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Rousseff
.
Por Teun A. van Dijk - Universidade Pompeu Fabra, Barcelona
Resumo
O presente artigo tem como objetivo demonstrar que o impeachment da ex-presidente do
Brasil, Dilma Rousseff, ocorrido em 2016, resultou de um golpe orquestrado pela elite
oligárquica e conservadora contra o Partido dos Trabalhadores, que estava no poder desde
2002, no qual a imprensa de direita brasileira desempenhou um papel determinante ao
manipular a opinião pública, além dos políticos que votaram contra Dilma. Destaca-se o
envolvimento do poderoso conglomerado midiático Organizações Globo que, utilizando-
se de seus veículos de comunicação, como o jornal O Globo e o noticiário televisivo de
mais alta audiência no país, o Jornal Nacional, demonizou e deslegitimou de maneira
sistemática a então presidente Dilma, o ex-presidente Lula e o PT em suas reportagens e
editoriais ao seletivamente associá-los à corrupção disseminada e culpá-los pela séria
recessão econômica. Após um resumo desse contexto sociopolítico, e uma breve
definição de manipulação, serão analisadas algumas das estratégias de manipulação
empregadas pelos editoriais do jornal O Globo, no período que compreende março e abril
de 2016.
Introdução
Neste artigo, mostro que esse impeachment foi resultado de uma enorme manipulação
feita pelas Organizações Globo, o maior conglomerado midiático do país, voz da classe-
média conservadora e, de maneira mais geral, representante da elite oligárquica
conservadora brasileira.
Apesar de não ser nada surpreendente o fato de uma imprensa conservadora criticar um
governo e uma presidente de esquerda, uma análise sistemática dos editoriais do jornal O
Globo, publicados entre março e abril de 2016, mostra que a opinião pública, os protestos,
e a subsequente decisão política tomada foram manipuladas por uma cobertura parcial e
deturpada. Tratarei deste assunto com mais detalhe após um apresentar um resumo da
teoria da manipulação, dentro do arcabouço da nossa abordagem multidisciplinar e
sociocognitiva dos Estudos Críticos do Discurso.
Limitações
Há muitos elementos que, infelizmente, não são apresentados neste artigo. Em primeiro
lugar, apenas ofereço um resumo de algumas propriedades teóricas da manipulação, e não
uma nova teoria ou resenha de pesquisas anteriores sobre o tema – o que demandaria um
estudo muito mais volumoso, um livro. Em segundo lugar, para entender os editoriais
de O Globo, seria necessária uma seção dedicada ao contexto sociopolítico brasileiro, à
grande imprensa brasileira e, especialmente, às Organizações Globo.
O contexto sociopolítico no Brasil
Desde a eleição do ex-presidente Lula em 2002, sua re-eleição em 2006 até os dias de
hoje, a direita brasileira, em geral, e a imprensa, em particular, buscam deslegitimar tanto
a ele quanto ao PT, apesar do sucesso espetacular e internacionalmente reconhecido que
obtiveram na luta contra a pobreza, com as políticas do Bolsa Família e Minha Casa,
Minha Vida – destinadas à população de baixa renda. Essa oposição se tornou mais
evidente com a eleição de sua sucessora Dilma Rousseff, em 2010 e, especialmente, após
sua re-eleição em 2014, quando ela ganhou (por pouco) do candidato da oposição Aécio
Neves, do PSDB.
É nesse cenário complexo que a direita e sua mídia viram, em 2015 e 2016, uma
oportunidade para finalmente acabar com o PT no poder e promover o impeachment de
Dilma Rousseff, sob o pretexto das pedaladas fiscais, de esquemas financeiros (como
empréstimos “ilegais” do Banco Central) para financiar programas sociais, a despeito do
baixo orçamento nacional. Apesar de governos anteriores terem lançado mão de
esquemas financeiros semelhantes, nesse caso a maioria dos políticos aproveitou a
oportunidade para acusar a presidente de “crime de responsabilidade”, uma das condições
formais para o impeachment no Brasil – uma democracia presidencialista.
Uma das principais estratégias midiáticas, que pode ser observada nos editoriais de O
Globo, é a de repetidamente enfatizar a legitimidade e constitucionalidade do
impeachment – uma repetição que acaba por sugerir que poderia haver dúvidas sobre sua
legitimidade, já muito questionada por juristas brasileiros renomados (ver também Carta
Capital, /Intervozes, 16 de abril de 2016).
Por fim, após a aprovação na Câmara, presidida por Eduardo Cunha, e sem o impedimento
da Suprema Corte (que deixou o parlamento decidir – ver também, Feres, 2016), era tarefa
constitucional do Senado julgar a presidente e, com mais do que a necessária maioria de
dois-terços, em 31 de agosto de 2016, o voto pelo impeachment venceu.
Apesar das grandes e constantes manifestações contra ele, e apesar não ser admirado ou
amado por ninguém, o vice-presidente Michel Temer se tornou automaticamente
presidente. Pela esquerda, era visto como um traidor do governo Dilma e também a figura
do que foi, de maneira geral, visto como um golpe contra ela. Todos os opositores ao
impeachment de Dilma chamaram-no de ‘golpista’, assim como seu governo, o
conglomerado Globo, além de outros veículos midiáticos e políticos envolvidos no golpe.
A mídia brasileira é dominada por poucas (umas quatro ou cinco) famílias ricas e
conservadoras cujas empresas detêm o monopólio dos jornais impressos, programas
televisivos e outros serviços. Além do jornal O Globo, há a influente Folha de São Paulo,
lida principalmente pela elite intelectual e empresarial, e o Estado de São
Paulo (chamado de Estadão) que, juntamente com as Organizações Globo, apoiou a
ditadura militar em 1964 – contudo, a Globo reconheceu que seu apoio à ditadura foi um
“erro” (ver Costa, 2015; Magnolo & Pereira, 2016). Por conta de seu papel no
impeachment de Dilma Rousseff, esses jornais foram, de maneira geral, chamados de
‘golpistas’ nos diversos protestos contra o impeachment. A venda desses jornais
relativamente é baixa (entre cerca de 160.000, como O Globo, e 350,000 cópias, como
a Folha) para um país tão grande com mais de 200 milhões de habitantes.
Além desses grandes jornais, existem as revistas semanais, como a Época, das
Organizações Globo, a Isto É e, principalmente, a Veja (cuja venda é superior a 1 milhão
de cópias) e todas participaram da demonização midiática generalizada de Dilma, Lula e
do PT (ver, p.ex., Matos, 2008; Porto, 2012).
É impressionante o fato de um país tão vasto como o Brasil, e com uma forte tradição de
esquerda, não ter um único jornal progressista, como é o caso da Argentina (Página 12)
ou do México (La Jornada), e apenas uma revista semanal progressista, a Carta Capital,
lida pela elite de esquerda (mas cujas vendas não ultrapassam cerca de 75,000 cópias).
Contudo, muitos brasileiros (principalmente os jovens), têm acesso à internet e leem
notícias e opiniões publicadas por veículos alternativos (em 2014, 55% dos brasileiros
tinham acesso à internet e 45% usavam as redes sociais).
Distorcer, selecionar, divulgar opiniões como se fossem fatos não é exercer o jornalismo,
mas, sim, manipular o noticiário cotidiano segundo interesses outros que não os de
informar com veracidade. Se esses recursos são usados para influenciar ou determinar o
resultado de uma eleição configura-se golpe com o objetivo de interferir na vontade
popular. Não se trata aqui do uso da força, mas sim de técnicas de manipulação da opinião
pública. Neste contexto, o uso do conceito “golpe midiático” é perfeitamente
compreensível.
A frase acima resume perfeitamente algumas das conclusões a que cheguei após analisar
os editoriais publicados pelo jornal O Globo.
Grupo Globo
Como será visto adiante, uma das características interessantes dos editoriais do jornal O
Globo em 2016 foi sua reação à cobertura crítica ao impeachment feita pela imprensa
internacional de qualidade, principalmente pelo jornal The Guardian, que chegou a usar
o tempo golpe (ver os blogs Carta Capital, Intervozes, 28/4/2016; Comunidade PT,
12/5/2016).
Como este estudo não tem como principal objetivo contribuir para a teoria da
manipulação, fará apenas um breve resumo do arcabouço teórico aplicado a este artigo,
com base em meu trabalho anterior sobre manipulação e discurso (Van Dijk, 2006), e em
outros trabalhos aos quais fiz referência, mas não comentários, a seguir.
(b) um estudo sociológico da manipulação como forma de interação social e como forma
de abuso de poder e, portanto, um objeto relevante aos Estudos Críticos do Discurso;
3) A maior parte dos estudos psicológicos da manipulação é experimental e com foco nas
várias formas de engano interpessoal na interação e no discurso que, no entanto, não é o
mesmo que manipulação. Tal engano pode ser descrito conforme as várias formas de
violação do Princípio Cooperativo de Grice (1979), ex. por meio de implicações ocultas
(ver, p.ex. McCornack, 1992; e uma versão atualizada em McCornack, Morrison, Paik,
Wisner, & Zhu, 2014; ver também Jacobs, Dawson & Brashers, 1996; Van Swol, Braun
& Malhotra, 2012).
. Itens lexicais parciais (ex. depreciativos) (ver, p.ex., Cheng & Lam, 2012; Li, 2010);
. Granularidade e outros modos de descrição de eventos que podem ser mais ou menos
precisos ou completos, detalhados ou vagos, próximos ou distantes etc. (Bhatia, 2005;
Van Dijk, 2014; Zhang, 2015);
. Storytelling [narração de histórias] (ver, p.ex., Auvinem, Lamsa, Sintonen & Takala,
2013; Van Dijk, 1984);
. Argumentação (Boix, 2007; Ilatov, 1993; Kienpointer, 2005; Nettel & Roque, 2012).
O gênero editorial
Manchetes
Para melhor entendimento dos editoriais, é necessária uma breve análise dos principais
acontecimentos ocorridos nas semanas que antecederam o processo de impeachment,
principalmente porque os editoriais não raro pressupõem conhecimento de tais
acontecimentos e comentam sobre deles. No entanto, tal conhecimento pode derivar não
apenas das notícias a respeito dos principais acontecimentos do dia, mas também, de
maneira mais geral, da cobertura dos mesmos ou de fatos relacionados a eles nas últimas
semanas, ou até meses. Tais notícias foram veiculadas em milhares de matérias, e também
em colunas, reportagens, entrevistas, e outros gêneros – e, portanto, iriam requerer uma
vasta análise epistêmica que vai muito além da abrangência do presente artigo. Portanto,
limitarei minha análise a uma breve descrição das manchetes de todas as principais
matérias de capa publicadas entre os meses de março a abril de 2016, conforme indicado
pelo tamanho e posição da manchete. Por definição, uma das principais funções das
manchetes é exprimir as mais elevadas macroestruturas semânticas da matéria
jornalística, ou seja, seu tema principal (Van Dijk, 1988b). Porém, manchetes também
têm a função de chamar a atenção e podem ser ideologicamente parciais. Por exemplo, se
Lula é acusado de algum ato criminoso, tal fato pode ser colocado em evidência na
manchete mesmo não se tratando do assunto principal. Isso se dá por conta da orientação
ideológica de O Globo, que irá enfatizar os aspectos negativos de seu inimigo ou do
‘grupo externo’ em geral (o PT ou a esquerda etc.).
Quarenta e cinco das 60 principais manchetes publicadas de março e abril de 2016 tinham
como tema Dilma, Lula, PT ou o impeachment de Dilma ou seu governo (um número
impressionante). Apenas no final desse período, após o início do processo de
impeachment na Câmara, algumas das principais manchetes de capa voltaram atenção
para Temer (enquanto presidente interino) e seu governo. Com frequência, mais de uma
matéria de capa tratam de Dilma ou Lula. Mesmo quando nenhum acontecimento
importante relacionado a eles tenha ocorrido, eles podem ser mencionados em manchetes
de matérias de capa menores. Dependendo da interpretação dada a elas (para a qual uma
análise avaliadora detalhada do discurso seria necessária), a maior parte das manchetes
explicitamente acusa ou associa Dilma e/ou Lula a atividades criminosas, geralmente por
meio de acusações da Operação Lava-Jato ou de muitos delatores que assinaram acordo
com a Operação. A seguir, alguns exemplos característicos (MdC significa Manchete de
Capa).
Uma primeira análise mostra que a maioria das manchetes correspondentes às (principais)
notícias publicadas em O Globo durante as duas semanas cruciais antecedentes à votação
na Câmara apresenta Dilma e/ou Lula como participantes ativos ou passivos de
acontecimentos ou atividades ligadas a questões legais ou penais. Ambos são
representados como sendo ativamente envolvidos em algum crime, ou na Operação Lava-
Jato ou, ainda, são acusados de crimes por terceiros. Nas manchetes publicadas mais
tarde, o foco está nos acontecimentos ocorridos na Câmara, até 18 de abril, quando,
detalhadamente, com precisão numérica, os votos da Câmara são noticiados e seguidos
de uma enorme manchete que vai de ponta a ponta da página: PERTO DO FIM. Outras
manchetes de capa, também contendo números, aparecem em 14 de abril, quando os
enormes protestos contra Dilma foram noticiados. Nesse caso, contudo, as principais
notícias da manifestação não ficam limitadas à primeira página; em vez disso, continuam
por nove páginas inteiras, em muitas outras matérias, colunas e fotos. Comentarei a
respeito dessas matérias na análise dos editoriais. Em 19 de março, os manifestantes a
favor de Dilma também estão na capa, juntamente com números, mas nesse caso em uma
comparação negativa com o número de manifestantes contra Dilma para minimizar a
relevância dos pró-Dilma e enfatizar sua menor quantidade de apoiadores. Uma análise
funcional da organização do tópico-comentário e das manchetes, em geral, coloca a Lava-
Jato, delatores, a Polícia Federal (PF) ou o Supremo Tribunal Federal (STF) na posição
de primeiro tema enquanto agentes (em sua maioria) acusadores que colocam Dilma e
Lula em posição focal e de paciente semântico da acusação. Apenas em algumas
manchetes, Dilma ocupa posição focal e de agente, como em situações em que ela é
diretamente acusada de algum ato (negativo) – ex. quando ela possivelmente nomeará
Lula e lhe dará poderes especiais, ou quando ela (ameaça) acabar com o Bolsa Família.
Durante essas semanas (e muitas semanas anteriores, desde 2014), todas as manchetes
transmitiam de maneira geral a informação (repetida, portanto, como a principal
informação no modelo mental do evento na memória dos leitores) de que: (a) Dilma e
Lula (são acusados) de atividades criminosas e (b) que (portanto) Dilma tem de sofrer
impeachment. Também crucial é a ênfase que se dá às repetidas informações negativas
sobre Lula – o que condiz com a atitude de O Globo em relação a ele. A principal intenção
de tal retrato é deslegitimá-lo perante os milhões de brasileiros que costumavam amá-lo
ou adorá-lo. E o elemento mais relevante politicamente é a condenação de Lula por
corrupção (uma empresa supostamente teria pagado uma reforma em seu apartamento),
algo que o impossibilitaria de ser candidato à presidência em 2018 – o que seria uma
ameaça à direita, por que Lula, pelo menos até então, permanecia sendo o político mais
querido/popular(?) do país.
Os Editoriais
Os temas gerais dos editoriais são, como esperado, semelhantes àqueles das principais
matérias do dia ou do dia anterior, como acusações contra Lula, Dilma ou o PT. A seguir,
os principais tópicos dos 18 editoriais (ver Tabela 1):
Lula e Dilma apostam Dilma quer nomear lula como ministro para
17/03/2016
tudo para sobreviver protegê-lo de acusação.
Vale-tudo empurra
Conversa telefônica mostra que Dilma e Lula estão
18/03/2016Dilma e Lula à
obstruindo a justiça.
ilegalidade
O impeachment é uma
As instituições, o parlamento, devem começar o
19/03/2016saída institucional para
processo de impeachment imediatamente.
a crise
A farsa do ‘golpe’
O PT manipula as pessoas com acusação absurda de
30/03/2016construída pelo
‘golpe’.
lulopetismo.
Tentativa desesperada
Depois de o PMDB deixar governo, Dilma marca
31/03/2016com o velho
reuniões para angariar votos contra o impeachment.
fisiologismo
Tempo no impeachment
06/04/2016
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