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A proposta da mesa subentendia uma pergunta. Aquilo que ela colocava como
assertiva – os futuros possíveis para o Docomomo no século 21 – não é algo que
tenha uma condição fixa e definida. Nenhum de nós sabe como é o futuro, e
rigorosamente falando, sequer podemos dizer, como humanos, que ele existirá para
todos nós. O futuro é sempre uma pergunta, a qual respondemos com conjeturas,
com hipóteses, com imaginação. Também respondemos a essa pergunta, sobre como
será o futuro, com desejos, planos e estratégias. E ainda, com alguma esperança
de moldar esse futuro, ou seja, de poder controlá-lo, mesmo que essa seja,
talvez, mais uma das expectativas mais ou menos ilusórias, em que nós humanos
costumamos confiar.
Só que não foi assim. Os frontões não duraram muito. Afinal, parece que tiveram
muito maior relevância, nas últimas décadas, as obras produzidas por arquitetos
modernos que mostraram continuidades com relação ao legado moderno, ou obras de
novas gerações de arquitetos que descobriram afinidades com a tradição moderna.
Apenas para colocar um exemplo, podemos comparar dois edifícios de certo modo
contemporâneos, como o nova-iorquino AT&T Building de Philip Johnson e John
Burgee, de 1984, e o paulistano MuBE, de Paulo Mendes da Rocha, cujo projeto se
inicia em 1986, mas diversos em sua relação com o legado moderno, e em sua
repercussão sobre as linhas de frente da produção arquitetônica culta, nas
primeiras décadas do século 21. Num certo sentido, nós podemos dizer que a
arquitetura contemporânea reabilitou a arquitetura moderna.
Philip Johnson e John Burgee, AT&T Building, New York, 1984 Foto David Shankbone
Imagem divuilgação [Wikimedia Commons]
Há uma outra coisa que é preciso dizer sobre o contexto de surgimento do Docomomo,
tanto na geografia europeia, quanto na nossa, americana. Ele responde ao
incremento da pesquisa sobre a arquitetura moderna, nos anos oitenta. No caso
brasileiro, isso fica patente na excelente coletânea Textos fundamentais sobre
história da arquitetura moderna brasileira, organizada por Abilio Guerra em
2010, onde há uma importante concentração de textos da década de oitenta e
noventa, produzidos por autores como Sophia Telles (1983), Carlos Eduardo Dias
Comas (1987), Ruth Verde Zein (1987), Lauro Cavalcanti (1987), Margareth da
Silva Pereira (1990), Carlos Alberto Ferreira Martins (1992), Renato Anelli
(1992), Hugo Segawa (1997), entre outros (7).
O pavilhão de Mies serve para fechar esse ponto, e também ajuda a colocar o
ponto seguinte. Moramos durante quatro anos em Barcelona, entre 1997 e 2001, bem
perto do pavilhão reconstruído. Quando levávamos nossos visitantes não
arquitetos para o passeio no Montjuïc, eles não se surpreendiam com o pavilhão
de Mies, do mesmo modo que se haviam surpreendido com o casco antigo de Barcelona,
ou com a arquitetura de Gaudi no Passeig de Gracia. Mas ficavam muito
impressionados quando dizíamos que o pavilhão tinha sido desenhado por Mies em
1929. Acho que isso mostra duas coisas. Uma, que um público leigo em arquitetura,
porém, muitas vezes, bastante bem informado em outras áreas, não está
necessariamente familiarizado com os valores formais da arquitetura moderna, do
mesmo modo em que ele está preparado para aceitar o que é antigo como bom. É
muito mais fácil convencer alguém de que alguma arquitetura velha, e qualquer
arquitetura velha, merece ser preservada, do que convencer alguém do interesse
de uma arquitetura que tem valor artístico, mas que é moderna. Não apenas entre
o público leigo; também entre os arquitetos. A quantidade de trabalhos finais
de graduação que envolvem a preservação de edifícios construídos, nos mais
variados estados de conservação e condições de relevância, deveria ser
suficiente para provar esse ponto. Duas, o pavilhão é um edifício plausível em
termos contemporâneos. Ele de fato poderia ter sido idealizado e construído
hoje.
Mies van der Rohe, Pavilhão de Barcelona (1929), reconstruído em 1986
Foto Cláudia Costa Cabral
notas
1
Agradeço o convite da comissão organizadora do 5º Seminário Docomomo São Paulo,
coordenada por Ruth Verde Zein, para compor a mesa.
2
“O passado é, por definição, um dado que nada mais modificará, mas o conhecimento do
passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa.”
BLOCH, Marc. Apologia da História, ou o Ofício de Historiador. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar, 2001, p. 75.
3
Docomomo International. <https://www.docomomo.com/>
4
Eindhoven Statement, 1990. A declaração foi atualizada em 2014, em Seoul, e
substituída pela Declaração de Eindhoven-Seoul. Ver: Eindhoven-Seoul Statement 2014.
Disponível in <https://www.docomomo.com/>
5
VATTIMO, Gianni. El fin de la modernidad. Nihilismo y hermenéutica en la cultura
posmoderna. Barcelona, Gedisa, 1997, p. 14.
6
JAMESON, Frederic. El pós-modernismo o la lógica cultural del capitalismo avanzado.
Barcelona, Paidós, 1991, p. 9.
7
GUERRA, Abilio (Org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura brasileira
- parte 1. São Paulo, Romano Guerra, 2010; GUERRA, Abilio (Org.). Textos fundamentais
sobre história da arquitetura brasileira - parte 2. São Paulo, Romano Guerra,
2010. Entre os livros, cabe citar: FICHER, Sylvia; ACAYABA, Marlene. Arquitetura
moderna brasileira, São Paulo, Projeto, 1982; PEREIRA, Margareth da Silva; PEREIRA,
Romão; SANTOS, Cecilia Rodrigues dos; SILVA, Vasco Caldeira da; Le Corbusier e o
Brasil. São Paulo, Tessela, 1987; SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil, 1900-1990.
São Paulo, Edusp, 1998.
8
BRITTO, Alfredo. Pedregulho. O sonho pioneiro da habitação popular no Brasil. Rio de
Janeiro, Edições de Janeiro, 2015.
9
Para uma descrição completa das etapas e procedimentos de restauro ver: BRITTO,
Alfredo. Um caminho sinuoso. In BRITTO, Alfredo. Op. cit., p. 94-129. Ver também:
NASCIMENTO, Flávia Brito do. A restauração do Conjunto Residencial do Pedregulho:
trajetória da arquitetura moderna e o desafio contemporâneo. Revista CPC, n. 22
especial, São Paulo, abr. 2017, p. 138-175. Disponível in
<http://dx.doi.org/10.11606/issn.1980-4466.v0iesp22p138-175>.
10
Ver especialmente: LEMOS, Renato. Pedregulho: uma paisagem humana. In BRITTO,
Alfredo. Op. cit., p. 140-157.
11
NIEMEYER, Oscar. Problemas atuais da arquitetura brasileira. Módulo, n. 3, Rio de
Janeiro, dez. 1955, p. 18-22.
sobre a autora
Arquiteta (UFRGS, 1983), Doutora em Arquitetura (Universitat Politècnica de
Catalunya, 2002), Professora, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Entre suas
publicações recentes destacam-se “Niemeyer and the Portuguese Landscape: Notes on
the Algarve, 1965”, OASE, Journal for Architecture, 98 (2017); “Usos do primitivismo.
Pedra, barro e arquitetura moderna,” PÓS 43 (2017).