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O autor inicia a obra com uma crítica à incessante elaboração de novas leis penais,
bem como o agravamento das já existentes. Entende o direito penal como uma intromissão na
liberdade de cada cidadão, e cita a frase de Tácito: “pessima Republica, plurimae leges”.
A expressão “Direito Penal Mínimo” apresenta alcances diferentes a depender da
proposta de cada autor, apesar do denominador comum que é a aplicação restritiva do direito
penal. No caso de Baratta, tem-se a avaliação da radical injustiça e inutilidade da pena, que,
para ele, recai fundamentalmente sobre as classes inferiores, se prestando a reproduzir as
relações de domínio já existentes. Em sentido diferente, para Ferrajoli, ideias de direito penal
mínimo e máximo se configuram ora na intensidade dos vínculos garantistas, ora na
quantidade e qualidade das proibições e penas. Já os autores da Escola de Frankfurt
defendiam um modelo ultraliberal de direito penal, um “direito penal básico”, que teria por
objeto condutas que atentassem a bens jurídicos mais caros aos indivíduos (vida, saúde,
liberdade e propriedade), sempre com a máxima observância das garantias do devido processo
legal.
Atualmente, ao contrário, observa-se a valoração positiva doutrinária de uma fuga
seletiva ao Direito Penal, com a criação de novos “bens-jurídicos penais”, ampliando espaços
de riscos-penalmente relevantes, flexibilização das regras de imputação e relativização dos
princípios políticos-criminais de garantia. O autor nomeia essa “tendência” de Expansionismo
Penal e cita como principal exemplo a ordem socioeconômica.
O Direito Penal passa a se apresentar como uma (aparente) solução fácil aos
problemas sociais, vestindo um caráter simbólico a fim de tranquilizar a opinião pública,
quando deveria ter um caráter puramente instrumental, com proteção efetiva. As causas
dessa expansão, adverte o autor, são profundas, tendo suas raízes na mudança de expectativa
que amplas camadas sociais possuíam e agora vêm a ter em relação ao papel que cabe ao
Direito Penal. Aliado a esse fato, convém ressaltar que o Estado não somente acolhe tais
demandas por “mais proteção” irracionais como ainda as realimenta em termos populistas,
sendo os formadores de opinião igualmente responsáveis.
Adverte o autor que a atual expansão do Direito Penal não tem o mesmo alcance e
profundidade do movimento norte-americano de “Law and Order”, ocorrido na década de 70.
O que se extrai, porém, não é um desaparecimento das ideologias do movimento norte-
americano, mas uma integração dele nesse novo consenso social.
Neste capítulo o autor faz uma introdução acerca da função do Direito Penal,
reproduzindo seus princípios inerentes, tais como o da fragmentariedade, ultima ratio,
intervenção mínima, ofensividade, etc. Defende que as causas da provável existência de novos
bens jurídico-penais são diversas, como a evolução da sociedade e o surgimento de novas
realidades que antes não existiam (ou não com tanta incidência) como as instituições
econômicas. Também cita a deterioração de realidades que antes eram abundantes e hoje
vem se tornando escassas, as quais se atribui agora um valor maior do que antes, como o meio
ambiente. Outro ponto é o incremento de valor que certas realidades experimentam pela
evolução social e cultural, antes não valorizadas, como o patrimônio histórico-artístico. São os
chamados bens coletivos ou interesses difusos.
O autor comenta que o desenvolvimento da técnica teve, e continua tendo,
repercussões diretas em um incremento do bem-estar social, assim como a dinâmica dos
fenômenos econômicos. Porém, ressalta suas consequências negativas, ao que chama de
“sociedade de risco”. As derivações dessas técnicas atingem todos os cidadãos consumidores,
usuários, beneficiários de serviços públicos, etc. Além de ser extremamente competitiva,
deslocando para a marginalidade indivíduos que imediatamente são percebidos pelos demais
como fonte de riscos pessoais e patrimoniais.
O progresso técnico dá lugar, no âmbito da delinquência dolosa tradicional, à adoção
de novas técnicas como instrumento que lhe permite produzir resultados especialmente
lesivos. Quando associada aos meios informáticos e desenvolvendo uma criminalidade
organizada, que atua internacionalmente, é, seguramente, o maior exemplo de tal evolução e
constituição de novo risco ao Estado. Além do mais, essas novas técnicas incidem também no
âmbito da delinquência não intencional, materializada pelas “falhas-técnicas”, no qual se parte
de que certo percentual de acidentes graves resulta inevitável. Assim, trata-se de classifica-las,
ora no âmbito do risco penalmente relevante, ora no âmbito do próprio risco permitido.
A sociedade se torna cada vez mais insegura por tanta aceleração e incerteza. O
resultado disso somado à influência dos meios de comunicação - dando lugar, muitas vezes, a
percepções inexatas para a construção das notícias - é uma insegurança sentida pelos cidadãos
que não corresponde de modo exato com o nível de existência objetiva de riscos dificilmente
controláveis, ou simplesmente incontroláveis. Expressando de outro modo, existe uma
elevadíssima “sensibilidade ao risco”.
Em medida crescente, a segurança se converte em uma pretensão social à qual se
supõe que o Direito Penal, em particular, deva oferecer uma resposta. Ao demandarem essa
ampliação de proteção, nem sequer importa que seja preciso modificar garantias clássicas do
Estado de Direito: ao contrário, elas se veem as vezes taxadas de excessivamente rígidas e se
apregoa sua “flexibilização”. O autor relaciona a atual sociedade à uma carência de consenso
sobre valores positivos, o que torna compreensível a missão que impõem ao Direito Penal.
Dessa forma, tendo como plano de fundo a insegurança social, a liberdade de ação e o
“risco permitido” cedem ante a liberdade de não padecer. Em consequência, tem-se progresso
da jurisprudência e doutrina na figura da “ingerência”, como fundamento da imputação de
responsabilidade a título de comissão por omissão e os delitos de perigo.
Além do acima exposto, o autor comenta sobre a resistência pela sociedade a qual
nomeia de “sociedade de sujeitos passivos” da aceitação do caso fortuito e a não admissão de
possibilidades de danos por azar. Manifesta-se uma tendência irrefreável a contemplar a
catástrofe como delito e imputar-lhe, de um modo ou de outro, um responsável: nesse caso já
a uma pessoa, e não uma força da natureza. Parte-se do axioma de que sempre há de existir
um terceiro responsável a quem imputar o fato e suas consequências, patrimoniais ou penais.
A expansão do Direito Penal ainda traz consigo um fenômeno geral de identificação
social com a vítima, sujeito passivo do delito. Se tende a perder a visão do Direito Penal como
instrumento de defesa dos cidadãos diante da intervenção coativa do Estado, e passa-se a
visualizá-lo como uma Magna Carta da vítima antes de ser do delinquente. Tal fato, adverte o
autor, propicia uma interferência até mesmo no princípio da legalidade, abrindo possibilidades
de interpretações restritivas em causas exculpantes e interpretações extensivas de tipos
penais, além da não mais observância da vedação à analogia prejudicial ao réu. O fenômeno
de identificação com a vítima conduz também ao entendimento da própria instituição da pena
como mecanismo de ajuda à superação por parte da vítima do trauma gerado pelo delito. A
pena deixa fora o autor, e, assim, reintegra a vítima.
Aduz o autor que em um momento cultural em que a criminalidade mais explícita e
trazida pela doutrina é a dos poderosos, é compreensível que a maioria se incline a
contemplar-se mais como vítima potencial do que como autor pontencial. Entretanto,
esquece-se de que tal criminalidade ainda é muito menor do que àquela dos “marginalizados”,
e, essa expansão e relativização do sistema de garantias e regras pode repercutir sobre a
criminalidade em geral nos dois extremos, algo que aparentemente se ignora na hora de
propor as reformas antigarantistas.
Observa-se um esquecimento da tese de corresponsabilidade social no delito e
evidenciam-se outras centradas exclusivamente na responsabilidade pessoal. O autor alerta o
perigo de se incorrer em excessos, desconsiderando-se que junto ao elemento central da
responsabilidade individual do agente deve-se considerar também o contexto social do delito.
Questiona o autor, o porquê da busca no Direito Penal e não em outras instâncias de
proteção, como a ética social, o Direito Civil e Administrativo. Conclui que estas não existem,
ou parecem insuficientes, ou se acham desprestigiadas.
No caso da ética, verifica-se que as sociedades modernas, nas quais durante décadas
se foram demolindo os critérios tradicionais de avaliação do bom e do mau, não parecem
funcionar como instâncias autônomas de moralização, de criação de uma ética social que
redunde na proteção dos bens jurídico. Isso expressa uma situação próxima a anomia que
teorizou Durkheim. O “homem-massa” carece de moral, que é sempre, por essência,
sentimento de submissão a algo, consciência de serviço e obrigação. Assim, se torna
excepcional o fato de uma conduta que não é proibida para o Direito seja considerada como
imoral pela sociedade, adotando-se contra ela as reações sociais correspondentes. O autor
cita Jean Claude Guillebaud: “Quando uma sociedade perde pontos de referência, quando os
valores compartilhados – e sobretudo uma definição elementar do bem e do mal, se
desvanecem, é o Código Penal que os substitui”.
No que respeita ao Direito Civil de ressarcimento dos danos, é mais discutível que ele,
dada sua tendência à objetivação da responsabilidade, possa expressar a reprovação que é
necessária manifestar diante de determinados fatos. É de duvidar que o Direito Civil esteja em
condições de garantir uma responsabilidade individual satisfatória, como por exemplo no caso
de seguros padronizados, que acabam tendo como consequência um decréscimo da eficácia
preventiva que o direito de responsabilidade civil por danos poderia ter em relação a condutas
individuais danosas. Esta (responsabilidade civil), por sua vez, é prejudicada pela perda de
conteúdo valorativo, imediatamente provocada pelo abandono da ideia de culpa.
No que se refere ao Direito Administrativo, há um crescente descrédito em relação a
seus instrumentos de proteção e desconfia-se das administrações públicas nas quais se verifica
uma tendência a buscar, mais do que meios de proteção, cúmplices de delitos
socioeconômicos de várias espécies.
O autor conclui que o resultado é desalentador. Por um lado, porque a fuga ao Direito
Penal supõe uma expansão ad absurdum da outrora chamada ultima ratio. Mas,
principalmente, porque tal expansão é, em boa parte inútil, à medida que transfere ao Direito
Penal um fardo que ele não pode carregar. Ainda mais se desnaturalizadas suas garantias e
regras de imputação.
A reviravolta tem sido tamanha que aqueles que outrora repudiavam o Direito Penal
como braço armado das classes poderosas contras as “subalternas” agora clamam
precisamente por mais Direito Penal contra classes poderosas. Comenta o autor a mudança
cultura no sentido de uma expansão do Direito Penal também perseguido pela esquerda
criminalista, que cede diante da vontade de servir-se dos meios de poderes agora em seu
próprio interesse. O autor observa que nesse contexto os princípios do Direito Penal em
conjunto são contemplados como sutilezas que se opõem a uma solução real dos problemas.
Surgem assim, os sistemas de justiça negociada, privatizando e desformalizando as
relações conflitantes, nos quais a verdade e a justiça ocupam, quando muito, um segundo
plano. O autor critica esses meios alternativos no que tange a diminuições de garantia e de
capacidade preventiva do sistema, podendo requerer, como compensação, um incremento da
sanção em seu sentido fático.
Neste capítulo o autor comenta sobre os impulsos sofridos pelo Direito Penal devido a
dois fenômenos típicos das sociedades modernas: a globalização econômica e a integração
supranacional. Supõe um futuro direito unificado, mas também menos garantista, no qual se
flexibilizarão as regras de imputação e se relativizarão as garantias político-criminais,
substantivas e processuais. Percebe-se aqui que o autor, em 2002, já fazia um prognóstico
perfeito do que viria a acontecer em nosso cenário jurídico dos dias atuais.
A delinquência da globalização é econômica, em sentido amplo, significando uma
mudança de paradigma clássico, que era pautado em crimes violentos. Esses delitos
econômicos não possuem regulação legal suficiente, necessitando ainda de elaborações
dogmáticas. Ressalta o autor que tais configurações serão feitas sobre bases
significativamente diversas daquelas do Direito Penal clássico.
Os fenômenos da globalização econômica e integração supranacional trazem consigo
um duplo efeito sobre a delinquência, quais sejam, por um lado deixam de considerar
condutas antes consideradas como delitivas, sob pena de inviabilizarem-se suas finalidades, e
por outro, dão lugar a novas formas delitivas, com uma nova aparição de concepção de objeto
do ilícito: elementos de organização, transnacionalidade e poder econômico.
O objetivo do Direito Penal da globalização é eminentemente prático. Trata-se de
proporcionar uma resposta uniforme ou, ao menos, harmônica, à delinquência transnacional,
que evite a conformação de “paraísos jurídico-penais”. A dificuldade se encontra no fato de
que, os diversos países, em que pese se submetam à recriminar delitos econômicos, possuem
culturas, e portanto, valorações, diferentes das condutas. A previsão do autor era de que
alguns princípios e institutos jurídicos seriam relativizados, tais como culpabilidade,
proporcionalidade, imputação objetiva, inversão do ônus da prova, delitos comissivos por
omissão e imputação subjetiva, não distinção entre autoria e participação etc.
3- A política criminal e a teoria do Direito Penal diante dos aspectos socioculturais e políticos
da globalização