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ALGUÉM BATENDO À PORTA

Pra que serve a crítica do valor ?


(Entrevista ao Centro de Mídia Independente)

*1) Y.: Levando em conta que a produção material, a atividade humana, não
tem possibilidade de ser suprimida, por ser de certa forma ela a base da
sociedade, no que se fundamenta a idéia de negação do trabalho?*

Cláudio R. Duarte: Antes de mais nada, trata-se de uma negação dialética, não de
uma anulação do mundo material - o que seria um absurdo. Qual é o papel da
produção material na vida social? Será que ela sempre foi o "centro" da
sociabilidade humana, como se diz hoje, no capitalismo? A "sociedade do
trabalho" sempre existiu? Acho que não. Então, temos de historicizar o conceito
de "trabalho" e limitá-lo às sociedades modernas, isto é, às que se cristalizam em
torno do mercado e do Estado. Só a modernidade impôs a atividade produtiva
como centro da sociabilidade, pois ela está fundada na produção incessante de
mercadorias para a valorização de capital. Nas sociedades pré-capitalistas o
"tripalium" sempre fora associado a sofrimento, como condição natural de
escravos ou servos, isto é, de pessoas menores, sem autonomia moral e "política".
Se o trabalho existia era de modo totalmente negativo, como escravidão e
servidão, de forma muito diferente da nossa sociedade. Não havia um "mundo do
trabalho", estética e moralmente avaliado como positivo tal como hoje fazemos,
pois a vida social e "política", o ócio e as atividades reprodutivas, eram muito
mais importantes que a dura labuta. E por isso mesmo ela era mais reduzida, não
um fim em si mesmo, como no capitalismo. No extremo oposto, se estudarmos as
sociedades indígenas, veremos que muitas reduzem a atividade produtiva ao
máximo: a apenas um momento do todo de sua reprodução. São, por isso,
"sociedades do ócio", que recusam o trabalho (tanto como o Estado, a
propriedade e a acumulação), como desvendou Pierre Clastres. Digamos que
nesse caso temos uma "cultura", muito mais integrada que a nossa, onde a
produção material não determina nem domina os outros momentos da vida.
Caçar, pescar, dançar, cultuar, cuidar dos filhos etc. não são atividades
hierarquizadas e nem são esferas separadas.

*2) Y.: Como fica o marxismo nesse caso?*

CRD: O marxismo sempre tentou reduzir as formações sociais anteriores ao


capitalismo, de forma funcionalista, a um apêndice de sua produção, como se as
necessidades econômicas fossem as que imperavam sempre sobre o todo, tal
como no capitalismo: nesse sentido, o marxismo da "ontologia do ser social",
fundado antropologicamente, sempre cai num anacronismo funcionalista. Só a
modernidade transformou o mundo em esferas funcionais, com espaços
completamente separados: a do lazer, da cultura e da arte (com os museus,
clubes etc.), a da política (com as arenas políticas especiais), a da vida privada (e
o lar burguês), e, finalmente, a do trabalho (fábricas, escritórios etc.), que
domina e determina todas as anteriores, como manifestações diretas ou
invertidas de si mesma. Apenas na moderna "sociedade do trabalho", enfim,
podem atividades qualitativas tão distintas como dançar, cozinhar, ensinar,
pescar ou cultuar ser homogeneizadas sob o nome genérico de "trabalho". Isso é
uma abstração, não como a palavra "fruta" ou "árvore", é claro, mas uma
"abstração real" de todas atividades humanas sob um único conceito universal. E
isso significa uma violência brutal. Quem abstrai é o mercado, através da lei do
valor.

*3) Y.: Como definir o trabalho moderno, então?*

CRD: A moderna atividade produtiva é qualquer atividade que, abstraída de suas


qualidades e do controle direto dos homens, pode se tornar equivalente a
qualquer outra, porque é medida pelo valor, tornando-se um meio de produzir
mercadorias e, portanto, de valorizar capital. No capitalismo, as atividades
produtivas são sempre "trabalho abstrato" - e abstrato em vários sentidos: no
sentido de que está separado completamente dos outros momentos da vida (arte,
lazer, política, vida doméstica, destinada às mulheres etc.); no sentido de que é
uma atividade produtiva genérica, completamente abstraída do controle e das
necessidades reais dos produtores, do sentido ou da qualidade do que se faz, pois
o que importa é o valor monetário que ela traz; no sentido de que o produtor é
um ser abstraído - separado - dos meios de produção, isto é, tornou-se uma pura
força de trabalho, um "sujeito" monádico, desenraizado, destinado a perambular
pelo mundo atrás de seu sustento, sem objeto disponível diretamente; abstrato
ainda porque cada trabalho concreto, já por si abstrato, é abstraído ainda mais
uma vez na troca de mercadorias, sujeita aos padrões de produtividade sociais
mais altas ao nível mundial. Este é o mundo do trabalho: o da abstração.
"Trabalho", portanto, é a proto-forma da experiência social moderna, marcada
estruturalmente pela abstração, pela insensibilidade e o desvario produtivista do
homem moderno, constituindo sua alienação e cisão esquizofrênicas, no sentido
marxiano e também psicanalítico destes termos. Vê-se como a crítica vai além do
termo linguístico: chame-a produção ou economia, dá no mesmo. Só o
capitalismo colocou a produção, a economia, no centro, com o cetro na mão.
*4) Y.: No livro "Manifesto Contra o Trabalho", o Grupo Krisis afirma que o
trabalho está em crise e conseqüentemente o Estado também. De acordo com
essa idéia, como se relacionam as duas crises?*

CRD: Trabalho, Capital e Estado são uma só coisa, isto é, uma identidade de
contrários, através da forma-valor comum a todos eles. Se o valor entra em crise,
esta tríade também tem de entrar em crise. A crise do trabalho tem a ver, no
fundo, com as tecnologias da 3ª Revolução Industrial, que poupam cada vez mais
trabalho produtivo na produção da riqueza. As máquinas avançadas substituem
em massa o trabalho na produção de riqueza. Isso significa que cada vez mais
teremos uma massa gigantesca de produtos (riqueza) com um mínimo de valor
agregado em cada um deles. Surgem, então, grandes problemas para a realização
dessa massa de mercadorias com valor unitário reduzido: daí a tendência à
mundialização, à abertura transnacional de mercados, à concorrência bestial e
nômade pelo mundo. É assim que surge também a tendência geral à
desvalorização do capital, pois o valor real embutido nas mercadorias não
compensa os gastos de sua produção e circulação. Daí a chegada dos "métodos
flexíveis" de produção e circulação. O capital perde a capacidade de explorar e
integrar trabalho abstrato em massa, e, no fundo, vai perdendo o seu alimento
tão estimado, o trabalho, não por falta, mas por excesso de acumulação. Este
então foge e "vagabundeia" no mercado financeiro, com custos baixos, impostos
reduzidos e lucros altos, por incapacidade de manter as forças produtivas
produzindo mais do que já produzem. Daí o crescimento econômico baixo, o
desemprego estrutural, a desvalorização do próprio trabalho, com perda do poder
de compra dos salários, a escalada do subemprego, da violência etc.

*5) Y.: Onde começa, então, a crise do Estado?*

CRD: Neste processo de crise, cheio de intermediações complexas e


contraditórias, o Estado entra em déficit estrutural, pois já não consegue, e isso
há tempos, arrecadar impostos suficientes para alavancar a produção nacional em
crise, coisa de pelo menos 3 décadas. O Estado se endivida estruturalmente
(lembre-se das dívidas brasileiras p.ex.), os países mais fracos em
competitividade entram numa fase de "desindustrialização endividada", o Estado
recorre ao mercado financeiro global para angariar fundos, é obrigado a cortar
radicalmente os gastos públicos, fica refém das políticas neoliberais para
conseguir novos empréstimos, tudo numa esteira fatal que leva ao fim declarado
da política: quando o FMI e o Banco Central mandam ditatorialmente sobre o
país, como vozes diretas do mercado, então vai se percebendo que o Estado
perde sua antiga autonomia, já relativa, até ser esmagado pelas rodas desse
totalitarismo econômico mundial. Há margens de manobras ainda, mas somente
para os Estados em melhor posição na divisão internacional do trabalho. Esse
processo portanto é muito contraditório, não totalmente sincrônico, pois se
diferencia segundo o contexto nacional e regional.

*6) Y.: E como é que o marxismo, sem compreender a revolução


microeletrônica, torna-se incapaz de compreender criticamente o
desenvolvimento negativo do capitalismo?*

CRD: Antes de mais nada, a 3.a revolução industrial sozinha não explica nada.
Isso seria repetir o esquema arcaico do marxismo mais tosco, que deposita todo o
movimento da sociedade na evolução das forças produtivas. Ora, estas sempre
são reguladas por relações de produção históricas. A robótica, a informática, a
biotecnologia etc. aumentam a produtividade do trabalho, excluindo grande
parte da mão-de-obra excedente para o exército de reserva, é certo, mas isso
não acontece de forma direta, pois ocorre através da mediação de formas de
regulação econômico-políticas "neoliberais" e "flexíveis", que desempregam e
precarizaram ao máximo a condição dos trabalhadores, que vão perdendo todo
tipo de segurança social e autonomia política. O proletariado é cada vez mais um
sujeito sujeitado, fragmentado como classe, vivendo à caça de oportunidades
individuais de ganhar seu dinheiro. Nesse ponto, o marxismo brasileiro tem feito
análises críticas bastante corretas e precisas. O problema dessas análises talvez
sejam as ilusões, socialmente justificadas, da possibilidade de um novo ciclo de
desenvolvimento econômico nacional através de políticas neokeynesianas.
Imagina-se ser possível, tanto quanto se passa a desejar realmente, a
reconstrução de um Estado forte, economicamente investidor e politicamente
antineoliberal: por um lado, um Estado que alavanque, com seus investimentos
infra-estruturais, o crescimento econômico para gerar mais empregos e construir
um mercado de massas; por outro, uma regulação nacional mais forte da
concorrência mundial, tal como no modelo chinês, que possibilitaria ao país
proteger sua indústria, taxar o capital especulativo, para este retornar ao
investimento produtivo, recuperando então as políticas sociais, etc.

*7) Y.: De onde surge aquela velha e boa pergunta: o que fazer?*

CRD: Bem, cabe perguntar, primeiro, de onde surgiria a força política para
exercer toda essa pressão democrática (sem romper com a ordem capitalista
portanto) sobre o capital e a concorrência mundial - isso é uma incógnita. Aqui,
nós da esquerda hoje patinamos (sem falar na crise do PT, que vinha de longe),
já que o trabalho vivo objetivamente vai sendo cada vez mais desvalorizado pelo
trabalho morto mundialmente acumulado em ciência e tecnologia, a classe
trabalhadora vai se fragmentando etc. Em segundo lugar, cabe a pergunta sobre a
fonte do crédito para tais mega-investimentos estatais, face a um Estado já
estruturalmente endividado e demolido. Tudo isso nos mostra que o que está em
jogo não é uma questão de pura e simples regulação política do sistema, no caso,
o de uma rígida e perversa regulação neoliberal-flexível. Aqui, então, encontra-
se o cerne da ilusão da esquerda (oposta ao economicismo da direita), a saber: o
seu politicismo estatista. As forças produtivas tecnicamente superavançadas,
para não dizer diretamente "revolucionárias" (pois máquinas não fazem
revolução), tendem a limitar e repelir objetivamente os reformismos políticos da
esquerda.

*8) Y.: Será que esse processo de crise é tão inevitável?*

Vamos fazer um raciocínio experimental, meio maluco: se a luta dos


trabalhadores ressurgisse com força, se cortássemos pela raiz nossa atual
flexibilização do trabalho, o desemprego provavelmente aumentaria ainda mais,
pois o capital aumentaria ainda mais seus custos de produção (já muito altos,
segundo o ponto de vista da concorrência mundial). A produtividade global
bateria à nossa porta, causando falências em massa. Então, haveria uma contra-
tendência maior ainda, por parte dos capitalistas, para revolucionar e
automatizar a produção, ajustando-a a estes padrões mundiais, para
contrabalançar o poder operário subitamente ascendente. Novamente teríamos a
onda de desemprego e subproletarização. A objetividade histórica vai tornando-
se incontornável: o trabalho deixou de ser uma forma de integração social
garantida. Por isso, é positivo que vá surgindo na Europa a idéia de desvinculação
entre trabalho e renda (programas de renda mínima, renda cidadã etc.). Assim,
neste raciocínio hipotético, por incrível que pareça, a flexibilização, a
precarização, o subemprego, acabam por nos ajudar a criar e a manter muitos
empregos - precários, miseráveis e subhumanos é certo (na hipertrofia do setor
de serviços por exemplo) - mas empregos reais, e, na verdade, quase sempre
subprodutivos do ponto de vista da concorrência mundial. Eles já seriam, deste
ponto de vista, a nossa "proteção social" contra o total desemprego (falências em
masssa, etc., a degringolagem ao modo africano), que já estaria batendo a nossa
porta.

*9) Y.: E a esquerda politicista, onde mais erra em tudo isso?*

CRD: A antiga esquerda socialista ou social-democrata que chega ao governo,


agora totalmente nas vestes do velho populismo, tem de mostrar a verdadeira
face desse seu antigo voluntarismo politicista: pode prometer a criação de 10
milhões de empregos, mas realmente apenas consegue administrar a crise do
trabalho abstrato com medidas assistencialistas, e, justamente, flexibilizadoras
do trabalho (pois estas são as únicas que geram realmente "emprego"), além de
outras sob medida para a continuidade da hegemonia do capital especulativo.
Isso tudo sob a ideologia deslavada da responsabilidade fiscal, da ética na
política, do compromisso com o povo etc. Estamos vendo no que tudo isso se
tornou com o afundamento do PT. A esquerda acadêmica, neste contexto,
também não se cansa em apontar a sua derrota teórica e prática, de forma tácita
é claro, com frases de valorização moral e quase-religiosa do trabalho, típicas do
protestantismo e do produtivismo do século passado, em suma, de que só o
trabalho das massas dignifica a vida humana, além de ser, "ontologicamente", o
mais importante gerador da riqueza social em geral. Ora, no contexto da 3.a
revolução industrial isso torna-se uma bela mentira: cada vez mais valores de uso
(riqueza) são fabricados, só que com o mínimo de valor agregado por unidade,
justamente pelo aumento do capital constante cientificizado em geral. As
máquinas avançadas geram a maior parte da riqueza material, enquanto o
trabalho vivo, mais e mais técnico-científico, reduzido a um mínimo, é
responsável pelo restinho do valor real de cada produto. A esquerda, confundindo
qualquer atividade humana (ou trabalho concreto), efetivamente produtor de
bens, com o trabalho abstrato-produtivo, também confundirá riqueza e valor -
como se estivéssemos na "idade de ouro" da acumulação da mais-valia real, e não
na do capital especulativo, sem fundamento real econômico (valor), mero preço,
dinheiro sem substância.

*10) Y.: E como retomar a crítica radical do capitalismo e do trabalho?*

CRD: A crítica neste tipo de esquerda é reduzida a um mínimo, à superfície. Ou


seja, o pior em tudo isso, é que a velha e boa crítica do fetichismo da
mercadoria, a da insanidade da acumulação de trabalho abstrato sem limites, isto
é, sem qualquer relação viva com as necessidades reais e o controle dos homens,
com todas as suas implicações desastrosas para a vida social, cultural e ambiental
– o que mais deveria nos importar – esta crítica é quase totalmente
desvalorizada, recalcada, esquecida ou simplesmente confundida com uma crítica
estética e moral do consumismo. Quando muito é adiada ao infinito. A forma-
mercadoria parece se naturalizar completamente, mesmo na esquerda política,
já que a luta prioritária passa a ser a recomposição dos salários, a recomposição
da classe, para lutar por mais crescimento econômico, portanto mais trabalho
abstrato, mais integração de massas no "feliz" mundo das mercadorias. O
programa radical de "auto-abolição do proletariado" é simplesmente apagado da
história. O sonho "unidimensional" que resta, como diria Marcuse, seria tornar
cada brasileiro um novo americano classe média, precisamente quando seu
modelo original há muito já mostrou a face mórbida da decadência social e
cultural, e agora também econômica. Mas se o frágil biombo da economia
especulativa vir abaixo, talvez aí chegará a hora do acerto de contas. Daí
renascerão as velhas ideologias do trabalho e da nação, da propriedade e da
liberdade democrática, provavelmente com os EUA à frente. É aí, afinal, que a
crítica do valor e do trabalho, feita hoje mais ao nível ideológico que na prática,
encontrará a sua plena atualidade. Os movimentos sociais atuais terão então de
encarar sua auto-crítica, passando pela crítica anti-capitalista e anti-estatal - ou
definitivamente trancar a porta para a história que lá fora bate, lhes restando,
então, se acotovelar em seu estreito quarto de despejos ideológicos, à procura
das velhas fantasias rotas e rasgadas.

(JULHO/AGOSTO 2005)

Link do original:

http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/08/327224.shtml

posted by Cláudio R. Duarte @ 8:26 PM 4 comments links to this post


4 Comments:
At 19 Agosto, 2005, Su said...

Claudio
Ficou ótima a articulação do pensamento, bem didática :)
abraço,
Su

At 29 Agosto, 2005, edson said...

oi claudio, parabéns pela entrevista e pelo blog! carreira solo? e os


outros projetos, o grupo de discussão, o vocabulário etc.? abraço, edson
gil

At 31 Agosto, 2005, Su said...

Hoje, 31/8, foi o dia escolhido para o que eu entendo ser uma grande
linkania, o BlogDay. Fazendo a minha parte indiquei este blog e estou
aqui para contar isso.
abraço,
Su

At 08 Novembro, 2005, Anonymous said...

It's great to see someone else interested in tahitian noni, my husband


has diabetes so I have been trying to find out more!

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