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Outubro 2014, Ano 4, Nº 09

Francisco
Gregório
Filho
“A leitura é um caminho
para o exercício da cidadania”

MITOS DA ESCOLHA CULTURA PARA TODOS A ERA DO


PROFISSIONAL Circuitos de museus “PUBLICIZISMO”
Atuação masculina na agitam a cidade A nova realidade da
Biblioteconomia maravilhosa comunicação científica

37
Edição

Ano 4, Nº 10
Outubro de 2014
ISSN 2238–3336
Realização:
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Outubro 2014, Ano 4, Nº 09

PUBLIQUE
NA REVISTA BIBLIOO
Acesse o endereço www.biblioo.info/par cipe,
leia nossas diretrizes e par cipe!
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Outubro 2014, Ano 4, Nº 09

Fala, editor! 5 | CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DE


Sumário
BIBLIOTECA NAS COMUNIDADES ACERVOS
Um bem de pouca importância? Fundação Biblioteca Nacional
chega ao 17º curso
Há alguns anos o governo do estado do Rio de Janeiro
implantou o modelo de bibliotecas parques na cidade do 6 | A ERA DO ‘PUBLICIZISMO’
Rio. Ao todo foram criadas cinco bibliotecas deste po:
A nova realidade da comunicação cien fica
Niterói, Manguinhos, Rocinha, Alemão e a Biblioteca
brasileira
Estadual do Rio. São espaços que disponibilizam acervos
de livros sobre diversos temas, além de se voltarem às
a vidades educa vas, entre outros. Tudo isso num 9 | UM RELATO
espaço supermoderno. Cargo: estagiário. Função: Arar e cul var a terra do
Infelizmente estes espaços estão se transformando em saber!
polí cas de governo, em que os interesses de campanha
em ano eleitoral acabam colocando em risco a 12 | CULTURA PARA TODOS
permanência dessas bibliotecas. Um exemplo claro disso Circuitos de museus agitam a cidade maravilhosa
foi o fechamento da Biblioteca Parque do Alemão,
inaugurada em junho do ano passado, dando lugar a uma 15 | O MACHISMO NOSSO DE CADA DIA
clínica da família na região.
(PARTE II)
Esperamos que os candidatos eleitos e os que ainda
‘Socialmente iguais e humanamente diferentes’
estão na disputa do segundo turno das eleições venham
a olhar com mais sensibilidade para a importância das
bibliotecas públicas. Ao invés de fechar bibliotecas, que 17 | O OLHAR POR TRÁS DO VÉU
tenham noção da importância e da necessidade de É possível transver a narra va histórica tendo
mul plicar esses espaços culturais no território como linha de pensamento a ficção?
brasileiro.
A cultura oral ganha destaque na edição 37 da Revista 20 | FRANCISCO GREGÓRIO FILHO
Biblioo através de uma entrevista exclusiva com um dos “A leitura é um caminho para o exercício da
grandes incen vadores da leitura e dos contos populares cidadania”
brasileiros: Francisco Gregório Filho. Muitos outros
temas importantes estão presentes nessa edição. Não
25 | MITOS DA ESCOLHA PROFISSIONAL
deixe de conferir. Desejamos a todos uma ó ma leitura!
Atuação masculina na Biblioteconomia
Rodolfo Targino
Editor Adjunto 28 | O QUE O OLHO NÃO VÊ...
targino@biblioo.info “A arte: conversas imaginárias com minha mãe”,
de Juanjo Sáez

EXPEDIENTE ► EDITOR CHEFE: Chico de Paula - chico@biblioo.info |


EDITORA EXECUTIVA: Emilia Sandrinelli - emilia@biblioo.info | EDITORA
DE CRIAÇÃO: Hanna Gledyz - hanna@biblioo.info | EDITOR ADJUNTO:
Rodolfo Targino - targino@biblioo.info | REVISORES: Isis Brum - bibliotecária
| Vanessa Souza - bibliotecária, mestre em Ciência da Informação | Para democra zar a difusão dos conteúdos publicados nesta revista, os textos
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Cursos Publicações
Eventos
Sites
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CONSERVAÇÃO E
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PRESERVAÇÃO DE
ACERVOS
Fundação Biblioteca
Nacional
chega ao 17º curso

Por Thiago Cirne

P reservação e conservação de coleções biblio-


gráficas e documentais são temas que chamam a
atenção de um número cada vez maior de
profissionais, em diversas áreas do conhecimento. Afinal,
entender os métodos consagrados de acondicio-namento
cussão sobre as realidades ocupacionais”.
XI Encontro Nacional de
Acervo Raro
e as técnicas de encadernação pode ser uma boa matéria O momento parece adequado aos debates sobre
para espacialistas em Design, por exemplo. Já o preservação. Do dia 29 a 31 de outubro acontece outro
tratamento de documentos seculares aguça o interesse de encontro importante para os gestores de coleções
historiadores e museólogos. Bibliotecários e especiais: o XI ENAR - Encontro Nacional de Acervo
restauradores geralmente têm presença garantida em Raro, que também será sediado na Fundação Biblioteca
eventos que tratam do tema, pois a curadoria de acervos e Nacional, com o tema “Gestão de acervos raros e
seus métodos de restauro fazem parte do cotidiano destes especiais: realidade e desafios”.
profissonais.
Pensando no alcance e efeitos positivos das edições
anteriores, a Fundação Biblioteca Nacional concluiu, no
I FOLIAR acontece no Rio
O FOLIAR - I Fórum Internacional sobre Livros
dia 19 de setembro, mais um Curso Informativo de
Antigos, Raros e Especiais terá a Universidade Federal do
Preservação de Coleções Bibliográficas e Documentais. A
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) como anfitriã. O
17ª edição do evento contou com palestras proferidas por
Fórum contará com a participação de bibliotecários que
profissionais de destaque, como Jayme Spinelli, mestre
atuam no Brasil, Argentina e Portugal e ocorre durante a
em Bens Culturais e Projetos Sociais pelo Centro de
Semana Nacional do Livro e da Biblioteca. O tema para
Pesquisa e Documentação de História Contempo-rânea
2014 é “A Bibliografia Material e a Catalogação de Livros
do Brasil; Márcia Lutterbach, doutora em Ciências
Raros e Especiais”.
(Microbiologia) pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro e Joaquim Marçal, doutor em História Social e
pesquisador da Divisão de Iconografia da Biblioteca Casa de Rui Barbosa:
Nacional.
As atividades foram divididas entre palestras, mesa Encontro sobre arquivos
redonda e visitas técnicas aos laboratórios e setores da
Biblioteca Nacional, como Divisão de Obras Raras, pessoais
Iconografia, Periódicos e setor de digitalização. Pro- Os arquivos pessoais e sua representação estarão em
cessos pouco conhecidos do público - a exemplos do discussão no encontro Arquivos pessoais e cultura: uma
tratamento aquoso de páginas, higienização, restauro e abordagem interdisciplinar. O evento está agendado para
encadernação - também foram acompanhados de perto os dias 11, 12 e 13 de novembro, com realização da
pelos participantes. Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).
“O curso foi um seminário completo. Reuniu em sua O programa destaca os arquivos pessoais como
programação uma gama de profissionais e temas importante conjunto de registros da vida em sociedade e
interdisciplinares responsáveis por um panorama sobre a da cultura, oferecendo ao pesquisador possibilidades de
preocupação com a memória, as técnicas e tecnologias investigação em inúmeras áreas do conhecimento. Os
disponíveis e necessárias ao assunto”, disse Rogério temas principais são: Arquivos pessoais e cultura: uma
Santana, aluno do curso de Biblioteconomia da UNIRIO. abordagem interdisciplinar; Os Políticos e seus arquivos
Para o estudante, o evento proporcionou “reflexão e dis- pessoais; Os Escritores e seus arquivos pessoais. ✪
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A era do
publicizismo
A nova realidade da comunicação científica brasileira
Por Jonathas Carvalho

A
comunicação científica deu um salto expressivo no 21/2/1988, cujo título é "A lista dos improdutivos". Na
processo de universalização do acesso ao matéria veiculada pelo Jornal, concernente a produção
conhecimento com o surgimento dos periódicos acadêmico-científica dos docentes da USP, foram
eletrônicos que possibilitou acesso em diferentes tempos apresentados docentes com produção escassa ou que não
e espaços, assim como o movimento do acesso tinham produzido, correspondente a 1/4 dos docentes
livre/aberto ao conhecimento científico. No entanto, é daquela instituição. Na época de veiculação da matéria
pertinente considerar que ainda há restrição de acesso na houve grande polêmica entre os docentes em face do
comunicação científica, em especial, pela matriz lucrativa critério quantitativo de produção para determinar
dos grandes editoriais científicos interacionais que docentes improdutivos que envolvia: publicações em
favorece o acesso aos estudos publicados mediante periódicos, livros, capítulos de livro, jornais, anais de
pagamento tratando a pesquisa científica como produto congressos/encontros, além de comunicações em
ou mercadoria e o leitor/pesquisador como cliente congressos/encontros científicos de expressão regional,
configurando o caráter eminentemente industrial da nacional ou internacional.
ciência contemporânea. O fato é que esses critérios quantitativos foram
Por um lado, há a constituição de parcerias entre aprimorados pela Capes, especialmente para professores
empresas, indústrias e bancos (em alguns casos com a de pós-graduação stricto sensu em que a obrigatoriedade
participação de pesquisadores de universidades públicas de publicação em periódicos (principal aspecto de
e/ou privadas) para o financiamento de pesquisas que avaliação que contempla exponencialidade avaliadora,
elaborem produtos, visando resolver ou simplesmente conforme o fator de impacto do periódico que significa
amenizar/acomodar possíveis problemas sociais no uma medida que designa o número médio de citações de
contexto da saúde, infraestrutura, desenvolvimento artigos científicos de um determinado periódico,
tecnológico digital, entre outros, valorizando a chamada quantidade de docentes doutores que publicam, entre
pesquisa técnica que possui o chamado caráter outros critérios normativos), anais de encontros/con-
pragmático. Por outro lado, há a constituição de parcerias gressos, assim como livros e capítulos de livros é
entre universidades e entidades de fomento para o constituinte de um critério sine qua non de avaliação.
desenvolvimento de pesquisas que primem pela inovação Os critérios produtivistas estabelecidos pela Capes têm
e avanço científico em áreas diversas do conhecimento. causado uma série de polêmicas e debates no âmbito
Em ambos os casos, há um conjunto de investimentos acadêmico no que tange a carreira e saúde dos docentes, a
de órgãos competentes (empresas, indústrias, bancos e preconização de uma hierarquia de status entre docentes e
órgãos de fomento) que estão pautados na potencial novas perspectivas de construção e institucionalização do
prática exitosa de resultados, ou seja, as pesquisas conhecimento científico no espaço acadêmico.
financiadas têm a finalidade de resolver problemas gerais Em matéria publicada pelo site do Sindicato Nacional
e/ou específicos, conforme designado em projeção inicial. dos Docentes das Instituições de Ensino Superior -
Resultados inócuos podem manifestar desperdício de ANDES-SN em 16/04/2014, há forte crítica acerca do
investimentos ou gastos supérfluos pelos órgãos produtivismo e competitividade impostos pelos órgãos de
competentes que buscam estabelecer criteriosa avaliação fomento e políticas do Ministério da Educação (MEC)
prévia, a fim de investir em projetos que tenham que têm acarretado problemas físicos e mentais aos
sustentação passível de promover resultados esperados. docentes.
Em particular, no caso das parcerias entre universidades Isso significa que o produtivismo virou uma cultura na
e órgãos de fomento, tanto para docentes/pesquisadores, política pública governamental de C&T no Brasil em que
quanto para pós-graduandos houve a consubstanciação de importa mostrar a imagem de um país produtivo em
uma prática comum chamada de produtivismo em que é conhecimento (em termos de quantidade) em detrimento
preciso atingir metas quantitativas de estudos publicados do debate acerca de valorização da carreira docente e dos
em periódicos científicos, principalmente de alta incentivos em geral ao desenvolvimento da educação
qualificação (A1 e A2, por exemplo). A ideia de superior, como maiores/melhores incentivos à pesquisa,
produtivismo no Brasil se estabeleceu em 1988 a partir de atratividade para pesquisa desde o nível da graduação
uma matéria publicada pelo Jornal Folha de São Paulo em para os discentes.
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Diante dos impactos entre o desenvolvimento da falo que reduzimos da cultura do produtivismo para a
produção científica e tecnológica atrelado a saúde e cultura do publicizismo não é que haverá uma
desvalorização da carreira de docentes vale ressaltar que substituição, mas um afunilamento que vem se
estamos reduzindo a cultura do produtivismo para a desenvolvendo em escala cada vez mais larga no
cultura do publicizismo que significa o desenvolvimento ambiente acadêmico e favorecendo o olhar
e manutenção das publicações científicas de impacto dos consequencialista da publicação de impacto.
docentes, principalmente a partir de estudos em parceria O publicizismo é levantado, neste texto de opinião (que
com outros docentes ou com orientandos de pós- não tem o objetivo de estabelecer limites ou definir
graduação stricto sensu e graduação a fim de que o conceitos fechados, mas de incentivar a discussão), com a
docente consiga cumprir com as metas impostas sem pretensão de tornar o debate sobre a produção do
comprometer de forma tão avassaladora sua saúde mental conhecimento científico um fenômeno mais qualitativo
e física. do ponto de vista humano e conteudístico considerando
O conceito de publicizismo se dá por uma lógica que o conhecimento científico perpassa por um conjunto
estratégica na produção científica: importam os de etapas que vai desde a delimitação de parcerias,
resultados da produção, isto é, a publicação em espaços passando por delimitações temáticas, teóricas,
reconhecidos por órgãos institucionalizadores do MEC e metodológicas e humanas (com quem e como construir
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) conhecimento) até a submissão, avaliação e publicação
como periódicos de qualis, principalmente A1 e A2, ou de ou não da pesquisa.
expressivo fator de impacto, publicação em anais de Considero que uma das formas de evitar a lógica do
eventos de impacto na comunidade científica nacional e publicizismo é incentivar o desenvolvimento dos
internacional, além da publicação de livros e capítulos de periódicos científicos destinados à graduação e pós-
livros que atendam critérios específicos do MEC ou graduação possibilitando autonomia para que os futuros
MCTI. pesquisadores tenham mais estímulos para escolha e
Isso significa que o publicizismo é a lógica estratégica autenticidade na produção do conhecimento. Outra forma
pautada no ideário do consequencialismo em detrimento seria a valorização dos órgãos do MEC e MCTI para
das causalidades das práticas científicas. Em outras eventos que se constituem em efetivos ambientes de
palavras, o consequencialismo representa os resultados discussão e construção do conhecimento e comumente
da publicação (o que está sendo publicado, em qual meio possuem pesos inferiores de avaliação.
foi publicado, a relevância da titulação dos autores para Vale destacar ainda a necessidade dos órgãos do MEC e
publicação etc.) e as causalidades (o esforço dos autores MCTI em inverter a lógica que delibera grandes
para produção da pesquisa, o reconhecimento junto à exigências e poucos incentivos para o pesquisador (há
comunidade em que a pesquisa está sendo desenvolvida, pesquisadores que sequer têm incentivos para participar
intensidade dos investimentos para o desenvolvimento da de grandes eventos) com o aumento quantitativo e
pesquisa etc.). qualitativo de bolsas para produção científica
Em tese, o publicizismo tem a seu favor o fato de incentivando a prática do professor universitário também
estabelecer critérios mais objetivos de avaliação diante da no âmbito da pesquisa ou, exigir nos editais de concurso
infinidade de produções científicas permitindo um para professor, participação ativa no tripé ensino-
processo célere de edições dos periódicos, bem como um pesquisa-extensão com a devida valorização de carreira e
amplo procedimento de disseminação da informação salários. Destaco ainda a necessidade de incentivar de
científica e tecnológica. Por outro lado, o publicizismo modo mais amplo à pesquisa acadêmico-científica para
tem como fator contrário, a saber: estudantes de graduação e pós-graduação com bolsas que
a) Aspectos de consolidação da hierarquia no meio permitam a sustentação financeira e intelectual.
acadêmico como questões de (inter)dependência entre Mas, de forma geral, essas estratégias serão possíveis
orientando e pesquisador no sentido de que o primeiro apenas com a ampliação dos investimentos e a expansão
depende do segundo para publicações de impacto e o qualificada da educação básica e superior e o
pesquisador depende do orientando para atingir metas redimensionamento das normas de MEC e MCTI para o
impostas pelos órgãos como MEC e MCTI; desenvolvimento da educação, assim como incentivando
b) A relação de autoria entre quem produz e quem desde a educação básica a prática da pesquisa, produção
publica (nem sempre quem publica é quem, de fato, do conhecimento e profissionalização dos educandos.
produziu); Enfim, é possível afirmar que com essas e outras
c) Os dois fatores mencionados insuflam a reflexão ética estratégias não seria possível evidentemente superar o
sobre a cultura produtiva do conhecimento científico, publicizismo acadêmico no Brasil, de modo que há
como a ética na pesquisa, ética na universidade, ética na questões ético-morais envolvidas que vão para além de
elaboração de trabalhos acadêmicos, plágio acadêmico investimentos financeiros, mas minimamente estimularia
etc; a constituição de uma agenda que busque o
É preciso considerar, porém, que o publicizismo não é redimensionamento da produção do conhecimento
um fenômeno independente, mas, ao contrário, depende e tornando-a mais sólida do ponto de vista qualitativo e
surge da lógica do produtivismo para se estabelecer no humano, permitindo, inclusive, uma aproximação mais
contexto acadêmico, pois herda partes de suas consistente entre a prática acadêmica e a sociedade
características e se consolida pelo imperioso brasileira. ✪
normativismo acadêmico determinado pelos órgãos
oficiais de cunho governamental. De outro modo, quando
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Cursos
presenciais e a distância

Auxiliar de biblioteca
Auxiliar de arquivo Inscrições
Digitalização de acervos abertas!
E muitos outros!
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Um relato
Cargo: estagiário. Função: Arar
e cultivar a terra do saber

Por Claudio Rocha de Jesus, bibliotecário

V ivenciar os problemas, compreender suas razões,


entender suas perspectivas para a profissão que
você está projetando, tudo isso só é possível, ou
será melhor compreendido por você, caso se permita
circular por vários ambientes que contemplem a formação
Popular Brasileira), além do trabalho voluntário
(coordenei a implantação da Biblioteca Comunitária do
Morro do Borel, em parceria com o G.R.E.S. Unidos da
Tijuca, em troca do espaço para festa do Encontro
Nacional de Biblioteconomia, que aconteceu no RJ há
do seu curso, entre eles, o tal estágio. alguns anos). Essas experiências me mostraram
O primeiro momento do estágio é caracterizado por exatamente o quanto tudo isso é válido. Nos últimos anos
dúvidas, medos, anseios. Como mostrar o que você sabe e estagiei e participei de pequenos trabalhos remunerados
aprendeu se você ainda acha que não sabe? E se pergunta: ao mesmo tempo, ufa! Precisava de renda para me manter.
serei uma espécie de escravo da biblioteca? Um faz tudo, Passei por muitos apertos, mas valeu.
um pau mandado? Bem... Estagiário é aquele que faz um Minha primeira experiência foi na Biblioteca da
estágio e um estágio é compreendido por “método de Universidade Cândido Mendes (UCAM). O acervo de lá
aprendizado através de exercícios, de funções é composto de 144.204 documentos variados. É um
profissionais que agregam conhecimentos, somados aos acervo de caráter geral, cobrindo mais especificamente os
teóricos aprendidos em escola ou universidades e temas relativos aos cursos de Direito e Administração de
desenvolvidos num lugar de trabalho”. Empresas. Assuntos na qual eu não tinha o menor domínio
Fazendo uma alusão ao trabalho do homem do campo, o e interesse. E isso foi assustador, não vou negar. Mas a
estágio é para se lavrar a terra com arado, preparar o recepção por parte dos funcionários foi muito boa e isso
terreno para que possamos entrar da melhor forma me ajudou e me tranquilizou um pouco, nesse início.
possível na nossa profissão e, assim, poder plantar, A despeito de todas as dificuldades individuais de
cultivar e desenvolver o terreno para colheita do saber. A adaptação, falta de conhecimento técnico e condições
vivência nos faz perceber, principalmente, a validade que naturais adversas, segui em frente. A minha função era
tem a prática no aprendizado das teorias. O fato de ter especificamente voltada ao serviço de referência. O
passado por pelo menos quatro estágios e dois projetos, usuário não tem acesso à estante nessa biblioteca,
ambos financiados pela FAPERJ (um sobre o Samba portanto cabia a minha pessoa, correr atrás o mais rápido
como Patrimônio Cultural e o outro sobre a Música possível para entender, identificar e conhecer o acervo e
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onde estava cada assunto dentro daquele espaço. Não foi dois anos de convivência.
nada fácil! Saí de lá devendo isso, pois fiquei pouco Prestes a concluir o curso, passei uma pequena
tempo, mas o suficiente para observar a dinâmica de temporada na Biblioteca Parque de Manguinhos. Não sei
trabalho deles e cultivar boas amizades. por onde começar para descrever a experiência que esse
Por conta de outra proposta de estágio, que me pareceu local me proporcionou em tão pouco tempo de estadia.
muito adequada e compatível com o tempo e espaço Mas vamos lá! Inaugurada em abril de 2010, tendo como
dentro dessa dinâmica de correr de um lugar para outro, já principais referências às bem-sucedidas experiências de
que na época, eu morava distante da UNIRIO, optei em Medelín e Bogotá, na Colômbia, a Biblioteca Parque é
trocar a UCAM pela Biblioteca da Casa da Moeda do uma biblioteca pública multifuncional em área de risco e
Brasil. A instituição ficava mais perto da minha antiga assim, contribui para a diminuição da violência, criando
residência e isso era um atrativo a mais, além da boa um espaço de convivência da comunidade.
remuneração que era oferecido por eles e também do A biblioteca é muito bem servida no que diz respeito ao
transporte e alimentação no local. acervo, lá é feito uma série de trabalhos voltados para
Benefícios fazem muita diferença na vida de um comunidade, tem uma boa Ludoteca, muitos
estagiário (gostaria que todas as instituições contratantes computadores para acesso a internet, espaço para
soubessem disso!). Explico por quê: antes de enveredar deficientes visuais, sala para aulas de percussão com
por esse caminho, eu tinha um emprego onde eu era bem muitos instrumentos musicais, um teatro, um excelente
remunerado, mas tive a necessidade de entender, captar acervo literário. Enfim, um mundo em um belo espaço
um pouco mais do que o curso na teoria estava me dando preparado para atender. E atender é a questão chave dessa
e por esse motivo resolvi arriscar e largar o meu emprego, biblioteca. O tempo e a transformação que as
sendo assim, passei a receber como estagiário bem experiências nos proporcionam me permitem fazer uma
menos do que recebia na empresa onde tinha vínculos reflexão um pouco mais apurada para algumas questões
empregatícios – isso muda a sua vida, pode apostar. E delicadas em que o profissional, seja ele de qualquer área
essa é uma decisão muito difícil de tomar. do conhecimento, tenha que passar, para que em algum
Não foram poucas as vezes que ouvi do professor e na momento ele tenha a percepção real e noção da sua
época diretor do curso, falar da importância dessa tomada função como profissional de servir, ser a ponte, o
de decisão. Mas voltando à Casa da Moeda, local onde caminho para o conhecimento de outras pessoas.
guardo boas lembranças e onde comecei de verdade a E isso lá é aplicado com muita dignidade e respeito.
captar na prática os ensinamentos das aulas. O meu plano Imagino as dificuldades percorridas por todos para
pessoal me estimulou e me permitiu um processo amplo chegar a esse ponto, que este espaço se encontra agora.
de compreensão da minha função na Biblioteconomia e Cada dia foi um aprendizado diferente, me surpreendi
na Biblioteca da Casa da Moeda. Naquele exato com tudo que vi e fiz por lá! E o mais estranho é que tudo
momento eu já estava compreendendo melhor tudo que isso relatado por mim, me deu muito prazer e motivação
estava acontecendo e/ou o que estava por vir. Minha para seguir firme no meu propósito. Ainda não sei
função nessa biblioteca me permitiu o contato com a explicar exatamente por quê. Mas sinto e percebo a cada
parte do processamento técnico, sempre muito bem dia que fiz sim a escola certa! A biblioteconomia me
assessorado pelo bibliotecário responsável por essa área. escolheu! E eu escolhi a Biblioteconomia! Portanto,
Também cobria alguns funcionários no horário de pessoal: estágio é necessário! Não percam essa
almoço no setor de referência quando era preciso. Fui oportunidade de fazer novos contatos, criar laços,
muito bem recebido pela bibliotecária-chefe, na qual adquirir conhecimento. Graças a tudo isso relatado
deposito todo meu respeito e admiração até hoje. O acima, estou empregado e administrando duas
acervo é muito bem cuidado e tratado, tanto pelos bibliotecas de uma instituição particular, atuando como
funcionários como pelos usuários da instituição. O lugar bibliotecário com muito orgulho da profissão e completei
é ótimo para uma boa temporada de dois anos de estagio, um ano de casa, no último dia 16 de setembro de 2014.
como fiz. Fui indicado por uma profissional com quem tive a
Meu terceiro estágio foi na biblioteca de uma oportunidade de trabalhar em um desses estágios por
instituição federal, incorporando seus problemas, onde passei. Agora estou tendo a oportunidade de aplicar
dificuldades, anseios e motivações. Acredito que foi o todas essas experiências adquiridas na sala de aula e fora
local onde mais refleti sobre a função do ser bibliotecário. dela!
Neste momento esqueci por algumas vezes de verdade Não tenha medo, aproveite cada momento. Boa sorte a
que estava ali como estagiário e tentava, dentro da minha todos!
cabeça, me projetar como se fosse um bibliotecário.
Achei que deveria fazer isso naquela época. Vi ali as Duvidas sobre a função dos
dificuldades enfrentadas por alguns profissionais, o valor
da profissão e do bibliotecário para o mercado e também estagiários?
seu posicionamento dentro desse espaço e em suas
respectivas empresas. Aprendi muito neste local. Lá não O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) preparou
foi como o aprendizado da teoria na pratica, como a cartilha esclarecedora sobre a Lei de Estágio. Acesse:
ocorreu nos meus dois estágios anteriores. O que ocorreu
www.biblioo.info/cartilhadeestagio.pdf. ✪
nessa biblioteca foi algo bem diferente. Mas saí de lá com
muito orgulho de mim. Contribui bastante e sei que
deixei de alguma forma um pouco de mim nesse local.
Deixei lá uma grande amiga, que foi a minha chefe nestes
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Circuitos de
Cultura museus
para todos agitam a cidade
maravilhosa
Por Luciana Rodrigues

A s instituições museológicas e outros


lugares de memória vêm promovendo, ao
longo do ano, dias com programações
especiais para a população brasileira. Tais
programações têm apresentado uma ótima
Monumento dos Pracinhas, Centro Cultural Banco
do Brasil (CCBB), Museu Histórico Nacional
(MHN) e Museu de Arte do Rio (MAR). Contou
com a participação de 45 monitores (alunos de
turismo da Fundação de Apoio à Escola Técnica do
recepção por parte do público visitante que vem Estado do Rio de Janeiro – FAETEC) e do
comparecendo com mais frequência. Exército. Desde o primeiro circuito (2013), em
Segundo o Instituto Brasileiro dos Museus apenas um dia do circuito, aproximadamente, três
(Ibram), em 2011, na Semana Nacional de Museus mil pessoas participaram do circuito cultural e
participaram 1.006 instituições no país, que ecológico.
promoveram cerca de 3.080 eventos em mais de O evento Ciência, História e Cultura na Quinta da
500 cidades de cinco estados brasileiros. Tal Boa Vista é promovido pelo Museu Nacional da
evento, sempre realizado no mês de maio, tem sua Universidade Federal do Rio de Janeiro
programação divulgada nas redes sociais, na mídia (MN/UFRJ) sob o formato de oficinas desde 2007
e nas instituições participantes. Em 2014, foi e é realizado em três dias. Este ano foi
comemorado pela nona vez e teve como tema comemorado os 196 anos da instituição criada em
Museus e Memória. Além dos museus, contaram 1818 por D. João VI. Como nos anos anteriores,
também com a participação de arquivos, contou com a participação de vários setores da
bibliotecas, casas de cultura, galerias, redes instituição com seus respectivos funcionários,
sociais, entre outros, como pode ser vista na estagiários e colaboradores que apresentaram 23
programação oficial. atividades entre visitas mediadas, oficinas e
Em agosto de 2014, a cidade do Rio de Janeiro exposições à comunidade.
contou com mais dois eventos gratuitos: 3º Desta forma, os setores apresentaram as
Circuito Cultural Rio Ônibus e Ciência, História e atividades que são desenvolvidas pelos mesmos e
Cultura na Quinta da Boa Vista. levaram informação e conhecimento para o
Segundo o site do Circuito Cultural Rio Ônibus, público em geral. Segundo o Setor de
foram disponibilizados quatro ônibus gratuitos Comunicação & Evento do MN/UFRJ, neste
que faziam a integração entre as seguintes último evento, 68 escolas estiveram presentes
instituições: Forte de Copacabana, Forte do Leme, visitando a instituição.
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Público visitante no evento “Ciência, História e


Cultura na Quinta da Boa Vista”

Fonte: Dados informados pelo Setor de Comunicação & Evento do MN/UFRJ

Outro evento cultural que ocorre na cidade do Rio comunicação com as comunidades em que estão
de Janeiro é o Turismo Cultural no Bairro Imperial de inseridos”.
São Cristóvão. Este projeto teve início em 2009, É muito bom participar destes eventos, pois vemos
sendo realizado pela Câmara Comunitária do bairro a interação entre as instituições e a população que
junto a importantes instituições da localidade, como demonstra cada vez mais o interesse pela história,
o Museu Nacional/UFRJ, o Museu Militar Conde de pela ciência e pela cultura do nosso país. Dessa
Linhares, o 1º Batalhão de Guardas - Batalhão do forma, as instituições cumprem a sua função sócio-
Imperador, o Centro Cultural Maçônico do Supremo educativo-cultural perante a sociedade brasileira.
Conselho do Brasil, o Museu de Astronomia e Como bibliotecária-documentalista, sinto apenas
Ciências Afins (MAST) e o Club de Regatas Vasco falta de uma participação mais efetiva de outras
da Gama. O público estimado nestes anos é de 50 mil instituições informacionais, como as bibliotecas e os
pessoas e foi realizada a sexta edição em 2014. Assim arquivos, em atividades deste tipo, embora eu saiba
como Circuito Cultural Rio Ônibus, o Turismo que a função básica dos museus seja a cultural/en-
Cultural no Bairro Imperial de São Cristóvão tem tretenimento diferente das bibliotecas e arquivos que
entrada e transporte gratuitos. possuem a função de pesquisa.
O próximo evento cultural e gratuito será em A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, possui
setembro de 2014, mais precisamente entre os dias belíssimas bibliotecas como a Biblioteca Nacional e
22 e 28, a 8ª Primavera dos Museus cujo tema será o Real Gabinete Português de Leitura, além das
Museus Criativos e contará com participação de 761 bibliotecas-parque que poderiam participar destes
instituições no país que apresentarão 2.436 tipos de circuitos culturais, mostrando a importância
atividades. Segundo o site do Ibram, “A ideia é histórica, informacional e cultural para a população
retomar a discussão sobre os desafios da atuação em geral. ✪
interdisciplinar dos museus para sua efetiva
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Por Edilmar Alcantara

O machismo tem origens intrigantes e não é


'cometido' apenas de homem para mulher. É
uma combinação de fatos e atitudes que torna o
homem machista, mas não se espante pelo que vai ler
agora: há mulheres machista! Algumas muito mais que
que o valha? Isso é ou não disputa entre homens?!
“A exibição da agressividade...”. Lembro-me agora
das disputas entre gladiadores para saber quem era o
mais forte entre todos. Todavia quero me atentar a
exemplos de nosso tempo. Qual lugar neste país não
alguns homens. Versarei a seguir algumas teorias do tem um grupinho de rapazes malhados, que na maioria
machismo, na visão de alguns autores. das vezes pertence às classes sociais mais elevadas,
Partiremos na busca das origens do machismo como gostam de festas e curtição, e sempre acabam
uma definição de um “teórico da masculinidade”: espancando uns e outros que cruzam o seu caminho
Robert Connell. Segundo ele, “o machismo é um ideal depois de uma noite regada a muito álcool e outras
masculino que enfatiza a dominação sobre as mulheres, substâncias?! Sempre conheci esses grupinhos como os
a competição entre os homens, a exibição de “pitboys”. Eles sempre precisam massacrar alguém na
agressividade, a sexualidade predadora e o jogo duplo” pancada para satisfazerem suas necessidades físicas e
(citador por Castañeda). para mostrarem que são homens.
Analisemos com calma cada parte do fragmento “A sexualidade predadora e o jogo duplo”. O
citado acima. “Ideal masculino que enfatiza dominação adolescente que não “pega” mais de uma garota é
sobre a mulher...”. Bom, não precisa escrever taxado como maricas, mulherzinha, que foi criado pela
compêndios para saber que o homem se arroga ser avó (não há nenhuma relação em ser criado pela avó e
superior às mulheres. Essa ideia de superioridade vem consequentemente o rapaz “virar” gay, mas muitos
de tempos remotos, desde a Grécia Antiga, onde as usam essa frase de modo pejorativo e vexatório).
mulheres eram relegadas a quase clandestinidade. Quantas vezes eu ouvi isso nas ruas e até mesmo falei...
“A competição entre os homens...”. Se formos ficar Ao homem (principalmente adolescente), é cobrado
na Grécia antiga, poderemos extrair desse tempo que fiquei com muitas mulheres, que “pegue” todas; se
exemplos de competição entre os homens. A sociedade assim não o fizer, fica com a reputação manchada no
grega tinha uma clara divisão entre os homens grupo de amigos, na escola e entre os familiares.
considerados cidadãos e os escravos. Se isso não Umas das primeiras coisas que alguns pais fazem
configura competição entre os homens, passemos para com seus filhos, tão logo esses atingem a puberdade, é
exemplos mais atuais. Quem nunca viu ou ouviu leva-los nas “casas de massagem”, “whiskeria”,
(quando não participou) de disputas para saber quem prostíbulos. Jovens de 13, 14, 15 anos são levados pelos
“pegava” mais mulheres numa festa, viagem ou coisa pais, que satisfeitos, apresentam seus “touros” novos as
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mais experientes messalinas... E ai do menino que atitudes machistas, mas uma parcela significativa (me
disser que não quer ir, pois além de envergonhar o pai refiro às pessoas com que tive contato e conheço)
com a recusa, pode ter sua conduta comparada a um nadam contra a maré, ou seja, não perpetuam a lógica
homossexual; aí sim, o pior castigo para alguns pais. machista.
É curioso perceber a repulsa que alguns homens têm Já na Região Nordeste (tomo a liberdade de colocar
dos homossexuais (ao ponto de nem tocar numa pessoa toda a região, embora eu conheça apenas dois estados,
que tenha essa orientação sexual), devido a atração que tenho contato com pessoas de outros estados e que me
os mesmos têm por pessoas do mesmo sexo. fornecem um panorama de como estas sociedades são),
Entretanto, esses mesmos homens têm quase adoração onde estou morando, atualmente, fica claro perceber
por ícones masculinos; na música, no esporte, em como a mulher (novamente me refiro às que conheço e
outros segmentos da sociedade. tenho contato) tem um papel preponderante na
Marilyn Frey, filósofa feminista norte americana, manutenção do machismo. Frases do tipo: “ele pode
escreveu um texto na década de 1980 que ilustra bem o ficar na rua até tarde porque ele é homem”, “as meninas
que foi escrito acima: “Dizer que um homem é não podem ver, só os meninos, porque eles são
heterossexual implica somente que ele mantem homens”, e por aí vai, são recorrentes no cotidiano
relações sexuais exclusivamente com o sexo oposto, ou daqui.
seja, mulheres. Tudo ou quase tudo que é próprio do Sabe-se que o machismo perpetua-se claramente por
amor, a maioria dos heteros reservam exclusivamente conta da sociedade. Não é um machista que cria uma
para outros homens. As pessoas que eles admiram, sociedade, é a sociedade que cria o ser machista, seja
respeitam, adoram, veneram, honram, que eles imitam, homem ou seja mulher. Só uma mudança profunda nas
idolatram e com quem criam vínculo mais profundo, a estruturas da sociedade poderá mudar a longo prazo o
quem estão dispostos a aprender, aqueles cujo respeito, panorama que vivemos atualmente. É válido lembrar
admiração, reconhecimento, honra, reverencia e amor que tanto o homem quanto a mulher são vítimas do
eles desejam: estes são, em sua maioria esmagadora, machismo (as mulheres infinitamente mais), que
outros homens. Em suas relações com mulher, o que é repito, emana da sociedade como num todo. “Numa
visto como respeito é gentileza, generosidade ou sociedade machista todos são vítimas do machismo,
paternalismo, o que é visto como honra é a colocação da inclusive os homens, quer o percebam ou não. Por
mulher em uma redoma. Das mulheres eles querem conseguinte, para que o machismo continue existindo,
devoção, servitude e sexo. A cultura heterossexual é necessário que a sociedade inteira participe dele; e,
masculina é homoafetiva, ela cultiva o amor pelos para que desapareça, é necessário que a sociedade
homens”. inteira mude de atitude por meio de uma reflexão
A participação feminina no machismo é tão profunda”, alerta Marina Castañeda.
fundamental para a manutenção do mesmo quanto a O machismo, tal como o conhecemos, tem sua
participação masculina. É comum dizer que por trás de origem no patriarcado, e suas raízes estão bem fixadas
um homem há sempre uma mulher; de fato isso é na terra chamada sociedade. Enfrentar este conceito
verdade, até mesmo para se referir ao machista. A ideológico é tarefa de todos nós: homens e mulheres
mulher que precisa da aprovação do homem, que é conscientes de que não somos diferentes; nem piores e
insegura, e pauta a sua identidade na do marido, ajuda a nem melhores do que ninguém.
manter o status quo do machismo. Para alguns homens que combatem o machismo
Recorro a mais um fragmento do livro O machismo diariamente, o exercício para não proferir palavras
invisível, da mexicana Mariana Castañeda: “Todos os machistas, e o cuidado com as atitudes, para que não
papéis masculinos associados ao machismo têm um sejam agressivas e igualmente machistas, é grande e
correspondente feminino. Encontramos o exemplo cuidadoso. Sempre me vejo em choque comigo
mais comum na mulher psicologicamente insegura mesmo, me corrigindo acerca de alguma atitude
cuja identidade depende do marido, que duvida de si machista que por ventura eu possa cometer.
mesma, busca continuamente a atenção e aprovação do É difícil sim não ter nenhuma característica de
marido, do pai ou do irmão, teme-o e aceita suas regras machista; somos criados com a mentalidade de que o
do jogo sem questionar, 'para não causar problemas'. O homem precisa ir à rua para conseguir o sustento da
correspondente feminino do machismo é um dos seus família, enquanto a mulher fica em casa, cuidando da
pilares centrais: sem a mulher submissa e dependente, mesma e dos filhos. A Organização Mundial do
em termos econômicos e/ou emocionais, tal conduta Trabalho divulgou o resultado de uma pesquisa em que
não pareceria tão natural, nem se expressaria de modo fica claro que a mulher trabalha 30h a mais do que os
tão espontâneo”. homens, isso por que ela além de trabalhar fora, precisa
Em minhas andanças por este país (não conheço fazer as coisas em casa quando chega.
muitos lugares, mas andei muito por onde fui), percebi Eu não poderia terminar este artigo sem citar mais
alguns exemplos em que a mulher atua como “agente uma mulher guerreira e militante: “que sejamos
defensor” do machismo. Pude perceber mais socialmente iguais e humanamente diferentes!”, Rosa
nitidamente que na Região Sudeste (de onde sou Luxemburg. ✪
natural e que vivi 29 anos), algumas mulheres até têm
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O OLHAR POR TRÁS DO VÉU


É possível transver a narrativa histórica tendo
como linha de pensamento a ficção?

Por Mara Torres

“Sacrifique a imortalidade do eu e descubra a imortalidade de tudo o que existe”


(Ken Wilber, escritor e pensador norte-americano)

L eia a epígrafe acima. Agora, preste muita atenção


na história que vou contar: duas pessoas são
incumbidas de registrar a “biografia” da
comunidade em que vivem. Cada uma, a seu modo, deve
narrar os acontecimentos que foram importantes para a
foram entregues na data limite. Em uma bela manhã de
sábado, os moradores da comunidade decidiram fazer
uma grande festa com ares de reunião para escutar a
história do lugar. Afinal de contas, aquela seria a história
de cada um deles e de seus antepassados, filhos e netos.
formação da localidade e da rotina de seus habitantes. Um Sentada em um dos primeiros bancos, observando toda
dos responsáveis pela tarefa é um jovem pesquisador, aquela feliz algazarra, eu estava ansiosa para saber qual
cheio de disposição e de técnicas. Ele gasta muitas horas era a verdadeira narrativa do lugar onde nasci e do meu
do seu dia revendo arquivos, papéis, documentos, povo; eu estava sedenta pelos detalhes que trariam à tona a
coletando discursos e cotejando-os. O jovem quer ser o minha história. Depois de alguns minutos, as autoridades
mais fiel e objetivo possível. Baseado no que aprendeu locais pediram silêncio e trouxeram os dois responsáveis
com seus mestres acadêmicos, ele quer traçar uma história pela transcrição dos acontecimentos.
de todos, com larga representação e alcance. O rapaz está O lugar estava tenso para saber o que seria incluído e o
convicto de sua capacidade imparcial de organizar falas, que seria excluído. “Será que vão citar o clássico contrato
experiências e dados. “Só há um caminho, e esse caminho que fiz com meu inimigo Antônio?”, pensava o mercador
leva diretamente aos vestígios, aos fatos e as coisas como judeu Shylock. Já os filhos do burocrata russo Ivan Ilitch
são”. achavam de extrema importância a citação da morte do
O segundo encarregado para realizar a tarefa é o oposto pai, um alpinista do serviço público. Os amigos do
do jovem: Trata-se de um senhor perto dos oitenta anos, sorumbático Bento Santiago, conhecido no lugarejo
reconhecido como o morador mais antigo da comunidade. como Dom Casmurro, também reivindicaram que sua
Durante todos esses anos, esse senhor conversou com as trajetória de dúvidas e ilusões perdidas ao lado da mulher
pessoas, vivenciou experiências, ouviu e repassou lendas Capitu fosse devidamente citada. Todos possuíam uma
e mitos, além de acreditar na força da história oral. No opinião sobre o que era e o que não era importante para a
decorrer de sua existência, o respeitado sábio fez um comunidade, mas aceitaram os dois homens escolhidos
diário, anotando o que acontecia no local, produzindo como autoridades competentes para deliberar sobre o
opiniões, afirmativas, conservando depoimentos e assunto.
sublinhando o que julgava mais importante. Em quase No palanque armado, o jovem pesquisador carregava
oito décadas de vida, o ancião conquistou várias fontes e consigo pilhas de caixas contendo papéis, artefatos e
assinalou seus textos conforme suas expectativas, valores outros documentos. Seguro de si, ele bradou em alto e
e anseios. O jovem pesquisador e o idoso morador bom tom:
decidiram não trabalhar em conjunto, já que discordavam - Queridos amigos e amigas, tenho o prazer de
em crenças e modos de trabalho. compartilhar com vocês o resultado de meu ardoroso
A travessia foi feita de modo individual, e as conclusões trabalho. Não foi fácil coletar e organizar todo esse
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material. Acreditem, eu fiz o impossível para cumprir a pouco mais dos meus próprios desejos e do métier do
tarefa para o qual fui designado! Mas hoje eu trago à vista jornalista-historiador - um híbrido possível.
a verdadeira e real história da nossa comunidade. Uma Comecei a lembrar das discussões em sala de aula e fiz
narrativa baseada na pesquisa aguçada, no rigor um paralelo com pontos interessantes levantados no
científico, nos métodos de coleta, organização e artigo. Um dos aspectos que mais me chamou a atenção
arquivamento de dados. Tudo o que está aqui escrito é foi o fato de que nada é o que parece ser. Alguns bons
somente o real, sem interferência de arroubos de espírito, romances já levantaram essa questão. Não posso deixar de
paixões, opiniões ou tentativas de agradar terceiros. pensar em Franz Kafka e as fortes impressões de obras
Nenhuma letra desses papéis foi inventada. Procurei ser como “Carta ao Pai”, “A Metamorfose”, “O Processo” e
criteriosamente fiel à realidade. A linguagem utilizada “O Castelo”, por exemplo, quando fica evidente a ruptura
para escrever esses acontecimentos é coerente, direta e proposta por Kafka no que diz respeito à separação entre
técnica. Nisso vocês podem confiar. racional e irracional. Na ficção do “judeu de Praga”, a
Assim que o jovem terminou seu discurso, o respeitado realidade é um mosaico de rotinas; uma ponte estreita e
sábio apressou-se em dizer: quebradiça cujo fim é um abismo profundo e perigoso.
- Prezados amigos, vocês me conhecem há quase cem Também sinto rastros da narrativa histórica nos textos do
anos! Fui amigo dos avós de vocês, e depois dos pais. brasileiro Machado de Assis, com discussões sociais
Agora sou íntimo da grande maioria de vocês e, veladas pela ironia fina. Os personagens machadianos são
futuramente, serei próximo de seus filhos e netos. Ainda reflexos de uma época perdida em relações de
terei forças para isso, se Deus quiser. Não prestem atenção enfrentamento, ilusões de grandeza e interesses
às palavras juvenis desse mancebo. Essa papelada que ele camuflados. É interessante notar que as observações de
traz é fruto da distância, de letras mortas, escritas e Machado de Assis atravessam séculos e persistem até
documentadas por gente que servia aos antigos hoje.
administradores. Gente que vivia trancafiada em seus Impossível esquecer o contato que tive com Manoel de
escritórios impecáveis e não levantava para ver a rua; Barros, o poeta brasileiro da simplicidade e da
pessoas que não sujavam a sola dos sapatos andando de criatividade viva, e com o escritor moçambicano Mia
casa em casa, ouvindo o que cada um de vocês tem para Couto. Os dois literatos falam, cada qual a seu modo, da
contar. O que esses papéis têm a dizer que os meus existência de um mundo que explode para criar, e cria para
ouvidos não tenham escutado e minha boca não possa explodir. A invenção, o real, o imaginário, a linguagem e o
reproduzir? Em oito décadas - vejam bem, oito décadas! -, infinito universo das metáforas estão conectados à galáxia
tomei nota dos principais acontecimentos dessa das ideias e das ações. No entanto, estamos tão obcecados
comunidade. Em mais da metade deles, eu estive em edificar verdades, dar dimensões aos fatos, coisas e
presente. Conheço a grande maioria de vocês pelo nome e pessoas, que esquecemos da força criadora que nos move
sobrenome, e posso repetir sem errar. Entendam que a e impulsiona. Nossa história é prisioneira da necessidade
verdadeira história desse lugar está escrita em meus de ser comprovada, testada, submetida ao real. Mas de
diários, em meus livros e cadernos de apontamento. Os que real falamos? Será que tudo não passa de um efeito, já
relatos de cada família, seus desabafos e sonhos, estão que o discurso histórico é construído por sentidos,
todos minuciosamente descritos. Confiem em mim! interesses, subjetividades, rastros? Como lembra o texto
Nesse momento, a comunidade entrou em polvorosa. das professoras que andei lendo, “a verdade histórica é
Homens, mulheres, crianças e animais de estimação construída discursivamente”.
queriam desesperadamente saber em quem acreditar; qual Manoel de Barros parece saber bem disso sem precisar
daqueles dois homens teria narrado suas histórias sem massagear o ego com teses parnasianas – aliás, tenho um
desviar o curso, sem criar delírios e fantasias? Enquanto a palpite: talvez o criativo Manoel não suportasse muitos
disputa fervilhava entre os presentes, migrei meus dedos de prosa com Olavo Bilac e seus parnasianos.
pensamentos para algumas experiências textuais e visuais Homens com ideias fixas de perfeição e exatidão;
que recebi nos últimos meses. Em uma das aulas que verdadeiras linhas retas sem bifurcações. E Manoel é um
frequento, descobri o artigo “Manoel de Barros e Mia descaminho livre; desterritorializado, intenso. “É preciso
Couto como instrumentais poéticos para pensar o ofício transver o mundo”, diz ele em poema, nos gestos e
do historiador”, assinado por duas professoras e palavras oportunamente guardados no documentário “Só
pesquisadoras da área. Para falar a verdade, eu não sou dez por cento é mentira – A desbiografia oficial de Manoel
formada em História, mas tenho grande afinidade com de Barros”, direção e roteiro de Pedro Cézar, ano de 2008.
esse campo de estudo, porque gosto de pesquisar, Naquele longa-metragem, eu conheci um senhor que
entender, descobrir e conhecer narrativas, pessoas, poderia ser meu avô, que vive simples, cercado pela
sentimentos e lugares. De uma forma geral, acabei natureza e pelas saborosas lembranças e invenções da
encontrado conceitos que me ajudaram a absorver um infância. ✪
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Acesse. Informe-se.
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Francisco
Gregório
Filho
“A leitura é um caminho
para o exercício da cidadania”

Foto: Hanna Gledyz / Agência Biblioo


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flickr.com/biblioo
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MITOS DA ESCOLHA PROFISSIONAL


atuação masculina na Biblioteconomia
Por Thiago Giordano, bibliotecário

V ivemos numa sociedade onde a dinâmica das relações


sociais na grande maioria das vezes pauta-se nos gêneros e
nas atividades desenvolvidas pelas figuras representativas
destes. É interessante notar que as tarefas desempenhadas pelos
agentes, normalmente, correlacionam-se de forma dicotômica, e no
ramo profissional nota-se de forma clara a segregação de profissões
masculinas e profissões femininas.
Mas e então, até que ponto é real a história de profissão masculina
ou profissão feminina? Seria a profissão de bibliotecário uma
profissão tão somente retratista e estereotipada?
O gráfico abaixo ilustra um panorama da relação homens e
mulheres nos cursos de Biblioteconomia das Instituições de Ensino
Superior (IES) Federais no Brasil no período de 2007 a 2012, de
acordo com informações das mesmas, solicitadas pelo Sistema
Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), ficando de
fora apenas a UFPA e UFC, as quais não responderam a solicitação
até a conclusão deste artigo.

RELAÇÃO DE HOMENS E MULHERES NA BIBLIOTECONOMIA

876 852
790 795

671 651

371
309 303 294 300
275
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Cercada de ideologias e preconceitos, observamos a predominância de mulheres na


Biblioteconomia ao passo que surge timidamente a presença masculina. Sim, embora o
mercado seja promissor, optar pela profissão de bibliotecário ainda parece ser uma
quebra de paradigmas que os homens precisam superar.
Possivelmente as atividades de classificação e organização seriam uma atividade
específica para mulheres. Embora seja essa uma visão determinista, percebe-se que no
decorrer da evolução histórica, homens, na maioria das vezes, estão ligados a cargos
públicos, políticos e de poder, ou ainda ligados a profissões exatas e lógicas, enquanto
compete às mulheres assumir o papel nas atividades das áreas ligadas ao cuidar:
humanas, sociais e educacionais.
Na verdade é um fato social que vem sofrendo transformações na cultura e nas
relações sociais e que se reestruturam nos dias de hoje ao passo que as ideias que
privilegiam determinado gênero em detrimento de outro tendem a ser reduzidas.
Segmentando por IES, temos os gráficos a seguir que ilustram as regiões onde a
Biblioteconomia se torna mais atraente aos homens.

HOMENS NO CURSO DE BIBLIOTECONOMIANAS IES FEDERAIS BRASILEIRAS


UNIVERISADES POR ANO

Fiquei me questionando se a escolha por tal profissão seria definida por necessidades,
condições socioeconômicas e favorecimentos ou apenas mais um dos efeitos da
globalização? Então, para melhor compreender esses números, fui à busca de alguns
colegas de profissão e pude elencar alguns dos fatores que contribuíram para a escolha.
Percebi que embora alguns tenham optado, devido a baixa pontuação, para ingresso na
Universidade, acabaram se identificando ou ainda percebendo o potencial na área ao
observar editais de concursos públicos que demandavam tal profissional. Além disso, o
fato de a Biblioteconomia se tornar, nos últimos anos, uma área interdisciplinar que
transpassa pelas áreas de Negócios, Inteligência Competitiva, Direito, Tecnologia da
Informação e outros, colaborando com a expansão do interesse dos homens pela área a
se justificar pelos números apresentados.
É interessante notar que em pleno século XXI ainda existe, mesmo que discretamente,
uma divisão de profissões por gênero. Essa segregação de territórios masculinos e
femininos aparece demarcada em algumas áreas. No campo da Biblioteconomia, é
comum que anúncios para candidatar-se a empregos já venham descritos a palavra
flexionada no gênero feminino, causando inclusive espanto por parte de empresas de
Recursos Humanos quando ligo para tirar dúvida se a vaga pode ser preenchida por
homens.
Embora seja um estigma social, não está bem associar a competência profissional ao
seu sexo. Todavia, as oportunidades de emprego começam a surgir, a demanda aumenta
impulsionada pela nova economia capitalista e reforçada principalmente pela
efetivação da lei de universalização das bibliotecas escolares (Lei nº 12.244/10), onde
cada biblioteca deverá ter um profissional bibliotecário. Seja por necessidade ou por
oportunidade, percebemos a quantidade crescente de homens dedicando-se a carreira de
Bibliotecário.
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Conecte sua biblioteca


com o mundo
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o o lh o n ão
ue vê
q .

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O

Por Claudio Rodrigues das formas. Elas nos enjaulam, cobram de


nós uma cegueira. Olhamos um quadro de

O que é a arte? Conceito ou sensação?


Como defini-la? Como ler um
quadro, uma pintura, uma escultura,
uma música? Seria a arte propriedade de
apenas alguns eleitos? Por que muitos de nós,
Pollock e dizemos: “meu filho faz melhor que
isso!”. Olhamos uma tela de Miró e dizemos:
“Que bobagem! Desenhos infantis!” Diante
de um Picasso, bradamos: “não entendo por
quando olha para um quadro, busca um que essa violência toda na pincelada!”. Não
sentido? Ou por que somos fixados em entender é que está o jogo. Porque a arte não
decodificar formas? O olho insiste que foi feita para servir aos nossos instintos ou
devemos ser prisioneiros das linhas? institutos de beleza. O que é a arte, num
Oswald de Andrade, esse nosso incon- mundo onde as palavras “estética” e
formado e mal lido escritor, já dizia que “designer” ficaram tão batidas (mas tão
“devemos ver com olhos livres”. Mas não batidas mesmo) que é comum vermos placas
nos libertamos ainda, a despeito de mais de como esta: “designer de unhas”, “Estética do
um século de uma guerra que começou lá na pelo”, “instituto do cabelo”? Eu até entendo
Europa e se alastrou pelo mundo. Uma guerra quando dizem que o uso de termos da arte
benéfica contra a arte de gabinete. Os seja aplicado ao universo da beleza quando
vanguardistas europeus não só nos mostra- me dizem que a maior obra de arte é o ser
ram que cor, linha, matéria prima etc. podem humano (se bem que não entendo muito bem
delirar, quanto disseram que o processo vale esse “maior”, acho-o arrogante), e
tanto quanto o produto acabado. O processo é compreendo que, se se trata de beleza, o
da ordem do artista. O produto acabado é da estatuto da moda pode se apropriar disso.
ordem do espectador. Mas, então, entendam que a arte há muito
O problema é que não nos libertamos ainda tempo se libertou da ditadura da beleza, que
era necessariamente a ditadura da forma.
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Quando os vanguardistas gritaram de muitas Sáez, publicado pela Martins Fontes em 2013. É
maneiras contra a tradição (estou pensando nas um livro em quadrinhos fora do comum,
récitas de poesia futurista de Marinetti, no Cabaré desconcertante por muitos motivos.
Voltaire em Zurique, onde os dadaístas destruíam o
belo, nos ready-made do Duchamp, nos caligramas
de Apolinaire, nas dobras das três dimensões dos
cubistas...), eles estavam dizendo que a arte é Adquira em:
também o grotesco, o feio, o infenso, aquilo de que www.tinyurl.com/livroaarte
somos feitos; e que aproximar, ou confundir, Belo e
Verdade é acreditar que só existe uma interpretação
do mundo. E não é assim. Não pode ser assim.
Essa ditadura do Belo acabou há cem anos e vigora
hoje no corpo. Por isso os institutos e academias que
mais proliferam no mundo hoje não ensinam a O autor oferece na obra um curso sobre arte. Mas
pensar, ensinam a maquiar, a fazer pés, mãos e não pense que ele vai seguir um percurso linear. O
cabelo. O estatuto da beleza dialoga muito bem com próprio desenho dele parece com aqueles desenhos
o império do efêmero, assim como a religião que tem de alguém que não sabe desenhar. Mas não se
mais adeptos no mundo: o mercado da moda. A engane. É difícil ser simples. É difícil desconstruir as
oração que se faz é “espelho, espelho meu, existe coisas. É difícil ser como uma criança, minimalista e
alguém mais belo do que eu?”. sincera. Pois Juanjo vai falando sobre Miró, Picasso,
Certo. Mais então, se o belo mudou de lugar, por Duchamp, Warhol e outros artistas como quem nos
que é que ainda queremos olhar para uma tela como pega pela mão para atravessarmos o sinal. O sinal aí é
se olhássemos uma fotografia? Por que ainda a mesma ponte da qual aquela figura do Munch e eu
estamos confundindo a arte com um espaço de ainda não saímos. O interessante na obra do Juanjo
decoração de interiores? Por que ainda estamos nos são os erros do texto. Todas as palavras e frases
sujeitando a acreditar que tudo o que a arte pode dizer abolidas do texto não foram apagadas, mas estão ali,
diz respeito à decodificação do mundo exterior? Eu como se o autor quisesse nos fazer mergulhar no ato
grito quando vejo um aluno de Letras (o meu lugar) mesmo de pensar o que se diz, na potência do dizer, e
em pleno século XXI com uma noção tão mesquinha na forma como o dizer não diz. O interlocutor da
e tacanha de Arte. E meu grito se fosse pintado seria conversa sobre arte é a mãe do desenhista, que diz o
um quadro do Edvard Munch. Teria aquelas cores tempo todo não entender arte, ou melhor, certo tipo
sujas, aquela cara desconcertada, aquelas mãos de arte. Fica claro nessa conversa entre filho artista e
expressivas procurando atravessar uma ponte que mãe que não entende de arte que o primeiro passo na
nunca termina. Travessia que não acaba. Travessia. viagem será não levar na bagagem a lata fechada da
Então é isso? O senhor será um professor de literatura realidade. Arte não é realidade. Não é representação
e diz que não entende de arte? E se nega a acreditar na da realidade. Não é prisioneira da forma.
não-linearidade do mundo, da vida, da gente? E se Por enquanto, é o que posso indicar a você. E deixo
nega a desconstruir e fazer cair por terra séculos de também uma citação, já que o mundo acadêmico
conceitos herméticos sobre o ver? E se nega a ler a cobra da gente citações a torto e a direito. Vou logo
literatura ou mundo com olhos não-narrativos. A encerrar com Heidegger, só para ser besta mesmo: “a
negação ocorre porque se usa a viseira de uma arte não é mais do que uma palavra a que nada de real
sociedade que finge que ensina para a vida quando só já corresponde. Pode valer como uma ideia coletiva
ensina conceitos. Velhos e batidos conceitos. na qual reunimos aquelas coisas que da arte somente
A arte só cobra da gente uma coisa: “não venha com são reais: as obras e os artistas” (A origem da obra de
seu olhar de prisão dizer o que sou porque; não é o arte, p. 11). Então, vamos deixar que a obra seja?
bastante apenas me olhar?”. Se é feita de tinta, pedra, Ensina ao teu olho que ele não pode tudo. Ensina ao
ferro, ou de objetos banais deslocados de uma teu olho quem é que vê o quê. Ensina ao teu olho que
função, não importa. Pensar a partir da arte é abrir-se o cisco que ele contém pode ser arte, que a gota de
a uma questão bem maior que é: “o que sinto quando água que o lava pode ser arte, que o cílio que cai ali
vejo isso”. dentro pode muito bem ser uma marca artística
Vamos substituir a pergunta: “o que é isso?” para nadando na piscina das sensações. Ensina ao teu olho
“O que sinto”. Fica bem mais tranquilo, porque fácil que ele só vê porque existe a luz e que, mais do que
não é. ele, a visão está lá dentro da cabeça, lá dentro, na
Como sugestão de leitura, indico um livro mesma massa cinzenta que manipula o sentido e o
bacaninha que acabei de ler. Trata-se de A arte: sensível. ✪
conversas imaginárias com minha mãe, de Juanjo
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