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(Org.)
2018
São Luís
PAJUP
Diagramação e capa: Ruan Didier Bruzaca
Foto da capa: Igor Martins Coelho Almeida
ISBN 978-85-69617-17-4
CDD: 340
CDU: 342.7
Apresentação
Ruan Didier Bruzaca ............................................................................... 11
Prefácio
Igor Martins Coelho Almeida ................................................................. 15
Entrevistas
Apresentação
Prefácio
Problema e Objeto
1
Projeto de pesquisa apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), cuja fundamentação teórica serviu de
base para a elaboração do artigo “Linguagem dos juristas frente a representações jurídico-
culturais de povos e comunidades tradicionais: o caso do conflito possessório envolvendo a
comunidade quilombola de São Bento, Brejo/MA”, escrito em coautoria com Adriana Dias
Vieira e publicado na revista Prisma Jurídico (BRUZACA, VIEIRA, 2017, in passim).
20
5
A respeito da referida região, Gaspar e Andrade (2015, p. 111) destacam: “Oficialmente
denominada de Leste Maranhense pelo IBGE, essa Mesorregião é conhecida também
genericamente como Baixo Parnaíba. Esta denominação é adotada, principalmente, por
integrantes de movimentos sociais como o Fórum em Defesa da Vida do Baixo Parnaíba
Maranhense, membros de associações comunitárias, instituições confessionais e sindicatos de
municípios da região. A referência ao chamado Baixo Parnaíba não coincide com a área
oficial correspondente à Mesorregião Leste Maranhense, mas se refere, principalmente, às
áreas geográficas que integram alguns municípios dessa região, como Santa Quitéria do
Maranhão, Brejo, Anapurus, Mata Roma, Chapadinha, Buriti, Urbano Santos, São Bernardo,
Barreirinhas, Belágua, São Benedito do Rio Preto, Santana do Maranhão, Milagres do
Maranhão”.
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Objetivo geral
O projeto tem como objetivo geral analisar em que medida a atuação das
instituições do sistema de justiça nas ações possessórias possibilitam a
concretização do direito à posse e ao território de comunidades quilombolas
no Baixo Parnaíba Maranhense.
Objetivos específicos
Relevância
Metodologia
Perspectivas do Projeto
O projeto tem como perspectiva: a) contribuir para uma tutela efetiva dos
direitos de comunidades quilombolas, inseridas perenemente em situações de
conflito e violência; b) conscientizar as instituições do sistema de justiça a
respeito das particularidades étnicas que envolvem as comunidades
quilombolas, sob pena de perpetuar uma visão elitista, patrimonialista e
individualista do Direito que impossibilitam a tutela daquelas; d) contribuir
para a construção de um conhecimento jurídico crítico que possibilite a
compreensão das formas de viver, fazer e criar de comunidades quilombolas;
e) consolidar uma atuação e produção científica crítica alinhada à atuação do
Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular – PAJUP, projeto de
pesquisa e extensão da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
Referências
_____. STF. Adin nº 3.239-DF. Relator: Ministro Cezar Peluzo. Voto vista
Ministra Rosa Weber. 25/03/2015. Brasília, 2015. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3239RW.pd
f>. Acesso em 31 de mai. 2016.
<http://www4.uninove.br/ojs/index.php/prisma/article/view/7414/pdf_63>.
Acesso em 20 mar. 2018.
Objetivo geral
1
Relatório dos resultados gerais obtidos na execução do projeto “Atuação das instituições do
sistema de justiça na proteção da posse e do território nas ações possessórias ajuizadas contra
comunidades quilombolas no Baixo Parnaíba Maranhense”.
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Objetivos específicos
Resultados
Conflitos possessórios envolvendo comunidades quilombolas no Baixo
Parnaíba Maranhense
1) JF/MA-0023130-55.2013.4.01.3700-ACP – CÍVEL –
TUTELA COLETIVA, referente à implementação do Programa
Luz para Todos, na comunidade quilombola de Barro Vermelho,
município de Chapadinha;
referentes à propriedade e à posse. Por outro lado, ações civis públicas são
ajuizadas por instituições do sistema de justiça, como a Defensoria Pública
da União e o Ministério Público da União, debatendo direitos que são
dificilmente efetivados, por exigir uma atuação estatal contínua e célere, e
que são reiteradamente questionados, principalmente por envolver grupos
étnicos postos em suspeita.
Trata-se de uma constatação que corrobora com marcos teóricos
estudados ao longo do projeto, bem como com aspectos empíricos
presenciados tanto nas entrevistas quanto nas peças processuais existentes
nos autos das ações possessórias e das de natureza diversa. Neste sentido,
importa trazer aspectos dessas ações, com a finalidade de deixar clara a
atuação das instituições de justiça e órgãos envolvidos enquanto parte, por
um lado, e, de forma apartada, da atuação do judiciário, por outro.
Com isso, verifica-se a existência de tratamentos diferenciados quanto às
reivindicações quilombolas e, em especial, quanto à sua percepção de mundo
e suas formas de ser, viver e criar, seja pela continuidade de uma tradição
jurídica que impede avanços no reconhecimento dos direitos daqueles, seja
pelas diferenciadas tentativas de assegurar o reconhecimento e a efetividade
de direitos.
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Ademais, afirma que “na ordem do dia, para nós aqui do Ministério
Público Federal, é fazer de fato a defesa territorial o primeiro aspecto a gente
tem se preocupado” (MELO, 2017, s. p.). Assim, não somente nas
possessórias, quanto nas ações civis públicas, observa-se a atuação do
Ministério Público Federal no sentido de garantir o acesso ao território das
comunidades quilombolas, bem como a outros direitos, como o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado. Quanto ao primeiro, utilizando-
se como exemplo o processo nº 0051743-51.2014.4.01.3700, JF/MA, que
trata da comunidade Depósito, Brejo/MA, destaca-se a busca pela tutela dos
direitos territoriais.
Diferente do uso de ações possessórias, a ação civil pública é identificada
enquanto instrumento capaz de trazer com maior adequação as
reivindicações das comunidades. Isto corrobora com a conformação do
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Defensoria Pública
Advocacia popular
Judiciário
Avaliação do projeto
Referências
Processos consultados
Objetivo geral
1
Projeto de pesquisa apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).
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Objetivos específicos
Estudar a concessão de decisões liminares pelo judiciário que repercutem
na expulsão de comunidades quilombolas ou manutenção de particulares
nas áreas conflituosas no Baixo Parnaíba Maranhense
Resultados
e política, que luta pela terra visando sua função econômica que busca
sobretudo uma modernização da região.
A elite local da região tem papel essencial na manutenção do caráter de
mercadoria da propriedade diante do judiciário. Esse aspecto da propriedade
corrobora para expropriação de sujeitos e limitação do uso da terra por todos
e para todos, desse modo sendo uma visão extremamente colonial da terra
que não permite a existência de atores sociais como os quilombolas.
Conclusão
Referências
Processos consultados
Objetivo geral
1
Projeto de pesquisa apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).
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Objetivos específicos
Atribuições legais das instituições do sistema de justiça estatais passíveis de
postular a tutela de direitos das comunidades quilombolas nos conflitos
possessórios no Baixo-Parnaíba Maranhense
Corolário
Perspectivas
Discussão
Resultados
mais que os próprios fatores histórico e cultural destes povos, mesmo diante
do responsável pela democratização da terra.
A lógica da Titulação do INCRA promove que, após elaboração e
publicação dos RTID’s, publique-se Portaria pelo Presidente do INCRA,
pois esta é o que demarca o território reconhecido, e demonstra, por óbvio, o
reconhecimento em si.
Como dito, porém, esta raramente ocorre, quiçá em breve período de
tempo. Tal fato se comprova ante o tempo em que se movem os processos,
os quais datam de 2011, 2009, 2007, 2005 e até mesmo 2004.
Frise-se, ainda, que a política de titulação intentada atualmente não
engloba o reconhecimento coletivo. Promove-se, todavia, a divisão de
glebas/terrenos, corroborando, com isso, para a desintegração da
comunidade, a medida em que dispõe de brecha para a compra de terrenos,
mesmo que ilegal, por parte dos fazendeiros ou sojeiros da região.
São os processos concernentes ao Baixo-Parnaíba levantados no INCRA:
Certidão da Portaria
Comunidade Número Fundação Cultural Administrativa do
Palmares INCRA
Saco das Almas 54.230.003791/2004-87 SIM NÃO
Bonsucesso 54.230.003668/2005-47 SIM NÃO
Santa Cruz 54.230.003910/2005-82 NÃO -
Árvore Verde 54.230.004960/2005-87 SIM SIM
Data Arraial 54.230.003615/2007-98 NÃO NÃO
Alto Bonito 54.230.005031/2007-57 NÃO NÃO
Barro Vermelho 54.230.005393/2009-18 NÃO NÃO
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Quanto ao ITERMA, têm-se que este foi instituído nos termos da Lei nº
6.272, de 06 de fevereiro de 1995 e reorganizado pelo Decreto nº 17.171 de
15 de fevereiro de 2000, sendo autarquia vinculada à Gerência de Estado de
Desenvolvimento Social – GDS, tendo como missão executar a política
agrária do Estado.
Sua função seria organizar a estrutura fundiária no território maranhense,
possuindo amplos poderes de representação, para promover a discriminação
administrativa das terras estaduais, bem como reconhecer posses legítimas,
titularizar os respectivos possuidores, e incorporar ao patrimônio do Estado
as terras devolutas, ilegitimamente ocupadas.
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Tal fato não amiúda, porém, que ainda há certo entranhamento na postura
das instituições, digamos, oficiais da justiça. Isto se percebe por meio das
constatações acerca dos processos em nível estadual, que pouco ou nada
possuem intervenção de, por exemplo, o Ministério Público Estadual, fato
que obsta, inclusive, a própria análise da verdadeira competência da justiça
estadual aos casos.
Ocorre que ainda há processos que tramitam em âmbito estadual que
tratam, inegavelmente, de demandas de interesse da União, ante as
interferências diretas aos direitos das comunidades quilombolas regionais.
Nesta medida, ao passo que se constata certa higidez de algumas
instituições em não permitir que se questione a autoatribuição e a cultura do
outro – ora quilombola –, os responsáveis pelos cenários mais alarmantes
continuam frígidos, seja pela ausência de diagnóstico da questão e
sobrecarregamento dos entes, seja porque há interesses maiores envolvidos,
como o próprio capital especulativo.
A diversidade, assim, torna-se matéria complexa, pois não basta a
simplória identificação da relação tradicionalmente estabelecida entre
comunidades e recursos naturais, mas, sim, necessita-se de uma análise dos
conflitos que refletem diretamente nos direitos e nas relações coletivas dos
povos tradicionais, pautando-se que as terras identitariamente ocupadas
devem ser amparadas por um mecanismo jurídico para além do civilista e,
ademais, que considere essas mudanças do aparato estatal e tendências dos
movimentos de mobilização (ALMEIDA, 2008).
114
Dificuldades
Conclusões
Referências
1
Artigo apresentado no III Seminário Internacional do Observatório dos Movimentos Sociais
na América Latina – Educação, movimentos sociais e direitos humanos: epistemologias
subversivas, realizado de 12 a 14 de julho, em Caruaru/PE, publicado nos anais do evento,
com ISSN 2448-1300, em seu volume III, que consta o Grupo de Trabalho 04 – Estudos Pós-
Coloniais.
126
Metodologia
Resultados
Discussão
Conclusão
Referências
Introdução
1
Artigo originariamente elaborado para apresentação no III Seminário Internacional do
Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina – Educação, movimentos sociais e
direitos humanos: epistemologias subversivas. Uma versão modificada e atualizada do
referido artigo, que conta também com a autoria de Ruan Didier Bruzaca, foi apresentado no
“III Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política – A Desigualdade e
a Reconstrução da Democracia Social”, realizado de 24 a 27 de outubro de 2017, em
Curitiba/PR, que será publicado em e-book e cujo resumo consta no caderno de resumos do
evento (ISBN 978-85-8238-376-6). Adverte-se ao leitor que parte do texto é replicado no
relatório referente ao plano de pesquisa da bolsista Jordana Letícia Dall Agnol da Rosa,
presente neste livro.
140
Metodologia
Resultados
mas, sim, com a concepção de controle dos meios de produção, onde a Lei
passa a servir ao poder político e econômico e pouco – ou quase nada – ao
grupos étnicos.
Nesse sentido, permeia um dever da advocacia popular em representar
tais comunidades para além da judicialização de conflitos, de forma a
intervir nas circunstâncias percebidas, onde se possa discutir e provocar o
Ministério Público Federal, por exemplo, através de denúncias, colaborando
para a viabilização das políticas públicas e, ademais, para a própria
regularização de terras por parte do INCRA e Instituto de Colonização e
Terra do Maranhão – ITERMA, sobretudo, para a proteção possessória das
comunidades em conflitos e, ademais, para a própria busca por reforma
agrária e respeito à composição dos povoados existentes.
Cabe aos movimentos integrantes, ainda, discutir os critérios e políticas
tomadas para a regularização fundiária no ordenamento, já que há inegáveis
objeções de competência, sendo constante o exímio dos responsabilizados
INCRA e, regionalmente, ITERMA – sendo este atuante não em casos de
conflito possessório, mas apenas em circunstâncias apaziguadas; ademais,
pelo trato ainda burocrático e arcaico das instituições, as quais enviam
equipes raramente capacitadas para lidar com a realidade das comunidades,
onde, em sua maioria, vislumbram os casos em que atuam não com
necessário recorte antropológico e social, mas com visões formalistas e
reducionistas, que não valorizam a identidade dos povos e, muito menos, o
valor do saber geracional.
145
Discussão
marca de 0,864 pontos (REIMBERG, 2009). Este fato explica, por exemplo,
o extenso número de conflitos fundiários no estado, o crescimento das ações
possessórias no Judiciário maranhense e o próprio crescimento dos
movimentos comunitários e de assentamentos, principalmente se se
vislumbrar que 36,4% da área total do território maranhense pertence a tão
somente 0,4% da população (PEDROSA, s.d.).
O judiciário maranhense, portanto, em face da história e dos dados que
cercam a realidade do estado quanto a luta por terra, ganha medular encalço
não só pela responsabilidade de se resolver os casos levados a juízo, mas
pela própria existência de uma dívida nacional no tratamento das demandas
populares, que é inegavelmente agravada se envolta de conflitos
distributivos. Cresce, aqui, a necessidade de colaboração de um poder do
Estado em prol das próprias políticas governamentais. Remete-se, assim, ao
uso dos instrumentos que também materializam o direito dos povos em si,
como a própria função social da propriedade e da posse, de forma que o
mesmo se comprometa a envolver o direito à moradia, de vislumbre
constitucional e com status de Direito Fundamental, como forma
interpretativa e expansiva, promovendo não uma neutralidade axiológica, já
que a mesma é quase impossível de realização, mas a percepção exegética da
própria desigualdade real entre os sujeitos de direito, cousa pouco percebida
se se define poder meramente declarativo e reativo por parte dos magistrados
(FARIA, 1998a).
É da realidade, com isso, que se exprime a maior caracterização da
moradia, e é dos cumprimentos, ou não, das responsabilidades sociais, por
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parte do Estado, que se capta a sua prestação. O direito dos povos, assim, é
muito mais que mera construção abstrata. É, na verdade, “abstenção [...]
[para com o] [...] governo, [...] que deve [...] proteger esse direito de
possíveis agressões oriundas do próprio órgão protetor ou de particulares”
(PINHEIRO apud SANTOS, 2013, p. [?]). Cabe, portanto, muito mais o
dever de materializar um direito, sendo estes envolvendo a dignidade,
intentando prevalecer a humanização da norma, e impedindo, ademais,
meras apreciações econômicas e mercadológicas de situações fáticas e
subjetivas que envolvem, sem sombra de dúvidas, o direito fundamental de
ter onde sobreviver e morar (TORRES, 2010).
É factível, porém, que a prática ainda prenuncia muito mais a defesa do
“status quo” que a busca pelo próprio direito fundamentado (LOPES, 1998).
A cultura normativista sequencia muito além de um apego aos ritos e
procedimentos, mas descaracteriza o essencial vislumbre dos direitos sociais,
onde
[...] apesar de formalmente consagrados pela Constituição, em
termos concretos eles quase nada valem quando homens
historicamente localizados se vêem reduzidos à mera condição
genérica de ‘humanidade’, [...] sem a proteção efetiva de um
Estado capaz de identificar as diferenças e singularidades dos
cidadãos, de promover justiça social, de corrigir as
disparidades econômicas e de neutralizar uma iníqua
distribuição tanto de renda quanto de prestígio e de
conhecimento (FARIA, 1998b, p. 95).
148
Conclusão
Referências
ENTREVISTAS
159
Ruan Didier Bruzaca (R. B.): A questão quilombola tem ganhado nos
últimos tempos grande repercussão, bem como questionamentos, a exemplo
da ADIN 3239 e a PEC 215. Paralelamente, conflitos fundiários aumentam,
resultando no judiciário enquanto palco de disputa. Diante desse cenário,
trazemos alguns questionamentos. Primeiro, quais as suas impressões a
respeito da questão quilombola na atualidade?
Jordana L. D. A. Rosa (J. R.): Como tem sido a atuação da DPU com
comunidades quilombolas?
Ruan Didier Bruzaca (R. B.): Doutor Hilton, bom, é, nós estamos aqui
representando o PAJUP, a UNDB e a FAPEMA, em um projeto de pesquisa
voltado a ações possessórias envolvendo quilombolas e nós queríamos
inicialmente lhe perguntar como é que é a atuação do MPF em relação a
conflitos possessórios envolvendo quilombolas.
H. M.: A primeira compreensão que a gente tem que ter pra resolver esse
conflito aparente, digamos, é sermos bastante consciente que só existe um
ordenamento jurídico brasileiro. As leis existem várias, mas o ordenamento,
o que dá unidade pra esse sistema, ele é uno. Então, é preciso que a gente
sempre concilie quando a gente se deparar frente a seres que aparentemente
são adversos. Enquanto, como você pontuou, a visão de posse na visão mais
tradicional ao nosso direito, que acompanha bem a nossa história, é civilista
e patrimonialista, inclusive de séculos, ela é sim posse sempre relacionada ao
direito de propriedade e a um direito de produzir, um direito de produzir do
ponto de vista do enriquecimento, de produção econômica propriamente dita.
174
Essa posse, que é tutelada com os institutos do direito civil tradicional, ela
precisa ser dialogada, ela precisa conversar, e é um esforço frequente no
Ministério Público Federal quando se posiciona em conflitos possessórios. É
saber reconhecer que a realidade dessas comunidades quilombolas é bem
distinta na forma como elas visualizam a relação com a terra do que de um
modo geral o direito civil costuma fazê-lo. Muitas vezes o Ministério
Público Federal já conseguiu acordos onde se preservou a posse, com o que
a gente quase chamou de sobreposições de posse. É saber que o fazendeiro
às vezes empreende criação de gado em um território que ainda é discutido,
pra saber se ele vai ser reconhecido e titulado em favor da comunidade, mas
enquanto o conflito fundiário persiste no aguardo de uma decisão
administrativa, que pode redundar numa eventual desapropriação. O que a
gente tem procurado é disseminar a ideia de que a coabitação é possível,
desde que haja uma aceitação de que, num pasto, por exemplo, é possível
que quebradeiras de coco adentrem pra extrair o seu sustento através do
extrativismo. Enfim, é possível fazer com que ao mesmo tempo que um
fazendeiro mantenha provisoriamente parte de um seguimento de posse, ele
também tem deveres para com quem coabita aquele ambiente. Por exemplo,
é o dever de não matar as piabas, não matar a palmeira que tá em
crescimento, não devastar. Tudo isso tem a ver com a dinâmica de direitos
que tá inserida naquele espaço. Então o que a gente tenta é, com base no
discurso, convencer as partes e o juízo de que a dinâmica dessa posse é vista
de forma distinta pelos dois lados. E como você bem falou também, para o
quilombola não existe essa ideia de você conseguir titular a terra pra eles e
175
eles dizerem amanhã “opa, esse lote é meu e aquele lote ali vai ser do Senhor
Raimundo, e aquela do Senhor Antônio”. Não, a posse eles veem de uma
forma muito coletiva, então eles não tem necessidade de fazer esse recorte de
terra tão típico do homem branco e da história civilista tradicional nossa.
R. B.: Você tem visto em juízo, tanto pelo judiciário, quanto pela parte
contrária, ou por outras instituições do sistema de justiça envolvidas, essa
compreensão a respeito dessa posse diferente e que merece proteção
específica?
H. M.: A gente tá aqui num bojo de uma pesquisa academia científica, que a
gente precisa falar o que nós hoje vivemos pra quem sabe vislumbrarmos
onde chegaremos. A resistência de determinadas instituições, em especial o
judiciário ainda é notada. O que existe, na verdade, são magistrados com
perfil mais tendente a um lado e um perfil mais tendente a outro. Eu acredito
sim que é cada vez mais comum que essa discussão perpasse no processo de
maturação, ou mesmo no processo de iniciação do magistrado. Os cursos de
vitaliciamento, que existe tanto no Ministério Público, quanto na
Magistratura, de responsabilidade das escolas de cada ramo, eles têm se
preocupado cada vez mais. Eu mesmo tenho uma proximidade muito grande
com os cursos que acontecem, por exemplo, na sede do Tribunal Regional da
Primeira Região, e na sede do Ministério Público Federal em Brasília. Lá, os
capacitadores sempre se preocupam em deixar para os cursos de formação
um espaço onde é possível fomentar esse amadurecimento por parte dos
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membros pra que, de repente, uma pessoa que sempre morou na cidade, é
branco, é de boa condição, que nunca foi, por exemplo, pros recantos do país
mais distantes, como, por exemplo, na Amazônia, na Amazônia legal, de
modo geral, proceda a uma análise sociológica diferente. Então, tanto na
etapa do concurso, como após a entrada na carreira, eu tenho verificado que
vem tido sim um esforço pra, digamos, as novas gerações estejam cada vez
mais abertas a esse debate amplo a respeito dessa questão. Mas, sim, a
prática ainda assim nos revela surpresas não tão gratas, se é que me entende.
R. D.: Então, por fim, eu queria fazer uma pergunta mais específica pro
objeto da gente, que é o Baixo Parnaíba maranhense; Este é marcado por
diversos conflitos fundiários, principalmente provocados pelo latifúndio,
pelo agronegócio, pelo cultivo de soja, eucalipto, e em muitas situações a
gente consegue perceber uma articulação local de proteção dos interesses
desses grupos, e uma certa criminalização ou desconsideração de grupos
camponeses, e quilombolas especificamente. Esse contexto em que tá
inserido o Baixo Parnaíba maranhense, como é que você analisa e como
melhorar essas situações de conflito?
eu lembro que é um problema que surgiu não mais do que dez anos pra cá,
como empreendimentos como a Suzano Celulose, que inclusive fez uso de
um expediente que o Ministério Público Federal impugnou na justiça, que é
o fato de elas estarem, digamos assim, disseminando pequenos
empreendimentos de forma recortada, tanto do lado maranhense, quanto do
lado do Piauí, de forma a fugir de um licenciamento mais global. Então a
preocupação histórica do Ministério Federal foi suscitar que o IBAMA,
enquanto instituto federal, pro licenciamento ambiental, quando se reportar a
fatos de danos regionais, a potencial dano regional, pra que ele licencie e
faça com que a política de licenciamento desses empreendimentos levem em
consideração o todo, inclusive a enorme gama de comunidades que existem
nessa região. Brejo é um exemplo que me vem muito a cabeça, pra que fazer
com que essas ações, essas discussões relacionadas às comunidades
quilombolas encontrem a sede própria pra eles, em um debate efetivamente
justo pro direito que elas pleiteiam, e evitar que mais uma vez a simples
ótica civilista tradicional predomine. Nós acreditamos, no Ministério Público
Federal, que quando a gente discute essas possessórias, discute no âmbito
desses conflitos fundiários o que é posse pro quilombola e o que é posse pro
fazendeiro, essa dinâmica ela é melhor tratada e, no caso do baixo Parnaíba,
essa resistência inicial nós percebemos por parte da Justiça Estadual. Nós
temos tentado, digamos assim, reverter, dar uma guinada no processo,
fazendo com que ações possessórias não mais sejam julgadas pela Justiça
Estadual, mas sim pela Justiça Federal. É um remédio que, se ainda não
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Ruan Didier Bruzaca (R. B.): Filipe, como é a atuação jurídica do Centro
de Cultura Negra junto a comunidades quilombolas?
Filipe Farias Correia (F. C.): Na parte jurídica, sou eu e o Masson. Nós
somos assessores jurídicos lá do CCN, mas não necessariamente é só a gente
que compõe o grupo técnico que trabalha no projeto Vida de Negro, que é o
projeto com financiamento internacional, atualmente, da MISERIOR em
conjunto a Fundação Ford. Eu não vou saber precisar tecnicamente quem tá
em cada projeto, porque lá eles fazem a contabilidade, fazem um orçamento
geral e são as mesmas comunidades para os dois projetos, e fica um
financiamento mútuo. Nossa forma de atuação é o seguinte: há o
planejamento, onde as áreas são as que têm articulação com as pessoas do
CCN, porque na nossa forma de atuação a gente tem que ter sempre uma
abertura política para adentrar ao espaço. Então, nessas áreas geralmente
temos ligações com as pessoas que tão lá, por exemplo, o Ivo é quilombola e
algumas pessoas são lideranças quilombolas. Então, eles têm essa
articulação, não só a nível de CCN. Eles participam de outras entidades que
é articulação de quilombolas, e aí eles conseguiram essas comunidades que
são mais próximas, e com essas comunidades que são mais próximas se
elaborou uma lista da atuação também em relação a gravidade de conflito e
tudo mais. Essas comunidades foram divididas entre atuação direta e atuação
181
indireta, sendo que as de atuação direta são aquelas que nós atuamos
sistematicamente, ou seja, além de uma atuação processual, nós vamos lá e
conversamos com eles, nós vemos os problemas imediatos e tem toda uma
questão positiva do CCN, que sempre tá naquela comunidade. Já nas outras
comunidades, as indiretas, a gente tem uma atuação pontual. A atuação
pontual às vezes tem um processo, tem uma liminar saindo, a gente vai lá,
faz a atuação jurídica, faz a defesa, mas não necessariamente a gente vai
acompanhar até o final, ou seja, é meio que residual, até porque os recursos
são escassos, então é até uma deficiência que a gente tem. É porque a gente
deveria se articular com as outras entidades até para ver quando a gente
deveria atuar ou não nessas residuais. E a gente tá tentando começar a
conversar com a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e a Rede
Justiça nos Trilhos. O projeto até agora já tem um ano e até agora a gente tá
fazendo certas viagens de mobilização e algumas atuações pontuais em
processos, e fazendo levantamentos ainda para saber a situação e quais são
os processos. Então o lugar que a gente tem mais avançado em relação aos
processos é naquela região de Bacabal, da comunidade de Santarém, São
Pedro, mas a gente tá tentando dar prioridade para algumas áreas que tem o
conflito maior. Por exemplo, Matinha a gente não chegou a fazer uma
pesquisa aprofundada, a gente ainda não olhou processo, a gente tem o
número, mas ainda não foi lá ler, além da questão jurídica que é o assunto
imediato do projeto. Só para ressaltar que outras pessoas atuam, por
exemplo, quanto às políticas públicas que vão incidir diretamente na
comunidade quilombola. Aí é mais o trabalho do Ivo e da Célia, que pegam,
182
se articulam, vão ver como tão as implicações legais, perguntam para gente,
pedem essa assistência, e eles levam para comunidade essa explicação. É
uma forma de atuação mais informal, então a gente sempre faz essa atividade
extrajurídica, que não deixa de ser jurídica
R. D.: Sim
F. C.: Olha, o Baixo Parnaíba, por conversa. Não diretamente indo lá, mas
por conversa. Quando a gente teve a reunião com a SMDH, o que pareceu é
que lá em Barro Vermelho tem uma situação meio peculiar, tanto que tem
uma denúncia na Organização dos Estados Americanos, mas também não
caminha. Mas me parece que lá é um pouco mais grave, porque neste
conflito, existem pessoas não deixam incidir políticas públicas de jeito
nenhum. Parece que tem extração mineral, tudo irregular, não tem nada de
licenciamento ambiental e nada. Parece que lá é um pouco mais, não
bastante, mais grave que nas outras comunidades. Nas demais áreas, o que
me parece, no atual cenário, é que, apesar de ter esta estabilidade da questão
183
Arthur Nunes Lopes Martins (A. M.): Quando tu falou que existia uma
atuação residual e uma atuação mais direta, quais são os critérios que vocês
usam? E a atuação residual pode passar a ser uma atuação mais direta de
vocês?
F. C.: É uma discussão recente que a gente teve, porque é financiado, então
a gente presta conta. Eu sei que as violações são inúmeras, mas a gente tem
que delimitar nosso campo de atuação até mesmo para ter efetividade na
nossa forma de atuação. A gente estava atuando com vários casos pontuais,
isolados, que estavam atrapalhando o andamento do projeto, e quando a
gente teve a conversa com o financiador, isso foi meio que destacado, que
não estava andando nossa atuação em relação às comunidades diretas. E aí, o
que acontece, a gente infelizmente atua nas indiretas só de forma pontual
mesmo, quando há uma situação grave de violação ou outra entidade não
184
atua em cima dela na atual situação. A gente sempre tenta dialogar com
outras entidades para ver se elas assumem.
F. C.: Chapadinha tem Barro Vermelho, Santa Quitéria, tem Cana Brava,
Riacho do Meio, Lagoa dos Patos, Santa Helena, Caruaras e Santo Antônio.
Aí Milagres, outro município tem Panelas. São 11 comunidades.
F. C.: Do Baixo Parnaíba eu vou dizer para vocês, a gente já fez uma viagem
para lá, mais especificadamente para Santa Quitéria. Nossa atuação é meio
problemática, porque a gente depende dessa articulação política. Por
exemplo, quando eu fui lá, eu tive bastante saída de atuação para Cana
Brava. Mas, por exemplo, a gente foi lá em Caruaras, e cancelaram a
reunião. Já em Milagres, Panelas é uma família que se dividiu, é pequena, e
agora tem um problema que eles não tão mais nem se afirmando como
quilombola, então dessas comunidades bem aqui, somente a de Milagres.
Tem até uma discussão se a gente vai tirar elas do projeto ou não, porque a
gente não tá conseguindo se inserir. Elas foram colocadas no projeto por
causa da situação de conflito que tem lá, porque lá tem plantação de soja,
tem fazendeiros do sul. Quando a gente foi lá em Panela, chegou um cara
que era do sul que comprou terras lá, e já estava olhando e tudo mais, e aí
185
eles tão sempre nessa situação lá. A situação é bem conflituosa. Ainda não se
instalou o conflito frontal porque a comunidade ainda não bateu de frente.
Eles tão chegando ainda, mas a gente também não tem articulação política de
atuação dentro, não tem muita saída. Se a gente marcar uma reunião, eles
desmarcam, ou então não vão, e a gente não tem pernas para ficar tentando e
não conseguindo. A gente tem que tocar para outras comunidades
F: Olha, a gente atua no CCN de forma judicializada, com mais destaque nos
processos administrativos do INCRA ou do Instituto de Terras do Maranhão.
Só que os processos administrativos do INCRA, especialmente, geralmente
estão todos parados. Até se você for ver a dotação orçamentária prevista para
esse ano de 2017, praticamente o INCRA não vai funcionar. Não tem como
fazer nada com a dotação, então alguns locais aqui, algumas comunidades, o
CCN está chegando agora. Então, se existe processo, a gente não sabe
nessas. Por exemplo, de Milagres, não sabemos. Já em Cana Brava, tem
processo lá que eu já sou habilitado e eu sou o advogado oficial. Já as outras
aqui, praticamente todas do Baixo Parnaíba, informações mais detalhas vai
ser só Barro Vermelho, em Chapadinha, e Cana Brava, em Santa Quitéria.
186
F. C.: Dessas três que tu mencionou, eu só não vou falar sobre a Defensoria,
porque eu nunca tive contato com eles. Agora, do MPF, que é o competente
para áreas quilombolas, eles são muito bons, na verdade. Assim, era o
procurador Alexandre, e de conhecimento da vivência da relação quilombola
ele realmente entendia. Esse novo, o procurador Hilton, não tenho
conhecimento ainda. Eu tenho um caso que tá lá que a gente fez uma
denúncia, mas até hoje, por questões burocráticas, a gente não conseguiu ter
uma reunião com ele, e tem todos os empecilhos da forma de atuação. O
MPF tinha isso, eu achava, na minha percepção, que ele tinha o domínio
teórico e que tinha uma vontade institucional de contribuir. Já em relação ao
poder judiciário, nós temos posicionamentos diferentes em relação às
atribuições federal e estadual. Sobre qual é as atribuições da estadual, que
não necessariamente é a vara competente. Eles são muito influenciáveis
pelas autoridades locais, então muitas vezes tinha liminares contra as
comunidades, de despejo e uso de força policial, sem qualquer tipo de
contraprestação. A atuação que a gente tinha jurídica era pedir o
187
deslocamento para a vara federal, que a gente oficiava o INCRA, e pedia que
ele manifestasse interesse na causa e eles remetiam à vara federal, que é a 8ª
vara. Ele que concentra os processos e a atuação dele era de certa forma boa,
não vou dizer que era cem por cento, uma ou outra tinha algum problema,
mas muito melhor. Há uma diferença, é uma estratégia processual que é
muito válida. A gente vê que ele realmente tem uma ponderação na forma de
atuação, ele sabe que uma determinada liminar pode causar prejuízo em uma
certa comunidade, pode não se reestabelecer, de volta, caso a decisão seja
alterada, mas o grande problema é a demora processual. Às vezes a liminar
sai e a inércia das entidades que trabalham com direitos humanos, que às
vezes não atuam de forma eficiente e acontece que o processo fica na vara
estadual e aí acontece a possibilidade de despejo. Só depois que pede o
deslocamento de competência. Aí o dano já foi causado e a comunidade não
consegue se reestabelecer em determinada área!
que não dá nem para acompanhar. Às vezes a gente não sabe nem qual foi a
última manifestação que o INCRA fez em determinado processo. Já o
ITERMA não. Até mesmo pela legislação estadual ser mais
desburocratizada, não é tão amarrado. Eles fazem procedimentos jurídicos de
compra da terra e doam a terra. Não é a desapropriação quilombola em si.
Eles fazem a doação para o quilombola. Eles têm uma amplitude de atuação
melhor, e acho que eles tem um corpo técnico mais amplo também, tem um
recursos humanos melhor, mas isso também foi mais desse governo que a
gente viu o ITERMA. Tinham esses instrumentos jurídicos flexíveis, só que
antes desse governo, o órgão era totalmente desorganizado. Na instituição já
tinha os instrumentos, mas a forma de atuação era desregulada. Organizaram
os funcionários, de modo que há uma eficiência de sua atuação. Sempre tem
a questão da dotação orçamentária, mas ele funciona bem melhor que o
INCRA. O outro instrumento que vou ressaltar é a mesa quilombola, que é
um instrumento previsto por meio de uma portaria nacional, que é um
diálogo que os quilombolas fazem no INCRA, ou seja, eles vão lá, mostram
suas demandas, perguntam a questão no processo administrativo e o INCRA
dá respostas.
F. C.: Sim. Nós somos a principal instituição que tá lá dentro, de voz dos
quilombolas para o INCRA. Recentemente, nós sempre questionamos
porque as outras entidades não compareciam à mesa, mesmo porque eles têm
189
o dever de comparecer à mesa. Nessa última não sei se porque tinha gente de
Brasília, apareceu gente de outras instituições. Se for para falar da eficiência
da mesa, ainda é fraca. A gente chega lá e sempre escuta não. Então a mesa é
um instrumento muito bom, de diálogo, mas ainda não tem uma eficiência
muito boa.
F. C.: Isso é uma questão interessante, porque os quilombolas têm isso. Essa
ancestralidade. Mas eles foram condicionados a esses instrumentos jurídicos
e eles estão se apropriando agora. Então, na Constituição tem o art. 68 do
ADCT, que é o principal artigo de comunidade quilombola. Eles vão falar
em artigo 68, “aqui é nosso”. Então eles se apropriaram daquilo por questão
de necessidade. É um discurso que veio para complementar, não teve a
substituição de um discurso por outro. Eles ainda têm a ancestralidade, mas
190
Brava. Não tinha, de forma bem clara, que era comunidade quilombola na
sua defesa. Tinha, mas era superficial. O que aconteceu: o juiz concedeu
liminar. Quando eu fui lá fazer a visita, descobri esse processo e vi que tinha
liminar, e que só não tinha sido cumprida ainda porque não tinha sido
deslocada força policial para região. O que aconteceu: eu fiz uma
manifestação dizendo que era quilombola, e pedi o deslocamento para
federal, e pedi a intervenção do INCRA. Aí ele suspendeu a liminar. Então o
poder judiciário tem certo receio de burlar de forma absoluta esses
instrumentos, que já foram impostos. Precisamos de uma atuação cirúrgica
das entidades de direitos humanos, que tem que se apropriar desses
instrumentos e utilizar eles, e sentença final. Geralmente eles tentam evitar
conflitos na região. Geralmente eles não querem resolver esses processos,
eles sabem que você tem uma pessoa que tem o instrumento jurídico
tradicional do direito da doutrina civilista, e tem outras pessoas que vem com
o art. 68 da CF. Aí é um choque muito grande. Eles não chegam a se decidir
qual seria o que sobrepõe um ao outro. Então eles sempre evitam nas suas
decisões intensificar conflitos. O que isso demonstra é que o judiciário já
tem ciência dos instrumentos quilombolas e da sua importância no nosso
ordenamento pátrio. O que eu não vou dizer é que o judiciário sabe que
determinada comunidade é quilombola, porque as vezes nem a população de
determinado município tem ciência que uma comunidade é quilombola. Às
vezes até porque dentro dessa comunidade várias pessoas não se afirmam
quilombolas. Então há essa multiplicidade de afirmações que eu
sinceramente não espero que o juiz saiba. Então meu trabalho é justamente
192
A. S.: Na verdade são vários, e eu teria que fazer esse levantamento, porque
de cabeça eu não sei levantar isso do Baixo Parnaíba, pois os problemas vão
chegando e você não vai designando eles por região. Mais fácil até designar
por comunidade do que propriamente por região. O que acontece no Baixo
Parnaíba é que tem outra feição de atuação também, que é aquela ambiental,
que é relacionada à exploração de empreendimentos lesivos a essas
comunidades que tem também causado problemas possessórios a esses
grupos. Ou seja, você não está discutindo posse, você está discutindo meio
196
J. R.: A gente queria saber também quais são os critérios que vocês utilizam
para acompanhar o caso de alguma comunidade quilombola.
A. M.: O MPF usa algum critério interno para definir que aquela atuação
envolve quilombola? Como o órgão enxerga aquela identidade quilombola?
dessa demanda, mas, via de regra, quem chega aqui já chega tendo passado
por outras instituições. Então, em geral, já formulou um pedido perante o
INCRA, perante a Fundação Cultural Palmares. Então pelo menos a
provocação ao MPF é concomitante com a de outros órgãos. Dificilmente ela
é primária. É diferente do que ocorre na situação indígena, que as vezes o
pessoal procura primeiro o MPF para depois procurar FUNAI, para depois
procurar o Ministério da Saúde. Muitas vezes é a própria eclosão de um
conflito que faz nascer a demanda pela regularização fundiária. Então,
muitas já vêm para cá tendo passado por outras instituições do estado com
pedidos de regularização fundiária, mas há também aqueles casos onde isso
é concomitante. Via de regra, o primeiro demandado é, muito frequente, que
os grupos passem por outras instituições, principalmente do Poder
Executivo.
A. M.: Como você analisa o uso das ações possessórias aqui no Maranhão
envolvendo quilombolas? Nossa hipótese é que dentro desses processos é
utilizado predominantemente o Direito Civil, sem levar em conta a
identidade das comunidades.
A. S.: A gente pode dizer diante disso, via de regra, que nas ações que
chegam da Justiça Estadual, nós observamos exatamente esse perfil que é
levantado pela hipótese de vocês. O Direito Civil é utilizado como marco
normativo e como um marco normativo mal aplicado, pois, via de regra, aí a
gente não está falando mais de Direito Civil, mas de processo civil. O que é
199
são pessoas que igualmente são pequenos agricultores que muitas vezes
compraram daquele grande fazendeiro um pedacinho de terra, que foi
desmembrado incidente na área da comunidade quilombola. Então Alto
Bonito ele tem uma situação fundiária que é complicada, pois você tem 33
propriedades incidentes dentro do território e muito dessas 33 propriedades
você não tem uma luta do “Davi contra o Golias”, você tem uma luta do
pequeno contra o pequeno. Tem um aspecto que é interessante também que é
a própria gestão desses conflitos, que são intracomunidade, a própria
existência ou não de reconhecimento. E o que INCRA estava fazendo? Ele
estava excluindo nos RTIDs, e a comunidade por sua vez não admitia isso,
pois ela dizia “todo esse território aqui é comunitário”, e a regulamentação
que existe para a matéria diz que “havendo sobreposição não quilombolas
em território quilombola”, esse pessoal deve ser reassentado, só que nem
tudo é simples, o problema é: reassentar onde? Pois há uma escassez de terra
e há também uma escassez financeira para aquisição de novas áreas para
assentamento de pessoas, no caso dessas famílias que são potencialmente
beneficiarias da reforma agrária. Então a matéria é complicada, pois vai
exigir uma discussão. Aí as equipes do INCRA levantavam a seguinte
ponderação: “vem cá, mas esse cara vai sair daqui só porque ele não é
quilombola?”. Mas ele é tão pobre quanto o quilombola, a política de
afirmação étnica vai preponderar sobre a política de reforma agrária? Assim,
são sobreposições e cruzamentos que tem que ser bem pensados, e essas
situações, no ano passado, levaram a dois conflitos que são emblemáticos.
Um é o caso de Cruzeiro, que é na baixada, e Alto Bonito, que fica no Baixo
205
Jordana Letícia Dall Agnol da Rosa (J. R.): Quais são as comunidades
quilombolas que, vocês acompanham no Baixo Parnaíba, ou têm
conhecimento, que estão em conflitos possessórios?
Diogo Diniz Ribeiro Cabral (D. C.): A diocese de Brejo, ela acompanha
comunidades quilombolas no Município de Brejo, Município de
Chapadinha, Município de São Bernardo, Araioses, Tutóia, algumas já
certificadas e outras não certificadas. Mas a maioria das comunidades elas
estão em Brejo, que é onde tem uma concentração maior, já também no
limite do Município de Buriti. Esses são os municípios de abrangência da
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.
D. C.: De território?
Código de 1916, em grande medida. Quando você traz, por exemplo, uma
discussão dentro do judiciário, conceitos como posse agroecológica, vão
longe, vão discutir lá. Então é muito difícil, por exemplo, para um
trabalhador rural, que tem o tempo de vida que é muito diferente do tempo
do processo, e a forma de vida é totalmente diferente das formas de vida de
dentro do poder judiciário, acerca de tempo, acerca de espaço, acerca de fala,
acerca de linguagem, de narrativas. Então, eu vejo que, por exemplo, você
levar um trabalhador rural para o banco dos réus numa ação possessória é
uma violência sem tamanho, porque o tempo de vida dele é totalmente
diferente daquilo que está delineado no processo. A concepção que o
trabalhador tem de terra é totalmente diferente daquilo que vai ser exposto
na petição inicial, inclusive o advogado também que atua na defesa, tenta
remeter às formas de vida dentro de um processo que é uma caixinha
fechada. Fato, fundamento e pedido. Em relação aos fatos, ok. Mas em
relação aos fundamentos, você acaba se moldando nessa caixinha mesmo,
bem tampada e outras discussões acerca de proteções territoriais não surgem,
não são debatidas com rigor científico, com rigor técnico que deveria ser
debatido dentro do poder judiciário. Então a gente, infelizmente, aqui no
Maranhão, está preso em esquemas arcaicos e isso se dá porque a estrutura
econômica e a estrutura política no Maranhão é arcaico. Então,
obrigatoriamente, a estrutura do poder judiciário, a interpretação acerca de
leis, de normas, ela vai ser arcaica, vai ser a interpretação do proprietário.
Por exemplo, técnicas que poderiam ser utilizadas para diluir situações de
conflitos que estão presentes no código civil, como inspeções, ou no novo
212
Arthur Nunes Lopes Martins (A. M): Se a gente pegar dados dos últimos
anos, a gente vê que o Maranhão foi o estado que mais concedeu titulações,
só que isso se dá por causa do ITERMA e não do INCRA. Queria saber
como é que vocês enxergam isso, dessa morosidade do INCRA aqui no
estado.
D. C.: Eu acho que tem que tratar dos dois órgãos. Porque o ITERMA
também é muito lento. O INCRA, então, nem se fala. Por exemplo, Bahia é o
estado que tem o maior número de comunidades certificadas depois do
Maranhão, se eu não me engano, Pará. Do ponto de vista estrutural, nós
temos uma única superintendência localizada em São Luís, no Maranhão. O
estado do Pará tem 3 ou 4 superintendências. O estado do Maranhão é o
estado que tem hoje o maior números de conflitos agrários no país pelo 5°
215
registro, ele vai além do futuro título de propriedade, porque está se tentando
preservar uma identidade, as formas de reprodução social, as formas de
reprodução econômica. Eu vi o Ministro Osmar falando ontem, declaração
dele na Folha, que terra não enche barriga pros índios. Mas a questão não é
só encher barriga, é preservar uma forma de vida, preservar uma forma de
apropriação dos bens da natureza, uma forma de medicina, de uma forma de
direito.
J. R.: Fernando, você sente alguma falha dentro da SMDH que você acha
tão séria quanto as falhas que você consegue perceber dentro do judiciário,
por exemplo, de as vezes menosprezar alguns aspectos que seriam
importantes na colaboração, enfim, de uma visão diferenciada?
F. R.: Não, não existe falha na atuação por parte da SMDH. É realizado um
acompanhamento completo, realizado por profissionais da área jurídica e do
serviço social. O projeto “Sementes de Esperança” da SMDH tem a
coordenação de uma assistente social. Não é realizado apenas um
218
uma certificada. Eles têm o pensamento de fazer uma abrangência pra fazer
uma comunidade em si, própria, dos três povoado. São Bento, da Data
Jenipapo, é uma área de aproximadamente em torno de 7 mil hectares. A
Data Arraial tem uma extensão de um pouco mais de 18 hectares. E a Data
Saco das Almas tem uma extensão de 23 mil e poucos hectares. É uma área
bem extensa, então.
I. S.: Eu não participei da última mesa quilombola, mas hoje tive com o
Superintendente e ele disse que vai viajar pra Brasília agora e quando chegar
a próxima semana vai deslocar uma equipe pra ir no Município, inclusive
pra Saco das Almas, que é um processo muito velho já lá dentro, né? É a
primeira área desapropriada do Maranhão. Saco das Almas ela foi
desapropriada pra Reforma Agrária, naquele período que era feito dois
trabalhos: eles davam lote de morada, fazia o vilarejo, e depois dava o outro
lote de trabalho. Muitas vezes o lote de trabalho ficava com não só uma
família, mais de uma família. Acho que tem até lote lá que ocupa até mais de
10 família lá no lote de trabalho. Então, daí, depois acho que um torno,
depois acho que de uns 30 ano ou mais, dessa desapropriação, a comunidade
se mobilizou e buscou a própria identidade. Porque lá era, sempre foi, não só
lá, mas em todo o Município, era dominado pelos coronel, né? Era o pessoal
223
que veio de Portugal, tinha a Euzébia que mandava numa parte de Brejo,
tinha o Durval que ficava lá na Santa Cruz, Durval Castelo Branco. Tinha a
Linoca também que ficava em Brejo, a Euzébia que ficava em Brejo, mas só
que no Piauí. Eles tinham um domínio muito grande ali dentro daquela
região do Baixo Parnaíba. Eles tinham uma abrangência de Teresina a
Parnaíba, né? Eles tinham uma vivência ali. Eram 11 pessoas, né? Da
família, né? nem todos construíram família, bem poucos, o resto ficaram
solteiro a vida inteira, mas eles tinham domínio de grande propriedade.
Depois veio o coronel Chico Macatrão, Dona Claudina Macatrão, Osvaldo
Costa Bacelar, e daí por diante foram criando vários outros, os coronéis mais
novos que foram dando seguimento, que os outros foram deixando. Então,
daí, quando a Alma se mobilizou, que mostrou realmente a identidade que
era a verdadeira, o INCRA nunca deu o apoio necessário, nunca deu
assistência técnica lá dentro, não distribuía projeto de melhoramento de vida
do pessoal, os CrediApoio e o PRONAF não existiam, que nem outras
comunidades depois já receberam os CrediApoio e PRONAF, outras
comunidades ao lado. Da Data Arraial, tem as comunidade de Alvi Verde, e
outras tudo já receberam esses créditos. E Almas nunca teve esse privilégio
de receber e daí o processo. Pessoas que receberam o título e foram
transferindo pra outras pessoas, vendendo, as suas posse, seus direito. E daí
tá se tornando uma área que é do INCRA, do Governo Federal, mas se você
for identificar in locus, já tá quase toda em novos proprietários, né? O cara
vai comprando uma quantidade e termina tendo uma área bem extensa
dentro do território, e daí tá tendo esse instrumento de briga, novamente do
224
INCRA com as pessoas lá dentro. O INCRA tá se negando, diz que não pode
pagar uma propriedade duas vezes, né? Porque a terra era dele. Então a gente
tamo vendo, negociando com as pessoa que tão lá dentro uma forma de ser
atendido. Eles compraram com uma esperança, né? Dum futuro, e não tinha
essa orientação deles não comprarem antes, né? Então isso traz um conflito
dentro pra dentro da comunidade, com as própria pessoa que venderam lote
de trabalho, mas continuam morando no lote de morar. Eles venderam a área
de trabalho, mas ficaram morando na comunidade. Então, ele tá lá. A terra
vai retornar na mão de todos eles, novamente, tanto dos que receberam da
terra, quanto dos filhos, netos, bisnetos; uma área muito grande. Dentro das
Almas hoje nós temos pra mais de 400 famílias, só dentro da Vila das
Almas; em Cruriz nós temos mais de 400; No São Raimundo, que é Boa
Esperança, nós temos 117 famílias; em Bandeira nós tem 35, no Funil nós
tem 53, na Alvi Verde nós tem 200 e pouco. E daí por diante não são tão
pequenas as comunidades. As menores é Vila 18, Bandeira, Estreito, estão
abaixo de 30 família, né? Mas as outras são só assim. Então, hoje, a gente
fez um levantamento agora recentemente por uma em Brasília, entre as duas
comunidades nós temos 1623 famílias, dentro dos 3 território, e nós tinha
uma conversa que os aposentado não ia receber cesta básica, e Brasília disse
que não impede porque o aposento não é salário, é simplesmente um direito
adquirido. Então hoje nós tamo contando com isso, que futuramente vamo
receber essas 1623 cestas Aí a gente tamo batalhando por isso, tem um
colega nosso tá lá que é diretor do SINTRAF junto com a gente, e tá em
Brasília, tá saindo agora, de certo ia ser umas 10:30, aí tá lá, e tamo
225
cobrando isso pra que os problema, volte a ser assistido nas comunidades.
Nós tem lá a FETRAF, que eu sou diretor da FETRAF, sou diretor do
SINTRAF lá em Brejo. Nós tem Sociedade Maranhense de Direitos
Humanos, SMDH, nós tem a Diocese de Brejo, que tá lá junto com a gente.
Então a gente já fez umas mobilizações ano passado, levamo alguns
secretário de governo, secretário de segurança, promotor público, promotor
agrário, delegado agrário, uma equipe nossa, o secretário de direitos
humanos, Chico Gonçalves teve também, secretário de agricultura familiar já
foi também. A gente já tiramo uma equipe lá do governador, e mostramo a
necessidade, porque, quando o judiciário dá uma ordem de despejo, eles
executam, então é isso. O governador ficou muito chateado com essas coisa,
porque quem vai é a polícia militar, né? Então a gente pediu pra que ele
analisasse isso principalmente. Também cobrou pra fazer intervenção no
judiciário, porque território quilombola, hoje é considerado área federal,
apesar de Saco das Almas já ser desapropriado. Então tem Saco das Almas,
Santa Alice, e Bom Princípio II, e Alvi Verde e Estreito, já são
desapropriado pelo Governo Federal, já são PA. Aí, Vila 18 e Bom Princípio
I e Boa Vista são prédio fundiário, né? Tem uns que tão terminando de
pagar, tem outros que são extensão. Então nós, a gente defende esse ponto,
foi ameaçado pelos cara. A gente tem que andar com muito cuidado, sempre
com o pé atrás, pra não entrar em contradição com esse povo. Porque
quando a gente defende a vida daquele povo ali, eu me considero um dos
mais novos no município que abraçou a causa lá dentro, então a gente fica
um pouco marcado por isso, né? Quando a gente vamo buscar a história
226
I. S.: Quase todas. Por exemplo, a própria Saco das Almas em si, Depósito,
Alto Bonito, até a própria Santa Alice recentemente teve um problemazinho
lá porque o INCRA ia desapropriar uma propriedade e costumava deixar um
pedaço lá para o proprietário, daqui pra frente, nós tem que ter a fazenda
toda, né? Porque tem uma área de jazida lá, calcário, e essa deixaram pra
eles, tinha que deixar pra comunidade sobreviver dali também, né? Aí eles
227
foram agora pra querer explorar e a comunidade foi pra cima, né? Então eles
recorreram e provavelmente tá na justiça federal. Então, Alto Bonito é muito
forte a briga com os proprietário, né? Ameaça muito forte. No Depósito é
muito forte. Já impediram até as pessoas de saírem de dentro da propriedade,
teve até a Polícia Federal lá. Eu trouxe o presidente da associação pra cá. Ele
ficou 15 dias aqui esperando aquele de Brasília chegar pra que eles fossem
lá. Ficaram 4 dias lá até que, onde eles ia derrubaram uma árvore pra dentro,
eles botaram os cadeado nos colchete que a gente chama, né? É uma
cerquinha estaqueada, você chega e tira o passador. Eles pegaram e botaram
o cadeado. Para que os cara ficassem refém lá dentro. Tanto que nós
trouxemo o rapaz pelo Piauí, atravessando o rio Parnaíba, na beira do
Parnaíba, pra ele vim pra cá. Uma vez, também, foi muito forte em
Bandeira, também os cara ameaça. O Bandeira é a minha comunidade, os
cara vão pra cima da gente, mas a gente não se curva, né? Tem que defender
um pedaço de terra pra gente viver. Produzir com mais qualidade.
I. S.: Não, eles não acompanham. Tem pouca coisa assim. Porque as áreas
que o ITERMA tinha lá no município deu grande problema porque o pessoal
que receberam os título também venderam pra turma da soja, né? Tem uns
aí que regularizaram para as família. Daí quem vinha no ITERMA era o
próprio sojeiro, né? Aí trazia o nome do trabalhador dele, a aquisição ia pra
ele, aí quando chegava lá eles fazia um contrato para o dono do lote que tá
228
no ITERMA. Ele tava sendo dono. Ele tava fazendo um contrato que tava
arrendando. No fundo no fundo ele tá comprando a terra.
A. M.: Quem tinha interesse que o ITERMA fosse lá era o próprio produtor
de soja?
I. S.: Era o próprio produtor de soja. E deu tanto problema que o rapaz do
cartório perdeu o cartório, a gente denunciamo, e hoje tem outra equipe lá no
cartório lá. Tava tomando a Soja. Tava a Suzano, de celulose. Então hoje
tem a briga do trabalhador tanto com o sojeiro, como com o pessoal do
eucalipto. Com a Suzano. E tem a briga deles dois também, que quer ocupar
mais espaço cada um, né? Um quer plantar mais soja e o outro mais
eucalipto. Naquela região ali pra chegar em Urbano Santos ali, e Chapadinha
pra trás, Anapurus, Matarroma, Brejo, e Santa Quitéria, é muito cheia de
Soja e Eucalipto. Ali o negócio é muito forte. Então a gente tava saindo pra
buscar um menino no interior que ele ia vir também pra cá, e agente olhando
assim, na estrada que é de 7 metros você coloca dois carros, dois automóvel
pequeno, e já tá encostando na Soja, na beira da BR, na estrada. Uns quatro
ou cinco ano foi ruim. Eles utilizaram aviões com água, quando aquela
nuvem branca subia, eles sobrevoavam a nuve, e derramava água do avião
sobre a nuve pra poder chover, eles usaram esse método aí.
229
I. S.: Ela deixa a desejar, ela. Ela já fez algumas coisas, mas graças a Deus,
inclusive no Depósito, o dela pediu uma inspeção pra ela fazer. Ela utilizou,
um belo dia, que era uma festividade de Bom Jesus Navegante, 06 de agosto,
ela saiu 12:00, chegou na comunidade, 12:01. Acho que ela imaginou que ia
230
chegar aqui no horário e não tinha ninguém lá, tá todo mundo pra outra
comunidade, fazer a inspeção. Quando ela chegou e encontrou todo mundo
lá, ela voltou, depois que ela voltou ela foi fazer a verificação, pra fazer a
inspeção. Ela usou uma artimanha, porque, o advogado dos proprietários,
todos lá, todos os proprietários, quando o INCRA chega lá pedindo quem é o
proprietário, eles dizem que só recebem depois que o advogado autorizar
receber. Ele cedeu a casa dele um tempão gratuitamente para o Ministério
Público estar lá. Ele ficou muito íntimo do Judiciário lá local. Ela já faz de
acordo com o que ela quer e os interesses que estão envolvidos ali, né?
Querendo ou não, ela já tá totalmente a favor dos seus interesses .
A. M.: VocÊ acha que mudou alguma coisa, após a ocupação no INCRA ano
passado?
J. R.: Na tua visão, qual é o órgão que melhor dialoga, que melhor entende
vocês, pois a gente tem a visão de que o Judiciário não é o melhor em
conversar com a comunidade. Mas, na tua visão, quem que tu sente que
melhor entende vocês, de todo mundo que trabalha com vocês?
I. S.: Hoje, assim, nós tem dois que entende realmente as necessidade das
comunidades, que é a Sociedade de Direitos Humanos e a Diocese de Brejo.
Mas fundamental mesmo, quem tem conhecimento é o INCRA, né? Que
teria que tá na frente. Aí eles alegam questão de recurso, questão do corpo
humano, funcionário que não tem. Mas o que eu vejo que o INCRA deixa
muito a desejar é quando se abre um processo não finaliza o processo. Se tira
uma equipe, hoje, pra ir lá em Brejo, aquela equipe vai em Brejo, ela visita
um dia, dois dias, aquela equipe chega e vai pra Baixada, aí são muitos
processos da mesma categoria, daquele mesmo sentido ali, pra só uma
equipe técnica cuidar daquilo. Aí deixa a desejar. Porque, quando, eu falei lá
na mesa quilombola, dezembro, pra fechar o ano, o INCRA teria que pegar
um processo e finalizar. Tem 10 processos abertos em um mês, vamo pegar
aqueles processo e deixar aquele espaço praqueles processos mais grave,
pros conflito mais forte, né? O superintende George tá aí, e tá atuando na
prática com a gente. Pelo cadastro e reforma agrária em poucos dias o prazo
de contestação, pra nós é 90 dias. Que abre o prazo pra gente contestar, aí
são 90 dias, cê pára 90 dias pra esperar que o cara se pronuncie. Aí o INCRA
demora 90 dias pra se pronunciar ou mais.
232
233
Ruan Didier Bruzaca (R. B.): A presente entrevista, ela é desenvolvida pra
fins de um projeto fomentado pela FAPEMA, no qual nós discutimos as
ações possessórias que envolvem comunidades quilombolas, na região do
Baixo Parnaíba maranhense, que é uma região marcada por diversos
conflitos territoriais, conflitos envolvendo empresas particulares, nas quais
as comunidades quilombolas são alvo de ações possessórias que visam ou
retirar a população quilombola do local, ou evitar que eles pratiquem algum
tipo de atividade. Nesse sentido, a gente insere nessa questão específica do
Baixo Parnaíba maranhense a questão quilombola, que há muitos anos já se
tem debates e que também existem questionamentos, como, por exemplo, a
ADIN 3239, e a PEC 215. E esses conflitos fundiários eles vão aumentando
e vão sendo levados ao judiciário. O judiciário, então, se torna um palco de
disputa. Nesse sentido, a gente fez alguns questionamentos pro senhor.
Primeiramente, queríamos saber, quais são suas impressões a respeito da
questão quilombola na atualidade?
José Carlos do Vale Madeira (C. M.): Eu vejo a questão quilombola como
algo marcante, e vejo como a possibilidade de um Estado brasileiro que
negligenciou, que negou direitos fundamentais às comunidades negras e
indígenas, de se redimir com a liberação, com o reconhecimento, a titulação,
a delimitação, a demarcação, a desintrusão, a titulação, e o registro dos
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C. M.: As ações que tem passado por aqui envolvem diretamente o INCRA,
e nesse ponto cabe um registro. Para a Justiça Federal somente são
encaminhadas ações que envolvem disputa com quilombolas se o Ministério
Público Federal for parte, portanto, leva a competência da Justiça Federal
pelo artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, ou se o INCRA for parte,
normalmente como réu. Então as demandas que tem vindo para a Justiça
Federal, e que especificamente tramitam pela 5ª Vara da qual eu sou titular,
tratam basicamente de ações civis públicas, movidas pelo Ministério Público
Federal, em que o Ministério Público Federal pretende, basicamente, que o
INCRA seja condenado em obrigação de fazer consistente em concluir atos
de procedimento administrativo que tratam da identificação, do
reconhecimento, da delimitação, da demarcação, da desintrusão, titulação e
registro dos territórios ocupados por comunidades remanescentes de
quilombos em diversos lugares do Maranhão, diversos municípios. Essas
ações públicas passam pela Justiça Federal, principalmente pela 5ª Vara, e
aqui se travam, então, grandes debates, aqui vira um palco de discussão
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C. M.: Eu não lidei muito com esse tema. Não é algo que passe muito aqui
pela Justiça Federal, eu não teria, digamos assim, um repertório de
sentimento técnico, como juiz. Tenho, todavia, um sentimento como
cidadão. De que esses conflitos instaurados entre particulares com
comunidades quilombolas refletem também a anomalia da sociedade
brasileira, que não reconheceu ao longo do tempo os direitos dos negros e
dos índios. Então, evidentemente que isso perpassa por esse sentimento
patológico de dominação de segmentos antigos da sociedade, que afastam,
por assim dizer, direitos essenciais das comunidades negras e quilombolas.
C. M.: Não há. Nós não temos uma vara, digamos assim, que cuide
unicamente disso. Nós temos uma vara especializada aqui em questões
envolvendo meio ambiente, questões indígenas etc. Mas as varas cíveis, de
qualquer sorte, que são apenas 4 Varas Cíveis em São Luís, da sessão
judiciária do Maranhão, tem competência para tratar do tema, ou seja, acaba,
por assim dizer, criando um quadro mais seleto de magistrado para tratar do
tema. Acaba criando, por assim dizer, uma certa especialização.
J. R.: Voltando àquela questão que eu tinha até colocado no início, a gente
sabe que tem toda uma problemática, claro, né? Pela própria complexidade
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da questão que envolve, por exemplo, o que o Izalmir entrou em contato com
a gente falando né, que é a própria questão de que eles tão lá na terra. Aí na
hora, quando aquela questão vai ser regularizada, digamos assim, algumas
pessoas ficam sem terra porque parte da terra acaba ficando pros
proprietários, enfim. Tem toda aquela tentativa de conciliar as duas questões,
mas no final das contas parece que o conflito nunca se resolve. Dentro dessa
concepção de complexidade etc., o que vocês acreditam ser mais viável pra
tentar não só resolver a questão mesmo, mas pra tentar garantir essa
identidade quilombola em si?
M. S.: Mas, assim, o primeiro passo é esse. É ter um, mesmo que o processo
esteja aqui, que não no seu curso normal, digamos assim, com todos os
procedimentos, a gente atua geralmente a fim de barrar qualquer tentativa de
reintegração de posse, sabendo que já são moradores antigos, sabendo que já
tem um direito de posse ali, na área. E intervenção de parar com algum tipo
de liminar, se elas vão tirar aquelas comunidades de lá. Assim,
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A. S.: Geralmente, vai técnico daqui pra dar uma conversada com o
proprietário. A gente também envolve a Ouvidoria, manda um Ouvidor pra
ver se dá pra a gente tentar alguma possibilidade de uma convivência
harmoniosa, de forma que não haja nem a limitação do uso da terra que os
quilombolas já vem utilizando pra agricultura ou pra criação de algum tipo
de animal, mas a gente também sabe que o proprietário não pode ficar
privado da sua propriedade. Aí a gente fica com esse dilema porque. O que
acontece, os proprietários, eles ficam, assim, cada vez mais temerosos em
investir na propriedade deles, pensando que no final, assim, “ah, vou ser
indenizado, então toda benfeitoria que eu fizer vai contar”. Não, porque
acaba que o que eles tentam fazer é desfeito pelos quilombolas, então a gente
fica realmente sem ter como fazer muita coisa, até porque a perspectiva da
gente indenizar esses proprietários é uma perspectiva muito fraca diante de
um cenário nacional aí de falta de recurso. A gente, assim, tenta mesmo
trabalhar só na parte mesmo da conscientização, de que eles devem tentar
conviver de forma harmoniosa, até que o processo se resolva.
M. S.: Acho que praticamente depois que nas ações judiciais aonde já foi
feito algum tipo de intervenção que tu falou. Geralmente, como a gente não
tem esse acompanhamento de perto, não dá pra gente te dar alguma
conclusão assim. Mas geralmente dá um alívio, digamos assim. Só sabe
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quando a coisa tá ruim porque eles tão ligando pra gente ou batendo na
porta, mas geralmente quando não, isso acontece, aconteceu um certo alívio,
as pessoas tão podendo trabalhar, tão podendo continuar na área, então,
assim, mais ou menos por aí. Mas, dizer assim, esse conflito aí, quando cada
intervenção dessa é favorável e bom pras comunidades...
A. S.: Pois é, a gente não tem esse acompanhamento, assim, muito de perto,
mas eu acho que há casos e casos, porque, por exemplo, no caso de Cruzeiro,
eu achei que...
M. S.: Cruzeiro?
A. S.: Não, digo assim, porque as vezes há aquela situação de que, quando
há uma decisão judicial, quando há uma movimentação do Ministério
Público Federal, Defensoria Pública da União, informando os quilombolas, é
como se eles se achassem empoderados. Entendeu? Então quando esses
órgãos tomam partido a favor deles, existem casos, aí eles partem pra cima
do proprietário com toda vontade, porque eles já tem o Ministério Público, já
tem uma decisão judicial, e eles já consideram aquele território como deles.
Entendeu? Independentemente de conclusão de estudo, onde a gente, a gente
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J. R.: Aí, no caso, inclusive sobre, sobre essa realidade mesmo que você
fala, vocês acham que, via de regra, o cenário em si, ele é mais favorável,
por exemplo, à própria resolução em si do conflito, do reconhecimento, por
exemplo, da própria identidade quilombola? Porque a nossa pesquisa
especificamente ela tenta, basicamente, entender porque que ainda há tanta
restrição em si de direitos como um todo e, no caso específico quilombola,
em relação a se entender, por exemplo, a identidade, a importância de um
direito que também é fundamental. E a gente tenta entender porque que
ainda há tanto esse civilismo dentro do judiciário. Mas especificamente
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J. R.: Nenhum?
M. S.: Atualmente nenhum, que a coisa tá ruim. A gente não sabe quais são
os próximos passos do INCRA. O cenário é de incerteza, geral. E, assim, eu
entendo que tu tá querendo tentar instigar a gente, mas também é um pouco
complicado. Então, assim, quando se trata de bens, em matéria de bens
materiais, sempre o questionamento é sempre a não aceitação do outro. É
lógico que o quilombola ainda mais, ainda mais tem um certo, ainda tem
resquício de preconceito, então isso também, de certa forma, atrapalha um
pouco. Mas essa política, como eu tô te falando, eu considero ela
relativamente nova dentro do INCRA, e essa estrutura ela não foi bem
pensada pra isso, não se sabia que esse negócio ia crescer tanto. Como eu te
falei, aqui pouco andou, pra tu ter uma ideia aqui pouco andou, 6% é muito
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pouco de durante 14 anos, digamos assim, 14 anos do INCRA ter essa, toda
essa, esse gerenciamento dessa política, só 6% é muito baixo. A gente não
tem perspectiva de melhorar isso não. O quê é pior ainda.
A. S.: Olha, eu entendo que uma das conquistas é, foi a instituição da mesa
de diálogo, né? Há uma mesa de diálogo nacional, e há mesa de diálogo
estadual. Onde a gente justamente se aproxima mais das comunidades, das
representações, né? Se fazem presente, e a gente não tem como ir, como ele
falou, a equipe é pequena, não tem como ir, o recurso é pouco, a gente não
tem como tá em campo o tempo todo, e a mesa eu acho que foi uma grande
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conquista, sim, apesar de que alguns considerem que não há tanto, tanto
encaminhamento após a mesa, mas é porque a gente trava justamente na
questão da situação burocrática e de limites mesmo orçamentários,
financeiros, humanos, mas eu acho que houve uma aproximação.
J. R.: É, o que foi colocado pra gente, por exemplo, pelo Izalmir, foi um,
digamos assim, um grande problema que eles pelo menos percebem, quem tá
mais a frente, como ele, né? Que tá a frente da Federação. Ele sente, assim,
na verdade, como se os poderes envolvidos se eximissem em determinados
momentos, né? Por exemplo, um é responsável aqui, só que diz que é o outro
que é responsável, é, vocês entendem que esse impasse realmente existe?
M. S.: Responsável?
M. S.: Acho que não tem essa confusão não. Talvez o entendimento é que é
confuso. Por exemplo, por mais que o INCRA trabalhe numa área que é da
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M. S.: Do Estado?
A. S.: É.
J. R.: Mas vocês tem alguma espécie de contato direto com as comunidades,
ou com alguém envolvido dentro conflito em si?
M. S.: Não, não, não. A mesa tem feito isso, mais ou menos, o trabalho, quis
trazer essa demanda, inclusive essa mesa já estendeu pros outros órgãos, pra,
o ITERMA, que trata regularização também fundiária, delegacia agrária,
delegacia...
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M. S.: São poucos que tem esclarecimento. E outra, tem a questão financeira
também, posto que eles têm que fazer esse deslocamento, mas, assim,
algumas que tão sendo assim, essa informação seria interessante passar pra
CPT, a CPT que acompanha muito, muito mais próximo, principalmente
esses que são ameaçados de morte, tem uns que são protegidos, antigamente,
não sei se pela Presidência da República, mas quando tinha a secretaria de
direitos humanos, eram assistidos por eles, não sei como é que tá agora. E a
do Estado também que vem acompanhando, também agora. Assim, a CPT eu
acho que tem um, bom, tem esses, tem documentado de forma bem mais
clara, assim, cada situação, a qual eles têm também uma relação, um
telefone.
bom, e aí a área vai ser aquela que foi apresentada um estudo, então o
INCRA vai emitir uma portaria, um ato interno, também de reconhecimento
do território, a partir do reconhecimento daquele território, é que se vai ser
levado a, vai ser encaminhado pra fins de decreto. Decreto de interesse
social na área, a fim de desapropriação dos imóveis de particular. Isso leva
geralmente uns 180 meses, se tudo corresse bem, teoricamente mais 30 dias
de portaria até, civil, que é pro decreto, mas não é assim. Leva um tempo
danado pra editar um decreto, porque vai pra Casa Civil, Presidência da
República, até eles analisarem, até autorizarem, publicar, demora um certo
tempo. Aí sim, estando com esse decreto, assim, tu entra com a parte já de
avaliação de imóveis, o reassentamento de família, se for o caso, ou se for só
posseiro, ocupante, né? Se foi identificado como pequeno agricultor, pode
ser reassentado numa área de assentamento, se for o caso de assim aceitar, e
proprietário, esse não, esse é só indenização de terra e benfeitorias.
tenha a posse de uma área, mas não é proprietário, isso já complica porque
vai incidir apenas a benfeitoria, né? A indenização de benfeitoria, se for o
caso, se for uma área ainda não regularizada, como por exemplo o Estado,
não regularizado, não titulado, não registrado, aí, sim, as pessoas saem um
pouco mais prejudicadas, já que não pode ser assentado e nem nada. Só uma,
receber só uma indenização da benfeitoria, pela a terra não vai poder. E, sim,
aqueles que se identificarem como comunidade, respeitam as regras da
comunidade, se a comunidade assim aceitar, não tira. Não há previsão,
digamos, de retirada, de fazer a desintrusão pra esses casos.
J. R.: Via de regra a gente sabe que, não só o INCRA, mas todos que estão
envolvidos, precisam obviamente de critérios formais pra, enfim, analisar ou
então participar dentro de um processo mesmo, não só de titulação, mas,
dentro de uma ação judicial, etc., pelo próprio ordenamento mesmo que a
gente se encontra. Só que assim, pra além desses critérios formais, critérios,
por exemplo, de autoidentificação, que são critérios trazidos dentro das
próprias comunidades, de pertencimento etc., esses critérios em si também
são percebidos aqui dentro do trabalho de vocês, ou vocês percebem, assim,
que por enquanto o trabalho ainda é muito formal, ainda não tem como se
preocupar com essas outras formas de se analisar?
M. S.: Eu considero assim que, por mais que a gente busque conhecimento,
ler, entender uma matéria que é bastante das ciências sociais, né? Eu sou
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A. S.: Mas eu acho que quem chega assim, porque tem aquelas situações,
Martfran, das pessoas, deles mesmos virem buscar aqui ajuda, ou orientação,
e tal, assim, sem às vezes ter o processo aberto, sem as vezes a gente já ter
iniciado algum estudo. A gente leva em consideração essa situação de que a
pessoa tá se definindo, tá se identificando como quilombola, ou como
pertencente aquela comunidade. Se a gente entra, talvez, em contato com o
presidente, o próprio presidente diz que a pessoa é. Então, assim, eu acredito
que tá chegando, não é ainda muito usual, mas acho que tem casos sim que
só esses critérios de pertencimento, autoidentificação,aparecem aqui nas
nossas atividades.
M. S.: É, de alguma forma, o pouco trabalho que, tem pelo menos uma
noção geral de onde começa, qual a origem de tudo. Se tu pegas aqui,
pegamos aqui, que eu acho mais emblemático, de perto, Itapecuru, ali, Santa
Rosa, aquilo lá foi no século XVIII uma imensa fazenda escravocrata, então
a partir disso aí a gente tem uma noção assim, bom, que tá ali no entorno,
que tem um quilombo. Se é todos, não sei, mas, de fato lá tem muitos, Santa
Rita, vai até Rosário, de Rosário vai até Icatu, Icatu já é um pouco diferente,
porque lá também já teve, lá as áreas já foram bem antiga também,
escravocrata e tal, mas tem o caso emblemático ali do Belfort, né? O irlandês
que foi pra Portugal fugido da Irlanda por perseguições acho que por
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J. R.: Pra fechar, o quê que vocês acham que, atualmente, é a maior
dificuldade do INCRA, em atuação, interno, enfim, em relação mesmo a
acompanhar, o quê que vocês acham que é o principal óbice pra poder
acompanhar mais de perto essas comunidades?
J. R.: Então não tem nenhuma comunidade atualmente que esteja totalmente
titulada?
M. S.: Não.
M. S.: Isso, por exemplo, por mais que a gente também avance, a gente
atropela bem no judiciário, mas por enquanto eu não posso dizer isso, porque
são poucas as áreas que de fato a gente entrou com pedido de ajuizamento
para fins de desapropriação. E nós temos um sobrestado por causa que o juiz
diz que só vai analisar o mérito e tal, a posse...
M. S.: Depois que for, é, julgada a ADIN 3239. Tem outro caso aí também
que mudou de vara também nem sequer tem emissão de posse ainda. Nós
tamos também com a Charpa. A gente tá com uma ACP com sentença já,
para três anos, já se passou dois, mas tem lá processo que nem sequer tem
emissão de posse lá no Judiciário.
M. S.: De desapropriação.
J. R.: Então meio que também obsta o trabalho de todo mundo, né? Porque,
assim, se não tem uma resposta do judiciário, você fica naquele eminente
conflito sempre, e meio que complica também o trabalho de vocês em
relação a também poderem ver o quê que é competência, o quê que não é,
né?
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M. S.: É. Então, pra mim eu já nem me preocupo mais com o título, estando
ali na posse já é um grande avanço.
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