FACULDADE DE EDUCAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO
Bloco Temático: Educação e Linguagens
Docente: Rosane Vieira
Semestre: 2016.1
Alunos: Maria das Neves de Almeida e Mário Cézar A. de Almeida Bezerra
Atividade proposta: Discussão sobre hermenêuticas filosóficas e educação
“Compreender Gadamer” é um livro que promove a introdução ao pensamento
do filósofo alemão Hans Georg Gadamer (1900-2002), que é considerado um dos nomes mais representativos da filosofia europeia da segunda metade do século XX e início do século XXI. Lawn é professor de Filosofia da Universidade de Limerick, situada na Irlanda, e é autor de diversos trabalhos filosóficos, entre eles “A Filosofia da História da Filosofia”, “Wittgenstein and Gadamer”, “The Gadamer Dictionary”” e “The Blackwell Companion to Hermeneutics”, os dois últimos em parceria com o também professor de Filosofia da Universidade de Limerick, Niall Keane. Gadamer, uma das figuras mais importantes da filosofia europeia contemporânea, é mais conhecido por “Verdade e Método”, obra máxima de sua verve, em que desenvolveu o conceito de "hermenêutica filosófica" - uma maneira programática para chegar ao que fazemos quando nos envolvemos na interpretação (interpretação de textos escritos, formas verbais e não verbais). A palavra hermenêutica pode ser definida como o estudo da compreensão. Hermenêutica tem sua origem na substantivação grega – provinda do termo grego hermeneuein – e têm o sentido de interpretar, trazer a compreensão. Na etimologia, a palavra está ligada ao deus Hermes, que é o deus da oratória. De acordo com a Filosofia, a hermenêutica tem duas vertentes: a epistemológica, 1 com a interpretação de discursos; e a ontológica, com a interpretação da realidade. Assim, hemernêutica significaria o método de interpretação de um discurso (ABBAGNANO, 2012). Parece-nos, assim, que a hermenêutica busca fornecer métodos e técnicas que tem como finalidade recriar o sentido de um texto a partir da interpretação de seu universo vivencial. Para Gadamer, a compreensão não pode ser considerada uma das faculdades do homem, mas sim uma condição prévia para a sua existência enquanto ser inteligente, ou seja, para a sua consciência de que ele próprio e também o mundo existem. Assim, para ele, seu objetivo não é utilizar a hermenêutica para fins práticos, tal como a validação de uma interpretação, mas sim entender como acontece a compreensão, desvendar o que ela tem de transcendental, em que condições ela sobrevém, e qual o seu caráter ontológico. Para ele, a hermenêutica é uma forma de compreender as ciências espirituais através da tradição (GADAMER, 2007). Chris Lawn, em “Compreender Gadamer”, destina aos que estão pouco familiarizados com a filosofia do hermeneuta alemão, uma introdução concisa e, até certo ponto, acessível à vida e à obra de Hans-Georg Gadamer. Uma das qualidades do livro é que ele é relativamente claro e pedagogicamente certeiro, e mesmo sem se constituir num texto simplório, evita simplificações. É, dessa forma, um texto ideal para quem busca se familiarizar com a obra de Gadamer, que é caudalosa por demais, especialmente em “Verdade e Método”. Lawn busca realizar uma descrição clara dos princípios centrais da filosofia de Gadamer, embora em alguns momentos não se furte a uma interpretação mais complexa da hermenêutica gadameriana. O livro de Lawn se propõe a discutir o pensamento de Gadamer destacando conceitos desenvolvidos em seu livro “Verdade e Método”, como exemplo: pré- conceito, tradição e fusão de horizontes. São oito capítulos em que há exposição e análise, não apenas de termos e expressões - muitas vezes aparentemente inescrutáveis para o leitor - mas também discute a influência de Gadamer em outras áreas da filosofia, assim como o debate e as críticas surgidas a partir de “Verdade e Método”. “Verdade e Método” foi publicado em 1960 e é a obra mais importante de Gadamer, mas Lawn não se restringe a análise apenas dessa obra, procurando abordar a obra do filósofo alemão em toda sua abrangência. 2 No livro de Lawn, chamamos atenção para três conceitos que, na obra de Gadamer, reclama ao leitor um exercício intelectual vigoroso, quais sejam os já citados pré-conceito, tradição e fusão de horizontes, “ferramentas” com as quais Gadamer se “arma” para a defesa da pós-modernidade. Lawn especifica que, para Gadamer, “‘fusão de horizontes, é, basicamente, uma inspiração; nunca pode ser totalmente obtida ou finalmente completa” (LAWN, 2010, p.92). Possuir um horizonte é possuir uma perspectiva de mundo. Como a natureza humana é incompleta e está em permanente construção, essa inspiração é incompleta de per si. Em contrapartida, o horizonte do texto que está no passado não é fixo, estando, também permanentemente, aberto para novas possibilidades. A fusão de horizontes (perspectiva de mundo e texto) na forma de uma interação entre o presente e o passado acontece a partir do jogo de perguntas e respostas, cujas possibilidades sempre estão abertas. Nas palavras de Gadamer “a conversação autêntica jamais é aquela que queríamos levar [...]. Em geral é mais correto dizer que desembocamos e até que nos enredamos numa conversação” (GADAMER, 2007, p.497). Uma hermenêutica adequada surgirá de uma conversação aberta entre o intérprete no presente e o texto no passado. É na fusão de horizontes, quando o horizonte do próprio texto se funde com o horizonte do leitor, que o entendimento ocorre em sua forma integral. Uma das características da pós-modernidade é a crítica contundente e até mordaz da Ciência que busca por uma objetividade absoluta, tão desejada pela modernidade na Era da Razão. Esta crítica tem sido bastante abrangente e tem alcançado praticamente toda área do conhecimento. Gadamer se destaca como um dos principais hermeneutas contemporâneos, representante desta corrente. Sua crítica ao modernismo se sustenta pelo fato de a Ciência da sua época reivindicar liberdade plena não só dos preconceitos, mas também de estar presa a qualquer tradição, o que ele definiu como reflexão ingênua.. Em sua obra, Gadamer questiona os fundamentos da modernidade e suas verdades absolutas advindas de métodos racionais “infalíveis”. Para ele, “a razão não é dona de si mesma, está sempre referida ao dado no qual exerce sua ação”(GADAMER, 2007, p. 367). Dessa forma, o método racional - tendo como origem a dúvida sobre o não testado e atestado repetida vezes - não 3 poderia ser eleito como uma forma única de se chegar à verdade. Gadamer não concorda com a Ciência que afirma que “tradição” e “preconceitos” devem se eliminados em nome da verdade confirmada pela repetição e pela verificação advindas dos métodos racionais. Para ele, caso essa seja a única forma de se atingir a verdade, certamente as Ciências Humanas, ou até mesmo a História, jamais podem alcançar a verdade, uma vez que não estão subordinadas a este tipo de procedimento. Não é à toa que Lawn afirma que “Gadamer ridiculariza as idéias de um sujeito controlador: as forças da socialização e aculturação estão em jogo bem antes que qualquer movimento em direção a auto-reflexão seja possível” (LAWN, 2010, p. 158) De qualquer forma, Lawn destaca que Gadamer “quer negar a verdade objetiva [apenas] se isso significa não admitir o posicionamento do sujeito” (LAWN, 2010, p. 159). Gadamer, na verdade, procura chamar a atenção para como o método e o sujeito que o pratica e o elabora podem interferir naquilo que se considera verdade - tanto no âmbito das ciências humanas quanto no das ciências naturais. Por essa razão, leitores iniciantes do hermeneuta alemão, podem concluir que seja inevitável considerar sua hermenêutica como subjetivista. Por exemplo, Lawn lembra a acusação de indeterminação de significado em “Verdade e Método” feita por Hirsh, um crítico literário americano (LAWN, 2010, p.166). Mas o que Gadamer deseja é reafirmar o papel do sujeito e da tradição, assim como também a impossibilidade de uma objetividade radical. Segundo Gadamer, para a compreensão alcançar sua verdadeira possibilidade, é condição sine qua non que as opiniões prévias com as quais inicia não sejam arbitrárias. É necessário que o “intérprete” nunca se dirija diretamente aos textos tendo como ponto de partida a sua opinião prévia, mas, pelo contrário, examine rigorosamente essas opiniões quanto a sua legitimação, ou seja, quanto a sua origem e validade (GADAMER, 2007, p.356), pois o conhecimento de suas limitações emancipa o intérprete da ilusão ingênua de que está inteiramente livre de seus próprios preconceitos. Tal compreensão o capacita a realizar o que almeja com mais objetividade. Embora reconheça a existência de preconceitos legítimos e ilegítimos, Gadamer afirma que “os preconceitos de um indivíduo, muito mais que seus juízos, constituem a 4 realidade histórica de seu ser” (GADAMER, 2007, p. 368). Ainda assim, apesar de sua conceituação não pareça tão evidente, ele acrescenta que “são os preconceitos não percebidos os que, com seu domínio, nos tornam surdos para a coisa de que nos fala a tradição”. (GADAMER, 2007,p. 359 ). A tradição é vista por Gadamer como aquilo que tem validade sem necessitar de fundamentação ou fundamentos racionais, isto é, diferentemente dos costumes, que “são adotados livremente, mas não são criados nem fundados em sua validade por um livre discernimento” (GADAMER, 2007, p.372), a tradição determina costumes e posturas de modo espontâneo, sendo sempre um momento da liberdade e da própria história (GADAMER, 2007, p.373). De acordo ainda com Gadamer “encontramo-nos sempre inseridos na tradição, e essa não é uma inserção objetiva, como se o que a tradição nos diz pudesse ser pensado como estranho ou alheio” (GADAMER,2007, p. 374). A contribuição de Gadamer reside na provocação do debate acerca do papel tradição, acautelando, por assim dizer, o pesquisador da concepção ingênua de que é admissível se colocar acima do próprio mundo em que se está inserido. Assim, o mito da neutralidade desmorona e o “intérprete” percebe sua finitude como ser histórico. Para Gadamer, essa consciência hermenêutica é o que permitirá ao intérprete realizar um trabalho apropriado em sua interpretação. Em relação ao método, queremos destacar sua pertinência para a hermenêutica gadameriana. Lawn salienta que para Gadamer o método chega a ser uma “obstrução da verdade”, afirmando ainda que em Gadamer “um encontro básico e fundamental é perdido quando recorremos à dependência do método” (LAWN, 2010, p.84).
R EFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
2012. 1026 p. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I. 8. ed. Trad. de 5 Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 2007. 631 p. LAWN, Chris. “Compreender Gadamar”. 2. ed. Trad. de Hélio Magri Filho. Petrópolis: Vozes, 2010. 208 p.