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Valor Econômico

10 de março de 2017

https://www.valor.com.br/cultura/4894124/china-e-socializacao-do-investimento

A China e a socialização do investimento


Elias K. Jabbour e Luiz Fernando de Paula*

O processo de desenvolvimento econômico chinês é um dos fenômenos mais


impressionantes do mundo onde vivemos: o crescimento médio do PIB nos últimos
35 anos foi de 9,5% a. a., ao mesmo tempo em que a renda per capita no período
passou de US$ 250, em 1980, para US$ 9.040, em 2014. Por detrás desse
processo, há de se destacar a alta relação investimento/PIB (45,6% em 2015), suas
imensas reservas cambiais (US$ 3,1 trilhões em dezembro de 2016) e enorme
volume de comércio externo (35,9% do PIB).

Não são poucas as interpretações sobre esse impressionante fenômeno. As


abordagens convencionais destacam em geral o papel das privatizações, do capital
estrangeiro e da desregulamentação do mercado. Uma abordagem estruturalista,
contudo, aponta a centralidade do papel do Estado, a interação entre instituições e a
existência de um sistema financeiro público e grandes conglomerados estatais em
setores-chave da economia como elementos fundamentais à explicação do sucesso
chinês, além do gradualismo e caráter experimental das reformas.

O ponto crucial da análise do desenvolvimento da China passa pela elaboração de


uma abordagem capaz de explicar a formação de um "policy space" adequado à
socialização do investimento em um ambiente internacional de finança globalizada.
Para tanto, desenvolvemos uma abordagem analítica, a partir das contribuições de
John M. Keynes, Alexander Gerschenkron, Ignacio Rangel e Albert Hirschman, que
permita um entendimento abrangente do desenvolvimento chinês.

Keynes, em sua "Teoria Geral", colocou a necessidade do Estado de influenciar as


decisões de investimento privado e a propensão ao consumo das famílias via
impostos e política de taxa de juros. A socialização do investimento seria a "única
forma de assegurar o pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de
excluir ajustes e fórmulas de toda a espécie que permitam ao Estado cooperar com
a iniciativa privada".

A aplicação dessa noção ao caso chinês pode ser encontrada tanto no papel do
Estado em definir variáveis econômicas cruciais para estimular os gastos privados,
em particular taxa de juros e taxa de câmbio, quanto no caráter complementar entre
investimento público e privado.

Já Gerschenkron, em sua análise do desenvolvimento retardatário, destacou o papel


do Estado e das instituições financeiras voltadas para o financiamento de longo
prazo capazes de substituir, inicialmente, a falta da existência de um núcleo
empresarial e de um sistema financeiro privado mais desenvolvido. Trata-se de
elementos fortemente presentes na recente experiência chinesa, onde uma rede
complexa, tendo como eixo imensos bancos de desenvolvimento estatais, deu
suporte à expansão das atividades produtivas, podendo ser percebidos como o
coração do chamado "socialismo com características chinesas".

Ignacio Rangel, um dos pais do desenvolvimentismo brasileiro, demonstrou em


vários trabalhos que ao final de cada ciclo breve da economia mudanças
institucionais se fazem necessárias tanto a promoção de transferência intersetorial
de recursos quanto a reorganização de atividades entre o Estado e a iniciativa
privada. Trata-se de um movimento dialético onde privatizações são acompanhadas
pela estatização de outras atividades. No caso da China, não é surpreendente que a
cada mudança cíclica da economia percebem-se alterações institucionais que dão
margem a uma completa reorganização de atividades entre os setores estatal e
privado da economia.

Hirschman, por sua vez, desenvolveu a conhecida hipótese do "desenvolvimento


desequilibrado", segundo a qual o desenvolvimento é visto como um processo de
saltos entre um desequilíbrio e outro: a utilização de mecanismos de indução e
investimentos governamentais em indústrias-chave permitem não só a superação de
pontos de estrangulamento da economia como a criação de oportunidades de
investimento e de "encadeamentos para frente e para trás" ao setor privado. No
caso da China, percebe-se que o encadeamento industrial e seus efeitos de "input-
output" têm nas grandes companhias estatais o seu núcleo difusor, sendo o novo
setor privado o beneficiário direto da geração de oferta em pontos de
estrangulamento da economia.

As reformas econômicas chinesas iniciam-se a partir dos anos 1980 com a


permissão aos camponeses de comercializarem seus excedentes de produção
agrícola. Desde então, a "permissão ao enriquecimento" transformou o país numa
"fábrica de fabricantes". As elevações da renda e da produtividade do trabalho
agrícola foram fator de deslocamento de mão de obra sobrante não às grandes
cidades litorâneas, e sim no próprio vilarejo, às Empresas de Cantão e Povoado
(ECPs). Uma das características fundamentais do processo de desenvolvimento
recente chinês está no caráter rural da grande manufatura.

Uma miríade de formas de propriedade foi fundada por essas empresas sob o
guarda-chuva da "propriedade coletiva dos meios de produção". Em 1978, o número
total de empregados nas ECPs era de 28,3 milhões de trabalhadores, triplicando em
dez anos para 93,7 milhões e chegando 138,7 milhões em 2004. No final da década
de 1990, 40% da produção industrial chinesa estava sendo processada nas ECPs,
que respondiam por 27% das exportações de manufaturados do país em 2004.

Em uma perspectiva histórica pode-se aferir que antes de uma plena "restauração
capitalista" ocorreu uma sistemática readequação de atividades entre estatal e
privado, tendo o Estado a perspectiva de contínua recolocação recolocação
estratégica. Por exemplo, a estratégia de implantação gradual das Zonas
Econômicas Especiais (ZEEs) incluiu não somente a construção de plataforma de
exportações, mas também um processo de reunificação do país sob o mantra da
proposta de "um país, dois sistemas".

A China criou um sistema de financiamento voltado para a transformação estrutural


da economia que se revelou bastante funcional ao desenvolvimento. Entre 1978 e
1984, o Banco Popular da China se tornou responsável pela regulação financeira,
enquanto quatro bancos setoriais estatais foram formados ("big four"), atendendo a
exigências do desenvolvimento de agricultura, construções urbanas, infraestrutura e
financiamento de exportações e importações. Na década de 1990, o avanço da
urbanização e o lançamento do Programa de Desenvolvimento do Grande Oeste
demandaram a formação, ex ante, de grandes bancos provinciais e municipais de
desenvolvimento.

As empresas estatais - apesar de forte redução - continuaram importantes, mais


intensivas em capital e tecnologia e mesmo mais lucrativas em relação ao setor
privado, observando-se na década de 1990 um intenso processo de fusões e
aquisições no setor estatal. O núcleo duro do setor produtivo chinês passou a se
concentrar sobre 149 conglomerados empresariais estatais localizados em setores
estratégicos da economia (refino de petróleo, química, carvão e máquinas e
equipamentos) sinalizando o papel de investidor "na frente dos demais setores". O
Estado como coordenador do investimento ganha corpo com a formação, em 2002,
da SASAC 1 , criada para representar os interesses do Estado nas principais
companhias do país.

A resposta chinesa à crise de 2008 demonstrou uma impressionante capacidade de


coordenação do Estado, onde percebeu-se grande simbiose entre o sistema
financeiro público e a capacidade de execução do pacote de estímulos por parte dos
conglomerados estatais. Em 5 de novembro de 2008 o Conselho de Estado da
China anunciou ao mundo um vigoroso pacote de estímulos à economia da ordem
de US$ 600 bilhões (12,6% do PIB). Em alguns anos o país estaria cortado por

1
State-owned Assets Supervision and Administration Commission, ou "Comissão Estatal para a
Supervisão e Administração dos Ativos do Estado".
novos e milhares de quilômetros de linhas de trem de alta velocidade, metrôs e
estradas.

No caso da China, percebe-se que a reorganização contínua de atividades entre os


setores estatal e privado não prescindiria do controle do Estado sobre o núcleo duro
da finança e do sistema produtivo, como também sobre os mecanismos
fundamentais do processo de acumulação, como as taxas de juros e câmbio - de
modo a permitir o necessário isolamento da política monetária dos humores da
economia internacional via controles extensivos sobre os fluxos de capitais.

A abordagem aqui proposta nos permite absorver o conjunto da dinâmica de


desenvolvimento na China como algo longe de ser espontâneo. Ao contrário, os
instrumentos utilizados foram sendo lapidados a cada rodada cíclica de mudanças
institucionais e consequente transformação nos marcos de atuação do Estado e da
iniciativa privada, nos termos propostos pelos autores acima referidos.

A "socialização do investimento" e seus mecanismos foram a expressão máxima de


um processo de construção de instituições capazes de refletir, ao longo do tempo, a
estratégia do país. Essa abordagem, além de propor superação de pobres
paradigmas ("mercadistas" x "estatistas"), destaca o protagonismo do Estado no
processo de desenvolvimento, criando nas palavras de Hirschman "tensões,
desproporções e desequilíbrios".

É notório que a China vive atualmente uma transição interna de dinâmica de


acumulação, cujos desdobramentos não estão claros. Combinada com uma difícil
realidade econômica internacional, essa transição interna chinesa ganha contornos
mais complicados com uma série de explosivas contradições de ordem social,
regional e ambiental vindo com força à tona. Assim, novas modalidades de ação
estatal e planejamento terão que ser preparadas. Liberalizações sempre têm sido
seguidas de atuação estatal em outro patamar. Esse é um dos grandes atuais
desafios a serem enfrentados pelos governantes chineses.

*Elias K. Jabbour. Doutor em Geografia Humana. Professor-adjunto da Faculdade de Ciências


Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ).

Luiz Fernando de Paula. Doutor em Economia. Pprofessor titular da FCE/UERJ e pesquisador


visitante da Freie Universitat Berlin.
Carta Capital
7 de Novembro de 2017

O Admirável Mundo Novo, segundo a China


por Elias Jabbour e Luiz Fernando de Paula

O 19º Congresso do Partido Comunista determina a preparação do país para a


quarta revolução industrial e a exportação do modelo de desenvolvimento

Não resta margem de dúvidas de que o 19º Congresso Nacional do Partido


Comunista da China é o fato mais importante do mundo neste ano de 2017. E talvez
dos próximos anos. E, neste evento, os governantes chineses deixaram escapar um
“segredo” nada trivial: o mundo está entrando em uma “nova era”, com a China
candidatando-se a jogar todo seu peso para disputar os rumos deste momento
histórico, inclusive “exportando seu modelo”.

Ou, segundo o próprio presidente chinês, Xi Jinping, “fornecendo opções


completamente novas aos países e nações que desejam acelerar o seu
desenvolvimento e, ao mesmo tempo, manter sua própria independência”.

Cabe, antes de mais nada, apontar algumas características do recente processo


de catching up chinês. Em termos de crescimento do PIB, sua média, desde 1980,
situa-se acima dos 9% ao ano. O PIB per capita passou os 9 mil dólares em 2014,
contra 5 mil em 2005.

O país viu sua posição cambiar, de forma rápida, à “tripla condição” de potência
comercial, industrial e financeira, combinando as seguintes iniciativas:

1) planificação do comércio exterior;

2) ampliação do escopo a um novo setor privado;

3) formação de um amplo e profundo sistema financeiro estatal (voltado ao


financiamento de longo prazo);

4) instituição de mecanismos de controle sobre os fluxos externos de capitais

5) ciclos rápidos de substituição de importações;

6) a formação, desde a segunda metade da década de 1990, de um poderoso


capital produtivo estatal (crescentemente centralizado) sob a forma de 149
conglomerados empresariais estatais e;
7) lançamento de grandes pacotes fiscais como reação à flutuação de demanda
interna e/ou externa.

Ainda no campo da indicação de estudos e exploração do “modelo”, importante


observar a existência de ondas de ciclos institucionais mediadoras não somente das
políticas elencadas acima, mas principalmente do escopo de ação dos setores
estatal e privado na economia.

Na China é perceptível que o avanço do setor privado (desde as reformas na


agricultura no final da década de 1970) foi seguido por “estatização” em outro
patamar. Essa elevação constante do papel do Estado ocorreu, por exemplo, pela
via do surgimento de novos institutos de coordenação e socialização do
investimento: com o controle do comércio exterior, passando pelos instrumentos
cruciais do processo de acumulação (juros, câmbio, crédito e grande finança) até –
com a completa integração entre sistema financeiro e os conglomerados
empresariais estatais encetando a execução das grandes políticas de Estado – a
inauguração de novas e superiores formas de planificação econômica.

Seguindo esta linha, segundo o presidente chinês, “(...) há que se aprimorar o


sistema de administração dos diversos tipos de ativos estatais, (...) tornar os capitais
estatais mais fortes, avançados e maiores (...)”. Neste sentido, o discurso de Xi
Jinping oficializa a tendência recente, que vai se transformando em um atributo de
destaque do modelo chinês, de a China consolidar uma economia centrada em
grandes conglomerados estatais situadas nos setores produtivos e financeiros
estratégicos.

Deste modo, fica claro que não se trata meramente de uma fase de transição, mas
sim de colocar a planificação estatal (em associação com o setor privado) como um
atributo permanente do “modelo” de desenvolvimento chinês.

Pode causar espécie aos menos avisados o impacto desta tendência crescente de
“estatização” sobre a estrutura de propriedade chinesa. Trabalhos recentes (entre
outros, ver B. Naughton, “Is China Socialist?”, Journal of Economic Perspectives,
2017) mostram a grande diferenciação entre a estrutura de propriedade chinesa em
comparação com outras partes do mundo (grandes conglomerados estatais,
empresas de capital misto, propriedade dividida por ações).

Esse processo reflete-se diretamente em um aumento contínuo, desde a segunda


metade da década de 1990, do controle governamental sobre os fluxos da renda
nacional: de 13,5% do PIB em 1996 a 37,3% em 2015. Percebe-se também na
queda do aumento da taxa de investimentos do setor privado (de 34,8% em 2011
para 2,8% em junho de 2016). No mesmo período os investimentos estatais
cresceram de 15,2% para 23,5%.
Uma economia em processo de desenvolvimento cresce saltando de um
desequilíbrio a outro, como nos ensinou Albert Hirschman, o que significa que os
desafios anteriores não tendem à repetição mecânica. O mesmo raciocínio vale ao
papel do Estado, que se altera sob determinação da mudança da realidade – interna
e externa.

Fica implícito na intervenção de Xi Jinping que a China tanto desafia quanto está
sendo desafiada por uma “nova era” marcada pelo advento de novos paradigmas
tecnológicos (Revolução 4.0) – e está procurando se preparar para isto. É evidente
que esta chamada "nova era" abre grandes possibilidades de "planificação
econômica em massa" da economia (com o Big Data, por exemplo). Neste aspecto,
os chineses – com instituições derivadas da antiga Gosplan soviética – saem à
frente do resto do mundo. De fato, são essas instituições de Estado (sob a liderança
da State-Owned Assets Supervision and Administration Commission of the State
Council – SASAC) responsáveis por colocar a China como parte do condomínio de
países que lideram a atual onda de inovações.

Por fim, o “modelo chinês” que transparece nas palavras de Xi Jinping transita do
paradigma do “acúmulo de duplicações do PIB” para questões mais relacionadas à
distribuição de renda, como mostra a tendência recente de constituição de um
Estado de bem-estar social no país.

Não são poucos os programas em andamento, dentre eles o Sistema de Medicina


Cooperativa cujo público-alvo são as massas de habitantes mais vulneráveis do
país. O desafio aí está no desafio político de enfrentar, por exemplo, as agruras de
um conflito distributivo nada trivial em um país com pelo menos três centenas de
bilionários.

Desta análise, é possível concluir que o “modelo chinês” é algo que vai se
distanciando – historicamente – de um modelo típico de “capitalismo de Estado”, e
mais longe ainda de ser um “capitalismo liberal”. Estaríamos sendo impelidos em
admitir o “socialismo de mercado” não mais como uma mera abstração, e já como
uma nova formação econômico-social. Neste sentido, devemos escutar o conselho
dado pelos chineses, repetido por Xi Jinping em seu discurso, de “(..) abrir a mente,
buscar a verdade nos fatos (...)”.

* Elias Jabbour. Professor de Planejamento Econômico da FCE/UERJ. Luiz Fernando de Paula é


professor titular de Economia Política da FCE/UERJ e do IESP/UERJ
IHU Online
http://www.ihu.unisinos.br/581694-china-uma-ordem-pos-neoliberal-
entrevista-com-martin-jacques

China, uma ordem pós-neoliberal?


Entrevista com Martin Jacques

Se a crise financeira global simbolizou o declínio do Ocidente, ela também sinalizou


que o futuro pertence à China – uma superpotência que “entende” o mundo em
desenvolvimento melhor do que os Estados Unidos, o FMI ou o Banco Mundial. É o
que afirma Martin Jacques, ex-editor da revista Marxism Today, do Partido
Comunista do Reino Unido, e autor de When China Rules the World [Quando a
China governa o mundo] (Ed. Penguin).
Em um comentário sobre a entrevista, publicado em Effimera, 18-07-2018, o
economista italiano Andrea Fumagalli escreve o seguinte:

“A dinâmica geopolítica e geoeconômica está em constante metamorfose.


Mas, se o tabuleiro econômico global parece hoje mais orientado para
uma crescente supremacia econômica, tecnológica e logística da China às
custas dos Estados Unidos e da Europa, o mesmo não pode ser dito para a
ordem geopolítica internacional. A China, depois de se tornar a economia de
tecnologia mais avançada em muitos setores, sendo capaz de controlar as
rotas globais da logística e do transporte, está agora minando a liderança
estadunidense na exploração dos big data e nas biotecnologiase, em um
futuro próximo, poderia inverter o primado financeiro de Wall Street.
“No plano político, no entanto, a situação é mais complexa. Apesar das
aparências, um está se afirmando dentro das relações capitalistas
internacionais entre um eixo austral, capitaneado pela China, com a Índia, a
África do Sul e o Brasil (embora em crise) de apoio (o desenvolvimento
intracomercial entre esses países em forte ascensão), e um inédito eixo
boreal, fundado sobre a trindade Estados Unidos (Trump), Grã-
Bretanha (saída da União Europeia) e Rússia (Putin). Trata-se de uma
crescente tensão capitalista entre um Norte e um Sul do mundo, que
obviamente não pode mais ser remetida à tradicional dialética dos anos 1970
entre „desenvolvimento-subdesenvolvimento‟.
“Nestes dias, os encontros de Donald Trump com Theresa May (a assinatura
de um pacto de livre comércio entre os Estados Unidos e o Reino Unido em
função antieuropeia) e com Vladimir Putin para selar uma partilha de
interesses estratégicos em oposição à China parecem confirmar isso. Vai
nessa direção a guerra comercial que Trump começou a mover efetivamente
contra a Europa (introdução de tarifas sobre o aço e o alumínio) e que
constantemente ameaça contra a China (que, ao contrário da Europa, tem
armas mais poderosas de resposta).
“Ao mesmo tempo, também nestes dias, uma delegação europeia se
encontrou com as mais altas autoridades chinesas, e um novo tratado de livre
comércio foi assinado entre a Europa e o Japão.
“A situação, portanto, está em fase de ebulição, em busca de um equilíbrio
que hoje parece muito improvável. Por isso, a entrevista com Martin
Jacques (grande conhecedor da realidade chinesa) é de extrema importância,
especialmente porque nos permite assinalar a incapacidade europeia de
entender de que lado deve estar neste novo conflito, de modo a evitar o seu
próprio declínio. Trata-se de uma fase nova, em que os princípios da
„democracia‟ não importam mais (atordoados, desde que o liberalismo
econômico se tornou hegemônico), e novas armas de „destruição em
massa‟ (militares e econômicas) se assomam no horizonte.”
A entrevista foi publicada em New Internationalist, em 09-07-2018.

Como a China respondeu à crise financeira global?


Foi essencialmente uma crise ocidental, mas a China teve que responder porque os
mercados estadunidense e europeu, dos quais ela dependia bastante, caíram muito
inicialmente, e ela fez isso promovendo um enorme programa de estímulo.
Ela bombeou grandes quantias de dinheiro para a economia, e a consequência foi
que o crescimento chinês caiu um pouco, mas permaneceu muito alto. Ele beirava
os 9% e 10% durante esse período e, de fato, subiu para 12% e 13%.
No período mais longo, basicamente o que aconteceu foi uma séria tentativa de
mudar o centro de gravidade da economia chinesa. Em 1978, a economia
da China era a 20ª em comparação com a economia dos Estados Unidos. As
reformas ao longo das décadas seguintes foram no sentido de ela se tornar uma
economia voltada para a exportação, dependente de mão-de-obra barata que vinha
de poderosos movimentos migratórios da zona rural para as grandes cidades, com
uma contribuição muito forte do Estado, é claro.
Mas, desde a crise financeira, a mudança tem sido em direção a uma economia
cada vez mais dependente do consumo interno, e não do consumo externo, com
uma dependência muito maior da pesquisa e do desenvolvimento, e com uma taxa
de crescimento menor. A nova norma para uma taxa de crescimento é entre 6,5% e
7%, o que a China tem mantido até hoje. Mas, quando a economia está crescendo
nesse ritmo, dado o tamanho de todo o país, o impacto global ainda é enorme: a
China tem sido responsável, desde a crise financeira ocidental, por algo entre 40% e
50% do crescimento global. Sem a economia chinesa, a economia global seria uma
confusão.

A China poderia estar seguindo a rota da financeirização como as


economias ocidentais? Blackrock, o enorme hedge fund, recebeu
recentemente uma licença para começar a operar lá.

Bem, eu não acho que o anúncio do Blackrock, em si mesmo, constitua algo


parecido. Eu acho que os chineses resistirão fortemente a seguir esse caminho. É
claro, eles precisam de um setor financeiro forte. Eles precisarão
desenvolver mercados de capitais [locais financeiros onde o dinheiro possa ser
levantado para investimento]. Mas o fato é que a economia chinesa é muito diferente
da economia dos Estados Unidos. Ela ainda tem uma tremenda capacidade de
produção e ênfase na importância do trabalho científico e técnico. O Estado é muito
fundamental para o modo como a economia chinesa funciona. Eles também têm
sido muito mais capazes de lidar com interesses especiais de um jeito que as
economias ocidentais não conseguiram. O setor bancário tornou-se dominante nas
sociedades ocidentais durante o período neoliberal do fim dos anos 1970 até o
colapso financeiro. Parece-me que há muito pouca evidência de que isso está
acontecendo na China.

E quando Mark Carney diz que está preocupado com o sistema bancário
paralelo na China...

O principal problema da dívida na China é a dívida corporativa. O sistema bancário


estatal, mas também, até certo ponto, o sistema bancário paralelo, acumulou um
endividamento porque, às vezes, está excessivamente voltado a esquemas, planos
e investimentos que não eram tão saudáveis, e isso aumentou. Mas, como
nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, não é o Estado que está endividado...
Então, é um problema, mas é um problema interno, e não externo. O que realmente
ajudou as economias asiáticas menores durante a crise financeira asiática [nos anos
1990] foi que elas detinham importantes ativos em moedas estrangeiras e, de
repente, à medida que suas moedas caíam, suas dívidas aumentavam rapidamente.
Além disso, a população chinesa em si mesma não está endividada. Eles tendem a
ter poupanças muito grandes, que é uma das razões por trás da força financeira do
país... É preciso dizer que a gestão econômica da economia chinesa tem sido
bastante notável. Eles passaram 35 anos sem uma crise séria. Compare isso com
o Ocidente!
Um dos principais desenvolvimentos desde a crise é a criação por parte
da China do Novo Banco de Desenvolvimento e do Banco Asiático de
Desenvolvimento de Infraestrutura, que até a Grã-Bretanha e a Alemanha
assinaram embaixo – para o descontentamento dos Estados Unidos. Por
que eles estão criando essas alternativas ao Banco Mundial e ao FMI?

Depois de 2007-2008, os chineses perceberam que não podiam confiar no


alinhamento de interesses entre a economia dos Estados Unidos e a economia
global. Eles tinham que desenvolver suas próprias instituições. Os estadunidenses
também se arrastaram nas reformas do FMI, porque queriam manter o controle
sobre ele.
Nessa situação, você não quer instituições como o FMI e o Banco Mundial, que são
essencialmente instituições ocidentais cuja principal função é servir as economias
ocidentais. Você precisa de algo com uma visão do mundo muito mais ampla e
inclusiva... É por isso que vimos o Banco Asiático de Desenvolvimento de
Infraestrutura, o Novo Banco de Desenvolvimento (o banco dos BRICS), e
veremos um desenvolvimento muito maior de tudo isso junto com a iniciativa Belts &
Road [um enorme programa de infraestrutura que visa a melhorar a conectividade
entre a Europa, o Oriente Médio, a Ásia e a Australásia]. O veículo para
a transformação global para o próximo período será a iniciativa Belts & Road.

Eu entendo por que o investimento chinês foi bem recebido pelos


governos. No Equador, no entanto, há comunidades indígenas
protestando contra as vorazes empresas chinesas de mineração. No
Gâmbia, os pescadores locais estão sendo esmagados pelas empresas
chinesas. Em um nível moral e político, como a China deveria lidar com
essas lutas? Porque não há desenvolvimento sem conflito...

Você está certo: sempre há conflito no desenvolvimento. A China desenvolveu, com


grande velocidade, uma presença em muitos países em desenvolvimento. Por um
lado, isso levou a uma demanda crescente por produtores de commodities [em
países mais pobres] – do petróleo a metais como o minério de ferro – e teve um
efeito poderoso sobre as suas economias. Por outro lado, a China também é
extremamente competitiva em muitas indústrias, e isso pode ter efeitos negativos.
Há muitos exemplos em que a China, na produção de baixo custo, venceu a
concorrência com empresas do mundo em desenvolvimento que não têm escala e
nível de investimento para competir.
Em termos de relacionamento com lugares como a África e o Sudeste Asiático, as
empresas chinesas têm sido um fator importante no desenvolvimento do início de
uma capacidade de produção séria em lugares como a Etiópia, que, em geral,
nunca a teve antes. Eu acho que a relação da China com a África tem sido
basicamente muito positiva. Não estou dizendo que não houve problemas. Por
exemplo, há muito ressentimento sobre as empresas chinesas que levam mão-de-
obra chinesa para alguns dos desenvolvimentos infraestruturais. Mas a razão pela
qual eu acho que isso tem sido amplamente positivo é que a China era uma nova
fonte de demanda por produtores de commodities na África. Isso significa que eles
não estavam mais apenas dependentes da demanda ocidental. Tornou-se um
mercado competitivo, que elevou o preço das commodities durante esse período e
fez com que eles estivessem em uma situação econômica melhor.
Em segundo lugar, e é por isso que eu sou profundamente contra o argumento de
que a China é a nova potência colonial na África, a China entende o problema dos
países em desenvolvimento. Um dos grandes problemas é o desenvolvimento de
infraestrutura que forneça transporte, energia e os blocos de construção necessários
para uma economia mais desenvolvida. O que a China tem feito em todos os
principais países da África é fornecer sistemas rodoviários, ferroviários e assim por
diante. Para os chineses, é tudo desenvolvimento.
A China nem sempre se comportou bem. Se você olhar para Mianmar, ele ficou
muito próximo do regime militar [que está perseguindo os Rohungya], e uma
fraqueza dos chineses é… [que eles frequentemente chegam em novos países sem
serem] suficientemente sensíveis à opinião local. Isso definitivamente aconteceu em
Mianmar e no Sri Lanka. Então, esse tipo de tensões é real e importante. E não há
dúvida de que os chineses vão cometer muitos mais erros. A questão é se eles
aprendem com eles. Então agora eles estão aprendendo a lidar com a sociedade
civil em outros países, porque eles não têm uma sociedade civil da mesma forma
que a maioria dos países.

Vamos terminar com a questão dos Estados Unidos. Há uma crescente


belicosidade entre as duas superpotências. No entanto, suas economias
também são dependentes uma da outra. A China possui mais dívidas
dos Estados Unidos, na forma de títulos do Tesouro, do que qualquer
outro país, o que, por sua vez, permite que os Estados Unidos gastem
além de seus meios e comprem produtos chineses. Isso é sustentável?

A dificuldade no Ocidente é a incapacidade de entender a China. Ouça o


programa Today da BBC, leia o Guardian: há pouca noção dessa mudança no
mundo. Quantos artigos foram publicados sobre a iniciativa Belt & Road, que é o
projeto global mais importante desta era?
Ironicamente, Trump foi o primeiro político estadunidense a reconhecer o declínio
dos EUA: esta é a premissa do “Make America Great Again”. No entanto, ele está
iludido na crença de que ele pode reverter isso. Eu acho que vai haver uma guerra
comercial, mas nada irá [reverter a ascensão da China]. Estas são forças históricas
profundas em ação, assim como a ascensão da Europa nos séculos XVI e XVII
foram profundas tendências históricas. Portanto, os Estados Unidos precisam fazer
as contas com a ascensão da China e renegociar a sua relação com a China. No
centro de qualquer resposta à sua pergunta está isto: como o Ocidente lidará com o
seu próprio declínio relativo?

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