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Entre crucifixos, códigos e estetoscópios:

a trajetória da sexualidade na época


moderna, na FFrança
rança
Histoire de la sexualité à l’époque para a importância do prazer na sociedade
greco-romana. Mas logo o estoicismo do
moderne. pensamento de São Paulo vai indicar o pecado
da carne como um problema de saúde. São
BEAUVALET, Scarlett. Paulo introduz uma dissociação entre a “carne”
e o espírito. Aos poucos a ideia da “carne” vai
Paris: Armand Colin, 2010. 320 p. se confundindo com o “corpo” e os assuntos
sobre o corpo tornam-se mais significativos nos
discursos religiosos.
Na visão da Igreja Católica, o pecado
original fez os homens perderem a capacidade
que Deus lhes tinha dado de subordinar suas
Scarlett Beauvalet é historiadora professora
paixões à sua vontade. Assim os seres humanos
do Centro de História das Sociedades da
tinham se insubordinado a Deus e, por isso, a
Universidade de Picardie e do Centro de
Bíblia fez representações da mulher como
Pesquisas sobre as Civilizações da Europa
aquela que tenta o homem, com a ideia de
Moderna na Universidade de Paris IV, Sorbonne.
que o pecado iniciou por causa dela. A visão
Ela é uma estudiosa no campo de estudos de
sobre o papel das mulheres oscilava, portanto,
gênero e tem diversas publicações prestigiadas
entre a Virgem Maria, com sua virtude, e aquelas
na França, como Les femmes à l’époque
que seriam perigosas e sem virtude.
moderne (XVIe-XVIIIe siècles), pela editora Belin
No Capítulo 2, intitulado “La sexualité
em 2003, e Être veuve en France à l’époque
conjugale: amour, sexe et procréation”, a autora
moderne, pela mesma editora em 2001. Na
aponta que a relação estreita sobre controle da
própria Revista Estudos Feministas foi publicado,
sexualidade inicia com o Concílio de Trento (entre
em 2002, seu artigo intitulado As parteiras-chefes
1545 e 1563). Essa reunião, segundo ela, foi uma
da maternidade Port-Royal de Paris no século
forma de controle tanto do Estado quanto da
XIX: obstetras antes do tempo?
Igreja sobre a vida privada das pessoas.
A autora apresenta nesta obra um
A partir desse concílio, a sexualidade do
importante e atual debate sobre a sexualidade
casal foi percebida e relatada como um mar
recreativa ou reprodutiva a partir das leituras
revolto incontrolável – tudo isso para expressar o
religiosas, jurídicas e médicas. Citando Maurice
medo do exercício da sexualidade no leito do
Godelier, ela revela que a sexualidade é
casal. O controle passou a ser, inclusive, sobre
configurada a partir de redes simbólicas sociais
as posições sexuais do casal; por exemplo, a
consideráveis nesses três campos.
mulher não deveria ficar sobre o marido na
Beauvalet aponta neste trabalho como a
relação sexual, pois isso indicaria que ela era
sexualidade foi pouco a pouco condenada
superior a ele.
pelo cristianismo, principalmente a partir do
Beauvalet cita padres como Thomaz
século XVI, e constituída ao estatuto de problema
Sanchez, que discutia a permissão que a Igreja
médico e jurídico. A obra se propõe a revisitar
deveria dar para que existissem, entre o casal,
as representações e as práticas da sexualidade
“abraços, beijos e carícias”, por exemplo, antes
na modernidade e a mostrar a relação existente
das relações sexuais. Aqui a autora identifica
entre as normas e as práticas sociais na França
algo que será marcante em toda a sua obra e
através de textos religiosos, médicos, jurídicos e
talvez o mais significativo: a concordância dos
testemunhos privados, além de obras literárias e
sistemas médicos e jurídicos com a Igreja. Por
artísticas.
exemplo, os médicos estabeleciam uma
O livro está dividido em cinco capítulos.
relação direta, concordando com a Igreja, entre
No primeiro, intitulado “Sexe bridé, sexe libéré”,
sexualidade e procriação. Eles defendiam que
a autora inicia falando sobre o papel da
uma boa reprodução dependia da boa moral
sexualidade no fim da Antiguidade, apontando

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decorrente da religião. Outro exemplo que a “alberger”, é formado por permissões conce-
autora relata é o de que os médicos revelavam didas pelos pais às suas filhas, que em dias de
o cuidado necessário para não desperdiçar festas poderiam receber os namorados em seus
sêmen, pois isso poderia acarretar problemas quartos. Esse costume acontecia não só na
às gerações futuras; assim, concordavam com França, mas também no norte da Europa, na
a Igreja, reprovando a masturbação. Suíça, na Alemanha e na Escandinávia; portanto,
No Capítulo 3, intitulado “La sexualité não se pode dizer que as práticas de controle da
préconjugale”, a autora aponta que, com a Igreja eram aceitas sem resistência. Essa pode
mudança da sociedade rural para a urbana, ser uma pista interessante para a compreensão
algumas transformações começam a acontecer; de uma antropologia da sexualidade no mundo
com o adiamento dos casamentos, na Idade contemporâneo.
Moderna, o controle sobre a sexualidade dos O Capítulo 4, intitulado “Le sexe alternatif:
jovens foi ainda maior. Beauvalet descreve que vivre differémment sa sexualité”, demarca as
as crianças até os seis ou sete anos de idade tipificações consideradas clandestinas da
tinham contato e manipulavam tanto seus órgãos sexualidade. Mas a autora destaca algumas
sexuais quanto os de adultos. Essa brincadeira peculiaridades interessantes em seu texto; muitas
não era julgada perigosa, pois a criança não era vezes, por exemplo, a justiça fazia um papel tão
considerada como alguém que tinha disciplinador quanto a própria Igreja, principal-
sexualidade. mente em relação aos sexos. Por exemplo, o
Mas a sexualidade adolescente foi pouco adultério era visto pela Igreja como um pecado,
a pouco sendo vista como uma ameaça. Aqui tanto para os homens quanto para as mulheres,
mais uma vez o conhecimento supostamente mas para os juristas era um crime apenas quando
científico teve muita influência para o controle cometido pelas mulheres, e não pelos homens.
da sexualidade. Por exemplo, alguns alimentos A imagem do “corno” era muito corriqueira
eram indicados para o controle da sexualidade nas rodas de encenações e literatura burlesca e
e outros, tidos como afrodisíacos, deveriam ser algo muito temido pelos maridos, pois colocava
evitados, como o café e o chocolate. em xeque sua honra. A autora cita uma série de
Já existia no século XVI uma forte poemas e obras que abordam o assunto, como,
preocupação com qualquer coisa que pudesse por exemplo, L’Isle des hermaphrodites, de
estimular a sexualidade. Esses tratados eram Charles Sorel, e L’école des femmes, de Molière,
formas de controle e indicadores de “savoir- em que a temática do adultério era frequente. A
vivre”. Podemos aqui identificar aquilo que maior parte dos adultérios, segundo a autora,
Foucault 1 chamou de dispositivos da devia-se ao fato de os casamentos acontecerem
sexualidade, tanto do ponto de vista da higiene por interesse político ou financeiro, e não por
quanto da moral. amor. O amor por outro começa a ser citado
Para as crianças e os adolescentes da como uma das causas das traições, não somente
burguesia, a educação se dava principalmente a voluptuosidade e a impetuosidade dos desejos.
através da internação em conventos, prática O livro apresenta algumas curiosidades,
muito comum, onde o controle sobre a como a origem do termo “masturbação”,
sexualidade era ainda maior. Existem diversos empregado pela primeira vez num tratado
relatos da autora sobre manuais que orientavam escrito por um médico chamado Tissot. A autora
como os preceptores dos jovens deveriam relata uma cruzada da medicina contra a
proceder para evitar, por exemplo, que os alunos masturbação, pois os médicos acreditavam que
entrassem em contato com o próprio corpo, o homem produzia uma quantidade limitada
onde deveriam colocar suas mãos para evitar a de sêmen. Para as mulheres, a situação era a
masturbação etc. mesma, mas com o agravante de que, para
O interessante é que, ao mesmo tempo elas, Tissot considerava a prática “suicida e
que a Igreja fazia o papel de controle da autodestrutiva” (p. 225).
sexualidade, era lá que as meninas iam para se Sobre a sodomia, a autora aponta que a
mostrar aos seus futuros pretendentes. Outro fato prática era condenada tanto para homens
interessante é que nessa época já haviam livros quanto para mulheres, considerada uma
que auxiliavam os/as jovens a entender como inversão. Mas somente foi chamada de
conquistar o parceiro. Além disso, a autora “homossexualidade” a partir do fim do século
apresenta vários relatos sobre documentos que XIX. Segundo a autora, a Itália era tida como
apontam divergências entre os costumes locais uma terra onde a Sodomia se apresentava com
e a própria Igreja. Um deles, chamado muita frequência, a cidade de Florença era

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chamada de “a Nova Sodoma”. A descrição ordem social vigente. Na maioria das vezes, os
perfeita de vários casos desses foi realizada por juízes entendiam que as vítimas eram cúmplices
Jeffrey Richards, na obra Sexo, desvio e da própria violência que sofriam. Curiosamente,
danação.2 Beauvalet narra com minúcias os essa situação é muito similar ao que ocorre nos
relatos e as áreas dos encontros homossexuais dias de hoje, com a Lei Maria da Penha, como
em Paris, onde, segundo informações da já pesquisado aqui no Brasil por Marisa Corrêa.3
época, existia uma comunidade homossexual O trabalho de Scarlett Beauvalet é
não organizada mas já evidente. Essa, inclusive, interessante principalmente para historiadores
parece ser uma informação interessante e que tratam sobre a temática da sexualidade
inovadora na obra, não contida em outras do tentando entender a relação dessa com os
mesmo gênero. sistemas religiosos, jurídicos e médicos. Apesar
O quinto capítulo, intitulado “Derives de apresentar dados de arquivos e de literatura,
sexuelles et sexe contraint”, aborda como no algumas partes das discussões abordadas pela
início da modernidade houve uma preocupação autora já foram citadas por autores como
contra os discursos populares, principalmente em Foucault e Richards. Talvez a sua principal
relação ao “medo do mal”, através da figura do contribuição seja a relação direta estabelecida
diabo e da bruxaria. Nesse período, vários manuais por ela entre estes três sistemas – religioso, jurídico
foram lançados. Um grande exemplo é o Malleus e médico –, baseada nas informações bastante
maleficarum (em português seu título é Martelo peculiares de arquivos e literatura que indicam
das feiticeiras), publicado entre 1486 e 1487. como os costumes da época apontam para
Nesses manuais, a bruxaria estava ligada a uma uma mudança dos comportamentos.
relação sexual com o diabo. As mulheres bruxas Um dos obstáculos que a obra pode
eram acusadas de manter uma paixão carnal apresentar é o fato de que algumas partes das
com o demônio e de fazer sexo contra a natu- citações literais citadas estão em francês
reza. Beauvalet aponta outros tratados menos arcaico, devido à antiguidade dos documentos
conhecidos que também foram um estímulo para pesquisados, o que pode dificultar a leitura em
a perseguição das mulheres após a publicação determinados trechos.
do Malleus maleficarum. Esses tratados O livro apresenta, portanto, uma leitura
apresentavam uma série de procedimentos de interessante para pesquisadores da área, princi-
investigação para procurar marcas no corpo ou palmente os francófonos ou os estudiosos dos
mesmo outros indícios sobre a suposta bruxaria sinuosos caminhos dos discursos da sexualidade,
das acusadas. A autora aponta que esses eventos assim como para quem quer entender a
são marcados tanto por um contexto político sexualidade como um fenômeno cultural, social
quanto religioso muito específico, como a luta e político.
contra os huguenotes e a constituição dos Estados Notas
modernos. Ano após ano as perseguições foram 1
Michel FOUCAULT, 1993.
sendo abandonadas e, no fim do século XVII, os 2
Jeffrey RICHARDS, 1993.
inquéritos demonológicos desapareceram 3
Marisa CORRÊA, 1983.
totalmente na França.
Outra informação apontada pelo texto, Referências
neste capítulo, é a de que, apesar de a violência CORRÊA, Marisa. Morte em família: representa-
sexual contra as mulheres ser passível de pena ções jurídicas de papéis sexuais. Rio de
de morte, poucas condenações desse tipo Janeiro: Graal, 1983.
aconteceram. Existia uma tolerância muito FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a
grande em relação a isso. Para os mais nobres, vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,
a violência sexual se resolvia com um paga- 1993.
mento de indenização e, para os mais pobres, RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as
com algumas chibatadas. Isso porque se minorias na Idade Média. Rio de Janeiro:
considerava que as mulheres eram – e estavam, Jorge Zahar Editor, 1993.
por natureza – suscetíveis a isso. Outro dado
importante é que os crimes eram mais Leandro Castro Oltramari
combatidos quanto maior fosse a ameaça à Universidade Federal de Santa Catarina

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