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LUCIO FLÁVIO, O PASSAGEIRO DA AGONIA, de Hector Babenco

Cinema: the representation of journalist in Lúcio Flávio, o passageiro da agonia

Lisandro Nogueira
Prof. Dr. do Curso de Comunicação da UFG
E-maii: lisandro@cultura.com.br

Resumo:

A representação do jornalista nos filmes brasileiros dos anos 60 difere dos newpapersmoviesamericanos
da época. Nos filmes Boca de Ouro (62), O desafío(65) e Terra em Transe (67) o jornalista não é herói e
nem vilão, descartando-se o melodrama como estratégia narrativa. A partir dos anos 70, esse olhar crítico
se esvai e ganha corpo o filme dejornalista atrelado ao modelo americano. Lúcio Flávio, o passageiro da
agonia é exemplo de uma nova maneira de representar o jornalista no cinema brasileiro.
Palavras-chave: cinema e jornalismo, filmes de jornalista, jornalista, filme brasileiro.

O filme de Hector Babenco, Lúcio (1969). Nelson Pereira, com o suporte de


Flávio, o passageiro da agonia (1976), é Nelson Rodrigues, perpetra uma crítica
simbólico ao retratar o crepúsculo de uma ao jornalismo é atravessa um olhar duro
representação do jornalista ancorada no sobre a nascente indústria cultural. As
contexto dos anos 60. Há uma mudança misturas entre o intelectual e o jornalista
no contexto, a partir dos anos 70, que povoam o filme de Saraceni e abrem o
desloca a relação dos cineastas com o abismo para a definitiva palavra de Paulo
"diagnóstico da nação", preceito básico Martins, em Terra em Transe (Glauber
que os orientava na compreensão do R o c h a ) , s o b r e as p o s s i b i l i d a d e s de
processo político do Brasil. O jornalista intervenção desse profissional/intelectual
foi personagem fundamental para o na vida do Brasil. O pessimismo delirante
d i a g n ó s t i c o , pois simbolizava as de Martins ecoa de forma melancólica nas
contradições, as ambigüidades e as décadas seguintes, em filmes como Lúcio
desilusões. Flávio, o passageiro da agonia (1977), O
A representação do jornalista nos beijo no asfalto (1981) e Doces Poderes
filmes brasileiros dos anos 60 destoava dos (1996).
newspapers movies americanos, O jornalista do filme de Hector
complacentes com o melodrama e Babenco é atrelado às vontades do regime
vinculados à idéia maniqueísta do bem militar; o jornalista do filme de Bruno
contra o mal (o herói e o vilão). O Barreto é um escroque, em conluio com
personagem jornalista ecoava sentimentos a polícia civil. A jornalista de Doces
e atitudes presentes na vida social. Era Poderes é rendida numa guerra em que a
desvinculado de u m a representação publicidade e o marketing vencem o
superficial, como na maioria dos filmes jornalismo.
americanos sobre jornalistas, mas atado a O s dois primeiros filmes são
um projeto de construção estética e crítica passagens para se chegar aos anos 90,
política. Além do projeto de intervenção, quando se confirma outra configuração
alguns criticavam e faziam também um para o jornalista. Lúcio Flávio vai exibir
diagnóstico por dentro da profissão e seus um jornalista sem força de intervenção,
conceitos. ou sequer de reflexão. N o passado, o
Boca de ouro (1962) faz uma ironia c i n e m a brasileiro a c o m p a n h a o
incisiva sobre a objetividade jornalística; movimento de Caveirinha e sua derrota
O Desafio ( 1 9 6 5 ) mostra a "inércia ante a decisiva f u g a de Guigui dos
perplexa" do jornalista-intelectual, usando holofotes que queriam celebrizá-la por
(alas redundantes e imagens primorosas instantes {Boca de Ouro); Marcelo, o
para chegar ao cinismo absoluto do angustiado de Saraceni, se vê trancafiado,
repórter- fotográfico de Brasil Ano 2000 m a s e m o l d u r a um m o v i m e n t o no

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contraponto a Ada, sua amante. O filme
tem inquietações e se assombra com o
m o m e n t o p o l í t i c o . O j o r n a l i s t a vai
perdendo a identidade nos filmes a partir
dos anos 7 0 . O u aparece c o m o u m
escroque, caso de O beijo no asfalto,
baseado na peça homônima de Nelson
Rodrigues; idealizado, em Doces Poderes;
ou ainda como adjunto do "espetáculo da
mídia", como em Um céu de estrelas e
Como nascem os anjos.
Fazendo uma crônica dos tempos
m o d e r n o s , o c i n e m a se e s p e l h a no
jornalismo. Se Nelson Pereira, Sérgio
Saraceni e Walter Lima Jr. são filiados a
um cinema de autor, em que a autonomia
é o carro-chefe, Hector Babenco, Bruno
Barreto e Lúcia Murat se filiam a u m
cinema mais preocupado com a
comunicação rápida com o público do
que c o m u m a f o r m a e u m conteúdo
crítico. D e acordo com Xavier (1993),
importava aos primeiros ir além das
estruturas dramáticas da consolação e
produzir conhecimento. O s segundos, O eixo, até os anos sessenta, é de
sem configurar um m o v i m e n t o , mas u m cineasta acoplado a um jornalista que
tentando assegurar novas maneiras de esperneia ante os entraves. Nelson Pereira
representar os problemas brasileiros, e Nelson Rodrigues são inclementes com
fazem a opção de não repetir o passado e Caveirinha. Porém, aqui é o dramaturgo
não privilegiar as orientações de u m que usa Caveirinha para destilar também
cinema profundamente autoral. O a auto-imolação por ser um jornalista e
caminho é o retorno às fórmulas que fazer a crítica da sua profissão; Saraceni
renderam o acesso ao grande público. tem uma extrema compaixão por Marcelo
Esses filmes vão espelhar um novo e vê toda u m a geração de jornalistas
período de refiuxo da possibilidade de refletidos naquele personagem; Walter
identidades mínimas na indústria, tanto L i m a coloca seu fotógrafo c o m o u m
a do cinema quanto a do jornalismo. O jornalista cético e a t a b a l h o a d o , m a s
cineasta faz filmes tendo o jornalista fazendo uma crítica desesperada ante a
como protagonista visando se espelhar queda de sonhos e projetos.
no narrador, o qual representa suas O cinema brasileiro que comporta
angústias, contradições, dificuldades e o jornalista, a partir dos anos 70, passa a
impasses. O u m e s m o para criticar o inverter as posições. Se os filmes passam
jornalista pela sua inserção na indústria a buscar um público amplo, desejo já
cultural c o m o u m o p o r t u n i s t a , u m manifestado no final dos anos 60, o
inimigo da sociedade e um demagogo. jornalista representado não é o mesmo.
Há, de todo o modo, a imbricação das Lúcio Flávio, bandido famoso nos anos
duas figuras, em que a inveja, o 70, tem sua vida representada. O filme
descrédito e o ressentimento permeiam parte dos depoimentos dele a um
a relação e acabam sendo levados para o jornalista. Sua história é transportada para
interior dos filmes. O cineasta faz filmes o romance-reportagem de José Louzeiro,
para acreditar e desacreditar o jornalista. um escritor-jornalista, e dela chegam ao
Essa dualidade é temperada pelo cinema com Hector Babenco.
contexto externo, que estimula um ou N o s anos 7 0 , concretiza-se o
outro procedimento. projeto de um cinema brasileiro distante

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da ebulição do Cinema Novo. O projeto enxerga a política como fórum para o
agora é ganhar o público de forma simpática estabelecimento da verdade. Lúcio Flávio é
e tentar concorrer com os filmes americanos. a exaltação da "verdade privada", íntima,
A fase das experiências e o diagnóstico da pessoal, contra um sistema podre, em que
derrota foram estampados por Paulo os pedaços do foguete são simbolizados pelas
Martins. Para o jornalista, restou a fuga ou figuras lúgubres dos policiais corruptos
a adesão. Babenco vai caminhar no sentido chancelados pelos militares.
de tentar equilibrar o desterro e o apego ao Babenco erige a possibilidade de um
regime. O vigor d o cinema brasileiro, diagnóstico eficaz dos anos 70. Mas o
naquele momento, permite caminhar no cinema brasileiro, naquele momento, já
' Eagleton (1998, p.25) afirma que s e n t i d o d a verificação de uma flerta com o beneplácito do público, pois
no pós-modernismo "questões mais particularidade, uma história pessoal e, por seu projeto não é mais o de alavancar a
abstratas de estado, categoria, meio dela, procura fazer um diagnóstico do experiência com a forma e a conexão com a
modo de produção e justiça p a í s 1 . Estratégia delicada, pois os política. H á um intuito de reforçar uma
econômica mostraram-se por ora
diagnósticos do passado, feitos pelo d o ligação com temas que possam valorizar o
muito difíceis de solucionar, sempre
cinema, dedicaram uma abordagem sentimento nacional, sem partir para
podemos desviar nossa atenção
corajosa tanto na forma como no conteúdo. questionamentos mais complexos.
para algo mais familiar e imediato,
mais sensível e particular". As N a ânsia pela aceitação imediata do público, Babenco tenta fazer o diagnóstico de
narrativas da consolação sempre o "policial-polítíco" engendra uma trama em um período difícil e procura colocar os
estiveram presentes na literatura e que os pressupostos estéticos da década dispositivos paramilitares em visibilidade.
no cinema. A escolha por esse tipo anterior são jogados no baú de ossos. Porém, faz a escolha e o estatuto fundador
de narrativa acompanha o contexto O que importa, para Babenco, é da linguagem em Griffith volta a vigorar
da época do filme: coercitivo, com ênfase.
trazer à tona uma verdade escondida na
delicado e propício ao diagnóstico
figura de Noquinha (Reginaldo Farias), o Uma moral privada vai se debater
narrado pelos afetos e pela vida
nome afetivo e íntimo de Lúcio Flávio. A contra uma mentira pública, avalizada
particular.
É um sintoma de um periodo em que oposição será entre a mentira pública e a inclusive pela imprensa, para demonstrar as
optar pelo procedimento grifittiano verdade privada (Xavier, 1993). Lúcio armadilhas a que estão sujeitos os indivíduos
era uma maneira de tentar "ganhar" Flávio, bandido, vai lutar contra as forças d e s c a r t a d o s por u m a engrenagem
o público e fazer a fotografia dos que o levam ao declínio e à morte. Sua vida truculenta. As intenções revelam a batalha
percalços da nação. íntima revela um ser amoroso, dono de uma do indivíduo contra o sistema policial da
sinceridade que causa emparia e o destaca época: cativa pela "sinceridade honesta" de
2 A discussão sobre a história e os
como herói. O herói de Louzeiro e Babenco Lúcio Flávio, avalia o Governo militar por
limites do melodrama no Brasil
vai se debater todo o tempo contra o sistema mostrar a impunidade dos policiais e indica
passa pela análise atenta de Ismail
Xavier, com base, entre outros, no e a sua engrenagem. N ã o é mais um a valorização do "individual" diante do
clássico estudo The Melodramatic diagnóstico da totalidade que está em jogo, mundo externo, onde impera o vício, e não
Imagination de Peter Brooks. Nesse e sim uma particularidade, ressonância do a virtude. C o m o herói, Babenco vai
livro, Brooks (1985) aborda o fracasso do projeto do país verificado nos construindo um novo diagnóstico do país e
gênero na literatura, especialmente filmes anteriores. A visada de Babenco é a revelando, ao seu modo, um cardápio de
Henry James e Balzac. Ver também de restituir criticamente o descalabro de um intrigas que têm os seus problemas.
Capuzo (1999) que, ao contrário, projeto abortado simbolicamente no Seu filme esbarra nos limites do
defende Griffith e o melodrama, foguete de Brasil Ano 2000. O foguete é o melodrama. Daí um diagnóstico que, ao
quando afirma que "a importância símbolo de um projeto que não se sustenta privilegiar a forma de base griffitiana,
de sua contribuição [Griffith] está na
e o jornalista-fotógrafo é aquele que interrompe o ciclo buliçoso e ousado da
elaboração de estratégias que
denuncia cinicamente, sem assumir os década anterior. Ao fazer a opção pelo acerto
permitem ao cinema dar conta
encargos políticos, o fracasso, a queda. d e c o n t a s c o m o regime, u s a n d o a
dessas estruturas narrativas".
Recentes estudos sobre a telenovela Lúcio Flávio, o filme, tenta esmiuçar "conspiração exterior" contra a virtude
brasileira, como o de Borelli & Lopes o preço pago por u m projeto nacional sincera do herói, abusando dos signos da
(2002), procuram abordar o coercitivo, examinando as entranhas desse vitimização2 e comunicado-se rapidamente
melodrama pelo viés da Teoria da regime. Se Paulo Martins, em Terra em com o público por meio da expiação do bem
Recepção. 0 estudo valoriza a Transe, tenta "encontrar o povo em nome na luta contra o mal, o malogro da
atualização do melodrama feito no
do qual se legitimaria a verdade, a justiça e a empreitada se faz presente, pois irrompe na
Brasil e aponta seus significados
beleza" (Mainieri, 2002), Babenco faz do estrutura da narração a atenuação do
importantes (entre todas as classes
seu herói a encarnação da verdade do conflito, por uma pedagogia que não tenta
sociais), a partir da visão do
receptor. oprimido em outro viés. Paulo Martins a mínima abordagem racional.

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O recorte da representação do foi realizado pelo bando de Lúcio Flávio.
jornalista é sintomático do encontro entre É o Esquadrão da Morte, junto com
a abordagem atenuante e a objetividade alguns grupos da polícia, os quais não
que se instaura nas intervenções do precisam mais dos seus serviços, que
jornalista. Em Lúcio Flávio, o jornalismo passam a informação falsa. Por fim, insiste
impresso cede lugar ao j o r n a l i s m o com Janice que responde com o efeito
televisivo. Caveirinha tinha um nome e melodramático: ela está ao lado dele
uma mínima identidade; Marcelo é porque o ama e por ser ele mais íntegro
protagonista e mesmo na sua "inércia que muitos. Com um bebê nas mãos, no
perplexa" faz ouvir sua voz; o repórter- sentido de realçar a família e a intimidade
fotográfico de Brasil Ano 2000 é um pura do herói injustiçado, Janice corre do
agente de informação, pois a manipula e repórter e vai ao encontro do marido. Essa
emite opinião. Nos anos 70, o jornalista cena antevê o espetáculo da notícia, com
começa seu processo de coadjuvante na a hegemonia do telejornalismo sobre o
progressiva mutação que leva o jornalismo jornalismo impresso. A câmera posta-se
a ser submetido aos ditames do marketing dentro do carro e vemos Janice correndo
e das relações públicas no processo de com a criança na infrutífera tentativa de
comunicação. O repórter de televisão alcançar o olhar desesperançado do
aparece de f o r m a objetiva. Sua marido. Antes, ele tenta agredir o repórter,
performance é a de quem não tem e outros cinegrafistas gravam a cena.
autonomia e as intervenções que faz Espetáculo armado, o repórter informa o
permanecem no nível do jornalismo que desconhece dos bastidores do crime
declaratório. Aparece s e m p r e na organizado.
c o m p a n h i a da polícia e se p o s t a G u i g u i , em Boca de ouro, é
infantilmente num jogo de forças em que utilizada e se utiliza de Caveirinha. Seu
é elemento secundário (ver adiante m o v i m e n t o indica algum grau de
comentário sobre a recepção no Brasil, autonomia diante do que possa vir a ser
contida nas teses sobre jornalismo, no notícia. Ela sabe da sedução do repórter
livro Sobre a televisão de Pierre Bourdieu). com a linguagem e a imagem fotográfica.
Sua participação insípida garante Janice não tem um Caveirinha que se
a objetividade jornalística. N o momento arma de artimanhas da língua e da malícia
em que Lúcio Flávio é preso pela polícia, para se contrapor; Guigui vai levando a
o repórter entrevista Janice (Ana Maria notícia para o ponto que deseja. O
Magalhães), mulher do bandido, e faz a repórter não perde o estímulo com a
pergunta: "Você está consciente de estar sinuosidade da história: entra num jogo,
junto com um criminoso?". Por outro burla a intimidade do casal, propõe ser
lado, ouve mecanicamente o delegado juiz de um atrito doméstico, invade o lar
para saber como foi o assalto. É o exemplo e tenta subtrair a notícia, o furo de
típico de um jornalista que sequer age reportagem. Vale tudo pela notícia. Mas
com a perspicácia de Caveirinha. Seu há espaço ainda para a nuance do repórter
movimento e fala são burocráticos. Em e um pouco de autonomia. Caveirinha
seguida às entrevistas, e m i t e u m a perde com a desistência de Guigui em
"opinião" rasa, clichê: "A população fazer parte do espetáculo da notícia. É
requer uma maior ação da polícia". enganado, ludibriado e a cena de fracasso,
Seu c o m e n t á r i o é o exemplo em pleno centro do Rio de Janeiro, é
cristalino da objetividade que passa a memorável. Não ganhou o prêmio Esso
dominar praticamente todo o jornalismo e a psicologia, nova arma do jornalismo,
brasileiro. N ã o há um encaminhamento não se mostrou eficaz. Porém, os dois
no senado da checagem da notícia. Ele N e l s o n s , mas p r i n c i p a l m e n t e o
ouve de forma mecânica os "dois lados" e Rodrigues, jornalista de redação impressa,
sequer refaz o círculo da reportagem, pois dá alguma margem ao atrevimento e
não há o menor grau de investigação. Ele ousadia de Caveirinha.
acredita na "verdade" da polícia, sem Babenco representa um jornalista
apurar os fatos. O assalto, na verdade, não sem alma e ousadia. Trancafiado pelos

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rigores da censura e pela embrionária para fazer perguntas imbecis", À outra
indústria de televisão que direciona a indagação sobre quantas vezes fugiu da
notícia para o espetáculo, resta um pálido cadeia, responde para os jornalistas:
entrevistador burocrático a apoiar o sbow 'Vocês acreditam no que publicam os
melodramático de Janice. Resta-lhe a jornais?". O recurso da objetividade cria
objetividade bisonha: fala em nome do as condições para o jornalismo escorar u m
povo que clama por mais segurança. A o herói e contribui para esconder outros
optar por essa representação, o cineasta poderes.
esconde quase todos os procedimentos de N o final da década de setenta, a
bastidores efetuados pelas empresas de i n d ú s t r i a d a i n f o r m a ç ã o j á tinha se
informação e pelo Estado, e os coloca na modernizado o suficiente, e o
conta do jornalista. Faz um acordo com a acolhimento da objetividade veio facilitar
Polícia Federal para não desnudar esse a união de interesses entre as empresas e
aparelho policial, sabendo, desde cedo, o governo militar. Financiada 4 em grande
q u e essa c o r p o r a ç ã o participou parte pelo Estado, a imprensa dos anos
ativamente dos problemas com o 7 0 j á não tem a mesma desenvoltura
Esquadrão da Morte. São acordos que o daquela d o início e meados dos anos 60.
3 O uso do conceito de melodrama cineasta julga necessários, contudo, a Edifica-se um mecanismo na linguagem
convida automaticamente a fatura recai sobre o jornalista e u m a jornalística para dar conta da "mentira
lembrança do cinema norte- corrupta polícia, da qual não se sabe se pública" narrada pelos jornais e televisões.
americano. Mas o gênero sofreu federal ou estadual. O u seja, o manejo do É ela q u e f o r n e c e a certidão de
atualizações e renovações tanto na filme, seguindo a cartilha griffitiana, é no confiabilidade entre o poder oficial e o
Europa como no Brasil e até mesmo
sentido de camuflar responsabilidades, poder da mídia. N o plano narrativo, isso
nos EUA. Na Europa, o exemplo
erguer u m herói» reduto da verdade fica evidenciado nos momentos crucias
clássico é Pedro Almodóvar com os
de ação da polícia, quando a imprensa é
filmes Atame, De salto alto, Tudo apesar de matar, roubar e compartilhar a
sobre a minha mãe e Fale com Ela. c o r r u p ç ã o d o a p a r e l h o p o l i c i a l - , e sempre coadjuvante. E m Terra em Transe,
São filmes em que o melodrama é evidenciar a 'verdade íntima" contra uma de Glauber Rocha, o jornalista Paulo
revisto, ironizado e elevado a formas "mentira pública". A responsabilidade M a r t i n s vive o i m p a s s e d o aval ao
mais sofisticadas de narrativa. No final em ascender o herói ao papel de governo. Nele, o jornalismo assume sua
Brasil, o exemplo é Arnaldo Jabor COT vítima recai sobre o jornalista de óculos e total ambigüidade perante o poder. Ele
suas adaptações de Nelson bigode (o jornalista de Lúcio Flávio não hesita, critica, adere, descrê e fecha com
Rodrigues: O casamentos Toda o delírio:
tem nome), repórter de televisão, e seus
nudez será castigada Nesses filmes,
colegas que participam da coletiva.
o melodrama é íntoxicado de
"exageros", que levam personagens O jornalismo afeito à objetividade Coloca-se a serviço do Partido quando
ao delírio. Mesmo nas telenovelas contribui para esse tipo de papel a ser este o pressiona, mas gosta muito da
brasileiras, houve a tentativa de desempenhado pelo jornalismo. Assim burguesia a serviço da qual ele está.
atualização do gênero, procedimento c o m o n o m e l o d r a m a 3 de matriz No fundo ele despreza o povo. Ele
abortado no início dos anos noventa, acredita na massa como fenômeno
a m e r i c a n a , Lúcio Flávio cerca-se d o
tendo como marco simbólico a novela espontâneo, mas acontece que a massa
jornalismo para legitimar uma ação da
ODcmodo Mundo, de Gilberto Braga. é complexa. A revolução não estoura
qual emerge a verdade do personagem. quando ele a deseja e por isso ele
Sua verdade se nutre da natureza bondosa, assume posição quixotesca. No fim da
4 Sobre a questão do envolvimento
corrompida pelo sistema, pelo qual tem tragédia, ele morre (Rocha, 1981).
entre imprensa, e Estado ver
rancor. O jornalista ressalta e reforça essa
Ideologia e técnica da notíaa (Lage,
vitimização ao não escolher um pouco de Sua posição ambígua e quixotesca
1979] , O mundo dos jornalistas
(Travancas, 1993} e Sobre ética e Subjetividade no trabalho com a notícia. é sintonizada com uma identidade. C o m o
imprensa (Bucci, 2000). Aparentemente, se posta contra o bandido o cineasta emprega o recurso da alegoria
do qual a sociedade quer se ver li vre. Mas, e despreza a narrativa linear, seu poder de
na coletiva, as p e r g u n t a s i n g ê n u a s , intervenção é mais elástico, para não dizer
algumas superficialmente afoitas e outras autônomo. C o m esse poder, o cinema de
completamente objetivas, fazem com que autor enaltece a figura do cineasta e abre-
o tablado do mártir seja erguido. A uma lhe os caminhos para a invenção. Daí a
pergunta sobre quanto já tinha roubado, questão da escolha e os seus resultados.
ele responde "heroicamente" que "seria Mesmo ambíguo, o jornalista de Terra em
um pouco mais que os jornais te pagam Transe aposta na febre da dúvida e se

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sufoca com as incertezas suscitadas. Há ao jornalista dar o
vida no delírio de Paulo Martins: seu suporte de "verdade",
medo e seu fascínio pelo poder, seu ódio tanto aos autênticos
e sua complacência com o povo (Lúcio Flávio) quanto
ignorante e covarde, e sua "opinião aos hipócritas (Polícia
comprada", que caracteriza um jornalista Federal e Civil), com a
acuado pelos poderes. falsa neutralidade da ,
O contexto político da época objetividade jornalística.
favorecia, em parte, as ousadias já não
permitidas em Lúcio Flávio. A escolha do
tratamento da narrativa, o enfoque da Abstract
temática e a opção pela comunicação
rápida com o público, apesar do contexto The portraiture of the journalist in
político desfavorável, demonstram a brazilian movies of the' 1960s is different
opção de um cineasta por um tipo de from that of newspaper movies of the
representação. Assume-se uma narrativa same period. In the films Boca de
na qual as possibilidades de ousadia na Ouro(1962), O Desafio(1965) eTerra em
forma e no conteúdo são limitadas, e as transe(1967) which discard melodrama as
escolhas emolduram e corroboram a narrative technique, the journalist is
também um tipo de pensamento e neither a hero or a vilain. From the 1970s
opinião. Daí não haver espaço para a on, this approach extinguishes and
ambigüidade de Paulo Martins, a ousadia brazilian newspaper movies became more
mesmo que derrotada de Caveirinha e a similar to the american model. Lúcio
dualidade de forma e conteúdo de O Flávio, o passageiro da agonia is an
desafio. exemple of a new way of portraying the
A opção pela objetividade derrota journalist in the brazilian cinema.
os jornalistas em volta da mesa onde se Key words: Cinema and journalism,
posta a Polícia Federal e Lúcio Flávio. newspaper movies, journalist, brazilian
Babenco tem na mesa a Polícia Federal movie.
(Estado oficial), o bandido-herói (a
vítima), os dois policiais corruptos (o
Estado paralelo) e os jornalistas (o poder Bibliografias
que constrói a "mentira pública"). A
câmera passeia pelo rosto dos jornalistas Bourdieu, Pierre. Sobre a televisão. Rio de
e as perguntas reforçam a verdade que só Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
Lúcio Flávio possui; quando ele aponta Brooks, Peter. The Melodramatic
para os dois policiais, desmascarando e Imagination, 1985
abrindo o jogo sujo do qual se beneficiou, Bucci, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São
os repórteres não emitem uma só palavra Paulo: Companhia das Letras, 2000
e a porta se fecha para se ouvir a última Capuzzo, Heitor. Lágrimas de luz. Belo
frase em plano fechado: "Bandido é Horizonte: Editora UFMG, 1999
bandido e policia é polícia". Ou melhor: Eagleton, Terry. As ilusões do pós-
autêntico é autêntico e hipócrita é modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
hipócrita, sacramentando a escolha do Editor, 1998.
filme em atualizar o melodrama griffitiano
Lage, Nilson. Ideologia e técnica da notícia.
do bem contra o mal. Lúcio salva o seu
Petrópolis: Vozes, 1979
discurso e consegue a nossa simpatia.
Rocha, Glauber. Revolução do Cinema
Confirmando a destinação consoladora
Novo. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1981
do melodrama e seu apego à superfície
Travancas, Isabel Siqueira. O mundo dos
dos fatos, só resta aos policiais a saída da
jornalistas. São Paulo: Summus, 1993
sala, ou seja, a "saída de compromisso"
Xavier, Ismail. Aforçae os limites da matriz
de que nada vai acontecer, porque o que
melodramática. São Paulo: Revista USP,
interessava no plano narrativo já foi feito:
n.19, 1993
deixar o herói salvo moralmente. Resta

Lisandro Nogueira. Lúcio Flávio, o passageiro da agonia


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