Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
REPORTAGEM
Por trás das árvores e em cima de igapós e nascentes está uma enorme bacia que
guarda resíduos químicos da maior indústria do mundo na produção de
alumina: a Alunorte, que desde 2010 deixou de ser controlada pela Vale para ser
controlada pela Hydro, empresa do governo norueguês.
LEIA
TAMBÉM
Ela é como uma piscina gigante de estimados 264 campos de futebol, cavada
acima do solo, com 50 metros de profundidade. Essa piscina abriga a lama
vermelha, a matéria que contém metais pesados, retirada do solo em Carajás e
descartada depois que a bauxita é separada.
É ali perto do depósito de resíduos que passa o rio Tauá. E no entorno da piscina
de lama vermelha repousam castanheiras, pequizeiros, bacurizeiros e outras
árvores que contam histórias invisíveis aos recém-chegados. Só quem viveu ali
metade da sua vida consegue reconhecer os resquícios de sítios e roças antigas
das famílias que formavam a comunidade do Tauá até os idos dos anos 1980.
“Nos criamos, todos nós, trabalhando na roça. Fomos criados com carne de caça
e peixe. Nós caçava aqui no meio dessa mata, tinha muita carne. Nós matava
paca, tatu, cotia… Papai levava pra preparar pra nós comer”, lembra Manoel
Dias, de 65 anos, um jovem senhor de olhar vívido e cabelos prateados. Com voz
firme, lembra com detalhes sua ligação com este lugar: “Nasci duas horas da
madrugada e quinze minutos, no rio Tauá. Meu pai pegou meu umbigo e
colocou lá no toco”.
Manoel Dias é uma das principais lideranças de uma comunidade que resolveu
fazer o caminho de volta e retomar uma área da qual famílias foram expulsas
para dar lugar à alumina e ao rejeito tóxico em plena Amazônia. Junto com ele,
dezenas de outras famílias expulsas de outros projetos na região vivem em casas
de madeira simples, sem muros, com cozinhas e banheiros externos.
MENU
Manoel Dias é um dos sobreviventes do Tauá que viveu as remoções quando a Vale do Rio Doce chegou para co
A comunidade do Tauá foi reerguida a sete km da DRS2, a segunda bacia que abriga resíduos
Entre os que moviam o processo, como indica a sentença, havia aqueles que não
conseguiram comprovar suas posses conforme o requerido (163 pessoas); os que
comprovaram e foram indenizados, mas questionavam os valores e pediam
complementação (60 pessoas); e aqueles que não receberam indenizações de
nenhum tipo (227 pessoas).
A primeira decisão, no tribunal federal em Belém, foi a favor dos últimos dois
grupos, totalizando 287 pessoas que comprovaram a posse. O juiz Henrique
Dantas da Cruz decidiu ainda que, além dos valores relativos às casas e
plantações que haviam recebido parte das pessoas, cabiam indenizações pela
“desagregação social causada pela perda da terra” e pela impossibilidade de
explorar os recursos da floresta.
Mas decidiu a favor daquelas que não haviam recebido nenhuma indenização –
e negou indenização pela perda da floresta e desagregação social pelas
diferentes situações de vida dos autores do processo. Em 2007, as empresas
moveram ações para tentar anular o processo, mas em 2012, outro juiz federal,
Olindo Menezes, analisou e negou os pedidos das empresas. Em 2014, o
processo foi suspenso e ainda hoje as indenizações não foram pagas.
De volta ao Tauá
A
cerca
MENU de 7 km da DRS2, a bacia de resíduos minerais da Hydro, se erguem
casas de madeira onde também crescem as plantações de mandioca, milho,
arroz, feijão, banana, açaí, muruci e goiaba; e as vidas dos agricultores do Tauá.
As manhãs começam com banhos no igarapé e café forte. Faz dois anos que
Manoel Dias decidiu retornar e viver no Tauá, em 2016. Com ele, vieram 182
famílias. Criaram o Assentamento dos Agricultores das Famílias Tradicionais da
Amazônia do Rio Tauá. Entre as famílias estão remanescentes da comunidade,
descendentes dos antigos moradores da área e pessoas de outras comunidades
que foram perdendo espaço com a crescente atividade industrial na ilha de
Barcarena. “As comunidades tinham relação muito próxima uma da outra.
Muitas pessoas eram de outras áreas de onde foram retiradas e formavam um
sistema. Elas voltaram para um terreno que fazia parte do sistema”, pontua o
professor Hazeu.
MENU
“A gente tá tentando reerguer a vida e voltar à nossa tradição, que é a agricultura”, fala Midian Rib
MENU
Ameaças e drones
No começo foi mais duro. Carlos Espíndula, que mora com a esposa – cuja
família também foi removida para a implantação da Alunorte –, conta que a
Hydro mandava drones para vigiar as famílias logo quando ocuparam a área, em
2016. “Era todo dia, era terrível. Até minha mãe foi pega saindo do banheiro
com a toalha. Ela saiu do banheiro e o drone bem em cima da casa dela lá”,
lembra.
Em 2016, antigos moradores do Tauá se juntaram a outros agricultores para reocupar definitivamente as terr
A família de Carlos Espíndola foi removida nos anos 80 para a criação do complexo Albras Alunort
De acordo com o Plano Diretor de Barcarena, a área em litígio com os moradores do Tauá é destinada a e
MENU
A atividade da Hydro em Barcarena foi embargada em 50% após o despejo irregular de resíduos
“Eles falavam em reunião pra nós que nós ia ser privilegiado com colégio, com
saúde, com não sei o que mais… Na época, tudinho eles prometeram pra nós,
nas reuniões lá dentro pra nós poder sair de lá”, lembra Manoel Dias. “Não
cumpriram com nada. Infelizmente, não. Só foi publicado pra nós flores. Mas
infelizmente essas flores… Está aí o fruto hoje acontecendo com nós.”
Manoel se refere à maior ameaça que paira hoje sobre o Tauá e outras
comunidades tradicionais de Barcarena: a contaminação e poluição do solo e da
água. Em um lugar onde se busca reconstruir a vida a partir da terra, é
fundamental que ela tenha saúde. O alarme que soou ao mundo em fevereiro
deste ano, quando Barcarena se fez presente nas manchetes de jornais – na
madrugada do dia 16 para 17 de fevereiro, as famílias que vivem próximas à área
onde estão as bacias de rejeitos da Hydro viram a lama vermelha tomar conta de
seus quintais e poços artesianos – não é o primeiro.
No Tauá, ao caminhar pelo igapó que tem seu curso em direção à DRS2 – ainda
úmido no verão paraense –, Carlos Espíndula e Manoel Dias indicam os
resquícios da invasão da lama vermelha que ocorreu em fevereiro. No chão, é
possível ver sacos de areia revirados em meio à terra colorida de vermelho. Um
relatório interno da força-tarefa convocada pela Hydro relata o uso de sacos de
areia ao redor da DRS1 como medida de segurança para um possível
transbordamento.
MAIS
LIDAS
MENU
Quatro histórias de letalidade da
PM mais violenta do país
No Amapá, muitas mortes e uma mesma
versão: troca de tiros. Familiares das
vítimas a rmam que foram ameaçados
após denúncias à Corregedoria
No igapó que está ao lado da DRS2 é possível ver sacos de areia e terra de coloração
“Eles precisam fazer novas bacias e pra onde vão fazer? Avançando sobre a área
do Tauá”, argumenta o professor Hazeu. “Como chove muito e eles usam muita
água nos processos industriais, então constroem suas bacias sempre em cima
dos rios e de suas cabeceiras. A Imerys está em cima do rio Curuperê e a Hydro
em cima do Murucupi, e a segunda bacia [DRS2] tá na beira do rio Tauá. Se vão
ampliar, vão por cima do rio Tauá. Vão avançando sobre os rios dos quais as
pessoas dependem pra sobreviver.”
Décadas
MENU de expulsões
Vale violência
MAIS RECENTES
REPORTAGEM REPORTAGEM
versão: troca de tiros. Familiares das vítimas Cenas forjadas e impunidade parecem ser a
a rmam que foram ameaçados após denúncias regra da polícia que mais matou nos últimos
à Corregedoria três anos no Brasil
EXPLORE TAMBÉM
MENU
REPORTAGEM REPORTAGEM
HOME
QUEM SOMOS
REPUBLIQUE
TRANSPARÊNCIA
CASA PÚBLICA
CONTATO
MENU