA) I ADRIAN PEPERZAK (CHICAGO) I
M T. QLBUSA (COWOÍTRA) I ANTÓMO MASTINS (CORÁU) I CHARLES T«U» (MONTREAL) I ELEONORE Sn» (Swi Lous) I Fwastoxiss (PAUS)
I FRB®KX LMRENCE (BOSTON) I FBEDO R O A (MOWHEN) I GERHARD BOKRMG (NEW HWEN) I HEKRUUE C. DE LMA VAZ (BEU> HOHZOKTE) I
JACOUES TAKKWJX (BRUXELAS & BOSTON) I JEAN GREGCH (PAUS) I JOAQUM CERQUEIRA GONÇALVES (IJSSOA) I JOHN D. CAPUTO (VUAMM) I JOHN
0 ' M A U B (CUEMICE, MASS.) I )0RS SPLETT (FRANKFURT & MONCHEN) I IOSÉ BARATA MOURA (LISBOA) I JOSÉ ENES (UBOA) I JOSÉ GOHEZ
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RDURD KEARNEY (DUBLK & BOSTON) I STANLEY ROSEN (BOSTON) I XWIERTIUJETTE (PARS)

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Alguns artigos dos próximos números :

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Edouard Dhanis, Fátima e a II Guerra Mundial

Arthur Blásio Rambo


A Restauração católica: contexto histórico

Jorge Biscaia
Envolvimento familiar e os filhos de mães toxicodependentes

Alberto Júlio Silva


A arte: luz do Génesis e sombra de Adão

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