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OBRA PÓSTUMA
Mão de Gato
Este sim que é aborrecido! Um aborrecido de marca maior! Vive inspirando travessuras aos
meninos. Algumas, muito poucas, inofensivas; mas outras, em grande parte, terríveis!
Mão-de-Gato é um pensamento esm fazer jogar pedras e esconder a mão. Adestra os
meninos na arte sem graça de prejudicar e incomodar meio mundo, mas, quando chega o
momento de prestar contas ou de tomar a responsabilidade, infunde-lhes a picardia da
dissimulação, com o que os priva de exercer a valentia.
Era isso justamente o que acontecia com Daniel. Entre outras coisas, agradava a Daniel
quebrar vidraças a pedradas, e ninguém sabia disso! Quando não tinha a seu alcance o
tronco de alguma árvore corpulenta ou qualquer outro esconderijo, recorria à astúcia. Quem
iria duvidar da "inocência" desse rapazinho que caminhava pela rua lendo um livro ou uma
revista, sem despertar suspeitas?
Outra das predileções que mão-de-gato lhe infundia era a de lambuzar as fachadas das casas
com desenhos horríveis, travessura da qual escapava sempre com sorte, graças a sua astúcia
e às suas pernas, que lhe permitiam desaparecer como um gamo veloz.
Seu próprio pai custou a convencer- se de que era ele quem metia pregos no guarda roupas,
provocando estragos nas roupas. Como suspeitar de Daniel, se na casa o único que andava a
toda hora com o martelo era Carlos, o mais novo de seus filhos?
E aqui não terminam as artes de mão-de-gato, pois além de encantar seu amigo com tantas
e tão daninhas travessuras, convertia-o em mentiroso. De outro modo, como escapar das
punições? E não só mentiroso, mas, também indiferente à dor dos seus irmãozinhos, que
carregavam suas culpas, ou à de algum companheiro de escola, maliciosa e injustamente
acusado de haver posto um alfinete na cadeira da professora.
Daniel, porém ainda era menino e pode corrigir a tempo o defeito inculcado por mão-de-
gato.
De que forma conseguiu tirar de si tão endiabrado pensamento?
Você gostaria de saber, não é?
Bom, foi muito fácil: cada vez que se sentia perseguido por ele, detinha se, pensava um
instante, e imediatamente se aquietava o desejo de satisfazê-lo. Por exemplo: um dia, quase
na hora do lanche, passou pela copa justamente quando a criada colocava um prato de
pastéis sobre a mesa. Que bela oportunidade! Era fácil encher os bolsos e culpar Carlos ou
apontar o bichano como autores do furto. Mas algo muito sutil o conteve: um pensamento
bom, sem dúvida! E ali foi o difícil, porque também mão-de-gato defendia seu reinado na
casa mental.
Passou um tempo, um longo tempo entre o "faço" e o "não faço" até que, ao final, decidiu
valentemente derrotar o intruso.
Pouco tempo depois, sentados em torno da mesa, a mamãe punha com amor um prato cheio
de pastéis diante do filho. Que prêmio, heim Daniel? Nem poderia suspeitar!
Daí por diante mão-de-gato não voltaria a dar lhe trabalho, porque o menino, que havia sido
terrível até aquele dia, começava a aproveitar as compensações que produzem os esforços e
a valorizar o afeto de todos que o rodeavam.
Toribio
Sabe o que é por o pé num formigueiro? Não? Bem, nunca se assentou sobre um montão de
espinhos? Nem isto, não é assim? Pois se deseja sabê-lo, não lhe aconselho o caminho da
experiência pessoal.
Conhece Ducontra, o rei da desobediência? Se deseja conhecê-lo, não lhe aconselho o
caminho da amizade com ele.
Para que tenha idéia de quem é este personagem e o que ele faz, vou contar-lhe as
desventuras de um menino chamado Inácio.
No dia de seu aniversário, os pais o tinham presenteado com um lindo cachorrinho, de cuja
coleira pendia este enternecedor cartãozinho: “Inácio, seja bom comigo”.
Ele foi bom, sim; um dia, dois, três, até que começou a experimentar o maldoso prazer de
incomodá-lo. Agradava-lhe ouvi-lo uivar, achava graça nas suas raivinhas caninas.
De repente, vendo o cartãozinho, olhou-o com desprezo. (“Afinal de contas, de quem é o
cachorrinho?...Vou arrancá-lo”).
E, zás! Lá se foi o cartãozinho.
Sem dar-se conta de onde vinham tais idéias, Inácio lançou um diabólico olhar para o
cachorro. (“Farei com ele o que me der na telha”).
O que lhe estava acontecendo?
Não se esqueça que Inácio é amigo de Ducontra, que Ducontra observa tudo e que, quando
os meninos estão distraídos, plaff! Cai sobre eles e finca-lhes o ferrão da desobediência.
Instigado por Ducontra, começaram pois as estrepolias. (“E se lhe puxar o rabo?”)
Alguns uivos queixosos demonstraram como Inácio errava em seu papel de amo.
Aos puxões de rabo seguia-se logo um pontapé humilhante, o primeiro que o pobrezinho
recebia em sua curta vida de cão.
As heresias continuaram, e o animalzinho agüentava e agüentava. Mas, como bom “fox-
terrier”, também ele, embora cachorro, tinha seu caráter. Cansado, atormentado, dolorido,
não quis saber de mais nada com seu amo, e de repente, nhac!, deu-lhe uma mordida no
nariz.
Uivando de susto mais que de dor, tal como uivava seu cachorrinho quando ele o torturava,
Inácio correu em busca da mamãe. Ela lavou com água e sabão a pequena ferida e aplicou-
lhe um antisséptico de cor vermelho. Desapareceu a dor e desapareceram os choros. Mas,
aquele nariz... Inchado pela mordida e vermelho pela tintura, mais que um nariz parecia
ujm piment5ão.
Os irmãos zombavam de Inácio, Inácio chorava de raiva e Ducontra, triunfante, descansava
satisfeito, enquanto o herói da aventura, caninamente arrependido, se havia enroscado em
um canto, de orelhas murchas.
Aquilo passou!
Em outra ocasião, papai e mamãe levaram Inácio e seus irmãos para passar o dia no campo.
Todos haviam recebido já a prudente advertência de conformar-se com olhar as frutas das
árvores, mas não tocá-las e nem comê-las.
-Parecem maduras, mas não estão; podem fazer-lhes mal, relembrou a mamãe quando iam
chegando à chácara.
Os meninos, obedientes, aproveitaram então aquele imenso espaço para brincar de esconde-
esconde. Todos, menos Inácio. O escravo de Ducontra se valeu do brinquedo para realizar
seu próprio brinquedo, quer dizer, a arte do Ducontra. (“Que se escondam eles. Eu vou
visitar o pomar”).
Ela foi com a desobediência às costas, isto é, com Ducontra em sua casa mental.
O olhar de Inácio percorria cuidadosamente os ramos das árvores. (“Aquele pêssego está
amadurecendo”).
Aproximou-se do fruto e o acariciou com gulodice (“Vou comê-lo!”).
Jogando o caroço quis acertar um pássaro, sem atingir o alvo.
Avançou um pouco mais e, depois de um breve assovio de admiração, viu umas sete ou oito
ameixas, que não mais chegariam a amadurecer.
A inspeção continuou com entusiasmo. Na ponta dos pés alcançou uma pêra, fincando a
unha em sua polpa. (“Hum!, muito verde. Aquela parece boa!”).
Também as pereiras sofreram o estrago.
Ao anoitecer, de volta para casa, Inácio começou a sentir as primeiras cólicas. Como a dor
ia aumentando, a mãe, trim-rim-rim...,
Pobre Inácio! Enquanto ele tomava uma horrível colherada de óleo de rícino, seus irmãos
saboreavam o delicioso doce de figo que dona Laura havia guardado para eles.
Isso também passou.
-Inácio! Meu filho! Não pule assim na escada. Cuidado, que você cai daí! – foi a primeira
advertência de uma série de advertências.
Mamãe voltou a suas tarefas, Ducontra voltou às provocações e Inácio às corridas.
Os pulos continuaram. De cima pra baixo, de baixo pra cima. Em um desses, cataplum!
-Teve sorte, senhora – disse o médico depois de examiná-lo. Seu filho não quebrou nenhum
osso, mas tem o corpo cheio de contusões.
Acredita você que Ducontra é realmente um amigo?
Volto ao que disse no começo: É preferível por o pé num monte de terra cheio de formigas
ou sentar-se num montão de espinhos, que ser amigo desse rei da desobediência.
Cuidado com Ducontra e seus maus conselhos!