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POLÍTicas PÚBLicas:
REFLEXÕES ACAdÊMICAS SoBRE o
dESENVoLVIMENTo SoCIAL E o CoMBATE À FoME
2. transferência de Renda
5. inclusão produtiva
Presidenta da República Federativa do Brasil
Dilma Rousseff
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Tereza Campello
Secretário Executivo
Marcelo Cardona
Expediente: Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. SECRETÁRIO
DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Paulo de Martino Jannuzzi; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO:
Júnia Valéria Quiroga da Cunha; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MONITORAMENTO: Marconi Fernandes de
Sousa; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Caio Nakashima; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE
FORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO: Patricia Augusta Ferreira Vilas Boas.
Transferência
de renda
© Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Este livro apresenta, em cinco volumes, um conjunto de artigos elaborados com base na
experiência de construção e resultados do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq n.º 36/2010.
ISBN: 978-85-60700-68-4
108p.
CDU 304(81)
Abril de 2014
Organizadores
Júnia Valéria Quiroga da Cunha
Alexandro Rodrigues Pinto
Renata Mirandola Bichir
Renato Francisco dos Santos de Paula
Agradecimentos
Os organizadores agradecem aos especialistas que se dispuseram a parti-
cipar como comentaristas nas oficinas de acompanhamento dos projetos.
Gratidão especial também aos pareceristas, que dispuseram de seu tempo
e experiência para contribuir com os autores dos artigos seguem lista-
dos, respeitando a opção daqueles que não autorizaram a publicação de
seu nome.
Pareceristas
Alberto Albino dos Santos Lucélia Luiz Pereira
Alcides Fernando Gussi Luciana Maria de Moura Ramos
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Aldaíza Sposati Luís Otávio Pires Farias
Alexandro Rodrigues Pinto Luiz Rafael Palmier
Ana Maria Segall Corrêa Marconi Fernandes de Sousa
Andrea Butto Marcos Costa Lima
Antonio Eduardo Rodríguez Ibarra Mariana Helcias Côrtes
Bruno Barreto Mariana López Matias
Carla Cristina Enes Marina Pereira Novo
Crispim Moreira Marta Arretche
Daniela Sherring Siqueira Marta Battaglia Custódio
Dirce Koga Milena Bendazzoli Simões
Eduardo Cesar Leão Marques Neuma Figueiredo de Aguiar
Eduardo Salomão Condé Onaur Ruano
Elizabete Ana Bonavigo Paula Montanger
Elza Maria Franco Braga Paulo de Martino Jannuzzi
Fabio Veras Soares Pedro Antônio Bavaresco
Fátima Valéria Ferreira de Souza Pedro Israel Cabral de Lira
Fernanda Pereira de Paula Rafael Guerreiro Osorio
Frederico Luiz Barbosa de Melo Renata Mirandola Bichir
Haroldo Torres Renato Francisco dos Santos de Paula
Igor da Costa Arsky Rodrigo Constante Martins
Jeni Vaitsman Rômulo Paes de Sousa
Juliana Picoli Agatte Sergei Suarez Dillon Soares
Júlio César Borges Silvia Maria Voci
Júnia Valéria Quiroga da Cunha Simone Amaro dos Santos
Kyara Michelline França Nascimento Simone de Araújo Góes Assis
Leonor Maria Pacheco Santos Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade
Letícia Bartholo Walquiria Leão Rego
Transferência de Renda
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
Talvez tenha sido este ambiente de crítica e acompanhamento constante por parte
da sociedade um dos fatores mais importantes para a evolução do Bolsa Família.
Em relação à transferência de renda, o Programa reajustou suas linhas de entrada
em 2006 e 2009. Instituiu, em 2010, a chamada regra de permanência, que pos- 11
sibilita a manutenção das famílias no Programa pelo prazo mínimo de dois anos,
ainda que sua renda mensal per capita varie acima dos R$ 140,00 definidos para
entrada no Programa, até o limite máximo de ½ salário mínimo. Com essa medida,
objetivou-se fornecer alguma segurança às famílias pobres que conseguem aces-
sar condições para melhorar seu rendimento monetário.
Inicialmente, o benefício foi voltado para famílias nesta situação que tinham em sua
composição crianças entre 0 e 6 anos, como parte integrante das iniciativas da Ação
Brasil Carinhoso3. Ainda em 2012, esse benefício foi estendido para famílias com
crianças e adolescentes com idade de até 15 anos e, no início de 2013, o benefí-
cio alcançou as famílias beneficiárias independentemente da presença de crianças.
Dessa maneira, houve um forte aumento no orçamento de benefícios do Programa
(que saltou de R$ 15 bilhões em 2010 para praticamente R$ 24 bilhões em 2013),
voltado para famílias em situação de extrema pobreza. De maneira sucinta, a trajetó-
ria do PBF em sua dimensão principal, de transferência de renda, logrou em manter o
poder aquisitivo dos valores de seus benefícios financeiros, ampliou o investimento
nas crianças – parcela da população sobre representada na pobreza – e garantiu,
às famílias pobres, a segurança para que procurem oportunidades de engajamento
produtivo sem o risco de não mais poder contar com o Programa.
Não há evidência de que o programa tenha tido qualquer impacto sobre a fecundi-
dade das mulheres, aumentando seu número de filhos. Estudos como os de Signo- 13
rini e Queiroz (2011) apontam, ao contrário, que o impacto observado sobre a fe-
cundidade, de pequena magnitude, é negativo. Nesse aspecto, a AIBF evidenciou
aumento no do uso de métodos contraceptivos pelas beneficiárias do Programa, o
que pode derivar da ampliação da capacidade feminina de tomada de decisão so-
bre sua vida reprodutiva. Há ainda, nesta pesquisa, outros indicativos de aumento
do poder decisório das mulheres no domicílio.
A despeito dos bons resultados, o PBF é um programa jovem, que não pode pres-
cindir de aprimoramento, a fim de fazer frente a novos desafios, muitos deles
derivados de sua própria estruturação. Sem dúvida, a capacitação de gestores e
técnicos locais, a promoção da intersetorialidade e o fortalecimento dos meca-
nismos de apoio à gestão descentralizada são aspectos ainda desafiadores, cujo
atingimento tende a reforçar o percurso exitoso do Programa. Os textos seguintes,
na medida em que explicitam lacunas e necessidades de melhorias na gestão do
PBF, contribuem nessa direção.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Assim, tem-se no texto de Veloso o reconhecimento da importância do Cadastro
Único como tecnologia social propiciadora de ações mais efetivas no enfrenta-
mento da pobreza. O autor ressalta o contexto de crescente associação entre tec-
nologia e política pública, no qual a gestão social e a gestão da informação passam
a caminhar juntas. Nesse cenário, refere-se ao CadÚnico como instrumento tecno-
lógico que contribui para ampliação do exercício de direitos sociais e a consolida-
ção da cidadania. No entanto, Veloso também explicita a insatisfação dos usuários
do CadÚnico com as limitações da utilização gerencial das informações cadastrais,
para fins de planejamento e implementação de políticas públicas.
Em 2012, porém, o MDS atenuou esta insuficiência da nova versão, por meio da implan-
tação do sistema de Consulta e Extração de Dados do Cadastro Único (CECAD). O CECAD,
hoje acessível a todos os gestores municipais e estaduais do CadÚnico e da Assistên-
cia Social, permite compor relatórios a partir de diversas variáveis do Cadastro Único e
extrair relação identificada das famílias com base em características definidas. No en-
tanto, a solução estrutural ainda está em desenvolvimento e baseia-se na implantação
de ferramenta de Business Inteligence, que permitirá consulta e extração de relatórios
pré-formatados e parametrizados pelos gestores e técnicos dos três níveis da federação.
sa Família e do Cadastro Único: somente entre 2010 e 2012, foram formados mais
de 20 mil entrevistadores e 12.000 operadores do Sistema de Cadastro Único
em todos os municípios brasileiros. Em decorrência da rotatividade de técnicos
municipais que trabalham com o tema, tal como dos aprimoramentos do Cadastro
Único, essas capacitações são continuamente ofertadas.
Vale lembrar, contudo, que a proteção social brasileira edificou-se, por séculos, sobre
uma perspectiva conservadora e restritiva de direitos: aos cidadãos, produtivos e contri-
buintes, a garantia do seguro social; aos pobres ou incapazes, o locus da caridade e do
voluntarismo. Ainda que esse itinerário tenha sido rompido em direção à maior abran-
gência da proteção social, que tem na Constituição de 1988 um marco e no Bolsa Famí-
lia um dos pilares de sua concretização, romper esse constructo conservador absorvido
culturalmente é, e certamente será por mais algumas décadas, um dos maiores desafios
não somente do Bolsa Família, mas do Estado e da sociedade brasileira.
Assim, não só pela importância de contar com informações que permitam acom-
panhar o acesso dos beneficiários do PBF a seus direitos, mas também de conse-
guir avaliar a adequação de oferta de serviços, é importante garantir o envio dos
registros de acompanhamento de condicionalidades pelos municípios. É o que o
Governo Federal busca estimular por meio do Índice de Gestão Descentralizada
Municipal (IGD-M), ao vincular o montante de recursos repassados à gestão local
também ao grau de informação sobre acompanhamento de condicionalidades.
De todo modo, dissensos são parte da construção das políticas públicas e, felizmente,
o Bolsa Família tem provocado diversas pesquisas e reflexões contributivas para o
bom debate sobre seu aprimoramento, tal como os estudos que compõem esta seção.
REFERÊNCIAS
GLEWWE, P.; KASSOUF, A. L. The Impact of the Bolsa Escola/Familia Conditional Cash
Transfer Program on Enrollment, Grade Promotion and Dropout Rates in Brazil.
ANPEC - Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia, 2008.
SIGNORINI, B.; QUEIROZ, B. (2011). The impact of Bolsa Familia on beneficiaries’ fer-
tility. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar. (Texto para Discussão no. 439). Disponível em:
<http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20439.pdf>.
17
SUMÁRIO
e o Combate
e o Combate à Fome
à Fome
2.
o Desenvolvimento
CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO: 40
Desafios à gestão do Programa Bolsa Família
em municípios paraibanos
Transferência de Renda
19
pRoGRama bolsa Família e o sistema único
de sÁUde: desaFios da implementação das
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
condicionalidades em Um mUnicípio de
GRande poRte
O Programa Bolsa Família (PBF), criado 2003, por meio da Lei n. 10.836, de 9 de
janeiro de 2004, tem como objetivo instituir um programa nacional de transfe-
rência de renda para as famílias pobres. Este Programa exige como contrapartida
que as famílias beneficiárias mantenham vínculos de adesão à escola e unidades
de saúde como uma estratégia de melhorar o acesso aos direitos sociais básicos.
Busca-se aqui identificar como o setor saúde do município do Rio de Janeiro vem
se comportando diante das requisições postas pelo PBF em termos da criação de
estratégias gerenciais e da organização dos serviços de atenção básica para de-
senvolver as ações relativas às condicionalidades da saúde.
1 Este artigo é parte dos resultados da pesquisa Programa Bolsa Família: um estudo avaliativo
da implementação das condicionalidades da saúde em um município de grande porte, financiado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico em parceria com o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate a Fome (Edital MCT/CNPq/MDS-SAGi nº36/2010 - Estudos e Avaliação das
Ações do Desenvolvimento Social e Combate à Fome).
exige um mínimo de coordenação intersetorial. A complexidade do desenvolvi-
mento de políticas públicas e sociais no Rio de Janeiro também se traduz no fato
deste município ter mais de um milhão de seus habitantes residindo nas 1020
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome favelas. A renda per capita no município é de 596,65 reais, com um percentual de
miseráveis de 14,572, índice menor do que o apresentado pelo estado do Rio de
Janeiro que é de 19,45% (IBGE, 2000).
2 Considerando-se R$ 80,00 por pessoa ao mês em julho de 2001 (PNUD/IPEA/Fundação João Pinheiro/
IBGE, 2003.
3 Podem-se citar algumas favelas como: Barro Preto, Vila Cabuçu, Barro Vermelho, Morro do
Encontro, Morro do São João, Morro da Matriz, Morro dos Macacos, Pau da Bandeira, Parque Vila Izabel,
Alto Simão, Favela do Metro, Morro Andaraí, Morro Jamelão, Morro da Cruz, dentre outras.
4 O termo ‘tradicional’é usado apenas para diferenciar das unidades que trabalham na lógica
da Estratégia saúde da Família.
Não há dúvida, portanto, que tais questões dependem de vários fatores que se
complementam, tais como: capacidade de indução dos níveis supranacionais para
proceder à necessária reorganização dos serviços; capacitação dos profissionais
envolvidos; grau adequado de coordenação intersetorial; amadurecimento das
relações intergovernamentais, capacidade institucional e política do nível local,
controle social, dentre outras questões.
6 O programa Cartão Família Carioca, criado pela prefeitura municipal do Rio de Janeiro, tem
por objetivo retirar da linha da pobreza cerca de 100 mil famílias beneficiárias do programa federal
Bolsa Família residentes na cidade do RJ, que vivem atualmente com menos de R$ 108 por mês por pessoa.
Os valores a serem recebidos variam de acordo com a renda per capita e o número de beneficiários por
domicílio. Para receber o complemento, é exigido das famílias que cada criança em idade escolar mantenha
frequência mínima de 90% nas aulas, além da participação de pelo menos um dos responsáveis nas
reuniões bimestrais da escola. Os alunos que melhorarem seu desempenho escolar ao longo do bimestre
receberão um bônus de R$50 (até R$ 200 por ano). O Programa Renda Melhor é parte integrante do Plano
de Erradicação da Pobreza Extrema no estado do Rio de Janeiro e tem como objetivo assistir com benefício
financeiro as famílias que vivem com menos de R$ 100 per capita por mês. O auxílio varia de R$30 a R$300, de
acordo com a renda e as características de cada família e está sendo implantado em vários municípios do
estado do Rio de Janeiro.
Contudo, é exatamente em razão do reconhecimento da sustentabilidade dos pro-
gramas de transferência condicionada de renda entre nós que o debate sobre a
cidadania não pode ser secundarizado, senão recolocado, como sempre o foi, no
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome centro do debate da política social. Os termos desse debate devem passar ne-
cessariamente pelo dimensionamento da capacidade política e social que o PBF
vem alcançando para contribuir na dinâmica de inserção da população pobre no
circuito de produção, de serviços sociais e nos processos de sociabilidade e deci-
são política.
Do ponto da vista da inserção nos serviços sociais, há vários desafios que passam
tanto pela sabida desigualdade de acesso e de atendimento às necessidades de
saúde da população no SUS, quanto pela complexidade da gestão intersetorial das
condicionalidades previstas no desenho do Programa Bolsa Família.
De igual modo, sabe-se que no Brasil a mortalidade infantil está diretamente rela-
cionada ao acesso ao emprego, à renda das famílias, ao local de moradia, ao nível
de escolaridade da mãe, isto é, à situação social da família (BUSS, 2007). Assim,
Transferência de Renda
não se pode desconsiderar que a política universal de saúde - o SUS -, tal como
implementada hoje, expõe a parcela mais pobre da população às situações de
discriminação e desvantagem no acesso aos serviços (FLEURY, 2007).
A cobrança de condicionalidades já está prevista desde a lei de criação do PBF (Lei n.°
10.836, de 09 de janeiro de 2004), mas a normalização da gestão das condicionalidades
está traduzida, basicamente, em duas Portarias – uma de 2005 e outra de 2008 – as
quais demarcam momentos diferentes do itinerário de implementação do Bolsa Família.
Em novembro de 2005, o MDS publica a Portaria N.° 551 que regula a gestão e
controle das condicionalidades, estabelecendo principalmente as sanções aplicá-
veis às famílias que não cumprirem as contrapartidas do Programa. A observação
atenta da conjuntura autoriza cogitar que uma das razões que motivou a publica-
ção dessa Portaria foi a massiva divulgação, pela mídia, de inúmeras críticas ao
PBF, notadamente a falta de controle do cumprimento das condicionalidades.
Em 2008 é publicada uma nova Portaria (GM/MDS N.° 321/2008) com o mesmo
objetivo, revogando a anterior, de 2005. Na apresentação desta Portaria, já perce-
bemos mudanças significativas no intuito de rever a perspectiva punitiva atribuída
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome às condicionalidades e fortalecer uma concepção mais educativa. Nos parágrafos
de introdução da Portaria é dada uma nova conotação às condicionalidades, não
sendo essas destacadas somente como contrapartida da família para recebimen-
to do benefício. De fato, há na Portaria N.° 321/2008 uma flexibilização da idéia
de co-responsabilidade das famílias, visto, claro, a patente fragilidade e falta de
efetividade de nosso sistema de proteção social. Embora mantenha o sistema de
sanção progressiva, as condicionalidades são, nesta legislação de 2008, enfatica-
mente apresentadas como possibilidades de:
Resultado
O Programa Bolsa Família foi implantado no município do Rio de Janeiro em 2004
estando, desde o início, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência
Social (SMAS). A gestão intersetorial apresenta-se ainda pouco estruturada haven-
do indefinição em termos de canais institucionais para o diálogo. A interface entre
a assistência social e a saúde vem ocorrendo, principalmente, por meio de um
profissional da SMAS que tem a delegação de acompanhar o PBF junto à Secretaria
Transferência de Renda
7 Estudo de caso do município de Niterói – RJ realizado por Monnerat (2009) detecta os mesmos
resultados para o caso do Rio de Janeiro.
por isso, impôs urgência em sua execução8. É certo que a impressionante velocidade
de implementação do Bolsa Família adicionou outros dilemas à já complexa opera-
cionalização descentralizada de programas e políticas sociais no país.
8 Não é à toa que, em 2006, após exatos três anos e três meses de funcionamento, o PBF já havia
atingido a sua meta, qual seja: a de atender 11 milhões de famílias. Em outubro de 2011, o número total de
famílias beneficiárias já estava em torno de 13.171.810.
Este cenário ajuda a compreender a debilidade do processo de implementação
do Bolsa Família na cidade, assim como a persistência da insuficiência de infor-
mação para conduzir o acompanhamento das famílias beneficiárias e a agenda de
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
compromissos prevista no Programa. A ausência de formulação de uma política de
capacitação continuada é um dos reflexos da especificidade da gestão do PBF no
nível local.
“A gente nunca foi treinado. Costuma ter uma reunião pra falar
sobre a estatística, sobre as metas, mas esse ano ainda nem
teve. E aí, nessas reuniões, é sempre pinçada alguma coisa”.
(Entrevista 8 - Profissional de Saúde UBS)
“Isso foi uma coisa que a gente suou pra acabar. Porque pra
qualquer unidade de saúde o dono do Bolsa Família era o
assistente social, né? Só que, é o que eu explico pra eles,
eu não sou assistente social, mas desde que começou eu
estou. Por quê? Porque são condicionalidades da saúde. Não
é condicionalidades do assistente social. É da saúde. Então,
são pessoas da saúde que vão olhar aquela família e cuidar
daquela família. E, por um acaso, aquela família faz parte do
Bolsa Família. Certo? Então, a explicação que foi sempre dada
a eles foi essa”. (Entrevista 2 – Gestor Saúde)
Interessante notar que o Sistema Único de Saúde (SUS) passa a requisitar que os
assistentes sociais assumam a função de agente executor das condicionalidades
do Bolsa Família numa possível alusão à compreensão de que as ações deste Pro-
grama ‘fogem’ ao objeto específico da saúde. Tal questão é evidência inequívoca
de que a concepção ampliada de saúde e o desenvolvimento de práticas baseadas
na integralidade ainda são dilemas cruciais para a política de saúde.
Na esteira desta trajetória, parece, então, que a implantação do Bolsa Família pro-
31
piciou resistências e estranhamentos que podem estar relacionados, dentre outras Programa Bolsa
coisas, ao fato de o setor saúde ter que desenvolver um programa que, embora Família e o Sistema
tenha desenho intersetorial, não vem do Ministério da Saúde ou das correspon- Único de Sáude:
dentes secretarias estaduais e municipais. Ademais, pode-se cotejar a hipótese desafios da
implementação das
de que a utilização de critérios sociais e não de saúde (ou doença?) estrito senso
condicionalidades
para a seleção do público do PBF é algo que de alguma forma contribui para a
em um município de
conformação da centralidade do assistente social na equipe de acompanhamento grande porte
das famílias beneficiárias do PBF na saúde.
De modo geral, os gestores dos Centros Municipais de Saúde do R.J, onde o profis-
sional de Serviço Social ocupa lugar central na operacionalização do PBF, mostram
forte preocupação com a possibilidade de perda ou diminuição do número de pro-
fissionais do quadro funcional das unidades de saúde, sejam por aposentadorias,
licenças de diversas naturezas ou o retorno dos assistentes sociais para a Secreta-
ria Municipal de Assistência Social (SMAS), órgão de lotação destes profissionais.
Sobre este ponto, cabe ressaltar que em 2001 foi criado o Sistema Municipal de
Assistência Social (SIMAS) que se caracteriza por um conjunto integrado e descen-
tralizado de todas as ações e programas no âmbito da assistência social. A lei nº
3.343 de 28 de setembro de 2001 subordina ao SIMAS os mecanismos de lotação
de pessoal e a realização de concursos para os assistentes sociais e demais agen-
tes do sistema e de servidores de apoio.
11 Vale dizer que as unidades não têm usado extensivamente a convocação por aerograma
por ser, de acordo com um gestor do PBF na saúde, de alto custo para o município. Embora considerado
um ponto conflituoso no processo de concertação intersetorial do PBF, um dos gestores aponta a
possibilidade de usar parte dos recursos do IGD para a compra de aerograma. Entretanto, no momento da
pesquisa, a ausência de reuniões do Comitê Intergestor dificultava o encaminhamento da referida questão.
depoimentos dos profissionais das equipes de Saúde da Família, o que talvez possa
ser justificado pela fraca tradição e especificidades deste programa no município.
Nesta mesma linha de entendimento, registra-se que parte significativa dos pro-
fissionais corresponsabiliza a família pela dificuldade de captação para o aten-
dimento da agenda de compromissos. Aqui, prevalece a concepção de que esta
dificuldade é externa ao setor saúde, condição que inviabiliza a reflexão sobre o
impacto da qualidade da atenção sobre os índices de cobertura das condicionali-
dades da saúde no município.
Transferência de Renda
No entanto, esta não é uma concepção homogênea dado que se verifica outro tipo
de visão, então vejamos:
12 Cabe ressaltar que não foi possível ter acesso aos dados consolidados de cobertura
discriminados por unidade, dificultando assim o dimensionamento entre os diferentes modelos
assistenciais.
cabendo lembrar que a implementação da Estratégia de Saúde da Família no mu-
nicípio é recente, pouco consolidada e vem passando por mudanças substantivas
em termos quantitativos e qualitativos.13
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada não deixa dúvida quanto aos desafios experimentados pelas
unidades de saúde para atender as requisições do PBF. Ao contrário do que se
esperava, a Estratégia Saúde da Família - que trabalha com famílias cadastradas e
acompanhadas por equipes específicas - também apresenta importante grau de
dificuldade, se comparada aos Centros de Saúde, para incluir as famílias do Bolsa
Família na rotina de atendimento. De fato, esta não é uma tarefa fácil e tampouco
funciona como previsto na formulação do Programa.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde
(CNDSS). As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil. Relatório final. Abril
de 2008. Disponível em: <www.determinantes.fiocruz.br>. Acesso em: 20/10/11.
BUSS, P. M. Globalização, pobreza e saúde. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12,
n.6, dez. 2007.
O programa tem sido objeto de análises quanto aos seus mais diversos aspectos,
como sua relação com a redução da pobreza, da desigualdade e da fome (ROCHA,
2008; SOARES et.al., 2006; HALL, 2004; MENDONÇA, 2005), com o mercado de
trabalho (BRITO & KERSTENETZKY, 2011), ou mesmo a sua sustentabilidade (BI-
CHIR, 2010; SILVA, 2007). A literatura acadêmica recente revela uma relativa falta
de consenso em relação ao programa, seus impactos, e em relação ao debate em
torno do caráter universal de acesso a direitos e sua natureza focalizada e condi-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome cional, o que leva à divisão de opiniões sobre os pressupostos e conseqüências de
suas condicionalidades para a concessão de benefícios (MONNERAT et.al., 2007;
MEDEIROS et.al., 2007a, 2007b e 2008). Independentemente dos questionamen-
tos sobre a eficácia/relevância das condicionalidades do programa, a importância
de se compreender de forma detalhada como elas são aplicadas e geridas parece
evidente, apesar de ainda serem escassos os estudos que revelem as dinâmicas
locais de implementação desta política.
recentemente, por uma mudança ainda pouco analisada pelos estudos acadêmi-
cos. Ela diz respeito a uma mudança nas atribuições/responsabilidades do gestor
municipal, a partir da publicação da Resolução nº7, de 10 de setembro de 2009
do MDS, que implicou no aumento do poder de decisão do gestor, no sentido de
aliviar ou reforçar os efeitos do descumprimento sobre o recebimento do bene-
ficio. Ou seja, o aumento do poder de decisão do gestor adiciona um aspecto im-
portante e ainda pouco conhecido sobre a dinâmica de efetivação desta política,
o que inspirou a realização da pesquisa.
Com esse recorte analítico o presente estudo pretende revelar e ajudar a compre-
ender aspectos do Programa Bolsa Família ainda pouco abordados na literatura
recente sobre o tema, e com isso, contribuir para a ampliação do conhecimento
atualmente existente acerca das relações estabelecidas entre atores federais e
municipais na efetivação de uma política pública de abrangência nacional.
MÉTODO
O estudo envolveu uma análise documental - documentação oficial (leis, porta-
rias, resoluções, instruções, protocolos, relatórios e estatísticas) produzida pelo
ente federal responsável pelo Programa (Ministério do Desenvolvimento Social
Transferência de Renda
2 O critério ‘porte do município’ tem sido amplamente utilizado nas pesquisas conduzidas
pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação SAGI/MDS e, como confirmamos em nossa pesquisa,
constitui-se numa estratégia metodológica valiosa quando se deseja salvaguardar especificidades entre
grupos de municípios e aprofundar uma análise mais qualitativa dentro desses subgrupos.
Tabela1 – Amostra de municípios pesquisa
Município Mesorregião Porte População
Bayeux 2
Mata Paraibana Médio 99.716
João
Sim 4 1 8 4 4
Pessoa
Campina
Sim 3 1 5 2 2
Grande
Sumé Sim 0 0 1 1 1
Lucena Sim 1 0 1 1 1
Sousa Sim 2 1 1 1 1
Guarabira Sim 1 1 2 1 1
Bayeux Sim 1 1 3 1 1 45
TOTAL 07 12 5 21 11 11
O município de Bayeux possui três CRAS e foi selecionado para participar da pes-
quisa o CRAS com maior número de famílias referenciadas no município;A pesqui-
sa foi planejada em três etapas.
A primeira etapa envolveu: uma revisão crítica da literatura recente nos seguin-
tes campos: políticas públicas, programas sociais, programas de transferência de
renda; Revisão da legislação que institui e regulamenta o Programa Bolsa Família
(PBF), assim como a documentação oficial específica que dispõe sobre os diversos
aspectos envolvidos na implementação dessa política (atribuições, responsabili-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome dades e competências do diversos atores envolvidos, diretrizes, critérios, medidas
e ações práticas envolvidas, mudanças nos serviços e benefícios do programa,
etc.); levantamento de dados gerais, nas principais bases de dados eletrônicas re-
lacionadas ao PBF (ex.: Matriz de Informação Social do MDS), sobre a cobertura
e perfil do público alvo do programa nos municípios que compõem a amostra;
agendamento das visitas dos pesquisadores junto aos responsáveis pelo PBF nos
municípios; elaboração e teste dos instrumentos de coleta de dados; início do tra-
balho de coleta de dados nos municípios (visitas dos pesquisadores e realização
de entrevistas);
RESULTADO E DISCUSSÃO
Nessa seção apresentamos alguns dos principais resultados alcançados com a
pesquisa, organizados por grupos de municípios divididos por porte (ver a seção
Método acima). O primeiro é composto pelos dois municípios de grande porte pre-
sentes na amostra, Campina Grande e João Pessoa, capital do estado. O segundo
grupo reúne os três municípios de médio porte que foram investigados: Sousa,
Guarabira e Bayeux. O terceiro grupo inclui os municípios de Sumé e Lucena, am-
bos de pequeno porte. Primeiro apresentamos aspectos específicos a cada grupo
Transferência de Renda
Secretaria de Desenvolvimento
Vínculo Institucional da Gestão do PBF Gabinete do Prefeito
Social
Funciona em prédio
Funciona em prédio no centro
próprio, porém alguns
da cidade em conjunto com
Local de Funcionamento do Atendimento outros programas/
coordenação dos CRAS e de
serviços funcionam no
outros programas da SEDES
mesmo local
4 Assistentes sociais
40 digitadores/
entrevistadores
6 assistentes sociais 2 gerentes de
Nº. aproximado de funcionários nas 30 digitadores/entrevistadores atendimento/
atividades diárias do programa (sede) que entrevistadores
lidam diretamente com o público 1 psicóloga
1 recepcionista 2 responsáveis pela
triagem
1 recepcionista
Por outro lado, em João Pessoa, a proximidade (física e funcional) com as equipes
dos CRAS não se traduz, necessariamente, no desenvolvimento de estratégias/
práticas mais efetivas para otimizar o uso dos recursos (humanos e logísticos) no
trabalho de acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das
condicionalidades do PBF. Esse aspecto será discutido mais adiante quando con-
siderarmos alguns elementos da gestão do programa que são comuns a todos os
municípios pesquisados. Dados gerais sobre a gestão do PBF em João Pessoa e
Campina Grande estão compilados no Tabela 1.
ações”. Nos três municípios – embora de forma mais aguda em Bayeux e Guarabi-
ra – verificou-se uma grande importância do pessoal de informática na gestão do
PBF. Como boa parte das atividades que têm impacto sobre as ações do programa
dependem de ferramentas/sistemas de gerenciamento de informação (bases de
dados virtuais e ferramentas de gestão), os técnicos que lidam com essas ferra-
mentas acabam tendo uma participação maior na gestão do programa, maior do
que seria esperado para o seu perfil de qualificação profissional4. Esses profissio-
nais detêm o conhecimento técnico necessário à efetivação das ações que são
planejadas a partir do contato direto com o público beneficiário. Suas atividades
envolvem: a atualização de bases de dados e cadastros, envio de relatórios, o uso
de senhas para bloqueio e desbloqueio de benefícios, entre outras. O que leva a
Número de famílias
10.169 6.004 9.179
PBF
Vínculo da Gestão
PBF
Secretaria de Trabalho
e Ação Social
Secretaria de Ação Social
Secretaria de Ação
Social 49
Prédio recém-
CONDICIONALIDADES
inaugurado que abriga E MONITORAMENTO:
Local de O PBF tem sede própria O PBF funciona no prédio a Secretaria de Ação
Funcionamento do numa antiga biblioteca da Secretaria da Ação Social, PBF, Instância DESAFIOS À GESTÃO
Atendimento no centro de Bayeux. Social de Controle Social DO PROGRAMA
e PETI
BOLSA FAMÍLIA
EM MUNICÍPIOS
Nº. aproximado de
funcionários nas PARAIBANOS
2 assistentes sociais 2 assistentes sociais 2 assistentes sociais
atividades diárias do
programa (sede) que 15 digitadores/ 4 digitadores/ 3 digitadores/
lidam diretamente entrevistadores entrevistadores entrevistadores
com o público 1 recepcionista 1 recepcionista 1 recepcionista
Realização de
visitas domiciliares Visitas são comumente
às famílias em Visitas esporádicas
realizadas pelo CRAS.
situação de de acordo com
Visitas esporádicas Visitas de acordo com área
descumprimento de necessidade e
de abrangência dos CRAS
condicionalidades abrangência dos CRAS
são esporádicas
Averiguação
(principalmente após
Motivos mais Averiguação de
cruzamento de dados com
relevantes para Visitas de averiguação inconsistência de
outros benefícios de nível
realização de de denúncias dados
local)
visitas domiciliares Auditoria TCU Denúncias
Acompanhamento em áreas
relacionadas ao PBF Auditoria TCU
sem CRAS
Auditoria TCU
Forma de
deslocamento e 2 carros e uma Van
disponibilidade de Van disponível
disponíveis quando 1 carro
transporte periodicamente
necessário
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Extrato bancário
Extrato bancário
Como é feito (caixa) Extrato Bancário
Carta do Bolsa para os
o contato com Rádio e carro de som Rádio (mais eficiente)
beneficiários
beneficiários em já foram utilizados Bloqueio de recurso
descumprimento Bloqueio de recurso
Bloqueio de recurso (temporário)
(temporário)
(temporário)
Trabalham em
CRAS envia A relação é bem aproximada.
conjunto, dividindo
beneficiários dentro PBF presta cobertura
não só a sede como
Relação PBF – CRAS do perfil para o PBF a áreas sem CRAS para
as funções de
já com uma triagem acompanhamento de alguns
acompanhamento
prévia casos
quando necessário
De modo geral, para os municípios de pequeno porte, que não possuem a presença de
pessoal de informática, essa pareceu ser uma das grandes dificuldades na execução
do programa. A falta de uma pessoa capacitada para acessar sistemas como SIBEC,
CadÚnico, SIG-PBF e SICON, impossibilita que alguns municípios se mantenham in-
formados sobre as novidades do Programa e possam, com isso, executar as ações de
forma adequada. Essa importância destacada a esse profissional pode ser decorrente
do aumento e aperfeiçoamento dos sistemas de registro de informações elaborados
pelo MDS. Com os sistemas eletrônicos ganhando uma importância cada vez maior
na gestão do PBF nos municípios, destaca-se também a necessidade crescente de se
capacitar os profissionais para a utilização desse sistema, visto que estes não foram
desenhados para serem utilizados especificamente por técnicos de informática.
Nesses municípios, muito do trabalho ligado ao programa tem sido feito de forma
manual (ex. o recolhimento de fichas escolares), quase sempre pela própria pessoa
que coordena o PBF. Isso tem gerado basicamente dois tipos de conseqüências
para a gestão do programa, especificamente no que diz respeito à gestão das con-
dicionalidades (monitoramento e acompanhamento das famílias): se por um lado
a presença constante do gestor na atuação direta dentro das atividades fins (pela
falta de uma equipe de profissionais) abre a possibilidade da gestão do programa
antecipar-se na identificação das famílias em situação de descumprimento, por
outro lado isso também abre a possibilidade de uma certa “personalização” na
definição das estratégias de acompanhamento, cujo resultado mais visível seria o
favorecimento de certas famílias em detrimento de outras, sem que essa decisão
esteja baseada, necessariamente, no grau de vulnerabilidade social a que as famí-
lias estão submetidas. Os dados mais gerais sobre a gestão do PBF nos municípios
de Sumé e Lucena estão sistematizados no Tabela 3 apresentado abaixo:
Secretaria de
Vínculo da Gestão PBF Desenvolvimento Social e Secretaria Ação Social
Cidadania
Nº. aproximado de 51
funcionários nas atividades
3 entrevistadores/
diárias do programa (sede)
digitadores 2 digitadores/entrevistador CONDICIONALIDADES
que lidam diretamente com
o público
E MONITORAMENTO:
DESAFIOS À GESTÃO
Realização de visitas DO PROGRAMA
domiciliares às famílias em Visitas esporádicas ou de
situação de descumprimento Visitas esporádicas em caso de BOLSA FAMÍLIA
recadastramento quando
necessidade
de condicionalidades necessárias EM MUNICÍPIOS
PARAIBANOS
Motivos mais relevantes Averiguação de dados
para realização de visitas Averiguação de denúncias
informados
domiciliares relacionadas Averiguação de Dados
ao PBF Averiguação de denúncias
Auditoria TCU
Auditoria TCU
Forma de deslocamento
A pé
e disponibilidade de
transporte A pé Carro disponibilizado pela secretaria
requisitado previamente
Ao considerarmos esse aspecto é importante afirmar que esta é uma prática que
envolve o uso de uma ferramenta no mínimo controversa do PBF, que são as reper-
cussões sobre o benefício. Se por um lado esta parece ser uma medida eficaz para
garantir o alcance às famílias que necessitam fornecer informações sobre sua real
situação, por outro lado o abuso dessa prática carrega o risco de enfatizar o caráter
“punitivo” das condicionalidades.5 Isso se torna ainda mais problemático quando
percebemos que a maior parte dos entrevistados, ao serem questionados sobre a
quem, de fato, caberia a responsabilidade de solucionar as pendências, responde-
ram que esse é um papel da gestão municipal do programa e que na realidade fazem
uso dessa estratégia por não conseguirem realizar – por falta de pessoal ou de recur-
so logístico – as visitas às famílias. Ou seja, além de acentuar o aspecto “punitivo”
das condicionalidades do PBF, essa é uma prática que normalmente é utilizada para
sanar debilidades institucionais das próprias administrações municipais.
5 Aqui cabe esclarecer que a prática a que se refere esta parte do texto é uma ação ligada à
‘gestão de benefícios’, e não à ‘gestão de condicionalidades’. O gestor municipal do PBF pode bloquear
famílias, com base em uma ação de gestão de benefícios, diretamente no Sistema de Gestão de Benefícios
ao Cidadão - SIBEC. A repercussão sobre o benefício advinda do descumprimento de condicionalidades é
feita exclusivamente pela Secretaria Nacional de Renda de Cidadania – SENARC/MDS. Ou seja, o bloqueio
comumente feito por gestores municipais para induzir o comparecimento dos beneficiários não tem efeito
cumulativo sobre as repercussões do descumprimento das condicionalidades.
Outra distorção gerada com essa prática é a impossibilidade do desenvolvimento
de estratégias de planejamento mais efetivas por parte do gestor local do pro-
grama, uma vez que sua agenda de monitoramento e acompanhamento termina
sendo pautada pelos órgãos de controle e regulação (ex. Tribunal de Contas). Em
todos os municípios, independente do porte, observou-se a ausência de um pa-
drão (critérios claros) na definição das estratégias de priorização das famílias que
devem ser acompanhadas. Ou seja, todos os gestores locais – e essas informações
foram confirmadas nas entrevistas com o pessoal técnico ligado ao programa e
aos CRAS – relataram dificuldades encontradas para estabelecer uma estratégia
precisa de priorização das famílias que devem receber a visita domiciliar. Em uma
grande quantidade de casos, visitas são realizadas em respostas a medidas de
controle e/ou fiscalização, tais como denúncias ou auditorias.
Esse aspecto nos leva a comentar um dos casos discutidos anteriormente. Ao com-
pararmos com o município de Campina Grande (grande porte), afirmamos que em
João Pessoa havia uma aproximação (física e funcional) entre as equipes do PBF
e dos CRAS. No entanto, observamos que isso não se refletia, necessariamente,
numa gestão mais eficiente das condicionalidades. Na realidade, embora compar-
tilhem a mesma estrutura logística e parte do trabalho de acompanhamento das
famílias em descumprimento, falta o estabelecimento de diretrizes comuns que
possam guiar o trabalho de acompanhamento familiar, seja este realizado pela
equipe do PBF ou pela equipe dos CRAS. Ou seja, embora a proximidade funcional
entre PBF e CRAS nas administrações municipais possibilite uma relação mais es-
treita entre gestão integrada de benefícios, serviços e transferência de renda, a se-
53
paração das atribuições das duas coordenações (PBF e CRAS) dificulta o desenvol- CONDICIONALIDADES
vimento de estratégias integradas para o monitoramento das condicionalidades e E MONITORAMENTO:
acompanhamento familiar. No caso de João Pessoa, a coordenação do PBF chega DESAFIOS À GESTÃO
a ter diretrizes na priorização dos casos e estas orientam o trabalho da equipe de DO PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
assistentes sociais ligadas ao programa, no entanto, essas diretrizes não chegam
EM MUNICÍPIOS
a orientar o trabalho das equipes de assistentes sociais dos CRAS que também
PARAIBANOS
exercem atividades ligadas ao PBF. Ou seja, os CRAS, em sua maioria, recebem a
demanda para realizarem visitas às famílias em situação de descumprimento de
condicionalidades, porém, o planejamento da realização dessas visitas não ocorre
de forma sistemática. Todos os CRAS que recebem a demanda para visitar famílias
em situação de descumprimento indicam não conseguir visitar todas as famílias
listadas. No entanto, quando questionados sobre como é feita a relação dos casos
prioritários a serem visitados – levando-se em consideração que não é possível
visitar todos – verificou-se que não existe esse planejamento. Apenas a Coorde-
nação do PBF do município de João Pessoa informou que as equipes priorizam
as visitas às famílias que estão com recursos suspensos, visto que a repercussão
seguinte seria a do cancelamento do benefício. O interessante é que a equipe
social do PBF, em João Pessoa, adota essa ação, mas as Assistentes Sociais dos
quatro CRAS pesquisados no mesmo município dizem não seguir nenhuma diretriz
específica para a seleção de famílias a serem visitadas, e que realizam as visitas
de forma aleatória, muitas vezes priorizando somente aquelas que residem nas
proximidades dos CRAS.
Nesse ponto, torna-se ainda necessário considerar um outro aspecto encontrado
em todos os municípios. Esse não mais ligado a práticas dos gestores e técnicos,
mas à forma como estes profissionais concebem as condicionalidades do PBF. Ve-
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome rificamos em todos os casos que, para os profissionais que lidam cotidianamente
com o PBF, as condicionalidades do programa referem-se basicamente aos dados
de frequência escolar. Ou seja, condicionalidades da área da Saúde e da Assis-
tência Social não chegam a ser mencionadas como parte do trabalho cotidiano
das equipes. Acreditamos que este seja um aspecto bastante relevante quando
percebemos os esforços do gestor federal do programa no sentido de promover o
monitoramento integrado das três áreas que incidem sobre o benefício.6 De fato,
seja pela frequência maior com que as equipes municipais têm que lidar com da-
dos da Educação, seja por ser a área da Educação a que lida com o público mais
numeroso, o fato é que “descumprimento de condicionalidades”, na forma como
as equipes municipais lidam com o PBF, quase sempre remete a medidas e ações
ligadas ao campo da Educação.7
6 Aqui vale chamar atenção para o fato de que, embora já constem das normas do MDS enquanto
‘condicionalidades’, os dados relacionados à Assistência Social (serviços de convivência e fortalecimento
de vínculos/PETI), até o encerramento da pesquisa, ainda não constituíam (ou não estavam implementadas)
ferramentas que possibilitassem a operacionalização de repercussões sobre o benefício em caso de
descumprimento.
Por fim, cabe um destaque para o fato de que, em todos os municípios pesqui-
sados, os gestores/técnicos demonstraram desconhecimento no que se refere
às mudanças nas atribuições do gestor do Programa Bolsa Família, publicado
no Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de
Renda no Âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS (Resolução
nº7, de 10 de setembro de 2009 - Comissão Intergestores Tripartite do Minis-
tério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS.) No que se refere
ao quesito específico obervado por essa pesquisa, que diz respeito ao aumen-
to do poder do gestor municipal, onde este passa a ter a opção de interromper
temporariamente os efeitos do descumprimento sobre o benefício, desde que
inclua a família em situação de descumprimento no monitoramento do serviço,
pôde-se observar que os gestores não estão utilizando essa ferramenta. Isso
quer dizer, principalmente, que famílias que descumpriram condicionalidades
e tiveram seus benefícios bloqueados, poderiam voltar a receber o benefício,
se estivessem sendo acompanhadas pelo PBF, mas como esse recurso não tem
sido utilizado pelos gestores municipais - ao que sugere a pesquisa, por falta 55
de conhecimento e de capacidade para cumprir suas atribuições em relação ao
CONDICIONALIDADES
programa - as famílias -, muitas vezes em situação de maior vulnerabilidade, E MONITORAMENTO:
continuam desassistidas. DESAFIOS À GESTÃO
DO PROGRAMA
As discussões aqui apresentadas são o resultado de seis meses de pesquisa de
BOLSA FAMÍLIA
campo e mais seis meses de trabalho de catalogação e análise dos dados colhidos. EM MUNICÍPIOS
Esses resultados têm rendido debates interessantes nas esferas acadêmicas onde PARAIBANOS
têm sido apresentados, contribuindo com isso para despertar o interesse de estu-
dantes e pesquisadores para os aspectos da gestão municipal do PBF.
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o bolsa Família no conteXto da pRoteção
social: siGniFicado e Realidade das
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
condicionalidades e do índice de Gestão
descentRaliZada no estado do maRanHão
Nas últimas duas décadas, esses programas vêm se fortalecendo no campo assisten-
cial na América Latina e em países da África enquanto versão regional-periférica de
enfrentamento do quadro decorrente do ajuste neoliberal. Tais programas são, em
grande parte, organizados e ideologizados por organismos multilaterais, represen-
tando, na verdade, estratégias de enfrentamento ao desemprego, à precarização do
trabalho e ao aumento da pobreza. Ao serem popularizados, procuram favorecer a
demanda por educação e saúde dos pobres e estimular o desenvolvimento humano,
com a co-responsabilidade do Estado e das famílias (CASTIÑEIRA; NUNES; RUNGO,
2009) às quais, ao ingressarem nesses programas, são impostas determinadas con-
dicionalidades, principalmente no campo da saúde e da educação.
a cobertura em 2005, incluindo famílias com adultos cumprindo pena, maiores que
vivem sós e outros grupos em situação de vulnerabilidade. É constituído de três com-
ponentes: apoio à família; vários subsídios monetários e acesso prioritário a outros pro-
gramas de proteção social e o Programa Ingreso Ciudadano, instituído no Uruguai, em
2005, no âmbito do Plano de Atención a la Emergência Social (PANES), constituindo-se
na porta de entrada dos benefícios transferidos às famílias. Trata-se de uma transferên-
cia monetária mensal independentemente do número de integrantes da família, sendo
a transferência condicionada à frequência escolar das crianças e adolescentes até 14
anos e a realização de controle de saúde para crianças e mulheres grávidas1.
Estudo de campo realizado numa amostra aleatória simples composta por 13 mu-
nicípios do Estado do Maranhão, selecionados por sorteio, incluindo municípios
de porte pequeno (I e II), médios, grandes e a metrópole, São Luís.
O Estado do Maranhão é o segundo Estado mais pobre do Brasil, com uma popu-
lação, segundo o Censo 2010, de 6.574.789, e os municípios selecionados para o
Transferência de Renda
Com o lançamento do Plano Brasil Sem Miséria, o governo fixou a meta de inclusão
no PBF de mais 800 mil famílias extremamente pobres até dezembro de 2013.
Outra modificação foi a elevação do limite do número de crianças e adolescentes
com até 15 anos, de famílias extremamente pobres, de 03 para 05, as quais pas-
saram a ter direito ao benefício variável de R$ 32,00, possibilitando a inclusão de
mais 1,3 milhões de crianças e adolescentes, com vigência a partir de setembro de
2011, elevando o valor máximo do benefício de R$ 242,00 para R$ 306,00.
O PBF tem sua proposta estruturada em três eixos principais: transferência de ren-
da, condicionalidades e programas complementares. O primeiro objetiva promo-
ver o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades são referidas pelo MDS,
órgão gestor nacional, enquanto compromissos assumidos pelas famílias e pelo
Transferência de Renda
poder público para que os beneficiários sejam atendidos por serviços de educa-
ção, saúde e assistência social, constituindo-se em um reforço ao acesso a direitos
sociais básicos, enquanto os programas complementares visam o desenvolvimen-
to das famílias para superação da situação de vulnerabilidade7.
65
A implementação do PBF ocorre de modo descentralizado, com implementação
pelos municípios; o processo é iniciado com a assinatura de Termo de Adesão pelo O BOLSA FAMÍLIA
qual o município compromete-se a instituir comitê ou conselho local de controle (PBF) NO CONTEXTO
social e a indicar o gestor municipal do Programa. Para efetivação do processo de DA PROTEÇÃO
SOCIAL: significado
implementação, são previstas responsabilidades partilhadas entre a União, Esta-
e realidade das
dos, municípios e a sociedade. condicionalidades
e do Índice
de Gestão
AS CONDICIONALIDADES ENQUANTO MECANISMO DE INCLUSÃO
Descentralizada
SOCIAL (IGD) no Estado do
Maranhão
As condicionalidades do BF são apresentadas pelo gestor nacional, Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), como compromissos atribuídos
às famílias beneficiárias nas áreas de Educação, Saúde e Assistência Social para
continuarem a receber o benefício financeiro do Programa. São também apresen-
tadas como compromissos assumidos pelo poder público, responsável pela oferta
8 Às famílias do PBF é requisitada a atualização de seu cadastro de dois em dois anos, para que
seja revalidada ou não a permanência da família no BF.
10 Embora, na sua configuração, o IGD se desdobre em Índice estadual (IGD-E) e em Índice Municipal
(IGD-M), a pesquisa desenvolvida foi centrada no IGD-M. Convém ressaltar apenas que os estados recebem
apoio financeiro do IGD-E desde 2008, quando da adesão dos estados ao BF e ao Cadastro Único, conforme
estabelecido pela Portaria MDS n° 76, de 07 de março de 2008, para exercerem as atividades de apoio aos
municípios de sua jurisdição e monitoramento dos mesmos no processo de cadastramento e atualização
do Cadastro Único, além do acompanhamento das condicionalidades.
Municipais de Assistência Social (FMAS) de forma regular e automática, na moda-
lidade fundo a fundo e depositados em contas especificas destinadas à execução
das atividades vinculadas à gestão do PBF e do CADÚNICO.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Como já mencionado, não resta dúvida que a transferência de recursos financeiros
pelo MDS aos Estados e municípios para a gestão local do PBF é um encaminhamento
importante, considerando as condições precárias da grande maioria dos municípios
brasileiros que antes do IGD arcavam com todas as despesas para gerir o Programa.
Todavia, convém registrar-se que o cofinanciamento das ações desenvolvidas no âm-
bito da gestão do PBF é praticamente nulo por parte dos Estados e municípios.
Além de não ser considerada a dimensão qualitativa dos serviços de saúde e edu-
cação, a geração dos dados para constituir os índices do IGD não é submetida a
uma revisão consistente de validade, podendo acarretar inconsistência, prejudi-
cando sua confiabilidade (MACEDO; SANTOS, 2008).
Por conseguinte, a questão que se coloca é a real contribuição do IGD para qualifi-
car e dimensionar o impacto do cumprimento das condicionalidades na superação
intergeracional da pobreza. Mesmo o acompanhamento das famílias que apresen-
tam infrequência na educação, saúde e nas atividades do PETI deixa muito a dese-
jar, por falta de pessoal e condições para realização de ações educativas e comple-
mentares capazes de gerar impactos significativos nas condições de vida dessas
famílias.Em resumo, a problematização sobre o IGD remete, necessariamente, para
as reflexões que foram consideradas acima em relação às condicionalidades, cujas
questões centrais são: Qual o incremento da efetividade alcançada pelo PBF com
o acompanhamento das condicionalidades para a superação da pobreza das famí-
lias beneficiárias? O tempo e os custos requeridos para o acompanhamento das
condicionalidades para gerar o IGD se justificam?
Consideramos que não basta acesso a serviços de saúde e educação. O mais im-
portante é o compromisso do Estado na provisão dos serviços de boa qualidade
para todos e o desenvolvimento de ações informativas e educativas para que es-
ses serviços sejam utilizados pelos usuários ou não do PBF.
Os beneficiários revelaram que, muitas vezes, não conseguem ter acesso aos ser-
viços por falta de médicos e outros profissionais, carência de material e de equi-
pamentos nas unidades de saúde:
11 É importante esclarecer que o limite de páginas indicado para apresentação do artigo, impediu o
uso mais frequente de depoimentos dos informantes da pesquisa de campo de modo que permitisse ilustrar
mais os resultados apresentados. O mesmo limite levou-nos a utilizar o espaço da conclusão para destacar
aspectos gerais e aqueles que consideramos mais relevantes nos resultados do estudo dos 13 municípios.
“a gente vai para o hospital, mas não tem médico ou tem
muita fila”.
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome Nesse aspecto, como estratégia para não perder o benefício, alguns beneficiários
recorrem aos serviços de outros bairros, mas que também têm problemas, o que
para eles representa a existência de mecanismos que “obrigam” as famílias a cum-
prirem sua parte no “acordo” entre elas e o poder público, sem que existam formas
de assegurar o compromisso do poder público nesse mesmo “acordo”, ou seja,
cobra-se dos beneficiários o cumprimento das condicionalidades sem que o pró-
prio município consiga efetivar o direito à saúde.
Nos municípios maranhenses que fizeram parte da pesquisa, incluindo São Luís,
que é a capital do Estado, o acompanhamento da agenda de Saúde é desenvolvido
sem integração com as demais áreas. Os municípios atuam com pessoal restri-
to, funcionando em salas improvisadas e inadequadas, muitas vezes sem dispor
de materiais e equipamentos suficientes para o desenvolvimento do trabalho.
Ademais, o acompanhamento do cumprimento das condicionalidades por parte
das famílias não tem servido como instrumento capaz de (re)orientar as Políticas
Públicas, pois os dados coletados não são utilizados como subsídios em outras
iniciativas, como por exemplo, naquelas relacionadas à Atenção Básica ou no tra-
balho desenvolvido pelos agentes de saúde. Nesse aspecto, o acompanhamento
das condicionalidades parece se constituir muito mais numa estratégia de contro-
le dos beneficiários (que sofrem diversas punições) do que de garantia de direitos
sociais, por meio do acesso aos serviços básicos.
O atraso no repasse dos recursos do IGD pelo MDS foi outro problema apontado
Transferência de Renda
por vários municípios para explicar os resultados encontrados. Mesmo que os mu-
nicípios busquem soluções provisórias para não paralisar as atividades do Programa
(adiantamento de recursos e depois ressarcimento das despesas pelas prefeituras),
para eles o atraso reclamado compromete a fluência do trabalho de acompanha-
mento das condicionalidades e mesmo a manutenção de um trabalho sistemático
com as famílias mais vulneráveis, além de desmotivar as equipes de trabalho. Isso
pode indicar que os repasses do MDS se constituem não apenas em subsídios de
recursos para fazer face aos custos administrativos dos municípios, mas numa fonte
essencial de recursos sem a qual a continuidade das ações ficaria comprometida.
Apesar de nenhum município da amostra receber o teto dos recursos do IGD, to-
dos ressaltaram sua importância para o aperfeiçoamento da gestão e do desenvol-
vimento de atividades educativas e complementares, melhorando a infraestrutura
com equipamentos, a realização de ações itinerantes, visitas domiciliares, cursos
de geração de renda, treinamentos de técnicos, além de garantir melhor atendi-
mento aos beneficiários do PBF. Convém, todavia, ressaltar que a quase totalidade
dos sujeitos que participaram da pesquisa demonstrou desconhecer a existência
do IGD, limitando-se esse conhecimento praticamente aos gestores (principal-
mente da Assistência Social).
CONCLUSÃO
No estudo desenvolvido em treze municípios do Estado do Maranhão alguns as-
pectos merecem destaque nessa conclusão.
A deficiência da estrutura dos prédios dos CRAS merece destaque: a maioria ca-
rece de adequação, enquanto órgão público, para prestar serviços de qualidade à
população usuária, majoritariamente funcionando em prédios alugados, limitando
a continuidade e adensamento do trabalho realizado junto às famílias.
Finalmente, há que se destacar, que, apesar de todos os limites dos programas de trans-
ferência de renda, apresentados e problematizados no texto, a contribuição de progra-
mas, como o PBF, é de significativa relevância para as famílias e as pessoas beneficiadas,
por constituírem possibilidades concretas de melhoria de condições imediatas de vida
de grande parte da população que, muitas vezes, não dispõe de qualquer renda.
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83
O BOLSA FAMÍLIA
(PBF) NO CONTEXTO
DA PROTEÇÃO
SOCIAL: significado
e realidade das
condicionalidades
e do Índice
de Gestão
Descentralizada
(IGD) no Estado do
Maranhão
avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome
Transferência de renda
Renato veloso
universidade Estadual do Rio de Janeiro - uERJ
pRoteção social bRasileiRa
a centRalidade do cadastRo único na
Introdução
As políticas públicas vêm incorporando recursos das tecnologias da informação
e comunicação1 (TIC) em quantidades expressivas, ocasionando uma crescente
informatização nos seus processos de gestão. Este processo de conjugação das
tecnologias e da gestão das políticas vem sendo acompanhado por estudos e
investigações que descortinam seu caráter político e estratégico, enfatizando os
impactos e as novas e crescentes demandas gerados no seu âmbito. O Cadas-
tro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) consiste numa
das expressões desse processo de introdução das TIC nos processos de gestão
de políticas sociais e, devido à sua centralidade para a integração e gestão destes
programas, pode ocasionar significativas alterações na condução da política de
assistência social. Trata-se de um potencial estratégico que precisa ser desvelado
e apropriado pelos profissionais que lidam cotidianamente com este importante
recurso.
A gestão das políticas sociais na atualidade envolve uma série de desafios, e den-
tre eles encontra-se a questão do tratamento de grandes volumes de informações
produzidas pelo próprio desenvolvimento e aprimoramento das ações e progra-
mas constitutintes de tais políticas. O enfrentamento desta questão vem, cada vez
mais, apontando a importância do uso de ferramentas tecnológicas na organiza-
ção, sistematização e análise do grande volume de dados e informações disponí-
veis, tornando-se necessária aos processos de gestão de políticas a introdução de
tecnologias capazes de integrar dados e informações sociais produzidos ao longo 85
da sua condução e do seu processamento.
A CENTRALIDADE
Inúmeros gestores têm se deparado com a recorrente demanda de tratar as infor- DO CADASTRO
mações geradas pelas políticas, criando, com isso, as condições para a estrutura- ÚNICO NA
PROTEÇÃO
ção de uma série de atividades de gestão que deem apoio e atendam às diversas
SOCIAL
demandas por informações estratégicas. Desta forma, o uso de instrumentos e
BRASILEIRA
ferramentas de gestão da informação vem se intensificando, auxiliando o acom-
panhamento das ações e programas sociais, a avaliação e o monitoramento das
políticas, e a produção de informações estratégicas que subsidiem a tomada de
decisões. As demandas postas à gestão de políticas sociais na atualidade tornam
imprescindível o uso de ferramentas tecnológicas que abarquem o grande volume
e escala das operações necessárias para realizar e aprimorar o seu desempenho.
Neste contexto, a informação ganha centralidade e a sua gestão aparece como im-
portante fator na condução das políticas sociais, permitindo, fundamentalmente:
favorecer a instalação de uma nova cultura de gestão; atender necessidades de
informação estratégica para gestores nos diferentes níveis; proporcionar acesso
rápido às informações de todos os programas e ações sociais para os quais se
tenha dados disponíveis; constituir-se como um instrumento fundamental para o
planejamento estratégico das ações, programas e projetos.
Busca-se apreciar (com base nas entrevistas realizadas com os assistentes sociais
que operam o CadÚnico) os avanços, estratégias, aspectos positivos, críticas e dile-
mas que permitam identificar e caracterizar novas possibilidades de aprimoramento
do Cadastro e do processo de inserção e manutenção dos dados e informações, com
vistas à melhoria dos processos de gestão e de defesa dos direitos sociais.
2 O projeto contou com a preciosa participação e envolvimento de toda a equipe, à qual dedico
sinceros agradecimentos: Profaª Drª Vânia Morales Sierra, Assistentes Sociais Cila Portugal, Mayana Silva
e Lyvia Seabra, e bolsistas de graduação Gisele Mota, Cristiane Azevedo, Taiane Faustino, Daiane Magalhães,
Dayanna Gomes, Letícia Lopes e Vanessa Teixeira.
Resultado e discussão
Entende-se o Cadastro Único como uma expressão da incorporação das novas
Transferência de Renda
5 Os critérios que permitem o cadastramento são: ter renda mensal igual ou inferior a ½
salário mínimo por pessoa ou ter renda familiar mensal de até três salários mínimos. Famílias que possuam
renda maior também podem ser cadastradas se a sua inclusão estiver vinculada à seleção de programas
sociais implementados em nível federal, estadual ou municipal.
cerca de 13,5 milhões são beneficiárias do Programa Bolsa Família. O gráfico 1
demonstra a evolução do cadastramento ao longo dos últimos anos. No Brasil.
O Cadastro Único costuma ser descrito como um mapa representativo das famílias
mais pobres e vulneráveis do Brasil, com amplo potencial de uso por diversas po-
líticas de proteção social. Apresenta tanto informações da família e do domicílio 89
em que ela reside (tais como composição familiar, endereço, características do
domicílio, acesso a serviços públicos de água, saneamento, energia elétrica, des- A CENTRALIDADE
DO CADASTRO
pesas mensais e vinculação a Programas Sociais), quanto dados de cada um dos
ÚNICO NA
componentes da família (como documentação civil, qualificação escolar, situação
PROTEÇÃO
no mercado de trabalho e rendimentos). É regulamentado pelo Decreto nº 6.135, SOCIAL
de 26 de junho de 2007 (que revogou o Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001) BRASILEIRA
e tem a sua gestão disciplinada pela Portaria MDS nº 177, de 16 de junho de 2011
(que substituiu a Portaria MDS nº 376, de 26 de junho de 2007). Constitui-se como
uma importante ferramenta de planejamento para políticas públicas voltadas às
famílias de baixa renda, que permite a criação de indicadores que reflitam as vá-
rias dimensões de pobreza e vulnerabilidade, por meio da identificação e caracte-
rização dos segmentos socialmente mais vulneráveis da população.
Para Barros et al. (2009, p.7), três principais características do CadÚnico definem
suas possibilidades de utilização: sua abrangência censitária (cobrindo a quase
totalidade da população mais pobre do país); sua natureza cadastral, dispondo do
nome e do endereço dessa população pobre (o que possibilita localizar e reentre-
vistar as famílias, e, com isso, melhorar a qualidade das informações cadastrais);
uma ampla variedade de dados e informações sobre as condições de vida dessas
famílias, que permite o estabelecimento de perfis e a consequente proposição de
políticas e ações de proteção social. Trata-se, portanto, de uma das mais impor-
tantes fontes de informação sobre a população pobre no Brasil, e, neste sentido, a
grande variedade de informações disponíveis sobre as famílias e a possibilidade
de identificá-las, permite que o Cadastro Único ocupe uma posição central na ela-
boração de diagnósticos das condições sociais e na condução e gestão da política
social brasileira.
Ao longo dos anos, o Cadastro Único tem sido melhorado no sentido de aprimorar o
processo de identificação e reconhecimento das famílias vulneráveis, visando a sua
inclusão nas políticas sociais. A partir do ano de 2009, surge a sua versão 7, produzi-
da com software livre, na qual todas as atividades de inclusão e atualização cadastral
são realizadas on line, diretamente no seu portal de relacionamento, com o objetivo
de imprimir mais dinamicidade e agilidade ao cadastramento, já que elimina as ati-
vidades de extração e transmissão existentes nas versões anteriores6.
6 Maiores informações sobre a versão 7 do Cadastro Único podem ser obtidas no seguinte
endereço: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cadastrounico/sistemas/sistemadecadastrounico/
versao-7.
Produção e acesso à informação
O processo de cadastramento das famílias é realizado, de forma descentralizada,
pelos municípios. São coletados e inseridos dados socioeconômicos básicos os
quais permitirão a produção de perfis e indicadores de monitoramento e a ava-
liação dos impactos dos programas sociais nas condições de vida das populações
beneficiárias. Tem sido imperativa a busca pela qualidade no registro dos dados,
de modo que reflitam a realidade das famílias cadastradas. O conjunto das entre-
vistas realizadas com os operadores demonstra que os profissionais que operam
o Cadastro têm uma sólida compreensão da sua importância para as ações e pro-
gramas de proteção social.
Lindert et al. (2007, p. 39), já há algum tempo atrás, observaram a política do MDS
de produzir boletins regulares com informações básicas sobre o Cadastro Único
e sobre o Programa Bolsa Família, os quais eram enviados por correio eletrônico
para os municípios e estados. Se essa política ainda continua em vigor, o problema
parece ser a chegada das informações nos equipamentos, como os CRAS e CREAS.
Por outro lado, vale considerar a interessante observação feita por Romero (2010,
p.73), que, ao abordar algumas questões do CadÚnico, aponta a existência de uma
carência de aplicações na versão cliente, que poderiam ser instaladas nas Prefei-
turas e tornar o uso do Cadastro ainda mais ágil e útil. O autor destaca a impor-
tância de aumentar a geração de relatórios mais ágeis e variados, que permitam
produzir estudos e diagnósticos, o que, hoje, segundo o mesmo, as prefeituras não
conseguem obter diretamente do sistema. Por outro lado, como política de gestão
da informação, o MDS disponibiliza uma diversidade de dados e informações em
seu portal, por meio da Matriz de Informações Sociais (MI Social), importante fer-
ramenta que poderia ser objeto de consulta recorrente dos profissionais. De forma
geral, fica demonstrada a relevância de se aprofundar esta função diagnóstica do
Cadastro Único, e o exercício desta função demanda uma série de condições que
permitam o aproveitamento da rica fonte de informações disponibilizadas pelo
sistema. Neste sentido, a capacitação ocupa lugar de destaque, devendo, justa-
mente por isso, ser cada vez mais aprimorada.
Processos de capacitação
A crescente incorporação das tecnologias da informação e comunicação às polí-
ticas sociais decorre da transferência de diversas atividades e tarefas para o am-
biente tecnológico. Este processo tem sido acompanhado por processos de capa-
citação e qualificação diversificados, que visam estimular e mediar a apropriação
destes novos recursos. Por conta da experiência piloto de implantação da versão 95
7 do Cadastro Único, o MDS realizou recentemente um maciço processo de capa-
A CENTRALIDADE
citação dos seus operadores, tanto no que se refere ao uso dos novos formulários,
DO CADASTRO
quanto em relação à adequação ao novo sistema de cadastramento on line. Tais ÚNICO NA
capacitações têm provocado expressivos impactos na gestão do Cadastro Único e PROTEÇÃO
na promoção do seu uso no território do município do Rio de Janeiro. SOCIAL
BRASILEIRA
Os profissionais entrevistados ressaltam o valor das capacitações, reafirmando a ri-
queza e a relevância destes momentos de reflexão e treinamento. Apontam, ainda,
a necessidade de intensificar estes momentos, sugerindo o seu aprofundamento
e reconhecendo a importância de um preparo consistente para operar e aprovei-
tar o potencial do Cadastro Único. Sinalizam que as capacitações realizadas até o
momento têm se constituído mais como um ponto de partida, uma orientação ou,
ainda, uma apresentação mais geral e abrangente do Cadastro, sendo necessários
outros momentos para ampliar os temas e questões levantados. Os profissionais
destacam que as principais dúvidas e problemas aparecem e são equacionados
durante o uso cotidiano do Cadastro, ao longo do processo de atendimento, no
dia-a-dia, sempre contando com a colaboração e contribuição dos colegas que já
detêm um maior domínio operacional deste sistema.
Soares et al. (2009, p.18) chama a atenção para o impacto de eventuais erros no
levantamento de informações, sugerindo que as famílias que potencialmente
seriam beneficiadas pelo PBF têm nítidos estímulos para subdeclarar sua ren-
da. Os autores observam que alguns assistentes sociais, ao identificarem as fa-
mílias pobres, mesmo não satisfazendo formalmente critérios para ingresso no
Transferência de Renda
Programa, podem decidir fazer uma estimativa para baixo da renda familiar, tor-
nando-a elegível. Situações como essas são citadas pelos entrevistados, como a
que se apresenta a seguir:
“Eu não tenho como interferir nisso eu não tenho como dizer
‘Olha, essa família é mais prioritária do que essa’. Eu não
posso falar assim: ‘O meu parecer social é esse. Continua
pagando porque eu, como técnica do Serviço Social, estou
acompanhando ele, então vou fazer com que ele venha, vou
colocar ele no projeto assim assado, dá três meses, quatro
meses, não cancela o benefício’. Então as pessoas começam
a fazer manipulação errada, porque você começa a forjar
os dados. Então tira o menino que está dando problema
no Cadastro Único para que aquela família, que precisa,
possa receber o benefício do Bolsa Família. Vai diminuir um
pouquinho, mas não vai ficar sem nada. Então, eu crio, dentro
do sistema, uma forma de manter aquele menino dentro do
Programa, e vou monitorando lá o sistema pra interferir. Então
assim, aquele menino que tem problemas, que não vai à escola,
ele não está indo à escola agora, mas está num tratamento
de saúde. Faz diferença, é isso que as pessoas não querem
ouvir. (...) O acompanhamento social não está interferindo
nesse programa, o programa é que está interferindo no meu
acompanhamento social, e aí para que as pessoas não saiam
prejudicadas, eu tenho que manipular a informação. Eu vi
muitas assistentes sociais fazendo isso, tirando o menino,
continuando a acompanhar ele, mas tirando o menino para que
continue o benefício”. (32 anos, formada em 1999).
Como salienta Vieira (2009), os erros de inclusão no Cadastro ocorrem quando uma
família fora do perfil é cadastrada com renda subdeclarada e é beneficiada. Uma famí-
lia incluída por erro pode ocupar a vaga de uma família com perfil pobre que não está
cadastrada, gerando os erros de focalização do Programa. Os depoimentos dos assis-
tentes sociais demonstram que muitas famílias se encontram em situação de pobreza
extrema, precisam receber o benefício, mas, por uma série de fatores não previstos,
não se enquadram nos critérios definidos no Programa. Elas não estão fora da condi-
ção de pobreza; o perfil estabelecido é que não consegue absorver estas famílias. De
certa forma, a adoção de um Parecer Social, e a interferência deste Parecer na seleção
dos beneficiários, poderia reduzir, ou corrigir, algumas distorções. Fica explícito nos
Transferência de Renda
Infraestrutura
A conjugação entre as políticas sociais e as tecnologias da informação e comuni-
cação tem acarretado uma série de impactos para gestão das políticas públicas.
Do ponto de vista da infraestrutura, verifica-se que as políticas sociais têm estado
cada vez mais permeáveis às novas tecnologias. Como mostra o Perfil dos Municí-
pios brasileiros elaborado pelo IBGE (IBGE, 2010), para a área da Assistência Social,
em 2009 somente 39 municípios brasileiros não possuíam qualquer computador
em funcionamento nos órgãos gestores desta política. Em 2005, esse número era
de 184 municípios. Observa-se, no período 2005/2009, um aumento na propor-
ção de municípios com computadores em funcionamento em órgãos gestores da
assistência social: 97,1% dos municípios declararam ter o equipamento em 2005,
enquanto em 2009 essa proporção representou 99,3% do total de municípios do
País. Em relação à Internet, em 2005, 88,9% dos municípios brasileiros contavam
com acesso a Internet no órgão responsável pela política de assistência social,
dentre os quais 79,7% tinham acesso por banda larga, enquanto para 20,3% o
acesso era discado. Em 2009, 98% dos municípios contavam com acesso à Inter-
net, sendo 93,4% com conexão por banda larga e 4,7% por acesso discado.
Esta incorporação das novas tecnologias à política de assistência social tem sido
verificada no município do Rio de Janeiro, e o uso do Cadastro Único nos equipa-
mentos da SMAS é apontado pelos profissionais como um gerador de mudanças sig-
nificativas na infraestrutura do município, as quais contribuem para a melhoria não
só do cadastramento, mas também do conjunto dos programas e ações realizados.
8 Disponível em http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/municipal/distribuicao_servicos_
cidadao/ cadastramento_unico/documentos_download.asp
“Os CRAS não tinham acesso a Internet, a gente conseguia entrar no
sistema online nas escolas utilizando sempre as salas de informática
das escolas”. (37 anos, formada em 2005).
avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome
Porém, na grande maioria dos depoimentos, a alternativa apontada foi mesmo o
registro no formulário impresso para depois digitar os dados no Sistema, o que
acabava gerando desperdício de tempo, de recursos e trabalho em dobro.
“... a nossa internet é 3G, uma conexão falha, tem dias que
funciona bem e tem dias que não funciona, se passa uma
nuvenzinha a conexão já fica ruim, aí a conexão não funciona
e a gente tem que fazer no manual, são dois trabalhos, você
vai escrever para depois passar para o computador”. (32 anos,
formada em 2002).
Apesar das dificuldades relatadas pelos profissionais, isso não tem impedido o
processo de cadastramento no município do Rio de Janeiro. Tais dificuldades
apenas demonstram parte dos enormes desafios com os quais os profissionais se
defrontam diariamente no esforço de tornar o Cadastro Único uma realidade. O
número de famílias cadastradas cresce a cada ano9, e demonstra que o Cadastro
Único tem se firmado como um importante instrumento de suporte às políticas
de proteção social. A superação dos desafios tende a se fortalecer à medida em
que novos investimentos forem feitos com as melhorias de infraestrutura, mas o
fundamental é o compromisso que os profissionais têm demonstrado de tornar vi-
ável o acesso das famílias atendidas a condições de vida mais dignas. Mais do que
investir em equipamentos, é fundamental investir nos profissionais: qualificá-los,
ouvi-los, criar espaços de reflexão e discussão participativos, implementar proces-
sos de avaliação e monitoramento nos quais eles possam contribuir ativamente.
Transferência de Renda
Certamente este não é o único, mas pode ser um dos mais promissores caminhos
para a consolidação e ampliação do Cadastro Único.
CONCLUSÃO
Os desafios que se apresentam à consolidação do Cadastro Único são muitos, e
dentre eles encontra-se o esforço de transformá-lo em um efetivo instrumento
de auxílio aos processos de gestão, ampliando sua condição de ferramenta para o
cadastramento e seleção de beneficiários dos programas sociais, e aproveitando o
seu potencial para funções de diagnóstico, planejamento e avaliação, por meio da
9 De acordo com dados da SAGI/MDS, havia no município do Rio de Janeiro, em 2006, 116.961
famílias cadastradas. Em 2011, o número saltou para mais de 315 mil famílias.
produção e disseminação de informações estratégicas para as políticas e ações de
proteção social. Sua atualização constante e a melhoria da qualidade dos dados
coletados é tarefa complexa, e depende do envolvimento de diversos sujeitos,
implicando em grandes investimentos de ordem financeira e técnica, e deman-
dando a disponibilidade de infraestrutura adequada e capacitação dos recursos
humanos.
Uma das principais demandas apontadas pelos profissionais entrevistados consis- 107
te em tornar as informações possibilitadas pelo Cadastro acessíveis a todos os su-
A CENTRALIDADE
jeitos envolvidos com o seu uso, não só os gestores dos programas, mas também,
DO CADASTRO
os técnicos, que se encontram diretamente implicados na produção das informa- ÚNICO NA
ções, e os usuários da política, em tese os maiores interessados nas informações PROTEÇÃO
sobre suas condições de vida. SOCIAL
BRASILEIRA
Apesar dos desafios apontados, o uso do Cadastro Único tem se mostrado promis-
sor. Sua operação cada vez mais qualificada pode possibilitar mudanças qualitati-
vas nos processos de gestão dos programas, o que passaria a exigir dos profissio-
nais habilidades e competências cada vez mais sofisticadas. Tais capacidades não
são inauguradas pelo Cadastro, mas seu uso competente e qualificado pode criar
condições para que elas sejam mais bem desempenhadas e aplicadas.
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